NOSSA SENHORA, MÃE DE DEUS
(O Evangelho como me foi revelado – Maria Valtorta – Vol 1 –pg. 21
a 26)
Ana, com um cântico anuncia que será mãe. No seu ventre está a
alma imaculada de Maria.
Revejo a
casa de Joaquim e Ana. Nada mudou no seu interior, se tirarem os muitos ramos
floridos, colocados em ânforas aqui e ali, fruto das podas feitas nas árvores
do pomar em flor: uma nuvem que varia do branco neve ao vermelho de certos
corais. O trabalho de Ana também é diferente. Sobre um tear menor, ela tece
algumas bonitas telas de linho, e canta, cadenciando o movimento do pé com o
canto. Canta e sorri... A quem? A si mesma, a alguma coisa que ela vê no seu
interior. Eis o canto, lento mas alegre, que escrevi à parte para segui-lo,
porque o repete muitas vezes deleitando-se nisso, sempre mais forte e segura,
como quem encontrou um ritmo no seu coração; primeiro o murmura em surdina,
depois, segura, canta mais veloz e alto (aqui o transcrevo porque, na sua
simplicidade é muito doce):
“Glória ao
Senhor onipotente que dos filhos de Davi teve amor. Glória ao Senhor!
A sua
suprema graça do Céu me visitou.
A velha
planta colocou novo ramo e eu sou bem-aventurada.
Pela festa
das Luzes a semente lançou a esperança;
ora a
fragrância de Nisam o vê brotar.
Como a
amendoeira na minha carne floresce a primavera.
O seu fruto,
nesta tarde, ela sente transportar. Naquele ramo há uma rosa, há um pomo dos
mais doces.
Há uma
estrela reluzente, há uma criança inocente.
Há a alegria
da casa, do esposo e da esposa.
Louvor a
Deus, ao meu Senhor, que teve piedade de mim.
A sua luz me
disse: “Uma estrela virá a ti”. Glória, glória!
Será teu
este fruto da planta, primeiro e derradeiro, santo e puro como dádiva do
Senhor.
Teu será e
por causa dele venha alegria e paz sobre a terra.
Voa, oh
lançadeira. O fio sé aperta sobre o tecido da criança. Ele nasce! A Deus
glorioso vá o canto do meu coração”.
Joaquim
entra quando ela está para repetir pela quarta vez o seu canto.
- Estás
feliz, Ana? Pareces-me um pássaro que viu a primavera. Que canto é este? Nunca
ouvi. De onde ele vem?
- Do meu
coração, Joaquim.
Ana
levanta-se e agora se dirige até o esposo, toda risonha. Parece mais jovem e
mais bonita.
- Não te
imaginava poetisa - diz o marido, olhando-a com clara admiração. Não pareciam
dois esposos idosos. Em seus olhares, existia uma ternura de jovens esposos.
- Vim do
fundo do pomar ouvindo-te cantar. Eram anos que não ouvia a tua voz de rolinha
enamorada. Queres repetir-me aquele canto?
- Eu o
repetiria mesmo que tu não me pedisses. Os filhos de Israel sempre confiaram ao
canto os clamores mais verdadeiros de suas esperanças, alegrias e dores. Eu
confiei ao canto o cuidado de dizer- me e dizer-te uma grande alegria. Sim,
também dizer a mim mesma, porque é uma coisa imensa que, por quanto esteja
certa, parece-me ainda não ser verdadeira...- e recomeça o canto, mas chegando
ao ponto: “sobre aquele ramo há uma rosa, há uma maçã das mais doces, há uma
estrela...” A sua voz bem entoada de contralto fez-se primeiro trêmula, depois
se rompe e com um soluço de alegria olha Joaquim e, levantando os braços grita:
- Sou mãe
meu deleite - E se refugia no seu coração, entre os braços que ele estendeu para
encerrarem em torno de sua feliz esposa. O mais casto e feliz abraço que eu
jamais vi, desde que estou no mundo. Casto e ardente, na sua castidade. E a
doce repreensão entre os cabelos grisalhos de Ana: - E não me disseste antes? -
Porque queria estar certa. Velha como sou... Saber-me mãe... Não podia
acreditar ser verdade... não queria dar-te uma desilusão mais amarga ainda.
Desde fins de dezembro sinto fazerem-se novas as minhas profundas entranhas e
brotar, como posso dizer, um novo ramo. Mas agora sobre aquele ramo está seguro
o fruto. Vês? Aquele tecido já é para aquele que virá.
- Não é o
linho que comprastes em outubro em Jerusalém?
- Sim. Eu o teci
depois enquanto esperava. Esperava porque no último dia, enquanto orava no
Templo, o maior tempo que pudesse uma mulher ficar na Casa de Deus, até a
noite... Tu te recordas que eu dizia: “Ainda, ainda um pouco”. Não podia
afastar-me dali sem receber a graça! Pois bem! Na sombra que já descia do
interior do lugar sagrado, que eu olhava com atração de alma para arrancar uma
anuência do Deus presente, vi partir uma luz, uma centelha de luz maravilhosa.
Era alva como a lua, contudo tinha em si as luzes de todas as pérolas e pedras
preciosas que existem sobre a terra. Parecia que uma das estrelas preciosas do
Véu, daquelas estrelas postas sob os pés dos querubins, se desprendesse uma e
se tornasse esplêndida, de uma luz sobrenatural... Parecia partir um fogo para
além do Véu sagrado, proveniente da própria Glória, vindo a mim veloz, e ao
cortar o ar cantasse com voz celeste dizendo: “O que pedistes venha a ti”. É
por isso que eu canto: “Uma estrela virá a ti”. Que filho será esse nosso, que
se manifesta como luz de estrela no Templo e que diz: “Eu sou” na festa das
Luzes? Que filho fez com que tu tenhas visto em mim uma nova Ana de Elcana?
Como chamaremos a nossa criança, que doce como um canto de águas ouço falar-me
no ventre com o seu pequeno coração que bate como o de uma rolinha apanhada na
cavidade das mãos?
- Se for
menino o chamaremos Samuel. Se for menina Estrela. A palavra que fortaleceu o
teu canto para dar-me a alegria de saber-me pai. A forma que escolheu para manifestar-se
entre a sacra sombra do Templo.
- Estrela. A
nossa estrela, porque, não sei, penso que seja mesmo uma menina. Parece-me que
carícias tão doces não possam vir senão de uma dulcíssima filha. Eu não a carrego,
não tenho nenhum sofrimento. É ela que me carrega sobre uma vereda azul e
florida, como se eu estivesse amparada pelos santos anjos e a terra já
estivesse longe... Sempre ouvi as mulheres dizerem que conceber e gerar é sinônimo
de dor. Mas eu não tenho dor. Sinto-me forte, jovem, fresca, mais do que quando
te dei a minha virgindade na juventude distante. Filha de Deus, visto que é
mais de Deus do que nossa aquela que nasce de um tronco árido, não dá dores à
sua mãe. Ela traz somente paz e bênção: os frutos de Deus, seu verdadeiro Pai.
- Então a chamaremos Maria. Estrela do nosso mar, pérola, felicidade. O nome da
primeira grande mulher de Israel. Mas esta não pecará nunca contra o Senhor, e
só a Ele dará o seu canto porque a Ele é oferecida, como hóstia, antes de
nascer.
- A Ele é
oferecida, sim. Homem ou mulher que seja, depois de nos alegrarmos por três
anos com a nossa criança, nós a daremos ao Senhor. Hóstia também nós com ela,
pela glória de Deus.
Não vejo nem
ouço mais nada
Diz Jesus:
“A
Sabedoria, depois de tê-los iluminado com os sonhos da noite, desceu àquela que
é “vapor da virtude de Deus, certa emanação da glória do Onipotente”, e
tornou-se Palavra para a estéril. Aquele que agora via próximo o Seu tempo de
redimir, Eu, o Cristo, neto de Ana, quase cinqüenta anos depois, mediante a
Palavra, farei milagres sobre as estéreis e as doentes, sobre as
endemoninhadas, sobre as desoladas, sobre todas as misérias da terra.
No entanto,
pela alegria de ter uma mãe, eis que murmuro misteriosamente a Palavra na
sombra do Templo, que continha as esperanças de Israel. Templo agora no limiar
da sua vida, porque o novo e verdadeiro Templo não contém mais as esperanças de
um povo, mas a certeza de um Paraíso para o povo de toda a terra, por todos os
séculos até o fim do mundo; Paraíso que está para vir sobre a terra. E esta
palavra opera o milagre de tornar fecundo o que era infecundo. Dar-me uma mãe,
que não teve apenas ótima proveniência, como era seu destino, nascida de dois
santos; não teve somente um aumento contínuo de bondade pelo seu bem querer,
não teve somente um corpo imaculado, teve também o espírito imaculado, sendo
única entre as criaturas.
Tu vistes a
geração contínua das almas de Deus. Agora imagines qual deva ser a beleza desta
alma que o Pai almejou antes que o tempo existisse, desta alma que constituía
as delícias da Trindade, que ardia por enfeitá-la com as suas dádivas para lhe
fazer um dom a Si mesma. Ó toda santa, que Deus criou para Si e depois para
refúgio dos homens! Portadora do Salvador, tu fostes a primeira salvação.
Paraíso Vivente, com teu sorriso, começastes a santificar a terra.
A alma
criada para ser a alma da Mãe de Deus! Quando, de uma mais viva palpitação do
Trino Amor, brotou esta centelha vital, jubilaram os anjos, porque o Paraíso
nunca viu Luz mais viva. Como pétala de uma rosa, uma pétala imaterial e
preciosa que era jóia e chama, que era o hálito de Deus que descia para animar
uma carne diferentemente das outras, que descia com fogo tão potente que a
Culpa não pode contaminá-la, atravessando os espaços e encerrando-se num seio
santo.
Ainda sem
saber, a terra já tinha a sua flor. A verdadeira, única flor que floresce
eternamente: lírio e rosa, violeta e jasmim, girassol e ciclame fundidos
juntos, e com essas todas as flores da terra numa única flor, Maria, na qual se
reúne toda virtude e graça.
Em abril, a
terra da Palestina parecia um enorme jardim, as fragrâncias e as cores davam delícia
ao coração dos homens. Mas a rosa mais bonita ainda era desconhecida. Ela já
era florescente a Deus no segredo do ventre materno, já que minha Mãe amou
desde que foi concebida, mas só quando a videira dá o seu sangue para fazer
vinho, e o perfume dos mostos, açucarado e forte, enche as eiras e as narinas,
ela iria sorrir primeiro a Deus e depois ao mundo, dizendo com o seu sorriso
super inocente: “Eis que a Videira, que
vos dará o Cacho espremido na prensa, como Remédio eterno contra o vosso mal,
está entre vós”.
Eu disse:
“Maria amou desde que foi concebida”. O que dá ao espírito luz e conhecimento?
A Graça. O que leva a Graça? O pecado de origem e o pecado mortal. Maria,
aquela sem mácula, nunca foi despojada da lembrança de Deus, da sua
proximidade, do seu Amor, da sua Luz, da sua Sabedoria. Ela pôde por isto,
compreender e amar até quando era apenas carne em torno de uma alma imaculada
que sempre amou.
Depois,
faço-te contemplar mentalmente a profundidade da virgindade de Maria. Terás uma
vertigem celeste, como quando te fiz entender a nossa eternidade. Por enquanto,
considera apenas como o trazer no ventre uma criatura isenta da mácula da
ausência de Deus, dá à Mãe uma inteligência superior e a transforma em um
profeta, mesmo tendo esta mãe concebido natural e humanamente. O profeta da sua
filha, que a chama: “Filha de Deus”. Imagina o que seria se pais inocentes
concebessem filhos inocentes, assim como Deus gostaria.
Ó homens,
que vos dizeis semelhantes ao “super-homem”, mas com os vossos vícios vos
assemelhais unicamente ao “super-demônio”, neste exemplo teríeis encontrado o
meio de chegardes ao “super-homem”. Saber permanecer sem a contaminação de
Satanás para deixar a Deus a administração da vida, do conhecimento, do bem,
não desejando mais do que isto, que é pouco menos que o infinito. Deus vos
teria dado poder de gerar em uma contínua evolução até a perfeição, filhos que
fossem homens no corpo e filhos da inteligência no espírito, ou seja
triunfadores, fortes, gigantes contra Satanás, que seria derrubado muitos
milhares de séculos antes da hora em que o será, junto a todo o seu mal”.
O EVANGELHO COMO ME FOI REVELADO – MARIA VALTORTA