O ADEUS A
LÁZARO
(o Evangelho como me foi revelado – Maria
Valtorta –Vol 9-pgs. 290 a 300)
“Lázaro, meu amigo, sabes tu quem sou Eu?”
“Tu? Ora, Tu és Jesus de Nazaré, o meu doce
Jesus, o meu santo Jesus e meu poderoso Jesus!”
“Isto é o que Eu sou para ti. E para o mundo,
quem Eu sou?”
“Tu és o Messias de Israel.”
“E que mais?”
“És o Prometido, o Esperado... Mas, Poe que
me perguntas isso? Estarás duvidando de minha fé?”
“Não, Lázaro. Mas Eu quero confidenciar-te
uma coisa. Ninguém, sem falar de minha Mãe e de um dos meus, ninguém ainda sabe
disso. Minha Mãe, porque ela não deixa de saber nada. E um outro, porque ele
participa desse assunto. Aos outros, Eu lhes falei, durante estes três anos em
que estiveram comigo, muitas e muitas vezes. Mas o amor deles tem servido de
subterfúgio e de cobertura, pairando sobre a verdade que lhes foi anunciada.
Eles não puderam entender tudo... E é bom que não tenham entendido, porque, sem
isso, para impedir um delito, eles iriam cometer outro. E seria inútil. Porque o
que deve acontecer aconteceria com todas as mortes que houvesse. Mas a ti Eu o
quero dizer.”
“Duvidas que Eu te ame menos do que eles? De
qual delito é que estás falando? Que delito é esse, que deve acontecer?
Fala-me, em nome de Deus!”
“Eu falo, sim. Não duvido do teu amor. E
tampouco Eu duvido dele, que nele Eu me fio, contando-lhe quais são as minhas
vontades.”
“Oh! Meu Jesus! Mas uma coisa dessas só se
faz, quando se está para morrer. Eu assim fiz, quando percebi que Tu não
vinhas, e que eu tinha que morrer.”
“E Eu devo morrer.”
“Naão!”
“Não grites. Que ninguém te ouça. Eu preciso
falar-te a ti sozinho, Lázaro, meu amigo, sabes o que é que está acontecendo
neste momento em que estás perto de Mim, com esta amizade fiel, que me tiveste
desde o primeiro momento, e que nunca foi perturbada por motivo algum? Um
homem, junto com outro homem estão combinando que preço dar ao Cordeiro. Sabes
qual é o nome daquele Cordeiro? Seu nome é Jesus de Nazaré.”
“Naão. Inimigos teus existem, é verdade. Mas
ninguém pode vender-te. Quem? Quem é?”
“É um dos meus. Não podia deixar de ser,
senão um daqueles que Eu fortemente desenganei, e que, cansado de esperar, quer
ver-se livre daquele que já não é mais do que um perigo pessoal. Ele pensa em
granjear uma estima, conforme ao seu pensamento, no meio dos grandes do mundo.
Mas, pelo contrário, ele vai ser desprezado pelo mundo dos bons e até pelo dos
delinqüentes. Ele chegou a ficar tão cansado de Mim, que na espera daquilo que,
por todos os meios, ele procurou conseguir, isto é, a grandeza humana,
procurada por ele antes no Templo, esperando atingi-la agora, com o Rei de
Israel, e a está procurando novamente no Templo, e em companhia dos romanos...
Ele espera... Mas Roma, que também sabe premiar os seus servos fiéis... sabe
pisar, com o seu desprezo, nos vis delatores. Ele está cansado de Mim, de ficar
esperando, e do peso que é o procurarmos ser bons. Para quem é mau, o ser bom,
e até mesmo ter que fingir que se é bom, já é uma carga de um pesa avassalador.
Ela pode ser tolerada por algum tempo... Mas depois... Não se agüenta mais, e
se procura ficar livre dela. Livre? Assim pensam os maus. E assim também ele
crê. Mas isso não é liberdade. Ser de Deus é que é liberdade. Pois ser contra
Deus é um cativeiro, é estar preso aos cepos e as correntes a grandes pesos e
debaixo dos açoitamentos, como fazem com o galeote, que tem que ficar sempre
junto ao remo, como fazem com o escravo nas construções, que tem que suportar
as chicotadas do capataz.”
“Quem é? Dize-o a mim. Quem é?”
“Não adianta.”
“Sim, que adianta. Ah! Não pode ser outro,
senão ele: esse homem sempre foi uma mancha entre os das tuas fileiras, o homem
que há pouco tempo, ofendeu minha irmã. É Judas de Keriot.”
“Não.
Satanás... Deus assumiu uma carne em Mim: Jesus. E Satanás assumiu uma carne
nele: Judas de Keriot. Um dia... Há muito tempo... Aqui neste teu jardim, Eu
consolei um pranto e desculpei um espírito que caiu na lama. Eu disse que a
possessão é um contágio de Satanás, que inocula os seus sucos no ser e o
desnatura. Eu disse que isso é o casamento de Satanás com a animalidade de um
espírito. Mas a possessão é ainda pouca coisa, em comparação com a encarnação.
Eu serei possuído pelos meus santos, e eles serão possuídos por Mim. Mas só em
Jesus Cristo está Deus, como está no Céu, porque Eu sou Deus que se fez carne.
A Encarnação divina é uma só. Assim também em um só é que estará Satanás, o
Lúcifer, assim como ele está em seu reino, porque só no assassino do Filho de
Deus é que Satanás está encarnado. Ele enquanto aqui te estou falando, está lá
diante do Sinédrio, combinando como vai ser a minha morte, e se empenhando no
assunto. Mas não é ele. É Satanás. Agora escuta Lázaro, meu amigo fiel. Eu te
peço alguns favores. Tu nunca me negaste nada. O teu amor tem sido tão grande,
que sem ultrapassar a linha do respeito, foi sempre ativo a meu lado, com
tantas ajudas, ajudas sempre previdentes, e com sábios conselhos, que Eu sempre
aceitei, porque Eu via no teu coração um verdadeiro desejo do meu bem.”
“Oh! Meu Senhor! Mas era minha alegria
ocupar-me contigo! Que mais farei agora, se não tiver que ocupar-me com o meu
Mestre e Senhor? É demais. É pouco demais o que me permitiste fazer. A minha
dívida para contigo. que fizeste Maria voltar ao meu amor e à vida honrada, que
me fizeste a mim voltar a vida, é uma dívida tão grande que... Oh! Porque me
fizeste voltar da morte à vida para fazer-me viver uma hora como esta? Já todo
o horror da morte e toda a angústia do espírito, pois fui tentado por Satanás,
no momento de apressar-me ao Juiz Eterno, tudo isso eu superei,e eu estava no
escuro... Que tens, Jesus? Por que é que estás tremendo e ficando pálido ainda
mais do que estavas antes? O teu rosto está mais pálido do que esta rosa
branca, que vai murchando à luz da lua. Oh! Mestre! Parece que o sangue e a
vida te estão abandonando.”
“De fato, Eu estou como alguém que morre, com
suas veias abertas. Toda Jerusalém, e Eu quero dizer com isso: todos os meus
inimigos entre os poderosos de Israel, toda Jerusalém está agarrada a Mim, com
suas bocas ávidas, e está chupando a minha vida e o meu sangue. Eles querem
fazer silenciar esta voz que, durante três anos atormentou, ainda que o fizesse
por amá-los... Pois toda palavra minha, mesmo sendo palavra de amor, era
sacudida com a intenção de despertar a alma deles, e eles não queriam dar
ouvidos a essa sua alma, e a haviam amarrado com sua tríplice sensualidade. E
isso não era somente com os grandes. Mas Jerusalém inteira esta para
enfurecer-se contra o inocente e querer a morte dele. E, com Jerusalém, toda a
Judéia. E com a Judéia a Peréia, a Iduméia, a Decápole, a Galiléia, a
Siro-fenícia. Israel inteiro réu-ne em Sião, para a “Passagem” do Cristo desta
vida para a morte. Lázaro, tu que morreste e foste ressuscitado, dize-me, que
coisa é morrer? Que foi que experimentaste? De que te lembras?”
“Morrer? Não me lembro exatamente como foi.
Depois de um grande sofrimento me sobreveio uma grande fraqueza. Parecia-me não
estar sofrendo mais e estar somente com um grande sono. A luz e o barulho foram
ficando cada vez mais fracos e longínquos. Dizem minhas irmãs que eu dava
sinais de um grande sofrimento. Mas eu... disso não me lembro...”
“Está bem. A piedade do Pai faz ficar obtuso
para quem está morrendo o uso da inteligência, de tal modo que eles sofrem somente
em sua carne, pois ela que tem que ser purificada nessa preparação para o
purgatório, que é a agonia. Mas eu... e da morte, não te lembras?”
“De nada, Mestre. Eu tenho uma faixa escura
no espírito. Um espaço vazio. Percebo uma interrupção no decurso de minha vida,
e não sei como preenchê-la. Não tenho recordações. Se seu olhasse para o fundo
daquele buraco escuro, que me encerrou durante quatro dias, ainda que fosse de
noite e houvesse sombra nele, eu perceberia, mas não veria o gelo que subia das
vísceras para ir soprar em minha face. Isso já seria uma sensação. Mas eu, se
pensar bem sobre aqueles quatro dias, não me lembro de nada. De nada. É o que
eu tenho a dizer.”
“Pois bem. Os que voltam não podem falar. O
mistério se revela a cada um por sua vez para aquele que lá entra. Mas Eu,
Lázaro, Eu sei o que vou sofrer. E sei o que sofrerei, com pleno conhecimento.
E não haverá nenhuma bebida doce, ou calmante pela qual se me torne menos atroz
a agonia. Eu perceberei quando estiver morrendo. E já o estou percebendo. Eu já
estou morrendo Lázaro. Como um doente de doença incurável, Eu continuei a
morrer, durante estes trinta e três anos. É sempre mais um morrer, se ele for
acelerado pouco a pouco, à medida que se vai aproximando aquela hora. Antes já
era um morrer somente o saber que Eu tinha nascido para ser o Redentor. Depois
veio o morrer de quem se vê combatido, acusado, escarnecido, perseguido,
impedido!... Que canseira! Depois... Morrer tendo a meu lado, cada vez mais
perto, até chegar a tê-lo agarrado a Mim, como um polvo ao naufrago, aquele que
é meu traidor. Que nojo! Agora Eu vou morrer com a mágoa de ter que dizer: “
adeus” aos meus amigos mais caros e a minha Mãe.”
“Oh! Mestre! Tu estás chorando? Sei que choraste também diante de meu sepulcro,
porque me amavas. Mas agora... Tu estás chorando de novo. Estás todo gelado.
Tens as mãos frias como um cadáver. Tu estás sofrendo. Estás sofrendo demais.”
“Eu sou o Homem, Lázaro. Não sou somente
Deus. Do Homem Eu tenho a sensibilidade e os afetos. E minha alma fica
angustiada, ao pensar em minha Mãe... Contudo, Eu to digo, tornou-se tão
monstruosa esta minha tortura de ter que suportar a presença do traidor, o ódio
satânico de todo o mundo, que, se não odeiam, também não sabem amar de fato e
chegar a ser como o amado quer e ensina, ao passo que aqui!... Sim, muitos me
amam. Mas continuam a ser “o que eram”. Não se transformaram em outros “eus”,
por amor de Mim. Sabes quem foi que
soube, entre os meus mais íntimos, desnaturar-se para se tornarem de Cristo,
como o Cristo quer? Apenas uma: a tua irmã Maria. Ela partiu de uma animalidade
completa e pervertida para chegar a uma espiritualidade angelical. E isso
somente pela força do amor.”
“Tu a redimiste?”
“A todos Eu redimi com a palavra. Mas somente
ela é que mudou totalmente pela atividade do seu amor. E Eu dizia: é tão
monstruosa esta minha tortura de ter que sofrer todas estas coisas, que Eu não
desejo outra coisa senão que tudo se cumpra. As minhas forças vão diminuindo...
Será menos pesada a cruz do que esta tortura do espírito e do sentimento.”
“A cruz? Naão! Oh! Não.”
Jesus se aproxima dele, põe-lhe a mão sobre o
ombro sacudido pelos soluços, e lhe diz: “E, então? Deverei ser Eu que morro,
Eu que te consolo a ti, que vives? Amigo, Eu preciso de força e de ajuda. E é o
que te peço. Não há mais quem possa dar, senão tu. Os outros é bom que nem o
saibam. Porque, se soubessem... haveria de correr muito sangue. E Eu não quero
que os cordeiros virem lobos, nem mesmo por amor ao inocente. Minha Mãe... Oh! que dor Eu sinto ao falar
nela”... Minha Mãe já vive tão angustiada! Também Ela esta para morrer
exausta... Há trinta e três anos que Ela também vem morrendo, e agora Ela é
toda uma chaga, como a vítima de um suplício atroz. Eu te juro que combati com
a mente e com o coração, estando entre a mente e a razão, para decidir se era
justo afastá-la, mandá-la de volta para sua casa, onde ela está sempre sonhando
com o Amor que a fez ser Mãe, e aprecia o sabor de seu beijo de fogo, estremece
no êxtase daquela lembrança, como o ar que está sendo agitado e movido, com um
esplendor angelical. Na Galiléia a notícia da morte chegará quase no momento em
que Eu poderei dizer a Ela: Minha Mãe, Eu sou o vencedor!” Mas não posso, não
posso fazer isso não. O pobre Jesus carregado com os pecados do mundo, tem
agora necessidade de um conforto. E minha Mãe é quem o dará a Mim. Este pobre
mundo ainda precisa de duas Vítimas. Porque o homem pecou em companhia da
mulher. E a mulher tem que redimir, como o homem redime. Mas, enquanto a hora não
tiver chegado, Eu darei à minha Mãe um sorriso calmo... Ela está tremendo... Eu
o sei. Ela percebe que a tortura vem se aproximando. Eu o sei. E Ela a repele
por um natural arrepio e por um santo amor, assim como Eu repilo a Morte,
porque sou um “vivo” que deve morrer. Mas ai se Ela soubesse que dentro de
cinco dias... Ela não chegaria viva até aquela hora, e Eu a quero viva, para
tirar dos seus lábios a força, como tirei vida do seu seio. E Deus a quer sobre
o meu Calvário para misturar a água do seu pranto virginal ao vinho do Sangue
divino e, assim, celebrar a primeira Missa. Não sabes. Nem podes saber. Será a
minha morte aplicada para sempre ao gênero humano, tanto ao que está vivendo,
como ao que está penando. Não chores, Lázaro. Ela é forte. Não está chorando.
Ela tem chorado durante toda a sua vida de Mãe. Agora não chora mais. Ela se
crucificou com o sorriso no rosto... Já viste que rosto Ela tem mostrado nestes
últimos tempos? Ela se crucificou com o sorriso no rosto, para me confortar. Eu
te pelo que imites minha Mãe. Eu não podia mais guardar o segredo comigo
sozinho. Por isso olhei ao redor de Mim, procurando um amigo sincero e firme. E
encontrei o teu olhar leal! E Eu disse: “É Lázaro.” Eu, quando estavas com uma
pedra sobre o coração, respeitei o teu segredo e o defendi até contra a
curiosidade natural do coração. Agora te peço o mesmo respeito para com o meu.
Depois... Depois de minha morte, tu o dirás. E contarás este colóquio, para que
se saiba que Jesus caminhou consciente para a morte e para as conhecidas
torturas, unindo mais esta de não ter ignorado nada, nem quanto às pessoas, nem
quanto ao seu destino. Para que se saiba que ainda, enquanto podia salvar-se,
não o quis, porque o seu infinito amor pelos homens não tinha outro desejo que
não fosse o de consumar o sacrifício de sua vida por eles.”
“Oh! Salva-te, Mestre! Salva-te! Eu te posso
ajudar a fugir. Nesta noite mesmo. Uma vez Tu já fugiste para o Egito! Foge
também agora. Vem, vamos. Tomemos conosco Maria e minhas irmãs, e vamos. Nenhuma
de minhas riquezas me atrai, como Tu sabes. A minha riqueza, a de Maria e de
Marta és Tu. Vamos.”
“Lázaro, naquele tempo Eu fugi, porque ainda
não era a hora. Agora é a hora. E Eu aqui fico.”
“Então eu vou ficar contigo. Eu não te
deixo.”
“Não. Tu ficas aqui. Visto que é concedida
uma licença para os que, dentro do espaço de um sábado, possam consumir o
cordeiro em sua casa, eis que tu, como sempre, consumirás o teu cordeiro. Mas
deixa que as irmãs venham a Mim. Por causa de minha Mãe... Ah! Que coisa te ocultavam,
ó Mártir, as rosas do amor divino. O abismo! O abismo! E dele sobem agora, e
vão crescendo as chamas do ódio, a morderem teu coração! As irmãs, sim. Elas
são fortes e ativas... Mas minha Mãe será como um ser agonizante e inclinado
sobre os meus despojos. João não basta. É amor, João. Mas é ainda imaturo. Oh!
e ouvir nos próximos dias. Mas a Mulher precisa das outras mulheres para
tratarem de suas grandes feridas. Tu as deixarás vir?”
“Mas até tudo o de que precisares. Eu sempre
te dei tudo com alegria. E só ficava sentido por quereres tão pouca coisa!”
“Tu o estás vendo. De nenhuma outra pessoa Eu
recebi tanto, como dos meus amigos de Betânia Esta tem sido uma das acusações
que aquele injusto fez contra Mim, mais de uma vez. Mas Eu sempre encontrava
aqui entre vós muita consolação para o Homem por todas as amarguras humanas. Em
Nazaré, como Deus achava meu consolo naquela que é a delícia de Deus. E aqui
estava o Homem. E Eu, antes de subir para a morte, quero te agradecer como a um
meu amigo fiel e amoroso, gentil, dedicado, reservado, douto, discreto e
generoso. Por tudo isso Eu te agradeço. E meu Pai, depois te recompensará...”
“Tudo eu já recebi do teu amor e com a
redenção de Maria.”
“Oh! Não. Tens ainda muito a receber, e
receberás. Escuta. Não percas a esperança assim. Dá-me a tua inteligência, a
fim de que Eu possa dizer-te o que Eu ainda vou pedir. Tu ficarás aqui
esperando.”
“Não, isto não. Por que Maria e Marta, e não
eu?”
“Porque Eu não quero que tu te corrompas,
como todos os do sexo masculino se corromperão. Nos dias futuros Jerusalém será
tão corrompida como o ar perto de uma carniça podre, que foi pisada pelo
calcanhar de um descuidado que ia passando. Ela está cheirando mal e fazendo
que assim fiquem os que nela tocam. Os miasmas que dela emanam farão que fiquem
loucos até os menos cruéis, até meus próprios discípulos. Eles fugirão. Mas
para onde irão eles naquele seu apavoramento? Para a casa de Lázaro. Quantas
vezes, nestes três anos, eles vieram até aqui procurar pão, cama, defesa,
refúgio e o Mestre. Agora eles voltarão. Como umas ovelhas dispersas pelo lobo,
que lhes terá roubado o pastor, elas correrão para um ovil. Reúne-as.
Encoraja-as. Dize-lhes que Eu os perdôo. Eu te confio o meu perdão para eles.
Eles não terão sossego, por terem fugido. Dize-lhes que não caiam num pecado
ainda maior, que é o de perder a esperança do meu perdão.”
“Todos fugirão?”
“Todos, menos João.”
“Mestre. Não me irás pedir que eu acolha
Judas? Faze-me morrer de tortura, mas não me peças isso. Muitas vezes senti
minha mão tremer no punho de minha espada, ansiosa por acabar com o opróbrio da
família, Mas, eu nunca fiz, porque não sou violento. Fui apenas tentado a
fazê-lo. Mas eu te juro que, se eu tornar a ver Judas, eu o degolarei, como a
um bode expiatório.”
“Não o verás nunca mais. Eu te juro.”
“Ele fugirá? Não importa. Eu disse: “Se eu o
vir”. Mas agora eu digo: “Eu irei ao encontro dele, ainda que ele estivesse nos
confins do mundo, e o matarei.”
“Não deves desejar isso.”
“Eu o farei.”
“Não o farás, porque aonde ele está tu não
poderás ir.”
“Estará ele no seio do Sinédrio? Ou no Santo?
Mesmo lá eu o encontrarei. E o matarei.”
“Ele não estará lá.”
“Estará no Palácio de Herodes? Eu serei
morto, mas antes o matarei.”
“Estará na casa de Satanás, e tu não estarás
nunca na casa de Satanás. Mas termina já com esse pensamento homicida, senão Eu
te deixo.”
“Oh!Oh! Mas, se é por Ti...”
Sim. Sou o teu Mestre. Acolherás os
discípulos, e os confortarás. E os conduzirás para a Paz. E, mesmo depois...
Depois tu os ajudarás. Betânia será sempre Betânia, enquanto o ódio não
penetrar neste lar de amor, pensando perder suas chamas, mas, ao contrário, as
irá espalhando pelo mundo, a fim de incendiá-lo totalmente. Eu te abençôo
Lázaro, por tudo o que fizeste e por tudo o que farás.”
“Nada, nada. Tu me arrebataste das garras da
morte, e agora não me permites defender-te. Então, que é que eu fiz.”
“Já me deste as tuas casas. Estás vendo? Isso
tinha que acontecer. Meu primeiro alojamento foi em Sião, uma terra que é tua.
E o último também será em uma delas. Estava marcado que Eu havia de ser teu
hóspede. Mas da morte não poderias defender-me. Eu te perguntei, no começo
deste colóquio:
“Sabes tu
quem Eu sou?
E agora Eu respondo: “ Eu sou o Redentor.” O
Redentor deve consumar o sacrifício até á última imolação. Afinal, bem o podes
crer. Aquele que vai ser levantado na cruz, e que vai ser exposto aos olhares e
aos escárnios do mundo, não será um vivo, mas um morto. Eu já sou um morto.
Morto pela falta de amor, muito mais do que pela tortura. E, ainda há mais uma
coisa, meu amigo. Amanhã Eu, ao romper do dia, irei a Jerusalém. E tu ouvirás
dizer que Sião aclamou como um triunfador ao rei manso que entrará nela cavalgando
um jumentinho. Não te iludas por esse triunfo, e não te faça ele pensar que a
Sabedoria, que te está falando, foi não sábia nesta plácida tarde. Mais rápido
do que um astro, que risca o céu e desaparece por espaços desconhecidos, assim
é que desaparecerá o entusiasmo popular, e Eu, daqui a cinco tardes, a esta
mesma hora, começarei a ser torturado, depois de receber um beijo traiçoeiro,
que abrirá as bocas que desde amanhã vão gritar hosanas, mas que em vozes
ferozes e por entre blasfêmias pedirão a minha condenação.
Sim. Tu a terás finalmente, ó cidade de Sião, ó
povo de Israel, terás o Cordeiro Pascal! Tu o terás nesse rito que vai
acontecer. Ei-lo chegado. Será a Vítima preparada pelos séculos. Foi o Amor que
a gerou, preparando para si um tálamo no qual não havia mancha. E o Amor a
consome. Eis. É a Vítima consciente. Não é como o cordeiro que, enquanto o
açougueiro afia a faca para degolá-lo, ele ainda está pastando as ervas do
prado, ou, sem saber de nada, está batendo contra o mamilo redondo de sua mãe.
Mas Eu sou o Cordeiro que, consciente diz: “ Adeus!
Para a vida, para a Mãe, para os amigos e vai até o sacrificador, de diz: “
Eis-me aqui! Eu sou o alimento do homem.”
Satanás faz parecer uma fome, que nunca é saciada.
E que não pode saciar. Só um alimento há que a sacia, porque ele tira aquela
fome. E aquele alimento, ei-lo aqui. Eis aqui, homem, o teu pão. Eis aqui o teu
vinho. Consome a tua Páscoa, ó Humanidade!
Atravessa o teu Mar Vermelho, que assim está por
causa das chamas satânicas. Tingido com o meu sangue, tu o passarás, ó raça
humana, preservada do fogo infernal. Tu podes passar. Os Céus, atendendo aos
meu desejos já começaram a entreabrir as portas eternas, Olhai, os espíritos dos
mortos! Olhai, ó homens que viveis! Olhai, ó almas que sereis incorporadas nos
futuros! Olhai, ó anjos do Paraíso. Olhai, ó demônios do Inferno! Olha ó Pai!
Olha, ó Paráclito! A Vítima está sorrindo. Ela não chora mais.
Tudo já foi dito. Adeus, meu amigo. A ti também.
Pois Eu não te verei antes da morte. Demo-nos o beijo do adeus. E não fiques
duvidando. Eles te dirão: “ Ele era um louco! Era um demônio! Era um mentiroso.
Morreu, enquanto vivia dizendo que Ele era a Vida. A eles, e especialmente a ti
mesmo, responde: “ Era e é a Verdade, era a Vida. E é o vencedor da Morte. Eu o
sei. Ele não pode ser o eterno Morto. Eu o espero. E não se consumirá todo o
óleo da lâmpada, que o amigo tem pronta para alumiar o mundo, que foi convidado
para as núpcias do Triunfador, quando Ele, o Esposo, voltar. E a Luz, desta vez
não poderá mais se apagar.” Acredita nisso, Lázaro. Obedece ao meu desejo.
Escutaste este rouxinol como está cantando, depois de ter se calado, por causa
do barulho do teu pranto? Também, tu, faze assim. Que a tua alma depois do
inevitável pranto sobre o Morto, cante o canto firme de tua fé. Que sejas
abençoado. Pelo Pai, pelo Filho e o Espírito Santo.
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EVANGELHO COMO ME FOI REVELADO – MARIA VALTORTA