O RETORNO DOS SETENTA E DOIS
No longo crepúsculo de
um dia sereno de outubro, voltam os setenta e dois com Elias, José e Levi.
Cansados, empoeirados, mas muito alegres! Alegres os três pastores, porque
agora estão livres para servirem ao Mestre. Felizes também por estarem, depois
de tantos anos de separação, unidos aos companheiros de outros tempos. Felizes
os setenta e dois por terem-se saído bem em sua primeira missão. Seus rostos
estão brilhando mais do que as pequenas luzes que iluminam as pequenas cabanas
que foram construídas para este numeroso grupo de peregrinos.
...Acabadas nas
cabanas as ceias, Jesus se encaminha para o lado do Monte das Oliveiras, e os
discípulos o acompanham em massa.
Isolados do murmúrio e
da multidão, depois de terem feito uma oração em comum, eles contam tudo a
Jesus, mais amplamente do que haviam podido fazer antes, por entre as pessoas
que iam e vinham. Eles estão ainda espantados e alegres, enquanto dizem: “Tu
sabe, ó Mestre, que não só as doenças, mas até os demônios nos ficaram sujeitos
pela força do Teu Nome? Que coisa, Mestre! Nós, nós uns simples homens, só
porque Tu nos mandaste, podíamos livrar o homem do poder terrível de um
demônio!...”, e contam casos e mais casos, acontecidos aqui e ali. Somente de
um é que eles dizem: “Os parentes, ou melhor, a mãe e os vizinhos no-lo
trouxeram à força. Mas o demônio zombou de nós, dizendo: “Eu voltei aqui por
vontade dele, depois que Jesus Nazareno me havia expulsado, e não o deixo mais,
porque ele me ama mais do que ao vosso Mestre, e por isso tornou a
procurar-me”, e, de repente, com uma força indomável, arrebatou o homem das
mãos que o estavam segurando, e o arremessou por um despenhadeiro abaixo. Nós
corremos para ver se ele se tinha despedaçado. Mas, qual nada! Ele ia correndo
como uma gazela nova, dizendo blasfêmias e chalaças, que não eram desta terra...
Ficamos com dó da mãe... Mas ele! Oh! É assim que o demônio pode fazer?”
“Assim, e mais ainda”,
diz Jesus com tristeza.
“Talvez, se Tu lá
estivesses...”
“Não. Eu havia dito
àquele homem: “Vai, e não queiras recair em teu pecado.” E ele quis. Sabia que
estava querendo o mal e o quis. Está perdido. Diferente é o caso de quem vem
possesso por causa de sua ignorância, do caso de quem se deixa possuir, sabendo
que assim fazendo, se vende de novo ao demônio. Mas não faleis dele. É um
membro cortado, sem esperança, é um voluntário do mal. Louvemos sim, ao Senhor,
pelas vitórias que vos deu. Eu via
Satanás cair do Céu como um raio, pelo vosso mérito unido ao Meu Nome. Porque
Eu vi também os vossos sacrifícios, as vossas orações, o amor com que íeis aos
infelizes, para fazerdes o que Eu tinha dito que fizésseis. Vós o fizestes
com amor e Deus vos abençoou. Outros farão isto que vós fazeis, mas o farão sem
amor. E não conseguirão conversões. Contudo, não vos alegreis por terdes
conseguido sujeitar os espíritos, mas alegrai-vos, sim, porque os vossos nomes
estão escritos no Céu. Não os retireis nunca de lá...”
“Mestre, quando virão
os que não vão conseguir conversões? Talvez será, quando não estiveres mais
conosco?”, pergunta um dos discípulos, cujo nome eu não sei.
“Não, Agapo. Em
qualquer tempo.”
“Como? Até mesmo
enquanto nos ensinas e nos amas?”
“Também. Amar, Eu vos
amarei sempre, mesmo que estejais longe de Mim. O meu amor a vós existirá
sempre, e vós o sentireis.”
“Oh! É verdade. Eu o
senti numa tarde em que eu estava angustiado, porque não sabia o que haveria de
dizer a um que me estava interrogando. Eu estava para fugir, envergonhado. Mas
aí eu me lembrei daquelas tuas palavras: “Não tenhais medo. Ser-vos-ão dadas,
no momento oportuno as palavras que haveis de dizer”, e eu, com o meu espírito,
Te invoquei. Eu disse: “Certamente Jesus me ama. Eu chamo em meu socorro o seu
amor”, e me veio o amor. Veio como um fogo, uma luz... uma força... O homem que
estava a minha frente me observava e me ridicularizava com ironia, piscando os
olhos para os seus amigos. Ele estava certo de que ia vencer a discussão. Então
eu abri a boca, e era como um rio de palavras que saía com alegria de minha
boca tola. Mestre, Tu vieste mesmo, ou foi uma ilusão minha? Eu não sei. Só sei
que afinal o homem, que era um jovem escriba, lançou-me os braços ao pescoço,
dizendo-me: “Feliz de ti e feliz quem a essa sabedoria te conduziu”, e me
pareceu que ele estava com vontade de procurar-te. Ele virá?”
“As idéias do homem são passageiras como a palavra escrita
sobre a superfície da água, e irrequieta como as asas das andorinhas antes de
voarem para a última refeição do dia. Mas tu, reza por
ele... E, sim. Fui a ti. Como tu, também me tiveram Matias e Timoteu, João de
Endor e Simão, Samuel e Jonas, a quem percebeu minha presença, e a quem não a
percebeu. Mas Eu estive convosco. E Eu
estarei com quem me serve em amor e verdade, até o fim dos séculos.”
“Mestre, ainda não nos
disseste se, entre as pessoas presentes haverá pessoas sem amor.”
“Não é necessário
saber isso. Seria uma falta de amor da minha parte, se Eu vos fizesse sentir
desprezo para com algum companheiro que não soubesse amar.”
“Mas há alguns desses?
Isto podes dizer...”
“Há. O amor é a mais simples, a mais doce e a mais rara coisa
que há e, nem sempre, mesmo que tenha sido semeada, ela medra.”
“Mas, se não te
amarmos, quem poderá amar?” Há uma quase indignação e entre eles se forma um
tumulto pela suspeita e pela dor.
Jesus desce as
pálpebras sobre os olhos. Esconde também o seu olhar, para que ele não sirva de
indicador. Mas faz um gesto resignado, doce e triste, ficando com as mãos de
palmas abertas para fora, num gesto de resignada confissão, de resignado
conhecimento, e diz: “Assim haveria de ser. Mas assim não é. Muitos ainda não
se conhecem. Mas Eu os conheço. E tenho dó deles.”
“Oh! Mestre, Mestre!
Mas, não serei eu, não é?”, pergunta Pedro, indo para o lado de Jesus e
comprimindo o pobre Marziam entre si mesmo e o Mestre, e lançando seus braços
curtos e musculosos sobre os ombros de Jesus, e os segura e sacode, como se
tivesse ficado louco e aterrorizado, ao pensar que podia ser um dos que não
amam a Jesus.
Jesus torna a abrir os
olhos luminosos, mas entristecidos, olha para o rosto indagador e espavorido de
Pedro, e lhe diz: “Não, Simão de Jonas.
Não és tu. Tu sabes amar, e ainda o saberás sempre mais. Tu és a minha Pedra,
Simão de Jonas. Uma boa pedra. Sobre ela Eu irei apoiar as coisas que me são
mais caras, e estou certo de que tu as sustentarás, sem conhecer perturbação.”
“Eu, então? “Eu?,
“Eu?” As interrogações se repetem, como um eco, quando vai-se repetindo de boca
em boca.
“Paz! Paz! Ficai
tranqüilos e esforçai-vos por possuir todos o amor.”
“Mas quem entre nós
sabe amar mais?”
Jesus corre o olhar
sobre todos, uma carícia sorridente, e depois deixa o olhar sobre Marziam, que
continua apertado entre Ele e Pedro e, afastando um pouco Pedro, e virando o
rosto do menino para a pequena multidão, diz: “Aqui está o que sabe amar entre vós. O menino. Mas não tremais, vós,
que já tendes barba sobre as vossas faces, e até fios brancos nos cabelos. Todo
aquele que renasce em Mim se torna um “menino”. Oh! Ide em paz, daí
louvores a Deus, que vos chamou, porque realmente vós estais vendo, com vossos
próprios olhos os prodígios do Senhor. Felizes aqueles que verão igualmente o
que vós estais vendo. Porque Eu vos
garanto que muitos profetas e reis desejaram ver o que vós estais vendo, e não
viram. E muitos patriarcas teriam querido ouvir o que vós ouvis, e não puderam
escutar. Mas, de agora em diante, aqueles que me amarem conhecerão todas as
coisas.”
“E depois? Quando
tiverdes ido embora daqui, como dizes?”
“Depois, vós falareis
por Mim. E depois... Oh! que grandes fileiras, não pelo número, mas pela graça,
as daqueles que verão, saberão e escutarão o que vós agora estais vendo,
sabendo e ouvindo! Oh! Que grandes e amadas fileiras dos meus “pequenos grandes”!
Olhos eternos, mentes eternas, ouvidos eternos! Como poder explicar-vos a vós
que estais ao redor de Mim, o que será esse viver eterno, mais que eterno,
desmesurado, daqueles que me amarão e que Eu amarei até o fim dos tempos, que
serão os “cidadãos de Israel, ainda que vivam quando Israel não mais existir, a
não ser como uma lembrança de nação, e serão os contemporâneos de Jesus vivente
em Israel? E estarão comigo, em Mim, até
chegarem a conhecer o que o tempo cancelou e a soberba confundiu. Que nome
Eu lhes darei? Vós sois Apóstolos e vós sois discípulos, e os que crerem serão
chamados cristãos. E estes? Estes, que nome terão? Um nome conhecido apenas no
Céu. Que prêmio eles terão, desde esta terra? O meu beijo, a minha voz, o calor
da minha carne. Tudo, tudo, Eu mesmo todo. Eu, eles. Eles, Eu. Uma comunhão
total... Ide. Eu fico a encher de felicidade o meu espírito na contemplação dos
meus conhecedores futuros e amantes absolutos. A paz esteja convosco.”
(O Evangelho como me
foi revelado – Maria Valtorta – Vol. 4, pg. 370 a 374)