“NO TERCEIRO DIA, UMA LUZ VINDA DOS CONFINS DO UNIVERSO, COMO UM METEORO, VAI DIRETO ATÉ O SEPULCRO, QUANDO UM ESTRONDO SACODE A TERRA, AFASTANDO A ENORME PEDRA QUE O SELAVA, E OS GUARDAS ROMANOS FICAM ATORDOADOS. A LUZ ENTÃO ENTRA NO CORPO INERTE DE JESUS, QUE EM SEGUIDA LEVANTA, TRANSPASSANDO OS PANOS DA MORTALHA COM SEU CORPO IMATERIAL FULGURANTE. RESSUSCITANDO DOS MORTOS COM UMA MATÉRIA INCORPÓREA DE INTENSA LUZ, CONHECIDA APENAS POR DEUS, DE UMA BELEZA INDESCRITÍVEL.”

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

NA GRUTA DE BELÉM






NA GRUTA DE BELÉM

Prosseguem a estrada, através do fresco vale que vai na direção leste-oeste. Depois se dirigem levemente para o norte, a fim de costearem uma colina, que vem aparecendo à frente e alcançam assim o caminho que de Jerusalém vai para Belém, justamente perto do cubo encimado por uma pequena cúpula redonda, que é a da tumba de Raquel. Todos se aproximam dela para rezar com reverência.
“Foi aqui que paramos eu e José... Está tudo igual ao que era naquele tempo. Só a estação é que era diferente. Era aquele um dos dias frios do mês de Casleu. Havia chovido e as estradas tinham ficado alagadas. Depois, veio um vento gelado, pois talvez de noite tivesse caído geada. As estradas estavam duras, mas todas com sulcos feitos pelos carros e pelas multidões, e eram como um mar cheio de buracos e o meu burrinho se fatigava muito...”
“E tu não minha Mãe?”
“Oh! Eu Te tinha comigo!...”, e olha para Ele com um rosto tão feliz que comove. Depois toma de novo a palavra: “A tarde já vinha chegando e José estava muito preocupado... Vinha levantando-se um vento cada vez mais forte, um vento que cortava... As pessoas se apressavam a caminho de Belém, esbarrando umas nas outras, e muitos diziam palavras injuriosas ao meu burrinho, porque ele ia muito devagar, procurando os lugares onde podia pôr os cascos. Mas é que ele parecia que soubesse que havia Tu... e que estavas dormindo o teu último sono no berço do meu seio. Fazia frio... Mas o que eu sentia era um forte calor. Eu percebia que vinhas vindo.
“Que vinhas vindo? Poderias dizer: “Eu lá estava minha Mãe, com nove meses.”
“Sim. Mas agora era como se estivesse vindo dos Céus. Os Céus se abaixavam, se abaixavam sobre mim e eu via os esplendores deles... Eu via incendiar-se a Divindade, em sua alegria pelo teu próximo nascimento e aqueles fogos me penetravam, me incendiavam também, me levavam para fora de mim mesma... de tudo... Frio... vento... pessoas... nada! Eu só via a Deus... De vez em quando, com esforço, eu conseguia fazer voltar o meu espírito por sobre a Terra, e sorria para José, que tinha medo de que o frio e a fadiga me fizessem mal, e ia guiando o burrinho com cuidado para que ele não tropeçasse, e me envolvia de novo na coberta, para que não me resfriasse...Mas nada podia acontecer. As sacudidas, eu nem percebia. Parecia-me estar andando por um caminho estrelado, por entre nuvens cândidas e sendo sustentada por anjos... E eu sorria... Primeiro para Ti... Eu olhava para Ti, através da barreira da carne e estavas dormindo com os punhozinhos fechados em teu leitozinho de rosas vivas, meu botão de lírio... Depois, sorria para o esposo, que estava tão aflito, tão aflito, para encorajá-lo. Depois para as pessoas, que ainda não sabiam estarem já respirando na aura do Salvador.
Paramos junto á tumba de Raquel para dar um pouco de descanso ao burrinho e para comer um pouco de pão com azeitonas, que eram as nossas provisões de pobres. Mas eu não tinha fome. Era alimentada pela minha alegria. Pusemo-nos de novo a caminho. Vinde, vou mostrar-vos onde encontramos o pastor. Não tenhais medo de que eu me engane. Eu revivo aquela hora e encontro de novo cada lugar, porque vejo tudo através de uma grande luz angélica. Talvez a multidão angélica esteja de novo aqui, invisível aos olhos dos corpos, mas visível para as almas, com seu luminoso candor e tudo se revela, tudo é mostrado. Eles não podem enganar-se, e me vão conduzindo... para alegria minha e para alegria vossa. Aí está, daquele campo para este, veio Elias com suas ovelhas e José foi pedir-lhe leite para mim. E ali, naquele prado, nós paramos, enquanto ele tirava o leite quente e restaurador, e dava seus conselhos a José.
Vinde, vinde. Ali está, ali está o caminho do último pequeno vale antes de Belém. Fomos por este, porque a estrada principal, nas proximidades da cidade, estava numa grande confusão de pessoas e cavalgaduras.
Eis Belém! Oh! A querida terra de meus pais, que me deste o primeiro beijo de meu Filho! Tu te abriste, boa e fragrante, como o pão do qual tens o nome, para dar o Pãp Verdadeiro ao mundo que está morrendo de fome! Tu me abraçaste como uma mãe, tu, na qual ficou o amor materno de Raquel, terra Santa da Belém Davídica, primeiro Templo do Salvador, a Estrela da Manhã, nascida de Jacó, a fim de mostrar a rota dos Céus a toda a humanidade. Olhai para ele e vede como está bela nesta primavera. Mas, mesmo então, ainda que os campos e os vinhedos estivessem despojados, ela estava bela! Um leve véu de geada voltava a brilhar, a tremuluzir sobre os galhos nus, e eles se tornavam como que polvilhados com diamantes, como se estivessem enrolados em um impalpável véu do Paraíso. Cada casa soltava fumaça por sua chaminé, pois a hora da ceia estava próxima. E a fumaça subindo pela encosta até o perímetro, mostrava a cidade, ela também coberta com um véu. Tudo era casto, recolhido à espera de... de Ti, de Ti Filho. A terra percebia que estavas vindo. E até os belenitas Te teriam percebido, porque maus eles não são, por mais que não o acrediteis. Eles não podiam hospedar-nos. Nas casas de Belém se comprimiam, arrogantes como sempre, surdos e soberbos, aqueles que ainda hoje o são,e esses tais não poderiam perceber a tua presença. Quantos fariseus, saduceus, herodianos, escribas, essênios lá havia! Oh! O serem eles uns obcecados agora, é coisa que já vem de terem sido duros de coração então. Eles fecharam o coração ao amor para com sua pobre irmã naquela tarde... e permaneceram, e permanecem nas trevas. Eles rejeitaram a Deus, desde então, rejeitando o amor ao próximo.
Vinde. Vamos à gruta. Entrar na cidade é inútil. Os maiores amigos do meu Menino já não estão mais lá. Fica a natureza amiga, com suas pedras, com o seu rio e sua lenha para fazer fogo. A natureza que percebeu a vinda do seu Senhor... Então, vinde sem temor. Vai-se por aqui... Lá estão os escombros da Torre de Davi. Oh! Querida por mim mais do que um palácio. Benditas ruínas! Bendito rio! Bendito ramos, para que pudéssemos achar lenha e fazer fogo!”
Maria desce, ligeira para a gruta, atravessa o pequeno rio por uma pinguela que serve de ponte. Corre pelo descampado que está diante dos escombros, cai de joelhos na entrada da gruta, inclina-se e beija o chão. Acompanham-na todos os outros. Estão comovidos.
... Maria torna a levantar-se, e entra dizendo: “Tudo, tudo como naquele tempo!... Só que naquele tempo era noite. José fez fogo quando entrei. Então, só então, descendo do burrinho é que eu senti como estava cansada e gelada. Um boi me saudou e eu fui até ele para sentir um pouco de calor e para descansar sobre o feno. Aqui onde estou, José espalhou mais feno, para fazer-me uma cama e o enxugou para mim, como para Ti meu Filho, diante das chamas do fogo aceso naquele canto... pois José era bom como um pai, em seu amor de esposo-anjo. E, segurando-nos pelas mãos, como dois irmãos perdidos no escuro da noite, comemos nosso pão e queijo. Depois, ele foi avivar o fogo, tirando o seu capote para tapar a abertura. Na verdade, desceu um véu diante da glória de Deus, que descia dos Céus, e eras Tu, meu Jesus... e eu fiquei sobre o feno, AL calor dos dois animais, envolvida em meu manto e com a capa de lã. Ó meu querido esposo! Naquela hora de ânsia e de temor na qual eu estava sozinha, diante do mistério da primeira maternidade, que é plena do desconhecido para uma mulher, e para mim, naquela única maternidade, plena também de mistério, como teria sido o de ver o Filho de Deus saindo da carne mortal, ele, José, foi para mim como uma mãe, foi um anjo... foi o meu conforto... então e sempre.
Depois veio o silêncio e o sono que envolveram a José, para que ele não visse aquilo que era para mim o beijo diário de Deus. E para mim, depois de um intervalo para as necessidades humanas, sobrevêm-me as ondas desmesuradas de um êxtase, vindas do mar do Paraíso e que me elevaram de novo para cima das cristas luminosas, cada vez mais altas, levando-me para cima, mais para cima consigo, para um oceano de luz, de luz, de alegria, de paz, de amor, até que me encontrei perdida no mar de Deus, do seio de Deus. Uma voz veio ainda da terra: “Estás dormindo, Maria?” Oh! Ela vinha de tão longe!. Parecia mais um eco, uma lembrança da terra! E tão fraca que a alma não se agita, e nem sei com que palavras respondi enquanto subo, vou subindo ainda por este abismo de fogo, de felicidade infinita, de uma precognição de Deus... até Ele... Oh! Mas és Tu que nasceste, ou sou eu que nasci dos trinos fulgores, naquela noite? Fui eu que Te dei, ou foste Tu que me deste o sopro da vida? Eu não sei.
Depois a descida, de um coro a outro coro, de um astro a outro astro, de um estrato a outro estrato, doce, lenta, feliz, tão plácida como uma flor levada para o alto por uma águia e depois solta no ar e vai descendo lentamente nas asas do ar, tornando-se mais bela por uma gota de chuva que brilha como uma pedra preciosa, por um pedacinho de arco-íris arrebatado ao céu, esse reencontra no torrão natal. É o meu dilema: Tu! Tu sobre o meu coração.
Sentada aqui, depois de ter-te adorado de joelhos, eu te amei. Finalmente, Te pude amar sem as barreiras da carne, e daqui eu me movi para levar-te ao amor daquele que, como eu, era digno de estar entre os primeiros a amar-te. E aqui, entre duas rústicas colunas, eu te ofereci ao Pai. E foi aqui que descansaste, pela primeira vez, sobre o coração de José. Depois, eu te enfaixei e , juntos nós te colocamos aqui. Eu te balançava, enquanto José enxugava o feno ao fogo e o conservava quente, para depois pô-lo sobre o teu peito e, em seguida,ficávamos te adorando nós dois, assim inclinados sobre Ti como agora, bebendo a Tua respiração, olhando até que aniquilamento do amor pode conduzir, chorando as lágrimas que certamente no Céu se choram pela alegria inexaurível de ver sempre a Deus.”
Naquela sua revogação, Maria ia e vinha, mostrando os lugares, ardente em seu amor, com um brilho de lágrimas em seus olhos azuis e um sorriso de alegria em sua boca, inclinando-se de verdade sobre o seu Jesus, que agora está ali sentado sobre uma pedra grande, enquanto Ela vai-se lembrando de tudo e o beija por entre os cabelos, chorando e adorando-o.
“E depois os pastores que entravam aqui para adorar, com seu bom coração e com grande suspiro da terra, que aqui com eles entrava, com aquele odor de humanidade, de rebanhos e de feno. Fora e por toda parte, os anjos para adorar-te com seu amor, os cantos deles que a criatura humana é incapaz de repetir, e com o amor dos Céus, com aquele ar de Céu que entrava com eles, traziam junto com seus fulgores. Foi o teu nascimento bendito!”
Maria ajoelhou-se ao lado do Filho, e está chorando de emoção, com a cabeça inclinada sobre os joelhos dele. Ninguém, por algum tempo teve a coragem de falar. Mais ou menos emocionados, os presentes olham ao redor, uns para os outros, como se, por entre as teias de aranha e as pedras escabrosas, eles esperassem ir vendo pintada a cena que havia sido descrita.
Maria recobra a coragem e diz: “Eis. Eu falei do infinitamente simples e infinitamente grande nascimento do meu Filho. Com meu coração de mulher, mas não com a sabedoria de mestre. Outra coisa não há, porque foi a coisa maior da Terra, escondida por debaixo das mais comuns aparências.”
Mas, e o dia seguinte? E depois dele?, perguntam muitos, entre os quais as duas Marias.
“No dia seguinte? Oh! Muito simples! Fui a mãe que dá o leite ao seu menino, que o lava e enfaixa, como fazem todas as outras mães. Eu esquentava a água buscada no rio, sobre o fogo que era aceso ali fora, a fim de que a fumaça não fizesse aqueles dois olhinhos azuis chorar , depois, no canto mais abrigado da gruta, em uma velha gamela eu lavava o meu Filho e o enrolava em panos frescos. Depois eu ia ao rio lavar os paninhos e os estendia ao sol. Em seguida, alegria das alegrias, eu punha Jesus ao peito e Ele sugava, tornando-se mais corado e feliz. No primeiro dia, á hora do maior calor, fui sentar-me ali fora para vê-lo bem. Aqui a luz não entra direta, mas se filtra e as chamas dão as coisas uma aparência esquisita. Eu fui lá para fora, ao sol, e olhei para o Verbo Encarnado. Foi então que a Mãe conheceu o Filho, a Serva de Deus ao seu Senhor. Ai eu fui mulher e adoradora. Depois a casa de Ana, aqueles dias junto ao teu berço, os teus primeiros passos, a primeira palavra. Mas isso foi depois, a seu tempo. E nada, nada foi igual à hora do teu nascimento. Só ao retorno para Deus reencontrarei aquela plenitude.”

(O Evangelho como me foi Revelado – Maria Valtorta – Vol. 3 pg. 341 a 346)