“NO TERCEIRO DIA, UMA LUZ VINDA DOS CONFINS DO UNIVERSO, COMO UM METEORO, VAI DIRETO ATÉ O SEPULCRO, QUANDO UM ESTRONDO SACODE A TERRA, AFASTANDO A ENORME PEDRA QUE O SELAVA, E OS GUARDAS ROMANOS FICAM ATORDOADOS. A LUZ ENTÃO ENTRA NO CORPO INERTE DE JESUS, QUE EM SEGUIDA LEVANTA, TRANSPASSANDO OS PANOS DA MORTALHA COM SEU CORPO IMATERIAL FULGURANTE. RESSUSCITANDO DOS MORTOS COM UMA MATÉRIA INCORPÓREA DE INTENSA LUZ, CONHECIDA APENAS POR DEUS, DE UMA BELEZA INDESCRITÍVEL.”

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

O JULGAMENTO DA MULHER ADÚLTERA


O JULGAMENTO DA MULHER ADÚLTERA


Estou vendo o interior do recinto do Templo, isto é, um dos muitos pátios contornados por séries de pórticos. Vejo também Jesus que, muito enrolado em seu manto, que Ele traz sobre a túnica, não a branca, mas a de um vermelho escuro(parece de um tecido pesado de lã), e está falando à multidão que o circunda.
Eu diria que este é um dia de inverno, pois vejo que todos estão com seus mantos, e que está fazendo frio, porque, em vez de estarem parados, todos estão caminhando, e depressa, como par se aquecerem. Está soprando um vento que levanta os mantos e a poeira dos pátios.
O grupo que está reunido ao redor de Jesus é o único que está parado, pois todos os outros estão ao redor de um ou de outro mestre, e andam para adiante e para trás, abrem alas para deixar passar algum grupo de escribas e fariseus, que gesticulam, e estão mais venenosos do que nunca. Estão esguichando veneno pelos olhos, pela cor do rosto, e pela boca. Que víboras! Mais do que conduzindo, eles vão arrastando uma mulher de seus trinta anos, com os cabelos desgrenhados, com suas vestes em desordem, como tendo sido maltratada, e chorando. Eles chegam e a jogam aos pés de Jesus, como se fosse um montão de trapos, ou os despojos de algum morto. E lá ela fica encolhida sobre si mesma, com o rosto apoiado sobre os dois braços e escondido por eles, e servindo de almofada entre ele e o chão.
“Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. Seu marido a amava e não lhe deixava faltar nada. Em sua casa ela era uma rainha. E ela o traiu, porque é uma pecadora, uma viciada, uma ingrata, uma profanadora. É uma adúltera, e, como tal, deve ser apedrejada. Moisés assim ordenou. Em sua lei ele assim manda, que tais mulheres sejam apedrejadas como uns animais imundos. Porque elas traem a fidelidade do homem que as ama e cuida delas, porque, como uma terra que nunca se seca, elas são esfaimadas pela luxúria. Piores do que as meretrizes elas são, porque sem serem mordidas pela necessidade, elas se entregam a si mesmas, para dar alimento à sua Impudicícia. Elas são umas corruptas. E contaminadas. Devem ser condenadas à morte. Moisés assim ordenou. E Tu, Mestre, que achas disso?”
Jesus, que havia interrompido sua conversa, por causa daquela tumultuosa chegada dos fariseus, e que tinha olhado para aquela malta cheia de ódio, com seus olhares penetrantes, e que depois tinha inclinado o olhar para aquela mulher aviltada e jogada aos seus pés, fica calado. Depois Ele curvou-se, e, estando sentado, com um dedo começou a escrever sobre as pedras do pórtico, que estão cobertas pela poeira levada pelo vento. Eles vão falando, e Ele está escrevendo.
“Mestre! Nós estamos falando contigo. Escuta-nos. Responde-nos. Não estás entendendo? Esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Na casa dela. No teto do marido dela. Ela o sujou com a sua libidinagem.”
Jesus continua escrevendo.
“Mas é um bobo, este homem. Não estais vendo como Ele não entende nada, e fica fazendo esses sinais sobre a poeira, como um pobre doido?”
“Mestre, pelo teu bom nome, fala! Que a tua sabedoria dê uma resposta à nossa pergunta. Nós te repetimos, a esta mulher não falta nada. Tinha bestes, comida e amor. E traiu.”
Jesus continua a escrever.
“Ela mentiu ao homem que tinha confiança nela. Com uma boca mentirosa, ela o saudou e acompanhou até a porta, e depois abriu a porta secreta, e fez entrar o seu amante. E, enquanto o seu marido estava ausente, trabalhando para ela, ela, como um animal imundo, se revolvia em sua luxúria.”
“Mestre, ela é uma profanadora da lei, além de o ser do tálamo. É uma rebelde, uma sacrílega, uma blasfemadora.”
Jesus está escrevendo. Escreve, apaga o escrito com o pé calçado com a sandália, e continua a escrever, tendo mudado aos poucos sua posição, para encontrar outro lugar com mais espaço. Mais parece um menino que está brincando. Mas o que Ele está escrevendo são palavras de brincadeira. Ele escreve, em seguida, palavras como estas: “Usuário”, “Falso”, “Filho irreverente”, “Fornicador”, “Assassino”, “Profanador da Lei”, “Ladrão”, “Libidinoso”, “Usurpador”, “Marido e pai indigno”, “Blasfemador”, “Rebelde a Deus”, “Adúltero”. Escreveu e tornou a escrever, cada vez que algum novo acusador fala.
“Mas, afinal, Mestre! Queremos o teu julgamento. A mulher deve ser julgada. Ela não pode, com o seu peso, contaminar a Terra. O seu hálito é um veneno que perturba os corações.”
Jesus se levanta. Misericórdia! Que rosto! É um reluzir de relâmpagos que se lança sobre os acusadores. Ele parece estar mais alto, pelo tanto que conserva a sua cabeça erguida. Parece um rei em seu trono, de tão severo e majestoso que está. O manto lhe caiu por um dos ombros, e se arrasta com um leve barulho atrás dele. Mas Ele não se preocupa com isso. Com um rosto fechado, e sem ter, nem de longe, algum sinal de sorriso em sua boca nem em seus olhos, dirige esses olhos para os rostos da multidão que estaca, como diante de duas lâminas bem pontudas. Ele fita a um por um. E, com uma intensidade de pesquisa, que causa medo. E os que foram fitados vão procurando ir para trás, pelo meio da multidão, e esconder-se nela. O cerco, assim, vai-se encompridando e se fragmentando, como se estivesse sendo movido por uma força oculta.
Finalmente Jesus fala: “Aquele de vós, que estiver sem pecado, atire sobre a mulher a primeira pedra.” E sua voz parece um trovão acompanhado de um reluzir, mais vivo ainda do que os seus olhares. Jesus cruzou os braços sobre o peito, e assim fica, ereto, como um juiz, na expectativa. O seu olhar não os deixa em paz, Mas investiga, penetra, acusa.
Primeiro um, depois dois, depois cinco, depois aos grupos, os presentes vão-se afastando de cabeças baixas. Não somente os escribas e fariseus, mas também os que antes estavam ao redor de Jesus e os outros que se haviam aproximado para ouvirem o julgamento e a condenação, e que, tanto aqueles como estes se haviam unido para insultar a culpada e pedir o seu apedrejamento.
Jesus acaba ficando sozinho com Pedro e João. Não vejo os outros apóstolos.
Jesus começou de novo a escrever, enquanto os acusadores estão fugindo, e agora escreve: “Fariseus”, “Víboras”, “Sepulcros de podridão”, “Mentirosos”, “Traidores”, “Inimigos de Deus”, “Insultadores do seu Verbo.”
Quando o pátio todo ficou vazio, e se fez um grande silêncio, nada mais ficando senão o frufru do vento e o barulho de uma pequena fonte em um canto. Jesus levanta a cabeça e fica olhando. Agora o seu rosto se aplacou. Está triste, mas não irado. Dá uma olhadela para Pedro, que se havia afastado um pouco, apoiando-se a uma coluna, e outra para João, que, quase atrás de Jesus, olha para Ele com seu olhar enamorado. Jesus tem uma leve sombra de sorriso, ao olhar para Pedro, e um vivo sorriso ao olhar para João. São dois sorrisos diferentes.
Depois olha para a mulher, ainda prostrada e chorando a seus pés. E a observa. Levanta-se e põe o manto, como se estivesse prestes a pôr-se a caminho. Faz um sinal aos dois apóstolos, a fim de que se preparem para a saída.
Quando fica só, Ele chama a mulher: “Mulher, escuta-me. Olha para Mim.” Ele teve que repetir a ordem, porque a mulher não tem coragem de levantar o rosto. “Mulher, estamos sozinhos. Olha para Mim.”
“Onde estão, ó mulher os que te acusavam?” Jesus fala em voz baixa. Com uma seriedade piedosa. Conserva o rosto e o corpo levemente inclinados para a terra, para aquela miséria, e seus olhos estão cheios de uma expressão indulgente e renovadora. “Ninguém te condenou?”
A mulher, entre um soluço e outro, responde: “Ninguém, Mestre.”
“Pois nem Eu te condenarei. Vai. E não peques mais. Vai para tua casa. E aprende a fazer-te perdoar. Por Deus e pelo ofendido. Não abuses da benignidade do Senhor. Vai.”
E Ele a ajuda a levantar-se, tomando-a pela mão. Mas, não a abençoa, nem lhe dá a paz. Ele ainda olha para ela, que se vai pondo a caminho, com a cabeça inclinada e balançando levemente, por causa de sua vergonha, e depois, quando ela desapareceu, também Ele, por sua vez, põe-se a caminho com os dois discípulos.


(de Jesus à Valtorta – O Evangelho como me foi Revelado, Vol. 7, pg.460 a464)

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