BÍBLIA
SAGRADA
ADVENTO
DA IGREJA
VOLUME
2
256
. 7 - Aparição a Nossa Senhora de Pellevoisin
Nossa
Senhora de Pellevoisin manifesta sua misericórdia incomensurável e sua poderosa
intercessão junto a Deus, pedindo a propagação de um Escapulário do Sagrado
Coração de Jesus. A Santíssima Virgem apareceu 15 vezes, em 1876, na pequena
cidade de Pellevoisin, diocese de Bourges, no Berry, centro da França. A
vidente, Estelle Faguette estava gravemente doente, desenganada pelos médicos, sua
cura causou espanto e admiração em todo o país. Estelle nasceu em 1843, de pais
muito pobres, sempre adoentada, levava uma vida simples, de empregada
doméstica. Aconselhada por seu confessor, que era pároco da Madeleine, em
Paris, passou algum tempo entre as freiras agostinianas, servindo como
enfermeira no Hôtel-Dieu, grande hospital da capital. Podia assim,
simultaneamente, cuidar dos doentes e ser cuidada. Entretanto sua saúde, cada
vez mais fraca, levou-a a interromper o noviciado em 1863. Sempre muito
piedosa, uma religiosa apresentou-a à família La Rochefoucauld, que a empregou
no castelo de Poiriers-Montbel, a três quilômetros de Pellevoisin. Para grande
alívio de seus pais, ela passou a receber um salário, vital para o sustento da
família. Estelle conservou grande admiração por seus patrões. Em sua doença,
eles cuidaram dela “com grande dedicação”, segundo suas palavras. A bondade da
condessa de La Rochefoucauld consolou-a sempre. Enferma havia mais de 10 anos,
a doença se agravou em junho de 1875. De acordo com declarações de seus
médicos: Dr. Benard e Dr. Hubert, ambos de Buzançais. Estelle sofria de
tuberculose, peritonite aguda e de um tumor abdominal. Em 10 de fevereiro de
1876, a morte estava próxima, ela não teria vida por mais do que algumas horas,
afirmou o Dr. Benard.
Ocorreu
então a primeira das 15 aparições de Nossa Senhora, na noite fria de 14 a 15 de
fevereiro. Já desenganada pelo médico, Estelle esperava resignadamente a morte.
Entre orações e lembranças da vida passada, renovava a cada instante o
oferecimento a Deus de seu último sacrifício.
De
repente, do lado direito de sua cama ela viu uma forma humana horrível,
ameaçadora, que agarrou seu leito e o sacudiu violentamente. Estelle não
duvidou tratar-se do próprio demônio. Mas o demônio ali presente, no momento da
morte? A visão aterrorizante parecia-lhe uma promessa do inferno. Foi tomada de
pânico, enquanto a besta humana rugia. Porém, nesse instante de confusão e
terror, Maria Santíssima apareceu, com beleza indescritível, toda de branco,
com um longo véu caindo até os pés. Seu olhar se dirigiu à enferma com bondade
indizível. Em seguida, fixou o demônio e disse: “O que fazes aqui? Não vês
que ela está vestida com o hábito que eu e meu Filho divino lhe demos?” Mencionando o hábito, Nossa Senhora
se referia à sua medalha, que Estelle sempre usava. O demônio fugiu, não
suportando o olhar de Maria.
Nossa
Senhora disse então à sua filha: “Não tenhas medo! Sabes que és
minha filha. Ânimo e paciência. Meu Filho vai se deixar tocar. Sofrerás ainda
cinco dias em honra das cinco chagas de meu Filho. Sábado próximo morrerás ou
serás curada.” Para a
cura, Nossa Senhora estabeleceu uma condição: “Se meu Filho te conceder
a vida, anunciarás minha glória.”
Perguntando-se
o que poderia significar o anúncio da glória de Maria, Estelle viu junto a
Nossa Senhora uma placa de mármore branco, na qual estava gravado o Imaculado
Coração de Maria. Vindo-lhe ao espírito a pergunta se deveria colocar essa
placa na igreja de Notre Dame des Victoires ou em Pellevoisin, a Virgem lhe
disse: “Em
Notre Dame des Victoires já existem muitas marcas de meu poder. Em Pellevoisin,
não. Os fiéis daqui têm necessidade de mais ânimo.” Estelle prometeu então fazer tudo
pela glória de Nossa Senhora. Nesse instante cessou a visão. Evidentemente, ela
narrou tudo a seu pároco no dia seguinte. Este ouviu pacientemente, mas dado o
estado agônico de sua penitente, julgou tratar-se de alucinação.
A
segunda aparição foi noite seguinte, 15 a 16 de fevereiro, o demônio voltou a
aparecer. Desta vez ele guardou certa distância, temeroso de aproximar-se da
cama, como se um impedimento o retivesse. Mesmo assim, a visão era
terrificante. Nossa Senhora logo apareceu, e estabeleceu-se um diálogo com a
vidente:
“Não temas, estou aqui. Meu Filho
teve piedade de ti. Serás curada sábado e anunciarás minha glória.”
---Mas, minha Mãe bondosa, já que estou bem preparada, não é
melhor que eu morra?
“Ingrata, se meu Filho te salva, é
porque tens necessidade da vida. O que de mais precioso deu Ele aos homens
nesta Terra? Ele te conservará a vida, mas não creio que te poupará de
sofrimentos. Não, sofrerás e muitas serão tuas penas. O sofrimento dá méritos à
vida. Foi tua grande resignação e paciência que tocaram o coração de meu Filho.
Não percas o fruto que escolheste.”
Nesse
instante Estelle viu, uma a uma, suas faltas passadas. Faltas que, no entanto,
ela considerava sem importância. Nossa Senhora desapareceu deixando-a imersa em
profunda contrição, pois compreendeu que mesmo os pecados veniais são
severamente detestados por Nossa Senhora.
Na
terceira aparição o demônio ainda precedeu Nossa Senhora, mas estava ainda mais
distante de Estelle, que o viu vagamente, discernindo sobretudo seus gestos de
ódio. Com a recordação muito viva dos pecados vistos na noite anterior, Estelle
foi tomada de temor em presença da Imaculada, que no entanto a tranquilizou: “Ânimo,
minha filha, tudo isso passou, tua resignação resgatou tuas faltas passadas.” Maria lhe fez ver seus atos de
virtude e falou-lhe dos grandes desejos que lhe vão no coração: a santificação
dos bons; a conversão dos pecadores; a prática da bondade e da amenidade de uns
com os outros. E acrescentou: “Sou toda misericordiosa, obtendo tudo de meu
Filho. Tuas boas ações e fervorosas orações tocaram meu Coração materno. Na
pequena carta que me escreveste em setembro, sobretudo esta frase tocou-me
particularmente: ‘Vede a situação de meus pais, caso eu venha a morrer. Eles
teriam que pedir esmolas. Lembrai-vos de vossos sofrimentos quando vistes
Jesus, vosso Filho, cravado na cruz’. Mostrei essa carta a meu Filho. Teus pais
necessitam de ti. De agora em diante, trata de ser fiel. Não percas as graças
que te são dadas, e anuncia minha glória.”
Uma
quarta vez apareceu-lhe Maria, entre 17 e 18 de fevereiro, repetindo o que
anteriormente lhe dissera. Nossa Senhora parecia querer deixar bem claro a
recomendação de anunciar sua glória, e para isso torna a dizer-lhe: “Faze
todo esforço.”
A quinta
aparição na sexta-feira, 18 de fevereiro, o estado de saúde de Estelle tinha se
agravado muito. Pe. Salmon, seu confessor, julgando-a no extremo da vida, dispõe-se
a ouvir sua confissão. A enferma se recusou, dizendo que só se confessará
depois de sua cura, que ela espera para o dia seguinte. O Padre se retirou,
certo de que seria chamado durante a madrugada para assistir a moribunda. Tal
não aconteceu. Às seis horas da manhã o Pe. Salmon foi ver Estelle. Encontrou-a
ainda no leito, e, para sua surpresa, viva. Celebrou a Missa em seu quarto, na
presença de outras pessoas. Terminada a Missa, perguntou a Estelle como se
sentia. Ela fez o sinal da Cruz, com o braço direito inteiramente cicatrizado,
levantou-se e vestiu-se sozinha, radiante de saúde. Toda a cidade de
Pellevoisin foi vê-la. Os médicos que a julgaram condenada atestaram sua cura
total e completa. O atestado do Dr. Bucquoy, da Academia de Medicina de Paris,
foi decisivo para a comissão que em 1877 examinou o caso. E a cura não foi
passageira, Estelle viveu em boa saúde até a idade de 86 anos. Mas o que se
dera durante a noite? Nossa Senhora aparecera mais uma vez, postando-se bem
mais próximo do leito de Estelle. A placa de mármore também fez parte desta
visão, mas agora com uma inscrição: Invoquei Maria no auge de minha miséria, e
Ela obteve de seu Filho minha cura total. Seguia-se a assinatura: Estelle F. Um
coração traspassado por um gládio e cercado de rosas aparecia na parte
superior. Estelle prometeu a Maria lutar sempre por sua glória. Nossa Senhora
lhe recomendou: “Se queres servir-me, sê simples; e que teus atos
correspondam às tuas palavras”.
Estelle
perguntou-lhe se deveria tornar-se religiosa, e a Virgem respondeu: “Pode-se
salvar em todas as condições. Podes fazer muito bem e anunciar minha glória tal
como és. O que me aflige é a falta de respeito por meu Filho na Santa
Eucaristia e a atitude de distração com outras coisas, que se toma na oração.
Digo isto para as pessoas que pretendem ser piedosas.” Estelle perguntou se deveria
transmitir aos outros o que acabava de ouvir, e Maria respondeu: “Sim,
sim, anuncia minha glória, mas antes de falar, espera conselho de teu confessor
e diretor espiritual. Sofrerás ciladas, tratar-te-ão de visionária, de
exaltada, de louca. Eu te ajudarei.”
Uma vez
curada, Estelle lançou-se ao trabalho pela glória de Maria, tal como Ela lhe
havia pedido. Afligindo-se com suas imperfeições na execução desse santo
trabalho, Nossa Senhora apareceu-lhe uma sexta vez, durante a oração do
Rosário: “Calma, minha filha. Paciência. Terás sofrimentos, mas estarei
sempre aqui.”
Na festa
da Visitação da Santíssima Virgem, 2 de julho, Nossa Senhora lhe apareceu pela
sétima vez, às 23:30h. A Mãe de Deus estava cercada de rosas de todas as cores,
particularmente brancas, vermelhas e amarelas. Foram três curtas aparições,
parecendo simbolizar os três terços do Rosário. “Tens anunciado minha glória.
Continua. Meu Filho tem almas prediletas. Seu Coração tem tanto amor pelo meu,
que nada lhe recusa. Por meu intermédio Ele tocará os corações mais
empedernidos.”
Estelle
queria ainda pedir um sinal do poder da Santíssima Virgem, mas não conseguia
exprimir-se adequadamente. Nossa Senhora, lendo-lhe o pensamento, disse: “Tua cura
não é uma das maiores provas de meu poder? E acrescentou: Vim para a conversão
dos pecadores.”
No dia
seguinte Nossa Senhora apareceu mais uma vez, cercada de rosas. Estelle a
esperava com certa agitação, e Nossa Senhora a repreendeu docemente: “Gostaria
que fosses mais calma. Eu não tinha marcado dia nem hora em que voltaria.
Necessitas de repouso. Ficarei apenas alguns minutos.”
A nona
aparição deu-se em 9 de setembro. Nossa Senhora insistiu ainda sobre a calma e
a tranqüilidade de alma. “Foste privada de minha presença em 15 de agosto,
porque não tinhas suficiente calma. Tens bem o caráter francês, que deseja
saber tudo em lugar de aprender, e compreender tudo antes de saber. Ainda ontem
eu quis vir, mas tiveste que ficar sem minha presença. Esperava de ti este ato
de submissão e de obediência. Há muito tempo os tesouros de meu Filho estão
abertos.”
Nesse
instante Nossa Senhora lhe deu o escapulário do Sagrado Coração de Jesus,
tirando-o de seu peito: “Tenho predileção por esta devoção, e nela serei
honrada.” Nossa Senhora,
apóstola da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, trazia consigo esse
escapulário, e nos recomendou o coração que tanto amou os homens. A Virgem
Santíssima portava também esse escapulário quando apareceu pela décima vez, e
não o deixará mais. Eram três horas da tarde, soaram as Vésperas, e Ela disse
antes de desaparecer: “Que todos rezem.”
A décima primeira aparição se deu em presença
de 15 pessoas. Era uma sexta-feira, 15 de setembro. Nossa Senhora apareceu com
as mãos juntas, em oração. “Sei que fizeste grande esforço para
conservar-te calma. Não é apenas para ti que peço a calma, mas para toda a
Igreja e a França. A Igreja não goza dessa paz que eu desejo.” Após profundo suspiro, acrescentou: “Que
todos rezem e tenham confiança em mim. França — o que não fiz por ela? Quantas
advertências! E assim mesmo ela recusa ouvir. Não posso mais conter meu Filho.”
E terminou acentuando
especialmente estas palavras: “A França sofrerá.”
Passaram então diante dos olhos de Estelle vários quadros
nunca antes vistos: soldados em uniforme azul, desconhecidos dela, usando
capacetes “em forma de caldeirão”, segundo sua expressão. Estavam
entrincheirados. Mais tarde, em 1914, durante a Grande Guerra, ela reconheceu
aqueles soldados. Num segundo quadro, ela via combates de rua entre civis e
soldados. Maria lhe disse então: “Coragem e confiança. Tanto pior
para os que não acreditarem. Eles reconhecerão mais tarde a veracidade de
minhas palavras.”
Na
aparição de 1º de novembro de 1876 (décima segunda), não houve palavras. Maria
manifestou apenas terna bondade em relação à vidente. A seguinte aparição
(décima terceira) se deu em presença de uma religiosa, enquanto Estelle rezava
o terço: “Eu te escolhi. Escolho os pequenos e fracos para minha
glória. Coragem: o tempo das provas vai começar.” Dito isto, a Virgem cruzou os braços
sobre o peito e desapareceu.
Na
décima quarta aparição, Nossa Senhora lhe falou no sábado, 11 de novembro de
1876, por volta das 4 horas da tarde, em presença de cinco pessoas, quanto ela
rezava seu Rosário. Nossa Senhora lhe disse: “Não perdeste teu tempo
hoje; trabalhaste por mim.” De fato, Estelle tinha bordado um escapulário, e a Virgem acrescentou: “É
preciso fazer muitos outros.”
A festa
da Imaculada Conceição foi escolhida por Nossa Senhora para sua 15ª e última
aparição. Foi a mais importante de todas, tendo-se dado perante 15 pessoas.
Pouco depois de meio-dia Estelle foi a seu quarto, agora transformado em
oratório, com permissão do bispo. Nossa Senhora lhe apareceu mais bela do que
anteriormente, cercada de rosas: “Minha filha, lembra-te de
minhas palavras.” De
todas as palavras de Nossa Senhora, as que mais marcaram Estelle naquele
momento eram: “Sabes que és minha filha. Eu sou toda misericórdia e senhora
de meu Filho. O que mais me aflige é a falta de respeito por meu Filho na Santa
Comunhão e a atitude de distração com outras coisas, que se tem na oração. Seu
Coração tem tanto amor pelo meu, que nada lhe recusa. Por meu intermédio Ele
tocará os corações mais empedernidos. Vim especialmente para a conversão dos
pecadores. Há muito tempo os tesouros de meu Filho estão abertos. Que rezem.
Tenho predileção por esta devoção. Aqui serei honrada. Não é apenas para ti que
peço a calma, mas para toda a Igreja e a França. Eu te escolhi. Escolho os
pequenos e fracos para minha glória. Repete-as sempre. Que elas [as palavras]
te fortifiquem e te reconfortem na hora da provação. Não me reverás mais.”
A
vidente mostrou-se perturbada por estas últimas palavras. Nossa Senhora
acrescentou então de modo profundamente materno: “Estarei invisivelmente a
teu lado.” Estelle viu então ao longe, à
esquerda da visão, pessoas com gestos ameaçadores. Mas também, em outro plano,
pessoas que pareciam boas. Maria, referindo-se ao grupo da esquerda, disse: “Não os
temas. Eu te escolhi para dar-me glória e propagar esta devoção.” Estelle, vendo que Nossa Senhora
segurava o escapulário, pediu-o como presente, e a Virgem ordenou: “Levanta-te
e oscula-o.” Tendo feito
o que a Virgem lhe disse, exclamou: Osculei verdadeiramente um coração de carne,
senti o calor e as pulsações. Nossa Senhora lhe disse então para apresentar ao
bispo aquele modelo de escapulário, e exprimiu o desejo de que todos o portem,
a fim de reparar os ultrajes sofridos pelo Santíssimo Sacramento. Em sinal das
graças dadas aos que o portam, Nossa Senhora fez cair de suas mãos uma chuva
abundante: “Essas graças são de meu Filho. Colho-as em seu Coração. Ele
não pode me recusar.”
Estelle
perguntou o que conviria representar do outro lado do escapulário, e ouviu esta
resposta singular: “Quero que tu decidas. Submeterás tua ideia, e a
Igreja decidirá.” E
afastando-se, acrescentou: “Coragem. Se ele não conceder o que pedes e
puser dificuldades, irás além. Nada temas, eu te ajudarei.”
Ainda em
1876, com licença Eclesiástica, o quarto das aparições foi transformado em
oratório, e pouco depois em capela. No ano seguinte foi erigida aConfraria da
Mãe de Todas as Misericórdias, elevada à dignidade de Arquiconfraria em 1894,
por Leão XIII. O mesmo Papa ofereceu um círio a essa capela, concedendo
indulgências aos peregrinos. Em 1904, o Cardeal Merry del Val ofereceu a São
Pio X um livro recentemente publicado sobre as aparições. O Pontífice enviou
sua bênção em testemunho de sua acolhida favorável, e também recebeu Estelle em
março de 1912. Em 1922, Pio XI concedeu aos párocos de Pellevoisin o poder de
impor o escapulário do Sagrado Coração de Jesus (nona aparição), bem como o de
conceder indulgências. Em 1979, o Cardeal Ciappi OP, mestre do Palácio
Apostólico, entregou a João Paulo II o livro sobre o centenário das aparições.
Em 1983, a comissão teológica que analisou os relatórios médicos a respeito da
cura de Estelle concluiu seus trabalhos. O Arcebispo de Bourges, Dom Paul
Vignancour, com base nessas conclusões, reconheceu oficialmente o milagre, um
grande milagre. Somente em 1900, a vidente Estrela Faguette foi convocada para
uma audiência com o Papa Leão XIII, que autorizou o culto ao escapulário. O
lugar das aparições em Pellevoisin é hoje a capela do convento das Irmãs
Dominicanas, meta de peregrinação dos cristãos e devotos marianos do mundo
todo.
257º
- Leão XIII - 1878 – 1903
Leão
XIII, O.F.S., nascido Vincenzo Gioacchino Raffaele Luigi Pecci-Prosperi-Buzzi;
Carpineto Romano, 2 de março de 1810 – Roma, 20 de julho de 1903), foi Papa de
20 de fevereiro de 1878 até a data da sua morte. Foi ordenado Sacerdote da
Igreja Católica em 31 de dezembro de 1837, em 18 de janeiro de 1843 foi nomeado
Núncio Apostólico para a Bélgica e ordenado Bispo titular de Tamiathis em 19 de
fevereiro de 1843. Em 27 de julho de 1846 tomou posse como Bispo da Diocese de
Perúgia, Itália, e em 19 de dezembro de 1853 foi criado Cardeal com o título de
Cardeal-presbítero de São Crisógono. Foi eleito Papa em 20 de fevereiro de 1878
e coroado em 3 de março do mesmo ano. A Doutrina Social da Igreja foi
primeiramente iniciada por Leão XIII, com a sua Rerum Novarum. Em 1924 seus
restos mortais foram transferidos para a Arquibasílica de São João de Latrão. Instituiu
a 23/07 /1894 a festa da Medalha Milagrosa. Assim que foi eleito para o Papado,
Leão XIII trabalhou para incentivar o entendimento entre a Igreja e o mundo
moderno. Quando ele reafirmou firmemente a doutrina escolástica de que ciência
e religião coexistem, ele exigiu o estudo de Tomás de Aquino, e abriu o Arquivo
Secreto do Vaticano para pesquisadores qualificados, entre os quais o notável
historiador do Papado Ludwig von Pastor. Ele também refundou o Observatório do
Vaticano "para que todos possam ver claramente que a Igreja e seus pastores
não se opõem à ciência verdadeira e sólida, seja humana ou divina, mas que a
abraçam, incentivam e promovem ao máximo devoção possível".
Leão XIII
foi o primeiro Papa cuja voz foi feita uma gravação de som. A gravação pode ser
encontrada em um CD do canto de Alessandro Moreschi; uma gravação de suas
orações pela Ave Maria está disponível na web. Ele também foi o primeiro Papa a
ser filmado por uma câmera de cinema. Ele foi filmado por seu inventor, WK
Dickson, e abençoou a câmera enquanto estava sendo filmado. Leão XIII trouxe a
normalidade de volta à Igreja após os tumultuosos anos de Pio IX. As
habilidades intelectuais e diplomáticas de Leo ajudaram a recuperar grande
parte do prestígio perdido com a queda dos Estados Papais. Ele tentou reconciliar
a Igreja com a classe trabalhadora, particularmente lidando com as mudanças
sociais que estavam varrendo a Europa. A nova ordem econômica resultou no
crescimento de uma classe trabalhadora empobrecida, que tinha uma crescente
simpatia anticlerical e socialista. Leão ajudou a reverter essa tendência. Embora
Leão XIII não tenha sido radical em teologia ou política, seu Papado levou a
Igreja Católica de volta à corrente principal da vida europeia. Considerado um
grande diplomata, ele conseguiu melhorar as relações com o Império Russo,
Prússia, Império Alemão, França, Grã-Bretanha e Irlanda e outros países. O Papa
Leão XIII conseguiu alcançar vários acordos em 1896 que resultaram em melhores
condições para a nomeação fiel e adicional de Bispos. Durante a quinta pandemia
de cólera em 1891, ele ordenou a construção de um hospício dentro do Vaticano.
Esse prédio seria demolido em 1996 para dar lugar à construção do Domus Sanctae
Marthae. À luz de um clima hostil à Igreja, Leão XIII continuou as políticas de
Pio IX em relação à Itália, sem grandes modificações. Em suas relações com o
estado italiano, Leão XIII continuou o encarceramento autoimposto do Papado na
posição do Vaticano e continuou a insistir em que os católicos italianos não
deveriam votar nas eleições italianas ou ocupar cargos eleitos. Leão XIII
também é lembrado para o Primeiro Concílio Plenário da América Latina realizada
em Roma em 1899, e sua encíclica de 1888 para os Bispos do Brasil, In plurimis,
sobre a abolição da escravatura. Em 1897, ele publicou a carta apostólica Trans
oceanum, que tratava dos privilégios e da estrutura Eclesiástica da Igreja
Católica na América Latina.
Sancionou
as missões para a África Oriental a partir de 1884. Em 1879, missionários
católicos associados à Congregação do Pai Branco (Sociedade dos Missionários da
África) chegaram a Uganda e outros foram a Tanganyika (atual Tanzânia) e
Ruanda. Em 1887, ele aprovou a fundação dos Missionários de São Carlos
Borromeu, organizada pelo Bispo de Piacenza, João Batista Scalabrini. Os
missionários foram enviados para a América do Norte e do Sul para cuidar
pastoral dos imigrantes italianos. Leão XIII também aprovou vários
Escapulários. Em 1885, ele aprovou o Escapulário da Santa Face (também
conhecido como The Veronica) e elevou os Sacerdotes da Santa Face a uma
arquoconfraternidade. Ele também aprovou o Escapulário de Nossa Senhora do Bom
Conselho e o Escapulário de São José, ambos em 1893, e o Escapulário do Sagrado
Coração em 1900.
Como Papa,
ele usou toda a sua autoridade para um renascimento do tomismo, a teologia de
Tomás de Aquino. Em 4 de agosto de 1879, Leão XIII promulgou a encíclica
Aeterni Patris (Pai Eterno) que, mais do que qualquer outro documento, forneceu
uma carta para o renascimento do tomismo - o sistema teológico medieval baseado
no pensamento de Tomás de Aquino - como oficial, sistema filosófico e teológico
da Igreja Católica. Deveria ser normativo não apenas no treinamento de padres
nos seminários da igreja, mas também na educação dos leigos nas universidades.
Após
esta encíclica, o Papa Leão XIII criou a Pontifícia Academia de São Tomás de
Aquino em 15 de outubro de 1879 e ordenou a publicação da edição crítica, a
chamada Edição Leonina, das obras completas do doutor angelicus. O Papa Leão
XIII realizou várias consagrações, às vezes entrando em novo território
teológico. Depois de receber muitas cartas da Irmã Maria do Divino Coração,
condessa de Droste zu Vischering e Madre Superiora no Convento das Irmãs Bom
Pastor no Porto, Portugal, pedindo-lhe que consagrasse o mundo inteiro ao
Sagrado Coração de Jesus, ele encomendou um grupo de teólogos para examinar a
petição com base na revelação e na tradição sagrada. O resultado desta
investigação foi positivo e, portanto, na carta encíclica Annum sacrum (em 25
de maio de 1899), decretou que a consagração de toda a raça humana ao Sagrado
Coração de Jesus ocorresse em 11 de junho de 1899.
Um ano
antes, em 1898 uma fotografia chamou a atenção do mundo, quando o Santo Sudário
foi fotografado pela primeira vez, pelo fotógrafo Secondo Pia; o negativo
revelou detalhes nunca antes visto por ninguém, do corpo crucificado de Nosso
Senhor. Desde então tem sido o objeto mais estudado pela ciência. Constatou-se
que não era obra humana, mas sobrenatural, portanto infalsificável. Em 1988,
uma parte do tecido foi submetida por três laboratórios à prova de datação do
carbono 14, atribuindo ao linho do sudário de Turim uma quantidade de carbono
correspondente a um tecido de entre 1260 e 1390 d.C. Mas os cientistas
coletaram um pedaço de tecido que não era completamente do Sudário, mas também
de remendos devido ao incêndio na Capela de Chambéry na noite de três de
dezembro de 1532. O primeiro remendo foi feito pelas Clarissas em 1534, e em
1694 foram acrescentados vários fios de reforço, pelo bem aventurado Sebastiano
Valfrè. Por isso a datação feita no Sudário em 1988, se aproxima da época dos
remendos feitos depois do incêndio. O Santo Sudário de Turim é a mortalha que
envolveu o corpo de Jesus no Sepulcro, afirmação essa dada por Jesus quando apareceu
à Maria Valtorta: “Vossos cientistas, para provar a sua
incredulidade no que diz respeito à evidência de meu sofrimento, que é o
Sudário, explicam como o sangue, o suor cadavérico e a uréia de um corpo
excessivamente fatigado, quando misturados a outras substâncias, podem ter
produzido o desenho natural de meu corpo, morto e torturado. Seria melhor
acreditar sem a necessidade de tantas provas. Seria melhor dizer: “Este é um
trabalho de Deus”, e bendizer a Deus, que lhes deu uma prova incontestávelde
minha crucificação e das torturas que a precederam.”
E
novamente para Valtorta disse: “O Véu de Verônica é também um punhal para a
vossa alma cética. Confrontai, vós que procedeis por áridos exames, ó
racionalistas, ó tépidos, ó vacilantes na fé, o rosto do Sudário e aquele da
Síndole. Um é o rosto de um vivo, o outro é aquele de um morto, mas
conprimento, largura, caracteres somáticos, caracteristicas são iguais. As
imagens se sobrepôem. Vereis que correspondem. Sou Eu! Eu que queria
recordar-me como era, e como me tornei por amor de vós. Se não fôsseis
perdidos, cegos, deveriam bastar aqueles dois rostos para trazer-vos ao amor, ao
arrependimento, a Deus.”
Jesus
também disse à Vassula Rydem: “Saiba-se que toda imagem minha e de minha
mãe, deve ser honrada, uma vez que nos representa, como a cruz me representa;
saiba-se que meu Santo Sudário é autêntico, é aquele que me cobriu.”
A carta
encíclica também incentivou todo o Episcopado católico a promover as Devoções
da Primeira Sexta-feira, estabelecidas em junho como o mês do Sagrado Coração,
e incluiu a Oração de Consagração ao Sagrado Coração. Sua consagração do mundo
inteiro ao Sagrado Coração de Jesus apresentou desafios teológicos na
consagração de não-cristãos. Desde cerca de 1850, várias congregações e Estados
se consagraram ao Sagrado Coração e, em 1875, essa consagração foi realizada em
todo o mundo católico. Seu antecessor, o Papa Pio IX, ficou conhecido como o
Papa da Imaculada Conceição por causa da dogmatização de 1854. Leão XIII, à luz
de sua promulgação sem precedentes do rosário em onze encíclicas, foi chamado
de Papa do Rosário. Em onze encíclicas do rosário, ele promove a devoção
mariana. Em sua encíclica, no cinquentenário aniversário do Dogma da Imaculada
Conceição, ele enfatiza seu papel na redenção da humanidade, mencionando Maria
como Mediadora e Co-Redentora.
Leão
XIII canonizou em 8 de dezembro de 1881: Clara de Montefalco (d. 1308), João
Batista de Rossi (1696-1764), Lourenço de Brindisi (d. 1619) e Benedito José
Labre (1748-1783); 15 de janeiro de 1888: Sete Santos Fundadores da Ordem
Servita, Pedro Claver (1581-1654), João Berchmans (1599-1621) e Afonso
Rodrigues (1531-1617); 27 de maio de 1897: Antônio Maria Zaccaria (1502–39) e
Pedro Fourier (1565–1640); 24 de maio de 1900: João Batista de La Salle
(1651–1719) e Rita de Cássia (1381–1457).
Leão
XIII também beatificou vários de seus antecessores: Urbano II (14 de julho de
1881), Vitor III (23 de julho de 1887) e Inocêncio V (9 de março de 1898). Ele
também canonizou Adriano III em 2 de junho de 1891. Também beatificou o
seguinte: Giancarlo Melchiori em 22 de janeiro de 1882; Edmundo Campione Ralph
Sherwin em 1886; John Haile em 29 de dezembro de 1886; João Batista de la Salle
(a quem mais tarde ele canonizou) em 19 de fevereiro de 1888; Inés de Benigánim
em 26 de fevereiro de 1888; Antonio Maria Zaccaria (a quem mais tarde ele
canonizou) em 3 de janeiro de 1890; Giovanni Giovenale Ancina em 9 de fevereiro
de 1890; Pompilio Maria Pirrotti em 26 de janeiro de 1890; Gerardo Majella em
29 de janeiro de 1893; Leopoldo Croci em 12 de maio de 1893; Antonio Baldinucci
em 16 de abril de 1893; Rodolfo Acquaviva e 4 Companheiros em 30 de abril de
1893; Diego José López-Caamaño em 22 de abril de 1894; Bernardino Realino em 12
de janeiro de 1896; Maria Maddalena Martinengo em 3 de junho de 1900; Dénis
Berthelot da Natividade e Redento Rodríguez da Cruz em 10 de junho de 1900; Joana
de Lestonnac em 23 de setembro de 1900; Antonio Grassi em 30 de setembro de
1900.Ele também aprovou o culto a Cosmas de Afrodisia, além de beatificar vários
mártires ingleses em 1895.
A visão miraculosa do
Santo Padre
Leão
XIII viu se descortinar diante de seus olhos a visão e a forte discussão entre
Sata-nás e Jesus Cristo. Diz o Santo Padre: “Vi demônios e ouvi seus gritos,
suas blasfêmias, sua zombaria. Ouvi a voz sinistra de Satanás desafiando Deus,
dizendo que ele poderia destruir a Igreja e levar o mundo inteiro para o
inferno se tivesse tempo e poder sufi-cientes. Satanás pediu a Deus permissão
para ter 100 anos para poder influenciar o mundo como nunca havia sido capaz de
fazer antes” Diz depois que Deus consentiu, a fim de que se cumprissem as
Profecias apocalípticas.
Depois
desta visão Papa Leão XIII presentiu a necessidade de rezar para São Miguel
Arcanjo, e inspirado criou esta oração, que deveria ser recitada sempre no
final de cada Missa e de joelhos: “São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate,
sede o nosso refúgio contra as maldades e ciladas do demônio. Ordene-lhe Deus,
instantemente o pedimos, e vós Príncipe da milícia celeste, pela virtude
divina, precipitai no inferno a satanás e a todos os espíritos malignos, que
andam pelo mundo para perder as almas. Amém.”
Leão
XIII foi o primeiro Papa a nascer no século XIX e também foi o primeiro a
morrer no século XX: viveu até os 93 anos de idade, morrendo em 20 de julho de
1903. No momento de sua morte, Leão XIII era o terceiro Papa com o pontificado
mais longo, superado apenas por seu antecessor imediato, Pio IX e por São
Pedro. Charles A. Finn, padre da arquidiocese de Boston, mais velho dos Estados
Unidos, serviu como oficial no seu funeral. Leão XIII foi sepultado na Basílica
de São Pedro, mas depois foi transferido para a antiga Arquibasílica de São João
de Latrão, sua igreja como Bispo de Roma e uma igreja na qual ele tinha um
interesse particular, sendo transferido para lá no final de 1924.
257
. 1 - Beata Maria Serafina Micheli
Beata
Maria Serafina Micheli (Imèr, 11 de setembro de 1849 – Faicchio, 24 de março de
1911) foi uma religiosa austríaca de língua italiana. Visionária, fundadora da
Ordem das Irmãs dos Anjos, beatificada em 28 de maio de 2011. Maria Serafina
Micheli (nascida Clotilde Micheli) nasceu no Império Austríaco na localidade de
Imer no Tirol italiano em 11 de setembro de 1849, filha de Domenico Micheli e
Maria Orsingher, cristãos devotos. Aos dez anos de idade recebeu sua Primeira
Comunhão. Micheli teria tido uma visão da Virgem Maria em 2 de agosto de 1867
enquanto orava como de costume na igreja de Imer. Nossa Senhora teria
manifestado a vontade de que fosse fundada uma nova ordem católica com a
finalidade específica da adoração à Santíssima Trindade e com especial devoção
a Nossa Senhora e aos anjos. A Virgem Maria teria dito a ela "Como
os anjos, adore a Santíssima Trindade e você ficará na Terra, como eles estão
no Céu". Seguindo o
conselho de Constance Square uma mulher da cidade tida como sábia, por quem
Micheli nutria grande respeito, foi para Veneza para ter aconselhamento
espiritual com Mons. Domenico Agostini, o futuro Patriarca de Veneza, que
aconselhou a jovem a iniciar a obra querida por Deus. Com medo de falhar,
Micheli rasgou as cartas e voltou para Imer. Em 1867 ela muda-se sozinha para
Pádua, onde permaneceu por nove anos até 1876, seguindo a orientação espiritual
de Mons. Angelo Piacentini, professor no seminário local, tentando entender
melhor o chamado recebido. Com a morte de Piacentini em 1876, Micheli foi para
Castellavazzo (Belluno). Jerome Barpi, o deão local, soube das intenções da
jovem e colocou à sua disposição um antigo convento para a nova fundação. Em
1878, Micheli estava prestes a passar por uma reviravolta, ao saber sobre um
casamento arranjado que estaria sendo preparado para ela, fugiu para a Alemanha
para a cidade de Epfendorf. Ela permaneceu na Alemanha por sete anos, de 1878 a
1885, trabalhando como enfermeira no Hospital das Irmãs Elisabetinas, chamou a
atenção por sua caridade e suavidade no trato com os doentes. Neste período
teve uma visão do inferno na qual relatou ter visto Lutero sendo torturado por
demônios. Após a morte de sua mãe, em 1882, e do pai, em 1885, ela decidiu
deixar a Alemanha, regressou então a Imer, sua localidade natal. Dois anos mais
tarde, esta mulher incansável de 38 anos, juntamente com sua prima Giuditta,
partiu em maio de 1887 em uma peregrinação a pé a Roma, fazendo paradas em
diversos Santuários marianos, com devoção e espírito de penitência, com a
intenção de verificar a Vontade de Deus sobre a incumbência da fundação da
Ordem. Em agosto, chegou a Roma e hospeda-se junto às Irmãs de Caridade das
Filhas da Imaculada, fundada por Maria Fabiano, que conhecia Micheli
profundamente e a convenceu a ficar em Roma até 1891, onde ocupou o cargo de
Madre Superiora entre 1888 e 1891 no convento de Sgurgola de Anagni. Seguiu
para o sul da Itália em 1891, instalando-se na cidade de Alife, a convite do
padre franciscano Francesco Fusco de Trani, que intencionava propor a Micheli a
criação da fundação idealizada pelo Bispo Scotti, mas ela achou que o projeto
do Bispo não estava de acordo com o que julgava ser o plano de Deus para ela. Foi
em Castelpetroso, aos 43 anos de idade que Clotilde Micheli funda a Ordem das
Irmãs dos Anjos e Adoradoras da Santíssima Trindade e toma para si o nome de
Irmã Maria Serafina Micheli do Sagrado Coração. Um ano mais tarde o primeiro
grupo de freiras ordenadas por Maria Serafina foi enviado para gerir um
orfanato em Santa Maria Capua Vetere (Caserta), foi o primeiro de muitos
institutos ajudados pelas Irmãs de sua Ordem que visava ajudar crianças e
jovens abandonados. Serafina começou, a partir do final de 1895, um período de
sofrimento físico que a enfraqueceu dramaticamente. Enquanto isso, depois de
várias vicissitudes, foi inaugurada em junho de 1899 a Casa de Faicchio
(Benevento), que mais tarde tornou-se o Instituto de Formação da Congregação.
Maria Serafina Micheli foi colocada para realizar obras em um ritmo que a
enfraqueceu ainda mais, de modo que foi forçada a não sair mais de Faicchio. Como
quase todos os fundadores de congregações religiosas, ela sofreu muito
moralmente devido a incompreensões e mal-entendidos mesmo dentro de seu
Instituto, e em 24 de março de 1911, consumida pelo sofrimento físico, falece
na Casa de Faicchio, onde ela está enterrada. Devido à Santidade de Serafina,
que aumentou após a sua morte, as suas Irmãs dos Anjos abraçaram a causa da sua
beatificação, concedida pela Santa Sé, em 9 de julho de 1990. A congregação
competente para as Causas dos Santos deve proceder para a sua santificação.
A visão de Lutero no
inferno
Irmã Maria
Serafina Micheli também ficou conhecida por ter tido uma visão do inferno na
qual Martinho Lutero encontrava-se no fundo de um abismo de fogo sendo
torturado por demônios. No dia 10 de novembro de 1883 a Irmã Maria Serafina
Micheli estava de passagem por Eisleben, mesmo local e dia de nascimento de
Lutero. Alheia ao tumulto que tomava a cidade por ocasião da comemoração dos
400 anos do nascimento de Lutero, Serafina procurava uma igreja para rezar.
Depois de empreender sua busca naquela noite escura deparou-se com uma igreja,
porém suas portas estavam fechadas, foi então que Serafina ajoelhadou-se na
escadaria para fazer suas orações sem perceber que tratava-se de uma igreja
protestante. Ao rezar, seu Anjo da Guarda apareceu e disse: “Levanta-te,
pois esta é uma igreja protestante. Mas eu quero fazer-te ver o local onde
Martinho Lutero foi condenado e a pena que sofreu em castigo do seu orgulho.” Ditas estas palavras, Serafina
relatou ter visto um tenebroso abismo de fogo, no qual inúmeras almas eram terrivelmente
atormentadas. Segundo Serafina, havia um homem posicionado no fundo deste
precipício: Martinho Lutero, estava cercado por demônios que o obrigavam a
manter-se de joelhos. Empunhando martelos, os demônios tentavam fincar um
grande prego em sua cabeça. Ao contemplar tão terrível cenário, a Irmã pensou: “se
o povo em festa visse esta cena dramática, certamente não tributariam honra,
recordações, comemorações e festejos para um tal personagem.” De acordo com Don
Marcello Stanzione, ao relatar tal visão às suas irmãs, passou a recomendar que
vivessem em resignação e humildade, pois teve a percepção de que Martinho
Lutero fora punido na danação do inferno por ter cometido o primeiro pecado
capital: o orgulho. Este pecado, segundo a visão de Serafina, o teria conduzido
à rebelião contra a Igreja Católica Romana e por consequência ao inferno.
257
. 2 - Aparição de Nossa Senhora de Knock
Em Knock,
(em irlandês denominado “Cnoc Mhuire”, “a colina de Maria”), no condado de
Mayo, no oeste da Irlanda, apareceram a Santíssima Virgem Maria, o Santíssimo
José, São João Evangelista e Nosso Senhor Jesus Cristo como o Cordeiro de Deus,
a quinze pessoas. Não foi um dia qualquer; pois precisamente nesse mesmo dia,
21 de agosto de 1879, o Papa São Leão XIII concedeu formalmente a coroação
canônica à imagem de Nossa Senhora em sua Basílica de La Salette; essa
coincidência aponta para a relação entre Knock e a mensagem de La Salette, onde
a Santíssima Virgem previu em 1846 a fome e a escassez de batatas que ocorreram
em toda a Europa, mas especialmente na Irlanda, onde mais de um milhão morreram
entre 1845 e 1850. Em Knock, naquela quinta-feira, 21 de agosto de 1879, foi
uma noite tempestuosa no final do verão irlandês. Como de costume, Maria
Beirne, a mulher encarregada da pequena igreja, estava para fechar a porta. Mas
algo diferente chamou sua atenção: uma luz intensa vinha de um lado do
edifício, e ali, à primeira vista, lhe parecia ver as estátuas de Maria
Santíssima, São José e São João, ao lado de um novo altar no qual havia um
Cordeiro e uma grande Cruz. Não prestou muita atenção nisso, porque justamente
em uma noite de tempestade como esta, no ano anterior, duas estátuas foram
danificadas, então pensou que o pároco as havia comprado para substituí-las.
Mas, “por que deixá-los lá naquela chuva forte?” a mulher se perguntava.
Mais
tarde, junto com Maria McLoughlin, voltou para compreender melhor esta anomalia,
e com espanto ainda maior percebeu que as estátuas se moviam! “É a Virgem!”, exclamou
uma delas, e correram para avisar parentes e conhecidos. Treze pessoas se
juntaram a elas para completar o grupo de quinze testemunhas que constituem a
base do testemunho que Deus quis deixar ali. Foi assim que esta aparição tão inusitada
se manifestou em toda a sua realidade: Todo o muro lateral da igreja estava
iluminado por uma luz intensa visível desde longe. As figuras estavam
suspendidas no ar a meio metro de altura. Maria, a figura maior, vestia um
manto de cor branca e um longo véu que descia da cabeça aos pés. As testemunhas
descreveram a Santíssima Virgem Maria como muito formosa; levava uma capa
branca presa ao pescoço. Em sua cabeça coberta pelo véu luzia uma
extraordinária coroa brilhante. A coroa era de um resplendor dourado, e mais brilhante
era a chamativa brancura de seu vestido. A parte superior da coroa parecia uma
série de cruzes reluzentes. Entre a coroa e a borda do véu levava uma rosa
brilhante. Estava imersa em oração profunda, com os olhos levantados para o céu
e suas mãos levantadas até a altura dos ombros, em uma posição de oração, igual
que as mãos do Sacerdote na Missa tradicional, e seu olhar, absorvida no rezo,
se dirigia ao céu.
O
Santíssimo José, também vestido de branco, estava à direita de Maria, com a cabeça
inclinada a Ela e as mãos juntas, também em oração. São João Evangelista tinha
uma mitra de Bispo e vestiduras largas, e estava à esquerda de Maria. Sua mão
direita estava levantada e seu braço esquerdo segurava o que parecia ser uma
Bíblia Sagrada. À esquerda de São João havia um altar com um Cordeiro em cima e
com uma Cruz erguida sobre o altar atrás do Cordeiro. O altar com o Cordeiro e
a Cruz estava rodeado por Anjos que giravam sobre o mesmo.
Enquanto
o grupo se ajoelhava diante da aparição em devota oração, os visitantes
celestiais permaneceram em silêncio. Não pronunciou nenhuma palavra. Aqueles
que testemunharam a aparição permaneceram sob a intensa chuva por cerca de duas
horas rezando o rosário. Quando a aparição começou, havia luz do crepúsculo;
mas embora tenha ficado muito escuro com o cair da noite, testemunhas disseram
que ainda podiam ver as figuras com muita claridade, que pareciam ser da cor de
uma luz esbranquiçada brilhante. O solo abaixo das figuras permaneceu completamente
seco durante a aparição, embora o vento soprava do sul. Depois da aparição, no
entanto, o terreno molhou e a parede escureceu. Outros aldeãos, que não estavam
envolvidos com a aparição, disseram haver visto uma luz muito brilhante que
iluminava a área arredor da igreja.
A
aparição neste recanto da Irlanda castigado pela pobreza e pela fome foi um
símbolo de esperança, consolo e fortaleza na sua miséria, pois era um lugar
onde o desemprego e a emigração eram o pão de cada dia. A aparição de Knock
ficou em silencio e parecia não dar nenhuma mensagem, mas na realidade não foi
assim. O silêncio às vezes é mais eloquente que as palavras. Tem que analisar
com atenção a aparição para poder descobrir a mensagem silenciosa que esconde.
Maria apareceu com seu esposo terrenal, São José, e com seu filho adotivo, São
João Evangelista. A Virgem usava a coroa brilhante da Rainha do Céu. No centro
do altar brilhava o Cordeiro Imolado, como São João viu no Apocalipse sobre o
altar do Céu.
Cada aparição da Maria Santíssima tem um
sentido diferente, especial e adaptado a cada circunstância e a cada lugar.
Ela, enviada por seu Filho, sabe bem o que precisamos em cada momento de nossa
história. E neste caso quis manifestar-se junto com o seu Esposo terreno, São
José, e com São João Evangelista, o discípulo tão amado por Jesus e por Ela. José
é um símbolo de heroísmo na pureza, e João, signo extraordinário de elevação
espiritual, da fé na forma de paixão e amor. José e João unidos, um como Pai Virginal
de Jesus e Esposo Virginal da Mãe de Deus, e o outro como Sacerdote, Bispo e
Evangelista. Mas também a aparição esteve iluminada pela presença angelical,
como símbolo do acompanhamento do exército de Deus, que não deixa de adorar e
rodear o Verbo. Os Anjos que rodeiam o Altar indicam-nos com quanta fé e
reverência devemos assistir à Santa Missa. Tudo é uma lembrança clara do
Apocalipse e dos tempos que estamos vivendo. Desde que se teve conhecimento
pela primeira vez da aparição, os peregrinos visitaram continuamente o Santuário
e foram descritas centenas de curas entre os enfermos e inválidos que
realizaram essa viagem. Assim a fama de Knock se espalhou além das costas da
Irlanda. Poucas semanas após a aparição, o Arcebispo de Tuam, São João McHale,
estabeleceu uma Comissão de Investigação. As quinze testemunhas foram
interrogadas e a comissão deu o veredicto de que o testemunho de todos, tomado
em conjunto, era fidedigno e satisfatório, pelo que o não foi impedido o culto
nesse lugar aos fiéis, que com o tempo começaram a transformar esse pequeno
povo em meta de peregrinações. A comissão confirmou que não houve causa natural
possível, nem fraude. As testemunhas mostraram sempre de boa fé e com
testemunhos consistentes. Nada foi encontrado para contradizer a doutrina,
muito pelo contrário; o relatado tem um profundo sentido eclesial. Em 1936,
outra comissão interrogou as três testemunhas que faltava, e ratificou
definitivamente que as evidências deles eram honrada e fidedigna. Em 1945, o
Papa São Pio XII abençoou a insígnia de Knock e a condecorou com uma medalha
especial. A velha igreja foi ampliada e transformada em Santuário, e um
conjunto de imagens que representam a cena da aparição foi erguido próximo ao
lugar do velho muro da igreja onde ocorreu a aparição.
De
imediato ocorreram curas milagrosas entre os visitantes do Santuário, tal como
ocorre em muitos outros centros Marianos, como Lourdes ou Fátima. Deus, deste
modo, colocou seu selo de autenticidade em Knock, como sempre faz e continuará
fazendo com suas autênticas obras. Dez dias depois da aparição, ocorreu a
primeira cura, em uma menina de doze anos que sofria de graves problemas de
ouvido. A mãe da menina relatou: “Depois da aparição, trouxe a Delia. Enquanto
estávamos na igreja, a dor em seu ouvido a atacou com tanta violência que
começou a gritar. Foi quando a levei para fora, ao muro, raspei um pouco do
cimento da parede da aparição e coloquei em seu ouvido. Nunca mais sentiu dor
desde então.” Este relato provocou que uma multidão de peregrinos se
aglomerassem na igreja e começaram a quebrar a parede da aparição já que as
pessoas pegavam pedaços de cimento para curar e para levar pedaços de pedra
como lembrança. O Pároco de Knock, que era o Arcediago São Bartolomeu Luis
Cavanagh, registrou os detalhes tanto da aparição extraordinária como dos
muitos milagres e curas que aconteceram depois. Esses detalhes foram
publicados, gerando assim muito interesse nos acontecimentos transcendentais em
Knock, que logo se converteu em um importante lugar de peregrinação. No final
de 1880, cerca de trezentas curas, aparentemente milagrosas, já haviam sido
registradas no diário do Pároco, que é ‘Apóstolo de Maria Imaculada e da
Caridade Cristã’. A festa dele é dia 8 de dezembro. Em agosto de 1979, ano e
mês do centenário, o Papa São Gregório XVII visitou o sagrado lugar,
confirmando assim Knock como um dos principais Santuários marianos do mundo. A
visita do Papa São Gregório XVII a Knock é descrita assim no livro de suas
Mensagens: “Dia 6 de agosto de 1979: Segunda-feira, Irlanda. Primeiro
aniversário da eleição Papal de Sua Santidade Gregório XVII. Pela manhã,
partimos em viagem ao Santuário de Nossa Senhora de Knock, proclamada como
Excelsa Padroeira da Irlanda por Sua Santidade o Papa Gregório XVII, em 23 de
novembro de 1978, e cujo centenário de sua Aparição se comemora no dia 21 deste
mês. Sua Santidade o Papa Gregório XVII chegou a este Santuário por volta das 3
da tarde, sendo recebido por numerosos fiéis em meio a aplausos e vivas. Primeiro
visitou o antigo Santuário, dirigindo um mistério do Rosário penitencial diante
de uma Imagem da Virgem de Knock. Cantamos algumas canções em sua honra e no
final o Santo Padre deu a Bênção Apostólica cantada com toda solenidade. Depois
dirigiu-se ao local preciso da Aparição, onde se encontra uma bela Imagem da
Virgem titular, São José e São João Evangelista com o Apocalipse na mãos. Ali
cantou o Magnificat, e no final o Santo Padre deu novamente a Bênção Apostólica
cantada solenemente. Todos os fiéis devotos que enchiam aquele Lugar Sangrado
irromperam em gritos de ‘Viva o Papa Gregório XVII’ e em aplausos entusiásticos
a Sua Santidade. Muitas das pessoas que estavam lá, que não conheciam El
Palmar, se aproximaram para beijar o anel do Santo Padre com toda a reverência.
Regressamos a Dublin e às 11:30 da noite, o Papa Gregório XVII celebrou a Santa
Missa na nossa Capela-Catedral daquela cidade. Durante a Missa teve a seguinte
visão: Viu o Senhor, a Virgem Santíssima, São José, São Pedro, São Paulo e São
Paulo VI.”
257
. 3 - Aparição de Nossa Senhora de Sheshan - China
Por
motivos de preconceito de fundo nacionalista, a Igreja Católica sempre
encontrou enorme resistência cultural na China. Em 1900 ocorreu a “perseguição
dos boxers”, nacionalistas chineses que se organizavam em clubes desportivos,
praticantes de artes marciais, boxe, etc, que se tornou uma das mais terríveis.
Essa perseguição deixou um saldo de milhares de mártires, 30.000, segundo
algumas fontes, entre eles cinco Bispos, 130 sacerdotes e numerosos fiéis.
Foi
justamente durante essa represália anti-cristã que se deu uma grande
intervenção da Santíssima Virgem, ocorrida em junho de 1900. Os boxers
anticatólicos estavam prestes a eliminar Dong-Lu, à época com aproximadamente
700 habitantes. Naquela ocasião, cerca de 9.000 refugiados se encontravam na
aldeia, onde os padres vicentinos tinham começado uma missão. Em sua maioria
eram habitantes muito pobres. A situação era terrível. Milhares de
perseguidores cercavam a cidade, e todos pressentiam a iminência de um massacre
de seus habitantes. Quando tudo parecia perdido, os perseguidores viram Nossa
Senhora pairando sobre o povoado, rodeada de uma multidão de anjos.
Aterrorizados, inutilmente dispararam tiros contra Ela. Diante do fenômeno
inexplicável, fugiram em grande debandada. Logo depois que eles tinham
desaparecido além do horizonte, Pai Wu, um Sacerdote chinês, confessou ao seu
rebanho que ele tinha invocado a ajuda de Maria. Uma nova igreja foi construída
no local e Pai Wu colocou uma imagem de Nossa Senhora no altar principal. Ele
pediu ao pintor que vestisse Nossa Senhora do manto real da imperatriz viúva
Tzi-Hsi. A imagem da Virgem no manto real da pagã Imperatriz, com o Menino
Jesus em seus joelhos, é expressão viva da tradição chinesa. A igreja de Tong
Lu foi completamente destruída recentemente pelos comunistas chineses, mas a
imagem de Nossa Senhora da China permanece intacta, porque apenas uma cópia da
imagem foi usada na igreja. O original estava escondida na parede atrás da
cópia, e essa foi encontrada intacta. Ela agora está em posse de Sacerdotes
chineses que exercem as suas atividades no disfarce. Ninguém ignora a férrea
repressão na China vermelha a tudo que possa se referir a religião. Repressão,
sobretudo, anti-cristã. Há dois santuários marianos nacionalmente famosos na
China, Dong-Lu em Boading e Sheshan em Shangai. O Santuário de Nossa Senhora de
Sheshan em Shangai está sob o controle da Associação Patriótica (a Igreja
católica nacional infiel ao Papa, criada pelo Partido Comunista), o Santuário a
Dong-Lu permanece firmemente com a Igreja Católica Romana, chamada "Igreja
Subterrânea". Desde 1924, católicos chineses provenientes de todas as
localidades da China, viajavam todos os meses de maio para Dong-Lu com a
finalidade de venerar a Mãe Santificada de Cristo.
257
. 4 - Beato Charles de Foucauld
Charles
de Foucauld nasceu em Strasburg, na França, em 15 de setembro 1858. Era
descendente de família nobre, de tradição militar. Aos doze anos, morava com o
avô, pois já era órfão. Aos dezesseis anos, Charles escolheu a carreira militar
e, ao final dos estudos nas melhores escolas militares, era um subtenente do
exército francês. Foi uma época repleta de entusiasmos, crises e desvios, que o
levaram a abandonar a fé. Entregava-se, facilmente, a prazeres e amores
libertinos, escandalizando a cidade. Porém sentia necessidade de preencher sua
vida tão vazia e sem rumo. Em 1883, Charles deixou o exército e viajou para o
Marrocos, na África. Ele conhecia a Argélia e tinha fascínio pelo país que
conhecera como oficial francês. Disfarçou-se de um rabino pobre, vivendo entre
as comunidades judaicas, organizando mapas e esboços dos lugares por onde
passava. Esse trabalho lhe conferiu uma medalha de ouro oferecida pela Sociedade
Francesa de Geografia. Desde a saída do exército começou a mudança de vida. Com
grande apoio dos parentes e de seu conselheiro espiritual, retornou à fé
cristã, que o arrebatou de vez. Em 1890, Charles decidiu viver apenas para
servir a Deus. Ingressou como noviço num mosteiro trapista de Nossa Senhora das
Neves, onde ficou por alguns anos. Mas a mesa farta e a disciplina pouco
rígida, como ele próprio concluiu, não produzia monges "tão pobres quanto
o Senhor Jesus". Decidiu procurar um estilo de vida que se assemelhasse à
humildade de Jesus. Abandonou o mosteiro e foi à Terra Santa. Lá, sentiu-se
mais próximo de Jesus e adotou a vida de pobreza total. Foi aceito no Mosteiro
das irmãs clarissas de Nazaré, trabalhando nos serviços gerais. Em 1900,
retornou a Paris e completou os estudos no Mosteiro de Nossa Senhora das Neves;
recebeu a ordenação Sacerdotal e voltou à África. Mas agora com uma nova
missão: levar os ensinamentos de Cristo àqueles povos que não o conheciam. Padre
Charles desembarcou em Argel, capital da Argélia, em 1901 e rumou para o sul,
bem próximo dos muçulmanos. Em pouco tempo, tornou-se um verdadeiro eremita e
muito querido pela população local. Mas seu objetivo maior era ir para o
Marrocos, evangelizar a terra dos muçulmanos. Contatou amigos tuaregues,
espécie de nômades do deserto, para obter ajuda no seguimento da missão.
Intensificou o estudo da língua nativa daqueles povos. Em 1904, já havia
traduzido os quatro evangelhos na língua dos tuaregues, além de um dicionário
tuaregue-francês. Estava estabelecido no povoado de Tamanrasset, era amigo do
chefe dos tuaregues e tinha construído uma pequena cabana para viver, depois transformada
no seu eremitério. Em 1912, estourou a guerra entre a Turquia e a Itália. A
tensão entre as tribos tuaregues aumentava. Embora o eremitério de Charles
parecesse uma fortaleza, não era suficiente para protegê-lo. No dia 1o de
dezembro de 1916, ele foi brutalmente assassinado com um tiro na cabeça, por um
adolescente de quinze anos, durante uma tentativa de sequestro e roubo naquele
local. O exemplo de Charles de Foucauld jamais foi esquecido. Em 1933, seus
seguidores fundaram a união dos Irmãozinhos de Jesus, em sua homenagem. Mais
tarde, em 1939, uma congregação feminina foi fundada com o mesmo nome. Ambas
adotaram o estilo de vida que ele sugerira. A obra continuou a florescer e
atingiu o alvorecer do terceiro milênio com mais de dez famílias de religiosos
e leigos que seguem o seu carisma, espalhadas em missões em todos os continentes,
especialmente no africano. A Santa Sé considerou "venerável" Charles
de Foucauld, em 2001 e em 13 de novembro de 2005 o Papa João Paulo II o
declarou Bem-aventurado.
257
. 5 - Santa Teresa de Lisieux
Maria
Francisca Teresa Martin Guérin nasceu em Alençon (França) a 2 de janeiro de
1873. Os seus pais foram os beatos Luís Martin e Célia Guerin. Foi a última de
nove filhos deste santo matrimónio dos quais sobreviveram cinco filhas: Maria,
Paulina, Leónia, Celina e Teresa. A sua mãe não pôde alimentá-la à nascença,
por isso passou o primeiro ano da sua vida no campo, alimentada por uma ama. Os
seus primeiros anos de vida foram muito felizes, mas quando tinha quatro anos,
morreu a sua mãe com cancro. Isto afetou muito Teresita, que deixou de ser uma
menina viva e efusiva para passar a ser tímida, calada e hipersensível, apesar
de ser rodeada de ternura pelo seu pai e pelas suas irmãs. A família mudou-se
para Lisieux, para perto dos seus tios. Quando a sua irmã Paulina entra no
Carmelo em 1882, Teresa sofre como que uma segunda orfandade materna. No ano
seguinte aparece-lhe uma “estranha doença”, com alucinações e tremores. Um dia,
enquanto as suas irmãs rezavam por ela, pareceu-lhe que a estátua da Virgem que
estava próxima lhe sorria e sentiu-se curada. No ano seguinte, o dia da sua
primeira comunhão foi como um dia sem nuvens. Nesse dia entregou-se a Jesus. A
sua alma relacionava-se com Deus com espontaneidade e amor. No entanto,
influenciada pelo moralismo da época, passou muito tempo sofrendo terríveis
escrúpulos. A sua irmã Maria tentava ajudá-la com sábia pedagogia.
No Natal
do ano de 1886, uns dois meses após a entrada de Maria no Carmelo, Teresa
recebeu o que ela chamou a “graça da sua conversão”, com a qual superou a sua
extrema sensibilidade e começou a encontrar a sua felicidade esquecendo-se de
si mesma para agradar aos demais. No ano seguinte, após conseguir autorização
do seu pai para ingressar no Carmelo, peregrinou a Roma onde, numa audiência
com o Papa Leão XIII, lhe pediu autorização para entrar no Carmelo apesar da
sua juventude. A 9 de abril de 1888, Teresa entrou no Carmelo com o nome de
Teresa do Menino Jesus. A este nome lhe acrescentaria posteriormente “e da
Santa Face”, numa altura em que o seu pai sofreu períodos de alucinações e teve
de ser internado num hospital psiquiátrico. O seu pai viveu com grande fé esta
doença mas as filhas sofreram muito com ela. No Carmelo, Teresita mergulhou na
Sagrada Escritura, fundamentalmente nos Evangelhos, onde via as marcas de
Jesus. Também as leituras do antigo testamento, quando o profeta Isaías fala do
amor materno de Deus ou do “Servo de Yahvé”, a comoviam profundamente. São João
da Cruz foi o seu mestre espiritual. Através dos seus escritos aprofundou o
caminho do amor.
Após o
período de formação, passou a ser formadora das jovens, mesmo sem o “título”
oficial, sendo mestra da sua irmã Celina. Também se correspondia com dois
missionários. Através destas cartas, estabeleceu com eles uma relação não apenas
fraterna, mas também de verdadeiro acompanhamento espiritual. Numa época em que
muitos crentes se ofereciam como vítimas da ira de Deus, Teresa oferece-se ao
seu Amor Misericordioso, pois via que a justiça divina – tal como os seus
demais atributos – está sempre impregnada de misericórdia. Com o passar dos
anos foi crescendo a sua experiência do amor incondicional e gratuito de Deus,
sentindo-se chamada a viver no agradecimento e abandono confiado de uma criança
nos braços de sua mãe. Isto fá-la entender o valor das mais pequenas obras
realizadas por amor (e não para ganhar méritos), afinando no amor quotidiano
nos mais mínimos detalhes.
Entende
que a sua vocação na Igreja é o amor. Foi uma mulher simples. Viveu sem fatos
extraordinários, sem êxtases nem milagres. Conheceu a aridez na oração e as
incompreensões mas sem perder uma serena alegria e uma paz que cada vez
preenchia mais o seu coração. Na Páscoa de 1896 Teresa adoece de tuberculose.
Três dias depois começou a prova da fé, que durou até à sua morte, quando foi
tentada a desacreditar na vida eterna. Suporta a prova e vence-a com atos mais
firmes de fé e de amor. Morreu a 30 de setembro de 1897. Os seus escritos são
as Cartas, Poemas, pequenas obras de teatro para festas comunitárias, algumas
Orações, as anotações que fizeram as suas irmãs durante a sua doença e a
História de uma alma. Este último escrito, relato da sua história de salvação,
revolucionou a espiritualidade da Igreja até ao ponto de ser declarada doutora
universal da Igreja. Também é a padroeira universal das missões. A sua festa
celebra-se a 1 de outubro.
Terezinha da Santa Face
Em 24 de
setembro de 1890, quando Teresa participou da cerimônia de "tomada do
véu" após ter feito seus votos, acrescentou ao seu nome religioso,
"Teresa do Menino Jesus", o epíteto "da Santa Face". Ambas
devoções se tornariam cada vez mais importantes no desenvolvimento de sua fé e
da sua vida espiritual. Em sua "A l'ecole de Therese de Lisieux: maitresse
de la vie spirituelle", o Bispo Guy Gaucher enfatiza que a importância
delas era tanta que Teresa assinava "Therese de l'Enfant Jesus de la
Sainte Face" (Teresa do Menino Jesus da Santa Face). Em seu poema
"Meu Céu na Terra", composto em 1895, Teresa expressa a noção de que,
através da divina união de amor, a alma assume o semblante de Jesus. Ao
contemplar os sofrimentos associados com a Santa Face, acreditava poder se aproximar
muito mais de Cristo. É importante lembrar que a devoção à Santa Face foi
promovida por outra freira carmelita, irmã Maria de São Pedro, em Tours, em
1844. Posteriormente, Leo Dupont, que ficou conhecido como apóstolo da Santa
Face, fundou a "Arquifraternidade da Santa Face" ali em 1851. Teresa
era membro desta fraternidade desde 26 de abril de 1885, quando foi apresentada
à devoção por Pauline.
Seus
pais, Zélie e Louis, rezavam no Oratório da Santa Face, fundado originalmente
por Dupont em Tours. Teresa escreveu diversas orações para expressar sua
devoção e é dela a famosa frase "Faça-me parecer contigo, Jesus!",
que escreveu num cartão no qual colou uma imagem da Santa Face. Este cartão,
por sua vez, foi colocado num pequeno medalhão que ela levava junto ao coração.
Teresa compôs também a Oração da Santa Face para Pecadoresː
“Pai Eterno, uma vez Tu me destes
como minha herança a adorável Face de teu Filho Divino, eu ofereço esta Face a
Ti e Te imploro, em troca desta moeda de valor infinito, que perdoes a
ingratidão das almas dedicadas a Ti e que perdoes todos os pobres pecadores.”
Depois de sua morte, os poemas e orações de Teresa foram
fundamentais para espalhar a devoção à Santa Face pelo mundo.
257
. 6 - Santa Josefa Menendes
Irmã
Josefa Menendez (1890-1923) recebeu mensagens de Jesus no convento da Sociedade
do Sagrado Coração de Jesús en Les Feuillants, em Poitiers, França, entre 1920
e 1923. O então Cardeal Eugênio Pacelli, depois Papa Pio XII, aprovou a sua
divulgação. No domingo, 25 de fevereiro, Jesus visitou-a em seu aposento, bem
cedo de manhã dizendo:
Por que você tem medo?” Talvez
porque ainda tenha muitas imperfeições, mas não se incomode com as acusações
que satanás lhe faz. Sim, renove seus votos fortalecendo os laços que nos unem.
E agora, Josefa, não se esqueça que você é apenas uma ferramenta, ruim e miserável.
Beije o chão e escreva, pois iremos ao encontro dos segredos do Amor. Eu te
contarei minhas razões, por lavar os pés de meus apóstolos antes da ultima
ceia. Em primeiro lugar, Eu gostaria de ensinar as almas quão puras elas devem
estar para receber-me na Sagrada Comunhão. Também gostaria de lembrar aos
infelizes pecadores que eles sempre podem recuperar sua inocência através do
sacramento da Penitência. Lavei os pés de meus apóstolos com minhas próprias
mãos, para que aqueles que se consagrarem ao trabalho apostólico possam seguir
meu exemplo, e tratar os pecadores com humildade e misericórdia, como também
todos os outros, confiados aos seus cuidados. Eu me vesti pessoalmente com uma
roupa branca de linho para lembrar-lhes que os sacerdotes devem se vestir com
desprendimento, serem abnegados e mortificados, pois devem exercer benéfica
influência nas almas… Gostaria também de ensinar-lhes que a caridade mútua está
sempre pronta para desculpar os erros dos outros, para escondê-los e eliminá-los,
e nunca para mostra-los. Finalmente, a água derramada nos pés de meus apóstolos
denota o zelo que havia em meu coração para a salvação do mundo. A hora da
redenção estava próxima. Meu Coração não mais podia restringir meu amor pela
humanidade, nem suportar o pensamento de deixa-la órfão. Assim, para provar meu
imenso amor pela humanidade e de maneira a sempre permanecer com ela até o
final dos tempos, resolvi tornar-me seu alimento, seu apoio, sua vida, enfim,
tudo de bom para ela. Se eu pudesse mostrar a todas as almas os amorosos
sentimentos que inundaram meu Coração na Ultima Ceia, quando institui o
sacramento da Santa Eucaristia! Meu olhar percorreu os séculos, as gerações, e
vi as multidões que receberiam meu Corpo e Sangue, e todo o bem que lhes faria.
Quantos corações que, ao contato deles, despertariam para a virgindade, para a
santidade. E quantos outros que despertariam para atos de caridade e zelo! Eu
vi muitos mártires do amor. Vi muitas almas enfraquecidas pelo pecado e pela
violência da paixão retornarem a sua aliança e recobrarem sua energia
espiritual ao comungarem este Pão que fortalece e que da vida! Quem pode
descrever as avassaladoras emoções que enchiam minha alma? Alegria, amor,
ternura. Mas, infelizmente, também muita mágoa. Mais tarde continuarei, Josefa.
Agora vá em minha paz; console-me, e não tenha medo; a fonte de meu sangue não
está exaurida, e ela limpará tua alma. Adeus beije o chão. Eu retornarei.
25/8/1920: Abandone-se
em minhas mãos. Não me importa sua pequenez ou sua fraqueza. Eu peço é que me
ame e ofereça tudo para consolar meu Coração. Quero que saiba o quanto te amo e
que tesouros meu amor te reserva. Quero que descanse sem medo em meu Coração.
Olhe-o e verá que esse fogo é capaz de consumir tudo o que você tem de
imperfeito. Abandone-se ao meu Coração e não pense mais do que em me dar gosto.
Quero que me ofereça tudo, até a mais pequena dor, para compensar a dor que me
causam as ofensas das almas.
19/11/1920: Um só
ato de amor, quando você se sente desamparada, repara muitas ingratidões de
outras almas. Meu coração as conta e as recolhe como bálsamo precioso”. Creiam
na minha misericórdia; esperem tudo da minha bondade e não duvidem do meu
perdão. Sou Deus, mas Deus de amor! Sou Pai, mas Pai que ama com ternura e não
com severidade.
Josefa
Menendez nasceu em Madrid, em 4 de fevereiro de 1890. Ainda muito jovem entrou
para a Sociedade do Sagrado Coração, na França, onde muito cedo foi objeto das
revelações do Divino Mestre. Teve uma vida breve, faleceu em 1923, aos 33 anos
de idade. E em 30 de novembro de 1948, foi iniciado seu processo de
beatificação. Dez anos antes de se instaurar o processo, o Cardeal Eugênio
Pacelli, futuro Papa Pio XII, deu a conhecer ao mundo um livro escrito pela
Irmã Josefa, intitulado “Apelo ao Amor”, que relatava as experiências místicas
da religiosa durante sua breve vida. Além das mensagens do Sagrado Coração,
Josefa Menendez teve também revelações sobre o Inferno, que Deus permitiu para
nosso conhecimento e reflexão. É tão terrível a experiência desta alma
privilegiada, mas ela sofreu para a salvação das almas, segundo vontade do
Divino Redentor.
Nossa Senhora vem consolar Irmã
Josefa
Filha, tua fraqueza não te deve
desanimar, confessa-a humildemente, mas não percas a confiança, pois não podes
mais duvidar que foi por causa de tua miséria e da tua indignidade que Jesus
fitou em ti o Olhar. Muita humildade, mas muita confiança.
E aludindo às perseguições redobradas do demônio: Não
receies, ele só pode multiplicar ocasiões de grande merecimento para tua alma.
Eu te defendo e Jesus nunca te abandona.
Então,
afastando de si mesma o pensamento, Josefa não pensa senão na alegria da Mãe
Imaculada, cuja entrada no Céu o mundo inteiro celebra. Maria parece estremecer
diante da evocação da ventura que, para Ela, é um eterno presente. Inclina-se
sobre a filha e, abrindo-lhe o Coração, traça diante de Josefa o itinerário que
a conduziu, das sombras e dores da terra à claridade do Dia sem fim.
Via Sacra - Irmã Josefa Menéndez
Ensinada pelo Divino Mestre à Irmã Josefa Menendez:
I ESTAÇÃO [Jesus é condenado à morte]
Almas, que procurais imitar minha
conduta, aprendei a guardar o silêncio e a serenidade diante do que vos
mortifica e contraria. E beijando o chão: Sangue divino do meu Redentor,
adoro-vos com grande respeito e grande amor para reparar os ultrajes que
recebestes das almas.
II ESTAÇÃO [Jesus leva a Cruz às costas]
Almas que amais, comparai o vosso
sofrimento e amor que me tendes e não deixeis que o desânimo apague a chama
deste amor. E beijando o chão: Sangue divino do meu Redentor, adoro-vos com
grande respeito e grande amor para reparar os ultrajes que recebestes das
almas.
III ESTAÇÃO [Jesus cai pela primeira vez]
Almas que chamei para partilhar o
peso da minha cruz, vede se vosso zelo pelas almas vos dá nova vida para
prosseguir no caminho da abnegação e da renúncia, ou se vosso amor próprio,
excessivo, abate vossas forças e não vos deixa suportar o peso da cruz. E
beijando o chão: Sangue divino do meu Redentor, adoro-vos com grande respeito e
grande amor para reparar os ultrajes que recebestes das almas.
IV ESTAÇÃO [Encontro de Jesus com sua Mãe]
Almas que caminhais pela mesma
senda e tendes o mesmo ideal, que a vista de Nossos mútuos sofrimentos vos
anime e vos fortaleça para que o amor triunfe. Que a união na dor vos sustente
e vos faça abraçar generosamente os espinhos do caminho. E beijando o chão:
Sangue divino do meu Redentor, adoro-vos com grande respeito e grande amor para
reparar os ultrajes que recebestes das almas.
V ESTAÇÃO [Jesus ajudado pelo Cirineu a levar a Cruz]
Olhai como Cirineu aceita essa
carga penosa e cruel. Olhai também como Meu corpo vai perdendo as forças... E
beijando o chão: Sangue
divino do meu Redentor, adoro-vos com grande respeito e grande amor para
reparar os ultrajes que recebestes das almas.
V ESTAÇÃO [A Verônica enxuga o rosto de Jesus]
Ah! vós que haveis abandonado o
mundo e o que mais amáveis, não deixeis que agora um ligeiro temor de perder a
reputação ou a fama, vos impeça de enxugar meu rosto com atos de generosidade e
de amor. Vede como o Sangue o cobre! E beijando o chão: Sangue divino do meu
Redentor, adoro-vos com grande respeito e grande amor para reparar os ultrajes
que recebestes das almas.
VI ESTAÇÃO [Jesus cai pela segunda vez]
Não desanimeis, almas que
caminhais após Mim, se em vossa vida sem consolo humano e cheia de aridez vos
virdes abandonadas de todo consolo espiritual, reanimai-vos à vista de vosso
Modelo no caminho do Calvário. Vede que é pela segunda vez que cai, porém se
levanta e segue seu caminho até o fim. Se quiserdes tomar um pouco de força,
vinde e beijai-Lhe os pés. E beijando o chão: Sangue divino do meu Redentor,
adoro-vos com grande respeito e grande amor para reparar os ultrajes que
recebestes das almas.
VIII ESTAÇÃO [Jesus consola as filhas de Jerusalém]
As mulheres de Jerusalém choram
ao ver-me em tal estado de ignomínia. O mundo chora diante do sofrimento, porém
Eu vos digo, almas que me seguis pelo caminho estreito, que mais tarde o mundo
vos verá andar por vastos prados floridos, ao passo que ele e os seus
caminharão sobre o fogo que eles mesmos prepararam para si com os seus gozos. E
beijando o chão: Sangue divino do meu Redentor, adoro-vos com grande respeito e
grande amor para reparar os ultrajes que recebestes das almas.
IX ESTAÇÃO [Jesus cai pela terceira vez]
Almas que desejais imitar-me, não
recuseis nunca um ato que vos custe, ainda que vos produza novas feridas! Que
importa! Esse sangue dará vida a uma alma... Imitai o vosso Modelo que se
adianta até o Calvário. E beijando o chão: Sangue divino do meu Redentor,
adoro-vos com grande respeito e grande amor para reparar os ultrajes que
recebestes das almas.
X ESTAÇÃO [Jesus despojado de suas vestes]
Deixai-vos despojar de tudo que
possuis, seja de vossos bens ou de vossa vontade própria. Em troca, Eu vos
cobrirei com a túnica da pureza e com os tesouros do meu próprio coração. E
beijando o chão: Sangue divino do meu Redentor, adoro-vos com grande respeito e
grande amor para reparar os ultrajes que recebestes das almas.
XI ESTAÇÃO [Jesus pregado na Cruz]
Vós que estais pregados na cruz
da vida religiosa e presos a ela pelos vossos votos, que são os pregos do amor,
não vos queixeis, não murmureis quando estes cravos benditos vos rasgarem as
mãos e os pés. Vinde e beijai os meus! Aqui encontrareis força. E beijando o
chão: Sangue divino do meu Redentor, adoro-vos com grande respeito e grande
amor para reparar os ultrajes que recebestes das almas.
XII ESTAÇÃO [Jesus morre na Cruz]
Almas que tivestes a cruz por
companheira inseparável durante a vossa vida, ficai certas de que em seus
braços exalareis vosso último suspiro, e ficai certas também de que ela será o
por onde entrareis na vida. Abraçai-a com ternura e amai-a como maior de vossos
tesouros. E beijando o chão: Sangue divino do meu Redentor, adoro-vos com
grande respeito e grande amor para reparar os ultrajes que recebestes das
almas.
XIII ESTAÇÃO [Jesus descido da Cruz]
Almas escolhidas e chamadas para
serem esposas e vítimas, vinde! Tomai meu corpo e embalsamai-o com o aroma de
vossas virtudes! Adorai suas chagas! Beijai-as e deixai que as lágrimas caiam
sobre meu rosto... Depois colocai-me no sepulcro de vossos corações! Eterno
Pai, recebei o Sangue divino, que Jesus Cristo, Vosso Filho, derramou na Sua
Paixão. Por suas chagas, por sua cabeça transpassada pelos espinhos, por seu
Coração, por seus méritos divinos, perdoai as alma e salvai-as.
XIV ESTAÇÃO [Jesus posto no sepulcro]
Olhai com que delicadeza me põem
no sepulcro. É novo e, portanto, limpo da mais ligeira mancha. Eterno Pai,
recebei o Sangue divino, que Jesus Cristo, Vosso Filho, derramou na Sua Paixão.
Por suas chagas, por sua cabeça transpassada pelos espinhos, por seu Coração,
por seus méritos divinos, perdoai as almas e salvai-as. Agora, Josefa, adora
minhas chagas, beija-as e reza o “Miserere”.
Visões do Inferno da
Beata Irmã Josefa Menendez
Nossa
luta contra as trevas deve ser incessante. Para compensar aos que não mais
acreditam nesta espantosa realidade, pessoas cuja falsa teologia é de perdição.
Devemos nós, continuar a trazer estes textos de revelações visões de pessoas e
de santos de nossa Igreja, para que todos finalmente acreditem e tenham tempo
de conversão. Nem que seja pelo medo de cair lá. Acreditem, é horrível. Eu já
vi… A noite de 16 de Março às dez horas, ouvi, como os dias precedentes, um
barulho confuso de gritos e cadeias. Levantei-me rapidamente e vesti-me, e
tremendo de medo, ajoelhei-me na parte inferior da minha cama. O barulho
aproximava-se, e sem saber o que fazer, marchei do dormitório, e fui à cela da
nossa Santa Mãe; então fui de novo ao dormitório: os mesmos barulhos estarrecedores
rodeavam-me; seguidamente, de repente vi na frente de mim o diabo.
– Amarrem-lhe os pés e as mãos, urrou. Imediatamente perdi
consciência de onde estava, e senti-me arrastada muito longe. Outras vozes
gritavam: – ‘nada bom de amarrar os seus pés; é o seu coração o que devemos
amarrar. – Isso não pertence a mim, foi a resposta do diabo.
Então
fui arrastada por um corredor longo, muito escuro e sem fim, e dos lados
ressoavam terríveis gritos. Dos lados opostos dos muros do estreito corredor
havia uns nichos que vertiam fumo, não obstante com chamas muito pequenas, e
que emitiam um cheiro intolerável. Destes nichos vinham vozes blasfemadoras, e
gritos e palavras impuras. Alguns maldizem os seus corpos, outros os seus pais…
Era um barulho de gritos confusos de fúria e desespero.
Então
recebi uma pancada brutal no estômago que me dobrou em dois, e forçou-me dentro
dum dos nichos. Senti-me como se fosse esmagada entre duas tábuas escaldantes e
como se me perfurassem o corpo através de agulhas grossas, ardentes e
pontiagudas parecia furar a minha carne. A minha alma caiu nas profundezas
insondáveis, cujo fundo não pode ser visto, porque é imenso…
O que me
causou a maior dor… e ao que nenhuma outra tortura pode ser comparada, era a
angústia da minha alma achando-se separada de Deus…
Dizia
uma alma: – Se algum de nós, que aqui estamos, pudesse fazer um só ato de amor,
isto já não seria inferno! Mas não podemos; nosso alimento é odiar e abominar!
É ainda uma dessas desgraçadas almas quem fala: – O maior tormento aqui é não
poder amar Aquele que devemos odiar. A fome de amor nos consome, mas é tarde
demais… Tu também sentirás esta mesma fome: odiar, abominar e desejar a
perdição das almas… É este o nosso único desejo!
Todos
estes dias em que sou arrastada ao inferno, (diz Josefa) quando o demônio
ordena aos outros que me martirizem, eles respondem: “Não podemos… Seus membros
já foram martirizados por Aquele… (designam a Nosso Senhor com uma blasfêmia).
Então ele manda que me deem enxofre a beber…
Reparai também que, quando eles me acorrentam para me levar ao inferno,
nunca podem atar-me pelo lugar em que usei instrumentos de penitência. Tudo isto
escrevo para obedecer.
Alguns rugem pelo martírio que sofrem nas
mãos. Penso que roubaram porque dizem: – Onde está o que tiraste? Malditas
mãos! Por que aquela ambição de ter o que não era meu e que não poderia
guardar. Senão alguns dias? Outros acusam as próprias línguas, os próprios
olhos. Cada um aquilo que lhe havia sido motivo de pecado: – Bem pagas estão
agora as delícias que tomavas meu corpo, e foste tu que quiseste!
Parece
que as almas se acusam principalmente de pecados contra a pureza, de roubos, de
negócios injustos e que a maioria dos condenados por estas causas é que estão
pagando. Vi muita gente do mundo cair naquele abismo e não se pode explicar,
nem compreender o grito que lançavam e como rugiam assustadoramente.
– Eterna maldição! Enganei-me, perdi-me… Estou aqui para
sempre. Não há mais remédio. Maldito sejas! Alguns culpavam tal pessoa, outros,
tal circunstância e todos a ocasião da sua própria queda.
Em outro
dia, senti-me como se tentassem arrancar a minha língua, mas não podiam. Esta
tortura trouxe-me a uma tal agonia que os meus olhos mesmo pareciam começar a
sair fora das suas órbitas. Penso que era devido ao fogo que queima e queima;
nem uma unha do dedo escapa a estes tormentos arrepiantes, e a toda a hora não
se pode deslocar mesmo um dedo para ganhar um pouco de alívio, nem fazer
tampouco câmbio nenhum, porque o corpo parece estar aplainado e dobrado em
dois. Os barulhos de confusão e de blasfêmias não cessam nem um só momento. Um
cheiro terrível asfixia e corrompe tudo, é como a queimadura da carne podre,
misturada com alcatrão e enxofre… uma mistura à qual nada sobre a terra pode
ser comparada…”
Bem que
estas torturas foram terríveis, seriam suportáveis se a alma tivesse paz. Mas
sofre indescritivelmente… Uma das almas danada gritava: – Eis aí o meu
tormento… Querer amar e não mais poder. Não me resta outra coisa senão ódio e
desespero.
Vejo
claramente que todas as dores sobre terra não são nada em comparação com o
horror de não poder amar nunca mais, porque neste lugar só se respira ódio e
sede de perdição de outras almas. Pareceu-me que passei muitos anos neste
inferno, no entanto apenas durou seis ou sete horas… Todo o que escrevi, é
somente uma sombra do que a alma sofre, por que nenhuma palavra pode exprimir
tão grande tormento.
Hoje vi
cair no inferno grande número de almas, creio que eram pessoas do mundo. O
demônio gritava: – Agora o mundo está em ponto de bala para mim… Conheço o melhor
meio de agarrar as almas! É excitar nelas desejos de gozar! Eis o que me
garante a vitória, o que as traz aqui em abundância. Ouvi o demônio ao qual uma
alma acabava de escapar, forçado a confessar a sua impotência: – Confusão!
Confusão! Como escapam tantas almas? Eram minhas! (E ele lhe enumera os
pecados)
Na noite
passada, não estive no inferno, mas fui carregada para um lugar onde não havia
luz, somente um fogo ardente e vermelho no centro. Fui estendida e amarrada,
sem poder fazer um só movimento. Em volta de mim, estavam sete ou oito pessoas
sem roupa, e os corpos negros eram iluminados apenas pelos reflexos do fogo.
Estavam sentados e falavam. Dizia um: – É preciso grande precaução a fim de que
não conheçam nossa mão, pois, somos facilmente descobertos. O diabo respondeu: –
Insinuai-vos induzindo a negligência neles, mas mantendo-vos na sombra, de modo
que não sejais descobertos. Podeis entrar pelo sentimento de indiferença. Sim,
creio que a estes, dissimulando-vos a fim de que não percebam, podeis torná-los
indiferentes ao bem e ao mal e, pouco a pouco, inclinar a sua vontade para o
mal. A esses outros, tentai-os com ambições; que só procurem os seus próprios
interesses. Por graus ficarão endurecidos, e podereis incliná-los ao mal.
Tentai estes outros à ambição, o interesse, a fazer riquezas assem trabalhar,
seja legal ou não. – Excitai aqueles outros à sensualidade e ao amor ao prazer.
– Deixai que o vício os cegue… Quanto ao resto entrai pelo seu coração… sabei
as inclinações dos seus corações… provocai que amem com paixão… – Trabalhai
muito duro… não tomeis nenhum descanso… não tenhais nenhuma piedade. – Ide…
Ide… com firmeza! Que eles se apaixonem, é preciso perder o mundo… não me
escapem essas almas! – Deixai que comam muito e engrossem! Assim será todo mais
fácil para nós… Deixai que comam e bebam nos seus banquetes. O amor ao prazer é
a porta pela qual vos os caçareis. Os outros respondiam, de vez em quando: –
Somos teus escravos. Trabalharemos sem descanso. Sim, muitos nos combatem, mas
nós trabalharemos dia e noite, sem trégua. Reconhecemos teu poder. Etc.
Assim,
todos falavam e aquele que creio ser o demônio dizia horríveis palavrões. Ouvi
ao longe um ruído, como de taças e de copos e ele gritava: – Deixai-os
embriagarem-se, depois tudo nos será fácil. Acabem seus banquetes, já que tanto
gostam de gozar. É a porta pela qual entrareis. Acrescentou coisas tão
horríveis que não se podem dizer nem escrever. Depois como que mergulhando na
fumaça, desapareceram.
Hoje, o
demônio gritava com raiva por que uma alma lhe escapava: – Excitai-lhe o temor!
Desesperai-a. Ah! Se ela confiar na Misericórdia Daquele (e blasfemava de Nosso
Senhor) estou perdido! Mas, não! Enchei-a de medo, não a deixeis um só instante
e, sobretudo desesperai-a. Então, o inferno se encheu com um só grito de raiva
e, quando o demônio me lançou fora do abismo, continuou a ameaçar-me. Dizia,
entre outras coisas: – Será possível… Será verdade que criaturas fracas tenham
mais poder do que eu que sou tão poderoso! Mas esconder-me-ei para passar
despercebido! O cantinho mais pequeno me basta para colocar uma tentação: Atrás
de uma orelha, nas folhas de um livro, de baixo de uma cama… algumas não fazem
caso de mim, mas eu falo, falo… a custa de falar ficam algumas palavras… Sim,
hei de esconder-me em lugar onde não me encontrem. Vi caírem muitas almas.
Entre elas, uma menina de 15 anos que amaldiçoava os próprios pais, porque não
lhes haviam ensinado o temor de Deus, nem que existia o inferno. Dizia que sua
vida, embora curta, tinha sido cheia de pecados, porque se considera a si mesma
todas as satisfações que seu corpo e suas paixões exigiam dela. Acusava-se
principalmente de ter lido maus livros. Hoje, vi um vasto número de pessoas
caírem no abismo ardente. Pareciam ser gente rica, bem vivedora e opulenta e um
demônio berrou: – O mundo é maduro para mim.’ Sei que a melhor maneira de caçar
almas é alimentar o seu desejo de prazer… Eu primeiro que ninguém… Eu antes que
os outros… Nenhuma humildade para mim! Deixa que os demais louvem-me… Esta
triagem de coisas assegura a minha vitória… e eles lançam-se de cabeça para o
inferno.
Certas
almas amaldiçoavam a vocação que tinham recebido e à qual não haviam
correspondido… a vocação que haviam perdido, por que não tinham querido viver
escondidas e mortificadas. Uma vez em que fui ao inferno, vi muitos padres,
religiosos e religiosas que amaldiçoavam seus Votos, suas Ordens, seus
Superiores, e tudo o que teria podido dar-lhes a luz e a graça que haviam
perdido… Vi também prelados… Um se acusava a si mesmo de ter usado
ilegitimamente de bens que não lhe pertenciam. Padres amaldiçoavam a própria
língua que consagrara, os dedos que tocaram em Nosso Senhor, as absolvições que
haviam dado sem saberem salvar-se a si mesmos, a ocasião que os havia levado ao
inferno… Um padre dizia: – Comi veneno, servi-me de dinheiro que não me
pertencia… e se acusava de ter usado o dinheiro que lhe haviam dado para
missas, sem as dizer. Outro dizia que pertencia a uma sociedade secreta na qual
traíra a Igreja e a religião e que, por dinheiro, facilitara horríveis
sacrilégios e profanações.
Instantaneamente,
achei-me no inferno, mas sem ter sido arrastada como das outras vezes. A alma
aí se precipita por si mesma, como se desejasse desaparecer da vista de Deus
para poder odiá-lo e amaldiçoa-Lo. A minha alma deixou-se cair num abismo cujo
fundo não se pode ver, pois, é imenso! Imediatamente, ouvi outras almas se
regozijarem vendo-me nos mesmos tormentos. Ouvir aqueles horríveis gritos já é
um martírio, mas creio que nada é comparável em dor à sede de maldição que se
apodera da alma e, quanto mais maldizemos, mais aumenta a sede. Nunca tinha
experimentado aquilo. Outrora, a minha alma ficava cheia de dor diante daquelas
horríveis blasfêmias, embora não pudesse produzir nem um ato de amor. Mas, hoje
se dava o contrário! Vi o inferno como sempre, longos corredores, cavidades,
fogo… ouvi as mesmas almas a gritar e a blasfemar, pois – como já escrevi
muitas vezes – embora se vejam as formas corporais, sentem-se os tormentos como
se os corpos estivessem presentes e as almas se reconhecem. Gritavam: – Olá,
aqui estás! Como nós! Éramos livres de não fazer aqueles votos (religiosa), mas
agora… e maldiziam seus votos. Então fui empurrada para aquele nicho inflamado
e esmagada como entre duas tábuas ardentes e como se ferros e ponta em brasa se
me enfiassem no corpo. Senti como se quisessem, sem o conseguir, arrancar-me a
língua, tormento que me reduzia aos extremos da dor. Os olhos pareciam sair-me
das órbitas, creio que por causa do fogo que tanto os queimava! Não havia uma
só unha que não sofresse horríveis tormentos. Não se pode nem mover um dedo
para buscar alívio, nem mudar de posição, o corpo fica como que achatado e
dobrado pelo meio. Os ouvidos são acabrunhados com os tais gritos de confusão
que não cessam um só instante. Um cheiro nauseabundo e repugnante asfixia e
invade tudo; é como se carne em putrefação estivesse queimando com piche e
enxofre… mistura que não se pode comparar a coisa alguma deste mundo. Tudo o
que estou escrevendo, não é senão uma sombra ao lado do que a alma sofre, pois,
não há palavras que possam exprimir tormento semelhante.
258º
- São Pio X - 1903 - 1914
São Pio
X, nascido Giuseppe Melchiorre Sarto; (Riese, 2 de junho de 1835 – Roma, 20 de
agosto de 1914). O seu Pontificado decorreu de 4 de agosto de 1903 até a data
da sua morte. Ficou conhecido como o "Papa da Eucaristia" e foi o
primeiro Papa a ser canonizado desde Pio V (1566–1572). Concedeu 100 dias de
indulgência de cada vez que se diga: "Ó Maria concebida sem pecado, rogai
por nós que recorremos a vós", invocação esta impressa na Medalha
Milagrosa. Instituiu em 08/06/1909 a Associação da Medalha Milagrosa. Início do
processo de beatificação de Santa Bernadete Soubirous. Ele desenvolveu uma
reputação de ser muito amigável com as crianças. Ele carregava doces nos bolsos
para os meninos de rua em Mântua e Veneza e ensinava-lhes o catecismo. Durante
as audiências Papais, ele reunia crianças ao seu redor e conversava com elas
sobre coisas que lhes interessavam. Suas aulas semanais de catecismo no pátio
de San Damaso, no Vaticano, sempre incluíam um lugar especial para as crianças,
e sua decisão de exigir a Confraria da Doutrina Cristã em todas as paróquias
foi parcialmente motivada pelo desejo de recuperar as crianças da ignorância
religiosa. Em seu Papado, Pio X trabalhou para aumentar a devoção na vida do Clero
e dos leigos, particularmente no Breviário, que ele reformou consideravelmente
e na Missa. Além de restaurar o proeminente canto gregoriano, ele colocou uma
ênfase litúrgica renovada na Eucaristia, dizendo: "A sagrada comunhão é o
caminho mais curto e seguro para o céu". Para esse fim, ele incentivou a
recepção frequente da Sagrada Comunhão. Isso também se estendia às crianças que
haviam atingido a "idade da discrição", embora ele não permitisse a
antiga prática oriental da comunhão infantil. Ele também enfatizou o recurso
frequente ao Sacramento da Penitência, para que a Santa Comunhão fosse recebida
com dignidade. A devoção de Pio X à Eucaristia acabaria por lhe render o
honorífico "Papa do Santíssimo Sacramento", pelo qual ele ainda é
conhecido entre seus devotos. Em um decreto, intitulado Lamentabili sane exitu
(ou "Uma partida lamentável de fato"), emitida em 3 de julho de 1907,
Pio X condenou formalmente 65 proposições modernistas ou relativistas relativas
à natureza da igreja, revelação, exegese bíblica, sacramentos e a divindade de
Cristo. Isso foi seguido pela encíclica Pascendi dominici gregis (ou
"Alimentando o rebanho do Senhor"), que caracterizou o modernismo
como a "síntese de todas as heresias". Depois disso, Pio X ordenou
que todos os clérigos prestassem o juramento antimodernista, Sacrorum antistitum.
A postura agressiva de Pio X contra o modernismo causou algumas perturbações
dentro da igreja.
Catecismo de São Pio X
Em 1905,
Pio X, em sua carta Acerbo nimis, determinou a existência da Confraria da
Doutrina Cristã (classe de catecismo) em todas as paróquias do mundo.
O
direito canônico na Igreja Católica variava de região para região, sem
prescrições gerais. Em 19 de março de 1904, o Papa Pio X nomeou uma comissão de
Cardeais para elaborar um conjunto universal de leis. Dois de seus sucessores
trabalharam na comissão, Giacomo della Chiesa, que se tornou o Papa Bento XV e
Eugênio Pacelli, que se tornou o Papa Pio XII. Este primeiro Código de Direito
Canônico foi promulgado por Bento XV em 27 de maio de 1917, com data efetiva de
19 de maio de 1918 e permaneceu em vigor até o advento de 1983.
Além das
histórias de milagres realizadas pela intercessão do Papa após sua morte,
também há histórias de milagres realizados pelo Papa durante sua vida. Em uma ocasião,
durante uma audiência Papal, Pio X estava segurando uma criança paralisada que
se soltou de seus braços e depois correu pela sala. Em outra ocasião, um casal
(que havia confessado a ele enquanto era Bispo de Mântua) com uma criança de
dois anos com meningite, escreveu ao Papa e Pio X, quando este então escreveu
de volta para eles, aguardando e orando. Dois dias depois, a criança foi
curada.
Pio X
beatificou 131 indivíduos (incluindo grupos de mártires e aqueles pelo
reconhecimento de "cultus") e canonizou quatro. Entre os beatificados
durante o seu Pontificado estavam Marie-Geneviève Meunier (1906), Rose-Chrétien
de la Neuville (1906), Valentin Faustino Berri Ochoa (1906), Clair of Nantes
(1907), Zdislava de Lemberk (1907), João Bosco (1907), John de Ruysbroeck
(1908), Andrew Nam Thung (1909), Agatha Lin (1909), Agnes de (1909), Joana
d'Arc (1909), e João Eudes (1909). Os canonizados por ele foram Alexander Sauli
(1904), Gerardo Majella (1904), Clemente Maria Hofbauer (1909) e José Oriol
(1909).
Em seu
livro “Memórias do Papa Pio X”, o Cardeal del Val escreveu que "Em várias
ocasiões durante esses anos, quatro ou cinco vezes, pelo que me lembro, quando
entrei em seu quarto para minha audiência matinal às nove horas, Sua Santidade
iniciava a conversa com a seguinte observação: “Eminência, as coisas vão mal. A
Grande Guerra se aproxima... Não passaremos do ano de 1914”.
Em 1913,
o Papa Pio X sofreu um ataque cardíaco e, posteriormente, viveu na sombra da saúde
debilitada. Em 1914, adoeceu na Festa da Assunção de Maria (15 de agosto de
1914), uma doença da qual ele não se recuperaria. Sua condição foi agravada
pelos eventos que levaram à eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914–1918), que
supostamente colocaram o Papa de 79 anos em um estado de melancolia. Ele morreu
em 20 de agosto de 1914, apenas algumas horas após a morte do líder jesuíta
Franz Xavier Wernz e no mesmo dia em que as forças alemãs marcharam para
Bruxelas. Após sua morte, Pio X foi enterrado em uma tumba simples e sem
adornos na cripta abaixo da Basílica de São Pedro. Os médicos Papais tinham o
hábito de remover órgãos para ajudar no processo de embalsamamento. Pio X
proibiu expressamente isso em seu enterro e sucessivos Papas continuaram essa
tradição.
INICIO
DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL - 1914
259º
- Bento XV - 1914 - 1922
Bento
XV, nascido Giacomo Paolo Giovanni Battista della Chiesa (Pegli, 21 de novembro
de 1854 – Roma, 22 de janeiro de 1922) foi Papa desde 3 de setembro de 1914 até
a data da sua morte. Bento XV foi eleito Papa poucas semanas após o início da
Primeira Guerra Mundial. A eleição como Papa de um Cardeal nomeado há apenas
três meses foi um acontecimento excepcional. Foi provavelmente a situação de
guerra que favoreceu a sua eleição, pois tinha trabalhado na diplomacia com
talentosos Secretários de Estado, como Rampolla e Merry del Val, e era
considerado mais imparcial do que outros candidatos elegíveis. Consciente da
gravidade do momento, decidiu que a coroação não se realizaria na Basílica de
São Pedro, mas, mais modestamente, na Capela Sistina. Durante a Primeira Guerra
Mundial ele desenvolveu várias propostas de paz. Na sua primeira encíclica, Ad
Beatissimi Apostolorum Principis, publicada já em 1 de Novembro de 1914, apelou
aos governantes das nações para que silenciassem as armas e pusessem fim ao
derramamento de tanto sangue humano. Com a entrada também do Reino da Itália na
guerra, em 24 de maio de 1915, a Santa Sé, fechada e "prisioneira" no
Vaticano, permaneceu ainda mais isolada com a saída dos embaixadores de Estados
estrangeiros. Bento XV sofreu muito nos anos que se seguiram a esta prisão, que
viveu como uma espécie de penitência pela paz. Não pôde deixar de notar com
amargura o alargamento do conflito internacional, cuja causa última foi - na
sua opinião, e de acordo com uma interpretação amplamente difundida na Cúria -
a propagação do individualismo liberal e o processo de secularização que viu o
abandono pelas sociedades contemporâneas das orientações da Igreja Católica. A
guerra mundial representou de fato, tanto para Bento XV como para os seus
antecessores, um verdadeiro castigo divino, tanto que ele a comparou ao terremoto
de Reggio Calabria e de Messina. Ao longo do conflito, não deixou de enviar
proclamações pela paz e por uma resolução diplomática da guerra, bem como de
prestar ajuda concreta às populações civis afetadas, incluindo serviços de
socorro aos feridos, refugiados e órfãos de guerra. Entre estas ajudas - cujo
custo levou o Vaticano à beira da falência - devemos recordar também a abertura
de um escritório no Vaticano, o Trabalho dos Prisioneiros, destinado às
comunicações e à reunião dos prisioneiros de guerra com os seus familiares. No
campo diplomático, em abril e maio de 1915, tentou atuar como intermediário
entre a Áustria-Hungria e a Itália para evitar que esta declarasse guerra à
primeira; entre o final de 1916 e o início de 1917 atuou como intermediário
entre algumas potências da Entente e o novo Imperador, Carlos I da Áustria, e
na primavera de 1917 apelou ao presidente dos Estados Unidos Woodrow Wilson na
tentativa de impedir a entrada na guerra da América. No entanto, a sua
tentativa mais audaciosa de parar o conflito e induzir os líderes das potências
beligerantes a reunirem-se em torno de uma mesa de paz foi a Nota de 1 de
Agosto de 1917, carta comummente lembrada por ter definido a guerra como
“massacre inútil”. Também lhe é atribuída a expressão, novamente sobre o mesmo
tema, da guerra como “O suicídio da Europa civilizada”.
No
entanto, é preciso dizer que a resposta das nações beligerantes foi negativa:
especialmente Woodrow Wilson - cujos Quatorze Pontos, apenas alguns meses
depois, se aproximaram muito do conteúdo da Nota de Paz do Papa. Recebeu a
mensagem de uma forma crítica e de forma imparcial, e isto revelou-se decisivo
para garantir o fracasso das propostas de paz de Bento XV, porque a essa altura
os Estados Unidos já tinham entrado na guerra e as outras potências da Entente
estavam cada vez mais dependentes da contribuição americana para o esforço de
guerra. O Pontífice ficou profundamente decepcionado com o fracasso da sua
carta de paz e com as reações públicas que recebeu. Além disso, a sua
imparcialidade foi interpretada pelas diversas facções como um apoio ao partido
adversário, tanto que enquanto na França foi denunciado como "o Papa
Kraut" (le pape boche), na Alemanha foi definido como "o Papa francês
" (der französische Papst) e na Itália, até mesmo, "Maledetto
XV".
Entre os
vários obstáculos que explicam o fracasso do papel pacificador do Papa e do seu
Secretário de Estado Gasparri, devemos mencionar: a localização geográfica do
Vaticano dentro da Itália, era um estado com o qual naquela altura não mantinha
relações diplomáticas oficiais ; o isolamento diplomático em que Pio X e o seu
Secretário de Estado Merry Del Val abandonaram a Santa Sé, que se declarou
neutra e imparcial no conflito; o fato desta “imparcialidade” ser apenas
“parcial”, porque o Vaticano esperava, por um lado, beneficiar, graças a
qualquer tratado de paz subsequente, da reconquista de pelo menos parte da soberania
territorial dos Papas, perdida com a Breccia de Porta Pia, e esperava, por
outro lado, que a sobrevivência do Império Austro-Húngaro, a última grande potência
católica na Europa e um baluarte contra a Rússia Ortodoxa, fosse garantida.
Esta última consideração foi uma das razões da oposição do Vaticano à entrada
da Itália na guerra contra as Potências Centrais em 1915. No entanto, à medida
que o conflito piora, o Vaticano mostra uma simpatia considerável para com a
Itália. Em todo o caso, o maior obstáculo para o Pontífice foi, face à sua
posição de firme condenação da guerra, a adesão quase total e incondicional a
ela por parte dos católicos e do clero dos vários países beligerantes. Na
França, foi criada uma união sagrada contra os alemães, com a plena
participação dos católicos e do clero no esforço de guerra. Na Alemanha, os
católicos esperavam a consagração definitiva do seu papel nacional a partir do
seu consentimento entusiástico à guerra. Mesmo na Itália, a grande maioria dos
católicos organizados e a grande maioria dos Bispos, embora com distinções e
matizes diferentes, acabaram por aderir à guerra sem reservas. Esta adesão
causou inevitavelmente um conflito claro entre as várias igrejas nacionais, que
o Papa admitiu não poder governar.
Em
agosto de 1917, após a publicação da famosa “Nota de Paz de Bento XV, não
queremos a sua paz”. A promoção do culto ao Coração de Jesus por Bento XV
visava restabelecer a harmonia internacional e o “amor ao inimigo”. Tal como a
origem do conflito mundial remonta a Deus, o seu fim também é reconhecido por
Bento XV como obra de Deus, tese explicitada na encíclica Quod iam diu. No
final do conflito, o Papa trabalhou para reorganizar a Igreja no novo contexto
global. Restabeleceu relações diplomáticas com a França, onde as relações se
deterioraram drasticamente devido à Lei de Separação entre Estado e Igreja
(1905), também graças ao apreciado gesto simbólico da canonização de Joana
d'Arc, e com outras nações. Se no início do seu Papado Bento XV podia contar
com relações diplomáticas com 17 Estados, sete anos depois estas tinham
aumentado para 27. Em 1920 escreveu a encíclica Pacem Dei Munus Pulcherrimum.
Preocupado que a Paz de Paris (1919) - da qual tinha sido excluído - pudesse
levar a Europa a uma nova guerra, nesta encíclica denuncia a fragilidade de uma
paz que não se baseia na reconciliação. Embora em quase todos os lugares a
guerra tenha terminado de alguma forma e alguns pactos de paz tenham sido
assinados, as sementes de ressentimentos antigos permanecem. Nenhuma paz tem
valor se juntos o ódio e a inimizade não forem reprimidos através de uma
reconciliação baseada na caridade mútua. Segundo o Papa, é necessária fé para
alcançar a reconciliação: Para curar as feridas do género humano é necessário
que Jesus Cristo, de quem o samaritano foi figura e imagem, lhes estenda a mão.
Durante
o seu Pontificado, ocorreram trágicos massacres de cidadãos cristãos no Império
Otomano e Bento XV tentou apoiar de todas as maneiras estas pessoas
perseguidas, com palavras, com ações caritativas e diplomáticas. Em particular,
ele tentou evitar, especialmente através do seu Secretário de Estado, o Cardeal
Pietro Gasparri, o genocídio dos Armenios na Anatólia em 1915 e chegou ao ponto
de recorrer diretamente ao Sultão na tentativa de impedir o genocídio. Isto não
impediu que em Istambul, em 1919, fosse erguida uma estátua de sete metros de
altura em sua homenagem com a inscrição “Ao grande Pontífice da tragédia
mundial, Bento XV, benfeitor dos povos, sem distinção de nacionalidade ou
religião, em sinal de gratidão, o Oriente”. Isto provavelmente se deveu ao
trabalho de resgate de feridos e refugiados durante a guerra, que rendeu ao
Vaticano o apelido de Segunda Cruz Vermelha.
259
. 1 - Aparições de Nossa Senhora em Fátima - Portugal
Na
primavera de 1916, três pastorzinhos tinham levado o seu rebanho de ovelhas
para o pasto perto da aldeia de Fátima. Foi como qualquer dia, como os outros
na vida de Lúcia com 09 anos, seu primo Francisco com 08 anos e sua irmãzinha
Jacinta de 06 anos.
1ª Aparição do Anjo
Conta a Irmã Lucia:
“As datas não posso precisá-las com certeza, porque, nesse
tempo, eu não sabia ainda contar os anos, nem os meses, nem mesmo os dias da
semana. Parece-me, no entanto, que deveu ser na primavera de 1916 que o Anjo
nos apareceu a primeira vez na nossa Loca do Cabeço... subimos a encosta em
procura dum abrigo e como foi, depois de aí merendar e rezar, que começamos a
ver, a alguma distância, sobre as árvores que se estendiam em direção ao
Nascente, uma luz mais branca que a neve, com a forma dum jovem, transparente,
mais brilhante que um cristal atravessado pelos raios do Sol. À medida que se
aproximava, íamos lhe distinguindo as feições. Estávamos surpreendidos e meios
absortos. Não dizíamos palavra.
Ao chegar junto de nós, disse:
– Não temais. Sou o Anjo da Paz.
Orai comigo.
E ajoelhando em terra, curvou a fronte até ao chão. Levados
por um movimento sobrenatural imitamo-lo e repetimos as palavras que lhe
ouvimos pronunciar:
– Meu Deus, eu creio, adoro,
espero e amo-Vos. Peço-Vos perdão para os que não creem, não adoram, não
esperam e não Vos amam.
Depois de repetir isto três vezes, ergueu-se e disse:
– Orai assim. Os Corações de
Jesus e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas.
E desapareceu. A atmosfera do sobrenatural que nos envolveu
era tão intensa, que quase não nos dávamos conta da própria existência, por um
grande espaço de tempo, permanecendo na posição em que nos tinha deixado,
repetindo sempre a mesma oração. A presença de Deus sentia-se tão intensa e
íntima que nem mesmo entre nós nos atrevíamos a falar.
2ª Aparição do anjo
A segunda deveu ser no pino do Verão, (junho) nesses dias de
maior calor, em que íamos com os rebanhos para casa, no meio da manhã, para os
tornar a abrir só à tardinha. Fomos, pois passar as horas da sesta à sombra das
árvores que cercavam o poço já várias vezes mencionado. De repente, vimos o
mesmo Anjo junto de nós disse:
– Que fazeis? Orai! Orai muito!
Os Corações de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei
constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios.
– Como nos havemos de sacrificar? – perguntei.
– De tudo que puderdes, oferecei
um sacrifício em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de
súplica pela conversão dos pecadores. Atraí, assim, sobre a vossa Pátria, a
paz. Eu sou o Anjo da sua guarda, o Anjo de Portugal. Sobretudo, aceitai e
suportai com submissão o sofrimento que o Senhor vos enviar.
Estas palavras do Anjo gravaram-se em nosso espírito, como
uma luz que nos fazia compreender quem era Deus, como nos amava e queria ser
amado; o valor do sacrifício, e como o sacrifício Lhe era agradável, como por
atenção ao sacrifício oferecido, convertia os pecadores. Por isso, desde esse
momento, começamos a oferecer ao Senhor tudo que nos mortificava, mas sem
discorrermos a procurar outras mortificações ou penitências, Anjo nos tinha
ensinado.
3ª Aparição do anjo
A terceira aparição parece-me que deveu ser em Outubro ou
fins de Setembro, porque já não íamos passar as horas da sesta na casa.
Passamos da Prégueira (é um pequeno olival pertencente à meus pais) para a
Lapa, dando a volta à encosta do monte pelo lado de Aljustrel e Casa Velha. Rezamos
aí o terço e a oração que na primeira aparição o Anjo nos tinha ensinado.
Estando, pois, aí, apareceu-nos pela terceira vez, trazendo na mão um cálice e
sobre ele uma Hóstia, da qual caíam, dentro do cálice, algumas gotas de sangue.
Deixando o cálice e a Hóstia suspensos no ar, prostrou-se em terra e repetiu
três vezes a oração:
– Santíssima Trindade, Pai,
Filho, Espírito Santo, adoro-vos profundamente e ofereço-vos o preciosíssimo
Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários
da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele
mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos do seu Santíssimo Coração e do
Coração Imaculado de Maria, peço-vos a conversão dos pobres pecadores.
Depois, levantando-se, tomou de novo na mão o cálice e a
Hóstia e deu-me a Hóstia a mim e o que continha o cálice deu-o a beber à
Jacinta e ao Francisco, dizendo, ao mesmo tempo:
– Tomai e bebei o Corpo e o
Sangue de Jesus Cristo horrivelmente ultrajado pelos homens ingratos. Reparai
os seus crimes e consolai o vosso Deus.
De novo se prostrou em terra e repetiu conosco mais três
vezes a mesma oração:
– Santíssima Trindade... etc.
E desapareceu. Levados pela força do sobrenatural que nos
envolvia, imitávamos o Anjo em tudo, isto é, prostrando-nos como Ele e
repetindo as orações que Ele dizia. A força da presença de Deus era tão intensa
que nos absorvia e aniquilava quase por completo. Parecia privar-nos até do uso
dos sentidos corporais por um grande espaço de tempo. Nesses dias, fazíamos as
ações materiais como que levados por esse mesmo ser sobrenatural que a isso nos
impelia. A paz e felicidade que sentíamos era grande, mas só íntima,
completamente concentrada a alma em Deus. O abatimento físico, que nos
prostrava, também era grande. Citamos apenas umas palavras de Lúcia: Na
terceira aparição, a presença do sobrenatural foi ainda muitíssimo mais
intensa. Por vários dias, nem mesmo o Francisco se atrevia a falar. Dizia
depois: Gosto muito de ver o Anjo; mas o pior é que, depois, não somos capazes
de nada. Eu nem andar podia, não sei o que tinha! Apesar de tudo, foi ele quem
se deu conta, depois da terceira aparição do Anjo, das proximidades da noite.
Foi quem disso nos advertiu e quem pensou em conduzir o rebanho para casa. Passados
os primeiros dias e recuperado o estado normal, perguntou Francisco:
– O Anjo, a ti, deu-te a Sagrada Comunhão, mas a mim e à
Jacinta, que foi que Ele nos deu?
– Foi também a Sagrada Comunhão?
– Respondeu a Jacinta, numa felicidade indizível.
– Não vês que era o Sangue que caía da Hóstia?
– Eu sentia que Deus estava em mim, mas não sabia como era! E
prostrando-se por terra, permaneceu por largo tempo com a sua Irmã, repetindo a
oração do Anjo: Santíssima Trindade..., etc.
1ª APARIÇÃO de Maria – 13 de Maio de
1917
Lúcia descreve com exatidão o primeiro encontro com a Virgem
da carrasqueira: Andando a brincar com a Jacinta e o Francisco, no cimo da
encosta da Cova da Iria a fazer uma paredezita em volta de uma moita, vimos de
repente como que um relâmpago.
– É melhor irmos embora para casa. Estão a fazer relâmpagos e
pode vir trovoada. Disse a meus primos.
E começamos a descer a encosta, tocando as ovelhas em direção
à estrada. Ao chegar mais ou menos a meio da encosta quase junto de uma
azinheira grande que aí havia, vimos outro relâmpago e dado alguns passos mais
adiante vimos sobre uma carrasqueira uma Senhora vestida toda de branco mais
brilhante que o Sol, espargindo luz mais clara e intensa que um copo de água
cristalina atravessado pelos raios do sol mais ardente. Paramos surpreendidos
pela aparição. Estávamos tão perto que ficávamos dentro da luz que a cercava ou
que Ela espargia, talvez a metro e meio, mais ou menos. Então Nossa Senhora
disse-nos:
– Não tenhais medo, hei, não vos
faço mal.
– De onde é Vossemecê? Lhe perguntei.
– Sou do Céu!
– E que é que Vossemecê me quer?
– Vim para vos pedir que venhais
aqui seis meses seguidos, no dia e a esta mesma hora, depois vos direi quem sou
e o que quero. Depois voltarei aqui ainda uma sétima vez.
– E eu também vou para o Céu?
– Sim, vais!
– E a Jacinta?
– Também.
– E o Francisco?
– Também, mas tem que rezar
muitos terços. Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos
que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é
ofendido, e de súplica pela conversão dos pecadores?
– Sim queremos!
– Ides, pois, ter muito que
sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.
Foi ao pronunciar estas palavras (a graça de Deus, etc.) que
abriu pela primeira vez as mãos, comunicando-nos uma luz tão intensa, como que
reflexo que delas expedia, que penetrando-nos no peito e no mais íntimo da
alma, fazia-nos ver a nós mesmos em Deus, que era essa luz; mais claramente que
nos vemos no melhor dos espelhos. Então por um impulso íntimo, também
comunicado, caímos de joelhos e repetíamos intimamente: "Ó Santíssima
Trindade, eu vos adoro, Meu Deus, Meu Deus, eu vos amo no Santíssimo
Sacramento." Passados os primeiros momentos, Nossa Senhora acrescentou:
– Rezem o terço todos os dias,
para alcançarem a paz do mundo e o fim da guerra.
Em seguida começou a elevar-se serenamente subindo em direção
ao nascente até desaparecer na imensidade da distância. A luz que a circundava
ia como que abrindo um caminho no cerrado dos astros, motivo porque algumas
vezes dissemos que vimos abrir-se o Céu.
2ª APARIÇÃO – 13 de Junho de 1917
Aí pelas 11 horas saí de casa, passei por casa de meus tios
onde a Jacinta e o Francisco me esperavam e lá vamos para a Cova da Iria à
espera do momento desejado... Depois de rezar o terço com a Jacinta e Francisco
e mais pessoas que estavam presentes (Conforme contou o Sr. Inácio António
Marques, assistiram 40 pessoas!), vimos de novo o reflexo da luz que se
aproximava (a que chamávamos relâmpago) e em seguida Nossa Senhora sobre a
carrasqueira, em tudo igual a Maio.
– Vossemecê que me quer? Perguntei.
– Quero que venhais aqui no dia
13 do mês que vem, que rezeis o terço todos os dias e que aprendam a ler.
Depois direi o que quero.
– Pedi a cura de um doente.
– Se, se converter, curar-se-á
durante o ano.
– Queria Pedir-lhe para nos levar para o Céu.
– Sim, a Jacinta e o Francisco
levo-os em breve, mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-se de ti
para me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu
Imaculado Coração. A quem a aceita, prometer-lhe-ei a salvação e estas almas
serão amadas de Deus, como flores colocadas por mim para enfeitar o seu Trono.
– Fico cá sozinha? Perguntei com pena.
– Não, filha! E tu sofres muito!
Não desanimes. Eu nunca te deixarei. O Meu Imaculado Coração será o teu refúgio
e o caminho que te conduzirá até Deus.
Foi no momento em que disse estes palavras, que abriu as mãos
e nos comunicou, pela segunda vez, o reflexo dessa luz imensa. Nela nos víamos
como que submergidos em Deus. A Jacinta e o Francisco parecia estarem na parte
dessa luz que se elevava para o Céu, e eu, na que se espargia sobre a terra. À
frente da palma da mão direita de Nossa Senhora estava um Coração cercado de
espinhos que parecia estarem-lhe cravados. Compreendemos que era o Imaculado
Coração de Maria, ultrajado pelos pecados da humanidade que queria reparação. Eis
ao que nos referíamos quando dizíamos que Nossa Senhora nos tinha revelado um
segredo em Junho. Nossa Senhora não nos mandou ainda desta vez guardar segredo,
mas sentíamos que Deus a isso nos movia.
3ª APARIÇÃO – 13 de Julho de 1917
Escreve a Irmã Lúcia: Momentos depois de termos chegado à
Cova da Iria, junto da carrasqueira, entre numerosa multidão de povo, estando a
rezar o terço, vimos o reflexo da costumada luz e em seguida Nossa Senhora
sobre a carrasqueira.
– Vossemecê que me quer? Perguntei.
– Quero que venham aqui no dia 13
do mês que vem, que continuem o rezar o terço todos os dias, em honra de Nossa
Senhora do Rosário para obter a paz do mundo e o fim da guerra, porque só ela
Lhes poderá valer.
– Queria pedir-Lhe para nos dizer quem é, para fazer um
milagre com que todos acreditem que Vossemecê nos aparece.
– Continuem a vir aqui todos os
meses, em outubro direi quem sou, o que quero, e farei um milagre que todos hão
de ver para acreditar.
Aqui fiz alguns pedidos, que não recordo bem quais foram. O
que me lembro é que Nossa Senhora disse que era preciso rezar o terço para
alcançar as graças durante o ano. E continuou:
– Sacrificai-vos pelos pecadores,
e dizei muitas vezes, em especial sempre que fizerdes algum sacrifício: "Ó
Jesus, é por vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos
pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria."
SOBRE O SEGREDO DE FÁTIMA
O texto que segue, nesta narração, fazia já parte do segredo
que, em 1917, Nossa Senhora pediu aos Pastorinhos não contassem a ninguém e que
eles não revelaram nem mesmo quando o Administrador os prendeu e ameaçou mandar
fritar em azeite a ferver. Só em 31 de Agosto de 1941, na carta escrita em Tuy
ao Bispo D. José Alves Correia da Silva, Lúcia diz ser "chegado o
momento" de falar do segredo, acrescentando: Bem; o segredo consta de três
coisas distintas, duas das quais vou revelar.
1ª Parte:
A primeira foi, pois, a vista do inferno! Nossa Senhora ao
dizer estas palavras, abriu de novo as mãos como nos dois meses passados. O
reflexo pareceu penetrar a terra e vimos como que um mar de fogo, mergulhados
nesse fogo os demônios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras
ou bronzeadas com forma humana, que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas
que deles mesmas saíam juntamente com nuvens de fumo, caindo de todos os lados
semelhante ao cair das fagulhas nos grandes incêndios, sem peso, nem
equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero que horrorizava e fazia
estremecer de pavor. Devia ser ao deparar-me com esta visão que dei esse Ai,
que dizem ter-me ouvido. Os demônios distinguiam-se por formas horríveis e
asquerosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes como negros
carvões em brasa. Esta visão foi um momento, e graças à Nossa boa Mãe do Céu,
que antes nos tinha prevenido com a promessa de nos levar para o Céu. Se assim
não fosse, creio que teríamos morrido de susto e pavor. Assustados e como que a
pedir socorro, levantamos a vista para Nossa Senhora que nos disse com bondade
e tristeza:
2ª Parte:
- Vistes o inferno para onde vão
as almas dos pobres pecadores. Para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a
devoção ao meu Imaculado Coração. Se fizerem o que eu disser, salvar-se-ão
muitas almas e terão paz: a guerra vai acabar. Mas se não deixarem de ofender a
Deus, no reinado de Pio XI começará outra pior. Quando virdes uma noite
iluminada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá
de que vai a punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de
perseguições à Igreja e ao Santo Padre. Para a impedir, virei pedir a
consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos
primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia converter-se-á e terão
paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições
à Igreja, os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer,
várias nações serão aniquiladas: por fim o meu Imaculado Coração triunfará. O
Santo Padre consagrar-me-á a Rússia que se converterá e será concedido ao mundo
algum tempo de paz. Em Portugal conservar-se-á sempre o dogma da fé.
3ª Parte do segredo:
Quanto à terceira parte do segredo, encontrando-se Lúcia
doente, em Tuy, descreveu-a em 3 de Janeiro de 1944, também por ordem do Bispo
de Leiria, entregando-a num envelope fechado. Lúcia diz nessa carta: Escrevo em
ato de obediência a vós Deus meu, que mo mandais por meio de sua Ex.cia. Rev.ma
o Senhor Bispo de Leiria e da Vossa e minha Santíssima Mãe.
Depois das duas partes que já expus, vimos ao lado esquerdo
de Nossa Senhora um pouco mais alto um Anjo com uma espada de fogo na mão
esquerda; ao cintilar, despedia chamas que parecia iam incendiar o mundo; mas
apagavam-se com o contato do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao
seu encontro: O Anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte
disse: Penitência, Penitência, Penitência! E vimos numa luz imensa que é Deus:
“Algo semelhante a como se veem as pessoas num espelho quando lhe passam por
diante” um Bispo vestido de Branco “tivemos o pressentimento de que era o Santo
Padre”. Vários outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma
escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos
como se fora de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí,
atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trêmulo com andar
vacilante, acabrunhado de dor e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que
encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de joelhos aos pés
da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam várias
tiros e setas, e assim foram morrendo uns atrás do outro, os Bispos Sacerdotes,
religiosos e religiosas e várias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de
várias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um
com um regador de cristal na mão, neles recolhiam o sangue dos Mártires e com
ele regavam as almas que se aproximavam de Deus.
– Isto não o digais a ninguém. Ao
Francisco sim, podeis dizê-lo. Quando rezardes o terço, dizei depois de cada
mistério: Ó meu Jesus, perdoai-nos livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas
todas para o céu, principalmente aquelas que mais precisarem.
Seguiu-se um instante de silêncio e perguntei:
– Vossemecê não me quer mais nada?
– Não, hoje não te quero mais
nada.
E como de costume começou a elevar-se em direção ao nascente
até desaparecer na imensa distância do firmamento.
4ª APARIÇÃO – 19 de Agosto de 1917
A Aparição foi no domingo, em 19 de Agosto de 1917 ao cair da
tarde. Andando com as ovelhas na companhia de Francisco e seu irmão João, num
lugar chamado Valinhos e sentido que alguma coisa de sobrenatural se aproximava
e nos envolvia, suspeitando que Nossa Senhora nos viesse a aparecer e tendo pena
que a Jacinta ficasse sem a ver, pedimos a seu irmão João que a fosse chamar.
Como ele não queria ir, ofereci-lhe para isso dois vinténs e lá foi a correr. Entretanto,
vi com o Francisco, o reflexo da luz a que chamávamos relâmpago; e chegada a
Jacinta, vimos Nossa Senhora sobre a carrasqueira.
- Que é que Vossemecê me quer?
- Quero que continueis a ir à
Cova da Iria no dia 13, que continueis a rezar o terço todos os dias. No último
mês farei o milagre para que todos acreditem.
- Que é que Vossemecê quer que se faça ao dinheiro que o povo
deixa na Cova da Iria?
- Façam dois andores: um, leva-lo
tu com a Jacinta e mais duas meninas vestidas de branco; o outro que o leve o
Francisco com mais três meninos. O dinheiro dos andores é para a festa de Nossa
Senhora do Rosário e o que sobrar é para a ajuda duma capela que hão de mandar
fazer.
- Queria pedir-lhe a cura de alguns doentes.
- Sim, alguns curarei durante o
ano.
E tomando um aspecto mais triste: Rezai,
rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o
inferno, por não haver quem se sacrifique e peça por elas.
E como de costume, começou a elevar-se em direção ao
nascente. A Aparição nos Valinhos foi para o Francisco de dobrada alegria.
Sentia-se torturado pelo receio de que Ela não voltasse. Depois dizia:- De
certo não nos apareceu no dia 13 para não ir à casa do Sr. Administrador,
talvez por ele ser tão mau. Em seguida, como a irmã disse que queria ficar ali
o resto da tarde: - Não! Tu tens que ir embora, porque a mãe hoje não te deixou
vir com as ovelhas. E para animar, foi acompanhá-la à casa.
5ª APARIÇÃO – 13 de Setembro de 1917
Ao aproximar-se a hora, lá fui com a Jacinta e o Francisco,
entre numerosas pessoas que a muito custo nos deixavam andar... Chegamos pôr
fim à Cova da Iria, junto da carrasqueira, e começamos a rezar o terço com o
povo. Pouco depois vimos o reflexo da luz e a seguir Nossa Senhora sobre
azinheira.
- Continuem a rezar o terço, para
alcançarem o fim da guerra. Em outubro virá também Nosso Senhor, Nossa Senhora
das Dores e do Carmo, São José com o menino Jesus para abençoarem o mundo. Deus
está contente com os vossos sacrifícios, mas não quer que durmais com a corda.
Trazei-a só durante o dia.
- Têm-me pedido para lhe pedir muitas coisas, a cura de
alguns doentes, dum surdo-mudo.
- Sim, alguns curarei; outros
não. Em outubro farei o milagre para que todos acreditem.
E começando a elevar-se, desapareceu como de costume.
6ª APARIÇÃO – 13 de Outubro de 1917
Conta Irmã Lúcia: Tinha-se espalhado o boato que as
autoridades haviam decidido fazer explodir uma bomba junto de nós, no momento
da aparição. Não concebi, com isso, medo algum, e falando a meus primos,
dissemos: - Mas que bom, se nos for concebida a graça de subir dali com Nossa
Senhora para o Céu!
No entanto meus pais assustaram-se e pela primeira vez quiseram
acompanhar-me, dizendo: - Se a minha filha vai morrer, eu quero morrer a seu
lado.
Meu pai levou-me então pela mão até o local das aparições,
mas desde o momento da aparição não o voltei mais a ver até que me encontrei à
noite no seio da família. Pelo caminho as cenas do mês passado, porém mais
numerosas e comovedoras. Nem a lamaceira dos caminhos impedia essa gente de se
ajoelhar na atitude mais humilde e suplicante. Chegados à Cova da Iria junto da
carrasqueira, levada por um movimento interior, pedi ao povo que fechasse os
guarda-chuvas para rezarmos o terço. Pouco depois vimos o reflexo da luz e em
seguida Nossa Senhora sobre a carrasqueira.
- Que é que Vossemecê quer?
- Quero dizer-te que façam aqui
uma capela em minha honra. "Sou a Senhora do Rosário". Que continuem
sempre a rezar o terço todos os dias. A guerra vai acabar e os militares
voltarão em breve para suas casas.
- Eu tinha muitas coisas para lhe pedir. Se curava uns
doentes e se convertia uns pecadores, etc.
Respondeu-me dizendo: - Uns sim, outros não. É preciso
que se emendem, que peçam perdão dos seus pecados. Não ofendam mais a Deus Nosso
Senhor, que já está muito ofendido.
Despedindo-se, a Senhora abriu as mãos, como das outras
vezes, e o brilho que delas saía subia até onde devia estar o sol. A multidão
viu as nuvens se abrirem e o sol aparecer entre elas, no azul do céu, como um
disco luminoso. Muitos ouviram Lúcia gritar:- Olhem para o sol! Porém, ela
estava em êxtase e não se recorda de ter dito isso, pois estava totalmente
absorta em outras visões que se sucederam...
Na cova da Iria 70.000 pessoas esperavam durante 4 horas, à chuva,
molhadas até aos ossos, em poças de água com cerca de 10cm de profundidade, aguentando
até o frio.
Conta Lúcia: "Desaparecida Nossa Senhora na imensidade
do firmamento, vimos ao lado do sol São José com o Menino e Nossa Senhora
vestida de branco com um manto azul. São José com o Menino pareciam abençoar o
mundo, pois faziam com as mãos uns gestos em forma de cruz."
E somente Lúcia teve a visão seguinte: "Pouco depois,
desvanecida essa aparição, vi Nosso Senhor e Nossa Senhora que me dava a ideia
de ser Nossa Senhora das Dores. Nosso Senhor parecia abençoar o mundo da mesma
forma que São José. Desvaneceu-se esta aparição e pareceu-me ver ainda Nossa
Senhora em forma semelhante a Nossa Senhora do Carmo".
Enquanto isso, a multidão presenciava o milagre prometido por
Nossa Senhora: O sol rompia as nuvens e, bem no zênite, na posição de meio-dia,
brilhava como um disco de prata. Era possível realmente olhar para ele, sem que
sua luz ofuscasse. Isso foi por um instante. Todos ainda olhavam para o sol,
assombrados, quando ele começou a "dançar", segundo a descrição das
pessoas: ele começou a girar sobre si mesmo, como uma bola de fogo, e então
parou. Logo voltou a girar, mas velozmente. Ainda girando, suas bordas ficaram
escarlates e começaram a lançar chamas por todo o céu, e com isso sua luz se refletia
em tudo e em todos, com as diferentes cores do espectro solar. Ainda girando
rapidamente, e espargindo chamas coloridas, por três vezes o sol pareceu
desprender-se do céu e precipitar-se em zigue-zague sobre a multidão. Muitos
julgavam ser o fim do mundo, e as pessoas se ajoelhavam na lama pedindo perdão
de seus pecados. Houve quem fizesse confissão pública em altos brados, e alguns
dos que haviam ido até a Cova para fazer troça dos crédulos prostraram-se em
terra entre soluços e orações desajeitadas. O fenômeno durou por uns dez
minutos, e depois, elevando-se em zigue-zague, o sol voltou a sua posição
normal e brilhante, ofuscando como o sol comum. As pessoas se entreolhavam e
diziam: "Milagre! Milagre! As crianças tinham razão! Nossa Senhora fez o
milagre! Bendito seja Deus! Bendita seja Nossa Senhora!" Muitos riam,
outros choravam de alegria, e houve quem notasse que suas roupas se haviam
secado subitamente. Durante mais de quatro horas chovera torrencialmente e
fizera muito frio. E então, exatamente como fora profetizado 92 dias antes,
exatamente à hora indicada, parou a chuva e ficou imediatamente bom tempo.
Apareceu um maravilhoso arco-íris, promissor de felicidade. A natureza utilizou
aqui este jogo de luz, embora contra as regras, pois um arco-íris normalmente
pode ser visto de manhã ou à tardinha, não ao meio-dia. Mas o arco-íris
apareceu sobre Fátima ao meio-dia, as suas cores brilharam com uma intensidade
cem vezes superior à normal, formando em vez de um arco abobado, uma grande
faixa com 12 metros de altura que cobriu homens, muros e árvores. Depois deste
jogo de cores, o poderoso calor crescente empurrou o tempo chuvoso para o céu.
A água evaporou-se rapidamente, e surgiu um grande calor. Mas isso não
incomodou ninguém. Os nossos físicos não conhecem processos tão rápidos de
secagem, pois a quantidade da água evaporada não pode subir em poucos minutos
para a atmosfera. Quando terminou o triplo jogo de luz, tudo estava
completamente seco. Vários milhares de toneladas de água deviam ter-se evaporado
em menos de 3 minutos. Certamente o ar, o quarto elemento, causaria os maiores
problemas para os operadores de televisão. Enquanto eles poderiam mais ou menos
filmar os efeitos dos elementos acima descritos, não teriam capacidade de
captar a coluna do ar.
7ª Aparição – 15 de Junho de 1921
Ao saber que, nessa ocasião, ela se encontrava em Fátima,
pediu a uma senhora da sua confiança o favor de ir ver se, com a licença da
mãe, a levava a Leiria. Aí ajoelhada e debruçada sobre a pequena grade que
resguardava a terra que tinha alimentado a feliz carrasqueira onde Nossa
Senhora pousou os seus Imaculados pés, deixei as lágrimas correrem em
abundância enquanto que pedia a Nossa Senhora perdão de não ser capaz de
oferecer-Lhe desta vez, este sacrifício que me parecia superior as minhas
forças. Recordava sim, esse mais belo dia 13 de Maio de 1917, em que tinha dado
o meu “Sim” prometendo aceitar todos os sacrifícios que Deus quisesse
enviar-me. E esta recordação era como que uma luz no fundo da alma, um escrúpulo
que me não dava paz, e me fazia verter uma torrente de lágrimas. Assim
solícita, mais uma vez desceste à terra, e foi então que senti a tua mão amiga
e maternal tocar-me no ombro; levantei o olhar e vi-te, eras tu, a Mãe Bendita
a dar-me a Mão e a indicar-me o caminho; os teus lábios descerraram-se e o doce
timbre da tua voz restituiu a luz e a paz à minha alma dizendo:
“Aqui estou pela sétima vez, vai,
segue o caminho por onde o Senhor Bispo te quiser levar, essa é a vontade de
Deus.”
Repeti então o meu “Sim”, agora bem mais consciente do que, o
dia 13 de Maio de 1917 e enquanto que de novo te elevavas ao Céu, como num
relance, passou-me pelo espírito toda a série de maravilhas que naquele mesmo
lugar, havia apenas 4 anos, ali me tinha sido dado contemplar. Recordei a minha
querida Nossa Senhora do Carmo e nesse momento senti a graça da vocação à vida
religiosa e o atrativo pelo Claustro do Carmelo. Tomei por protetora a minha
querida Sóror Teresinha do Menino Jesus. Dias depois, por conselho do Sr. Bispo,
tomei por norma a “Obediência” e por lema as palavras de Nossa Senhora narradas
no Evangelho – “Fazei tudo o que ele vos disser”.
8ª Aparição – 10 de Dezembro de 1925
– à Irmã Lucia na Espanha
Apareceu-lhes a SS. Virgem e ao lado, suspenso em uma nuvem
luminosa um Menino. A SS. Virgem, pondo-lhe no ombro a mão e mostrando, ao
mesmo tempo, um coração que tinha na outra mão, cercado de espinhos. Ao mesmo
tempo, disse o Menino:
- Tem pena do Coração de tua SS.
Mãe que está coberto de espinhos que os homens ingratos a todos os momentos lhe
cravam sem haver quem faça um ato de reparação para os tirar.
E em seguida disse a SS. Virgem:
- Olha, minha filha, o meu
coração cercado de espinhos que os homens ingratos me cravam, com blasfêmias e
ingratidões. Tu, ao menos, vê de me consolar e diz que todos aqueles que
durante cinco meses, ao 1º sábado, se confessarem, recebendo a Sagrada
Comunhão, rezarem um Terço e me fizerem 15 minutos de companhia, meditando nos
15 mistérios do Rosário, com o fim de me desagravar, eu prometo assistir-lhes,
na hora da morte, com todas as graças necessárias para a salvação dessas almas.
Aparição à Irmã Lúcia em 13 de Junho
de 1929 – Tuy - Espanha
Conta Ir. Lúcia: Eu tinha pedido e obtido licença das minhas
Superioras e Confessor para fazer a Hora-Santa das 11 à meia-noite, de quintas
para sextas-feiras. Estando uma noite só, ajoelhei-me entre a balaustrada, no
meio da capela, a rezar, prostrada, as orações do Anjo. Sentindo-me cansada,
ergui-me e continuei a rezá-las com os braços em cruz. A única luz era a da
lâmpada. De repente iluminou-se toda a Capela com uma luz sobrenatural e sobre
o Altar apareceu uma Cruz de luz que chegava até ao teto. Em uma luz mais clara
via-se, na parte superior da cruz, uma face de homem com corpo até a cinta,
sobre o peito uma pomba também de luz e, pregado na cruz, o corpo de outro
homem. Um pouco abaixo da cinta, suspenso no ar, via-se um cálice e uma hóstia
grande, sobre a qual caíam algumas gotas de sangue que corriam pelas faces do
Crucificado e duma ferida do peito. Escorregando pela Hóstia, essas gotas caíam
dentro do Cálice. Sob o braço direito da cruz estava Nossa Senhora, era Nossa
Senhora de Fátima com o seu Imaculado Coração... na mão esquerda... sem espada,
nem rosas, mas com uma Coroa de espinhos e chamas, com o seu Imaculado Coração
na mão. Sob o braço esquerdo da cruz, umas letras grandes, como se fossem de
água cristalina que corresse para cima do Altar, formavam estas palavras: “Graça e
Misericórdia”. Compreendi
que me era mostrado o mistério da Santíssima Trindade e recebi luzes sobre este
mistério que não me é permitido revelar.
260º - Pio XI - 1922 - 1939
Pio XI,
nascido Ambrogio Damiano Achille Ratti (Desio, 31 de maio de 1857 – Vaticano,
10 de fevereiro de 1939). Papa da Igreja Católica de 1922 até a data da sua
morte. A partir de 1929, data do Tratado de Latrão, foi o primeiro soberano do
Estado da Cidade do Vaticano. Por decreto de 16 de julho de 1930 proclamou
Nossa Senhora Aparecida Padroeira do Brasil. Em 14/07/1925 Santa Bernadete
Soubirous é proclamada bem-aventurada e, no mesmo pontificado, 02/07/1933,
canonizada. O Estado do Vaticano é oficializado por Benito Mussolini.
O
Vaticano é um Estado da Cidade do Vaticano, com seus 0,44 quilômetros quadrados
de superfície, o menor e o menos populoso país do mundo, e que se encontra
dentro da cidade de Roma, Itália, separado com cerca de 4 quilômetros de
fronteira. Esse Estado atual foi oficializado com o “Pacto de Latrão”, firmado
entre a Igreja e o governo italiano, por intermédio de Benito Mussolini, em 11
de fevereiro de 1929, durante o Pontificado de Pio XI, pondo fim à chamada
“Questão Romana”, uma luta de seis décadas em que os Papas (Pio IX, Leão XIII,
S. Pio X, Benedito XV e Pio XI) nunca saíram do Vaticano (“prisioneiros do
Vaticano”) para não entregarem à Itália o território atual do Vaticano.
Sua
primeira encíclica, Ubi arcano Dei consilio, de 23 de dezembro do mesmo ano de
1922, mostrou o programa do seu Pontificado, que é bem resumido em seu lema
"pax Christi in regno Christi" ("a paz de Cristo no Reino de
Cristo"). Em outras palavras, contra a tendência de reduzir a fé a uma
questão privada, o Papa Pio XI pensou que os católicos deveriam trabalhar para
criar uma sociedade totalmente cristã, a qual Cristo reinaria sobre todos os
aspectos da vida. Ele, portanto, intencionava construir um novo cristianismo
que, abandonando as formas institucionais do Antigo Regime, tentaria se mover
para o seio da sociedade contemporânea. Novo cristianismo que só a Igreja
Católica, estabelecida por Deus e intérprete da verdade revelada, foi capaz de
promover. Este programa foi concluído pelas encíclicas Quas Primas ("Como
o Primeiro") (11 de dezembro de 1925), com a qual foi estabelecida a festa
de Cristo Rei, e Miserentissimus Redemptor, "Redentor Misericordioso"
(8 de maio de 1928), do culto ao Sagrado Coração de Jesus. No campo moral, suas
encíclicas mais importantes são conhecidas como "quatro pilares". Na
Divini Illius Magistri, de 31 de dezembro de 1929, onde estabelece o direito
das famílias de educarem seus filhos, como a concessão inicial e anterior do
Estado. Em Casti connubii ("Casamento casto"), de 31 de dezembro de 1930,
que reafirma a doutrina tradicional do Sacramento do matrimônio: os primeiros
deveres dos cônjuges deve ser a fidelidade mútua, o amor carinhoso e mútuo e a
educação justa e cristã dos filhos. Declarou moralmente ilícita a interrupção
da gravidez por aborto e, no relacionamento conjugal, o uso de qualquer remédio
para evitar a procriação. No campo social, interveio com a encíclica
"Quadragesimo anno", comemorando o quadragésimo aniversário da Rerum
Novarum do Papa Leão XIII, ensinando que "para evitar o extremo do
individualismo de uma parte tal como do socialismo da outra. Indicando que
deveríamos ser, acima de tudo, tendo em conta também a dupla natureza,
individual e social em si, tanto no capital ou na propriedade quanto no
trabalho". Estes três temas (educação cristã, matrimônio e doutrina
social) estão resumidos na encíclica Ad catholici sacerdotii, de 20 de dezembro
de 1935, sobre o Sacerdócio católico. "O Sacerdote é, por vocação e divino
mandato, o apóstolo chefe e promotor incansável da educação cristã da
juventude; o Sacerdote, em nome de Deus, abençoa o casamento cristão e defende
a santidade e a indissolubilidade contra os atentados e o desvio sugerido da
ganância e da sensualidade; o Sacerdote traz a mais valiosa contribuição para a
solução ou, pelo menos, estreitamento dos conflitos sociais, pregando a
fraternidade cristã, lembrando a todos dos nossos deveres de justiça e caridade
do Evangelho, pacificando os espíritos amargurados pelas dificuldades moral e
econômica, apontando aos ricos e aos pobres os únicos bens que todos podem e
devem aspirar".
Tratou
da natureza da Igreja na encíclica Mortalium animos de 6 de janeiro de 1928,
reiterando a unidade da Igreja sob a orientação do Pontífice Romano. Expondo
que a unidade da Igreja não pode vir a ter um detrimento da fé, pretendeu
retornar os cristãos separados à Igreja Católica. Em vez disso, proíbe a
participação dos católicos na tentativa de estabelecer uma Igreja pancristã,
para não dar "autoridade a uma falsa religião cristã longe da única Igreja
de Cristo". O Papa Pio XI procedeu várias beatificações e canonizações (um
total de 496 beatos e 33 santos), incluindo: Bernadette Soubirous, João Bosco,
Teresa de Lisieux, João Maria Vianney e Antônio Maria Gianelli. Ele também nomeou
quatro novos doutores da Igreja: Pedro Canísio, João da Cruz, Roberto Belarmino
e Alberto Magno. Em particular, procedeu-se à beatificação de 191 mártires,
vítimas da Revolução Francesa, a que chamou "um distúrbio universal,
durante o qual foram estabelecidos, com arrogância, falsos direitos
humanos".
Pio XI
normalizou as relações com o Estado italiano graças ao Tratado de Latrão
(Tratado e Concordata), de 11 de fevereiro de 1929, que pôs fim à chamada
"Questão Romana" e voltou a estreitar as relações entre a Itália e a
Santa Sé. Em 7 de junho, ao meio-dia, nasceu o novo Estado da Cidade do
Vaticano, do qual o Papa era um governante absoluto. Ao mesmo tempo, foram
criadas várias concordatas com diversos países europeus.
Logo em
29 de Junho de 1931 promulgou uma das encíclicas "Non abbiamo
bisogno" ("Nós Não Precisamos") que possuía uma postura
fortemente antifascista; como retaliação à sua publicação, o ditador Benito
Mussolini, que seguia essa política, ordenou que fossem dissolvidas as
associações católicas de jovens na Itália. Além disso, o Papa limitou
fortemente a ação do Partido Popular, favorecendo a dissolução, e negou
qualquer tentativa de Sturzo de reconstruir o partido. Teve também que lidar
com conflitos e embates com o fascismo por causa de tentativas do regime de
hegemonizar a educação dos jovens e a intromissão do regime na vida da Igreja. Pio
XI foi também muito crítico sobre o papel da pessoa social imposto pelo
capitalismo. Em sua encíclica Quadragésimo ano de 1931, apelou para a urgência
de reformas sociais já identificadas quarenta anos antes pelo Papa Leão XIII;
também reiterou a condenação de todas as formas de liberalismo e socialismo.
Não deixando de lado o nacional-socialismo (nazismo), em 1937, por meio da
encíclica Mit brennender Sorge condenando-o pela sua ideologia racista. Mais
ainda fez ao também emitir a encíclica Quas Primas, onde foi estabelecida a
festa de Cristo Rei para lembrar a lei da religião a permear todas as áreas da
vida cotidiana: o Estado, a economia e as artes. Para chamar os leigos a um
maior envolvimento religioso, em 1938, foi reorganizada a Azione Cattolica (da
qual ele disse: "esta é a menina dos meus olhos").
Com os
Pactos Lateranenses, assinado no Palácio de São João de Latrão, e consistindo
em dois atos separados (Tratado e Concordata), foi posto um fim à frieza e
hostilidade entre os dois poderes, que duraram 59 anos. Com esse tratado
histórico, foi dado soberania à Santa Sé sobre o Estado da Cidade do Vaticano, reconhecendo-o
como sujeito a direitos internacionais, em troca da cessão de parte da Santa Sé
das reivindicações territoriais sobre os Estados Pontifícios antigos; enquanto
que a Santa Sé reconheceria o Reino da Itália com capital em Roma.
Na encíclica Divini Redemptoris, sobre o
comunismo ateu, Pio XI exorta para que os fiéis "Não se deixem enganar com
o comunismo. Procurai, veneráveis Irmãos, que os fiéis não se deixem enganar! O
comunismo é intrinsecamente perverso e não se pode admitir em campo nenhum a
colaboração com ele, da parte de quem quer que deseje salvar a civilização
cristã. E, se alguns, induzidos em erro, cooperassem para a vitória do
comunismo no seu país, seriam os primeiros a cair como vítimas do seu erro; e
quanto mais se distinguem pela antiguidade e grandeza da sua civilização cristã
as regiões aonde o comunismo consegue penetrar, tanto mais devastador lá se
manifesta o ódio dos "sem-Deus". Em fevereiro de 1939, Pio XI
convocou à Roma todos os Bispos italianos, por ocasião do 10º aniversário da
"reconciliação" com o Estado italiano, 17º ano de seu Pontificado e
60º aniversário de seu Sacerdócio. A 11 e 12 de fevereiro, ele teria
pronunciado um importante discurso, preparado há meses, que seria o seu
testamento espiritual e onde, provavelmente, ele denunciava a violação dos
Pactos de Latrão pelo governo fascista e a perseguição racial na Alemanha. Este
discurso foi mantido em segredo até o Pontificado do Papa João XXIII em 1959,
quando algumas partes foram publicadas. De fato, ele morreu de um ataque
cardíaco depois de uma longa doença na noite de 10 de fevereiro de 1939. Esse
discurso foi destruído às ordem de Pacelli, Cardeal Secretário de Estado à
época, uma vez que desejava empreender novas e mais tranquilas relações com a
Alemanha e a Itália.
260
. 1 - Santa Tereza Benedita da Cruz
Edith
Theresa Hedwig Stein, O.C.D., canonizada como Santa Teresa Benedita da Cruz (12
de outubro de 1891 – 9 de agosto de 1942), foi uma Santa, filósofa e teóloga
alemã nascida judia que se converteu à Igreja Católica. Ela foi canonizada em
11 de outubro de 1998 pelo Papa João Paulo II, sendo mártir da Igreja e uma das
seis Santas co-padroeiras da Europa. Nascida em uma família judia praticante,
Edith era a filha mais nova de 11 irmãos. Nasceu no Yom Kippur, o Dia do Perdão
para os judeus. Seu pai morreu quando ela tinha apenas dois anos, o que fez
cair sobre sua mãe Auguste a responsabilidade sobre os negócios da família.
Apesar de sua mãe ser muito devota, Edith perdeu a fé em Deus ainda jovem. Em
1911, ingressou na Universidade de Breslávia para cursar alemão e história,
apesar de seu verdadeiro interesse ser a filosofia. Movida pelas tragédias da
Primeira Guerra Mundial, em janeiro de 1915, Edith interrompeu seus estudos na
Universidade de Gotinga e se voluntariou como auxiliar de enfermagem em um
hospital de doenças infecciosas na Áustria. Edith concluiu seu doutorado com a
tese Sobre o Problema da Empatia. Assim, Stein foi a segunda mulher a receber
um título de doutorado em filosofia na Alemanha, além de se tornar assistente
do mais eminente filósofo de seu tempo, Edmund Husserl. Ela foi a primeira
estudiosa a pedir oficialmente que as mulheres recebessem o status de
"professoras". Teve uma grande mudança em sua crença no ano de 1921,
a partir da leitura da autobiografia de Santa Teresa de Ávila, quando estava em
casa da amiga Hedwig Conrad-Martius, em Bergzabern. Ela se converteu ao
catolicismo e foi batizada em 1.º de janeiro de 1922, tomando a própria amiga
como madrinha. Já religiosa, anotou: "A fé está mais próxima da sabedoria
divina do que toda ciência filosófica e mesmo teológica".
Anos
mais tarde, testemunhou a ascensão do Partido Nazista e a consequente
perseguição aos judeus. Decidiu se tornar freira Carmelita Descalça no
monastério de Colônia em 1933. Com a crescente ameaça nazista na Alemanha,
Edith e sua irmã Rose são enviadas para o Carmelo da Holanda. Após a divulgação
de uma carta da Igreja da Holanda com críticas ao nazismo, os cristãos judeus passaram
a sofrer represálias, sendo Edith e sua irmã capturadas. Edith Stein morreu aos
50 anos, no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, envenenada numa câmara
de gás. Filha dos comerciantes judeus Siegfried e Auguste Courant Stein e
última de onze irmãos, nasceu em Breslávia, Alemanha, no dia 12 de outubro de
1891, quando se celebrava a grande festa judaica do Yom Kippur, o "Dia da
Reconciliação". Seu pai faleceu quando tinha dois anos, numa viagem de
negócios. Auguste, então, passou a conduzir com destreza os negócios da família
enquanto cuidava sozinha da criação de seus filhos. Edith possuía grande
admiração pela coragem e força de sua mãe, sendo a sua inspiração e ideal de
mulher.
Durante
a adolescência, deixou a escola e passou alguns meses na casa de sua irmã Else
em Hamburgo, ocasião em que passou por uma crise de fé. Após essa viagem, ela
decide retomar os estudos. Em 1911, ela obteve o diploma dos estudos
secundários com distinção na Escola Viktoria. Edith foi reconhecida como uma
das mais brilhantes estudantes de sua época, graças ao empenho e aptidão para o
conhecimento. Após o ensino secundário, ela começa a cursar alemão, história,
psicologia e filosofia na Universidade de Breslávia. Alguns anos depois, ela se
interessa pelos estudos realizados por Edmund Husserl, criador da
Fenomenologia, e seu grupo de pesquisa nessa corrente filosófica. Ela parte
para estudar na Universidade de Gotinga, fazendo seus estudos de filosofia
alemã e história. Lá ela fez grandes amigos do grupo de filosofia de Gotinga,
como Adolf Reinach. Em janeiro de 1915, Edith se gradua com distinção.
Com a
deflagração da Primeira Guerra Mundial, Edith se sente impelida a trabalhar em
favor de seu país. Então, ela decide resolutamente abandonar por tempo
indeterminado os estudos a fim de servir da melhor maneira diante da guerra.
Apesar da falta de consentimento de sua mãe, ela se voluntariou a ser
enfermeira auxiliar na Cruz Vermelha. Em abril de 1915, ela foi convocada a
servir no hospital militar de Mährisch-Weisskirchen, no front da guerra. No dia
1º de setembro ela é liberada do serviço voluntário e posteriormente recebeu
por este trabalho uma medalha de honra. Em 1916 volta a Breslávia para
trabalhar como professora suplente na Escola Viktoria, local onde cursou seu
ensino secundário. No mesmo ano conclui seu doutorado em Freiburg com summa cum
laude, com a tese "Sobre o Problema da Empatia", que é publicada em
1917. Posteriormente, Edith se torna assistente de seu mestre Husserl, em
Freiburg, e trabalha em escritos diversos. Apesar de fazer várias tentativas
para obter um cargo em diversas universidades, como Gotinga, Freiburg e Kiel, ela
não é aceita por ser mulher. Em 1917, morre na guerra seu grande amigo Adolf
Reinach, em Flandres. Durante o ano de 1918 participa do recém-fundado Partido
Democrático Alemão, mas logo se desilude da política. Com a República de
Weimar, em 1919, as mulheres passam a ter o direito a voto e a igualdade.
Em 1920,
passa por uma dolorosa crise interior, enquanto que sua irmã Erna Stein se casa
com Hans Biberstein. No verão de 1921, passava as férias em Bergzabern na casa
de sua amiga Hedwig Conrad-Martius, ela lê a autobiografia de Santa Teresa de
Ávila, intitulada "O Livro da Vida", com quem se identifica, apesar
de na época não saber da origem judaica da Santa. No ano seguinte, Edith Stein
se dedica a preparar as obras de Adolf Reinach para publicação e se converte ao
Catolicismo. Ela foi batizada no dia 1 de janeiro de 1922 e tomou a Primeira
Comunhão na Igreja Paroquial São Martin, de Bergzabern. Faz sua confirmação na
capela privada do Bispo de Speyer, em 2 de fevereiro do mesmo ano. Publica seus
trabalhos no Anuário de filosofia e investigação filosófica, editado por
Husserl. Entre 1923-1931 trabalha como professora no liceu para moças e no
instituto para formação de professoras das irmãs dominicanas de Santa Madalena,
em Speyer. Faz várias traduções e outros trabalhos e participa de conferências
em simpósios e congressos pedagógicos realizados em Praga, Viena, Salzburg,
Bâle, Paris, Munster e Bendorf.
Em 1925
traduz para o alemão o Diário e As Cartas do Cardeal John Henry Newman. Publica
no Anuário seu estudo, "Uma investigação sobre o Estado", entre
outros. Em 1928 participa de conferências sobre a questão feminina e sobre a
educação católica por toda Alemanha e por países vizinhos. Faz a tradução para
o alemão de De Veritate, de Tomás de Aquino. Em 1929 publica no Anuário seu
estudo comparativo entre Tomás de Aquino e Edmund Husserl. Em 1930 faz
conferências em Nuremberg, Salzburg, Speyer, Bendorf, Heildelberg sobre a
questão feminina. Tenta novamente, sem sucesso, em 1931 uma Cátedra
universitária. Continua a realizar conferências por diversos lugares, e publica
o primeiro volume da sua tradução das Quaestiones Disputatae de Veritate, de
Tomás de Aquino. Consegue então uma posição em 1932 como docente no Instituto
Alemão de Pedagogia Científica, em Münster, e continua a proferir diversas
conferências pela Alemanha e Suíça. Participa do importante Congresso
Internacional Tomista de Juvisy e publica o segundo volume da sua tradução de
São Tomás de Aquino, Questiones Disputatae de Veritate.
Com a
chegada do Partido Nazista ao poder em 1933, é publicada em abril a lei que
proíbe a presença de judeus em cargos públicos da Alemanha. Edith Stein, já
reconhecendo os sinais dos tempos, entende que não há mais espaço no ambiente
acadêmico em seu país. Dessa forma, ela renuncia ao posto de docente do
instituto e, não podendo também realizar conferências e dar aulas, decide-se
por realizar o seu chamado reconhecido desde sua conversão. Ela decide se
tornar uma freira Carmelita Descalça no monastério de Colônia em 14 de outubro
de 1933, tomando o hábito com o nome de Teresa Benedita da Cruz. Tem permissão
de sua superiora para continuar seu estudo Ser Finito e Ser Eterno. Publica
vários textos inclusive o estudo sobre Teresa d'Ávila. No dia 21 de abril de
1935, domingo de Páscoa, faz seus votos religiosos temporários. Depois da morte
de sua mãe, sua irmã Rosa também se converte ao Catolicismo em 1936. Em abril
de 1938 faz seus votos definitivos. Morre seu mestre Edmund Husserl. Publica
artigos sobre a História do Carmelo. Com a violência da chamada Noite dos
Cristais, em 1938, as irmãs são conduzidas para a Holanda, e se instalam no
Carmelo de Echt, onde seria um lugar seguro para elas. Nessa época, Edith
escreve seu Testamento de Vida, onde detalha qual o destino dará aos seus
pertences e oferece sua vida pelo povo judeu. A Alemanha invade a Polônia e tem
início a Segunda Grande Guerra. Familiares de Edith emigram para os Estados
Unidos e para a Colômbia. Ela escreve um trabalho sobre Dionísio Areopagita e
começa a escrever A Ciência da Cruz, sua obra mais importante.
Em 1940,
os nazistas ocupam a Países Baixos. Em 1941 seus irmãos Frida e Paul, bem como
a esposa e a filha deste são deportados para o campo de concentração de
Theresienstadt, onde morrem em 1942. Em abril de 1942, Rosa e Edith são
registradas como judias pela Gestapo, a policia nazista. Após o recrudescimento
das perseguições ao povo judeu, os Bispos da Holanda publicaram em 20 de julho
de 1942 uma carta crítica ao nazismo. Como represália, membros do partido
aderem no dia 2 de agosto a uma perseguição aos católicos de ascendência
judaica, entre eles Rosa e Edith Stein. O Carmelo e Edith procuram conseguir
visto para que ambas saiam da Holanda e entrem na Suíça, mas os papéis chegam
depois de sua prisão. As últimas palavras de Edith foram para sua irmã: “Venha,
estamos indo para o nosso povo”. Ao chegar na sede da Gestapo na Holanda, Edith
é submetida a um interrogatório de praxe. Ambas são transferidas para o campo
de trânsito de Amersfoort, e depois para o campo de Westerbork. Três dias antes
de sua morte, tinha dito: “Aconteça o que acontecer, estou preparada. Jesus
está aqui conosco” (06-08-1942). Em 7 de agosto vão de trem para o oeste, e
chegam a Auschwitz em 9 de agosto, onde morrem na câmara de gás.
No dia 1
de maio de 1987, foi beatificada pelo Papa João Paulo II em Colônia e em 11 de
Outubro de 1998 foi canonizada pelo mesmo, sob o nome de Santa Teresa Benedita
da Cruz. No dia 1 de outubro de 1999, o Papa João Paulo II, numa carta
apostólica em forma de motu proprio intitulado "Spes aedificandi",
proclamou Santa Teresa Benedita da Cruz, juntamente com Santa Brígida da Suécia
e Santa Catarina de Siena, co-padroeira da Europa, graças à particular
contribuição cristã que outorgou não só à Igreja Católica, mas especialmente à
mesma sociedade europeia através do seu pensamento filosófico. A sua celebração
litúrgica na Igreja Católica é dia 9 de Agosto.
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. 2 - Santa Faustina Kowalska
Santa
Maria Faustina Kowalska (Głogowiec, Łódź, 25 de agosto de 1905 – Cracóvia, 5 de
outubro de 1938) foi uma freira e mística polaca. Atualmente é venerada como Santa
pela Igreja Católica, conhecida simplesmente por Santa Faustina. Apelidada por
Jesus a Apóstola ou Secretária da Divina Misericórdia, é considerada pelos
teólogos como fazendo parte de um grupo dos mais notáveis místicos do
Cristianismo. Sua missão foi preparar o mundo para a segunda vinda de Cristo. Entrou para a vida religiosa em 1924 na Congregação
das Irmãs de Nossa Senhora da Misericórdia. Seu confessor, Beato Miguel
Sopoćko, exigiu de Santa Faustina que ela escrevesse as suas vivências em um
diário espiritual. Este diário compõe-se de alguns cadernos. Desta forma, não
por vontade própria, mas por exigência de seu confessor, ela deixou a descrição
das suas vivências místicas, que ocupa algumas centenas de páginas. Faleceu em
5 de outubro de 1938. A sua canonização aconteceu em 30 de abril de 2000, pelas
mãos do Papa São João Paulo II, de quem também conseguiu a instituição da Festa
da Divina Misericórdia. Santa Faustina, nascida Helena Kowalska, veio ao mundo
em 1905 no seio de uma pobre família camponesa no lugarejo de Głogowiec, a
oeste de Łódź na Polônia. Ela foi batizada pelo Pe. Józef Chodyński na igreja
de São Casimiro em Świnice Warckie dois dias após seu nascimento, em 27 de
agosto. Seus padrinhos foram Konstanty Bednarek e Marianna Szewczyk. Foi a
terceira dos dez filhos do casal Stanislaus, carpinteiro e agricultor, e
Marianna Kowalska, que os educaram com grande disciplina espiritual. Muito
pobres, só foi possível a Faustina que completasse três anos de estudos. Ela e
suas irmãs tinham, por exemplo, apenas um bom vestido que tinham de revezar
para ir às missas, cada uma assistia, portanto, a uma missa diferente. Aos 9
anos fez sua Primeira comunhão na Igreja de São Casimiro. Aos 16 anos de idade,
deixou a casa dos pais e rumou para Aleksandrów, perto de Łódź, onde trabalhou
como doméstica na casa de amigos da família Bryszewski a fim de sustentar-se e
ajudar a família financeiramente. Em 1922, aos 17 anos, viajou a Łódź e durante
um ano trabalhou na loja de Marejanna Sadowska.
Aos 18 anos
Faustina, que já sentia uma vocação religiosa desde os 7, manifestou o desejo
de ingressar em um convento, porém seus pais não permitiram. Faustina conta em
seus diários que em 1924, aos 19 anos, ao ir a um baile com sua irmã Josefina,
teve uma experiência que mudaria sua vida. Estava dançando quando viu Jesus
coberto de chagas parado junto a si, então ele lhe disse: Até
quando hei de ter paciência contigo? Até quando tu me enganarás? Faustina disfarçou o acontecido para
que sua irmã não percebesse e, assim que pode, abandonou discretamente o baile
e dirigiu-se até a Catedral de São Estanislau Kostka, lá ela pediu ao Senhor,
em oração profunda, que lhe mostrasse o caminho a ser seguido, ao que escutou
uma voz que lhe dizia: Vá imediatamente a Varsóvia, lá entrarás um convento.
Na manhã seguinte,
apenas com a roupa do corpo, sem a permissão de seus pais e tendo se despedido
apenas de uma de suas irmãs, tomou um trem em direção a Varsóvia com a intenção
de entrar em um convento, sem conhecer ninguém na cidade. Ao chegar em Varsóvia,
ela entrou na primeira igreja que encontrou, tratava-se da Igreja de São Tiago
situada na rua Grojeka, assistiu à missa e ao final pediu orientação ao Padre
Dabrowski que a recomendou que procurasse a senhora Lipszcowa, uma pessoa muito
católica com quem veio a hospedar-se enquanto procurava um convento.
Tentou
ingressar em vários conventos, porém sempre sendo recusada devido às suas
condições financeiras e à sua escolaridade. Em uma destas tentativas teria sido
recusada com a frase não precisamos de domésticas aqui. Depois de várias
semanas de busca, a Madre Superiora do convento das Irmãs de Nossa Senhora da
Misericórdia decidiu lhe dar uma chance com a condição de que pagasse pelo
ingresso, o que a levou a trabalhar como doméstica por um ano, período em que
fazia depósitos na conta do convento até que completasse o montante exigido. Faustina
não sabia nada sobre o convento junto ao qual estava ingressando, apenas havia
sido levada até lá. Entretanto, fora advertida de que ingressaria no convento
como uma "irmã leiga" e que, devido ao seu nível de escolaridade,
seria provável que não atingisse níveis mais elevados dentro da ordem e que
seus deveres para sempre consistiriam em atividades relacionadas à cozinha,
limpeza e jardinagem. Em 30 de abril de 1926, aos 20 anos, ingressou no
convento adotando o nome de Maria Faustina do Santíssimo Sacramento. O nome
Faustina significa abençoada, afortunada e pode ser uma referência ao mártir
cristão Faustinus. Segundo conta em seus diários, poucas semanas depois de seu
ingresso no convento, teve a tentação de abandoná-lo. Chegou a procurar a Madre
Superiora, porém não encontrou-a, retirando-se então para seu dormitório. Lá
teve uma visão de Jesus, com seu rosto desfigurado por conta das chagas. Ela questionou-o:
"Jesus, quem te feriu tanto?" Jesus respondeu:
"Esta é a dor que me causarias se tivesses abandonado este convento. É
para cá que eu te trouxe e não para outro; e tenho preparadas para ti muitas
bênçãos." Ela
compreendeu que o plano de Deus para ela era que ficasse ali. Neste convento
trabalhou na cozinha e foi encarregada de cuidar da Madre Barkiewez durante sua
enfermidade, bem como de limpar seu quarto. Em abril de 1928 fez votos como
freira, seus pais estiveram presentes na cerimônia. Um ano mais tarde Faustina
foi enviada a um convento de Vilnius, Lituânia, onde também trabalhou como
cozinheira, ficou por pouco tempo, mas retornou ao local mais tarde, ocasião em
que encontrou com Michał Sopoćko, que apoiou sua missão. Um ano depois de seu retorno
de Vilnius, em maio de 1930, ela foi transferida para um convento em Płock na
Polônia, onde ficou por cerca de 5 anos. Faustina foi freira por uma década, falecendo
em outubro de 1938.
Jesus Misericordioso
conforme se manifestou a Santa Faustina Kowalska
No
outono do ano em que Faustina chegou em Płock, apareceram os primeiros sinais
de tuberculose e por conta disso ela foi mandada para uma fazenda de
propriedade de sua ordem religiosa com o intento de recuperar-se. Depois de
refeita, ela retornou ao convento em Płock. Em 22 de fevereiro de 1931, Irmã
Faustina relatou, em seus diários (diário I, sessões 47, 48 e 49), ter tido a
primeira revelação de Jesus enquanto Rei da Divina Misericórdia em seu quarto.
Segundo ela, Jesus apareceu vestido de branco e de seu coração emanava feixes
de luz vermelho e branco. Entre outras coisas, Jesus pediu-lhe que pintasse uma
imagem sua, fiel à imagem que se mostrava a ela, tal imagem deveria conter a
inscrição Jesus, eu confio em vós. Jesus manifestou a vontade de que esta imagem fosse venerada
primeiro em sua capela, posteriormente no mundo todo e solenemente no domingo
que sucede ao domingo de Páscoa, Jesus ainda teria dito a ela que quem quer que
venerasse tal imagem seria salvo. Por não saber pintar, Faustina solicitou
ajuda das irmãs de seu convento, contudo não recebeu nenhum auxílio. Em
novembro de 1932, Faustina retorna a Varsóvia para, em maio de 1933, tomar os
votos definitivos como freira em Łagiewnike e tornar-se Irmã Perpétua de Nossa
Senhora da Misericórdia.
No fim
de maio de 1933, Faustina foi transferida para Vilnius para que trabalhasse no
jardim e cultivasse a horta. Ela permaneceu na cidade por 3 anos (até 1936). O
convento em Vilnius tinha, à época, apenas 18 irmãs e consistia em alguns
poucos casebres dispersos. Pouco depois de chegar a Vilnius, Faustina encontrou
o Padre Sopoćko, o recém-nomeado confessor das freiras do convento e professor
de teologia na Universidade de Vilnius. Quando Faustina fez sua primeira confissão
com Sopoćko, ela lhe contou sobre sua conversa com Jesus e sobre a missão da
qual estava incumbida. Depois de algum tempo, Sopoćko insistiu que Faustina
fosse submetida a uma avaliação psiquiátrica completa pela Dra. Helena
Maciejewska ao que foi declarada completamente sã. Depois disso, Sopoćko teve
confiança em Faustina e passou a assisti-la em seus esforços. Ele aconselhou-a
a escrever um diário para que registrasse as mensagens que recebia e conversas
que tinha com Jesus. Faustina contou a Sopoćko sobre a imagem da Divina
Misericórdia e em janeiro de 1934 ele a apresentou ao artista plástico Eugene
Kazimierowski que era também professor na Universidade de Vilnius.
Foi apenas em Vilnius, três anos depois de ter tido a visão
que a incumbiu da missão de produzir o quadro da Divina Misericórdia, que
Faustina conseguiu que, sob sua orientação em conjunto com Padre Sopoćko, o
pintor Eugene Kazimiroski realizasse a pintura do quadro. Esta seria a única
imagem da divina Misericórdia que Faustina conheceria. O quadro foi finalizado
em junho de 1934 e sua imagem venerada publicamente em Ostra Brama entre 26 e
28 de abril de 1935, sendo a primeira imagem feita representando o Senhor da
Misericórdia. Entretanto, a imagem que tornou-se famosa no mundo inteiro foi
realizada pelo pintor Adolf Hyła, feita em agradecimento pela salvação de sua
família da guerra. Enquanto estava em Vilnius, Faustina previu que sua mensagem
da Divina Misericórdia seria suprimida por algum tempo ao ponto de parecer ter
sido feita em vão, mas que seria aceita novamente. Em 8 de fevereiro de 1935
ela escreveu no seu diário I, sessão 378: Virá um tempo em que este trabalho,
que Deus quer muito que seja realizado, será como que totalmente desfeito.
Depois Deus agirá com tal poder, que dará evidências de sua autenticidade. Sua
profecia se cumpriu 20 anos depois, em 1959, suas mensagens foram suprimidas
pelo Vaticano e reconhecidas em 1966.
Faustina
escreveu em seu diário I, sessão 414, que na sexta-feira, dia 19 de abril de
1935, Jesus disse a ela que queria que a imagem da Divina Misericórdia fosse
venerada publicamente. Na sexta-feira seguinte, Padre Sopoćko realizou o
primeiro sermão em honra da Divina Misericórdia, Faustina assistiu ao sermão.
Entretanto, a primeira vez em que a imagem da Divina Misericórdia foi exibida
em 28 de abril de 1935, no segundo domingo depois da Páscoa e também foi
assistida por Faustina, esta também foi a data em que se celebrou a redenção do
Papa Pio XI. Padre Sopoćko conseguiu permissão junto ao Arcebispo Jałbrzykowski
para que a imagem da Divina Misericórdia fosse exibida na igreja em Vilnius
durante a missa daquele domingo e celebrou, ele mesmo, aquela missa. Ainda em
Vilnius, naquele mesmo ano, Faustina escreveu (diário I, sessão 476) a respeito
de uma visão envolvendo o Terço da Divina Misericórdia. Faustina escreveu que o
propósito das orações do terço é trino: obter misericórdia, confiar na
misericórdia de Cristo, e mostrar misericórdia para com os outros. Pouco
depois, Faustina escreveu as regras para uma nova congregação religiosa de
natureza contemplativa e devotada à Divina Misericórdia. Ela chegou a visitar
uma casa em Vilnius que ela disse ter visto em uma de suas visões como sendo o
lugar do primeiro convento de tal congregação. No início do ano seguinte,
Faustina foi ter com o Arcebispo Jałbrzykowski para discutir a nova congregação
para a Divina Misericórdia. Contudo, ele a relembrou de que seu voto para com
sua congregação era um voto perpétuo. Faustina contou aos seus superiores que
estava pensando em deixar sua ordem para iniciar uma nova ordem especialmente
devotada à Divina Misericórdia, entretanto ela foi transferida para Walendow
(Nadarzyn), a sudoeste de Varsóvia.
No verão
de 1936, Padre Sopoćko escreveu seu primeiro trabalho sobre a devoção à Divina
Misericórdia e o Arcebispo Jałbrzykowski providenciou a impressão. A brochura
trazia a imagem da Divina Misericórdia na capa e Sopoćko enviou alguns
exemplares para Faustina em Varsóvia. Ainda naquele ano, Faustina adoeceu
provavelmente de tuberculose. Retirou-se para o sanatório de Pradnik, Cracóvia.
Ela continuou dedicando muito tempo à oração, recitando o terço e orando pela
conversão dos pecadores. Os dois últimos anos da sua vida foram dedicados à
oração e às anotações em seu diário. Faustina escreveu em seu diário III
(sessão 1044, em 23 de março de 1937) que teve uma visão na qual a Festa da
Divina Misericórdia seria celebrada na sua capela local e seria assistida por
uma multidão de fiéis e que a mesma cerimônia também teria lugar em Roma e
seria conduzida pelo Papa.
Em 1937,
Faustina recebeu uma mensagem de Jesus com instruções sobre a Novena da Divina
Misericórdia, Sopoćko solicitou que Faustina a transcrevesse. Aquele ano foi
marcado pela divulgação das mensagens da Divina Misericórdia, foram impressos
os primeiros cartões com a imagem da Divina Misericórdia, também foi publicado
um panfleto intitulado Cristo, o Rei da Misericórdia que incluía o terço, a
novena e a litania da Divina Misericórdia. A superiora de Faustina, Madre
Irene, mostrou os panfletos a ela, enquanto Faustina repousava em sua cama. Ao
final de 1937, a saúde de Faustina se deteriorou, suas visões se intensificaram
e, no ano seguinte, teve que retornar ao sanatório de Pradnick para o que seria
sua última internação no local, nesse período já não conseguia escrever. Por
volta de um ano mais tarde, Padre Sopoćko a visitou no sanatório, encontrando-a
com a saúde muito debilitada, mas absorta em êxtase enquanto orava. Logo depois,
ela foi levada de volta para Cracóvia para esperar a morte e ainda e lá recebeu
a última visita de Padre Sopoćko. Em 5 de outubro de 1938, Faustina fez sua
última confissão e morreu aos 33 anos, 13 anos depois de entrar no convento.
Seu corpo foi sepultado dois dias depois, durante a Festa de Nossa Senhora do
Rosário no cemitério da Comunidade de Cracóvia e, em 1966, foi transladado para
a Basílica da Divina Misericórdia em Cracóvia, Polônia.
Antes de
sua morte, Faustina previu que haverá uma guerra, uma guerra muito terrível e
pediu às Irmãs que rezassem pela Polônia. Um ano depois da morte de Faustina,
quando o Arcebispo Jałbrzykowski constatou que suas previsões haviam se
concretizado, ele permitiu o acesso público à imagem da Divina Misericórdia, o
que resultou em enormes aglomerações e espalhou a devoção à Divina
Misericórdia. Jałbrzykowski foi preso pelos nazistas em 1942, mas Padre Sopoćko
conseguiu esconder-se durante dois anos perto de Vilnius, período durante o
qual ele estabeleceu uma nova congregação baseada nas mensagens da Divina
Misericórdia confiadas à Faustina. Finda a guerra, Sopoćko escreveu a
constituição da congregação e ajudou na formação do que hoje é a Congregação
das Irmãs da Divina Misericórdia. Treze anos depois do falecimento de Faustina,
já havia 150 centros da Divina Misericórdia na Polônia. Depois da morte de
Santa Faustina, as freiras de seu convento enviaram seus escritos para o
Vaticano, já que até 1966, qualquer visão de Jesus e de Maria Santíssima
precisavam de aprovação da Santa Sé antes de serem tornadas públicas. Após uma
tentativa malograda de persuadir o Papa Pio XII de assinar uma condenação das
visões e da obra escrita de Faustina, o Cardeal Alfredo Ottaviani tentou junto
ao Santo Ofício, que o Papa seguinte, João XXIII, a condenasse em 1959.
Este
Papa assinou um decreto que incluía os diários de Faustina na lista de livros
proibidos, a devoção da Divina Misericórdia foi proibida e o Padre Miguel
Sopoćko sofreu uma severa reprimenda, tendo sua obra também proibida e, assim
como a obra de Santa Faustina e a devoção à Divina Misericórdia, permaneceu
assim até que o decreto fosse abolido, em 14 de junho de 1966, pelo Papa Paulo VI.
A despeito da proibição, o Arcebispo de Cracóvia permitiu que as freiras
deixassem a imagem original na capela, de forma que pudessem praticar a
devoção. Karol Wojtyla, que veio a tornar-se Papa (João Paulo II), era
Arcebispo de Cracóvia em 1965, quando abriu uma nova investigação entrevistando
testemunhas e reportou abundante documentação ao Vaticano, solicitando o início
do processo de beatificação de Faustina, o processo seria iniciado em 1968.
Pintura
com retrato de Santa Faustina no altar principal do Santuário da Divina
Misericórdia em Cracóvia, na Polónia. Em 1978, ano em que João Paulo II assumiu
o papado, o Vaticano publicou uma nota esclarecendo que o banimento dos diários
de Faustina, e por extensão da Devoção da Divina Misericórdia, deu-se devido a
um mal-entendido causado por erros de tradução do polonês para o italiano e da
posterior dificuldade de comunicação devido à Segunda Guerra Mundial e à
posterior era comunista. A formal beatificação de Faustina envolveu o caso da
americana Maureen Digan. Em março de 1981, Digan relatou ter sido curada
enquanto rezava junto à tumba de Santa Faustina. Ela sofria de linfedema há
décadas, já havia sido submetida a dez operações incluindo a amputação de uma
perna. Os relatos de Digan dão conta de que, ao rezar junto ao túmulo de
Faustina, ela teria escutado uma voz dizendo: Me peça ajuda e eu te
ajudarei, então sua
constante dor teria cessado. Segundo Digan, depois de dois dias, seus sapatos
tornaram-se largos pois seu corpo teria parado de reter líquido. Ao retornar
para os EUA, cinco médicos declararam que ela havia sido inexplicavelmente
curada. O caso foi declarado milagre pelo Vaticano em 1992 num processo baseado
em relatos de testemunhas das condições de saúde de Digan. Outro milagre,
acontecido no aniversário da morte de Santa Faustina, em 5 de outubro de 1995,
consiste na cura de um problema congênito de coração que acometia o Padre
Pytel.
Em 18 de
abril de 1993, João Paulo II declarou Maria Faustina Kowalska com o título de
"Beata" diante de uma multidão de devotos da Divina Misericórdia que
ocupavam a Praça de São Pedro no Vaticano. Foi canonizada em 30 de abril de
2000. O Papa João Paulo II presidiu a cerimônia de canonização diante de uma
multidão de peregrinos da Divina Misericórdia. Tanto a cerimônia que tornou
Santa Faustina a primeira Santa canonizada no terceiro milênio quanto a
cerimônia de beatificação foram realizadas no domingo seguinte ao domingo de
Páscoa, dia que a Igreja Católica estabeleceu como Domingo da Divina
Misericórdia. Do legado de Santa Faustina surgiu a devoção à Divina
Misericórdia. Esta devoção considera que a principal prerrogativa de Jesus é a
misericórdia e que esta é a última tábua de salvação. Acessa-se a misericórdia
pela confiança. Esta devoção é constituída pela mensagem da Divina
Misericórdia, a Coroa da Divina Misericórdia, a imagem da Divina Misericórdia e
a Festa da Divina Misericórdia. Entre 1999 e 2002, foi construído o Santuário
da Divina Misericórdia, em Cracóvia, consagrado em 2002 pelo Papa João Paulo
II. A Basílica do local abriga o túmulo de Santa Faustina Kowalska.
Como rezar o Terço da
Divina Misericórdia?
O Terço da Divina Misericórdia reza-se, preferencialmente, às
15h (Hora da Misericórdia, em que Jesus faleceu), meditando na Paixão de Jesus
e apelando a Misericórdia de Deus para toda a Humanidade.
Orações iniciais:
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Jesus eu confio em vós.
Pai Nosso…
Ave Maria…
Credo dos Apóstolos de Nicéia...
Nas contas grandes:
Eterno Pai, eu Vos ofereço o
Corpo e o Sangue, a Alma e a Divindade de Vosso diletíssimo Filho, Nosso Senhor
Jesus Cristo, em expiação dos nossos pecados e do mundo inteiro.
Nas contas pequenas:
Pela sua dolorosa paixão, tende
misericórdia de nós e do mundo inteiro.
Oração final:
Pelo sinal da Santa Cruz, protejei-nos Senhor de nossos
inimigos, visíveis e invisíveis, com a ajuda de São Miguel Arcanjo, Príncipe
das milícias celestes, afastai de nós os demônios. Protejei-nos ó Anjo fiel de
Deus, que um dia bradou no Céu defendendo Deus dos anjos rebeldes, dizendo:
Quem como Deus?
Jesus eu confio em vós.
Deus Santo, Deus Forte, Deus
imortal, tende piedade de nós e do mundo inteiro. (Trêz vezes)
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Amém.
Diz Jesus:
"Oh! que grandes graças
concederei às almas que recitarem esse Terço. Anota estas palavras, minha
filha, fala ao mundo da minha misericórdia, que toda a humanidade conheça a minha
insondável misericórdia. Este é o sinal para os últimos tempos; depois dele
virá o dia da justiça. Enquanto é tempo, recorram à fonte da minha misericórdia,
tirem proveito do Sangue e da Água que jorraram para eles" (Diário, 848).
"Recita, sem cessar, este
Terço que te ensinei. Todo aquele que o recitar alcançará grande misericórdia
na hora da sua morte. Os Sacerdotes o recomendarão aos pecadores como a última
tábua de salvação. Ainda que o pecador seja o mais endurecido, se recitar este
Terço uma só vez, alcançará a graça da minha infinita misericórdia" (Diário, 687).
As 14
Promessas que Jesus fez a quem reza o Terço da Divina Misericórdia
1ª Promessa
“Prometo que a alma que venerar
esta imagem (da Divina Misericórdia) não perecerá. Também prometo vitória sobre
seus inimigos já aqui na terra, especialmente na hora da morte. Eu mesmo irei
defendê-lo como minha própria glória”.
2ª Promessa
“Os dois raios mostram Sangue e
Água… Esses dois raios saíram das profundezas da minha terna misericórdia
quando meu Coração em agonia foi aberto por uma lança na Cruz. Esses raios
protegem as almas da ira de meu Pai. Desejo que o primeiro domingo após a
Páscoa seja a Festa da misericórdia. Quem se aproximar da Fonte da Vida neste
dia receberá a remissão completa de pecados e castigo. A humanidade não terá
paz até que se entregue com confiança à minha misericórdia”.
3ª Promessa
“Desejo que a Festa da
Misericórdia seja celebrada solenemente no primeiro domingo após a Páscoa. A
alma que se confessar e receber a Sagrada Comunhão (em estado de graça neste
dia) obterá o perdão completo dos pecados e castigos”.
4ª Promessa
“Quem o recitar receberá grande
misericórdia na hora da morte”.
5ª Promessa
“Os sacerdotes recomendarão aos
pecadores como sua última esperança de salvação. Mesmo se houvesse um pecador
mais endurecido, se ele recitasse este terço apenas uma vez, receberia a graça
de minha infinita misericórdia. Eu desejo conceder graças inimagináveis àquelas
almas que confiam em minha misericórdia”.
6ª Promessa
“As almas que rezam este terço
serão abraçadas pela minha misericórdia durante a sua vida e especialmente na
hora da sua morte”.
7ª Promessa
“Almas que espalham a honra da minha
misericórdia, na hora da morte, não serei Juiz para elas, mas o Misericordioso
Salvador”.
8ª Promessa
“A oração que mais me agrada é a
oração pela conversão pelos pecadores. Saiba, minha filha, que esta oração é
sempre ouvida e atendida”.
9ª Promessa
“Minha misericórdia é maior do
que seus pecados e os do mundo inteiro”.
10ª Promessa
“Aos Sacerdotes que proclamam e
exaltam a minha misericórdia, darei um poder maravilhoso; Vou ungir suas
palavras e tocar o coração daqueles a quem eles vão falar”.
11ª Promessa
“Através deste terço você obterá
tudo, se o que você pedir estiver de acordo com a minha vontade”.
12ª Promessa
“Quando pecadores endurecidos o
rezarem, vou encher suas almas de paz, e a hora de sua morte será feliz”.
13ª Promessa
“Quando rezarem este terço na
presença dos moribundos, Eu ficarei entre meu Pai e o moribundo, não como um
Juiz justo, mas como um Salvador misericordioso”.
14ª Promessa
“Às três horas, implore minha
misericórdia, especialmente para os pecadores; e, mesmo que por um breve
momento, adentre na minha Paixão, particularmente no meu abandono no momento da
agonia. Não recusarei nada à alma que me pede em virtude da minha Paixão”.
Mensagens de Jesus
Cristo:
Jesus Cristo disse a Santa Irmã Faustina:
"Desejo que essa misericórdia se derrame sobre o mundo todo pelo teu
coração. Quem quer que se aproxime de ti, que não se afaste sem essa confiança
na minha misericórdia, que desejo tanto para as almas. Reza quanto puderes
pelos agonizantes; pede para eles a confiança na minha misericórdia, porque
eles são os que mais necessitam de confiança e os que menos a têm" (Diário, 1777).
"Minha filha, ajuda-me a
salvar um pecador agonizante; reza por ele o Terço que te ensinei.” Quando comecei a recitar este Terço,
vi o agonizante em terríveis tormentos e lutas. Defendia-o o Anjo da Guarda,
mas estava como que impotente diante da enormidade da miséria dessa alma. No
entanto, durante a recitação do Terço vi a Jesus da forma como está pintado na
Imagem. Os raios que saíam do Coração de Jesus envolveram o enfermo, e as
forças do mal fugiram em pânico. O enfermo exalou tranquilamente o último
suspiro" (Diário, 1565).
"Frequentemente convivo com almas agonizantes, pedindo
para elas a misericórdia de Deus. Oh! como é grande a bondade de Deus, maior do
que podemos compreender. Existem momentos e mistérios da misericórdia de Deus
com que até os Céus se assombram. Que se calem os nossos juízos sobre as almas,
porque é maravilhosa com elas a misericórdia de Deus" (Diário, 1684).
"Muitas vezes, faço companhia a almas agonizantes, e
peço para elas confiança na misericórdia divina e suplico a Deus aquela grande
abundância da graça de Deus que sempre vence. A misericórdia de Deus atinge às
vezes o pecador no último instante, de maneira surpreendente e misteriosa.
Exteriormente vemos como se tudo estivesse perdido, mas não é assim. A alma,
iluminada pelo raio da forte graça de Deus extrema, dirige-se a Deus no último
instante com tanta força de amor que imediatamente recebe de Deus [o perdão]
das culpas e dos castigos, e exteriormente não nos dá nenhum sinal nem de
arrependimento nem de contrição, visto que já não reage a coisas exteriores.
Oh! quão inconcebível é a misericórdia de Deus. Mas oh! horror — existem também
almas que voluntária e conscientemente afastam essa graça e a desprezam. Embora
já em meio à própria agonia, Deus misericordioso dá à alma esse momento de luz
interior com que, se a alma quiser, tem a possibilidade de voltar a Deus. Mas,
muitas vezes, as almas têm tamanha dureza de coração que conscientemente
escolhem o Inferno, anulam todas as orações que as outras almas fazem por elas
a Deus, e até os próprios esforços de Deus..." (Diário, 1698).
"União com os agonizantes. Pedem-me orações, e posso
rezar, pois admiravelmente o Senhor está me dando um espírito de oração. Estou
continuamente unida com Ele, sinto plenamente que vivo pelas almas, para
conduzi-las à Vossa misericórdia, Senhor. Quanto a isso, nenhum sacrifício é
pequeno demais" (Diário, 971).
"...O Senhor me deu a conhecer como deseja que a alma se
distinga por atos de amor, e vi, em espírito, quantas almas clamam a nós:
“Dai-nos Deus,” — e ferveu em mim o sangue apostólico. Não o pouparei, mas
entregarei até a última gota pelas almas imortais, embora fisicamente talvez
Deus não o exija, em espírito, posso fazê-lo, e não será menos meritório" (Diário, 1249).
Desejo percorrer o mundo todo e falar às almas da grande
misericórdia de Deus.
O INFERNO, SEGUNDO
SANTA FAUSTINA KOWALSKA
Hoje,
conduzida por um Anjo, fui levada às profundezas do Inferno. É um cavernoso lugar
de grandes suplícios, e como é abissal a sua vastidão! Eis os diferentes
tormentos que vi: O primeiro castigo, que constitui o Inferno, é a perda de
Deus. O segundo castigo é o perpétuo remorso da consciência. O terceiro castigo
é o de que essa condição nunca mudará. O quarto castigo é o do fogo que penetra
a alma, embora sem a destruir; sendo um sofrimento terrível, um fogo puramente
espiritual, aceso pela Ira de Deus. O quinto castigo é a contínua treva e um
horrível cheiro sufocante; e embora haja escuridão, os demônios e as almas
danadas veem-se mutuamente, reconhecendo todo o mal, quer de si mesmos, quer
dos outros. O sexto castigo é a constante companhia de Satanás. O sétimo
castigo é o tremendo desespero e o ódio a Deus, as maldições, pragas e
blasfêmias.
Estes
são os tormentos por que todos os condenados, em conjunto, passam, mas não se
acabam aqui os suplícios. Há outros dirigidos a alguns réprobos em especial,
que são as penas dos sentidos. Cada alma é atormentada no sentido com que
pecou, de maneira horrível e indescritível. Existem pavorosas prisões
subterrâneas, cavernas e poços de tormento, onde cada tortura difere da outra.
Eu teria morrido só de ver essas terríveis expiações, se não fora a Onipotência
de Deus haver-me amparado. Que todo o pecador saiba que, em cada um dos seus
sentidos com que pecou, há de vir a ser atormentado por toda a eternidade.
Escrevo isto por ordem de Deus, para que nenhuma alma se desculpe, dizendo que
não há Inferno, ou que ninguém lá esteve e por isso não se sabe como ele é. Eu,
irmã Faustina, por desígnio de Deus, visitei o abismo do Inferno, para que o
possa noticiar às almas e testemunhar que ele existe. Sobre ele, não me é
permitido falar agora, mas tenho ordem de Deus para deixar isto por escrito. Os
demônios estavam cheios de ódio de mim; todavia, pela Vontade de Deus, eram
obrigados a obedecer-me. E o que acabei de descrever dá apenas uma pálida
imagem das coisas que vi. Notei, no entanto, uma coisa: A maior parte das almas
que lá estão é justamente a daqueles que não acreditavam que o Inferno existe. Quando
voltei a mim, quase que não podia refazer-me do terror daquela visão. Como as
almas sofrem horrores no Inferno! Por isso, rezo com mais fervor ainda pela
conversão dos pecadores. Rogo incessantemente à Misericórdia de Deus para todos
eles. 'Ó meu Jesus, preferia sofrer a maior agonia, até ao fim do mundo, do que
Vos ofender com o menor pecado que fosse'. "('Diário da Irmã Faustina',
Caderno II, 741)
260
. 3 - Aparição de Nossa Senhora das Lágrimas - Brasil
Na
Congregação das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado (que foi fundada, no
Brasil, por Monsenhor Dom Francisco de Campos Barreto, Bispo de Campinas, e
Madre Maria Villac) viveu uma piedosa religiosa de nome Irmã Amália de Jesus
Flagelado (no batismo, Amalia Aguirre). Tal como outras almas privilegiadas –
São Francisco de Assis, Padre Pio de Pietrelcina e Teresa Neumann –, ela
recebeu em seu corpo os sagrados Estigmas de Jesus. Quanto aos estigmas, primeiro foram internos e duraram muitos
anos, mas em 1928, na Semana Santa, Dom Barreto presidia a adoração à Santa
Cruz e Irmã Amália sente as pontadas da coroação de espinhos e sua começa a
sangrar, diante de todos que estavam na Igreja, as gotas de sangue que caíram
de sua cabeça sobre o peito de Jesus que estava sendo adorado, formaram o mapa
do Brasil. Em 1930 o Brasil passava por uma grave realidade, uma revolução
sangrenta.
Amália
Aguirre nasceu em Riós, na Galiza, junto à fronteira de Espanha-Portugal, a 22
de julho de 1901. Pertenceu a uma família antiga, de longa tradição cristã, e
seus pais eram admirados pela santidade de costumes, pela fervorosa piedade e
sua inesgotável caridade para com o próximo. As circunstâncias econômicas e os
planos de Deus obrigaram seus pais a deixar a Espanha e a emigrar para o
Brasil, cuja língua – o português – lhes era bem conhecida e também permitia
comunicar e trabalhar sem dificuldades. Primeiramente estiveram no Estado da Bahia,
mas depois se mudaram para o Estado de São Paulo, na cidade de Campinas.
Inicialmente
a jovem Amália não foi com seus pais para o Brasil e ficou a cuidar de sua avó,
já muito idosa e doente, que precisava de companhia. Somente após a morte de
sua avó é que atravessou o oceano Atlântico, tendo chegado a Campinas-SP no dia
16 de junho de 1919. Em sua viagem para o Brasil, enfrentou a gripe espanhola,
que matou dezenas de milhares de pessoas nos anos de 1918 e 1919. Foi a maior
pandemia mundial conhecida até hoje causando mais mortes que a Peste Negra ao
longo de vários séculos, ela cuidou de muitos enfermos e Deus a preservou milagrosamente
de não se contaminar. Em sua pátria natal, já tinha recebido algumas
manifestações prodigiosas de Jesus e da Virgem Maria, mas Amália guardava tudo
em segredo no seu coração.
Seu
coração foi transverberado por Deus, as marcas dos estigmas desapareceram,
quando foi sepultada, não havia marca alguma em seu corpo. A Irmã Amália de
Jesus Flagelado pertenceu ao primeiro grupo de jovens freiras, co-fundadoras da
Congregação das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado, que, no dia 8 de
dezembro de 1927, receberam o hábito religioso e que fizeram seus votos perpétuos
a 8 de dezembro de 1931. Nosso Senhor havia lhe alertado que a congregação
religiosa na qual Ele a queria não havia sido ainda fundada, mas que o sinal
dele seria que a cor do hábito das irmãs teria as cores da roupa de sua Mãe,
azul e branco. No outono de 1929, um parente de Irmã Amália apareceu no
convento. Ele estava em grande angústia: sua esposa estava gravemente doente e
vários médicos lhe declararam que já não havia nenhum remédio que pudesse
salvá-la. Ele não sabia mais o que fazer, nem sabia o que Deus esperava dele.
Por esse motivo, a Irmã Amália era sua última esperança. Desesperadamente, com
uma dor profunda e rompendo em lágrimas, o pobre homem interrogou: “O que vai
ser então dos meus filhos?”.
O
coração de Irmã Amália sofreu com a aflição desse seu parente e suas
inclinações inatas levaram-na imediatamente a querer ajudá-lo de todas as
formas possíveis. Assim, enquanto seu parente lhe contava sua triste história,
a Irmã Amália rezava interiormente ao nosso Divino Redentor, em profunda
reflexão, enquanto pensava com uma mesma intensidade sobre o que poderia
oferecer ou fazer. Enquanto escutava seu parente e sua própria alma, a Irmã
Amália sentiu um impulso interior que parecia chamá-la a ir ter com Jesus
presente no Sacrário. Quando terminou o encontro com seu parente, ela respondeu
fiel e rapidamente a essa voz que soava em seu coração. A Irmã Amália foi para
a capela do convento onde se pôs de joelhos diante do altar e, de braços
abertos, disse a Jesus Sacramentado:
“Se já não há salvação para a mulher de T., eu mesma estou
disposta a oferecer a minha vida pela mãe desta família. Que quereis que eu
faça?”.
Nesse momento, Jesus se manifestou e respondeu:
“Se deseja obter essa graça,
peça-a a mim pelos merecimentos das Lágrimas de minha Mãe.”
Perguntou a Irmã Amália: “Como devo eu rezar?”
“Meu Jesus, ouvi os nossos rogos,
pelas Lágrimas de Vossa Mãe Santíssima. Vede, ó Jesus, que são as lágrimas
d’Aquela que mais vos amou na Terra, e que mais vos ama no Céu.”
No final, Nosso Senhor acrescentou uma grande e prodigiosa promessa:
“Minha filha, o que os homens me
pedem pelas lágrimas de minha Mãe, Eu amorosamente concedo. Mais tarde, minha
Mãe entregará este tesouro para o nosso querido Instituto, como um sinal de sua
Misericórdia.”
No dia 8
de março de 1930, a Irmã Amália de Jesus Flagelado estava a rezar na capela do
convento, de joelhos, nos degraus do altar, quando, inesperadamente, se sentiu
como que elevada para o Alto. Em seguida lhe apareceu Nossa Senhora, que se
apresentou com uma túnica violeta, um manto azul e um véu branco que cobria seu
peito e ombros. Com um sorriso se aproximou de Irmã Amália, segurando em suas
mãos um rosário a que Ela mesma chamou de «Coroa». As suas contas brilhavam
como o Sol e eram brancas como a neve.
Entregando-lhe
esse rosário, a Santíssima Virgem Maria disse: “Este é o rosário de minhas
lágrimas que foi prometido pelo meu Filho ao nosso querido Instituto como uma
parte de seu legado. Ele também já lhe deu as orações. Meu Filho quer me honrar
especialmente com essas invocações e, além disso, Ele concederá todos os
favores que forem pedidos pelos merecimentos de minhas lágrimas. Este rosário
alcançará a conversão de muitos pecadores, especialmente dos possuídos pelo
demônio. Uma especial graça está reservada para o Instituto de Jesus
Crucificado, principalmente a conversão de vários membros de uma parte
dissidente da Igreja. Por meio deste rosário o demônio será derrotado e o poder
do inferno destruído. Arme-se para a grande batalha.”.
Na
aparição do dia 8 de abril de 1930, a Santíssima Virgem pediu à Irmã Amália que
mandasse cunhar uma medalha de Nossa Senhora das Lágrimas e de Jesus Manietado,
e disse que essa mesma medalha devia ser muito divulgada para que o poder de
Satanás no Mundo fosse vencido. Nossa Senhora ainda acrescentou que todos os
fiéis que a trouxessem com amor e devoção obteriam inúmeras graças. Por ordem
da Santíssima Mãe de Deus, essa medalha traz cunhada na frente a imagem de
Nossa Senhora das Lágrimas em atitude de entrega da Coroa das Lágrimas
(exatamente como aconteceu na anterior aparição de 8 de março de 1930 à Irmã
Amália) e rodeada pelas palavras: “Ó Virgem Dolorosíssima, as vossas
Lágrimas derrubaram o império infernal!”. No verso, traz cunhada a imagem de
Jesus Manietado – ou seja, amarrado durante a Sua Dolorosa Paixão – e rodeada
pelas palavras: “Por vossa mansidão Divina, ó Jesus manietado,
salvai o mundo do erro que o ameaça!”. Dito isto, a Senhora desapareceu.
Palavras de Jesus Manietado
transmitidas à Irmã Amália para todos os missionários das Lágrimas de Maria: “Minha
filha: Hoje vou falar-te das Lágrimas de minha Mãe. Durante vinte séculos elas
ficaram guardadas no meu Divino Coração para agora as entregar. Com esta
entrega, Eu te constituo apóstola de Nossa Senhora das Lágrimas e sei que estás
pronta a dar a vida pela difusão de tão santa devoção. Ser missionário(a) das
Lágrimas de minha Mãe é dar-me imensas consolações! Dei valor infinito a essas
Lágrimas e, com elas, os que se propuserem a propagá-las terão a felicidade de
roubar pecadores ao maligno, cujo ódio há de colocar-lhes muitos obstáculos
para que elas não sejam conhecidas.”
“O mundo
tem necessidade de misericórdia e, para recebê-la, não há dádiva mais preciosa
do que as Lágrimas de minha Mãe! Se as lágrimas de uma mãe comovem o coração de
um filho rebelde, então como não se há de comover o meu Coração que tanto ama
esta Mãe? Este tesouro magnífico, guardado vinte séculos, está agora nas mãos
de todos para com ele se salvarem muitas almas das garras infernais! Quando as
almas generosas dizem: “Meu Jesus, pelas Lágrimas de vossa Mãe Santíssima”, o meu
Coração abre-se e faz jorrar sobre aquelas almas as torrentes da minha
Misericórdia!”
Promessas de Nosso Senhor Jesus Cristo
aos Missionários e Missionárias de Nossa Senhora das Lágrimas: “Todos os
que se propuserem propagar as Lágrimas de minha Mãe, no Céu receberão uma
alegria toda especial e louvarão todas as horas que passaram a divulgá-las.
Todos os Sacerdotes que difundirem o poder das Lágrimas de Maria terão seus
trabalhos a produzir frutos de vida eterna e grandes coisas farão por amor a mim.
A difusão desta riqueza das Lágrimas de minha Mãe é de muita importância para o
meu Coração porque me vai dar milhões e milhões de almas! Teu Jesus Crucificado
que em tuas as mãos depositou tão sagrado e poderoso tesouro, do qual deves ser
apóstolo(a) incansável e ser capaz de dar a vida por ele. Felizes os que
difundirem as Lágrimas de Maria!”
“As Lágrimas de Maria representam
uma grande oportunidade para a humanidade, uma riqueza que só poderá se
expandir, se for conhecida e amada. Elas são as luzes que iluminarão o caminho
obscuro da conquista das almas e constituem o prenúncio do meu Reino. Àqueles
que se constituírem apóstolos destas Lágrimas, Eu lhes desvendarei caminhos
ocultos. Transformarei essas Lágrimas em luzes que lhes mostrarão as riquezas
do meu Coração, dando-lhes ainda o dom de persuadir os corações! Salvar Almas,
eis o fim pelo qual desci à terra; eis porque ofereço à humanidade tantos
favores, usando para isso de todos os meios. As Lágrimas de Maria são os meios
que dou às almas missionárias para que, com elas, possam fazer prodígios.”
“Desejo exaltar as Lágrimas de minha
Mãe! Já exaltei as outras prerrogativas: sua Imaculada Conceição, suas Dores,
seus Triunfos; porém, ainda não o tinha feito com as suas Lágrimas. Chegou a
hora propicia: então, enviei minha Mãe com este tesouro, enriquecido pelo meu poder
infinito. As Lágrimas de minha Mãe são, portanto, os raios de luz que
iluminarão os caminhos desta geração e de todas as almas que a elas se quiserem
associar. O apóstolo das Lágrimas de Maria, e quem delas falar, será incluído
no número dos mansos. Felizes aqueles que fazem parte desta geração mansa, pois
brilharão como o sol diante de mim! Todo o apóstolo de Nossa Senhora das
Lágrimas mergulhará nestas revelações e conquistará a Humanidade, uma vez que
seu coração, absorvendo estas palavras, fica apto para fazer prodígios! Todas
estas mensagens brilharão e farão milhares e milhares de apóstolos!”
COROA / ROSÁRIO DE NOSSA SENHORA DAS
LÁGRIMAS
A Coroa
(ou Rosário) que a Mãe de Deus entregou à Irmã Amália tinha 49 contas brancas,
divididas em grupos de 7, por sete contas igualmente brancas. É, portanto,
semelhante à Coroa das Dores de Maria, embora de cor diferente. Tinha ainda
mais três contas finais e uma medalha com a imagem de Nossa Senhora das
Lágrimas – de um lado – e a imagem de Jesus Manietado – de outro lado. A
medalha é uma parte essencial desta Coroa, devendo ser exatamente como aquela
que a Mãe de Deus mostrou à Irmã Amália, em Campinas, a 8 de abril de 1930.
“Minha filha, o que os homens me
pedem pelas lágrimas de minha Mãe, Eu amorosamente concedo.”
Jesus Manietado (Campinas, 08-11-1929): “Esta é a
Coroa de minhas Lágrimas.”
“Por meio desta Coroa o demônio
será derrotado e o poder do inferno destruído.”
Nossa Senhora das
Lágrimas (Campinas, 08-03-1930)
Oração inicial:
Eis-nos aqui aos Vossos pés, ó
dulcíssimo Jesus Crucificado, para vos oferecermos as lágrimas d’Aquela que,
com tanto amor, vos acompanhou no caminho doloroso do Calvário. Fazei, ó bom
Mestre, que nós saibamos aproveitar da lição que elas nos dão, para que, na
Terra, realizando a Vossa Santíssima Vontade, possamos um dia, no Céu, vos
louvar por toda a eternidade.
Nas contas brancas (que separam os grupos de 7):
Vede, ó Jesus, que são as
lágrimas d’Aquela que mais vos amou na Terra, e que mais vos ama no Céu.
Nas contas brancas (grupos de 7):
Meu Jesus, ouvi os nossos rogos,
pelas Lágrimas de vossa Mãe Santíssima.
No fim, repete-se três vezes, nas três contas brancas finais:
Vede, ó Jesus, que são as
lágrimas d’Aquela que mais vos amou na Terra, e que mais vos ama no Céu.
Oração final:
Virgem Santíssima e Mãe das
Dores, nós Vos pedimos que junteis os vossos rogos aos nossos, a fim de que
Jesus, vosso Divino Filho, a quem nos dirigimos em nome das vossas lágrimas de
Mãe, ouça as nossas preces e nos conceda, com as graças que desejamos, a coroa
da vida eterna. Amém.
Jaculatórias finais (para rezar contemplando e beijando a
medalha):
– Por Vossa mansidão divina, ó
Jesus Manietado, salvai o mundo do erro que o ameaça!
– Ó Virgem Dolorosíssima, as
Vossas Lágrimas derrubaram o império infernal!
Terço (ou Coroa) de Nossa Senhora das Lágrimas
Promessas:
Conversão dos espíritas.
“A oração da Coroa das Lágrimas
servirá para conversão de uma parcela importante da Igreja que vai aderir a uma
heresia muito grave. A Coroa das Lágrimas tem eficácia de exorcismo e poder
contra as hostes infernais.”
A
aparição sofreu vários embargos, mas um fato muito relevante foi quando o
Vaticano embargou as aparições, logo no começo dos estudos, o demônio, em certa
noite rasgou um dos livros dos relatos das aparições, Irmã Amália apanhava do
demônio, mas este não suportava a presença da Madre Villac, Santa madre! Que
afugentava Satanás!
Bendito
Dom Barreto, que derramou esta devoção pelo mundo! Se a temos hoje, devemos a
este Santo homem, que mandou cunhar medalhas e traduziu as orações para mais de
8 países! Padre Estevão Maria, confessor de Dom Barreto, foi um veículo extraordinário
neste caminho também, este homem levou Dom Barreto à venerável Teresa Neumann,
estigmatizada. Para conhecimento de todos, os Médiuns espíritas não se
comunicam com espíritos de entes falecidos, mas sim com demônios, que se fazem
passar por eles. E Deus pediu para não praticar necromancia.
260
. 4 - Aparição de Nossa Senhora e Jesus à Beata Alexandrina Maria da Costa - Balazar
- Portugal
Alexandrina
de Balazar (Gresufes, Balazar, 30 de Março de 1905 – Calvário, Balazar, 13 de
Outubro de 1955), nascida Alexandrina Maria da Costa, foi uma reconhecida
mística católica portuguesa com fama de santidade, membro da Associação dos
Salesianos Cooperadores, mais conhecida por ter influenciado o Papa Pio XII a
efetuar a Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria. Foi declarada
beata pelo Papa João Paulo II a 25 de Abril de 2004. Nascida a 30 de março de
1904 no lugar de Gresufes, em pleno meio católico e rural de Balazar, para
frequentar a escola primária. Alexandrina mudou-se em 1911 para o meio urbano
da Póvoa de Varzim, onde viveu na pensão de um marceneiro, na Rua da Junqueira.
Ao fim de dezoito meses, regressou à freguesia natal, para o lugar do Calvário,
freguesia esta de Santa Eulália de Balazar, onde, desde o tempo da sua quarta
avó materna Tereza Maria da Costa Carneira — bisneta do Morgado da Santíssima Trindade,
Pedro Carneiro da Gram —, é a terra onde viveu toda a sua família.
Começou
a trabalhar cedo na lavoura, como era usual na época. Era uma menina vigorosa,
a ponto de afirmar na sua Autobiografia que a equiparavam aos homens no que diz
respeito ao rendimento do trabalho. Aos 12 anos adoeceu, provavelmente de febre
tifóide, ficando a sua saúde, a partir desse momento, comprometida. Com 14
anos, no dia de Sábado de Aleluia (antes da Páscoa) de 1918, estando a
trabalhar em costura com a sua irmã Deolinda e outra menina, deu um salto do
quarto onde estava para se defender de agressores que invadiram a casa, numa
atitude semelhante à de Santa Maria Goretti que morreu em defesa da sua
virgindade. Até os seus 19 anos ainda se conseguia movimentar sofrivelmente.
Contudo, a paralisia foi-se agravando até 14 de abril de 1925, data em que
ficou, definitivamente, de cama, durante trinta anos. A sua intenção inicial
era tornar-se missionária e, por isso, orava à Santíssima Virgem Maria para que
ficasse curada. Em 1928, chegou à conclusão de que a sua vocação era
compartilhar misticamente o sofrimento de Cristo, oferecendo-se então como
vítima pelos pecadores.
De 3 de
outubro de 1938 a 24 de março de 1942, todas as sextas-feiras, alegou viver os
sofrimentos da Paixão de Cristo: superando a paralisia, descia da cama e, dando
mostras de sofrimento físico, repetia, por três horas e meia, as etapas da Via
Sacra. Existe um registo filmado de um destes êxtases e um circunstanciado
relato de um outro, publicado pelo Padre José Alves Terças nas páginas de A
Paixão Dolorosa (este escrito, ilustrado com alguns desenhos, pôs pela primeira
vez a Alexandrina nas bocas do mundo, para grande mágoa sua).
O padre jesuíta
Mariano Pinho, seu diretor espiritual de 1933 a 1942, exortou-a a ditar as suas
vivências místicas. A sua obra escrita (autobiografia, cartas, diário) enche
cerca de 5000 páginas. Em 1936, por intermédio do mesmo diretor, fez vários
pedidos à Santa Sé no sentido de que fosse realizada a Consagração do mundo ao
Imaculado Coração de Maria, o que fez despertar o interesse do Vaticano pelo
seu caso (houve, mesmo, contatos com o Arcebispo de Braga). A 31 de outubro de
1942, o Papa Pio XII satisfez esse desejo, numa mensagem transmitida a partir
do Santuário de Fátima (celebravam-se os 25 anos das aparições de Nossa
Senhora), repetindo-se este ato na Basílica de São Pedro, no Vaticano, no dia 8
de dezembro do mesmo ano.
A partir
27 de março de 1942 deixou de se alimentar nos seguintes 13 anos de vida,
vivendo exclusivamente da comunhão diária. Para verificar a inédia, em 1943,
foi internada no Refúgio de Paralisia Infantil, na Foz do Douro. Foi aí
submetida à vigilância de um grupo de médicos, dirigidos pelo Doutor Henrique
Gomes de Araújo, membro da Sociedade Portuguesa de Química e da Real Academia
de Medicina de Madrid, por um período de 40 dias. No final, asseguraram que era
"absolutamente certo" que durante aquele tempo não tinha comido,
bebido, defecado ou urinado. Alexandrina Maria da Costa foi membro notável da
Associação dos Salesianos Cooperadores. Sobretudo nos anos finais da sua vida,
começou a desenvolver-se em torno de Alexandrina um fenômeno de popularidade,
que levou muita gente em peregrinação até ao seu leito em busca de
aconselhamento espiritual. Faleceu no lugar do Calvário, da mesma freguesia de
Balazar, em 13 de outubro de 1955. Nas suas aparições e revelações à Beata
Alexandrina de Balazar, Jesus apresentou-lhe duas grandes e prodigiosas
promessas:
Minha filha, minha esposa
querida, faz com que Eu seja amado, consolado e reparado na minha Eucaristia.
Diz, em meu nome, que todos aqueles que comungarem bem, com sinceridade e
humildade, fervor e amor em seis primeiras quintas-feiras seguidas e junto do meu
sacrário passarem uma hora de adoração e íntima união Comigo, lhes prometo o
Céu. É para honrarem pela Eucaristia as minhas Santas Chagas, honrando primeiro
a do meu sagrado ombro tão pouco lembrada. Quem isto fizer, quem às Santas
Chagas juntar as dores da minha bendita Mãe e em nome delas nos pedir graças,
quer espirituais, quer corporais, Eu lhas prometo, a não ser que sejam de
prejuízo à sua alma. No momento da morte trarei comigo minha Mãe Santíssima
para defendê-lo.
Prometo-te — confia — que depois
da tua morte todas as almas que visitarem o teu túmulo serão salvas, a não ser
que o visitem para prevalecer no pecado, abusando da grande graça que por ti
lhes dei. Para todas as que visitarem o teu túmulo se salvarem, necessitam
doutras graças, que não são precisas às que o teu leito visitarem, mas por ti
lhes serão dadas.
Os seus
devotos consideram-na como uma das maiores figuras místicas de toda a história
da Igreja, equiparando-a a Santa Teresa de Ávila, Santa Catarina de Siena,
Santa Faustina Kowalska, Beata Maria do Divino Coração Droste zu Vischering,
Beata Anna Catarina Emmerich, entre algumas outras. A divulgação da sua vida
iniciou-se em Balazar, mas atingiu larga escala a partir do Norte de Itália,
onde trabalhou o Padre Humberto Pasquale, e da organização irlandesa
«Alexandrina Society», cujo boletim é, ainda hoje, publicado para vários países
de todos os continentes. Em Balazar publicou-se um boletim durante duas décadas
e meia. Hoje, a sua divulgação faz-se em larga medida pela Internet. A
beatificação de Alexandrina Maria da Costa assentou numa cura ocorrida em
Estrasburgo com uma emigrante oriunda da freguesia de Esmeriz, Vila Nova de
Famalicão; esta cura foi declarada inexplicável à luz dos atuais conhecimentos
da medicina. O Doutor Manuel Augusto Dias de Azevedo, seu médico assistente
desde janeiro de 1941, até à morte de Alexandrina, foi também um dos seus mais
ativos defensores e o criador e redator do boletim que se publicou em Balazar.
260
. 5 - Aparição da Virgem do Coração de Ouro – Beauraing - Bélgica
Aparições
e mensagens de Nossa Senhora em Beauraing foram reconhecidas pela Igreja em
1949. Beauraing pronuncia-se “bôrran” e é um pequeno povoado da Bélgica. Nossa
Senhora apareceu 33 vezes em Beauraing. Na maioria dessas aparições, ela não
disse nada, apenas sorria para os videntes em frente à escola. Todas as
mensagens de Nossa Senhora em Beauraing foram apenas pequenas frases, mas muito
significativas. Veja como foram todas as aparições de Beauraing:
1ª aparição, 29 de novembro de
1932: Ao anoitecer deste dia, pelas 18h30min, Fernande Voisin, 15 anos e seu
irmão Albert de 11 anos, foram buscar sua irmã Gilberte, 13 anos, na escola das
Irmãs da Doutrina de Cristo. Eles estavam com as amigas Andrée Degeimbre, 14
anos, e sua irmã Gilberte de 9 anos. Em frente esta escola, havia uma ponte e
um jardim com algumas árvores. Ventava e fazia muito frio. As crianças tocaram
a campainha e esperaram a irmã buscar Gilbert. Enquanto isso, Albert vê Nossa
Senhora no jardim, pairando no ar perto da ponte. Ele conta para as meninas e
elas pensam que é brincadeira. Como o menino não para de olhar, elas também
olham e veem a aparição. Assustadas, as crianças batem com força na porta da
escola chamando por socorro. A irmã Valérie chega para ver. As crianças lhe
mostram onde está Nossa Senhora, mas a irmã não vê nada e diz que é uma
besteira. Mas Gilberte Voisin chega e também vê a aparição. Todos voltam para
casa preocupados e contam o ocorrido aos familiares. Eles não acreditam e dizem
que é uma bobagem. As crianças ficam tristes, choram e rezam.
2ª
aparição, 30 de novembro de 1932: As crianças voltaram na mesma hora à escola
para buscar Gilbert e Nossa Senhora apareceu por alguns instantes sobre um
espinheiro sem dizer nada, apenas sorria. Ela era uma linda moça de uns 20
anos. Tinha a pele e lábios rosados, sobrancelhas pretas. Usava um vestido
branco com tons azulados e um longo véu branco na cabeça. Ela tinha as mãos
postas e os olhos azuis. Raios finos e dourados saíam de sua cabeça formando
uma coroa.
3ª, 4ª,
5ª e 6ª aparição, 1º de dezembro de 1932: Nossa Senhora aparece novamente acima
da ponte. Desaparece e reaparece no arbusto de azevinho. Ela desaparece e
reaparece de novo debaixo da árvore de espinheiro. Ela sorriu para as crianças,
mas não disse nada.
7ª
aparição, 2 de dezembro de 1932: As crianças perguntam: "A Senhora é a
Virgem Imaculada?” Ela acena afirmativamente com a cabeça. As crianças
perguntam também: "O que a Senhora quer de nós?" A Senhora responde: "Sejam
sempre bons." As
crianças respondem humildemente: "Sim, nós seremos sempre bons."
8ª
aparição, 2 de dezembro de 1932: Mais tarde desta mesma noite, pelas nove
horas, as crianças voltam. A Senhora aparece e é ela quem pergunta: "Vocês
serão sempre bons?" As
crianças respondem: "Sim, nós sempre seremos." A palavra que Nossa
Senhora usou em francês na ocasião foi “sages”, que significa “sábios”, mas
corresponde ao nosso “bons”.
9ª aparição, 4 de dezembro de 1932:
Nossa Senhora aparece com as mãos cruzadas, olha para o céu ou olha para as
crianças. As multidões começam a ir a Beauraing para as aparições. Os pais
ficam muito preocupados, e pressionam as crianças severamente e elas choram.
10ª
aparição, 4 de dezembro de 1932: As crianças pedem: "Se você é a Virgem
Maria, pedimos que cure o nosso pequeno amigo, Joseph, e o tio de Andree."
Mas Nossa Senhora não responde. As crianças perguntam: "Que dia a Senhora
voltará?" Ela responde: "No dia da Imaculada Conceição.” Perguntam: "Devemos construir
uma capela?" Ela diz: "Sim.”
11ª
aparição, 5 de dezembro de 1932: As crianças pedem para a Senhora fazer um
milagre à luz do dia, mas ela não responde. Perguntam quando devem voltar. Ela
responde: “À noite.”
12ª
aparição, 5 de dezembro de 1932: A Senhora apareceu novamente à noite com as
mãos entrelaçadas e olhava para o céu. De repente, abriu os braços. É pequena,
bonita e jovem. Sua voz é suave, não segura um Terço e as crianças não veem o
cabelo dela.
13ª
aparição, 6 de dezembro de 1932: Nossa Senhora segurava um Terço pela primeira
vez. As crianças eram interrogadas o dia todo. Todos os que falaram com elas,
acharam-nas muito simples e sinceras.
14ª
aparição, 6 de dezembro de 1932: Nossa Senhora voltou apenas para dizer: "Venham
no dia da Imaculada Conceição.”
15ª
aparição, 7 de dezembro de 1932: A Virgem apenas olhou para o céu. As multidões
continuam vindo em número cada vez maior.
16ª
aparição, 8 de dezembro de 1932: Nesse dia da Imaculada Conceição, Nossa
Senhora estava linda. Não disse nada, mas estava mais brilhante do que nos
outros dias, segundo as crianças. Uma multidão enorme de pessoas estava
presente.
17ª
aparição, 13 de dezembro de 1932: Nossa Senhora voltou a aparecer para as crianças,
pressionadas o dia inteiro por interrogatórios, mas não disse nada.
18ª
aparição, 14 de dezembro de 1932: Nossa Senhora apenas sorriu para seus
humildes videntes e os olhava com seus belos olhos azuis, cheios de bondade.
Ela não voltou nos dois dias seguintes, apesar do povo que deseja sua aparição.
19ª
aparição, 17 de dezembro de 1932: As crianças perguntam: "Em nome do
clero, o que podemos fazer por você?" A linda moça responde: "Uma
capela.” Nossa Senhora
não apareceu no dia seguinte.
20ª
aparição, 19 de dezembro de 1932: As crianças contam: "Ela não tem cinto,
mas reflexos azuis. Ela permaneceu em silêncio, sorrindo, olhando agora para o
céu, agora para nós. Somos forçados a cair de joelhos.”
21ª aparição, 20 de dezembro de
1932: Nossa Senhora volta novamente alegre e sorridente. O povo espera alguma
mensagem, mas ela não disse nada nessa noite. Ela aparece e desaparece
abruptamente, como luz elétrica, na descrição infantil dos videntes.
22ª
aparição, 21 de dezembro de 1932: Os videntes perguntam: "Diga-nos quem
você é, diga-nos o seu nome?" Ela responde: "Eu sou a Virgem
Imaculada.”
23ª
aparição, 22 de dezembro de 1932: Nossa Senhora veio silenciosa. Tem as mãos
entrelaçadas e abre os braços antes de desaparecer. Veio usando um Terço no
braço e sorriu para todos.
24ª
aparição, 23 de dezembro de 1932: As crianças perguntam: "Por que aparece
aqui em Beauraing?" Ela responde: "Para que venham aqui em
peregrinação.” "Se
você é a Virgem Imaculada, podemos esperar algo em breve? Você vai nos dar um
sinal?" Nossa Senhora não responde.
25ª
aparição, 24 de dezembro de 1932: Aparição sem mensagem. Muitas pessoas estão
presentes na cidade durante todo o dia. O povo esperava alguma mensagem
espetacular, mas Nossa Senhora não voltou nos dois dias seguintes.
26ª
aparição, 27 de dezembro de 1932: Muitas pessoas não entendem a maneira das
aparições. E Nossa Senhora voltou nesse dia sem explicar nada nem porquê.
27ª
aparição, 28 de dezembro de 1932: Nossa Senhora avisou para as crianças: "Em
breve será a minha última aparição. Em breve será a última vez que eu
venho."
28ª
aparição, 29 de dezembro de 1932: As crianças contam ao povo: "Há algo de
novo. Quando ela abriu os braços, no peito onde normalmente tem as mãos juntas,
havia um Coração de ouro, brilhante e cercado por pequenos raios.” Ela voltará
a vir com seu Coração dourado nos dias seguintes.
29ª
aparição, 30 de dezembro de 1932: Nossa Senhora deu a pequena mensagem: “Rezem,
rezem muito.”
30ª
aparição, 31 de dezembro de 1932: A Senhora não diz nada.
31ª
aparição, 1º de janeiro de 1933: Nossa Senhora disse: “Rezem
sempre.”
32ª
aparição, 2 de janeiro de 1933: A Senhora avisa: "Amanhã, eu vou dizer
uma coisa para cada um de vocês individualmente."
33ª e
última aparição, 3 de janeiro de 1933: Nossa Senhora contou um segredo a
Albert, Gilbert Degeimbre e a Gilberte Voisin. Depois diz a Gilberte: "Vou
converter os pecadores." Ela diz a Fernande Voisin: “Você ama o meu Filho? Você me
ama? Sacrifique-se por mim." E se despede de todos dizendo: “Eu sou a Mãe de Deus, a Rainha
dos Céus. Rezem sempre. Adeus.”
260
. 6 - Aparição de Nossa Senhora dos pobres – Banneux - Bélgica
A aldeia
de Banneux, na Bélgica, encontra-se a 25 km da cidade de Lieja. O local não
possui nenhuma atração turística. Na rodovia que vai de Louveigné a Pepinster,
a um quilômetro da igreja paroquial, encontra-se uma modesta casa de operários
onde vive a família Becó. Úmido e pantanoso, o lugar é conhecido como "La
Fange". Diante da casa há uma pequena horta. Em 1933, a família compunha-se
dos pais e doze filhos, a mais velha, Mariazinha (Mariette Beco), nascera a 25
de março de 1921. A família de Mariette não praticava a religião, sendo seus
membros católicos apenas de nome. Nesse
ambiente, que não era hostil à religião mas vivia num clima de indiferentismo
religioso, a vidente fizera a primeira comunhão e por vezes rezava, antes de
dormir, algumas orações num Rosário que havia encontrado por acaso.
Na noite
de 15 de janeiro de 1933, Mariette, enquanto cuidava de um irmãozinho, olhava
pela janela à espera de outro irmão. Viu ela então, através da janela, uma
senhora no jardim da casa. Pensando tratar-se de um reflexo da lâmpada no vidro
sobre a mesa, moveu-o do lugar onde estava. Apesar disso, a visão persistia. Sentindo
medo, chamou a mãe, dizendo que havia uma senhora no jardim da residência. A
mãe ordenou-lhe que se calasse. Mariette insistiu: “Mamãe, parece que é a
Virgem”. A mãe não acreditou mas ficou preocupada, porque a menina não falava
de coisas religiosas. Acercou-se então da janela e nada percebeu. A criança
exclamou: “Mamãe, é a Virgem, Ela está sorrindo”. A mãe retrucou: “É uma
bruxa”. Mariette continuou vendo a Santíssima Virgem, que lhe fez um gesto para
ir até o jardim. Mas a mãe não a deixou sair e trancou a porta. Quando Mariette
retornou à janela, Nossa Senhora havia desaparecido. Assim terminou a primeira
aparição. À noite, ao comentar o episódio em casa, ninguém acreditou na menina.
No dia seguinte, Mariette contou o fato à sua melhor amiga, que também não
acreditou mas aconselhou-a a narrar tudo ao pároco. Este pensou que o fato
fosse consequência das recentes aparições em Beauraing, e, sem negar o
ocorrido, aconselhou prudência. Entretanto, dias depois, o Sacerdote ficou
deveras surpreso com a volta de Mariette ao catecismo, após três meses de
ausência. Mais ainda, Mariette, anteriormente a menos interessada nas aulas,
agora respondia bem às perguntas e interessava-se muito pela religião. O Sacerdote,
de modo prudente, chamou discretamente a menina e pediu-lhe para repetir o que
tinha visto. Sem parecer dar importância ao acontecido, deu-lhe conselhos e
mandou um relatório ao bispo.
No dia
18 de janeiro, Nossa Senhora voltou a aparecer. Era noite e fazia muito frio,
12 graus abaixo de zero. Mariette, vendo novamente a Virgem, venceu o medo e a
escuridão, saiu da casa e dirigiu-se ao jardim. Ajoelhou-se e ficou rezando
aproximadamente 20 minutos em silêncio e olhando a Virgem. O pai foi atrás da
filha, procurando falar com ela. Mas esta parecia não o ouvir. Então foi chamar
o Sacerdote do local e, como não o encontrou, deixou-lhe um recado. Voltou à
casa e viu sua filha caminhando, como que seguindo Nossa Senhora, que a
conduzia até uma pequena fonte. A Virgem ordenou-lhe então colocar as mãos na
água. Quando a menina obedeceu, Nossa Senhora disse: “Esta
fonte me está reservada. Até logo, boa noite”. E desapareceu por cima dos pinheiros. Tendo recebido
o recado, o Sacerdote, Pe. Luiz Jamin, foi à casa da família Beco. Estava
surpreso, pois sabia que essa família não praticava a religião. Ao chegar,
Mariette já se encontrava dormindo. O pai relatou o acontecimento ao Sacerdote
e, ao terminar, pediu para confessar-se e comungar no dia seguinte. E de fato
ele, que não comungava desde sua primeira comunhão, voltou à prática da
religião.
No dia seguinte, quinta-feira, 19 de janeiro, Mariette
novamente viu a Santíssima Virgem. O pai, que nesse momento acompanhava a
filha, nada percebeu. Mariette fez uma pergunta, usando uma graciosa fórmula:
“Quem a senhora é, minha bela dama?”
“Sou a Virgem dos pobres”, respondeu a aparição.
A menina
indagou por que a fonte estava reservada a Ela. A Mãe de Deus explicou que a
fonte estava reservada para os enfermos de todas as nações. Em oito posteriores
aparições, Nossa Senhora afirmou que Ela era a Mãe do Salvador e pediu para se
rezar muito. Revelou um segredo a Mariette, que esta não contou. No local das
aparições foi erigida uma capela, conforme o pedido da Virgem, sendo até hoje
local de contínuas peregrinações.
O
aspecto que mais chamou a atenção nessas aparições foram as conversões que elas
ocasionaram. Não foram milagres físicos, mas sim milagres espirituais. Pessoas
que haviam abandonado a Religião Católica voltaram a praticá-la. A família Beco
voltou à prática da religião, e com isso passou a desfrutar de todos os
benefícios espirituais. Nossa Senhora apareceu e disse poucas palavras, mas sua
presença despertou na vidente e em muitas almas o interesse e a alegria pelas coisas
do Céu. Em 1949 o Bispo de Lieja, Dom Kerkhofs, reconhece oficialmente a
verdade das aparições de Banneux, onde se constrói um Santuário muito frequentado
não somente por fiéis belgas como de outros países da Europa. Inúmeros templos
surgiram depois em diferentes partes em honra da "Virgem dos Pobres".
250
. 7 - Aparição da Virgem Maria no Sítio Guarda - Pesqueira/PE
O Sítio
Guarda está localizado na Vila de Cimbres, no município de Pesqueira/PE. No dia
6 de agosto de 1936, duas meninas foram ao roçado a fim de colher mamonas para
vender. Uma chama-se Maria da Luz e a outra Maria da Conceição. Maria da Luz
tinha 13 anos de idade. Maria da Conceição tinha 16 anos e, naquele momento,
estava morando na Casa dos pais de Maria da Luz. Maria da Luz seguiu a vida religiosa,
passando a se chamar Irmã Adélia.
A
seguir, transcrevo depoimentos retirados do Diário de Irmã Adélia e publicados
no livro “O Encontro: Nossa Senhora e Irmã Adélia", da autoria de Auta
Maria Monteiro de Carvalho: "Eu desci com minha companheira (Maria da
Conceição, uma moça pobre, que, aos 16 anos, agregou-se à família de irmã
Adélia) para colher mamona. Lá eu me lembrei dos cangaceiros de Lampião, que
tinham atacado seu Rogério, que era amigo do meu pai. Então, a gente teve medo.
Aí, a gente subiu na pedra, que ficava entre dois coqueiros. Ficamos lá sem
saber o que fazer. Muito assustada, perguntei a Maria da Conceição o que faria
se agora mesmo Lampião chegasse aqui, e ela rapidamente respondeu: ‘Nossa Senhora
nos protegerá, dará um jeito para aquele malvado não nos ofender’. De repente,
começou a chover e um relâmpago rasgou o céu, aparecendo no alto do monte uma
grande luz, e um enorme clarão, uma imagem em forma de mulher com uma criança
nos braços. Ela acenava para nós, que apesar do medo e não entendendo o que
estava acontecendo, entramos em êxtase e corajosamente deixamos tudo para trás
e fomos para o alto do monte. Passamos por espinhos, xique-xique, não nos
arranhamos nem rasgamos nossas roupas, fomos ao encontro dela. Ela era muito
bela, ficamos transtornadas, com essa sensação desconhecida. Ficamos um pouco
no monte com ela, depois voltamos para casa, não tínhamos palavras, tentamos
contar tudo para mamãe, mas a emoção era muita e não conseguíamos completar as
falas. Minha mãe logo disse que podia ser engano.
Então
papai chegou do roçado. Papai nos ouviu pacientemente, mas ficou preocupado.
Com medo que fosse ronda dos cangaceiros, chamou três trabalhadores, Zé
Nazário, Zé Alexandre e outro, pegaram as foices e foram subindo o monte,
abrindo as veredas, tirando as macambiras e coroas de frade, e fomos subindo. O
monte tinha mais ou menos cerca de 600 metros de altura. Subimos rápido,
querendo logo vê-la, mas eles subiam devagar, tiveram muita dificuldade para
alcançar o cume da montanha. Mostrávamos, apontávamos onde ela estava,
descrevíamos o lugar, mas eles não conseguiam ver. Eles nem viam a mulher e nem
ninguém. Ficávamos angustiadas, cansamos de mostrar onde ela estava. De repente
ouvimos um barulho, todos ficaram preocupados, uma grande pedra começou a rolar
lá de cima do monte vindo em nossa direção. Papai ficou extasiado, acreditou
mesmo sem ver nada, sentiu que tinha alguma coisa extraordinária ali, pois não
era possível uma pedra daquele tamanho passar por cima de todos e não atingir
ninguém. Pensou que pudesse ser um milagre.
Então papai pediu para que eu perguntasse quem era a dama.
Eu perguntei:
— Quem é você?
— EU SOU A
GRAÇA.
— E o que quer aqui?
— Vim para avisar que hão de vir
três castigos mandados por Deus. Diga ao povo que reze e faça penitência.
Nós, eu e Maria da Conceição, continuamos a ir ao monte todos
os dias para ver a Senhora, conversávamos com ela e rezávamos. Pedimos à Santa
que desse um sinal da sua presença visível ao povo, para que eles pudessem
crer. E ela nos prometeu:
— Vou fazer aparecer água no pé
desta pedra.
Mas nesse dia não aconteceu. Voltamos para casa chorando. O
povo não teve dó, falou que estávamos mentindo.
10 de agosto de 1936
Bem cedo fomos ao monte, e lá estava Nossa Senhora à nossa
espera, apontando para um lugar específico bem a sua frente, indicava uma pedra
sem rachadura, onde havia uma grande cavidade. E ela me pediu para cavar com as
mãos, retirei a terra, de onde logo escorreu água abaixo. Curiosa, perguntei
para que servia esta água, e ela respondeu: — Para curar doenças.
Saímos correndo para casa para avisar a mamãe o que estava
acontecendo, então toda a minha família e mais outras pessoas subiram o monte e
todos verificaram a presença da água e no lugar também vimos dois rastros
encravados na pedra, rocha dura, sendo um de mulher e outro de criança. Então
perguntamos de que se tratava os rastros e ela disse: — Um dos
rastros é meu e o outro é do meu filho."
A
intervenção da Igreja Católica: Irmã Adélia segue com seus depoimentos. Padre
Kehrle formulou umas perguntas e pediu que eu e Maria da Conceição fôssemos até
o monte questionar Nossa Senhora. Em carta comuniquei ao Padre que fomos ao
local, fizemos as perguntas e fomos intercedidas pela imagem que nos respondia:
— Quem pode mais que Deus?
Resposta: Ninguém
— Quantas pessoas há em Deus?
Resposta: Três.
— Quais são estas pessoas?
Resposta: Pai, Filho e Espírito Santo.
— Em nome de Deus dizei quem sois e que quereis.
Resposta: Sou a
Mãe da graça e venho avisar ao povo que se aproximam três grandes castigos.
— Que significa o sangue que jorra da vossa mão?
Resposta: Representa
o sangue que será derramado no Brasil.
— Quereis falar com um padre?
Resposta: Sim.
— Com qual padre quer falar?
Resposta: Com
aquele que escreveu as perguntas.
Primeira
visita de Padre Kehrle ao monte. Padre Kehrle fez umas oitenta ou noventa
perguntas em alemão e latim, línguas que as meninas não compreendiam, e recebeu
todas as respostas certas. O Padre recebia as respostas por intermédio das
meninas, em português, fielmente conforme ele perguntava em alemão e latim,
como:
— “Wer bist du?” (Quem é você?)
— “A Mãe do Céu”.
— “Wie heisst das Kind auf deinem Arm?” (Como se chama a
criança em seu braço?)
— Jesus.
— Qual a finalidade de sua estada aqui?
— Foi Jesus quem mandou.
— Por que apareceis aqui?
— Para avisar ao povo que três
grandes castigos cairão sobre o Brasil.
— Quais são os castigos?
Não respondeu, fazendo sinal com a mão para fazer entender,
ou que não podia falar, ou que não queria.
— Estas coisas acontecerão logo?
— Não.
— Ainda este ano?
— Não.
— Acontecerão no ano vindouro?
Deu com a mão como se não quisesse ou não pudesse dizer. Irmã
Adélia (Maria da Luz)
— O comunismo virá ao Brasil?
— Sim.
— Também virá ao Sertão?
— Não.
— Virá a Pesqueira?
— Não.
— Virá às capitais?
— Sim.
— Virá a todas as capitais?
— Sim.
— Os padres e os Bispos vão sofrer muito?
— Sim.
— Será como na Espanha?
— Quase.
— Que devemos fazer para afastar estes castigos?
— Fazer penitência e oração.
– Quais são as devoções que se devem praticar para afastar
estes males?
– Ao coração de Jesus e a mim.
– Não basta só uma?
– Não.
— Por que não dais um sinal visível, para que o mundo possa
ver que sois a Mãe de Deus?
— Já o dei.
— Qual é o sinal?
— A água que está correndo em
baixo.
— Para que serve esta água?
— Para remédio.
— Para todas as doenças?
— Sim, mas para quem tem fé.
— Todo mundo pode tomar dessa água?
— Sim.
– Quem quiser pode tirar daquela água?
– Não, só as duas meninas.
— Quer que se pregue sobre esse assunto?
— Sim.
— Aqui será um lugar de devoção?
— Sim.
– Quereis que se construa uma igreja aqui?
– Não.
— A perseguição à Igreja será grande?
— Sim.
— Como posso pregar esta Aparição sem ordem das autoridades Eclesiásticas?
— Mais tarde eles permitirão.
— Quer que eu diga isso ao Bispo?
— Sim.
— Por que apareceis neste lugar, cuja subida é tão difícil?
— Para o povo romeiro poder fazer
penitência.
— Quanto tempo faz que estais aqui?
Fez um gesto com o dedo, com se quisesse dizer: “há muito
tempo”.
— Se sois a Mãe de Deus, então dai-nos vossa benção.
Instantaneamente as duas videntes exclamam: “Olha lá!!! Está
nos abençoando”, e fizeram o sinal da cruz.
— Se sois a Mãe de Deus e a criança é o Menino Jesus, manda
que Ele nos dê a benção.
Neste
momento, as duas pobres camponesas, admiradas e transportadas de júbilo,
exclamaram: “Ele já sabe dar a benção também!” Fizeram mais uma vez o sinal da
cruz. Uma das meninas exclamou ainda: “Agora vimos a outra mãozinha do menino.
Até agora ela estava enlaçada ao pescoço da Mamãe. Ele estende para o senhor os
dois bracinhos.” Diversas perguntas foram feitas em torno do motivo da Aparição
e do desejo de Nossa Senhora. Ela sempre abençoando a todos e muito feliz pela
presença das meninas e do padre, sempre recomendava muita oração e penitência.
INÍCIO
DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL-1939
261º
- Pio XII - 1939 - 1958
Pio XII,
nascido Eugenio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli; (Roma, 2 de março de 1876 –
Castelgandolfo, 9 de outubro de 1958), foi Papa da Igreja Católica e Chefe de
Estado da Cidade Estado do Vaticano de 2 de março de 1939 até a sua morte em
1958. Foi o único Papa do século XX a exercer o Magistério Extraordinário da
Infalibilidade Papal - invocado por Pio IX - quando definiu o dogma da Assunção
de Maria em 1950, na sua encíclica Munificentissimus Deus. Em 27/07/1947 Santa
Catarina Labouré é canonizada. Durante a Primeira Guerra Mundial, Pacelli
assume a responsabilidade de promover a política Papal durante o conflito.
Tenta, especialmente, evitar a entrada da Itália na guerra, mas não obtém
êxito. Ainda durante o conflito, é nomeado, em 1917, como Núncio Apostólico na
Baviera e Arcebispo de Sardes. É responsável por uma intensa atividade diplomática
da Igreja Católica. Após sua nunciatura na Alemanha, Pacelli foi nomeado Cardeal
no dia 16 de dezembro de 1922 pelo Papa Pio XI e tornou-se, no ano seguinte,
Secretário de Estado. Foi fiel colaborador do Papa Pio XI e condenou os
totalitarismos. Chegou a Cardeal Camerlengo em 1935 e viajou pela Europa e pela
América em missões diplomáticas. Ainda no mesmo ano de 1935, tornou-se membro
da Ordem Terceira de São Domingos, o que o fez receber o hábito de dominicano. Com
o falecimento do Papa Pio XI, teve início o conclave de 1939 para escolher o
novo soberano da Igreja Católica. No dia do aniversário de Pacelli, 2 de março,
ele foi eleito para assumir o cargo de Supremo Pontífice, adotando, então, o
nome de Papa Pio XII. Assumiu a liderança da Igreja em um momento crítico para
a humanidade, o ambiente era de extrema tensão e já se previa o início de um
novo confronto entre os países europeus. Não tardou para que, no mesmo ano,
começasse a Segunda Guerra Mundial. Com uma longa carreira diplomática,
procurou de todas as formas evitar o combate, porém sem sucesso. Passou os anos
do conflito tentando alcançar a paz e condenou a perseguição aos judeus. Quando
os nazistas invadiram Roma, abriu a Santa Sé para os refugiados e concedeu cidadania
a quase 1.500.000 de pessoas. O ativo posicionamento de Pio XII contra o que
acontecia na Europa fez com que Hitler ameaçasse raptá-lo. O líder nazista
tinha receio da influência e do poder do Papa e preocupou-se em garantir os
arquivos e os tesouros artísticos do Vaticano e transferir a Cúria para um
lugar neutro para que pudesse ter influência na eleição do novo Papa. Com todas
as adversidades, o Papa Pio XII superou a Segunda Guerra Mundial com um esforço
notório pela paz, muito embora seja alvo de polêmicas discussões. Depois do
conflito, condena a União Soviética pelos males contra povos do Leste Europeu e
contra a repressão religiosa. Foi também um crítico dos males da Guerra Fria e
rejeitou a doutrina do comunismo. O Papa Pio XII faleceu no dia 9 de outubro de
1958. Seu corpo foi embalsamado de maneira equivocada, o que ficou notório
durante seu velório, o odor e a decomposição aconteceram de forma intensa. Seus
restos mortais foram removidos secretamente no dia 12 de outubro para
finalmente receber um tratamento correto.
261
. 1 - Aparição de Jesus e Nossa Senhora à Maria Valtorta
Nesta continuação
da Bíblia não poderia faltar os livros de Maria Valtorta. Depois dos setenta e
três livros da Bíblia, “O Evangelho como me foi Revelado”, é a maior obra
literária do cristianismo. Esta Santa foi transportada sobrenaturalmente em
espírito ao passado de Jesus Cristo, vendo e ouvindo tudo o que se passava
naquele tempo em que Jesus andou na terra. Em 1942, quando estava paralisada há
oito anos, conheceu o Padre Romualdo M. Migliorini, frade servita, ex-missionário,
que chegou como Prior e Pároco a Viareggio, onde a família Valtorta havia se
estabelecido há muito tempo, após várias mudanças de residência. Escreveu sem
interrupção de 1943 a 1947, e intermitentemente nos anos seguintes, até 1951.
Utilizou os cadernos que o bom padre Migliorini continuou a lhe fornecer, nos
quais escrevia fluentemente de próprio punho, com caneta-tinteiro. Mesmo nas
fases agudas da doença e, por vezes, entre dores lancinantes, ela continuou a
escrever pessoalmente, nunca ditando, para não ser substituída nem no ato de escrever.
Ela mesma havia feito uma pasta que colocou sobre os joelhos, para servir de
apoio ao caderno. Mas, terminada a sua missão de escritora, começou a entrar
num estado de doce apatia, de misteriosa incomunicabilidade, que se acentuou
com o passar dos anos, como se fosse cada vez mais absorvida por uma
contemplação interior que, no entanto, não se alterava sua aparência externa.
Sem nunca se recuperar –exceto por alguns momentos de lucidez cheios de
significado–, terminou seus dias, na casa de Viareggio, no dia 12 de outubro de
1961. Repousa em Florença, numa capela do Grande Claustro do complexo monumental
da Santa Anunciação. Maria Valtorta escrevia de uma só vez, sem esboço
preparatório e sem refazer seus escritos, mais ou menos quinze mil páginas. Esta
notável produção literária é publicada, no original italiano, em quinze
volumes, além da Autobiografia. Deles, dez volumes contêm a obra principal e
cinco as obras menores. A maior obra é: O Evangelho como me foi Revelado. Em
seus dez volumes narra o nascimento e a infância de Maria e de seu filho Jesus,
os três anos de vida pública de Jesus, sua paixão, morte, ressurreição e
ascensão ao Céu, Pentecostes, o alvorecer da Igreja e a assunção de Maria.
Descreve paisagens, ambientes, pessoas e acontecimentos com o brio de uma
representação. Expõe alegrias e dramas com o sentimento de quem realmente
participa deles. Explica circunstâncias históricas, ritos, costumes,
características ambientais e culturais sagradas e profanas, com dados e
detalhes que especialistas imparciais consideram irrepreensíveis. Apesar de
nunca ter ido a Palestina, deu detalhes que somente quem lá reside poderia
saber. E, sobretudo, expõe, através da extensa narrativa da vida terrena de
Cristo, toda a doutrina do cristianismo que a Igreja Católica nos transmite.
O
Evangelho como me foi Revelado
Aqui estão apenas algumas passagens de
cada volume.
261.1
. 1 - VOLUME 1
1 – INTRODUÃO. DEUS QUER UM SEIO
SEM MÁCULA
Jesus diz:
“Hoje escreve apenas isto. A
pureza, na sua expressão máxima, tem um tal valor que torna o seio de uma
criatura capaz de conter o que não podia ser contido”. A Santíssima Trindade
desceu com a sua perfeição em um pequeno espaço, habitando-o com as suas Três
Pessoas, encerrando lá o seu Infinito, sem diminuir-se com isso, pois o amor da
Virgem e a vontade de Deus dilataram este espaço até transformá-lo num Céu. Eis
como essas características se manifestaram:
Assim como no sexto dia, o Pai recria a Criatura, tendo uma “filha”
digna e verdadeira, feita à sua perfeita semelhança.
A imagem de Deus estava estampada
em Maria de tal modo que só no Primogênito do Pai lhe era superior. Maria pode
ser chamada a “segundo-gênita” do Pai porque, pela perfeição que lhe foi dada e
sabida conservar, por dignidade de esposa e mãe de Deus e também de Rainha do
Céu, vem depois do Filho do Pai no seu eterno Pensamento, que “ab aeterno” nela
se compraz; o Filho, sendo também para ela “Filho” ensinando-a, por mistério de
graça, a sua verdade e sabedoria quando ainda não era mais que um embrião que
lhe crescia no ventre; o Espírito Santo, aparecendo entre os homens por uma
antecipada Pentecostes, por uma prolongada Pentecostes, Amor “naquela que
amou”, consolação dos homens, pelo fruto do seu ventre, santificação, pela
maternidade do Santo. Deus, para manifestar-se aos homens, da forma nova e
completa que inicia a era da Redenção, não escolheu para seu trono um astro do
céu, nem o palácio real de um poderoso. Não quis nem mesmo as asas dos anjos
como base para seus pés. Quis um seio sem mácula.
Eva também tinha sido criada sem
mancha. Mas espontaneamente quis corromper-se. Maria, tendo vivido num mundo
corrupto (Eva, ao
contrário, vivera num mundo puro) não quis prejudicar a sua inocência
nem mesmo com um pensamento voltado ao pecado. Sabia que o pecado existe. Viu
os vultos diversos e horríveis. Viu todos, até o mais horrendo vício: o
deicídio. Mas os conheceu para expiá-los e ser, eternamente, aquela que tem
piedade dos pecadores e ora por suas redenções. Este pensamento será introdução
a outras coisas santas que darei para teu conforto e de muitos outros”.
Pg. 11-12
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2 –
JOAQUIM E ANA FAZEM UM VOTO AO SENHOR
22 de agosto de 1944
Vejo o interior de uma casa. Nela está
sentada, junto a um tear, uma mulher de idade. Diria, ao vê-la com os cabelos
antes pretos, agora grisalhos, e no rosto não enrugado mas já cheio daquela seriedade
que vem com os anos, que ela possa ter entre cinquenta e cinquenta e cinco
anos. Não mais. Ao indicar estas idades femininas me baseio no rosto de minha
mãe, cuja imagem tenho mais que nunca presente nestes dias que me lembram os
seus últimos dias junto ao meu leito. Depois de ama nhã fará um ano que não a
vejo mais... Minha mãe tinha um rosto jovial, sob os cabelos precocemente
embranquecidos. Aos cinquenta anos eram brancos e pretos como no fim de sua
vida. Mas, exceto a maturidade do olhar, nada denunciava os seus anos. Por isso
poderia errar também ao dar às mulheres idosas um certo número de anos. Esta
que vejo tecer, em uma sala toda clara de luz, que penetra da porta escancarada
sobre um grande pomar - diria, um sitiozinho, porque se estende num sobe e
desce, até uma encosta verde - é bonita em seus traços decididamente hebreus.
Olhos negros e profundos que, não sei porquê, me lembram os de João Batista.
Mas este olhar sendo altivo como de uma rainha, é doce também. Como se sobre o
seu coruscar semelhante ao de uma águia fosse estendido um tênue véu azul. Doce
e apenas um pouco triste, como de quem pensa, e lamenta, as coisas perdidas. A
tez é morena, mas não excessivamente. A boca, levemente grande, é bem
desenhada, e está parada num gesto austero que porém não é duro. O nariz é
comprido e delicado, levemente inclinado para baixo. Um nariz aquilino que fica
bem com aqueles olhos. É robusta, mas não gorda. Bem proporcionada e creio que
alta, a julgar de como aparece sentada. Parece-me que está tecendo uma cortina
ou um tapete. As lançadeiras multicolores correm rápidas sobre a trama que é
marrom escuro, e o que já está feito mostra um vago entrelaçamento de galões e
rosáceas nos quais verde, amarelo, vermelho e azul profundo se cruzam e se fundem
como em um mosaico. A mulher está vestida com uma roupa muito simples e escura.
Um roxo-avermelhado que parece igual a alguns amores-perfeitos. Levanta-se ao
ouvir bater à porta. É alta realmente. Abre. Uma mulher lhe pede:
- Ana, queres dar-me a tua ânfora? Eu a
encherei para ti.
A mulher tem consigo um menininho
travesso de cinco anos que se pendura imediatamente nos vestidos da nominada
Ana, que o acaricia enquanto vai em um outro cômodo e retorna com uma bonita
ânfora de cobre, que oferece à mulher dizendo:
- Tu és sempre boa, com a velha Ana.
Deus te recompense por isto e pelos filhos que tens e terás, tu bem-aventurada!
Ana suspira. A mulher a olha e não sabe o que dizer por aquele suspiro; para
desviar a compaixão, que se compreende existe, diz:
- Eu te deixo Alfeu, se não te
aborreces, assim posso andar mais depressa e te encherei muitas moringas e
jarras. Alfeu está bem alegre de ficar, e explica-se o motivo. Tendo ido embora
a mãe, Ana o pega no colo e o leva ao pomar, o levanta até uma parreira de uvas
loiras como topázio e diz:
- Come, come, que são gostosas - e o
beija no rostinho sujo de suco de uva, que o menino arranca avidamente do
cacho. Depois ri com gosto, e parece imediatamente mais jovem por causa dos
dentes bonitos que aparecem e pela alegria que lhe cobre o rosto, anulando os
anos, quando o menino diz:
- E agora o que me dás? - ele a olha
com dois olhos grandes arre galados de um cinzento azul escuro. Ela ri e brinca
inclinando-se sobre os joelhos, dizendo:
- O que me dás se te dou... se te
dou... adivinha! O menino, batendo as mãozinhas, diz todo risonho:
- Beijos, beijos te dou, Ana bonita,
Ana boa, Ana mamãe! Ana, ouvindo dizer: “Ana mamãe”, dá um verdadeiro grito de
afeto jubiloso e se abraça contra o pequenino, dizendo:
- Oh que alegria! Querido! Querido!
Querido! - A cada “querido” um beijo desce sobre a pequena face rósea. E depois
vão a uma estante, e vai tirando de um prato pãezinhos de mel.
- Fiz os pãezinhos para ti, beleza da
pobre Ana, para ti que me queres bem. Mas, diz-me, quanto me queres bem? E o
menino, pensando naquilo que mais o impressionou, diz:
- Tanto quanto amo o Templo do Senhor.
Ana o beija ainda sobre os olhinhos espertos, sobre a boquinha vermelha, e o
menino a toca de leve como um gatinho. A mãe vai e vem com o cântaro cheio e ri
sem dizer nada. Ela os deixa ao seu entusiasmo. Entra do pomar um homem ancião,
um pouco mais baixo que Ana, com uma cabeça de cabelos espessos todos brancos.
Um rosto claro, de barba aparada, com dois olhos azuis como turquesas entre
cílios de um castanho claro quase loiro. Está vestido de marrom es curo. Ana
não o vê porque virou-se de costas à porta, e ele vem atrás dela dizendo: “E a
mim nada?”. Ana vira-se e diz:
- Oh Joaquim! Terminastes o teu
trabalho? Ao mesmo tempo, o pequeno Alfeu lhe abraça os joelhos dizendo:
- A ti também, a ti também! Quando o
ancião se inclina e o beija, o menino cinge-lhe o pescoço despenteando-lhe a
barba com as mãozinhas e com beijos. Joaquim também tem o seu presente. Tira de
trás das costas a mão esquerda e lhe oferece uma maçã tão bonita que parece de
cerâmica. Rindo diz ao menino, que estende as mãozinhas avidamente:
-Espera que a corto em fatias para ti.
Assim não podes. É maior do que tu. Com um canivete que carrega à cintura, uma faca
de podador, a corta em fatias, parecendo dar de comer a um passarinho no ninho,
tal é o cuidado com que coloca os bocados na boquinha aberta que mastiga e
mastiga.
- Mas olha só que olhos, Joaquim! Não
parecem dois pedacinhos do mar da Galiléia, quando o vento da noite lança um
véu de nuvem no céu? Ana fala apoiando uma mão nas costas do marido e
apoiando-se também levemente a si mesma, num gesto que revela um profundo amor
de esposa, um amor intacto, depois de muitos anos de casa mento. Joaquim a olha
com amor e concorda dizendo:
- Maravilhosos! E aqueles
caracoizinhos? Não têm a cor da palha que o sol secou? Olha: entre eles há uma
mistura de ouro e cobre.
- Ah! Se tivéssemos tido um menino,
teria querido assim, com estes olhos e estes cabelos... Ana está inclinada,
aliás, ajoelhada e com um grande suspiro, beija os dois grandes e belos olhos
cinza-azulados. Joaquim também suspira. Mas quer consolá-la. Coloca-lhe a mão
sobre seus cabelos crespos e embranquecidos e lhe diz:
- Convém ainda esperar. Deus tudo pode.
Enquanto se é vivo, o milagre pode acontecer, especialmente quando se ama e se
é amado. Joaquim frisa muito as últimas palavras. Mas Ana calada, desalentada,
está com a cabeça inclinada para não mostrar duas lágrimas que descem, e que
somente o pequeno Alfeu vê; admirado e angustiado por ver a sua grande amiga
chorar, como faz algumas vezes, levanta a mãozinha e enxuga aquele pranto.
- Não chores Ana! Somos felizes assim
mesmo. Ao menos eu sou, porque tenho a ti.
- Eu também. Mas não te dei um filho...
Penso que desagradei ao Senhor, já que me secou as entranhas.
- Oh minha mulher! Em que tu, santa,
queres ter-lhe desagradado? Escuta. Vamos ainda uma vez ao Templo. Por este
motivo. Não só pelos Tabernáculos. Façamos uma longa oração... Talvez te
aconteça como com Sara... ou com Ana de Elcana. Muito esperaram, e se
acreditavam reprovadas por serem estéreis. Ao invés disso, nos Céus de Deus,
amadurecia um filho santo para elas. Sorri, minha esposa. O teu pranto me dói
mais do que não ter prole... Levaremos Alfeu conosco e o faremos orar, ele que
é inocente... Deus ouvirá a sua e a nossa oração, nos atendendo então”.
- Sim. Façamos um voto ao Senhor. Será
seu o recém-nascido. Contanto que nos conceda... Oh! Ouvi-lo chamar-me “mamãe!”
E Alfeu, espectador admirado e inocente:
- Eu te chamo assim!
- Sim, querida alegria... mas tu tens a
tua mamãe e eu... eu não tenho nenhuma criança... A visão termina aqui.
Entendo que iniciou o ciclo do
nascimento de Maria. E estou muito contente, porque o desejava muito. Penso que
também o senhor ficará contente. Antes que eu começasse a escrever, ouvi a Mãe
dizer: - Filha,
escreve então sobre mim. Todo o teu desgosto será consolado. Enquanto dizia isto, me pousava a mão sobre a cabeça em uma
suave carícia. Depois veio a visão. Mas a princípio, ou seja, enquanto não ouvi
chamar a senhora de cinquenta anos por nome, não havia compreendido estar
diante da mãe da Mãe e por isto da graça do seu nascimento.
Pg. 12 – 16
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3 – A
FESTA DOS TABERNÁCULOS. JOAQUIM E ANA POSSUÍAM A SABEDORIA
23 de agosto de 1944
Antes de continuar, faço aqui uma
observação. A casa não me parece aquela já bem conhecida de Nazaré. Ao menos o
ambiente é muito diferente. Também o pomar é mais vasto, e além disso, pode-se
ver os campos. Não muitos, mas enfim, alguns. Depois, quando Maria casou-se,
havia só o horto, vasto mas limitado horto, e este quarto que vi, nunca vi em
outras visões. Não sei se devo pensar que, por motivos pecuniários, os pais de
Maria se desfizeram de parte de seus pertences ou se Maria, saindo do Templo,
passou para uma outra casa, talvez presenteada por José. Não me lembro se nas
visões e lições passadas tive qualquer indício seguro de que a casa de Nazaré
fosse a casa nativa.
A minha cabeça está muito cansada. E
depois, sobretudo por causa dos ditados, eu me esqueço logo das palavras, mesmo
se os comandos me permanecem gravados na mente e a luz me permanece na alma.
Mas os pormenores se desvanecem imediatamente. Se depois de uma hora tivesse
que repetir aquilo que ouvi, com exceção de uma ou duas frases principais, não
saberia mais nada. Enquanto que as visões ficam vivas na mente, porque tive de
observá-las por mim mesma. Recebo os ditados. As visões, ao invés, devo
perceber. Por isto, elas ficam vivas no pensamento, pelo esforço em observar as
suas fases. Esperava que houvesse um ditado sobre a visão de ontem. Em vez
disso, nada. Começo a ver e escrevo. Fora dos muros de Jerusalém, sobre as
colinas e entre as oliveiras há uma grande multidão. Parece uma enorme feira.
Mas não existem bancas e barracões. Não há o vozerio de charlatães e
vendedores. Nem jogos. Há ali muitas tendas de lã ásperas, certamente
impermeáveis, estendidas sobre estacas cravadas ao chão. Ligadas ás estacas há
ramos verdes que ornam e refrescam. Outras tendas, ao invés, são de ramos
fincados ao chão e sendo ligadas assim: ^, são como pequenas galerias verdes.
De baixo de cada uma, há pessoas de toda idade e condição, e um falar tranquilo
e concentrado, interrompido apenas por algum grito de criança. Desce a noite e
as luzes de candeiazinhas a óleo, já brilham intensamente aqui e ali, pelo acampamento
estranho. Ao redor das luzes algumas famílias consomem a ceia. As mães estão
sentadas no chão, com os menores no colo, onde alguns, cansados, adormecem
ainda com o pedaço de pão nos dedinhos róseos, tombando a cabecinha sobre o
seio materno, como pintinhos sob a galinha; as mães terminam de comer como
podem, com uma das mãos, enquanto a outra segura o filhinho junto ao coração.
Outras famílias, ao contrário, não estão jantando ainda e conversam na semi-escuridão
do crepúsculo, esperando que a refeição fique pronta. Alguns fogos são acesos
aqui e ali, e ao seu redor as mulheres afadigam-se. Alguma cantiga de ninar
muito lenta, diria quase lamentosa, embala uma criança que custa a adormecer.
No alto, um bonito céu sereno torna-se sempre mais azul profundo até parecer um
enorme velário de veludo macio de um azul escuro; sobre ele lentamente,
invisíveis artífices e decoradores diligentemente fixam joias e lamparinas, as
quais isoladas, como em bizarras linhas geométricas, deixam sobressair a Ursa
maior e a menor com a sua forma de carro com a estaca apoiada ao chão, depois
que os bois foram destacados do jugo. A estrela polar ri com todo o seu
esplendor. Percebo que é outubro porque uma voz grave de homem o diz:
- É bonito este outubro como poucos o
foram! Eis Ana que vem de um fogaréu com algumas coisas entre as mãos,
estendidas sobre um grande pão bem plano que serve também de bandeja. Preso ás
suas saias está Alfeu, que tagarela com a sua vozinha. Joaquim está na soleira
da sua pequena cabana de ramos falando com um homem de uns trinta anos. Alfeu
de longe o saúda com um gritinho agudo dizendo: Papai. Quando Joaquim avista
Ana que se aproxima, apressa-se em acender a candeiazinha. Ana passa com o seu
porte majestoso entre as fileiras de cabanas. Real, mesmo se humilde, Ana não é
soberba com ninguém. Levanta o menino de uma pobre mulher, que caiu, exatamente
a seus pés, ao tropeçar na sua corrida travessa. Visto que havia sujado o
rostinho de terra, ela o limpa, consolando-o porque chora, e o devolve à mãe,
que chega correndo e se desculpa. Ana responde: - Oh! Não é nada! Estou
contente que não tenha se machucado. É um bonito menino. Quantos anos tem?
- Três anos. É o penúltimo e logo terei
um outro. Tenho seis meninos. Agora queria uma menina... Para uma mãe é
importante uma menina...
- O Altíssimo muito te consolou, ó
mulher! - Ana suspira. E a outra:
- Sim. Sou pobre, mas os filhos são a
nossa alegria e os maiorzinhos já ajudam no trabalho. E tu, senhora (tudo
indica que Ana seja de condição mais elevada, pois a outra o notou) quantas
crianças tens?
- Nenhuma.
- Nenhuma?! Esta não é tua?
- Não, de uma vizinha muito boa. É o
meu conforto...
- Morreram ou...
- Não, nunca as tive.
- Oh!
- A pobre mulher a olha com piedade.
Ana se despede com um grande suspiro e vai à sua cabana.
- Eu te fiz esperar, Joaquim! Uma pobre
mulher entreteve-me; mãe de seis filhos, imagine! E terá outro! Joaquim
suspira. O pai de Alfeu chama o seu filho, mas este lhe responde:
- Eu fico com a Ana. Estou ajudando-a.
- Todos riem.
- Deixa-o. Ele não me dá aborrecimento.
Ainda não está obrigado a observar a Lei. Estando aqui ou ali, ele não passa de
um passarinho comilão. - diz Ana que senta-se com o menino no colo, ao qual dá
pão com peixe assado. Vejo que antes de dar o peixe, parece estar lhe tirando
os espinhos. Depois serve o marido. Ela come por último. A noite está sempre
mais cheia de estrelas e as luzes sempre mais numerosas no campo. Depois
lentamente muitos candeeiros se apagam. São daqueles que jantaram antes e que
agora se põem a dormir. Também o murmúrio diminui devagar. Vozes de meninos não
se ouvem mais. Só alguma criança de peito faz ouvir a sua vozinha de
cordeirinho buscando o leite da mamãe. A noite sopra o seu há lito sobre as
pessoas, apagando desgostos e lembranças, esperanças e rancores. Aliás, talvez
Joaquim e Ana sobrevivam tranquilizados, seja no sono, que no sonho. Ana o diz
ao marido, enquanto embala Alfeu que começa a dormir em seus braços:
- Esta noite sonhei que no próximo ano
eu virei à Cidade Santa para duas festas, ao invés de uma. E uma será a dádiva
da minha criança ao Templo... Oh! Joaquim!
- Espera, espera Ana. Não ouvistes
outra coisa? O Senhor não te segredou nada em teu coração?
- Nada. Somente um sonho...
- Amanhã é o último dia de oração.
Todas as ofertas já foram feitas. Mas as renovaremos ainda amanhã, solenemente.
Convenceremos Deus com o nosso amor fiel. Eu penso sempre que te acontecerá o
mesmo que com a Ana de Elcana.
- Queira Deus... e que houvesse logo
alguém que me dissesse: “Vá em paz. O Deus de Israel te concedeu a graça que
pedistes!”
- Se a graça vier, o teu menino
dir-te-á mexendo-se pela primeira vez no teu ventre, e será voz de inocente,
por isto, voz de Deus. Agora o campo cala-se no escuro. Ana também devolve
Alfeu à cabana contígua e o põe sozinho sobre a enxerga de feno próximo aos
irmãozinhos que já dormem. E depois deita-se ao lado de Joaquim, e também a sua
lamparina se apaga. Uma das últimas estrelinhas da terra. Ficam mais bonitas as
estrelas do firmamento a velar sobre todos os que dormem.
Jesus diz: “Os
justos são sempre sábios porque, sendo amigos de Deus, vivem em sua companhia e
são instruídos por Ele, que é Infinita Sabedoria. Os meus avós eram justos e
por isto tinham a sabedoria. Podiam dizer com verdade quanto diz o Livro,
cantando os louvores da Sabedoria, no livro: “Eu a amei e a procurei desde a
juventude e procurei torná-la minha esposa”. Ana de Arão era a mulher forte de
quem fala o nosso Avô. E Joaquim da estirpe do rei Davi, não tinha procurado
tanto a formo sura ou riqueza, quanto a virtude. Ana possuía uma grande
virtude. Todas as virtudes reunidas num maço perfumado de flores, para
tornar-se uma única lindíssima coisa, a Virtude. Uma virtude real, digna de
estar perante o trono de Deus. Joaquim tinha portanto desposado duas vezes a
sabedoria “amando-a mais que qualquer outra mulher”: a sabedoria de Deus
encerrada no coração da mulher justa. Ana de Arão não procurara outra coisa senão
unir a sua vida à de um homem reto, certa de que na retidão está a alegria das
famílias. 6Sendo a insígnia da “mulher forte” não lhe faltava nada a não ser a
coroa dos filhos, glória da mulher casada, justificação do casamento, do qual
fala Salomão. À sua felicidade não lhe faltavam senão os filhos, flores da
árvore que se une à árvore vizinha obtendo assim a abundância de novos frutos,
na qual duas bondades se fundem em uma, pois, também do lado do esposo, nunca
lhe viera nenhuma desilusão. Ela, agora a caminho da velhice, há decênios
mulher de Joaquim, era sempre para ele “a esposa da sua juventude, a sua
alegria, a cerva tão querida, a graciosa gazela”, cujas carícias tinham sempre
o fresco encanto da primeira noite de núpcias e fascinavam docemente o seu
amor, mantendo-o fresco como uma flor que o orvalho umedece e ardente como fogo
constantemente alimentado. Por isto, em suas aflições por não terem filhos, um
dizia ao outro “palavras de consolo em pensamento e em cuidados”. Quando chegou
a hora, a Sabedoria eterna, depois de tê-los instruído na vida, os iluminou com
os sonhos da noite, alvorada do poema de glória que devia provir deles, Maria
Santíssima, a minha mãe. Se na sua humildade não pensaram nisto, seus corações
porém, tremeram de esperança, ao primeiro sinal evidente da promessa de Deus.
Nas palavras de Joaquim já havia certeza: “Espera, espera... convenceremos Deus
com nosso amor fiel”. Sonhavam com um filho: tiveram a mãe de Deus. As palavras
do livro da Sabedoria parecem escritas para eles: “Por ela alcançarei glória
perante o povo... por ela alcançarei imortalidade e deixarei memória eterna
àqueles que depois de mim virão”. Mas, para conseguir tudo isto, tiveram de
fazer-se discípulos de uma virtude veraz e duradoura, imune a qualquer acontecimento.
Virtude de fé. Virtude de caridade. Virtude de esperança. Virtude de castidade.
A castidade dos esposos! Eles a possuíram; porque não é preciso ser virgem para
ser casto. E os leitos conjugais castos têm a proteção dos anjos recebendo
filhos bons, que fazem da virtude dos pais a norma de suas vidas. Mas agora
onde estão estes filhos? Hoje não se quer mais filhos e não se quer tampouco a
castidade. Por isso eu digo que o amor e o leito conjugal estão profanados.
Pg. 16 – 21
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4 – ANA COM UM CÂNTICO ANUNCIA
QUE SERÁ MÃE. NO SEU VENTRE ESTÁ A ALMA IMACULADA DE MARIA
Revejo a casa de Joaquim e Ana. Nada mudou no seu interior,
se tirarem os muitos ramos floridos, colocados em ânforas aqui e ali, fruto das
podas feitas nas árvores do pomar em flor: uma nuvem que varia do branco neve
ao vermelho de certos corais. O trabalho de Ana também é diferente. Sobre um
tear menor, ela tece algumas bonitas telas de linho, e canta, cadenciando o
movimento do pé com o canto. Canta e sorri... A quem? A si mesma, a alguma
coisa que ela vê no seu interior. Eis o canto, lento mas alegre, que escrevi à
parte para segui-lo, porque o repete muitas vezes deleitando-se nisso, sempre
mais forte e segura, como quem encontrou um ritmo no seu coração; primeiro o
murmura em surdina, depois, segura, canta mais veloz e alto (aqui o transcrevo
porque, na sua simplicidade é muito doce):
“Glória ao Senhor onipotente que dos filhos de Davi teve
amor. Glória ao Senhor! A sua suprema graça do Céu me visitou. A velha planta
colocou novo ramo e eu sou bem-aventurada.
Pela festa das Luzes a semente lançou a esperança; ora a fragrância
de Nisan o vê brotar. Como a amendoeira na minha carne floresce a primavera. O
seu fruto, nesta tarde, ela sente transportar. Naquele ramo há uma rosa, há um
pomo dos mais doces.
Há uma estrela reluzente, há uma criança inocente. Há a
alegria da casa, do esposo e da esposa. Louvor a Deus, ao meu Senhor, que teve
piedade de mim. A sua luz me disse: “Uma estrela virá a ti”. Glória, glória!
Será teu este fruto da planta, primeiro e derradeiro, santo e
puro como dádiva do Senhor. Teu será e por causa dele venha alegria e paz sobre
a terra. Voa, oh lançadeira. O fio sé aperta sobre o tecido da criança. Ele
nasce! A Deus glorioso vá o canto do meu coração”.
Joaquim entra quando ela está para repetir pela quarta vez o
seu canto.
- Estás feliz, Ana? Pareces-me um pássaro que viu a
primavera. Que canto é este? Nunca ouvi. De onde ele vem?
- Do meu coração, Joaquim.
Ana levanta-se e agora se dirige até o esposo, toda risonha.
Parece mais jovem e mais bonita.
- Não te imaginava poetisa - diz o marido, olhando-a com
clara admiração. Não pareciam dois esposos idosos. Em seus olhares, existia uma
ternura de jovens esposos.
- Vim do fundo do pomar ouvindo-te cantar. Eram anos que não
ouvia a tua voz de rolinha enamorada. Queres repetir-me aquele canto?
- “Eu o repetiria mesmo que tu não me pedisses. Os filhos de Israel
sempre confiaram ao canto os clamores mais verdadeiros de suas esperanças,
alegrias e dores. Eu confiei ao canto o cuidado de dizer- me e dizer-te uma
grande alegria. Sim, também dizer a mim mesma, porque é uma coisa imensa que,
por quanto esteja certa, parece-me ainda não ser verdadeira.” E recomeça o
canto, mas chegando ao ponto: “sobre aquele ramo há uma rosa, há uma maçã das
mais doces, há uma estrela...” A sua voz bem entoada de contralto fez-se
primeiro trêmula, depois se rompe e com um soluço de alegria olha Joaquim e,
levantando os braços grita:
- Sou mãe meu deleite - E se refugia no seu coração, entre os
braços que ele estendeu para encerrarem em torno de sua feliz esposa. O mais
casto e feliz abraço que eu jamais vi, desde que estou no mundo. Casto e
ardente, na sua castidade. E a doce repreensão entre os cabelos grisalhos de
Ana:
- E não me disseste antes?
- Porque queria estar certa. Velha como sou... Saber-me
mãe... Não podia acreditar ser verdade... não queria dar-te uma desilusão mais
amarga ainda. Desde fins de dezembro sinto fazerem-se novas as minhas profundas
entranhas e brotar, como posso dizer, um novo ramo. Mas agora sobre aquele ramo
está seguro o fruto. Vês? Aquele tecido já é para aquele que virá.
- Não é o linho que comprastes em outubro em Jerusalém?
- Sim. Eu o teci depois enquanto esperava. Esperava porque no
último dia, enquanto orava no Templo, o maior tempo que pudesse uma mulher
ficar na Casa de Deus, até a noite... Tu te recordas que eu dizia: “Ainda,
ainda um pouco”. Não podia afastar-me dali sem receber a graça! Pois bem! Na
sombra que já descia do interior do lugar sagrado, que eu olhava com atração de
alma para arrancar uma anuência do Deus presente, vi partir uma luz, uma
centelha de luz maravilhosa. Era alva como a lua, contudo tinha em si as luzes
de todas as pérolas e pedras preciosas que existem sobre a terra. Parecia que
uma das estrelas preciosas do Véu, daquelas estrelas postas sob os pés dos
querubins, se desprendesse uma e se tornasse esplêndida, de uma luz
sobrenatural... Parecia partir um fogo para além do Véu sagrado, proveniente da
própria Glória, vindo a mim veloz, e ao cortar o ar cantasse com voz celeste
dizendo: “O que pedistes venha a ti”. É por isso que eu canto: “Uma estrela virá a ti”. Que
filho será esse nosso, que se manifesta como luz de estrela no Templo e que
diz: “Eu
sou” na festa das Luzes?
Que filho fez com que tu tenhas visto em mim uma nova Ana de Elcana? Como
chamaremos a nossa criança, que doce como um canto de águas ouço falar-me no ventre
com o seu pequeno coração que bate como o de uma rolinha apanhada na cavidade
das mãos?
- Se for menino o chamaremos Samuel. Se for menina Estrela. A
palavra que fortaleceu o teu canto para dar-me a alegria de saber-me pai. A
forma que escolheu para manifestar-se entre a sacra sombra do Templo.
- Estrela. A nossa estrela, porque, não sei, penso que seja
mesmo uma menina. Parece-me que carícias tão doces não possam vir senão de uma
dulcíssima filha. Eu não a carrego, não tenho nenhum sofrimento. É ela que me
carrega sobre uma vereda azul e florida, como se eu estivesse amparada pelos
santos anjos e a terra já estivesse longe... Sempre ouvi as mulheres dizerem
que conceber e gerar é sinônimo de dor. Mas eu não tenho dor. Sinto-me forte,
jovem, fresca, mais do que quando te dei a minha virgindade na juventude
distante. Filha de Deus, visto que é mais de Deus do que nossa aquela que nasce
de um tronco árido, não dá dores à sua mãe. Ela traz somente paz e bênção: os
frutos de Deus, seu verdadeiro Pai.
- Então a chamaremos Maria. Estrela do nosso mar, pérola,
felicidade. O nome da primeira grande mulher de Israel. Mas esta não pecará
nunca contra o Senhor, e só a Ele dará o seu canto porque a ela é oferecida,
como hóstia, antes de nascer.
- A Ele é oferecida, sim. Homem ou mulher que seja, depois de
nos alegrarmos por três anos com a nossa criança, nós a daremos ao Senhor.
Hóstia também nós com ela, pela glória de Deus.
Não vejo nem ouço mais nada.
Diz Jesus:
“A Sabedoria, depois de tê-los
iluminado com os sonhos da noite, desceu àquela que é “vapor da virtude de
Deus, certa emanação da glória do Onipotente”, e tornou-se Palavra para a
estéril. Aquele que agora via próximo o Seu tempo de redimir, Eu, o Cristo,
neto de Ana, quase cinquenta anos depois, mediante a Palavra, farei milagres
sobre as estéreis e as doentes, sobre as endemoninhadas, sobre as desoladas,
sobre todas as misérias da terra.
No entanto, pela alegria de ter
uma mãe, eis que murmuro misteriosamente a Palavra na sombra do Templo, que
continha as esperanças de Israel. Templo agora no limiar da sua vida, porque o
novo e verdadeiro Templo não contém mais as esperanças de um povo, mas a
certeza de um Paraíso para o povo de toda a terra, por todos os séculos até o
fim do mundo; Paraíso que está para vir sobre a terra. E esta palavra opera o
milagre de tornar fecundo o que era infecundo. Dar-me uma mãe, que não teve
apenas ótima proveniência, como era seu destino, nascida de dois santos; não
teve somente um aumento contínuo de bondade pelo seu bem querer, não teve
somente um corpo imaculado, teve também o espírito imaculado, sendo única entre
as criaturas.
Tu vistes a geração contínua das
almas de Deus. Agora imagines qual deva ser a beleza desta alma que o Pai
almejou antes que o tempo existisse, desta alma que constituía as delícias da
Trindade, que ardia por enfeitá-la com as suas dádivas para lhe fazer um dom a
Si mesma. Ó toda santa, que Deus criou para Si e depois para refúgio dos
homens! Portadora do Salvador, tu fostes a primeira salvação. Paraíso Vivente,
com teu sorriso, começastes a santificar a terra.
A alma criada para ser a alma da
Mãe de Deus! Quando, de uma mais viva palpitação do Trino Amor, brotou esta
centelha vital, jubilaram os anjos, porque o Paraíso nunca viu Luz mais viva.
Como pétala de uma rosa, uma pétala imaterial e preciosa que era joia e chama,
que era o hálito de Deus que descia para animar uma carne diferentemente das
outras, que descia com fogo tão potente que a Culpa não pode contaminá-la,
atravessando os espaços e encerrando-se num seio santo.
Ainda sem saber, a terra já tinha
a sua flor. A verdadeira, única flor que floresce eternamente: lírio e rosa,
violeta e jasmim, girassol e ciclame fundidos juntos, e com essas todas as
flores da terra numa única flor, Maria, na qual se reúne toda virtude e graça.
Em abril, a terra da Palestina
parecia um enorme jardim, as fragrâncias e as cores davam delícia ao coração
dos homens. Mas a rosa mais bonita ainda era desconhecida. Ela já era
florescente a Deus no segredo do ventre materno, já que minha Mãe amou desde
que foi concebida, mas só quando a videira dá o seu sangue para fazer vinho, e
o perfume dos mostos, açucarado e forte, enche as eiras e as narinas, ela iria
sorrir primeiro a Deus e depois ao mundo, dizendo com o seu sorriso super
inocente: “Eis que a Videira, que vos dará o Cacho espremido na prensa, como
Remédio eterno contra o vosso mal, está entre vós”.
Eu disse: “Maria amou desde que
foi concebida”. O que dá ao espírito luz e conhecimento? A Graça. O que leva a
Graça? O pecado de origem e o pecado mortal. Maria, aquela sem mácula, nunca
foi despojada da lembrança de Deus, da sua proximidade, do seu Amor, da sua
Luz, da sua Sabedoria. Ela pôde por isto, compreender e amar até quando era
apenas carne em torno de uma alma imaculada que sempre amou.
Depois, faço-te contemplar
mentalmente a profundidade da virgindade de Maria. Terás uma vertigem celeste,
como quando te fiz entender a nossa eternidade. Por enquanto, considera apenas
como o trazer no ventre uma criatura isenta da mácula da ausência de Deus, dá à
Mãe uma inteligência superior e a transforma em um profeta, mesmo tendo esta
mãe concebido natural e humanamente. O profeta da sua filha, que a chama:
“Filha de Deus”. Imagina o que seria se pais inocentes concebessem filhos
inocentes, assim como Deus gostaria.
Ó homens, que vos dizeis
semelhantes ao “super-homem”, mas com os vossos vícios vos assemelhais
unicamente ao “super-demônio”, neste exemplo teríeis encontrado o meio de
chegardes ao “super-homem”. Saber permanecer sem a contaminação de Satanás para
deixar a Deus a administração da vida, do conhecimento, do bem, não desejando
mais do que isto, que é pouco menos que o infinito. Deus vos teria dado poder
de gerar em uma contínua evolução até a perfeição, filhos que fossem homens no
corpo e filhos da inteligência no espírito, ou seja triunfadores, fortes,
gigantes contra Satanás, que seria derrubado muitos milhares de séculos antes
da hora em que o será, junto a todo o seu mal”.
Pg. 21 a 26
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5 – NASCIMENTO DE MARIA. A SUA
VIRGINDADE NO ETERNO PENSAMENTO DO PAI
Vejo Ana sair no pomar. Apoia-se ao braço provavelmente de
uma parente, porque se assemelha a ela. Está muito volumosa e parece afadigada
talvez pelo afã, parecido com o que sinto agora. Embora o pomar esteja na
sombra, o ar ali está quente, pesado. Um ar que se poderia cortar como uma
massa mole e quente, de tão denso, sob um impiedoso céu de um azul embaçado
pela poeira suspensa nos espaços. Faz tempo que deve ter havido estiagem,
porque a terra, onde não é irrigada, está literalmente reduzida a uma poeira
finíssima, quase branca. De um branco levemente tendente a um rosa - escuro,
mais para o marrom ao pé das plantas ou ao longo dos breves canteiros, onde
banhadas crescem fileiras de hortaliças, em torno aos roseirais, aos
jasmineiros, outras flores, que estão ao lado de uma parreira bonita cortando
pela metade o jardim, até ao início dos campos, despojados de gramináceas.
Também a relva do prado, assinalando o fim da propriedade, está chamuscada e
rala. Só às margens dela, onde há uma cerca de espinheiro-alvar selvagem,
marcado pelos rubis dos pequenos frutos, a grama é mais verde e espessa. Ali
estão as ovelhinhas com um pequeno pastor, à procura de pasto e de sombra.
Joaquim está ao redor das fileiras e das oliveiras. Com ele
há dois homens que o ajudam. Mesmo ancião, Joaquim é ágil e trabalha com gosto.
Estão abrindo pequenos cercados nos limites de um campo, para dar água às
plantas sequiosas. A água abre um caminho borbulhando entre a relva e a terra
abrasada, e se estende em anéis, que por um momento parecem de um cristal
amarelado e depois são só anéis escuros de terra úmida, em torno aos sarmentos e
as oliveiras sobrecarregadas.
Ana lentamente vai na direção de Joaquim que quando a vê se
apressa a encontrá-la andando pela parreira sombreada, sob a qual abelhas de
ouro zumbem ávidas do açúcar dos grãos de uva branca.
- Chegastes até aqui?
- A casa está quente como um forno.
- E tu sofres.
- O único sofrimento é desta minha última hora de grávida. O
sofrimento de todos, homens e animais. Não te acalores demais, Joaquim.
- A água, que esperamos faz tempo e que de três dias para cá
parecia bem próxima, ainda não veio, e o campo queima. É bom para nós que temos
a nascente próxima e é muito rica de águas. Abri os canais. Um pouco de
refrigério para as plantas, que têm as folhas murchas e cobertas de poeira. Mas
é suficientes só para mantê-las vivas. Se chovesse. Joaquim, com a ânsia de
todos os agricultores, perscruta o céu, enquanto Ana, cansada, se abana com um
leque que parece feito com uma folha seca de palma, entrelaçada com fios
multicolores que a tornam rígida.
A parenta diz: - Lá, além do grande Hermon, surgem nuvens
velozes. Vento do norte. Refrescará e talvez trará água.
- São três dias que se levanta e depois cai com o surgir da
lua. Será ainda assim. Joaquim está
desanimado.
- Voltemos para casa. Aqui também não se respira, e depois
penso que seja bom voltarmos. – diz Ana, que parece ainda mais olivácea por
causa de uma palidez que lhe veio sobre o rosto.
- Sofres?
- Não. Mas sinto aquela grande paz que senti no Templo quando
me foi dada a graça e que senti ainda quando soube que seria mãe. É como um
êxtase. Um doce sono do corpo, enquanto o espírito jubila e se aplaca em uma
paz sem comparação humana. Eu te amei, Joaquim, e quando entrei na tua casa e
disse a mim mesma: “Sou esposa de um justo”, tive paz, e assim todas as vezes
que o teu amor providencial cuidou da tua Ana. Mas esta paz é diferente. Veja,
eu creio que é uma paz como aquela que devia invadir, como óleo que se expande
e suaviza o espírito de Jacó, nosso pai, depois do seu sonho de anjos; e,
melhor ainda, semelhante à paz jubilosa dos Tobias depois que Raquel se
manifestou a eles. Se me abandono a apreciá-la, ela sempre cresce mais. É como
se eu subisse pelos espaços azuis do céu... e, não sei porque, desde que eu
tenho em mim essa alegria pacifica, eu tenho um cântico no coração, aquele do
velho Tobias. Parece-me que tenha sido escrito para esta hora... para esta
alegria... para a terra de Israel que a recebe... para a Jerusalém pecadora e
agora perdoada... mas, não rides dos delírios de uma mãe, quando digo:
“Agradece ao Senhor pelos teus bens e glorifica o Deus dos séculos, a fim de
que reedifiques em ti o seu Tabernáculo”, eu penso que aquele que reedificará
em Jerusalém o Tabernáculo do Deus verdadeiro será este que está para nascer,
penso ainda que não mais do que a Cidade santa, mas pela minha criança seja
profetizado o destino quando o cântico diz: “Tu brilharás com uma luz
esplendida, todos os povos da terra se prostrarão a ti, as nações virão a ti
trazendo presentes, em ti adorarão o Senhor e julgarão santa a tua terra,
porque dentro de ti invocarão o Grande Nome. Tu serás feliz nos teus filhos,
porque todos serão abençoados e se reunirão ao lado do Senhor. Bem-aventurados
aqueles que te amam e regozijam tua paz!” E a primeira a regozijar sou eu, a
sua mãe bem-aventurada.”
Ana empalidece e se inflama como algo trazido pela luz lunar
a um grande fogo e vice-versa, ao dizer estas palavras. Doces lágrimas descem
sobre suas faces e ela nem as percebe, sorrindo de alegria. E assim vai em
direção à casa, entre o esposo e a parente, que a escutam e calam-se comovidos.
Apressam-se porque as nuvens, impelidas por um vento forte
galopam e crescem pelo céu, e a planície torna-se escura e estremece por um
aviso de temporal. Quando alcançam à soleira da casa, um primeiro relâmpago
lívido sulca o céu e o barulho do primeiro trovão parece o rufar de um enorme
tambor que se mistura ao harpejo dos primeiros pingos sobre as folhas secas.
Entram todos e Ana se retira, enquanto Joaquim, alcançado
pelos criados, fala, da porta, desta longa espera pela água, que é uma benção
para a terra sedenta. Mas a alegria se transforma em temor, porque vem um
temporal violentíssimo com raios e nuvens carregadas de granizo.
- Se a nuvem rompe, a uva e as oliveiras serão esmagadas como
pela moenda. Pobres de nós!
Joaquim tem uma outra ansiedade: pela esposa para a qual
chegou a hora de dar à luz o seu filho. A parente o tranquiliza que Ana não
sofre absolutamente nada. Mas ele está ansioso; cada vez que a parente ou
outras mulheres, entre as quais a mãe de Alfeu, saem do quarto de Ana para
depois voltarem com água quente e bacias e linhos enxutos junto ao fogo da
lareira central numa cozinha ampla, Joaquim pergunta algo, não se acalmando com
as respostas. Também a ausência de gritos de Ana o preocupa. Diz:
- Eu sou homem e nunca vi um parto. Mas lembro-me de ter
ouvido dizer que a ausência de dores é fatal...
Vem a noite, antecipada pela fúria tempestuosa que é
violentíssima. Água torrencial, vento, raios, ali tem de tudo, menos o granizo,
que foi cair em outra parte.
Um dos criados percebe a violência e diz:
- Parece que satanás saiu do inferno com seus demônios. Olha
que nuvens negras! Sente que cheiro de enxofre no ar, assobios, sibilos, vozes
de lamento e maldição. Se é ele, está furioso esta noite!
O outro criado ri e diz:
- Fugiu-lhe uma grande presa, ou Miguel o espancou com uma
nova faísca de Deus, e ele ficou com o chifre e o rabo cortado e queimado.
Passa correndo uma mulher e grita:
- Joaquim! Está para nascer! E foi tudo rápido e feliz! E desaparece com uma pequena ânfora entre as
mãos.
O temporal para de improviso depois de um último raio tão
violento que arremessa contra as paredes três homens; e na frente da casa, no
chão do horto-jardim, fica como lembrança um buraco preto e fumegante. Ao mesmo
tempo um gemido vem de lá da porta de Ana, gemido que parece um lamento de uma
rolinha que pela primeira vez não pia, mas arrulha. Um enorme arco-íris estende
a sua listra em semicírculo sobre toda a amplidão do céu. Surge, ou pelo menos
parece surgir, do cume do Hermon que beijado por uma lama de sol, parece de
alabastro de um branco-rosado delicadíssimo. Este arco-íris levanta-se até o
mais claro céu de setembro, e, atravessando por espaços limpos de toda
impureza, sobrevoa as colinas da Galiléia e a planície que aparece, entre duas
arvores de figo, ao sul e depois ainda um outro monte, indo pousar a sua ponta
final no extremo horizonte, lá onde uma áspera cadeia de montanhas fecha
qualquer outro panorama.
- Nunca vi isso!
- Olhai, olhai!
- Parece que toda a terra de Israel está ligada em um
círculo, mas olhai, ali já há uma estrela, enquanto que o sol ainda não
desapareceu. Que estrela! Brilha como um enorme diamante!
- A lua é toda plena, enquanto que ainda faltam três dias
para a lua cheia. Mas olhai como resplandece!
As mulheres chegam repentinamente, alegres com um
embrulhozinho rosado entre tecidos alvos.
É Maria, a Mãe! Uma Maria pequenina que poderia dormir entre
o círculo de braços de um menino, uma Maria comprida tanto quanto um braço, uma
cabecinha de marfim tingido de um rosa tênue, com a boquinha de carmim, que já
não chora mais, mas faz o instintivo ato de sugar, tão pequena que não se sabe
como fará para pegar um mamilo, um narizinho diminuto entre duas pequenas faces
arredondadas e ao tocá-lo abrem-se os olhinhos, dois pedacinhos do céu, dois
pontinhos inocentes e azuis olham, mas não veem, entre cílios delicados, de um
loiro tão intenso que é quase róseo. Também os cabelinhos sobre a cabecinha
arredondada são a cor loiro-rosado de algumas qualidades de mel quase branco.
No lugar de orelhas, duas conchinhas rosadas e transparentes,
perfeitas. E por mãozinhas... o que são aquelas duas coisinhas que agitam-se no
ar e depois vão à boca? Fechadas como agora, dois botões de rosa musgo que
separam o verde das sépalas e lhes estende a seda de um tênue rosa; abertas
como agora, duas pequenas joias de marfim de alabastro ligeiramente rosado, com
cinco romãs pálidas no lugar das unhazinhas. Como farão aquelas mãozinhas para
enxugar tanto choro?
E os pezinhos? Onde estão? Por enquanto são só um espernear
escondido entre os linhos. Mas eis que a parente senta-se e a descobre... Oh!
Os pezinhos! Compridos uns quatro centímetros, têm por planta, uma concha
coralina, como dorso um concha de um branco neve com veiazinhas azuis, têm por
dedinhos as obras-primas de escultura liliputiana, são também coroados por
pequenos fragmentos de pálida romã. Mas como se encontrarão sandalinhas tão
pequenas para poder estar naqueles pezinhos, quando tais pezinhos de boneca
derem os primeiros passos? E como estes mesmos pezinhos farão tão áspero
caminho e sustentarão tanta dor, debaixo de uma cruz?
Mas agora isto não se sabe, e se ri e sorri do seu debater-se
e espernear, das perninhas bonitas torneadas, das coxas pequenas que fazem
covinhas e dobrinhas de tanto que são gorduchas, da barriguinha, uma taça
emborcada do pequeno tórax perfeito sob cuja seda cândida se vê o movimento da
respiração que certamente se ouve. O pai feliz escuta seu peitinho agora, e o
beija ao ouvir bater um coraçãozinho... Um coraçãozinho que é o mais bonito que
a terra teve nos séculos dos séculos, o único coração humano imaculado.
E as costas? Eis que a viram, e se vê a forma dos rins e
depois os ombros gorduchos e a nuca rosada tão forte que a cabecinha se ergue
sobre o arco das pequenas vértebras, parecendo a cabecinha de um pássaro que
perscruta ao redor o mundo novo e tem um gritinho de protesto por ser assim
mostrada, ela, a pura e casta, aos olhos de tantos, ela que homem nenhum verá
nua, a toda virgem, a santa e imaculada. Cobri, cobri este botão de flor-de-lis
que nunca se abrirá sobre a terra e que dará, ainda mais bonita que ela, a sua
flor, sempre permanecendo botão. Só nos Céus o Lírio do Trino Senhor abrirá
todas as suas pétalas. Porque no céu não há poeira de culpa que possa
involuntariamente profanar aquele candor. Porque lá em cima deve ser acolhido,
à vista de todo o Empíreo, o Deus Trinitário que agora ocultado em um coração
sem macula, entre poucos anos estará nela: Pai, Filho, Esposo.
Eis ali de novo entre os linhos e entre os braços do pai
terreno, com quem ela se assemelha. Não Agora. Agora é um esboço de homem. Eu
digo que se lhe assemelhará quando mulher. Da mãe não tem nada. Do pai, a cor
da pele, dos olhos e certamente dos cabelos que, se agora são brancos, na
juventude eram certamente loiros como o dizem as sobrancelhas. Do pai, as
feições, feitas mais perfeitas e gentis por ser ela mulher, a mulher. Do pai o
sorriso, o olhar, o modo de mexer-se e a estatura. Pensando em Jesus, como o
vejo, acho que Ana deu a sua estatura ao Neto e a cor marfim mais carregada da
pele. Enquanto que Maria não tem aquela imponência de Ana, um palmo mais alta e
flexível, mas tem a gentileza do pai.
As mulheres também falam do temporal e do prodígio da lua, da
estrela, do imenso arco-íris, enquanto junto ao Joaquim entram onde está a mãe
feliz e lhe entregam a criancinha.
Ana sorri a um pensamento:
- É a Estrela – diz.
- O seu sinal está no céu. Maria, arco de paz! Maria, minha
estrela! Maria, lua pura! Maria, nossa pérola!
- Chama-se Maria?
- Sim. Maria, estrela, pérola, luz e paz...
- Mas também quer dizer amargura... Não temes trazer-lhe
desventura?
- Deus está com ela. Já era Dele antes de ser. Ele a
conduzirá pelos seus caminhos e toda amargura se transformará em um paradisíaco
mel. Agora sejas da tua mãe... ainda por um pouco, antes de seres toda de
Deus...
E a visão termina sobre o primeiro sono de Ana mãe e de Maria
criança.
Jesus diz:
“Surge e apressa-te pequena
amiga. Tenho um desejo ardente de te levar Comigo para o azul paradisíaco da
contemplação da Virgindade de Maria. Sairás com a alma jovem como se tu também
fosses criada há pouco tempo pelo Pai, uma pequena Eva que não conhece a carne.
Sairás com o espírito repleto de luz, porque tu mergulharás, na contemplação da
obra-prima de Deus. Sairás com todo o teu ser saturado de amor, porque
compreenderás como Deus sabe amar. Falar da concepção de Maria, a sem mácula,
quer dizer mergulhar-se no azul, na luz, no amor.
Vem e lê as suas glórias no Livro
do Avo: “Deus me possuiu no início de suas obras, desde o princípio, antes da
criação. “Ab aeterno” fui predestinada no princípio. Antes que fosse feita a
terra, ainda não existiam os abismos e eu já era conhecida. Nem as nascentes
das águas transbordavam, nem os montes tinham-se erguido em suas grandes
dimensões, nem as colinas eram cadeias montanhosas ao sol, e eu já tinha sido
gerada. Deus ainda não tinha feito a terra, os rios, e as bases do mundo, e eu
era. Quando preparava os céus eu estava presente, quando com lei imutável
fechou sob a orla celeste o abismo, quando tornou estável no alto a abóbada
celeste e suspendeu as fontes das águas, quando fixava ao mar os seus confins e
dava leis às fontes das águas de não passar os seus limites, quando assentava
os fundamentos da terra, eu estava com Ele a dispor todas as coisas. Sempre na
alegria brincava diante Dele continuamente, brincava no universo”. Aplicaram
estas palavras à Sabedoria, mas na realidade ela fala dela: a bela mãe, a santa
mãe, a virgem mãe da Sabedoria, que sou Eu que te falo.
Eu quis que tu escrevesses o
primeiro verso deste hino no início do livro que fala dela, para que fosse
confessada e percebida a consolação e a alegria de Deus; a razão do constante,
perfeito, intimo regozijo deste Deus uno e trino, que vos guia e ama, que do
homem teve tantas razoes de tristeza; a razão pela qual Deus perpetuou a raça,
mesmo quando, à primeira prova, merecia ser destruída; a razão do perdão que
vocês tiveram.
Ter Maria que o amasse. Oh! Bem
merecia criar o homem, e deixá-lo viver, e decretar perdoá-lo, para ter a
virgem bela, a virgem santa, a virgem imaculada, a virgem enamorada, a filha
dileta, a mãe puríssima, a esposa amorosa! Muito e mais ainda vos deu e vos
daria Deus para poder possuir a criatura de suas delicias, o sol do seu sol, a
flor do seu jardim. E muito continua a dar-vos por ela, a pedido dela, pela
alegria dela, porque a sua alegria se derrama na alegria de Deus e a aumenta de
esplendor que enche de faíscas a luz, a grande luz do Paraíso; cada centelha é
uma graça para o universo, para a raça do homem, para os próprios
bem-aventurados, que respondem-lhes com um grito radiante de aleluia a cada
geração de milagre divino, criado pelo desejo do Deus Trino de ver o cintilante
riso se alegria da Virgem.
Deus quer um rei no universo que
Ele havia criado do nada. Um rei que, pela natureza da matéria, fosse o
primeiro entre todas as criaturas criadas e dotadas de matéria. Um rei que,
pela natureza do espírito, fosse quase divino, fundido na Graça como no seu inocente
primeiro dia. Mas a Mente suprema, onde são notórios todos os acontecimentos
mais distantes em séculos, cuja vista vê incessantemente tudo quanto era, é, e
será, enquanto contempla o passado e observa o presente, eis que aprofunda o
olhar no ultimo futuro sem ignorar a morte do último homem, sem confusão nem
descontinuidade, esta Mente nunca ignorou o rei criado por Ele, para estar ao
seu lado, semidivino, no Céu, herdeiro do Pai. Ao entrar adulto no seu reino,
depois de ter vivido na casa da mãe, a terra com a qual foi feito durante a sua
infância de Eterno, na sua jornada sobre a terra, este rei teria cometido
contra si mesmo o delito de matar-se na Graça e o latrocínio de furtar-se do
Céu.
Por que então o criara?
Certamente muitos se perguntem isto. Teríeis preferido não existir? Este dia
não merecia ser vivido; por si mesmo, tão pobre, nu e amargo pela vossa
maldade, mas para conhecer e admirar a Beleza infinita que a mão de Deus semeou
no universo?
Para quem teria feito estes
astros e planetas que deslizam como setas e flechas, riscando o arco do
firmamento? Ou os aparentemente lentos, majestosos na sua corrida como bólidos,
presenteando-vos com luzes e estações como se fossem eternos, imutáveis, ainda
que em continua mudança, oferecendo-vos uma página nova para ser lida sobre o
azul, toda noite, todo mês, todo ano, quase como dizendo-vos: “esquecei-vos do
cárcere, deixai as vossas gravuras repletas de coisas obscuras, podres, sujas,
venenosas, enganosas, blasfemadoras, corruptoras e elevai, ao menos com o olhar
na ilimitada liberdade dos firmamentos. Tende uma alma azul olhando tão grande
serenidade, criai-vos uma reserva de luz, para levar à vossa prisão escura.
Lede a palavra que nós escrevemos cantando o nosso coro sideral mais harmonioso
do que acompanhado por um órgão de catedral. A palavra que nós escrevemos
brilhando, a palavra que nós escrevemos amando, visto que sempre temos presente
Aquele que nos quis dar a alegria de existir, e o amamos por nos ter dado este
ser, este esplendor, este deslizar, este sermos livres e belos em meio ao azul
suave, além do qual cumprimos a segunda parte do preceito de amor amando a vós,
o nosso próximo universal, amando-vos doando guia, luz, calor e beleza. Lede a
palavra que nós dizemos, e é aquela sobre a qual regulamos o nosso canto, o
nosso resplandecer, o nosso riso: Deus”?
Para que teria feito aquele
liquido azul, que é um espelho para o céu, um caminho para a terra, sorriso das
águas, voz das ondas, palavra também essa que como os sussurros de seda farfalhando,
com risadinhas de crianças serenas, com suspiros de velhos que lembram e
choram, com bofetões violentos e com chifradas, mugidos e estrondos, sempre
fala e diz: “Deus”? O mar é para vós, como o céu e os astros. E com o mar, os
lagos, os rios, os pântanos, os riachos e as nascentes puras, que servem a
todos para vos transportar, nutrir, dessedentar e purificar, e que vos servem,
servindo o Criador, sem saírem para fora dos seus limites, afogando-vos, como
mereceis. Para quem teria feito todas as inumeráveis famílias dos animais, como
flores que voam cantando, os servos que correm, que trabalham, nutrem e são
recreação para vós, os reis?
Para quem teria feito todas as
inumeráveis famílias das plantas, e das flores que parecem borboletas, que
parecem joias e passarinhos imóveis, dos frutos que parecem cofres de pedras
preciosas, como tapetes para vossos pés, proteção para as vossas cabeças,
recreação útil, alegria para a vossa mente, membros, vista e olfato?
Para quem teria feito os minerais
nas entranhas da terra, os sais dissolvidos nas fontes de águas geladas ou
ferventes, as fontes sulfurosas, as iodadas, as alcalinas? Não teria sido para
que alguém gozasse de tudo, alguém que não era Deus, mas filho de Deus? O
homem. Para a alegria de Deus, para as necessidades de Deus, nada era preciso.
Deus basta a Si mesmo. Não tem que se contemplar para alegrar-se, nutrir-se,
viver e repousar. Tudo o que foi criado não aumentou um átomo a sua infinita
alegria, sua beleza, seu poder. Mas tudo Ele fez pela sua criatura, que Ele
quis colocar como rei na Sua obra: o homem.
Para ver tão grandes obras de
Deus e por reconhecimento para com o seu poder, vale a pena viver. Como
viventes deveis ser gratos. Deveríeis ter sido gratos, mesmo se não tivésseis
sido redimidos, hoje ou no fim dos séculos, porque não obstante tenhais sido os
Primeiros, singularmente, sois até hoje prevaricadores, soberbos, luxuriosos, homicidas.
Mas Deus ainda vos concede sabor de gozar das belezas do universo e da bondade
do universo, e vos trata como se fosseis bons, filhos bons aos quais tudo é
ensinado e concedido, a fim de tornar-lhes mais doce e sadia a vida. Quanto
sabeis, vós o sabeis pela luz que Deus vos deu. Tudo quanto descobris, vós o
descobris porque Deus vô-lo indica no Bem. Porque os outros conhecimentos e
descobertas, que têm o sinal do mal, vêm do Mal supremo, satanás.
A Mente suprema, que nada ignora,
antes ainda que o homem existisse, sabia que o homem, por si mesmo, teria sido
um ladrão e um homicida. E, já que a Bondade eterna não tem limites, antes que
acontecesse a Culpa, pensou no meio para anulá-la. E o meio seria: Eu. E o
instrumento para fazer do meio um instrumento operante seria: Maria. Assim é
que a virgem foi criada no Pensamento sublime de Deus.
Todas as coisas foram criadas
para mim, Filho dileto do Pai. Eu, como Rei, deveria ter tido sob os meus pés
de Rei Divino tapetes e joias como nenhum palácio real jamais teve. Cantos,
vozes, servos e ministros tão numerosos ao redor de minha pessoa que nenhum
soberano jamais teve. Flores, pedras preciosas, todo o sublime, o grandioso, o
gentil, o minucioso, tudo que é possível buscar no Pensamento de um Deus.
Mas Eu devia ser Carne, além de
ser Espírito. Carne, para salvar a carne. Carne para sublimar a carne,
levando-a para o Céu, muitos séculos antes da hora. Porque a carne, habitada
pelo espírito, é a obra-prima de Deus, e por ela, o Céu fora feito. Para ser
Carne, eu tinha necessidade de uma mãe. Para ser Deus, eu tinha a necessidade
de que meu Pai fosse Deus.
Eis que, então, Deus criou para
Si uma esposa, e lhe disse: “Vem comigo. A meu lado, vê tudo quanto Eu faço
pelo nosso Filho. Olha e jubila-te, virgem eterna, menina eterna, que o teu
riso encha todo este empíreo, e dê aos anjos a nota inicial, e ensina ao
Paraíso uma harmonia celeste. Eu olho para ti. E te vejo como serás, ó mulher
imaculada que, por enquanto, és apenas espírito, o espírito em que me deleito. Olho
para ti, e dou o azul do teu olhar ao mar e ao firmamento, a cor dos teus
cabelos ao trigo, a tua candura ao lírio, o tom róseo à rosa, semelhante à tua
pele de seda. Imito nas pérolas os teus dentes graciosos; olhando a tua boca,
faço os doces morangos, ponho na voz dos rouxinóis às tuas notas, e na das
rolinhas o teu pranto. Ainda lendo os teus futuros pensamentos, ouvindo s
palpitações do teu coração, eu encontrei os modelos de arte para criar. Vem,
minha Alegria! Habita os mundo para divertimento teu, enquanto fores a luz que
se move em meu Pensamento, teus hão de ser os mundos pelo teu sorriso, tuas as
belas formações das estrelas e o colar dos astros todos. Coloca a lua sob os
teus pés gentis, cingi-te com o cinto de estrelas da Via Láctea. As estrelas e
os planetas são para ti. Vem e diverte-te, vendo as flores que serão o
divertimento do teu menino, servindo de almofada para o Filho do teu ventre.
Vem, e vê como se criam as ovelhas e os cordeiros, as águias e as pombas. Fica
perto de mim, enquanto eu faço como uns vasos, os mares e os rios, enquanto
ergo as montanhas e as enfeito com a neve e as florestas, enquanto semeio as
searas, as arvores, as videiras, enquanto faço para ti a oliveira, minha rainha
de paz, para ti a videira, meu sarmento que levará o Cacho eucarístico. Corre,
voa, jubila-te, ó minha beleza, e que o mundo todo, que vai sendo criado de
hora em hora, aprenda contigo a me amar, ó amorosa, e se torne mais bonito com
o teu sorriso, ó mãe do meu Filho, rainha do meu Paraíso, amor do teu Deus”.
Vendo o Erro, e olhando para a Sem Erro diz ainda: “Vem a mim, tu que anulas a
amargura da desobediência, da ingratidão, da fornicação humana com satanás. Eu
terei contigo a desforra sobre satanás”.
Deus, Pai Criador, criara o homem
e a mulher com uma lei de amor tão perfeita, que não podeis, nem ao menos
compreender. E vós vos enganais ao pensar como teria aparecido a raça humana,
se o homem não o tivesse alcançado pelo ensinamento de satanás.
Olhai as plantas que produzem
fruto e semente. Por acaso elas conseguem ter semente e fruto por meio de uma
fornicação ou de uma fecundação em cada cem encontros conjugais? Não. Da flor
masculina sai o pólen, guiado por um complexo de leis meteóricas e magnéticas,
vai ao ovário da flor feminina. Esta se abre, o recebe e produz. Não se suja e
o rejeita depois, como vós fazeis, para poderdes gozar no dia seguinte, da
mesma sensação. Depois de produzir não floresce, até a próxima estação e,
quando floresce, é para reproduzir. Olhai os animais. Todos. Já vistes algum
animal, macho ou fêmea, ir um ao outro para algum abraço estéril, ou só algum
encontro lascivo? Não. De perto ou de longe, voando, rastejando, pulando ou
correndo, eles vão, quando chega a hora, ao rito fecundativo, e não se subtraem
a isso para ficarem só no prazer, mas vão além, vão até as consequências sérias
e santas, que conduzem à geração da prole, o único escopo que, no homem,
semideus pela origem da Graça que Eu restitui inteira, deveria fazê-lo aceitar
a animalidade do ato necessário, uma vez que descestes um grau no nível do
animal.
Vós não fazeis como as plantas e
os animais. Vós tivestes por mestre satanás, pois o escolhestes e o desejais.
As obras que praticais são dignas do mestre que quisestes ter. Mas, se
tivésseis sido fieis a Deus, teríeis sido santamente, sem dor, a alegria de
filhos, sem vos esgotardes em copulas obscenas, indignas, que os próprios
animais não conhecem, os animais que não tem alma racional e espiritual.
Ao homem e à mulher, depravados
por satanás, Deus quis opor o Homem nascido de mulher tão purificada por Deus,
a ponto de poder gerá-Lo sem relação com homem. Flor que gera flor, sem
necessidade de semente, mas apenas com o beijo do Sol sobre o cálice inviolado
do Lírio que é Maria.
A desforra de Deus!
Solta os teus silvos de inveja, ó
satanás, enquanto esta está nascendo. Esta menina te venceu! Antes que fosses o
Rebelde, o Tortuoso, o Corruptor, já estavas vencido, e ela é a tua vencedora.
Mil exércitos alinhados nada podem contra o teu poder, e contra as tuas couraças
caem as armas das mãos dos homens, ó perene, e não há vento que possa dispersar
o mau cheiro do teu hálito. No entanto, estes calcanharzinho de criança, tão
rosado, que parece o interior de uma camélia também rosada, tão liso e tão
macio que a seda é áspera comparado a ele, tão pequenino, que poderia caber no
cálice de uma tulipa e usá-la como sapatinho, eis que ele te pisa sem medo, e
te confina em teu antro. Eis que só o teu vagido já te põe em fuga, a ti que
não tens medo dos exércitos. O hálito dela purifica o mundo do teu fedor. Estás
derrotado. Só o nome dela, só o seu olhar, só a sua pureza já são uma lança, um
fulgor de raio, uma enorme pedra que te transpassam, que te abatem, que te
aprisionam no teu covil do inferno, ó maldito, que tirastes a Deus a alegria de
ser Pai de todos os homens criados.
Foi inútil, pois, teres
corrompido os que haviam sido criados inocentes, levando-os a conhecer
sinuosidades e luxúria privando Deus, de ser o doador dos filhos, em suas
diletas criaturas, dando-lhes regras que, se respeitadas, teriam mantido sobre
a terra um equilíbrio entre os sexos e as raças, capaz de evitar guerras entre
os povos e desventuras entre famílias.
Obedecendo, teriam conhecido o
amor. Só obedecendo, teriam conhecido e conservado o amor. Uma posse plena e
tranquila desta emanação de Deus, que do sobrenatural desde ao inferior, para
que também a carne se alegre santamente, esta que está ligada ao espírito,
criada por Aquele que criou o espírito.
Agora, o vosso amor, ó homens, os
vossos amores o que são? Ou libidinagem vestida de amor, ou medo insanável de
perder o amor do conjugue, seja pela libidinagem própria, ou alheia. Já não
estais mais seguros quanto à posse do coração do esposo ou da esposa, desde
quando a libidinagem entrou neste mundo. Tremeis, chorais e tornai-vos loucos
de ciúmes, até assassinos, às vezes, para vingar alguma traição, desesperados,
ou então abúlicos e até dementes.
Eis o que fizeste, satanás, aos
filhos de Deus. Estes, que corrompeste, teriam conhecido a alegria de ter filhos
sem sentirem dor, alegria de nascer sem medo de morrer. Mas agora estás vencido
em uma mulher e por uma mulher. De agora em diante, quem a amar, tornará a ser
de Deus, superando as tuas tentações, para poder imitar a sua pureza imaculada.
De agora em diante, não mais podendo conceber sem dor, as mães a terão para o
seu conforto. De agora em diante, as esposas a terão por guia e os moribundos
por mãe, sendo doce para eles morrer sobre aquele seio, que é um escudo contra
ti, oh maldito, e proteção, diante do julgamento de Deus.
Maria, a minha cara
interlocutora, viste o nascimento do Filho da virgem e o nascimento da virgem
no Céu. Viste, pois, que para os sem culpa é desconhecido o castigo de dar a
vida e também o sofrimento de dar-se à morte. Mas, se é inocentíssima mãe de
Deus foi reservada a perfeição dos dons celeste, a todos que tivessem
permanecido inocentes e filhos de Deus, teria sido possível gerar sem dor e
morrer sem afã, por justiça de terem sabido unir-se e conceber sem luxúria.
A sublime desforra de Deus sobre
a vingança de satanás foi a de elevar a perfeição da criatura dileta a uma
super perfeição, capaz de anular, ao menos nela, toda lembrança de humanidade,
que fosse suscetível ao veneno de satanás, e para a qual, não de um casto abraço
de homem, mas de um divino amplexo, que empalidece o espírito num êxtase de
Fogo, lhe teria vindo o Filho. A virgindade da Virgem!
Vem. Medita nesta virgindade
profunda, que produz em quem a contempla vertigens de abismo! O que é a pobre
virgindade forçada da mulher que por nenhum homem foi desposada? É menos do que
nada. O que é a virgindade daquela que quer ser virgem, para ser de Deus, mas
sabe sê-lo só no corpo e não no espírito, no qual deixa entrar muitos
pensamentos estranhos, acaricia e aceita caricias de pensamentos humanos? Isto
já começa a ser uma máscara de virgindade, mas muito pouco ainda. O que é a
virgindade de uma enclausurada, que vive só para Deus? É muito. Mas, mesmo
assim, ainda não é uma virgindade perfeita, se comparada com a virgindade da
minha mãe.
Sempre existiu um enlace, até
mesmo no mais santo. O enlace da origem, entre o espírito e a Culpa. Só o
Batismo o desfaz. Mas, é como uma mulher separada do marido pela morte, não
restitui mais em si a virgindade total, como a virgindade dos nossos Primeiros,
antes do Pecado. Uma cicatriz permanece, e dói ao ser lembrada, e está sempre
pronta para reabrir-se em ferida, como certas doenças que periodicamente voltam
com seus vírus, ainda mais ativos. Na virgem não fica esse sinal de um enlace
dissolvido com a Culpa. Sua alma apresenta-se bonita e intacta, como quando
estava na mente do Pai, e reúne em Si todas as Graças.
É a virgem, a única, a perfeita,
a completa, foi assim pensada, gerada, querida, coroada. É eternamente a
virgem, o abismo da intocabilidade, da pureza, da graça que se perde no Abismo
do qual brotou: em Deus, intangibilidade, pureza e graça perfeitíssima.
Aí está a desforra do Deus Trino
e Uno. Contra suas criaturas profanadas, Ele ergue esta Estrela de perfeição.
Contra a curiosidade doentia, esta se esquiva, recompensada em poder amar
somente a Deus. Contra a ciência do mal, esta sublime ignorante. Nela não
existe somente a ignorância do que é um amor aviltado; não há também somente a
ignorância do amor que Deus havia dado aos esposos. E ainda mais. Nela há a
ignorância das concupiscências, herança do pecado. Nela há somente a sabedoria
gélida, mas incandescente, do Amor divino. Fogo que protege de gelo a carne,
para que se torne espelho transparente no altar onde um Deus desposa uma
virgem, e não se avilta, porque sua Perfeição abraça aquela que, como convém a
uma esposa, só em um ponto é inferior ao esposo, sendo-lhe sujeita por ser
mulher, mas é sem mancha, como Ele”.
Pg. 27 a 40
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6 - PURIFICAÇÃO DE ANA E
OFERECIMENTO DE MARIA, A MENINA PERFEITA PARA O REINO DOS CÉUS
Em Jerusalém, vejo Joaquim e Ana com Zacarias e Isabel saírem
juntos de uma casa, certamente de parentes ou amigos, e dirigirem-se ao Templo,
onde vão para a cerimônia da Purificação. Ana tem nos braços a menina, toda
envolta em cueiros, tendo sido antes enrolada com um amplo tecido de lã mais
leve, que deve ser macio e quente. Com que cuidado e amor leva a sua filhinha,
levantando de vez em quando a beirada do pano fino e quente, para ver se Maria
respira bem, e depois, cobre-a bem de novo, para protegê-la do ar gelado deste
dia sereno, embora de pleno inverno. Isabel tem alguns pacotes nas mãos. Joaquim
puxa com uma corda dois cordeiros grandes e muito brancos, que já são mais
carneiros que cordeiros. Zacarias não leva nada. Ele está muito bonito em sua
veste de linho, que um pesado manto de lã também branco, deixa entrever. Um
Zacarias muito mais jovem do que aquele visto no tempo do nascimento do
Batista, em plena virilidade, como também Isabel é agora uma mulher madura, mas
ainda de aparência jovem. Todas as vezes que Ana olha a menina, ela também se
inclina extasiada, sobre o rostinho adormecido. Muito bonita, com um vestido
azul que tende ao violeta escuro, com um véu que lhe cobre a cabeça, descendo
depois sobre os ombros e sobre o manto mais escuro que o vestido. Joaquim e
Ana, enfim, estão realmente esplêndidos em suas vestes de festa. Ao contrário
do seu costume, ele não está com sua túnica marrom escuro, mas com uma longa
veste de um vermelho bem escuro, diríamos, um vermelho de fundo, e as franjas
colocadas em seu manto são muito novas e bonitas. Na cabeça, ele tem também uma
espécie de véu retangular, cingido com uma tira de couro. Sua roupa é toda nova
e fina. Ana, oh! ela não se veste de escuro hoje. Está com um vestido amarelo
muito claro, quase da cor do marfim velho, ajustado à cintura, ao pescoço e aos
pulsos por meio de um cinturão que parece ser de prata e ouro. A sua cabeça
está coberta com um véu muito leve, que parece adamascado e está preso à fronte
por uma lâmina delgada e preciosa. Ao pescoço, um colar de filigrana e nos
pulsos, braceletes. Parece uma rainha, também pela dignidade com que caminha
com sua veste, em especial o manto amarelo claro, com galões formando um
bordado muito bonito, tom sobre tom.
- Parece-me estar te vendo no dia em que fostes a noiva. Eu
era pouco mais que uma menina, mas lembro-me ainda como estavas bonita e feliz,
diz Isabel.
- Mas hoje estou ainda mais... Quis pôr a mesma roupa daquele
dia para a cerimônia de hoje. Eu a guardei sempre para este dia... Já não
esperava mais poder usá-la para esta festa.
- O Senhor te amou muito... - diz Isabel com um suspiro.
- É por isso que eu Lhe dou a coisa que eu mais amo. Esta
minha flor.
- Como farás para arrancá-la do seio, quando chegar a hora?
- Recordando-me que eu não a tinha, e a recebi de Deus.
Estarei sempre mais feliz agora, do que antes. Quando pensar que ela estará no
Templo, direi a mim mesma: “Reza junto ao Tabernáculo, ora ao Deus de Israel
também por sua mãe” e ficarei em paz. E ainda maior paz terei, ao dizer: “Ela é
toda Sua. Quando estes dois velhos felizes que a receberam do Céu não estiverem
mais em vida, Ele, o Eterno, lhe será eternamente Pai”. Podes crer, eu tenho
disso a firme convicção, esta pequenina não é nossa. Nada mais eu podia
fazer... Foi Ele que a colocou em meu ventre, este dom divino para enxugar o
meu pranto, confortar as nossas esperanças e atender as nossas orações. Por
isso ela é Sua: Nós somos somente os felizes guardiães dela... e por isso Deus
seja bendito!
Chegam até os muros do Templo.
- Enquanto vos dirigis para a porta de Nicanor, eu vou avisar
o Sacerdote. Depois, eu virei também - diz Zacarias, desaparecendo atrás de um
arco, que dá para um grande pátio rodeado de pórticos. A comitiva continua a
encaminhar-se pelos sucessivos terraços. Porque (não sei se já o disse) o
recinto do Templo não está sobre um terreno plano, mas vai-se elevando por
degraus sucessivos sempre mais altos. A cada lance pode-se chegar por
escadarias, e em cada lance há pátios, pórticos e portais muitos bem
trabalhados, de mármore, bronze e ouro. Antes de chegarem ao lugar combinado,
eles param e vão tirar dos pacotes as coisas que tinham levado, ou seja, pães
cozidos, de formato achatado e de pouca espessura, feitos com muita gordura, um
pouco de farinha branca, duas pombas em uma pequena gaiola de vime e grandes
moedas de prata, certas patacas tão pesadas, que por sorte não havia bolsos
naquele tempo, pois não resistiriam. Eis a bonita porta de Nicanor, um trabalho
bem acabado de entalhe, feito de pesado bronze com lâminas de prata. Lá já se
encontra Zacarias, ao lado de um Sacerdote esplendidamente vestido de linho.
Ana recebe a aspersão de uma água, que eu suponho seja a água lustral, e depois
recebe a ordem de aproximar-se do altar do sacrifício. A menina não está mais
em seus braços. Isabel carrega, estando ainda do outro lado da porta. Joaquim,
por sua vez, entra, atrás de sua mulher, puxando um pobre cordeiro balindo.
Faço como na purificação de Maria: fecho os olhos para não ver degolações como
esta. Agora Ana está purificada. Zacarias diz em voz baixa algumas palavras a
um colega, o qual concorda, sorrindo. Depois aproxima-se do grupo, que já se
reuniu de novo, congratulando-se com a mãe e o pai pela sua alegria e pela
fidelidade às promessas feitas, recebendo o segundo cordeiro, a farinha e os
pães cozidos.
- Então, esta filha está sendo consagrada ao Senhor? Que a
Sua bênção esteja com ela e convosco. Eis Ana que chega. Ela será uma de suas
mestras. É Ana de Fanuel, da tribo de Aser. Vem, mulher! Esta pequenina é
oferecida ao Templo em hóstia de louvor. E tu serás sua mestra. Submissa a ti, ela
crescerá na santidade. Ana de Fanuel, já com os cabelos todos brancos, acaricia
a menina, que acabou de acordar e olha com seus olhos inocentes e espantados
toda aquela brancura e todo aquele ouro, que a luz do sol faz brilhar. A
cerimônia deve ter acabado. Não vi nenhum rito especial para a oferta de Maria.
Talvez fosse suficiente dizê-lo ao Sacerdote e sobretudo que o dissessem a
Deus, no lugar sagrado.
- Eu gostaria de fazer a oferta ao Templo, e ir depois àquele
lugar, onde vi aquela luz no ano passado. Vão assim para lá, acompanhados por
Ana de Fanuel. Mas não entram no Templo propriamente dito. Compreende-se que,
tratando-se de mulheres e de uma menina, não chegaram até o lugar, ao qual
Maria chegou, quando veio oferecer o seu Filho. Mas, bem perto da porta toda
aberta, olham para o interior meio escuro, de onde estão vindo doces cantos de
meninas, e de onde vem o brilho de lâmpadas preciosas, que espalham uma luz de
ouro sobre dois canteiros de cabecinhas cobertas com véus brancos, dois verdadeiros
canteiros de lírios.
- Daqui a três anos tu também estarás lá, meu Lírio, promete
Ana a Maria, que olha como que fascinada para o interior do Templo, sorrindo ao
lento canto.
- Parece até que ela compreende - diz Ana de Fanuel - É uma
linda menina! Será querida por mim, como se fizesse parte de minhas entranhas.
Assim eu te prometo ó mãe, se a idade me permitir.
- Sim, que poderás, mulher! - diz Zacarias - Tu a receberás
entre as meninas consagradas. Eu também estarei lá. Quero estar lá naquele dia
para dizer a ela que reze por nós desde o primeiro momento... E olha para a sua
mulher; que compreende, suspirando. A cerimônia terminou, e Ana de Fanuel se
retira, enquanto os outros saem do Templo, conversando entre si. Ouço a voz de
Joaquim, que diz:
- Eu teria dado até todos os meus cordeiros, não só os dois
melhores, em troca desta alegria, para dar louvor a Deus! Nada mais vejo.
Jesus diz:
“Salomão faz a Sabedoria dizer:
“Quem é criança, venha a mim”. Na verdade, é da fortaleza e dos muros de sua
cidade que a eterna Sabedoria dizia à eterna menina: “Vem a mim”. Ansiava por
tê-la. Mais tarde, o Filho desta puríssima menina dirá: “Deixai vir a mim os
pequeninos, porque deles é o Reino dos Céus, e quem não se tornar semelhante a
eles, não terá parte no meu Reino”. As vozes se perseguem e, enquanto a voz do
Céu grita à pequena Maria: “Vem a mim”, a voz do Homem pensa em sua mãe, ao
dizê-lo: “Vinde a mim, se souberdes ser pequeninos”. Dou-vos um modelo em minha
mãe. Eis a perfeita criança, do coração de pomba, simples e puro, eis Aquela
que os anos e os contatos do mundo não conseguem embrutecer pela barbárie de um
espírito corrompido, tortuoso, mentiroso. Porque Ela não quer este espírito.
Vinde a mim, olhando para Maria. Tu, que a estás vendo, diz-me: o seu olhar de
criança é muito diferente do olhar com que a viste aos pés da Cruz, na alegria
do Pentecostes, na hora em que suas pálpebras desceram sobre seus olhos de
gazela para o seu último sono? Não. Aqui está o olhar incerto e espantado da
criança; mais tarde será o olhar espantado e verecundo da Anunciada; mais tarde
ainda, o olhar feliz da mãe de Belém; depois, o olhar de adoradora da minha
primeira e sublime discípula; depois ainda, o olhar dilacerado da atormentada
no Gólgota; depois, o olhar radiante da Ressurreição e Pentecostes; e, por fim,
o olhar velado do sono extático da última visão. Mas, seja que se abra às
primeiras vistas, seja que se feche cansado sobre a última luz, depois de ter
visto tanta alegria e tanto horror, o olho é sereno, puro, plácido, nesga de
céu que brilha sempre de modo igual, sob a fronte de Maria. Ira, mentira,
soberba, luxúria, ódio, curiosidade, nunca o sujam com suas nuvens de fumaça. É
o olho que olha para Deus com amor, tanto quando chora, como quando ri. Por
amor de Deus acaricia e perdoa, tudo suportando. Por amor ao seu Deus se torna
inatacável aos assaltos do Mal, que muitas vezes se serve dos olhos para
penetrar no coração. O olhar puro, repousante, benevolente, que têm os puros,
os santos, os enamorados de Deus.
Eu disse: “A luz do teu corpo são
os teus olhos. Se os olhos são puros todo o teu corpo estará iluminado. Mas se
os olhos são turvos, toda a tua pessoa estará em trevas”. Os santos tiveram
esse olho que é luz para o espírito e salvação para a carne, porque como Maria,
durante toda a sua vida, não olharam senão para Deus. Ao contrário, eles sempre
se lembraram de Deus. Explicarei a ti, pequena voz, qual é o sentido desta
minha palavra”.
Pg. 41-45
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7 – A
PEQUENA MARIA COM ANA E JOAQUIM. EM SEUS LÁBIOS JÁ ESTÁ A SABEDORIA DO FILHO
29 de agosto de 1944.
Ainda vejo Ana. Desde ontem à tarde,
que a estou vendo assim: ela está sentada no começo da sombra da parreira,
atenta a um trabalho de costura. Está toda vestida de uma cor cinzento areia,
com um vestido muito simples e solto, talvez por causa do grande calor que deve
estar fazendo. No fim da parreira, podem ver-se os ceifadores, que estão
cortando o feno. Mas ainda não deve ser o feno de maio, porque a uva já está
para colorir-se de ouro e uma macieira grande já vem mostrando os seus frutos,
entre as folhas escuras, que vão se tornando da cor de uma cera lustrosa,
amarela e vermelha. Além disso, o campo de cereais é agora um restolho sobre o
qual, ondulam leves as chamazinhas das papoulas e se levantam, rígidas e
serenas, as flores-de-lis, raiadas como uma estrela, e azuis como o céu do
Oriente. Da parreira sombria vem vindo, à frente, uma Maria pequenina, mas já
andando ligeira e independente. Seu passo é curto, mas seguro, e suas
sandalinhas já não tropeçam nas pequenas pedras. Tem já um esboço do seu doce
passo, levemente ondulante, de pomba, e ela está parecendo mesmo uma pombinha
em seu vestidinho de linho, que desce até os tornozelos, um vestidinho bem
cômodo, franzido no pescoço por um cordãozinho azul celeste, e com manguinhas
curtas, que deixam ver os antebraços rosados e gorduchos. Com os seus
cabelinhos, que parecem de seda e de um loiro-mel, não muito encaracolados, mas
formando ondas suaves, que terminam em um gracioso cacho; com seus olhinhos cor
do céu, e o doce rostinho levemente rosado e sorridente, ela parece um pequeno
anjo. Até o ventinho leve que lhe vai entrando pelas mangas largas, e enchendo
seu vestido de linho e fazendo-o ficar mais saliente nas costas, tudo contribui
para dar à menina o aspecto de um pequeno anjo, com as asas já entreabertas, e
prontas para voar. Nas mãozinhas ela leva papoulas, flores-de-lis e outras
florzinhas, que crescem por entre os cereais, mas das quais eu não sei o nome.
Ela vai indo e, ao chegar perto da mãe, dá uma corridinha, solta uma vozinha
festiva, e como uma pequena rolinha, para o seu voo contra os joelhos da mãe,
que se abrem um pouco para recebe-la, enquanto que o trabalho, que estava sendo
feito, é posto de lado, para acolhê-la sem que ela se machuque, e os braços
estão estendidos para abraçá-la. Até aqui ontem à tarde, e hoje de manhã
reapresenta-se e continua assim. “Mamãe! Mamãe!”. A pequena rolinha branca está
agora no ninho dos joelhos maternos, com seus pezinhos sobre a erva curta, o
rostinho curvado sobre o colo materno, e não se vê nada mais, além do ouro
pálido dos cabelinhos sobre a nuca delicada, que Ana se curva para beijar com
amor. Depois a pequena rola levanta a cabeça, e oferece as suas florzinhas.
Todas são entregues à mamãe e, para a oferta de cada flor, ela conta uma
história que ela mesma inventou.
- Esta aqui, tão azul e grande, é uma
estrela que desceu do céu para trazer o beijo do Senhor para a mamãe. Aqui
está: esta florzinha celeste, beija-a bem aí no coração, e perceberás que ela
tem o sabor de Deus. Agora, esta outra, que é de um azul mais pálido, como são
os olhos do papai, tem gravado nas folhas que o Senhor quer muito bem ao papai,
porque ele é bom. E esta aqui, tão pequenina, a única pequena que eu achei (é
um miosótis), é a que o Senhor fez para dizer a Maria que lhe quer bem. Estas
vermelhas, sabe a mamãe o que são? São os pedaços da veste do rei Davi,
molhadas no sangue dos inimigos de Israel, e semeadas nos campos de luta e de
vitória. Nasceram das fímbrias da heroica veste real, rasgada na luta pelo
Senhor. Mas esta aqui, tão branca e graciosa, que parece formada com sete taças
de seda que olham para o céu, cheias de perfume, nasceu lá perto da fonte (foi
papai que a apanhou entre os espinhos) -Foi feita com a veste de Salomão,
quando, no mês em que sua netinha tinha nascido, há tantos anos (oh! quantos,
quantos anos antes) na pompa da alvura de suas vestes, Salomão caminhou pelo
meio da multidão de Israel, diante da Arca e do Tabernáculo, alegrando-se pela
nuvem que voltou a circundar a glória do Senhor, cantando o cântico e a oração
de sua alegria. Eu quero ser sempre como esta flor, e, como o sábio rei, eu
quero cantar, por toda a vida, cânticos e orações diante do Tabernáculo - e aí
cessa de falar a pequena boca de Maria.
- Meu bem, como sabes estas coisas
santas? Quem é que as diz a ti? O teu pai?
- Não. Não sei quem é. Parece que eu as
soube desde sempre. Mas talvez seja alguém que eu não vejo, e que as diz a mim,
talvez um dos Anjos que Deus manda vir falar aos homens que são bons. Mamãe, me
contas outras coisas?
- Oh! Minha filha! Sobre que fato
queres saber? Maria fica pensando; séria e recolhida como estava, que bom teria
sido que se tivesse feito o seu retrato naquela posição, para perpetuar aquela
sua expressão. Sobre o rostinho infantil se refletem as sombras de seus
pensamentos. Sorrisos e suspiros, raios de sol e sombras de nuvens, pensando na
história de Israel. Depois ela escolhe:
- Conta-me aquela passagem de Gabriel
falando a Daniel, na qual o Cristo foi prometido. E ela fica escutando, de
olhos fechados, repetindo devagar as palavras que a mãe vai dizendo, como para
se lembrar melhor delas. Quando Ana termina, Maria lhe pergunta:
- Quanto falta ainda para o Emanuel
chegar?
- Cerca de trinta anos, querida.
- Mas, quanto tempo ainda falta! Nesse
tempo, eu estarei no Templo... Diz-me, se eu rezasse muito, muito, muito, dia e
noite, noite e dia, e quisesse ser só de Deus durante toda a vida, só para este
fim, o Eterno não me faria a graça de dar o Messias ao seu povo antes disso?
- “Não sei, querida. O Profeta diz
“setenta semanas”. Creio que a profecia não erra. Mas o Senhor é tão bom.” Ana
se apressou em acrescentar estas palavras, ao ver que se marejavam de lágrimas
os cílios de ouro da sua menina – “que eu creio que, se rezares muito, muito,
muito, Ele te atenderá.” O sorriso volta ao rostinho, que está levemente
erguido para a mãe, e um raiozinho de sol está passando por entre duas folhas
da videira, fazendo brilhar as lágrimas do pranto, que já cessou, como se
tivessem sido apenas gotinhas de orvalho pendentes de finos caules do musgo dos
Alpes.
- Então, eu rezarei e me farei virgem
para isso.
- Mas, sabes o que significa o que
estás dizendo?
- Quer dizer não conhecer o amor de
homem, mas só o de Deus. Quer dizer não ter outro pensamento, senão no Senhor.
Quer dizer permanecer menina na carne, e anjo no coração. Quer dizer não ter
olhos para outra coisa, mas só para olhar a Deus, ouvidos só para ouvi-lo, boca
para louvá-lo, mãos para oferecer-lhe hóstias, pés velozes para segui-lo,
coração e vida para doar a Ele.
- Bendita és tu! Mas, então, não terás
filhos, tu, que gostas tanto das crianças, dos cordeirinhos e das pombinhas...
Sabes de uma coisa? Um filho para uma mulher é como um cordeirinho branco e todo
encaracolado, é como uma pequena pomba, com penas sedosas, boca cor-de-coral,
que pode ser amado, beijado, e ouvi-lo dizer: “Mamãe! “
- Não importa. Eu serei de Deus. No
Templo rezarei. E talvez um dia eu verei o Emanuel. A virgem, que vai ser a mãe
dele, como diz o grande Profeta, já deve ter nascido, e já deve estar no
Templo... Eu vou ser companheira dela... e sua serva... Oh! Sim! Se, por meio
da luz de Deus, eu a puder conhecer, eu quereria ser serva dela, daquela Virgem
bem-aventurada! E, depois, ela traria o Filho a mim, e me levaria ao seu Filho,
e eu serviria a Ele também. Pensa nisto mamãe! Eu, servindo ao Messias!
Maria está dominada por este
pensamento, que a sublima e a aniquila, ao mesmo tempo. Com suas mãozinhas
cruzadas sobre o pequeno peito, com a cabecinha um pouco inclinada para a
frente, e tomada pela emoção, ela parece já uma reprodução infantil da
“Anunciação” que eu vi. Ela retoma o assunto:
- Mas será que o Rei de Israel, o
Ungido de Deus, me permitirá que eu o sirva? - Disso não tenhas dúvidas! Pois,
não diz o rei Salomão: “Sessenta são as rainhas, oitenta as outras mulheres, e
as pequeninas serão sem número”? Vê como no Palácio do Rei serão sem número as
meninas virgens que servirão ao seu Senhor.
- Oh! Estás vendo agora como devo ser
virgem? Eu devo. Se Ele por mãe quer uma virgem, isso é sinal de que ele ama a
virgindade, sobre todas as coisas. Eu quero que me ame, como sua serva, pela
minha virgindade, que me vai tornar um pouco semelhante à sua mãe querida. Isto
eu quero. Queria também ser pecadora, muito pecadora, se eu não temesse ofender
ao Senhor. Diz-me, mamãe: pode-se ser pecadora por amor de Deus?
- Mas, que é isso que estás dizendo,
meu tesouro? Eu não te estou compreendendo.
- Eu quero dizer: pecar, para poder ser
amada por Deus, que se torna nosso Salvador. Salva-se quem se perdeu. Não é
verdade? Eu quereria ser salva pelo Salvador, para ter o seu olhar de amor. Por
isso, queria pecar, mas não fazer pecado que desgoste a ele. Como é que ele
pode salvar-me, se eu não me perco?
Ana fica atordoada. Não sabe mais o que
dizer. Mas o socorro vem de Joaquim, que acabou de chegar, caminhando sobre a
grama. Por trás da sebe de arbustos baixos, ele tinha se aproximado, sem fazer
barulho.
- “Ele te salvou antes, porque sabe que
tu o amas, e queres amar somente a Ele. Por isso tu já estás redimida, e podes
ser virgem como quiseres”, diz Joaquim.
- É verdade, meu pai?
Maria se abraça aos joelhos do pai e
olha para ele com as claras estrelas, que são os seus olhos, semelhantes aos do
pai, e tão felizes por esta esperança que ele lhe está dando.
- É verdade, pequeno amor. Olha. Eu
vinha te trazendo este passarinho, que tinha acabado de dar o seu primeiro voo
perto da fonte. Eu teria podido abandoná-lo, mas suas asas e suas perninhas,
ainda fracas, não tinham forças para levantá-lo e sustentá-lo em um novo voo,
nem para conservá-lo firme sobre as pedras cobertas de musgo escorregadio. Ele
teria caído n’água. Mas eu não fiquei esperando que isso acontecesse. Peguei-o,
e o trouxe para ti. Com ele farás o que quiseres. O fato é que ele foi salvo,
antes de cair no perigo. Pois foi isso mesmo que Deus fez contigo. Agora,
diz-me, Maria: achas que eu amei mais ao pássaro, salvando-o, antes dele cair
no perigo, ou eu o teria amado mais, se o salvasse depois?
- Assim é que o amaste mais, pois não
deixaste que ele se machucasse, caindo na água gelada.
- Deus te amou mais, porque te salvou,
antes que tivesses pecado.
- Então, eu também o amarei
inteiramente. De todo o coração. Passarinho lindo, eu sou como tu. O Senhor nos
amou de modo igual, dando-nos a salvação. Agora eu vou te criar, e depois te
deixarei ir embora. E tu cantarás no bosque, e eu no Templo os louvores de
Deus, e nós diremos: “Envia, envia o teu Prometido aos que o estão esperando”.
Oh! Meu papai! Quando me levarás ao Templo?
- Dentro em breve, minha pérola. Mas,
não ficarás triste por ter que deixar o teu pai?
- Muito. Mas tu irás lá... e, além
disso, se não se ficasse um pouco triste, que sacrifício haveria?
- E tu te lembrarás de nós?
- Sempre. Depois da oração para que
venha o Emanuel, rezarei por vós. Que Deus vos dê alegria e uma longa vida...
até o dia no qual Ele será Salvador. Depois, eu direi a Ele que vos tome
consigo, e vos leve para a Jerusalém Celeste.
A visão termina para mim com Maria
estreitada nos lagos do abraço paterno.
Jesus diz: “Já
estou ouvindo os comentários dos doutores, em suas ironias maliciosas, dizendo:
“Como é que pode uma menina, que não tem ainda nem três anos, falar coisas
assim? Isso é um exagero”. E não refletem que me tornam monstruoso, alterando a
minha infância, atribuindo-me atos de adulto. A inteligência não se manifesta
em todos do mesmo modo e na mesma idade. A Igreja marcou a idade de seis anos
como a idade em que começa a responsabilidade das ações, porque essa é a idade
na qual até um retardado é capaz de distinguir o bem do mal, pelo menos de modo
rudimentar. Mas há crianças que muito antes são capazes de discernir, entender
e querer, usando de uma razão já suficientemente desenvolvida. A pequena Imelde
Lambertini, Rosa de Viterbo, Nellie Organ, Nennolina, vos sirvam de base, ó
doutores difíceis, para crerdes que minha mãe podia pensar e falar assim. Não
citei mais do que quatro nomes por acaso, no meio de milhares de santas crianças
que povoam o meu Paraíso, depois de terem raciocinado como adultos sobre a
terra, umas com mais, outras com menos idade. Qual é a razão? Um dom de Deus.
Portanto, Deus o pode dar na medida que quiser, a quem quiser e quando quiser.
A razão é uma das coisas que mais vos tornam semelhantes a Deus, Espírito
inteligente e raciocinante. A razão e a inteligência foram graças dadas por
Deus ao homem no Paraíso terrestre. Quanto elas eram vivas, junto com a graça
ainda intacta, operando no espírito de nossos dois Primeiros Pais! No livro de
Jesus Bar Sirac está escrito: “Toda sabedoria vem do Senhor Deus, e sempre
esteve com Ele, mesmo antes dos séculos”. Quanta sabedoria teriam, então, os
homens, se tivessem permanecido filhos de Deus? As lacunas em vossas
inteligências são o fruto natural do vosso decaimento da graça e da
honestidade. Perdendo a Graça, vós vos afastastes, por séculos, da Sabedoria.
Como os meteoros, que se escondem atrás de uma nebulosidade de muitos
quilômetros, a Sabedoria não chegou mais até vós com os seus nítidos fulgores,
mas somente através de um nevoeiro, que as vossas prevaricações foram tornando
cada vez mais graves. Depois veio o Cristo, e vos deu a Graça, dom supremo do
amor de Deus. Mas, vós sabeis guardar esta gema tão límpida e pura? Não. Quando
não a destruís com a vossa vontade individual de pecado, a sujais com contínuas
culpas menores, as vossas fraquezas, as vossas simpatias para com o vício, e
também aquelas simpatias que não chegam ainda a ser verdadeiros casamentos com
o vício septiforme, mas, são um enfraquecimento da luz da Graça e de sua
atividade. Depois, tivestes séculos e séculos de corrupções, para enfraquecer
ainda mais a magnífica luz da inteligência que Deus havia dado aos Primeiros,
corrupções que se repercutem como nocivas sobre o físico e sobre a mente. Maria
porém era não somente a Pura, a nova Eva, criada de novo para a alegria de
Deus: era a super-Eva, a Obra-Prima do Altíssimo, a cheia de graça, a mãe do
Verbo na mente de Deus. “O Verbo é a Fonte da Sabedoria”, diz Jesus Bar Sirac.
O Filho, então, não terá posto a sua sabedoria sobre os lábios da própria mãe?
Se a um profeta foi-lhe purificada a boca com carvões ardentes, porque devia
dizer aos homens as palavras que o Verbo, a Sabedoria, lhe confiava, não terá o
Amor à sua esposa ainda menina, mas que um dia iria trazer em si a Palavra, a
linguagem limpa e exaltada, não terá este Amor feito com que ela não falasse
mais como menina, nem mais tarde, como mulher, mas somente e sempre como uma
criatura celeste, unida à grande luz e sabedoria de Deus? O milagre não está em
uma inteligência superior, demonstrada por Maria em sua idade infantil, como
depois aconteceu Comigo. Mas o milagre está em poder conter em si a
Inteligência infinita, que nela habitava, dentro dos diques preparados para não
assombrar as multidões e não despertar a atenção satânica. Ainda voltarei a
falar sobre este assunto, que reaparece sempre naquele “lembrar-se” de Deus,
que é próprio dos Santos”.
Pg. 45 – 52
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8 – MARIA É ACOLHIDA NO TEMPLO. ELA EM SUA
HUMILDADE NÃO SABIA QUE ERA A CHEIA DE SABEDORIA
30 de agosto de 1944.
Vejo Maria caminhar entre o pai e a mãe, pelas ruas de
Jerusalém. Os passantes detêm-se para olhar a formosa menina, toda vestida de
um branco neve, coberta com um véu muito leve que, por seus desenhos de ramos e
de flores, mais escuros por entre os pontos mais claros do fundo, parece-me ser
o mesmo que Ana usou no dia de sua Purificação. Com esta diferença: enquanto
para Ana ele chegava só até a cintura, para a pequenina Maria desce quase até o
chão, e a envolve em uma nuvem tênue e clara de uma extraordinária beleza.
O loiro dos cabelos soltos sobre os ombros, ou melhor, sobre
a graciosa nuca, transparece aqui e ali, nos pontos em que o véu não é
adamascado, apresentando à vista apenas o fundo, que é quase diáfano. O véu
está preso sobre a fronte por meio de uma fita de um azul muito claro sobre a
qual, certamente por obra da mamãe, estão bordadas, a fio de prata, pequenos
lírios.
O vestido de Maria, como eu disse, é alvíssimo, desce até o
chão, e os pezinhos mal se mostram, quando ela anda, com suas sandalinhas
brancas. Suas mãozinhas lembram duas pétalas de magnólia, saindo das mangas
largas. Fora o círculo azul formado pela fita, não se vê nenhuma outra cor.
Tudo é branco. Maria parece vestida de neve.
Joaquim e Ana estão vestidos, ele com a mesma roupa da
Purificação e Ana ao invés, com um vestido de cor violeta muito escuro. Até o
manto, que lhe cobre a cabeça, é de um violeta escuro.
Ela o traz caído totalmente sobre os olhos, dois pobres olhos
de mãe, vermelhos de tanto chorar, que não queriam ser vistos assim, por isso
choram sob a proteção do manto. Essa proteção serve por causa dos transeuntes e
também por Joaquim que, embora tenha sempre olhos serenos, hoje eles estão
avermelhados e opacos de lágrimas. Ele caminha, muito encurvado, debaixo do seu
véu colocado como um turbante, com as beiras laterais descendo ao longo do
rosto.
Joaquim agora está, realmente, envelhecido. Quem o vê deve
pensar que ele seja o avô, talvez até bisavô daquela pequenina que leva pela
mão. O sofrimento por ter que separar-se dela faz que o pai ande como que
arrastando os pés, desanimado em todos os seus movimentos e modos, o que o faz
ficar vinte anos mais velho. Seu rosto parece o de uma pessoa doente, além de
envelhecida, tão grande é o grau do seu cansaço e de sua tristeza, e sua boca
está com um leve tremor, por entre duas rugas ao lado do nariz, mais acentuadas
hoje.
Os dois estão procurando esconder o pranto. Mas, se o podem
esconder para muitos, não o escondem de Maria que, pelo seu pequeno tamanho,
pode ver, olhando de baixo para cima e, levantando a cabecinha, olha uma vez o
pai, outra vez, a mãe. Eles se esforçam para sorrir a ela, com um tremor na
boca, aumentando o aperto de suas mãos sobre a pequenina mão, cada vez que sua
filhinha olha para eles sorrindo. Eles devem ficar pensando: “Aí está. É esta
uma vez a menos que vemos este sorriso”.
Vão andando bem devagar. Parecem querer que aquela sua viagem
dure o mais possível. Tudo serve de motivo para mais uma parada… Mas, afinal,
uma estrada uma hora tem que acabar. E esta já está no fim. No alto deste
último trecho da estrada, que vai subindo, estão os muros que rodeiam o Templo.
Ana solta um gemido e aperta com mais força a mãozinha de Maria.
– Ana querida, eu estou contigo! – assim diz uma voz, que vem
da sombra de um arco baixo, que se projeta sobre um cruzamento. Isabel, que,
com certeza, a estava esperando, se aproxima dela e a aperta ao coração. Vendo
que Ana está chorando, lhe diz:
– Vem, entra um pouco nesta casa amiga. Depois, iremos
juntos. Zacarias também está aqui.
Entram todos em uma morada baixa e escura, na qual se vê o
clarão de um grande fogo. A dona da casa deve ser amiga de Isabel, mas para Ana
é estranha, e então se retira dali delicadamente, deixando os recém-chegados
mais à vontade.
– Não pense que eu esteja arrependida, ou esteja dando o meu
tesouro de má vontade ao Senhor –explica-lhe Ana, entre lágrimas – Mas o
coração… oh! como o meu coração está doendo, o meu velho coração, que vai
voltar para aquela solidão dos que não têm filhos! Se pudesses sentir o que
estou sentindo.
– Eu compreendo, minha querida Ana. Mas, tu és boa, Deus te
confortará em tua solidão. Maria rezará pela paz de sua mamãe. Não é mesmo?
Maria acaricia as mãos maternas e as beija, e as passa em seu
rosto para ser acariciada, enquanto Ana aperta entre as suas aquele rostinho, e
o beija, repetidamente. E não se sacia de beijá-lo.
Entra Zacarias, e saúda:
– Aos justos, a paz do Senhor!
– Sim – diz Joaquim – suplica para nós a paz, pois as nossas
entranhas estão trêmulas, ao fazermos nossa oferta, como deviam estar as
entranhas de nosso Pai Abraão, quando subia o monte, só que nós não
encontraremos outra oferta para darmos no lugar desta. Também não quereríamos
fazer isso, pois somos fiéis a Deus. Mas estamos sofrendo, Zacarias. Sacerdote
de Deus, procura compreender-nos e não fiques escandalizado conosco.
– Nunca. Pelo contrário, a vossa dor, que sabe não passar
além do permitido e levar-vos à infidelidade, serve para mim até como um
exemplo de amor ao Altíssimo. Mas, tende coragem! Ana, a profetisa, tomará muito
cuidado desta flor de Davi e de Arão. Neste momento ela é o único lírio de sua
estirpe santa, que Davi ainda tem no Templo, e cuidaremos dela como de uma
pérola real. Visto que os tempos vão chegando ao fim, as mães da estirpe
deveriam consagrar suas filhas ao Templo, dado que há de ser de uma virgem, da
estirpe de Davi, que nascerá o Messias. No entanto, por um relaxamento na fé,
os lugares das virgens estão vazios. São muito poucas no Templo, e nenhuma da
estirpe real, depois que Sara, a esposa de Eliseu, saiu para se casar, há três
anos. É verdade que ainda faltam seis lustros para o fim, mas… ainda bem!
Esperemos que Maria seja a primeira de muitas outras virgens
da estirpe de Davi diante do Sagrado Véu. E depois… quem sabe. Zacarias não diz
mais nada, mas, pensativo olha para Maria. Depois, retoma o assunto:
– Eu mesmo velarei por ela. Sou Sacerdote, e lá dentro tenho
as minhas funções. E, no desempenho delas cuidarei deste anjo. Isabel também
virá muitas vezes se encontrar com ela…
– Oh! Decerto! Eu tenho tanta necessidade de Deus, e virei
dizer isso a esta menina, para que ela o transmita ao Eterno.
Ana se sente reanimada. Isabel, para aliviá-la ainda mais,
lhe pergunta:
– Esse não é o teu véu de esposa? Ou será que o fiaste de um
novo linho?
– É aquele mesmo. Eu o consagro com ela ao Senhor. Já não
tenho mais aquela vista boa. Depois, as riquezas estão muito diminuídas pelos
impostos e pelas desventuras. Nem eu podia estar fazendo pesadas despesas.
Tomei as providências necessárias só para um bom enxoval durante o tempo que
vai passar na Casa de Deus, e para depois… pois penso que não serei eu quem a
vai vestir para as núpcias… Mas quero que tenha sido a mão de sua mamãe, ainda
que fria e imóvel, a preparar-lhe para as núpcias, fiando os linhos e as vestes
de esposa.
– Oh! Por que ficar pensando estas coisas?
– Eu estou velha, prima. Nunca me senti assim, como agora que
estou passando por esta dor. As últimas forças de minha vida foram dadas a esta
flor, quando a trouxe comigo, quando a alimentei, e agora… agora que estou nas
últimas, estou sentindo a dor de perdê-la, o que vai acabar com minhas forças.
Não digas uma coisa dessas. Pensa no Joaquim.
Tens razão. Procurarei viver para o meu homem.
Joaquim fez como se não tivesse ouvido, atento como estava em
ouvir Zacarias; mas bem que ele ouviu, e dá um forte suspiro, com os olhos
marejados de lágrimas.
– Estamos entre a terça e a sexta horas. Acho que seria bom
irmos andando – diz Zacarias.
Levantam-se todos para colocarem-se os mantos e partirem.
Mas antes de saírem, Maria se ajoelha sobre a soleira, de
braços abertos. É um pequeno querubim, que implora:
– Pai! Mãe! Dai-me a vossa bênção!
A pequenina é forte, não chora. Mas seus labiozinhos tremem,
e a voz, entrecortada por um interno soluço, tem, mais do que nunca, o som do
gemido trêmulo da rolinha. Seu rostinho está mais pálido, e seus olhos têm
aquele olhar cheio de uma resignada angústia que parece sempre mais forte até
provocar-nos um profundo sofrimento. Este olhar só o verei de novo no Calvário
e junto ao Sepulcro.
Seus pais a abençoam e beijam. Uma, duas, dez vezes. Não
sabem saciar-se… Isabel chora silenciosamente, e Zacarias, por mais que não queira
demonstrá-lo está comovido. Saem. Maria entre o pai e a mãe, como antes. Na frente,
vão Zacarias e a mulher. Ei-los dentro dos muros do Templo.
– Vou ao Sumo Sacerdote. Vós subi até o grande terraço.
Atravessam três pátios e três átrios sobrepostos. Chegam aos
pés do grande cubo de mármore coroado de ouro. Cada cúpula, convexa como uma
enorme laranja, está brilhando agora ao sol, cujos raios incidem
perpendicularmente sobre o vasto pátio que circunda a majestosa construção,
ocupando toda a ampla esplanada, abrangendo a escadaria que conduz ao Templo.
Só o pórtico, que fica à frente da escadaria, está na sombra, tornando a alta
porta feita de bronze e ouro ainda mais escura e majestosa, rodeada de muita
luz. Maria parece ainda mais ser feita de neve, quando anda ao sol. Agora ela
está aos pés da escadaria. Entre o pai e a mãe. Como devem estar batendo os
corações dos três! Isabel está ao lado de Ana, mas a um meio passo atrás.
Um toque de trombetas de prata, e a porta, girando sobre as
dobradiças, parece produzir um som de cítara, ao correr sobre as esferas de
bronze. Pode-se ver agora o interior, com suas lâmpadas lá no fundo, e um
cortejo que vem saindo do interior. É um cortejo pomposo, com o soar das
trombetas de prata, nuvens de incenso e muitas luzes.
Ei-lo que chega à soleira da porta. O Sumo Sacerdote parece
vir à frente. É um ancião cheio de majestade, vestido de linho finíssimo, tendo
sobre o linho uma túnica mais curta, também de linho, sobre a qual traz uma
espécie de casula, um paramento multicolor, parecido com a planeta e a veste
dos diáconos. Nas suas vestes, as cores púrpura e ouro, roxo e branco se
alternam, e brilham como pedras preciosas ao sol; duas gemas verdadeiras
brilham ainda mais vivamente sobre os ombros.
Também parecem ser duas fivelas em seus engastes preciosos.
Sobre o peito uma larga placa reluzente com pedras preciosas presas por uma
corrente de ouro. Há ainda pingentes e ornamentos vários, que reluzem na barra
da túnica curta, enquanto o ouro lhe resplende sobre a fronte por cima da
cobertura da cabeça, fazendo lembrar os padres ortodoxos, na mitra que eles
usam em forma de cúpula, diferente da católica, que tem uma ponta.
O solene personagem avança sozinho, até o começo da
escadaria, exposto ao brilho do sol, que o torna ainda mais esplêndido. Os
outros, numa fila em semicírculo, o esperam do lado de fora da porta, à sombra do
pórtico. A esquerda, há um grupo de meninas vestidas de branco, em companhia de
Ana, a profetisa, e outras anciãs, que certamente são mestras.
O Sumo Sacerdote olha para a pequena e sorri. Ela deve
estar-lhe parecendo muito pequena, ainda mais, aos pés daquela escadaria que
parece digna de um templo egípcio! Ele eleva os braços em oração. Todos abaixam
a cabeça, como que aniquilados, diante da majestade sacerdotal que está em
comunhão com a Majestade eterna.
Depois, chegou a hora! Ele faz um sinal a Maria. E ela se
separa da mãe e do pai e sobe, vai subindo, como se estivesse fascinada. Ela
sorri. Está sorrindo, agora já à sombra do Templo, onde desce o Véu precioso.
Já está no alto da escadaria, aos pés do Sumo Sacerdote, que lhe impõe as mãos
sobre a cabeça, a vítima é aceita. Que hóstia mais pura terá tido algum dia o
Templo?
Depois o Sumo Sacerdote se volta até a porta do Templo,
conservando a mão sobre o ombro dela, como para conduzir a cordeirinha sem
mácula ao altar. Antes de fazê-la entrar, lhe pergunta:
– Maria de Davi, sabes qual é o teu voto? Ao “sim” alto e
claro, com que ela lhe responde, ele exclama:
– Entra, então. Caminha em minha presença. E sê perfeita.
Maria entra, pois, e a sombra a faz desaparecer, enquanto o
grupo das virgens e das mestras, e depois o dos levitas, a escondem cada vez
mais, até separá-la. Acabou-se. Agora a porta também gira sobre suas dobradiças
harmoniosas… Uma pequena fresta, permite ainda que se veja o cortejo, que se
vai encaminhando para o Santo. A fresta torna-se apenas um fio. Já não se vê
mais nada. A porta é então fechada. Ao último acorde das dobradiças sonoras,
responde o soluço de dois velhinhos e um único grito:
– Maria! Minha filha! – depois, dois gemidos, um que chama o
outro:
– Ana!
– Joaquim! – e terminam, dizendo:
– Demos glória ao Senhor, que a recebe em sua Casa, e a
conduz pelo seu caminho.
E tudo termina assim.
Jesus diz:
“O Sumo Sacerdote havia dito:
“Caminha em minha presença, e sê perfeita”. Ele não sabia que estava falando à
mulher que era inferior em perfeição só a Deus. Mas ele falava em nome de Deus
e, por isso, sua ordem era sagrada. Sempre sagrada, especialmente quando dada
àquela que é cheia de sabedoria.
Maria havia merecido que a
“Sabedoria fosse ao seu encontro mostrando-se primeiro a ela”, porque, “desde o
começo de sua vida, tinha ficado vigiando à sua porta, desejando instruir-se
por amor, quis ser pura para conseguir o perfeito amor e merecer ter a
sabedoria por mestra”.
Em sua humildade, não sabia que a
possuía desde antes de nascer, e que sua união com a Sabedoria não era outra
coisa, senão a continuação das divinas palpitações do Paraíso. Ela nem podia
imaginar isso. E, quando, no silêncio do coração, Deus lhe dizia palavras
sublimes, Ela humildemente pensava que fossem pensamentos de orgulho, e,
elevando a Deus seu coração inocente, suplicava: “Tem piedade de tua serva,
Senhor!”.
Oh! É bem verdade que a
verdadeira sábia, a virgem eterna, teve um só pensamento, desde a aurora do seu
dia: “Dirigir a Deus o seu coração, desde a manhã de sua vida, estando atenta à
vontade do Senhor, orando diante do Altíssimo”, pedindo perdão pela fraqueza do
seu coração, como sua humildade lhe sugeria, sem saber que estava antecipando
os apelos de perdão que haveria de fazer pelos pecadores, aos pés da Cruz, em
companhia de seu Filho, quase morto.
“Quando, pois, o Senhor o quiser,
ela ficará cheia do Espírito de inteligência, compreendendo, então, sua sublime
missão. Por enquanto, não é senão uma pequenina que, na sagrada paz do Templo,
abraça, tornando mais estreitos com Deus, os laços de seus colóquios, de seus
afetos e de suas recordações.
Isto é para todos. Mas para ti,
pequena Maria, não terá nada em particular para dizer-te o teu Mestre? “Caminha
na minha presença: e portanto sê perfeita”. Modifico ligeiramente a frase
sagrada fazendo dela uma ordem para ti: sê perfeita no amor, na generosidade,
no sofrer.
Olha uma vez mais para minha mãe.
E medita sobre aquilo que tantos ignoram ou querem ignorar, porque a dor é uma
matéria por demais dura para o seu paladar e o seu espírito. A dor. Maria
teve-a desde as primeiras horas da vida. Ser perfeita assim era possuir uma
sensibilidade também perfeita.
Portanto mais agudo ainda devia
ser o seu sacrifício, sendo, então, mais meritório também. Quem possui pureza,
possui amor, quem possui amor possui sabedoria, quem possui sabedoria, possui
generosidade e heroísmo, porque sabe o motivo pelo qual se sacrifica.
Eleva para o alto o teu espírito,
mesmo quando a cruz te perturba, te estraçalha, te mata. Deus está contigo”.
Pg. 52 – 59
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9 – A MORTE DE JOAQUIM E DE ANA
FOI SUAVE, DEPOIS DE UMA VIDA DE SÁBIA FIDELIDADE A DEUS NAS PROVAÇÕES
Jesus diz:
“Como um rápido crepúsculo de
inverno, no qual o vento forte com neve acumula nuvens pelo céu, assim, a vida
dos meus avós conheceu rapidamente o chegar da noite, depois que o sol deles se
deteve, brilhando na sagrada cortina do Templo. Mas, foi dito: “A Sabedoria
inspira vida aos seus filhos, toma sob a sua proteção os que a procuram... Quem
ama a sabedoria, ama a vida, e quem fica vigilante para adquiri-la, haverá de
gozar de sua paz. Quem a possui, terá como herança a vida. Quem a serve,
obedecerá ao Santo, sendo muito amado por Deus. Se crer nela, a terá por
herança, confirmada pelos seus descendentes, porque ela o acompanha nas
provações. Antes de tudo, o escolhe, depois enviará sobre ele todos os temores,
medos e provações, atormentando-o com o açoite de sua disciplina, para prová-lo
em seus pensamentos e adquirir confiança nele. Depois lhe dará estabilidade,
voltando a ele por um caminho reto e o fará contente. Ela lhe descobrirá os
seus segredos, porá nele tesouros de ciência e de inteligência, que se
manifestarão em obras de justiça. Sim, tudo isso foi dito. Os livros
sapienciais são aplicáveis a todos os homens que neles encontram um espelho
para o seu comportamento e sua guia. Mas felizes aqueles que podem ser
identificados entre os amantes espirituais da Sabedoria. Eu me fiz rodear de
sábios, que foram meus parentes mortais. Ana, Joaquim, José, Zacarias e ainda
mais, Isabel, e depois o Batista. Acaso não são eles verdadeiros sábios? Não
falo de minha mãe, na qual a Sabedoria fez sua morada. Da juventude até o
túmulo, a sabedoria tinha inspirado uma vida agradável a Deus aos meus avós,
protegendo-os do perigo de pecar, como uma tenda que protege da fúria dos
elementos. O santo temor de Deus é base para a planta da sabedoria, a qual
lança todos os seus ramos, até atingir, no seu vértice, o amor tranquilo, na
sua paz, o amor pacífico, na sua segurança, o amor seguro, na sua fidelidade, o
amor fiel, na sua intensidade, enfim, o amor total, generoso e ativo dos
santos. “Quem ama a sabedoria, ama a vida, e terá a Vida como herança”, diz o
Eclesiástico. Isto está ligado à minha Palavra: “Aquele que perder a vida por
amor de mim, salvá-la-á”. Porque não se trata da pobre vida desta terra e, sim,
da vida eterna; não se trata das alegrias de um momento, mas das alegrias
imortais. Foi neste sentido que Joaquim e Ana amaram a sabedoria. E ela esteve
com eles nas provações. Quantas provações! Vós que, por não serdes
completamente maus, desejaríeis não ter nunca que chorar e sofrer! Imaginem,
estes justos quantas dessas provações tiveram, embora merecessem ter Maria por
filha! A perseguição política que os expulsou da terra de Davi, empobrecendo-os
grandemente. A tristeza de ver reduzir-se a nada os anos que iam passando, sem
que uma flor lhes dissesse: “Eu serei a vossa continuação”. E, depois, o receio
de tê-la conseguido já na idade em que não tinham nenhuma certeza de chegarem a
vê-la mulher. Além disso, o dever que teriam de cumprir, de afastá-la de seus
corações, para a colocarem sobre o altar de Deus. Ainda mais: tiveram que viver
num silêncio bem mais pesado; depois de estarem já habituados com o arrulhar de
sua pombinha, com o rumor de seus passinhos, os sorrisos e beijos de sua
filhinha, ficaram agora esperando apenas, por entre recordações, a hora de
Deus. E muitas outras coisas. Doenças, calamidades do tempo, prepotência dos
poderosos, quantos duros golpes assestados contra o frágil castelo de sua
modesta propriedade. E ainda não basta. O sofrimento da filha, que está longe
deles, que vai ficar sozinha e pobre, apesar de todos os cuidados e
sacrifícios, não tendo mais do que as sobras dos bens paternos. Como irá esta
filha encontrar essas sobras, se ficarem por muitos anos sem serem cultivadas,
imobilizadas, à sua espera? Temores, medo, provações e tentações. E fidelidade,
fidelidade, fidelidade sempre, a Deus. E a tentação mais forte: que não se lhes
negasse o conforto de terem sua filha junto a eles quando já estivessem bem
idosos. Mas, os filhos são de Deus, antes de serem dos pais. E cada filho pode
dizer isto que Eu disse à minha mãe: “Não sabes que Eu devo tratar dos
interesses do Pai do Céu?” E cada mãe, cada pai deve aprender o que fazer,
olhando Maria e José no Templo, ou Ana e Joaquim na sua casa de Nazaré, cada
vez mais despojada e mais triste, embora possua algo que não diminui nunca,
crescendo sempre mais: a santidade de dois corações, a santidade de um
casamento. O que resta a Joaquim, já enfermo, e o que resta à sua sofredora
esposa, nas longas e silenciosas tardes de velhos a caminho da morte? Os vestidinhos,
as primeiras sandalinhas, os pobres brinquedos de sua pequenina, que agora está
longe deles, e sempre as lembranças. E, com as lembranças, uma paz que lhes
nasce no coração, quando cada um pode dizer: “Estou sofrendo, mas cumpri o meu
dever de amor para com Deus”. Estamos, pois, diante de uma alegria sobre
humana, que brilha com uma luz celestial, desconhecida aos filhos do mundo, e
que não perde o brilho ao cair, como pálpebra pesada sobre dois olhos
moribundos, mas que, na sua última hora, resplende ainda mais, evidenciando
verdades ocultas durante toda a vida, fechadas como borboletas em seus casulos,
que só davam sinal de sua presença por movimentos suaves, enquanto que agora
podem abrir suas asas douradas, mostrando as palavras que as adornam. A luz de
suas vidas vai-se apagando no conhecimento de um futuro feliz para eles e para
sua estirpe, com um louvor ao nome do Senhor sobre os lábios. Assim foi a morte
dos meus avós, justamente pela santa vida que tiveram. Por sua santidade eles
mereceram ser os primeiros guardiães da amada de Deus, e, somente quando um sol
maior se mostrou no ocaso de suas vidas, eles entenderam claramente a graça que
Deus lhes havia concedido. Por sua santidade, Ana não passou pelos sofrimentos
da mulher que dá à luz, mas, sim, pelo êxtase de quem trazia consigo aquela que
é a sem culpa. Para os dois não houve aflições de agonia, mas uma languidez que
foi-se desvanecendo, assim como docemente vai-se apagando uma estrela, à medida
que o sol vem surgindo com a aurora. Eles não tiveram o conforto de ter-me
consigo, Sabedoria Encarnada, como pôde José; no entanto, Eu era a invisível
Presença que, inclinada sobre o travesseiro deles, fazendo-os adormecer em paz,
na esperança do triunfo, lhes dizia sublimes palavras. Há quem diga: “Por que
não tiveram que sofrer para gerar, nem para morrer, sendo eles também são
filhos de Adão?”. Eu respondo: “O Batista foi pré-santificado só por ter
chegado perto de mim, quando estava no ventre de sua mãe, tendo sido ele também
filho de Adão, concebido com o pecado original; não teria recebido nenhuma
graça a santa mãe daquela que não teve mancha, preservada por Deus, por trazer
o próprio Deus no seu espírito quase divino e no seu coração embrionário, sem
nunca de Deus se separar, desde que foi pensada pelo Pai, concebida num ventre,
tornando a possuir Deus plenamente no céu por uma eternidade gloriosa? E ainda
respondo: “A reta consciência dá uma morte serena, e as orações dos santos vos
alcançam tal morte”. Joaquim e Ana deixaram atrás de si uma vida inteira vivida
numa consciência reta, que surge então como plácido panorama, servindo-lhes de
guia para o Céu. Eles tinham a santa, em oração pelos seus pais que estavam
longe, diante do Tabernáculo de Deus, pais colocados por ela em segundo lugar
depois de Deus, que é o Bem supremo, mas que eram amados, como a lei e o
sentimento o exigiam, com um amor sobrenaturalmente perfeito.”
Pg. 59-62
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10 –
CÂNTICO DE MARIA. ELA SE LEMBRAVA DE TUDO O QUE O SEU ESPÍRITO HAVIA VISTO EM
DEUS.
Jesus diz:
“Maria
se recordava de deus. Sonhava com Deus. Pensava estar sonhando. Não fazia mais
do que rever tudo o que seu espírito havia visto no fulgor do Céu de Deus, no
momento em que tinha sido criada, para ser unida a carne concebida na terra.
Ela partilhava uma das propriedades de Deus, ainda que de modo menor, como
exigia a justiça. Assim, ela tinha a faculdade de recordar, ver e prever por
atributo de uma inteligência poderosa e perfeita, não lesada pela Culpa.
O homem
foi criado à imagem e semelhança de Deus. Uma das semelhanças está na
possibilidade de recordar, ver e prever, através do espírito. Isto explica
também a faculdade de ver o futuro. Muitas vezes, esta faculdade aparece, pela
vontade de Deus, de modo direto, outras vezes, vem pela lembrança que se ergue,
como o sol da manhã, iluminando um determinado ponto do horizonte dos séculos,
como é visto no seio de Deus. Estes são mistérios altos demais para que os
possais compreender plenamente. Mas, pensai.
Aquela
inteligência suprema, aquele Pensamento que tudo sabe, aquela vista que tudo
vê, que vos criou por um ato de sua vontade, com um sopro de Seu infinito amor,
fazendo-vos filhos Seus, por origem, filhos Seus também pela meta a que fostes
destinados, poderá Ele, por acaso, dar-vos algo sem ser Ele mesmo? Ele vo-la dá
em uma medida infinitamente pequena, porque nunca uma criatura poderia ter a
capacidade de seu Criador. Mas a medida que vos dá, ainda que em sua infinita
pequenez, é perfeita e completa.
Que
tesouro de inteligência Deus deu ao homem Adão! A culpa certamente, diminuiu a
inteligência, mas o meu Sacrifício reintegra o homem, e abre para vós os
fulgores da inteligência, os seus canais, a sua ciência. Oh! Que sublimidade
tem a mente humana, unida a Deus pela Graça, participando da Sua capacidade de
conhecer! A mente humana unida a Deus pela Graça.
Não
existe outro modo. Os curiosos de segredos ultra-humanos que pensem nisso. Todo
conhecimento que não proceda de uma alma em estado de Graça – e não está em
Graça quem está contra a Lei de Deus, tão clara em suas ordens – só pode provir
de Satanás. Dificilmente Satanás corresponde à verdade em tudo o que se refere
a assuntos humanos, e nunca corresponde à verdade no que se refere ao
sobrenatural, porque o demônio é pai da mentira, conduzindo-vos consigo aos
caminhos da mentira. Não há nenhum outro método para conhecer a verdade, senão
o método de Deus, o qual fala, diz ou faz lembrar, assim como um pai que faz um
filho recordar-se da casa paterna ao dizer: “Estás lembrado de quando comigo
fazias isto, vias aquilo, ou ouvias aquilo outro? Estás lembrado de quando
recebias o meu beijo de despedida? Lembras-te de quando me viste pela primeira
vez, o sol fulgurante do meu rosto sobre a tua alma virgem, que tinha acabado
de ser criada, e estava ainda limpa do marasmo, que mais tarde te diminuiu e
degradou, quanto mal acabavas de sair de Mim? Lembras-te ainda de quando
chegaste a compreender, em um sobressalto de amor, o que é o Amor? Qual é o
mistério do nosso ser e da nossa procedência?” Até onde a capacidade limitada
do homem em estado de graça não consegue chegar, vem o Espírito falar-lhe e
ensinar-lhe.
Contudo,
para o homem possuir o Espírito é necessária a Graça. Para possuir a Verdade e
a Ciência é necessária a Graça. Para o homem ter o Pai é necessária a Graça. A
Graça é a Tenda em que as três Pessoas fazem a sua morada, é o Propiciatório
sobre o qual pousa o Eterno, e fala, não mais de dentro da nuvem, mas revelando
sua Face ao filho fiel. Os Santos se recordam de Deus, das palavras ouvidas da
mente criadora e que a Bondade ressuscita em seus corações, para elevá-los,
como águias, à contemplação do Verdadeiro e ao conhecimento do tempo.
Maria era
a cheia de Graça. Toda a Graça, uma e trina estava nela, toda a Graça uma e
trina a preparava como esposa para as núpcias. Preparava-a como o leito nupcial
para a prole, divinizando-a para a sua maternidade e missão. Ela é a que vem
concluir o ciclo das Profecias do Antigo Testamento, e abre o ciclo dos
“Porta-vozes de Deus”, no Novo Testamento.
Arca da
verdadeira palavra de Deus, olhando em seu seio eternamente inviolado, Maria
descobria as palavras da ciência eterna, traçadas pelo dedo de Deus em seu coração
imaculado, es se recordava, como todos os Santos, tê-las já ouvido, quando
gerada com o seu espírito imortal de Deus Pai, criador de toda vida. E, se não
se recordava de tudo, a respeito de sua futura missão, é porque em toda
perfeição humana, Deus deixa algumas lacunas, por divina prudência, que é
bondade e merecimento, em favor da criatura.
Como
uma segunda Eva, Maria precisou conquistar a sua parte de merecimento, ao ser a
mãe de Cristo, com uma fiel boa vontade, que Deus quis ter até em seu Cristo,
para fazê-lo Redentor.
O
espírito de Maria estava no Céu. Sua personalidade e sua carne estavam na
terra, devendo pisar terra e carne, para chegar ao espírito e uni-lo ao
Espírito num abraço fecundo.”
Pg, 68 – 70.
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11 – MARIA CONFIDENCIA SEU VOTO
AO SUMO SACERDOTE
3 de setembro de 1944.
Que noite de inferno! Parecia mesmo que os demônios
estivessem soltos sobre a terra. Canhonaços, trovões, relâmpagos, perigo, medo,
sofrimento por estar em uma cama não minha e, em meio a tudo isso, como uma
flor toda branca e suave, colocada entre labaredas e espinheiros, a presença de
Maria, que está um pouco mais adulta do que na visão de ontem, mas sempre
jovem, com as suas tranças loiras sobre os ombros, com o seu vestido branco,
com seu sorriso doce e cheio de recolhimento, um sorriso interior, voltado para
o mistério glorioso, que ela acolheu em seu coração. Passo a noite comparando o
seu suave aspecto com a ferocidade que há no mundo, e relembrando suas palavras
de ontem cedo, um canto de viva caridade, com o ódio dos que se dilaceram.
Agora de manhã, tendo voltado ao silêncio do meu quarto,
assisto a esta cena. Maria está sempre no Templo. Agora, ela está saindo com
outras virgens do Templo verdadeiro e propriamente dito.
Lá dentro deve ter havido alguma cerimônia, pois o cheiro do
incenso se espalha pelo ar, que está todo avermelhado por causa de um belo
pôr-do-sol, que eu diria de um outono adiantado, com um céu docemente cansado,
como um outubro sereno, inclinando-se sobre os jardins de Jerusalém, nos quais
o amarelo-ocre das folhas, estando para cair, vão derramando manchas
loiro-avermelhadas no verde-prateado das oliveiras.
A fileira, ou melhor, o cândido enxame das virgens, atravessa
o pátio dos fundos, sobe por uma escadaria, passa por uma série de pórticos,
entra em um outro pátio mais simples, quadrado, tendo uma única entrada. Deve
ser este o lugar que serve para acomodar os pequenos quartos das virgens
destinadas ao Templo, pois cada menina se dirige para a sua cela, como uma
pombinha para o seu ninho, e até parece um bando de pombas que se separam,
depois de estarem unidas respondendo a um apelo. Muitas, eu diria todas, falam
entre si em voz baixa e alegre, antes de se separarem. Maria está calada.
Somente antes de se separar das outras, ela as saúda afetuosamente, depois se
dirige para o seu pequeno quarto, que fica num canto à direita. Lá, ela se
encontra com uma mestra também anciã, embora não tanto quanto Ana de Fanuel.
– Maria, o Sumo Sacerdote te espera.
Maria olha para ela, ligeiramente surpresa, mas não lhe
pergunta nada. Responde só isto:
– Irei imediatamente.
Não sei se a ampla sala em que ela entra faz parte da casa do
Sacerdote, ou se faz parte dos aposentos das mulheres que trabalham no Templo.
Só sei que é uma sala vasta e muito clara, bem arrumada, onde, além do Sumo
Sacerdote, majestoso em suas vestes, estão também Zacarias e Ana de Fanuel.
Maria faz uma grande reverência na entrada, não continuando a
entrar até que o Sumo Sacerdote lhe diga:
– Adiante, Maria. Não temas. – Maria ergue, então, de novo o
corpo, e vai para a frente devagar, não porque queira, mas por um movimento
involuntário que lhe dá um ar solene, fazendo-a parecer, de fato, uma mulher. Ana
sorri para ela, para dar-lhe coragem, e Zacarias a saúda, dizendo:
– A paz esteja contigo, prima.
O Pontífice a observa atentamente, e depois diz a Zacarias:
– Nela se vê logo a estirpe de Davi e de Arão.
– Minha filha, eu conheço a tua graça e bondade. Sei que cada
dia vieste crescendo na ciência e na graça, aos olhos de Deus e dos homens. Sei
que a voz de Deus murmura ao teu coração as mais doces palavras. Sei que tu és
a Flor do Templo de Deus e que um terceiro querubim está diante do Testemunho,
desde quando tu lá estás. Eu gostaria que o teu perfume continuasse a subir com
o incenso em cada novo dia. Mas as palavras que a Lei diz são outras. Tu não és
mais uma menina, mas uma mulher. E toda mulher deve ser esposa em Israel, para
levar ao Senhor o seu filho varão.
Tu cumprirás a ordem da Lei. Não tenhas medo, não fiques
envergonhada. Estou bem lembrado da tua realeza. A própria Lei já tutela essa
condição, quando ordena que a cada homem seja dada a mulher da sua estirpe. Ainda
que assim não fosse, assim eu o faria, para não corromper o teu nobilíssimo
sangue. Não conheces, Maria, alguém da tua estirpe, que possa ser o teu esposo?
Maria ergue o rosto, todo ruborizado de pudor, e sobre o
qual, dos cílios das pálpebras vem brotando um primeiro sinal de pranto, e com
voz trémula, responde:
– Ninguém.
– Mas ela não pode conhecer alguém, porque entrou aqui em sua
infância, e a estirpe de Davi tem sido perseguida e dispersa de tal modo, que
não foi possível que os diversos ramos se reunissem como em uma fronde,
formando a copa da palmeira real – diz Zacarias.
– Então, vamos deixar para Deus a escolha.
As lágrimas, até aí contidas jorram agora, e descem até à
boca trémula, e Maria lança um olhar suplicante à sua mestra.
– Maria fez um voto ao Senhor pela sua glória e pela salvação
de Israel. Naquele tempo ela não passava de uma menina, estava aprendendo a
soletrar, e já se tinha obrigado por um voto…- diz Ana em sua ajuda.
– O teu pranto, então, é por isso? Não é por resistência à
Lei?
– É por isso… e não por outra causa. Eu obedeço a ti,
Sacerdote de Deus.
– Isto vem confirmar tudo o que sempre me foi dito de ti. Há
quantos anos que fizeste essa promessa de virgindade?
– Desde sempre, penso. Ainda não estava neste Templo, e já me
havia entregue ao Senhor.
– Não és tu aquela pequenina que, faz agora doze invernos,
vieste pedir-me para entrar?
– Sou eu.
– E como podes dizer que naquele tempo já eras de Deus?
– Se olho para trás, vejo-me consagrada já ao Senhor. Não
posso lembrar-me da hora em que nasci, nem de como foi que comecei a amar a
minha mãe e a dizer a meu pai: “Meu pai, eu sou tua filha” Mas eu me lembro,
ainda que não saiba quando começou, de ter dado a Deus meu coração.
Talvez tenha sido com o primeiro beijo que eu soube dar, com
a primeira palavra que eu consegui pronunciar, com o primeiro passo que eu fui
capaz de dar… Sim, isso mesmo. Creio que a primeira recordação de amor, vou
encontrá-la no primeiro passo firme que eu consegui dar… Minha casa… tinha um
jardim cheio de flores… tinha um pomar e muitos campos… e lá havia uma
nascente, bem lá no fundo, ao sopé de um monte, e a nascente jorrava de uma
rocha escavada, que formava uma gruta… era cheia de ervas de talos longos e
finos, que ficavam penduradas como pequenas cascatas verdes, que vinham de
diversas direções e parecia que estivesse chovendo, porque as folhinhas leves
das pequenas copas semelhantes a um bordado, tinham uma gotinha de água em cada
uma que, ao pingar, fazia o som de uma campainha, bem pequenina. E a nascente
também cantava.
Lá havia passarinhos nos ramos das oliveiras e das macieiras,
que estavam na encosta acima da nascente, pombas brancas, que vinham lavar-se
no espelho límpido da água da fonte… Eu não me lembrava mais de tudo aquilo,
porque eu tinha colocado todo o meu coração em Deus e, com exceção do pai e da
mãe, amados por mim na vida e na morte, quaisquer outras coisas da terra tinham
desaparecido do meu coração… Mas tu me estás fazendo pensar, Sacerdote… Devo
descobrir quando foi que me dei a Deus… e por isso as coisas dos primeiros anos
estão voltando à minha mente… Eu amava aquela gruta, porque, mais doce do que o
canto da água e dos passarinhos, lá eu ouvia uma Voz que me dizia: “Vem, minha
querida!”.
Eu amava aquelas ervas ornadas com gotas sonoras e parecidas
com lindos diamantes, porque nelas eu via o sinal do meu Senhor, e me tornava
alheia a tudo mais, ao dizer a mim mesma: “Vê como é grande o teu Deus, ó minha
alma! Aquele que fez os cedros do Líbano, lá no Norte, fez também aqui estas
folhinhas que se inclinam sob o peso de um mosquitinho, para alegria dos teus
olhos e como anteparo para os teus pequenos pés”. Eu amava aquele silêncio das
coisas puras: o vento leve, a água prateada, o asseio das pombas… eu amava
aquela paz que velava sobre a pequena gruta, descendo das macieiras e das
oliveiras, agora todas em flor, e depois todas carregadas de frutos. E não sei…
parecia que a Voz me dissesse: “Vem, tu, minha oliva linda; vem, tu, doce maçã;
vem, tu, fonte selada; vem, tu, ó minha pomba” Doce, o amor do pai e da mãe…
doce era a voz deles que me chamava… mas esta voz, esta voz!
Oh! No Paraíso terrestre, penso que foi assim que a ouviu
aquela que foi a culpada, e eu nem sei como foi que ela pôde preferir um sibilo
a esta Voz de amor, como pôde apetecer um outro conhecimento, que não fosse o
de Deus… Com os lábios, que ainda estavam com o cheiro do leite materno, mas
com o coração tornado ébrio pelo mel celeste, eu disse, então: “Eis-me aqui, eu
vou. Sou tua. E nenhum outro senhor terá a minha carne, senão Tu, Senhor, como
outro amor não tem o meu espírito” Parecia-me estar repetindo coisas já ditas e
estar cumprindo um rito há tempo realizado, nem era estranho para mim o Esposo
escolhido, porque Dele conhecia já o ardor e minha vista estava já afeita à sua
luz, e minha capacidade de amar se havia completado entre os seus braços.
Quando foi? Não sei. Do lado de lá da vida, eu diria, porque sinto que sempre o
tive, e que Ele sempre me teve, e que eu existo porque Ele me quis para alegria
do seu Espírito e do meu… Agora, eu obedeço, Sacerdote.
Mas diz-me tu, como é que deverei agir. Não tenho pai nem
mãe. Se tu o meu guia.
– Deus te dará o esposo, e santo ele há de ser, pois te
entregas a Deus. Tu contarás ao teu esposo qual é o teu voto.
– E ele aceitará?
– Assim espero. Reza, ó filha, para que ele possa compreender
teu coração. Vai agora. Deus te acompanhe sempre.
Maria se retira com Ana. Zacarias fica com o Pontífice. Cessa
assim a visão.
Pg. 70 - 75
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12 – JOSÉ ESCOLHIDO COMO ESPOSO
DA VIRGEM
Vejo um rico salão lindamente pavimentado, com cortinas,
tapetes e móveis entalhados. Deve ainda ser também essa, uma parte do Templo,
porque vejo sacerdotes, entre os quais Zacarias, e muitos homens de várias
idades, ou seja: de vinte a cinquenta anos, mais ou menos.
Eles estão falando animadamente uns com os outros em voz
baixa. Parecem estar ansiosos por alguma coisa, que eu ainda não sei o que
seja. Todos estão com roupas novas, ou pelo menos lavados há pouco, como se
estivessem preparados para uma festa. Muitos tiraram o véu que lhes estava
cobrindo a cabeça, mas outros ficaram cobertos, especialmente os anciãos. Os
jovens preferem ficar com as cabeças descobertas, uns ostentando suas
cabeleiras loiro-escuras; outros, as cor de amora; alguns, as bem escuras; e
vejo uma de cor vermelho cobre. A maior parte dos jovens tem os cabelos
cortados curtos; mas há também os de longas cabeleiras que descem até os
ombros. Parece que eles não se conhecem uns aos outros, pois vejo como estão se
observando mutua e curiosamente. Mas devem ser parentes entre si, porque
pode-se notar que há um pensamento que está preocupando a todos.
A um canto estou vendo José. Ele está falando com um velhinho
ainda robusto. José deve ter seus trintas anos. É um belo homem, de cabelos
curtos e um tanto crespos, de cor castanho escuro, como sua barba e seus
bigodes, que formam um sombreado, pondo em relevo o queixo, subindo pelas
faces, que são moreno-avermelhadas, não oliváceas, como costumam se os homens
morenos. Ele tem os olhos escuros, bons e profundos, muito sérios e parecendo
até um pouco tristes. Mas, quando Ele sorri, como está fazendo agora, seus
olhos se tornam alegres e joviais. José está todo vestido de um marrom claro,
muito simples, mas muito bem arrumado.
Agora entra um grupo de jovens levitas, colocando-se entre a
porta e uma longa e estreita mesa, que fica perto da parede. A porta, ao meio
da mesa, fica aberta. Somente uma das cortinas desce até vinte centímetros do
solo, cobrindo o vão da porta.
A curiosidade aumenta. E, ainda mais, quando uma mão afasta a
cortina para dar passagem a um levita, que traz nos braços um feixe de ramo
secos, sobre o qual foi colocado um ramo florido, com todo o cuidado. Em uma
fina camada, as pétalas brancas das flores mal se recordam de sua primeira cor
rosada, que ainda se pode ver no centro, tornando-se, porém, mais clara, à
medida que se aproxima das extremidades das delicadas pétalas. O levita coloca
o feixe de ramos sobre a mesa, com muito cuidado, para não estragar o milagre
daquele ramo florido, que está em meio a tantos ramos secos.
Um murmúrio passa pelo salão. Os pescoços se espicham, os
olhares se tornam mais atentos. Até Zacarias, com os sacerdotes que estão perto
da porta, está querendo ver. Mas não consegue. José, no seu canto, dá apenas
uma olhadela no feixe de ramos, e quando um interlocutor lhe diz algo, faz um
gesto de negação, como se tivesse dizendo:
- Impossível! E sorri.
Ouve-se um toque de trombeta, do outro lado da cortina. Todos
se calam, e se colocam em ordem, com o rosto virado para a saída, que agora
está completamente aberta, com a cortina deslizada pelas argolas. Entra o Sumo
Pontífice, rodeado por outros anciãos. Todos se inclinam profundamente. O
Pontífice vai até à sua mesa, falando assim:
-Homens da estirpe de Davi, que aqui vos reunistes, em
obediência a uma ordem minha, escutai. O Senhor falou, louvores sejam dados a
Ele! De sua Glória desceu um raio e, como um sol de primavera, deu vida a um
ramo seco, que floresceu milagrosamente, enquanto nenhum outro ramo da terra
hoje está florido, no último dia das Encênias, quando ainda não se derreteu a
neve que caiu sobre as montanhas de Judá, sendo a única candura que existe
entre Sião e Betânia. Deus falou, fazendo-se Pai e tutor da virgem de Davi, que
não tem nenhum outro senão Ele para a sua tutela. Santa menina, glória do
Templo e da estirpe, mereceu a palavras de Deus para ficar conhecendo o nome do
esposo que agradou ao Eterno. Ele deve ser muito justo, para ser o eleito do
Senhor como guarda da virgem a Ele tão querida! Por isso, a nossa dor de
perdê-la se atenua, e cessa toda a nossa preocupação quanto ao seu destino de
esposa. E ao que foi indicado por Deus confiamos com toda a segurança a virgem
sobre a qual está a bênção de Deus e nossa. O nome do esposo é José de Jacó, de
Belém, da tribo de Davi, carpinteiro em Nazaré da Galiléia. José, vem para a
frente! O Sumo Pontífice te ordena.
Grande murmúrio. Cabeças que se viram, olhos e mãos que acenam,
explosões de desilusão e expressões de alivio. Alguém, especialmente entre os
velhos, deve ter ficado alegre por não ter tido esta sorte. José muito vermelho
e embaraçado, vai para a frente. Está agora diante da mesa, em frente ao
Pontífice, que saúda com reverencia.
-Vinde todos e olhai o nome escrito sobre o ramo. Apanhe cada
um seu próprio ramo, para que se prove que não houve fraude.
Os homens obedecem. Olham para o ramo que está delicadamente
seguro pelo Sumo Pontífice, apanha cada um seu próprio ramo, e uns o
despedaçam, outros o conservam. Todos observam José, há quem olhe e se cale e
outros que se felicitam. O velhinho, com quem José conversava antes, diz:
-Eu não te havia dito, José? Quem menos se sente seguro, é o
que vence a partida! Agora todos já passaram.
O Sumo Sacerdote entrega a José o ramo florido, e depois põe-lhe
a mão sobre o ombro, dizendo:
-A esposa que Deus te dá não é rica, tu bem o sabes. Mas
possui todas a virtudes. Procura ser sempre mais digno dela. Não há em Israel
outra flor de tão rara beleza e pureza. Agora, saí, todos vós ficando apenas
José. Tu, Zacarias, como seu parente, conduz a esposa até aqui.
Todos saem, menos o Sumo Sacerdote e José. A cortina torna a
ser baixada sobre a saída. José, todo humilde, está junto ao majestoso
Sacerdote. Há um momento de silêncio, e depois o Sacerdote lhe diz:
-Maria precisa dizer-te um voto seu. Procuras ajudar a
timidez dela. Sejas bom para com ela.
-Porei a minha virilidade a seu serviço e nenhum sacrifício,
por ela, me será pesado. Fica certo disso.
Maria entra com Zacarias e Ana de Fanuel.
-Vem, Maria. – diz o Pontífice – Eis o esposo que Deus te
destinou. É José de Nazaré. Voltarás, pois, para a tua cidade. Agora eu vos
deixo. Deus vos dê a Sua benção. O Senhor vos guarde e abençoe, mostrando-vos a
sua face e tendo sempre piedade de vós. Que Ele volte para vós o seu rosto e
vos dê a paz.
Zacarias sai, acompanhando o Pontífice. Ana se congratula com
o esposo e depois também sai. Os dois noivos ficam um em frente ao outro.
Maria, com o rosto vermelho, está de cabeça inclinada. José também ruborizado,
a observa, procurando as primeiras palavras para dizer.
Finalmente um sorriso ilumina-lhe o rosto. Ele diz:
- Eu te saúdo, Maria. Eu te vi menina de poucos dias... Era
amigo de teu pai, e tenho um sobrinho, filho do meu irmão Alfeu, que era muito
amigo de tua mãe. Seu pequeno amigo, que hoje não tem mais do que dezoito anos,
quando não tinhas ainda nascido era como um homenzinho e alegrava as horas
tristes de tua mãe, que o amava muito. Tu não conheces, porque vieste para aqui
ainda pequena. Mas em Nazaré todos te querem bem, pensam na pequena Maria e
falam nela, na pequena Maria do Joaquim, cujo nascimento foi um milagre do
Senhor, que fez com que uma estéril florescesse... Eu me lembro daquela tarde
em que nasceste... Todos nós lembramos dela pelo prodígio acontecido de uma
grande chuva que veio salvar os campos, e de um violento temporal no qual os
raios não destroçaram nem mesmo um caule de érica selvagem, e que terminou com
um arco-íris tão surpreendente, que ninguém jamais viu outro maior, nem mais
bonito. E depois... que não se lembra da alegria do Joaquim? Ele te levava por
toda parte, mostrando-te aos vizinhos... Como se fosses uma flor vinda do Céu,
ele te admirava, e queria que todos te admirassem. O velho pai era feliz e
morreu falando de sua Maria, tão bela, tão boa, e de suas palavras tão cheias
de graça e sabedoria... Ele tinha razão de te admirar e de dizer que não existe
outra mais bela do que tu! E tua mãe? Ela enchia com o seu canto o lugar onde
era a tua casa, e parecia uma cotovia na primavera, quando te levava em suas
entranhas e, mais tarde, quando te amamentava. Fui eu que fiz teu berço. Um
bercinho todo talhado com rosas, porque assim o quis tua mãe. Talvez ele ainda esteja
na casa que está fechada... Eu estou velho, Maria. Quando nasceste, eu estava
fazendo os meus primeiros trabalhos. Já fazia alguma coisa... Quem me teria
dito que eu haveria de ter-te como esposa? Talvez os teus pais tivessem morrido
mais alegres, pois eles eram meus amigos. Eu sepultei o teu pai, chorando, com
um coração sincero, porque ele foi para mim um bom mestre na vida.
Maria vai erguendo devagarinho seu rosto, reanimando-se
sempre mais, ouvindo que José lhe fala assim e, quando ele se refere ao berço,
ela sorri levemente, e quando José lhe fala do pai, ela lhe estende uma mão e
diz:
- Obrigada, José. – Um agradecimento tímido e suave.
José toma a mãozinha de jasmim, entre as suas mãos curtas e
fortes de carpinteiro e a acaricia com um afeto que quer encorajar sempre mais.
Talvez espere por outras palavras. Mas Maria se cala de novo. Então, é ele que
retoma a palavra:
- A casa, como sabes, esta intocada, menos naquela parte que
foi demolida por ordem do Cônsul, transformando um atalho numa estrada, para as
carruagens de Roma. Mas o campo está um pouco descuidado, aquela parte ficou
para ti, porque, tu sabes, a doença do pai fez que se gastasse muito do que era
teu. Já são mais de três primaveras que as arvores e as videiras não veem a
tesoura do hortelão. A terra está inculta e dura. Mas as árvores, que te viram
pequenina, estão lá ainda e, se tu me permites, eu vou cuidar logo delas.
- Obrigada José. Mas tu já estás trabalhando...
- Trabalharei no teu pomar nas primeiras e nas últimas horas
do dia. Agora os dias estão alongando-se cada vez mais. Na primavera, quero que
tudo esteja em ordem, para a tua alegria. Olha, este é um ramo da amendoeira
que está à frente da casa. Eu quis apanhar este... Há entradas por toda parte
na sebe arruinada, mas agora eu a consertarei e a farei ficar mais forte e
sólida. Eu quis apanhar este ramo, pensando que se fosse o escolhido... (não o
esperava, porque sou nazireu e só obedeci por ser ordem do Sacerdote, não por
desejar as núpcias) Como eu ia dizendo, pensei que terias tido prazer em ter
uma flor do teu jardim. Ei-la aqui, Maria. Com ela te dou o meu coração que,
como esta flor, floresceu até agora para o Senhor, florescendo agora para ti,
minha esposa.
Maria pega o ramo. Está comovida, e olha para José com um
rosto sempre mais tranquilo e radiante. Sente-se segura com ele. Por isso,
quando lhe disse: “Eu sou nazireu”, o rosto de Maria se iluminou, e ela se
encheu de coragem.
- Eu também sou toda de Deus, José. Não sei se o Sumo
Sacerdote te disse isto.
- Ele só me disse que és boa e pura, que irás falar de um
voto, e que eu seja bom para contigo. Fala, Maria. O teu José quer te fazer
feliz em todos os teus desejos. Eu não te amo com a carne. Eu te amo com o meu
espírito, ó santa menina a mim dada por Deus! Vê em mim, Maria, um pai e um
irmão, mais do que um esposo. Como em um pai, confia, e como a um irmão,
tranquiliza-te.
- Desde a minha infância, eu me consagrei ao Senhor. Eu sei
que em Israel não se faz isso. Mas eu ouvia uma Voz que me pedia a minha
virgindade como um sacrifício de amor pela vinda do Messias. Faz tanto tempo
que Israel o está esperando! Por este motivo não é demais renunciar à alegria
de ser mãe!
José olha para ela fixamente, como se quisesse ler em seu
coração, e depois lhe pega as duas mãozinhas, que ainda estão com o ramo
florido entre os dedos, e diz:
- Eu também unirei o meu sacrifício ao teu, e amaremos tanto
ao Eterno com a nossa castidade, que Ele haverá de dar o Salvador mais depressa
à terra, permitindo-nos ver a sua Luz brilhar no mundo. Vem, Maria. Vamos andar
na frente de sua Casa, e juremos que nos haveremos de amar como anjos se amam
uns aos outros. Depois eu irei a Nazaré preparar para ti na tua casa, se
achares bom ires para lá, ou então um outro lugar, que preferires.
- Na minha casa havia uma gruta, lá no fundo. Ainda existe?
- Ainda existe, mas não é mais tua. Mas eu farei uma para ti,
onde sentirás um ar fresco, que te porás à vontade, nas horas quentes do dia.
Eu a farei, o mais possível, igual à outra. Diz-me uma coisa: quem gostarias de
ter contigo?
- Ninguém. Eu não tenho medo. A mãe do Alfeu, que sempre
costuma vir estar comigo, me fará um pouco de companhia de dia. De noite
prefiro ficar sozinha. Nada me pode acontecer de mal.
- Além disso, eu agora estarei lá. Quando devo vir te buscar?
- Quando quiseres, José.
- Então virei, logo que a casa esteja em ordem. Não vou tocar
em nada. Quero que encontres tudo como tua mãe a deixou. Mas quero que ela
esteja cheia de sol e bem limpa, para receber-te sem tristeza. Vem, Maria. Vamos
dizer ao Altíssimo que o bendizemos. Não vejo mais nada. Mas fica em meu
coração o sentido da segurança que Maria está experimentando.
Pg. 75-80
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13 –
CASAMENTO DA VIRGEM COM JOSÉ, QUE É INSTRUÍDO PELA SABEDORIA PARA TORNAR-SE O
GUARDIÃO DO MISTÉRIO
5 de setembro de 1944.
Como está bela Maria, entre
suas amigas e mestras festivas, com as suas vestes de esposa! No meio delas,
está também Isabel. Toda vestida com um linho alvíssimo, tão macio e fino, que
parece seda preciosa. Um cinturão, feito de ouro e prata, trabalhado a buril, é
formado por medalhões presos um ao outro por correntinhas
Cada medalhão é um bordado
feito com fios de ouro, entremeados com os de prata, que o tempo já poliu – O
cinturão cinge a fina cintura de Maria e, talvez porque ele fica muito folgado
para ela, pois ela é ainda muito jovem, está pendurado na frente com os três
últimos medalhões da ponta, descendo por entre as pregas do vestido, que é
bastante amplo, e que ela vai arrastando um pouco, por ser comprido demais. Nos
pés tem sandálias feitas de uma pele muito branca, com fivelas de prata.
Ao pescoço, o vestido está
ajustado por meio de uma correntinha com rosetas de ouro e filigranas de prata,
que reproduzem, em ponto pequeno, a figura do cinturão e passa pelos ilhoses,
que estão no amplo decote, reunindo suas margens em várias dobras, e formando
um belo adorno. O pescoço de Maria sobressai daquela alvura cheia de dobras com
a beleza de um caule envolto em uma gaze preciosa, e parece ficar ainda mais
delgado e branco, um caule de lírio, que termina no rosto lirial, que tornou-se
ainda mais pálido e puro pela emoção. Um rosto de hóstia puríssima.
Seus cabelos já não estão mais
caídos sobre os ombros. Estão graciosamente dispostos em um laço com tranças,
que alguns grampos de prata brunida, todos feitos em bordado de filigrana no
ponto mais alto, conservam os cabelos em seu lugar. O véu materno está pousado
sobre estas tranças e recai em graciosas dobras até abaixo da lâmina preciosa,
que está cingindo a branquíssima fronte.
Ele não desce até a cintura,
porque Maria não é alta como era sua mãe, e nela o véu passa abaixo dos
quadris, enquanto que em Ana chegava só até a cintura. Maria não tem nada nas
mãos, tem braceletes nos pulsos. Mas seus pulsos são tão finos, que os pesados
braceletes maternos caem até o dorso das mãos e, se Maria as sacudisse, eles
cairiam no chão. As companheiras a estão contemplando de todos os lados, e a
admiram. Fazem um alegre chilrear de passarinhos, com os seus pedidos e
palavras de admiração.
– São de tua mãe?
– Antigos, não é?
– Que bonita, Sara, esta
cintura!
– E este véu, Susana? Olha que
fino! E olha estes lírios tecidos nele!
– Deixa-me ver as pulseiras,
Maria! Eram de tua mãe?
– Ela as usou. Mas eram da mãe
de Joaquim, meu pai.
– Oh! Vê só! Trazem o selo de
Salomão, entremeado com finos raminhos de palmeira e de oliveira, e entre eles
há lírios e rosas. Oh! Quem terá feito um trabalho tão minucioso e perfeito?
– São da Casa de Davi. –
explica Maria – São usados, há séculos, pelas mulheres da estirpe, que se
tornam esposas, e ficam de herança para a herdeira.
– Certo. Pois tu és uma filha
herdeira…
– Trouxeram-te tudo de Nazaré?
– Não. Quando minha mãe morreu,
minha prima levou o enxoval para sua casa, a fim de conservá-lo melhor. E agora
o trouxe para mim.
– Onde está? Onde? Mostra-o ás
amigas.
Maria não sabe como fazer. Ela
gostaria de ser cortês, mas gostaria também de não ficar tirando do lugar todas
as peças do vestuário, colocadas em três pesados baús. Em sua ajuda, intervêm
as mestras:
– O esposo está para chegar.
Não é tempo de fazer confusão. Deixai-a estar quieta, que a estais cansando, e
ide, também vós, preparar-vos.
O enxame de tagarelas se
afasta, um pouco amuado. Maria pode, então, ouvir em paz suas mestras, que lhe
dizem palavras de louvor e de bênção. Isabel também se aproximou. E, estando
Maria comovida e chorando, porque Ana de Fanuel, beijando-a com um afeto
verdadeiramente materno, a chamou de “Filha”, Isabel lhe diz:
– Maria, tua mãe está e não
está aqui. O espírito dela está exultante junto ao teu. E olha bem, as coisas
que tu estás usando te fazem sentir as carícias dela de novo. Nelas podes
sentir ainda o sabor dos beijos dela. Faz muitos anos, no dia em que vieste ao
Templo, ela me disse: “Preparei para ela as vestes e enxoval de esposa, porque
quero ser sempre eu quem há de fiar os linhos e fazer-lhe as vestes de esposa,
para não estar ausente no dia da alegria dela”. E, sabes de mais uma coisa? Nos
últimos tempos, quando eu a acompanhava, todas as tardes ela queria acariciar
as tuas primeiras vestes e estas que agora estás vestindo, e dizia:
“Aqui estou sentindo o cheiro
de jasmim da minha pequenina, e aqui eu quero que ela sinta o beijo da sua
mamãe”. Quantos beijos ela deu neste véu, que te está sombreando a fronte! Há
nele mais beijos do que fios. E, quando vestires as roupas por ela tecidas,
pensa um pouco que, mais do que os fios, o que as formou foi o amor de tua mãe.
E aqueles colares… mesmo em horas penosas, eles foram guardados por teu pai
para ti, a fim de tornar-te bela como há de ser uma princesa do sangue de Davi
nesta hora. Alegra-te, pois, Maria. Porque não estás órfã, os teus estão
contigo, e tens um esposo que para ti é pai e mãe, de tão perfeito que é.
– Oh! Sim. É verdade. É certo
que dele não posso queixar-me. Em menos de dois meses veio duas vezes, e hoje
vem pela terceira, desafiando chuvas e ventanias, para vir ouvir as minhas
ordens… Pensa só: as minhas ordens! Eu, que sou uma pobre mulher, e bem mais
nova do que ele! Ele nunca me negou nada. Pelo contrário, nem espera que eu lhe
peça. Parece que um anjo lhe diz o que eu desejo, e ele o diz, antes que eu
fale.
Na última vez, ele disse:
“Maria, acho que preferes estar na casa de teus pais. Porque, uma vez que és
filha herdeira, tu podes fazer isso, quando o desejares. Eu irei para a tua
casa. Só para guardar a cerimônia, irás ficar uma semana na casa do Alfeu, meu
irmão. Maria já te ama muito. E, na tarde das núpcias, partirá de lá o cortejo,
que te acompanhará até a tua casa”. Não é ser gentil? Não se importou nem mesmo
que ele podia estar fazendo com que o povo ficasse falando que ele nem tem uma
casa que me agrade… Para mim será sempre bem aceita uma casa, se ele estiver
nela, pois ele é tão bom. Mas com certeza… prefiro, na verdade, a minha casa…
por causa das lembranças… Oh! Como o José é bom!
– Que é que ele falou do teu
voto? Ainda não me disseste nada.
– Não fez nenhuma oposição.
Pelo contrário, ao saber de minhas razões, disse: “Eu vou unir o meu sacrifício
ao teu”.
– É um jovem santo – diz Ana de
Fanuel.
A essa altura, o “jovem santo”
vem entrando, acompanhado por Zacarias. Está literalmente esplêndido. Todo em
amarelo ouro, e até parece tratar-se de algum soberano do Oriente. Um
esplêndido cinturão segura por baixo a bolsa e o punhal, a bolsa feita de
marroquim bordado em ouro, e o punhal numa bainha também de marroquim com
frisos de ouro. Tem na cabeça um turbante, que é a cobertura de costume como se
vê ainda em certos povos da África, como os beduínos, preso por um cordão
precioso, um tênue fio de ouro, ao qual estão atados pequenos maços de mirto.
Ele está com um manto novo, cheio de franjas, o que lhe dá um ar majestoso, e
está fulgurante de alegria. Nas mãos traz ainda pequenos maços de mirto
florido.
– A paz esteja contigo minha
esposa! – ele saúda – A paz esteja com todos. – E, depois de ter recebido a
saudação de resposta, diz:
– Eu vi a tua alegria no dia em
que te dei aquele ramo do teu jardim. Pensei agora em trazer-te o mirto
apanhado perto da gruta de que tanto gostas. Queria trazer-te as rosas que já
estão abrindo as primeiras flores em frente à tua casa. Mas as rosas duram
pouco, e com tantos dias de viagem… Eu teria chegado aqui só com os espinhos. A
ti, querida, só quero oferecer rosas, atapetando os caminhos de flores
delicadas e perfumosas, para que sobre elas possas pôr o teu pé, para que não
encontre nenhuma sujeira ou aspereza.
– Agradeço a ti, bom homem!
Como conseguiste que ele chegasse até aqui tão viçoso e bonito?
– Eu amarrei um vaso na sela, e
dentro dele pus os ramos, com as flores ainda em botão. E, pelo caminho, as
flores foram-se abrindo. E aqui estão elas, Maria. Que a tua fronte se
engrinalde de pureza, que é o símbolo da esposa, mas que nunca será igual à
pureza que tens no coração.
Isabel e as mestras enfeitam
Maria com a pequena grinalda de flores que se formou, ao fixarem no lindo arco
os ramalhetes cândidos de mirto, e vão entremeando pequenas rosas brancas que
estão num vaso posto sobre um baú. Maria se esforça para apanhar o seu amplo
manto branco e colocá-lo puxado sobre os ombros. Mas o esposo a precede no
gesto e a ajuda a fixar, com duas fivelas de prata, o amplo manto no alto dos
ombros. As mestras arrumam as dobras com arte e amor. Está tudo pronto.
Enquanto estão esperando por algo que não sei o que seja, José diz (ele fala
aproximando-se um pouco de Maria):
– Eu estava pensando, agora
mesmo, no teu voto. Eu já te disse que quero partilhar dele contigo. Mas quanto
mais nisso penso, tanto mais vou compreendendo que não basta o nazireato
temporário, ainda que seja renovado muitas vezes. Eu te compreendi, Maria. Eu
ainda não mereço a palavra da Luz. Mas dela um murmúrio já está chegando aos
meus ouvidos. É isto que me está levando a entender o teu segredo, pelo menos
em suas linhas mais expressivas. Eu sou um pobre ignorante, Maria. Sou um pobre
operário. Não entendo de letras, nem possuo tesouros. Mas aos teus pés quero
pôr o meu tesouro. Para sempre. A minha castidade absoluta, para poder ser
digno de estar ao teu lado, ó virgem de Deus, “irmã esposa minha, jardim
fechado, fonte selada”, como diz o nosso Avô* que talvez tenha até escrito o
Cântico, tendo-te à frente de seus olhos… Eu serei o guardião deste jardim de
aromas no qual se encontram as mais finas frutas e do qual jorra uma nascente
de água viva, com ímpeto suave: a tua doçura, ó minha esposa, que com sua
candura me conquistaste o espírito, ó toda bela. Bela, mais do que uma aurora,
sol que resplandece, porque teu coração resplandece, ó toda cheia de amor pelo
teu Deus, e pelo mundo ao qual queres dar o Salvador com o teu sacrifício de
mulher. Vem, amada minha. E a toma delicadamente pela mão, levando-a rumo à
porta.
Todos os outros os acompanham,
e do lado de fora se reúnem todas as companheiras da festa, todas de branco e
com véus. Vão pelos pátios e pórticos, por entre a multidão que os observa, até
chegarem a um ponto, que não é ainda o Templo, mas parece quase um salão usado
para o culto, pois aí se veem lâmpadas e rolos de pergaminho, como nas
sinagogas. Os dois esposos vão até à frente de uma estante, semelhante a uma
cátedra, e lá se detêm. Os outros se colocam em ordem atrás deles. Ao fundo se
aglomeram outros sacerdotes e os curiosos. O Sumo Sacerdote está entrando
solenemente. Há um murmúrio entre os curiosos.
– É ele que vai celebrar o
casamento?
– Sim, porque é de sangue real
e sacerdotal. A esposa, Flor de Davi e de Arão, é virgem do Templo. O esposo é
da tribo de Davi.
O Pontífice põe a mão direita
da esposa na do esposo, e os abençoa solenemente:
– Que o Deus de Abraão, de
Isaque e de Jacó esteja convosco. Que Ele vos una e que se realize em vós a sua
bênção, dando-vos Ele a sua paz e uma numerosa descendência, uma vida longa e
uma morte feliz no seio de Abraão. Depois ele se retira, com a mesma solenidade
que entrou.
Fazem-se as promessas mútuas.
Maria já é esposa de José.
Todos saem e, sempre em
perfeita ordem, vão até a sala, onde é lavrado o contrato de núpcias, no qual
se diz que Maria, filha herdeira de Joaquim de Davi e de Ana de Arão, entrega
como dote ao seu esposo a sua casa com os seus bens, os enxovais e todos os
outros bens que ela herdou de seu pai.
Tudo terminou. Os esposos saem
para o pátio e o atravessam, indo para a saída, que fica perto do quarteirão
das mulheres que trabalham no Templo. Um carro de boi bem cômodo e pesado está
à espera deles. Sobre o carro está estendido um toldo de proteção onde se
encontram também os pesados baús de Maria.
Despedidas, beijos, lágrimas,
bênçãos, conselhos, recomendações, e depois Maria sobe com Isabel colocando-se
no centro do carro. Na frente, estão José e Zacarias. Já tiraram os mantos de
festa, e todos se envolveram num grande manto escuro. O carro parte, ao trote
pesado de um cavalo grande e escuro. Os muros do Templo vão ficando longe,
depois também os da cidade, e vão chegando os campos novos e verdejantes,
cheios das flores dos primeiros dias da primavera, com as plantações já
crescidas a um bom palmo do chão, mostrando suas folhinhas leves, que à brisa
ligeira formam ondas, parecendo esmeraldas, soltando um cheiro mesclado das
flores dos pessegueiros e das macieiras, junto com cheiro de trevos e do poejo
selvagem. Maria está chorando baixinho, debaixo do seu véu e, de vez em quando,
afasta a cortina do toldo para olhar mais uma vez o Templo, que vai ficando
sempre mais longe, e a cidade, que ela está deixando para trás.
A visão termina assim.
Jesus diz:
“Que é
que diz o livro da Sabedoria, cantando os louvores dela? Na Sabedoria está, de
fato, o espírito da inteligência, santo, único, multíplice, sutil. E continua
enumerando os dotes dela, para terminar o período com as palavras: “... que
tudo pode, que tudo prevê, que compreende todos os espíritos, inteligente,
puro, sutil. A Sabedoria penetra com sua pureza, é um vapor da virtude de
Deus..., por isso nada há de impuro... imagem da bondade de Deus. Mesmo sendo
única, tudo pode, imutável, renova todas as coisas, comunica-se às almas santas
e forma os amigos de Deus e os profetas.”
Tu
viste como José, não por uma cultura humana, mas por uma instrução
sobrenatural, sabe ler no livro selado da virgem imaculada, e como ele se
aproxima das verdades proféticas com a sua visão de um mistério sobre-humano,
no qual os outros viam apenas uma virtude. Impregnado dessa sabedoria, que é
vapor da virtude de Deus, e uma certa emanação do Onipotente, ele se dirige com
espírito seguro no mar desse mistério de graça que é Maria, aprofunda-se com
ela em conversações espirituais, nas quais, mais do que com os lábios, são seus
dois espíritos que falam um com o outro, no sagrado silêncio das almas, onde só
Deus, porque são seus servos fiéis, e Dele estão plenos.
A
sabedoria do justo, que pela união e proximidade daquela que é a toda graça,
prepara-o para penetrar nos segredos mais altos de Deus, e para poder cuidar e
defende-los das insídias do homem e do demônio. Por enquanto a sabedoria lhe dá
um novo vigor. Do justo faz um Santo, do Santo faz um guardião da esposa e do
Filho de Deus.
Sem
faltar com a reverência para com o selo de Deus, ele, o casto, que agora leva a
sua castidade até um heroísmo angelical, pode ler a palavra de fogo escrita
sobre o diamante virginal, pelo dedo de Deus. Nele lê aquilo que sua prudência
não diz, mas que é muito maior do que o que Moisés leu nas tábuas de pedra. E,
para que nenhum olho profano, nem de leve, se atreva a tocar no Mistério, ele
se põe como selo sobre o selo, como o arcanjo de fogo sobre a entrada do
Paraíso, dentro do qual o Eterno acha as suas delícias, “Passeando à brisa da
tarde”, e falando com aquela que é o seu amor, bosque de lírios em flor, aura
impregnada de aromas, aragem fresca da manhã, estrela de rara beleza, delícia
de Deus. A nova Eva está lá, diante dele, não osso de seus ossos, nem carne de
sua carne, mas companheira de sua vida, Arca viva de Deus, a qual é recebida
por ele de Deus para que a guarde, e a entregue a Deus, tão pura como quando a
recebeu.
Esposa
de Deus, era o que estava escrito naquele livro místico de páginas
imaculadas... E quando, na hora da prova, a suspeita assolou para ele, para
atormentá-lo, como homem e como servo de Deus, sofreu como nenhum outro, pela
suspeita de ter havido um sacrilégio. Contudo, essa foi a prova que estava por
vir. Por enquanto, nesse tempo de graça, ele vê e se coloca ao serviço sincero
de Deus. Depois, virá a tempestade da provação, como para todos os santos, a
fim de serem provados e transformados em cooperadores de Deus.
O que
se lê no Levítico? “Diz a Arão, teu irmão, que ele não entre em momento algum
no santuário, além do Véu, diante do propiciatório, que está sobre a Arca,
porque Eu apareço sobre o propiciatório em uma nuvem, e ele poderá morrer, se
antes não tiver feito estas coisas: oferecer um novilho pelo pecado e um
carneiro em holocausto. Vestir a túnica de linho e com calças de linho cobrir
sua nudez.”
Com
efeito, José entra quando Deus quer e quanto Deus quer no santuário de Deus,
além do véu que encobre a Arca, e sobre a qual paira o Espírito de Deus, e se
oferece a si mesmo, oferecendo o cordeiro, holocausto pelo pecado do mundo, e
com os seus membros viris mortificados, para abolir a sensualidade que, uma vez
no princípio dos tempos, triunfou, lesando o direito de Deus sobre o homem, mas
que agora vai ser calcada no Filho, na mãe e no pai adotivo, para reconduzir os
homens à graça e reintegrar a Deus o seu direito sobre o homem. E faz isso com
sua perpétua castidade.
José
não estava no Gólgota? Pensais então que ele não estava entre os corredentores?
Em verdade vos digo que ele foi o primeiro dos corredentores e, por isso, ele é
grande aos olhos de Deus. Grande pelo sacrifício, pela paciência, pela
constância e pela fé. Qual fé foi maior do que a de quem acreditou, sem ter
visto os milagres do Messias?
Louvor
seja dado ao meu pai adotivo, exemplo para vós naquilo que mais vos falta:
pureza, fidelidade e amor perfeito. Ao magnífico leitor do livro selado,
instruído pela sabedoria para saber compreender os mistérios da graça e eleito
para guardar a salvação do mundo contra as insídias de todos os inimigos.
Pg. 81 – 88.
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14 – OS ESPOSOS CHEGAM A NAZARÉ
6 de setembro de 1944.
O céu muito azul, de um fevereiro sereno, se estende por sobre
as colinas da Galiléia. São amenas estas colinas que, nesta fase da virgem
menina, eu ainda não tinha visto, mas que agora já são tão familiares aos meus
olhos, como se eu tivesse nascido entre essas colinas.
Na estrada mestra agora a temperatura está agradável, por
causa da chuva que parece ter caído na noite passada. Na estrada não há poeira,
nem lama; está firme e limpa como uma rua de cidade, e vai-se estendendo por
entre duas sebes de espinheiro-alvar em flor. A neve que caiu veio trazendo dos
bosques um cheiro levemente amargo, mas depois foi desfeita pelas singulares
aglomerações dos cactus de folhas grossas e em forma de pequenas pás, todas
rígidas e cheias de espinhos, ornadas com as grandes granadas, que são os seus
estranhos frutos, nascidos sem pedúnculos, mas saindo diretamente das folhas,
as quais, pela cor e pela forma, me fazem lembrar das profundezas do mar, dos
bosques de coral e das medusas, ou de outros bichos dos mares profundos.
As sebes cuja função é separar as várias propriedades, estendidas
em todas as direções, formando um esquisito desenho geométrico cheio de curvas
e de ângulos, de losangos, quadrados, semicírculos e triângulos de agudezas e
obtusidades incríveis, um desenho, todo borrifado de branco, como uma fita
excêntrica estendida ao longo dos campos, como sinal de alegria, e sobre a qual
voam, piam e cantam centenas de passarinhos de toda espécie, na alegria do
amor, ou no trabalho da reconstrução de seus ninhos. Adiante das sebes, estão
os campos, com os trigais já mais crescidos do que os dos campos da Judéia,
prados já cobertos de flores. Como uma resposta às nuvenzinhas que passam
ligeiras pelo céu e que o pôr-do-sol que torna ou róseas, ou de um lilás
delicado, um roxo pervinca, um opalino azulado, um laranja coral, assim também
as centenas de nuvens vegetais, com suas árvores frutíferas, são brancas,
róseas, vermelhas, em todas as nuances das cores branca, rosa e vermelha.
Ao suave vento da tarde, as primeiras pétalas das árvores
floridas borboleteiam pelo ar e vão caindo, parecendo enxames de pequenas
borboletas, à procura do pólen sobre as flores dos campos. Entre uma árvore e
outra, nos sarmentos das videiras ainda nuas, nas pontas, onde o sol bate, as
primeiras folhinhas vão-se abrindo aos poucos, ingênuas, assombradas e
palpitantes de vida.
Plácido em seu ocaso, o sol está para sumir no horizonte, e o
céu já tão bonito em seu azul, torna-se de um azul mais claro com os raios de
luz. Lá longe está brilhando o branco das neves do monte Hermon e de outros
picos mais afastados.
Um carro de boi está indo pela estrada. É o carro que leva
José e Maria com seus primos. A viagem está chegando ao fim. Maria olha, com
aqueles olhos cheios de ansiedade de quem quer conhecer, ou melhor, reconhecer,
aquilo que ela já viu, mas de que não se lembra mais, e sorri, quando alguma
sombra de lembrança volta à sua memória e se detém, como uma luz que mostra
esta ou aquela coisa, este ou aquele ponto.
Isabel, Zacarias e José, ajudam Maria a se lembrar, mostrando
uma elevação do terreno, ou uma ou outra casa. Desta forma, Nazaré começa a
despontar, estendida por cima das ondulações de sua colina. Olhada pelo lado
esquerdo do sol poente, Nazaré nos mostra a cor branca rosada de suas casinhas
largas e baixas com seus terraços sobrepostos. Algumas delas, atingidas em
cheio pelo sol, parecem estar para pegar fogo, pois, a fachada fica tão
vermelha com o sol, que incendeia até a água dos regos e dos poços rasos, quase
sem peitoril por onde os cântaros com água para a casa e os odres para a horta
sobem chiando.
Meninos e mulheres aparecem à beira da estrada para olhar o
carro, saúdam José, que é muito conhecido. Mas depois ficam perplexos e atemorizados,
ao verem os outros três. Quando chegam a entrar na pequena cidade propriamente
dita, não encontram mais nenhuma perplexidade, nem temor. Muitas pessoas, de
todas as idades, estão na entrada da cidade, sob um arco rústico com flores e
folhagens. Mal o carro de boi aponta atrás do cotovelo formado pela última
casa, construída enviesada, ouve-se um trilar de vozes agudas, acompanhado pelo
rumor de ramos e flores agitados. São as mulheres e as crianças de Nazaré que
saúdam os esposos. Os homens, mais sisudos, estão atrás da cerca viva dos
cantores, saudando-os com moderação.
O carro já foi descoberto, pois tiraram o toldo, antes de
chegarem à cidade, visto que o sol não mais incomoda, e Maria assim tem
oportunidade de ver melhor a sua terra natal. Portanto, agora ela também
aparece em sua beleza, como uma flor. Branca e loira como um anjo, ela sorri
com bondade para as crianças, que lhe jogam flores e beijos, para as jovens de
sua idade, que a chamam pelo nome, para as esposas, para as mães, para as
velhas que a abençoam cantando. Ela faz uma inclinação para os homens, e
especialmente para um que parece ser o rabino, ou a pessoa mais influente da
cidade.
Enquanto isso, o carro continua lentamente pela rua
principal, acompanhado, durante um bom tempo, pela multidão, para a qual aquela
chegada foi um agradável acontecimento.
– Aqui está a tua casa Maria – diz José, mostrando, com o
chicote que está em sua mão, uma casinha que fica precisamente ao pé de uma das
ondulações da colina, tendo aos fundos um belo e vasto jardim todo florido, e
que termina em um pequenino olival. Do outro lado, está a costumeira sebe com o
espinheiro-alvar e as cactáceas, marcando o limite da propriedade. Os campos,
que antes pertenciam a Joaquim, estão atrás da sebe.
– Como estás vendo, te restou pouca coisa. – diz Zacarias – A
doença de teu pai foi longa e se gastou muito com ela. Também se gastou
bastante com as despesas para reparar os prejuízos dados por Roma. Estás vendo?
A estrada feita pelos romanos levou os três principais cômodos da casa,
deixando-a muito diminuída. Para torná-la mais ampla, sem que fossem
necessárias despesas excessivas, foi aproveitada uma parte do monte onde há uma
gruta. Era lá que Joaquim guardava as suas provisões, e Ana os seus teares. Tu
farás aí o que achares bom.
– Oh! Que seja pouca coisa, não tem importância! Sempre para
mim bastará. Eu vou trabalhar.
– Não, Maria. – é José que está falando – Eu é que
trabalharei. Tu não farás mais do que tecer e costurar as coisas da casa. Eu
estou jovem e forte, e sou teu esposo. Não me faças ficar envergonhado com o
teu trabalho.
– Farei como queres.
– Sim, neste ponto eu quero. Em qualquer outra coisa o teu
desejo é lei. Exceto isto.
Chegaram. O carro para. Duas mulheres e dois homens,
respectivamente com os seus quarenta e cinquenta anos, estão à porta, rodeados
por muitas crianças e adolescentes.
– A paz de Deus esteja contigo, Maria – diz o homem mais
velho, enquanto uma das mulheres se aproxima de Maria, a abraça e beija.
– É o meu irmão Alfeu e Maria, sua mulher, e estes são os
filhos dele. Vieram de propósito para te fazerem festa e para te dizerem que a
casa deles é tua, se quiseres – diz José.
– Sim, vem, Maria, se te for penoso ficar vivendo sozinha. O
campo é belo na primavera, e nossa casa fica no meio dos campos em flor. Entre
as outras flores, tu serás a mais bela – diz Maria de Alfeu.
– Eu te agradeço, Maria. Eu iria de muito boa vontade. Irei
em alguma oportunidade, irei sem falta para as núpcias. Mas estou com tanto
desejo de ver, de reconhecer a minha casa. Eu a deixei, quando ainda era
pequena, e tinha perdido a sua lembrança… Agora eu a reencontro… parece-me
reencontrar a minha mãe, que se foi, e o meu amado pai, com o eco de suas
palavras, e o perfume do seu último suspiro. Parece-me não estar mais órfã,
porque tenho de novo, ao redor de mim, o abraço destas paredes. Compreende-me,
Maria.
Maria está, um pouco, com pranto na voz e nos olhos. Maria de
Alfeu lhe responde:
– Como quiseres, querida. Quero que me consideres irmã e
amiga e também um pouco mãe, porque sou muito mais velha do que tu.
A outra mulher vem para a frente:
– Maria, eu te saúdo. Sou Sara, amiga de tua mãe. Eu te vi
nascer. E este é o Alfeu, sobrinho de Alfeu e grande amigo de tua mãe. O que eu
fiz por tua mãe, farei por ti, se quiseres. Estás vendo? A minha casa é a que
está mais perto da tua, e os teus campos agora são nossos. Mas, se quiseres
vir, faze-o a qualquer hora. Nós abriremos uma passagem na sebe, e estaremos
juntas, mesmo se estiver cada uma em sua casa. Este é o meu marido.
– Eu vos agradeço a todos, e por tudo. Por todo o bem que
desejastes aos meus e desejais a mim. Que o Senhor Onipotente vos abençoe por
isso.
As caixas pesadas são descarregadas e levadas para casa.
Entram. Agora eu reconheço a casinha de Nazaré como é vista, mais tarde, na
vida de Jesus Cristo. Como costume, José toma Maria pela mão para entrar na casa.
Na entrada, ele lhe diz:
– Agora, na soleira desta porta, quero de ti uma promessa.
Que qualquer coisa que te aconteça, ou que te suceda, não tenhas outro amigo,
outra ajuda, para a qual te voltes, a não ser José, e que, por nenhum motivo
tenhas que ficar-te atormentando sozinha. Eu sou tudo para ti, lembra-te disso,
e será minha alegria tornar feliz o teu caminho, pois, se a felicidade nem
sempre depende do nosso poder, pelo menos posso tornar este caminho para ti
calmo e seguro.
– Prometo, José.
Abrem-se as portas e janelas. Os últimos raios de sol,
curiosos, entram. Maria tirou o manto e o véu, porque tendo, por enquanto,
tirado só as flores de mirto, ainda está com as vestes das núpcias. Sai para o
jardim florido. E fica olhando, sorri e, sempre segura pela mão de José, dá uma
volta pelo jardim. Parece estar tomando de novo posse de um lugar perdido.
José fala dos seus trabalhos:
– Estás vendo? Aqui eu fiz esta cava para receber a água da
chuva, pois estas videiras sempre sofrem com o calor. Eu cortei os ramos mais
velhos desta oliveira, para dar-lhe um novo vigor, pus no lugar definitivo
estas macieiras, porque duas delas já estavam mortas. Mais adiante, plantei
duas figueiras. Quando elas crescerem, protegerão a casa do ardor do sol e dos
olhares dos curiosos. A armação da parreira é a antiga. Nada mais fiz do que
mudar os mourões que estavam podres e trabalhar com a tesoura. Espero que esta
parreira dê muita uva. E aqui, olha – enquanto a leva, orgulhoso, para a
encosta que se ergue atrás da casa, cercando o pomar do lado norte – aqui
escavei uma pequena gruta, reforçando-a para que quando estas plantinhas
pegarem, fique quase igual àquela que tinhas. Falta a nascente… mas eu espero
trazer até aqui um fio de água da nascente. Vou trabalhar nas longas tardes do
verão, quando eu vier te ver.
– Mas como? – diz Alfeu – Não ireis casar-vos neste verão?
– Não. Maria quer fiar os tecidos de lã, as últimas coisas
que estão faltando para o enxoval. E eu estou contente que seja assim. Maria é
tão jovem, que esperar um ano, ou até mais, não é nada. Enquanto isso, ela se
vai acostumando com a casa.
– Ora, ora! Tu sempre foste um pouco diferente dos outros, e
ainda continuas o mesmo.
Não sei se poderia haver alguém que não tivesse pressa em ter
por mulher uma flor, como Maria. E tu ainda queres esperar meses!
– Alegria longamente esperada, é alegria mais intensamente
gozada – responde José com um amável sorriso.
O irmão encolhe os ombros, e pergunta:
– E então? Quando achas que sairá o casamento?
– Quando Maria fizer dezesseis anos. Depois da Festa dos
Tabernáculos. Assim, serão doces as tardes de inverno para os novos esposos. -
e sorri outra vez, olhando para Maria. É um sorriso suave, que faz parte de uma
combinação secreta. Faz parte de uma castidade fraterna e consoladora.
Depois, José retorna ao seu passeio:
– Este é o quarto grande, do lado do monte. Se achas bom,
dele farei a minha oficina, quando vier aqui. Ele está perto da casa sem fazer
parte dela. Assim não perturbarei ninguém, fazendo barulho ou desordem. Mas, se
quiseres de outro modo.
– Não, José. Está muito bem assim.
Tornam a entrar em casa e acendem as lâmpadas.
– Maria está cansada – diz José – Deixemo-la descansar com os
primos.
Todos se despedem. José fica ali ainda alguns minutos e fala
com Zacarias em voz baixa.
– Teu primo deixa contigo Isabel, por algum tempo. Estás
contente? Eu sim. Porque ela vai te ajudar… para que te tornes uma perfeita
dona de casa. Com ela poderás pôr em ordem, como gostas, as tuas coisas e tuas
alfaias, e eu virei todas as tardes também para te ajudar. Com ela poderás ir
comprar lã e o mais que for preciso. Eu responderei pela despesa. Lembra-te que
prometeste me procurar para tudo. Adeus, Maria. Dorme o primeiro sono nesta tua
casa, e o anjo de Deus torne o teu sono tranquilo.
O Senhor esteja sempre contigo.
– Adeus, José. Que tu também estejas sob as asas do anjo de
Deus. Obrigada, José. Por tudo. Na medida que eu puder, vou te dar, com o meu
amor, uma compensação ao teu amor por mim.
José saúda os primos e sai. E com isto cessa a visão.
Pg. 88 – 94
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16 – A ANUNCIAÇÃO
Vejo o seguinte: Maria, ainda muito jovem, com a aparência no
máximo de uns quinze anos, está num pequeno quarto retangular. Um quarto de
menina. A frente de uma das duas paredes mais longas, há o catre: uma cama
baixa, sem beiral, coberta com altas esteiras ou tapetes. Dir-se-ia que eles
estão estendidos, ou sobre uma mesa, ou sobre uma esteira de caniços, pois
estão muito rígidos e retos, como acontece com as nossas camas. Em frente de
outra parede, há uma estante com uma lâmpada de azeite, rolos de pergaminho, um
trabalho de costura dobrado com cuidado, parecendo ser um bordado. A virgem está
sentada num banco, ao lado da estante, perto da porta, que embora esteja aberta
para o jardim, está velada por uma cortina em movimento pela brisa. Está fiando
um linho muito alvo, e macio como uma seda. Suas pequenas mãos, pouco mais
escuras do que o linho, volteiam com grande agilidade o fuso. Seu rosto juvenil
e belo está levemente inclinado, ligeiramente sorridente, como se estivesse
acariciando ou acompanhando um doce pensamento.
Há muito silêncio na casinha e no jardim. Há muita paz, tanto
no semblante de Maria, como no ambiente que a rodeia. Paz e ordem. Tudo muito
bonito e em ordem, e o ambiente, ainda que humilde no aspecto e nos móveis,
embora parecendo despojado de tudo como uma cela, tem um ar de austeridade e
realeza, pela grande nitidez e cuidado com que a colcha está colocada sobre a
pequena cama, como estão dispostos os rolos de pergaminho, a lâmpada, a pequena
jarra de cobre perto da lâmpada, com um maço de ramos floridos, de pessegueiro
ou pereira, pois, certamente, são árvores que produzem um fruto branco,
levemente rosado. Maria se põe a cantar em voz baixa e depois eleva um pouco a
voz. Não chega a cantar alto. Mas sua voz que começa a vibrar o pequeno quarto,
traduz uma vibração de alma. Não compreendo as palavras que ela está dizendo,
certamente em hebraico. Mas, como ela repete salteadamente “Jeová”, eu percebo
que se trata de um canto sagrado, como um salmo. Parece que Maria está
relembrando os cantos do Templo.
Deve estar sendo uma doce recordação, porque ela pousa as
mãos que estão segurando o fio e o fuso sobre o regaço, levantando a cabeça,
apoiando-a para trás na parede, com um belo enrubescimento no rosto, um olhar
perdido, talvez atrás de algum suave pensamento. Seus olhos se tornam
brilhantes por uma onda de pranto, que não chega a se derramar, mas os deixa
maiores. Contudo aqueles olhos estão sorrindo, com o pensamento da visão, que
os abstraem das coisas sensíveis. Seu rosto sobressai, das suas vestes brancas
e tão simples, pois está tão rosado, que, rodeado pelas tranças, como coroa ao
redor da cabeça, mais parece uma bela flor. O canto de Maria se transforma em
oração:
- Senhor Deus Altíssimo, não tardes a mandar o teu Servo, que
venha trazer a paz sobre a terra. Faz chegar o tempo e a virgem pura e fecunda,
para a vinda do teu Cristo. Pai Santo, concede à tua serva que possa oferecer a
sua vida para que isso aconteça sobre a terra, concede-me morrer, depois de ter
visto a Tua luz e a Tua justiça sobre a terra, sabendo que a Redenção já se
cumpriu. Ó Pai Santo, manda à terra o suspiro dos profetas. Manda a esta tua
serva o Redentor. Que no dia em que cessar a minha vida, se abra para mim a tua
morada, porque, as portas do céu já terão sido abertas pelo teu Cristo, para
todos aqueles que em Ti esperaram. Vem, ó Espírito do Senhor! Vem aos teus
fiéis, que te esperam! Vem, Príncipe da Paz!
Maria fica assim absorta... A cortina tremula mais
fortemente, como se alguém estivesse agitando o ar com alguma coisa por detrás
dela, ou a estivesse sacudindo, a fim de afastá-la para um lado. Uma luz
branca, como se fosse de pérola fundida com prata pura, torna as paredes, que
são de um amarelo claro, brancas, as cores das roupas e tecidos mais vivas e o
rosto de Maria, agora soerguido, mais espiritual. O Arcanjo se prostra diante
daquela luz, sem que a cortina tenha sido afastada, frente ao mistério que está
acontecendo, pois a cortina não está mais tremulando, mas está bem esticada, ao
lado dos umbrais, como uma parede separando o interior da casa, da parte
exterior. Ele assumiu necessariamente o aspecto humano. Mas é um aspecto que
ultrapassa os limites da natureza humana. De que carne estará feita esta figura
tão bela e tão fulgurante? Com que substância Deus a terá materializado, para
que os sentidos da Virgem a percebessem? Só mesmo Deus pode possuir essas
substâncias, e usá-las de uma maneira tão perfeita. Possui rosto, corpo, olhos,
boca, cabelos e mãos, como as nossas. Mas não são feitos de uma matéria opaca
como a do nosso corpo. É uma luz que assumiu cor de carne, de olhos, de cabelos,
de lábios; uma luz que se move, sorri, enxerga e fala.
- Ave, Maria, cheia de Graça, ave!
Sua voz é como um doce
arpejo, como pérolas jogadas sobre um metal precioso. Maria estremece,
abaixando o olhar. Estremece mais ainda, quando vê aquela fulgurante criatura
ajoelhada a cerca de um metro de distância dela, olhando para ela com uma
veneração sem limites, com as mãos cruzadas sobre o peito. Maria se põe de pé,
encostando-se à parede. Ela se torna, ora pálida, ora vermelha. Seu rosto
exprime estupor e susto. Instintivamente une as mãos sobre o seio,
escondendo-as nas longas mangas, e se inclina quase que para esconder, do
melhor modo possível, o seu corpo. É um ato de delicado pudor.
- Não tenhas medo... O Senhor está contigo.
Bendita és tu entre todas as mulheres.
Maria, porém, continua
com medo. De onde terá vindo esse ser extraordinário? Será ele um enviado de
Deus, ou do enganador?
- Não tenhas medo, Maria! - lhe
repete o Arcanjo - Eu sou Gabriel, o Anjo de Deus. Meu Senhor me mandou a ti.
Não tenhas medo, porque achaste graça junto de Deus. Eis que agora conceberás
em teu ventre, e darás à luz um Filho, e lhe porás o nome de “Jesus”. Ele será
grande, será chamado Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono de Davi
seu pai. Ele reinará para sempre na casa de Jacó e o seu Reino nunca terá fim.
Procura compreender, ó santa virgem amada do Senhor, filha bendita do Senhor,
que foste chamada para ser mãe de seu Filho, o Qual tu gerarás.
- Como poderá acontecer isso, se eu não conheço varão? Talvez
o Senhor Deus não quer mais receber a oferta de sua serva, de ficar virgem por
amor Dele?
- Não serás mãe por obra de
homem, ó Maria. Tu és a virgem eterna, a Santa de Deus. O Espírito Santo
descerá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com Sua sombra. Por isso,
Aquele que nascer de ti, se chamará Santo, Filho de Deus. Tudo pode o Senhor
nosso Deus. Isabel, a estéril, concebeu em sua velhice aquele que será o
profeta do teu Filho, ele preparará o caminho para teu Filho. O Senhor tirou de
Isabel o seu opróbrio, e os povos lembrarão dela, unida ao teu nome, como
também o nome do filho dela ficará unido ao do teu, até o fim dos séculos. As
nações vos chamarão bem-aventuradas, pela Graça do Senhor que veio a vós, e
especialmente a ti, pois esta Graça chegou a todos os povos por meio de ti.
Isabel já está em seu sexto mês, e o peso que ela carrega, a soergue até à
alegria. Nada é impossível para Deus, Maria, cheia de Graça. O que devo ir
dizer ao meu Senhor? Nenhuma dificuldade deverá perturbar-te. O Senhor
defenderá os teus interesses, se confiares Nele. O mundo, o Céu, o Eterno estão
esperando pela tua palavra!
Maria, por sua vez,
cruzando as mãos sobre o peito, e fazendo uma profunda inclinação, diz: - Eis
aqui a serva de Deus. Faça-se de mim conforme a sua palavra.
O Anjo cintila de
alegria. Ele adora, porque certamente está vendo o Espírito de Deus descer
sobre a virgem, que está inclinada ao dar sua resposta de assentimento, e
depois desaparece, sem precisar mover a cortina, que fica bem estendida sobre o
mistério santo.
Pg. 96-99
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17 – A DESOBEDIÊNCIA DE EVA E A
OBEDIÊNCIA DE MARIA
Jesus diz:
“Não se lê no Gênesis que Deus
fez o homem para dominar tudo o que havia sobre a terra, ou seja, tudo, com
exceção de Deus e dos seus ministros angélicos? Não se lê que fez a mulher para
ser companheira do homem na alegria e na dominação de todos os seres vivos? Não
se lê que eles podiam comer de tudo, menos da árvore da ciência do Bem e do
Mal? Por quê? O que está subentendido nas palavras “para que domines”? O que
está sub-entendido na árvore da ciência do Bem e do Mal? Nunca vos fizestes
tais perguntas, vós que viveis perguntando tantas coisas inúteis, mas não
indagam vossa alma a respeito das verdades celestes? A vossa alma, se estivesse
viva, vos responderia. Quando ela está na graça de Deus, está bem segura, como
uma flor entre as mãos do vosso anjo. Quando está na graça de Deus, é como uma
flor beijada pelos raios do sol, borrifada por um orvalho do Espírito Santo,
que a aquece e ilumina, que a irriga e adorna com suas luzes celestes. Quantas
verdades vos diria a vossa alma, se soubésseis conversar com ela, se a
amásseis, como se ama alguém que voz faz semelhantes a Deus, que também é
Espírito. Que grande amiga teríeis, se amásseis a vossa alma, em vez de
odiá-la, ao ponto de matá-la? Que grande e sublime amiga com a qual poderíeis
falar das coisas do céu, vós que gostais tanto de falar, e vos arruinais
reciprocamente, com amizades que, se não são indignas, pelo menos são quase
sempre inúteis, transformando-se num vazio vão e nocivo de palavras, totalmente
terrenas. Não disse Eu: “Quem me ama guardará a minha palavra e meu Pai o
amará, e viremos a ele e faremos nele morada?” A alma no estado de graça possui
o amor, possuindo então Deus, ou seja, o Pai que mantém esta alma, o Filho que
a ensina, o Espírito que a ilumina. Possui, portanto, o Conhecimento, a
Ciência, a Sabedoria. Possui a Luz. Pensai, então, nas conversações sublimes
que vossa alma poderia entabular convosco. São os diálogos que encheram os
silêncios dos calabouços, das celas, dos ermos, dos aposentos dos enfermos
santos. Souberam confortar os que estavam encarcerados, à espera do martírio,
os enclausurados por amor à busca da Verdade, os ermitãos ansiosos pelo
conhecimento antecipado de Deus, os enfermos pela suportação. Em suma, souberam
ensinar o amor à cruz. E se soubésseis fazer perguntas à vossa alma, ela vos
diria que o significado verdadeiro, exato, vasto como a criação, da palavra
“domina” é este:
“O homem deve dominar tudo, em
todos os estados: o estado inferior, que é o animal; o estado mediano, que é o
moral e o estado superior, que é o espiritual. O homem usa os três estados para
atingir um único fim, que é possuir a Deus”. Merecer isto através deste férreo
domínio, que subjuga as forças do eu, tornando-as escravas deste único
objetivo: merecer a possessão de Deus. Vossa alma vos diria que Deus proibira o
conhecimento do Bem e do Mal, porque o Bem tinha sido dado por Ele ás suas
criaturas gratuitamente, mas Ele desejava que o Mal vós não conhecêsseis,
porque é um fruto doce ao paladar, mas que, descendo para o sangue, desperta
uma febre que mata, produzindo uma tal ardência, que quanto mais se bebe
daquele suco mentiroso, mais se tem sede dele. Vós me objetareis: “Então, por
que o Mal foi colocado diante de nós?”.
Porque é uma força que nasceu por si mesma, como nascem certos males monstruosos
até nos corpos mais sadios.
Lúcifer era um anjo, o mais belo
dos anjos. Espírito perfeito, inferior somente a Deus. No entanto em seu ser
luminoso nasceu uma sombra de soberba, que ele não tratou de dispersar, mas, ao
contrário, procurou condensar, incubando-a. Dessa incubação, nasceu o Mal. Este
existia, antes que o homem fosse criado. Deus havia precipitado o maldito
incubador do Mal para fora do Paraíso, que tinha se maculado com este Mal. Não
podendo mais sujar o Paraíso, o eterno incubador do Mal sujou a Terra. A planta
metafórica quer demonstrar esta verdade. Deus tinha dito ao homem e à mulher:
“Vós conheceis todas as leis e os mistérios da criação. Mas não queirais
usurpar-me o direito de ser o Criador do homem. Para propagar a raça humana,
bastará o meu amor, que circulará entre vós, sem libido de sensualidade, mas
pelo impulso da caridade, que suscitará novos Adãos. Tudo eu vos dou. Só me
reservo este mistério da formação do homem”. Satanás quis tirar esta virgindade
intelectual do homem e, com sua língua serpentina, aplacou, acariciando membros
e olhos da Eva, fazendo surgir neles reflexos e sagacidades, que antes não
tinham, quando a malícia não os tinha intoxicado ainda. Ela “viu”. E quis
experimentar. A carne foi despertada. Oh! se tivesse chamado por Deus! Se
tivesse corrido para ir dizer-lhe: “Pai, eu estou doente. A Serpente me
acariciou, e estou perturbada”. O Pai a teria purificado, e curado com o seu
hálito, que podia infundir-lhe novamente a inocência, como lhe havia infundido a
vida, fazendo-a esquecer-se do tóxico da Serpente, colocando nela a repugnância
por ela, como acontece com aqueles que foram assaltados por algum mal,
guardando uma instintiva repugnância dele. Mas Eva não foi ao Pai. Ela voltou à
Serpente. Aquela sensação foi doce para ela: “Vendo que o fruto da árvore era
bom para se comer, bonito de se ver e agradável ao aspecto, foi apanhá-lo, e
comeu”. E “compreendeu”. A malícia já tinha começado a morder-lhe as entranhas.
Ela passou a ver com outros olhos, e a ouvir com outros ouvidos, os usos e as
vozes dos irracionais. Passou a desejá-los com uma louca cobiça. Ela iniciou
sozinha o pecado. E o terminou com o seu companheiro. Por isso é que sobre a
mulher pesa uma pena maior. Foi por meio dela que o homem se tornou rebelde a
Deus e que ele conheceu a luxúria e a morte. Foi por ela que ele não soube mais
dominar os três reinos: do espírito, porque permitiu que o espírito
desobedecesse a Deus; da moral, porque permitiu que as paixões o dominassem; e
da carne, porque o aviltou, submetendo-o às leis instintivas que regem os
brutos. “A Serpente me seduziu”, diz Eva. “A mulher me ofereceu o fruto, e eu o
comi”, diz Adão. A tríplice concupiscência rouba os seus três reinos do homem.
Somente a Graça pode desacorrentar o homem preso àquele monstro impiedoso. Mas,
se a Graça é viva, mantida sempre assim pela vontade do filho fiel, ela chega a
destroçar o monstro, e não é preciso temer mais nada: nem os tiranos internos,
isto é, a carne e as paixões; nem os tiranos externos, ou seja, o mundo e os
poderosos dele. Nem as perseguições. Nem a morte. É como diz o Apóstolo Paulo:
“Nenhuma destas coisas eu temo, nem amo a minha vida mais do que a mim mesmo,
contanto que eu leve a bom termo a minha carreira e o ministério que recebi do
Senhor Jesus, que é o de dar testemunho do Evangelho da Graça de Deus”.
Jesus diz:
“A palavra de minha mãe deveria
dissipar toda e qualquer titubeação de pensamento, até mesmo dos mais
bloqueados com relação ás fórmulas. Eu chamei antes de “árvore metafórica”.
Agora vou chamar de “árvore simbólica”. Talvez compreendais melhor. O símbolo é
claro: assim como os dois filhos de Deus procederam a respeito desta árvore, se
entende como estava neles a tendência para o Bem ou para o Mal. Como a água
régia prova o ouro, a balança do ourives pesa os quilates de ouro, aquela
árvore tinha assumido uma “missão” pela ordem de Deus a seu respeito, dando a
medida de pureza do metal que era Adão e Eva. Estou já ouvindo a vossa objeção:
“Não foi rigorosa demais a condenação, e pueril o meio usado para
condená-los?”. Não foi. Uma vossa desobediência hoje, que sois os herdeiros de
Adão e Eva, é menos grave do que a deles. Vós fostes redimidos por Mim. Mas o
veneno de satanás continua sempre pronto a se reerguer, como certas doenças que
nunca saem totalmente do sangue. Os dois progenitores eram possuidores da
graça, sem nunca terem sido nem tocados pela desgraça. Por isso eram mais
fortes, mais amparados pela graça, que gerava neles inocência e amor. O dom que
Deus lhes havia dado era infinito. A queda deles, portanto, foi bem mais grave,
não obstante aquele dom. O fruto oferecido e comido também é simbólico. Era o
fruto de uma experiência que se quis fazer contra a ordem de Deus, por
instigação satânica. Eu não havia proibido o amor aos homens. Queria unicamente
que se amassem sem malícia; como Eu os amava com a minha santidade. Eles deviam
amar-se na santidade de afetos, sem sujarem-se com a luxúria. Não se há de
esquecer que a graça é luz e quem a possui conhece o que é útil e bom. Aquela
que é cheia de graça conheceu tudo, porque a Sabedoria a instruía. A sabedoria
é graça, e ela soube guiar-se santamente. Eva conhecia o que lhe era bom
conhecer. Não mais do que isso, porque é inútil conhecer o que não é bom. Não
teve fé nas palavras de Deus e não foi fiel à sua promessa de obediência.
Acreditou em satanás, infringiu a promessa, quis saber o que não é bom e o amou
sem remorso, fazendo com que o amor, que Eu lhe tinha dado como algo santo, se
corrompesse, se aviltasse. Anjo decaído, rolou na lama e no esterco, enquanto
poderia correr feliz entre as flores do Paraíso terrestre, vendo florescer a
prole ao redor de si, assim como uma árvore que se cobre de flores, sem
precisar curvar sua copa sobre o brejo. Não fiqueis como os meninos tolos de
que Eu falo no Evangelho, os quais ouviram cantar, e taparam os ouvidos,
ouviram tocar e não dançaram, ouviram chorar, e quiseram rir. Não sejais
mesquinhos, não sejais negadores. Aceitai, aceitai a Luz sem malícia e
teimosia, sem ironia e incredulidade. A respeito deste assunto, basta por
enquanto. Para fazer-vos compreender o quanto deveis ser gratos Àquele que
morreu para elevar-vos ao céu e vencer a concupiscência de satanás, neste tempo
de preparação para a Páscoa, Eu vos quis falar do primeiro elo da corrente com
que o Verbo do Pai foi arrastado à morte, do Cordeiro Divino no matadouro. Eu
vos quis falar disso, porque agora noventa por cento entre vós é semelhante à
Eva, intoxicada pelo hálito, pela palavra de lúcifer, e não viveis para
amar-vos, mas para saciar-vos de sensualidade, não viveis para o Céu, mas para
a lama, não sois criaturas dotadas de alma e de razão, mas cães sem alma e sem
razão. Vós já matastes a alma; já depravastes a razão. Em verdade, vos digo que
os animais irracionais estão acima de vós, na honestidade dos seus amores”.
Pg. 100-103/107-109
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18 – MARIA ANUNCIA A JOSÉ A
MATERNIDADE DE ISABEL E CONFIA A DEUS A TAREFA DE JUSTIFICAR A SUA
25 de março de 1944.
Aparece-me agora a casinha de Nazaré, onde está Maria. Muito
jovem, como quando o Anjo de Deus lhe apareceu, sua imagem faz minha alma
encher-se do perfume virginal daquela morada e do perfume angélico, que ainda
permanece no ambiente ventilado pelas asas douradas do anjo. É o perfume
divino, que se concentrou em Maria, para lhe fazer mãe, e que agora exala de
sua pessoa. Começa a entardecer, porque as sombras invadem o ambiente de onde
viera tanta luz do Paraíso.
Maria, de joelhos junto de sua pequena cama, está rezando com
os braços cruzados sobre o peito, e com o rosto muito inclinado sobre a terra.
Está ainda vestida, como estava no momento da Anunciação. Tudo está como
naquele dia. O ramo florido ainda está no vaso, e os móveis na mesma ordem.
Somente a roca e o fuso estão encostados em um canto, a roca com sua estriga de
linho, e o fuso com seu alvo fio enrolado.
Maria termina sua oração, e se levanta, com o rosto abrasado,
como que em chamas. Sua boca sorri, mas o pranto deixa os seus olhos molhados.
Ela pega a candeia e a acende, com a pederneira. Olha se tudo está em ordem em
seu pequeno aposento. Acerta a coberta da cama, que tinha saído do lugar. Põe
mais água no vaso do ramo florido, e o leva para fora, a fim de que tome o
frescor da noite. Depois torna a entrar. Toma o bordado que está dobrado sobre
um móvel da prateleira com o candeeiro e sai, fechando a porta.
Dá alguns passos pelo jardim e pelos lados da casa, depois
entra no pequeno aposento, onde vi Jesus se despedindo dela. Reconheço bem o
lugar, ainda que estejam faltando agora alguns móveis que haverá naquele tempo.
Maria desaparece, levando consigo o candeeiro para um outro pequeno quarto, e
eu fico ali com a única companhia do trabalho que ela deixou sobre um canto da
mesa. Ouço os passos ligeiros de Maria, que vai e vem, ouço o barulho de água,
como o de quem está lavando alguma coisa, depois o barulho de quem está
quebrando uns pequenos galhos, e compreendo que ela está acendendo fogo com uns
gravetos. Depois, volta. Sai de novo para o pequeno jardim. Torna a entrar com
algumas maçãs e verduras.
Põe as maçãs sobre a mesa em uma bandeja de metal que parece
ser cobre burilado. Volta para a cozinha (certamente deve ser a cozinha). Agora
a luz da lareira está projetando-se alegre pela porta aberta, chegando até aqui
dentro, e está produzindo uma dança de sombras nas paredes.
Algum tempo depois, Maria volta, com um pãozinho escuro e uma
tigela de leite quente. Ela se assenta, e vai molhando fatias de pão no leite,
e come devagar. Depois, deixando a metade da tigela com leite, entra de novo na
cozinha, voltando com as verduras sobre as quais derrama azeite, e as come com
pão. Depois bebe o leite. Em seguida, apanha uma maçã e come. É uma ceia de
menina. Maria vai comendo e pensando, e tem algum pensamento que a está fazendo
sorrir.
Levanta-se, corre o olhar pelas paredes, parecendo querer
comunicar a elas um segredo. Mas, de vez em quando, fica séria, quase triste.
Contudo, logo em seguida volta o seu sorriso. Ouve-se bater à porta. Maria se
levanta e abre. José entra. Saúdam-se. José se assenta sobre um banco, em
frente a Maria, do outro lado da mesa.
José é um belo homem, na plenitude dos seus trinta e cinco
anos, quando muito. Seus cabelos castanho-escuros, e também sua barba da mesma
cor, emolduram o seu rosto bastante regular, com dois doces olhos de um
castanho quase preto. Ele tem a fronte espaçosa e lisa, nariz fino levemente
aquilino, faces um tanto arredondadas, de cor morena não oliváceas, mas um
pouco rosadas no centro. Ele não é muito alto. Mas é robusto e bem feito de
corpo. Antes de sentar-se, tirou o manto que é uma peça inteira (é o primeiro
que vejo feito assim), presa à altura da garganta por um alfinete, ou coisa
semelhante, e tem um capuz. É de cor marrom clara, e parece ser de tecido
impermeável, lã não trabalhada. Parece um daqueles mantos dos montanheses,
próprio para chuva. Mas, antes mesmo de sentar-se, ele oferece a Maria dois
ovos e um cacho de uvas, um pouco murchas, mas ainda bem conservadas. Ele
sorri, dizendo:
– Trouxeram-me estas uvas de Caná. O centurião me deu os
ovos, por um trabalho que eu fiz em seu carro. O carro estava com uma roda
quebrada, e o carpinteiro dele está doente. Os ovos são frescos.
Foram apanhados no ninho. Toma-os. Eles te farão bem.
– Amanhã os tomarei, José. Acabei de comer agora mesmo.
– Mas a uva podes chupar. É boa. Doce como mel. Eu a trouxe
com cuidado para não estragá-la.
Chupa-as. Eu ainda tenho mais. Eu as trarei amanhã em um
cestinho. Esta tarde eu não podia, porque estou vindo diretamente da casa do
centurião.
– Então, não ceaste ainda?
– Não, mas não tem importância.
Maria se levanta logo, e vai para a cozinha, e volta com
leite, azeitonas e queijo.
– Não tenho outra coisa – ela diz – Toma um ovo.
José não quer. Os ovos são para ela. Ele come com gosto o seu
pão com queijo e bebe o leite, que ainda está morno. Depois aceita uma maçã. E
termina a ceia. Maria pega o seu bordado, depois de ter tirado as louças da
mesa, e José a ajuda na cozinha, mesmo quando ela torna a sair. Estou ouvindo
como ele se move, indo colocar cada coisa em seu lugar. Depois, atiça de novo o
fogo, porque a noite vai ser fria. Quando volta, Maria lhe agradece.
Conversam um com o outro. José conta como passou aquele dia.
Fala de seus pequenos sobrinhos. Interessa-se pelos trabalhos de Maria e por
suas flores. Promete trazer-lhe umas flores muito bonitas que o centurião lhe
prometeu.
– São flores que nós não temos por aqui. Trouxeram-lhe de
Roma. Ele me prometeu mudas. E, quando a lua for boa, eu as plantarei para ti.
Elas têm belas cores e um cheiro muito agradável. Eu as vi no verão passado,
pois florescem no verão. Vão te perfumar toda a casa. Depois, quando a lua for
boa, podarei as plantas. Logo é tempo para isso.
Maria sorri, e agradece. Ficam os dois em silêncio. José olha
para a cabeça loira de Maria, que está inclinada para o bordado. É um olhar de
amor angelical. Pois, certamente, se um anjo amasse uma mulher com amor de
esposo, seria assim que a olharia. Maria, como alguém que toma uma decisão, põe
sobre os joelhos o bordado, e diz:
– José, eu também tenho uma coisa para te dizer, nunca tenho
nada, pois sabes como vivo retirada. Mas hoje tenho para ti uma notícia. Tive
notícia de que nossa parenta Isabel, mulher de Zacarias, está para ter um
filho.
José arregala os olhos, e diz:
– Naquela idade?
– Naquela idade – responde Maria, sorrindo -. O Senhor tudo
pode. E agora quis dar esta alegria à nossa parenta.
– Como ficaste sabendo disso? É notícia certa?
– Veio até aqui um mensageiro. É um que não pode mentir. Eu
gostaria de ir à casa de Isabel para ajudá-la e dizer-lhe que me congratulo com
ela. Se me deres licença.
– Maria, tu és a minha esposa, e eu sou o teu servo. Tudo o
que fazes é bem feito. Quando gostarias de ir?
– Quanto antes. Mas ficarei fora alguns meses.
– E eu ficarei contando os dias, à tua espera. Vai tranquila.
Cuidarei da casa e do pomar.
Encontrarás na volta as tuas flores tão bonitas, como se
tivesses cuidado delas. Só uma coisa…espera. Eu preciso ir, antes da Páscoa, a
Jerusalém, comprar alguns objetos para o meu trabalho. Se esperares um ou dois
dias, te acompanharei na viagem. Não mais, porque eu preciso voltar logo. Mas,
daqui até lá, podemos ir juntos. Eu fico mais tranquilo, quando sei que não estás
sozinha pelas estradas. Para a tua volta, me mandarás notícia, e irei te
buscar.
– És tão bom, José. O Senhor te recompense com as suas
bênçãos, e mantenha a dor longe de ti. Peço isso sempre a Ele.
Os dois castos esposos sorriem angelicalmente um para o
outro. Faz-se silêncio por algum tempo. Depois, José se levanta. Torna a
colocar o manto, puxa o capuz sobre a cabeça. Saúda Maria, que também se
levanta, e sai. Maria o fica olhando, enquanto ele caminha, e dá com um
suspiro, como de pena. Depois, eleva os olhos para o céu. Certamente, está
rezando. Fecha a porta com cuidado. Dobra o bordado. Vai à cozinha. Apaga, ou
cobre o fogo. Olha se tudo está em seu lugar. Toma o candeeiro, e sai, fechando
a porta. Com a mão faz um anteparo de proteção para a chama do candeeiro, que
está tremendo pelo vento frio da noite. Entra no aposento, e vai rezar ainda.
A visão termina assim.
Maria diz:
“Querida filha, quando, depois de
cessar o êxtase, que me havia enchido de inexprimível alegria, voltei ao uso
dos sentidos nesta terra, o primeiro pensamento que tive foi José, pensamento
pungente como um espinho de roseira, me feria o coração, enfaixado, há alguns
instantes, pelas rosas do Divino Amor, meu Esposo.
Eu já o amava, este meu santo e
previdente guarda. Desde quando a vontade de Deus, por meio da palavra de seu
Sacerdote, me tinha querido desposada a José, eu já pudera conhecer e apreciar
a santidade deste justo. Unida a ele eu tinha sentido que cessava aquela minha
desorientação de órfã, e já não tinha mais saudade do meu tempo de asilada no
Templo. Para mim ele era tão bom, como meu falecido pai. Junto dele eu me
sentia segura, como junto ao Sacerdote. Toda minha titubeação havia cessado, e
não só cessado, mas ficado esquecida, de tal modo tranquilizava-me o coração de
virgem, ao compreender que já não precisava mais titubear, pois não tinha que
temer nada da parte de José. Mais segura do que um menino nos braços da mãe,
assim estava a minha virgindade confiada a José.
Mas, e como dizer-lhe que eu era
mãe? Eu procurava palavras para dizer-lhe isso, mas era uma tarefa árdua. Eu
não queria louvar-me pelo dom de Deus, e não podia, de maneira alguma,
justificar a minha maternidade, sem dizer: “O Senhor me amou mais do que todas
as mulheres, e de mim, sua serva, me fez sua esposa”. Enganá-lo, escondendo-lhe
o meu estado, eu não queria também.
Mas, enquanto estava rezando, o
Espírito, do qual eu estava plena, me disse: “Cala-te. Confia a mim a tarefa de
justificar-te perante o esposo”. Quando? Como? Estas coisas não lhe perguntei.
Eu sempre me havia confiado a Deus, como uma flor na onda que a transporta.
Nunca o Eterno me tinha feito ficar sem sua ajuda. Sua mão sempre me havia
sustentado, protegido e guiado, até aqui.
E iria fazer tudo isso também
agora. Minha filha, como é bela e confortável a fé em nosso eterno e bom Deus!
Ele nos acolhe em seus braços como em um berço, nos leva ao luminoso porto do
Bem, como num barco, nos aquece o coração, nos consola, nos nutre, nos dá
repouso e alegria, nos dá luz e guia. A confiança em Deus é tudo, pois Deus
tudo dá a quem tem confiança Nele. Ele se dá até a Si mesmo.
Naquela tarde levei a minha
confiança de criatura à perfeição. Agora, eu o podia fazer, porque Deus estava
em mim. Antes, tinha tido a confiança de uma pobre criatura. Sempre um nada,
mesmo sendo tão amada, a ponto de ser sem mácula. Mas agora eu tinha uma
confiança divina, porque Deus era meu: meu Esposo, meu Filho! Oh! Que alegria!
Ser uma com Deus! Não para a minha glória, mas para amá-lo com uma união total
e poder dizer-lhe: “Tu, só Tu, que estás em mim, aperfeiçoa com tua divina
perfeição tudo o que eu faço”.
Se Ele não me tivesse dito:
“Cala-te”, talvez eu até tivesse ousado, com o rosto em terra, dizer a José: “O
Espírito penetrou em mim, e em mim está a Semente de Deus”. Ele teria
acreditado em mim, porque me estimava e porque, como todos aqueles que não
mentem nunca, ele acreditava que os outros também não lhe mentissem. Sim,
contanto que eu não lhe causasse nenhuma dor no futuro, eu teria vencido a
recusa de dar-me aquele louvor. Mas obedeci à ordem divina.
Durante muitos meses, a partir
daquele momento, senti a primeira ferida em meu coração. Foi a primeira dor, na
minha condição de corredentora. Eu a ofereci e sofri para reparar e para
dar-vos uma norma de vida nos momentos de sofrimento, quando há necessidade de
silêncio em relação a algum acontecimento que vos dê aparência de culpados, aos
olhos de quem vos ama. Deixai a Deus a guarda do vosso bom nome e dos vossos
interesses afetivos. Merecei com uma vida santa a tutela de Deus, e depois,
caminhai tranquilos.
Ainda que todo o mundo estiver
contra vós, Ele vos defenderá junto a quem vos ama, e fará com que a verdade
apareça. Repousa agora, minha filha. E sê sempre mais minha filha”.
Pg. 109 - 115
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19 – MARIA E JOSÉ DIRIGINDO-SE A
JERUSALÉM
27 de março de 1944.
Estou assistindo à partida deles para irem à casa da Santa
Isabel. José veio com dois burrinhos acinzentados para levar Maria: um para si
próprio e o outro para Maria. Os dois animaizinhos estão selados com selas
costumeiras; mas à sela de um deles foi acrescentado um instrumento muito
especial, que depois descubro ter sido feito para levar carga: é uma espécie de
porta-bagagem sobre o qual José pregou um pequeno cofre de madeira, digamos, um
bauzinho, que ele trouxe a Maria, para que nele pudesse pôr as suas roupas, e a
chuva não as molhasse.
Ouço Maria agradecer muito a José por este presente feito com
tanta previdência, pois neste baú ela colocou tudo o que estava num pacote, que
já havia preparado antes.
Fecham a porta da casa e põem-se a caminho. O dia já está
perto de raiar, pois estou vendo a aurora cor-de-rosa, mas só do lado do
Oriente. Nazaré ainda está dormindo. Os dois viajantes madrugadores encontram
apenas um pastor, que toca para a frente as suas ovelhinhas; elas vão trotando
e esbarrando umas nas outras, aqui e ali, encaixadas umas entre as outras, como
se fossem cunhas, berrando sem parar. Os cordeirinhos também berram, e mais do
que as ovelhas, com sua voz aguda e débil. Mesmo precisando ir para a frente, o
que eles mais gostariam de fazer seria procurar as tetas da mãe. Mas as mães se
apressam para chegar às pastagens, e os convidam, com seu balido mais forte, a
trotar com elas.
Maria fica olhando, e sorri. Ela parou para deixar passar a
manada, e se inclina sobre sua sela para acariciar os mansos animaizinhos, que
vão passando rentes ao burrinho. Quando o pastor chega perto, levando nos
braços um cordeirinho que acabou de nascer, para perto de Maria para saudá-la;
ela sorri, acariciando o focinho rosado do cordeirinho, que berra sem consolo,
e lhe diz: “Está procurando a mamãe. Aqui está a mamãe. Ela não te deixa, não,
pequenino”. De fato, a ovelha mãe vai roçar-se no pastor, e se levanta para
lamber o focinho do seu filhote. A manada vai passando e fazendo barulho como o
da chuva sobre as copas das árvores, deixando atrás de si a poeira levantada
pelos casquinhos, que sobem e descem, deixando as marcas de suas pegadas no
chão da estrada. José e Maria retomam o caminho. José, com. seu manto grande,
Maria, com uma espécie de xale listrado, pois a manhã está muito fria.
Ao chegarem no campo, Maria está perto de José. Pouco falam.
José pensa em seus trabalhos, e Maria continua com seus pensamentos; recolhida
como está, sorri aos pensamentos e às coisas quando, saindo um pouco daquela
sua concentração, gira o olhar sobre tudo o que a rodeia. De vez em quando,
olha para José, e um véu de seriedade e tristeza lhe ensombra o rosto. Depois,
volta-lhe o sorriso, até mesmo ao olhar para este seu esposo, tão previdente, e
de poucas palavras, mas que, quando fala, é para perguntar-lhe se tudo vai indo
bem e se não está precisando de alguma coisa.
Agora, as estradas já estão cheias de gente, especialmente
nas vizinhanças dos povoados, e dentro deles. Mas os dois não se preocupam com
as pessoas que vão encontrando. Lá se vão eles sobre os seus burrinhos, que vão
trotando com grande barulho dos guizos, e só vão parar uma vez, à sombra de um
pequeno bosque, para comer um pouco de pão e azeitonas, beber água da fonte que
desce de uma pequena gruta e, outra vez, para se protegerem de um violento
aguaceiro, que desaba de repente, de uma nuvem muito escura.
Colocaram-se, então, ao abrigo do monte, debaixo da saliência
de um penhasco, que os protege pelo menos da chuva mais forte. Mas José faz
questão que Maria ponha o manto grande de lã impermeável sobre o qual a água
desliza sem molhá-la. Maria tem que ceder à desvelada insistência do seu esposo
que, para tranquiliza-la a respeito de sua própria situação, põe sobre a cabeça
e sobre os ombros uma pequena manta cinzenta, que estava sobre a sela. Era a
manta do burrinho, provavelmente. Agora, Maria vai indo, parecendo um
fradezinho com um capuz, que lhe emoldura o rosto, e com o manto marrom, que se
lhe fecha à altura da garganta, e a cobre de alto a baixo.
O aguaceiro diminui, mas se transforma numa chuva incômoda e
fina. Os dois começam de novo a andar pela estrada, que agora está toda barrenta.
Mas, como é primavera, depois de alguns minutos, o sol volta, para tornar mais
cômoda a viagem. Também os dois burrinhos estão agora mais dispostos, batendo
as patas sobre a estrada.
Não vejo nada mais, pois aqui cessa a visão.
Pg. 115 - 117
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20 – PARTIDA DE JERUSALÉM. O
ASPECTO MÍSTICO DE MARIA. A IMPORTÂNCIA DA ORAÇÃO PARA MARIA E JOSÉ
28 de março de 1944.
Estamos em Jerusalém. Eu a reconheço bem agora, com suas estradas
e suas portas. Os dois esposos se dirigem ao Templo, em primeiro lugar.
Reconheço a estalagem, onde José deixou o burrinho, no dia da Apresentação no
Templo. Agora também é ali que ele deixa os dois burros, depois de tê-los feito
comer e beber, e vai adorar o Senhor, com Maria.
Depois voltam para fora. Pelo que parece, Maria e José vão
para uma casa de pessoas conhecidas. Lá fazem uma refeição, e Maria descansa
até a volta de José, que chega acompanhado de um velhinho.
– Este homem vai pelo mesmo caminho por onde vais. E é muito
pouco o que terás de andar sozinha, para chegar à casa de tua parenta. Podes
confiar nele, que eu o conheço.
Montam de novo nos burrinhos, e José sai acompanhando Maria
até à porta da cidade (não aquela pela qual entraram, mas uma outra). Lá, eles
se saúdam e Maria vai sozinha com o velhinho, que fala tanto mais, quanto José
falava menos, interessando-se por mil coisas. Maria vai-lhe respondendo com
muita paciência.
Agora ela tem, na parte dianteira de sua sela, o pequeno baú,
que antes tinha sido sempre levado pelo jumento de José, e não mais com o manto
grande. Nem mesmo o xale, pois ele está dobrado sobre o baú, e Maria está muito
bonita, em sua veste azul escura, com o seu véu branco, que a protege do sol.
Como está bonita!
O velhinho deve ser um pouco surdo porque, para fazer-se
ouvir por ele, Maria precisou falar bem alto, ela que sempre costuma falar em
voz baixa. Mas ele agora ficou cansado. Esgotou todo o seu repertório de
perguntas e de notícias, e está cochilando sobre a sela, deixando-se guiar pelo
jumento, que conhece bem a estrada.
Maria aproveita-se bem dessa trégua para recolher-se em seus
pensamentos, e rezar. Deve ser uma oração, que está cantando em voz baixa, ao
olhar o céu azul, com os braços sobre o peito, um semblante abrasado e feliz
por uma emoção interior.
Não vejo mais nada.
Também agora, quando a visão me fica suspensa, como aconteceu
ontem, fico com a mãe junto de mim, bem visível para a minha vista interior, e
tão nítida, que posso descrever a cor rosada leve de sua face, não muito cheia,
mas suavemente delicada, o vermelho vivo de sua pequena boca, o luzir doce de
seus olhos azulados, entre o loiro escuro de seus cílios.
Posso dizer como os seus cabelos, repartidos no alto da
cabeça, descem delicadamente com três ondulações de cada lado, até cobrirem a
metade das pequenas orelhas rosadas, desaparecendo, com o seu ouro pálido e
brilhante, atrás do véu que lhe cobre a cabeça. Estou vendo-a com o manto na
cabeça, vestida com a sua veste de seda paradisíaca e com seu manto leve como
um véu, embora opaco, feito do mesmo tecido que a veste.
Esta veste é ajustada ao seu pescoço por uma bainha, da qual
sai um cordão, cujas pontas formam um laço na frente, na base do pescoço, e
está apertada à altura da cintura, por um cordão mais grosso, sempre de seda
branca, que desce ao longo de cada lado com duas borlas nas pontas.
Posso dizer também que, ajustada como está ao pescoço e à
cintura, a veste forma sobre o peito sete pregas redondas e frouxas, o único
enfeite de sua roupa castíssima. Posso dizer ainda da castidade que emana do
aspecto todo de Maria, de suas formas tão delicadas e harmoniosas, que a tornam
tão angelicalmente, mulher.
E, quanto mais a olho, tanto mais eu sofro, pensando em
quanto a fizeram sofrer, e fico perguntando, a mim mesma, como puderam deixar
de ter piedade dela, tão mansa e gentil, tão delicada, até em seu próprio
aspecto físico. Eu a fico olhando, e torno a ouvir os gritos do Calvário,
também contra ela, com todas as zombarias e gracejos grosseiros. Todas as
maldições, dirigidas a ela, por ser a mãe do condenado. Vejo-a bela e tranquila,
agora. Mas o seu aspecto de hoje não me desfaz a lembrança de suas trágicas
feições, naquelas horas de agonia, e o seu semblante desolado em sua casa em Jerusalém,
depois da morte de Jesus. Eu queria poder acariciá-la e beijá-la em sua face
tão rósea e delicada, para tirar com o meu beijo aquela recordação de pranto
que certamente ela, como eu, também tem. É inimaginável a paz que sinto ao tela
perto de mim. Penso que morrer, vendo-a, seja doce, e até mais do que a mais
doce hora desta vida. Nesse tempo em que eu não a via assim, toda para mim,
sofri a sua ausência, como a ausência de uma mãe. Agora sinto de novo a
inefável alegria, que foi minha companheira em dezembro e nos primeiros dias de
janeiro. Estou feliz, não obstante ter visto os tormentos da Paixão, que lançam
sobre toda a minha felicidade um véu de dor.
É difícil dizer e fazer compreender o que eu experimentei e o
que aconteceu a 11 de fevereiro, desde a tarde em que vi Jesus sofrer em sua
Paixão. Foi uma visão que me mudou radicalmente. Morresse eu agora, ou daqui a
cem anos, aquela visão permaneceria sempre igual na intensidade e nos efeitos.
Antes, eu pensava nas dores de Cristo. Agora, eu as vivo, porque basta-me uma
palavra, uma imagem, para eu sofrer de novo tudo o que sofri naquela tarde,
horrorizando-me com aquele seu desolado padecimento. Mesmo quando nada me faz
recordar aquilo, sinto essa recordação me atormentar.
Maria diz:
“Vou falar pouco, porque estás
muito cansada, ó minha pobre filha. Somente quero chamar a tua atenção, e a de
quem estiver lendo, sobre o hábito constante de José, e meu também, de dar
sempre o primeiro lugar à oração. Cansaço, pressa, desgostos, ocupações eram
coisas que não impediam as orações, pelo contrário, a ajudavam até. Ela era
sempre a rainha das nossas ocupações. O nosso conforto, a nossa luz, a nossa
esperança. Se nas horas tristes, a oração era um conforto, nas horas felizes,
era um canto. Mas era sempre a amiga constante de nossa alma. Era ela que nos
fazia desprender-nos da terra deste exílio, elevando-nos ao Céu, nossa Pátria.
Não somente eu, que já tinha Deus
dentro de mim, não precisava senão olhar para o meu interior, para adorar o
Santo dos santos, mas também José se sentia unido a Deus quando rezava, porque
a nossa oração era adoração verdadeira, com todo o nosso ser que se fundia em
Deus, adorando-O e sendo por Ele abraçado.
Olhai bem, mesmo assim, eu que
tinha em mim o Eterno, não me senti isenta de prestar um reverente obséquio ao
Templo. A santidade mais alta não exime ninguém de sentir-se nada diante de
Deus, e de humilhar esse nada, pois o Senhor no-lo permite, em um contínuo hino
de louvor à Sua glória.
Sois pobres, fracos, defeituosos?
Invocai a santidade do Senhor: “Santo, Santo, Santo!” Clamai por Ele, Santo
bendito, sobre a vossa miséria. Ele virá e derramará sobre vós a sua santidade.
Sois santos e ricos de merecimentos aos Seus olhos? Invocai, do mesmo modo, a
santidade do Senhor. Essa santidade é infinita e fará crescer sempre mais a
vossa. Os anjos, seres que estão acima das fraquezas da humanidade, não cessam
um instante de cantar o seu “Sanctus”, e a beleza sobrenatural deles aumenta,
cada vez que invocam a santidade de nosso Deus. Imitai os anjos.
Não vos priveis nunca da proteção
da oração, contra a qual ficam embotadas as armas de satanás, as malícias do
mundo, os apetites da carne e as soberbas da mente. Não deponhais nunca esta
arma, pela qual se abrem os céus, de onde chovem graças e bênçãos.
A terra está precisando de um
banho de orações para limpar-se das culpas que atraem os castigos de Deus. Mas,
como são poucos os que rezam, esses poucos precisam rezar como se fossem
muitos, multiplicando as suas orações vivas, para fazerem delas o total
necessário para se obter a graça pedida. Orações vivas, são as temperadas com
verdadeiro amor e com sacrifício.
Que tu, minha filha, sofras,
principalmente porque o teu sofrimento, unido ao meu e ao de Jesus, torna-se
uma coisa boa, agradável a Deus, com muitos merecimentos. Gosto muito do teu
amor de compaixão. Queres dar-me um beijo? Beija as chagas de meu Filho.
Embalsama-as com o teu amor. Eu senti espiritualmente as dores, a angústia e a
aflição causadas pelos flagelos, pelos espinhos e pela tortura dos cravos e da
cruz. Mas, de modo igual, eu sinto espiritualmente todas as carícias feitas ao
meu Jesus: são beijos dados a mim. Depois, vem. Eu sou a rainha do céu. Mas sou
sempre a mãe…”. E estou feliz.
Pg. 117 – 120
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21 – CHEGADA DE MARIA A HEBRON E
SEU ENCONTRO COM ISABEL
Estou em um lugar montanhoso. As montanhas não são altas, mas também não podem ser consideradas meras
colinas. Em vez disso, eles têm a aparência de montanhas, como pode ser visto em nossos Apeninos na
Toscana e Umbria. A vegetação é densa e bonita. A água doce é abundante, o que
mantém as pastagens verdes e os pomares férteis, quase todos plantados com
macieiras, figueiras e videiras. Deve ser primavera porque os cachos já estão
um pouco crescidos; as macieiras, que acabam de florescer, deram a brotar os
seus frutos, que são bolinhas verdes, e os primeiros frutos surgiram no topo
dos ramos das figueiras, ainda em estado embrionário, mas já bem definidos. E
os prados são um verdadeiro tapete macio de muitas cores, onde as ovelhas
pastam ou descansam: manchas brancas no fundo esmeralda da relva.
Maria sobe com seu burrinho por um caminho bastante bom, que deve ser o caminho
principal. Sobe, porque de fato, a cidade, bem delimitada, é mais alta. Quem fala dentro de mim
me diz: “Este lugar é Hebron.” Ele me
disse que eram lugares montanhosos. É indicado para mim por esse nome. Não sei
se “Hebron” será toda a área ou apenas a cidade. Eu ouço isso e é isso que eu
digo.
Maria entra na aldeia no Crepúsculo. Algumas mulheres na
soleira de suas portas veem a chegada da estranha e conversam entre si. Eles a
seguem com o olhar e não ficam em paz até que vejam que ela para em frente a
uma das melhores casas, localizada no centro da cidade e que tem um pomar em
frente e atrás e ao redor dela um bem cuidado pomar de árvores frutíferas, que
depois espalha-se, dando origem a um vasto prado que sobe e desce segundo as
sinuosidades da montanha, terminando num bosque de árvores altas, atrás da qual
não sei o que é mais. Tudo está rodeado por uma fileira de amoras e rosas
silvestres.
Não o distingo bem, porque gosto muito de amoras, tem um
gosto muito bom, e tanto a flor quanto os galhos desses arbustos espinhosos são
muito parecidos, e enquanto o fruto não aparecer, é fácil ser enganado. Na
frente da casa, ou seja, no lado paralelo à vila, a propriedade é circundada
por uma pequena cerca branca, ao longo da qual estão ramos de verdadeiras
roseiras, embora já cheias de botões. No centro existe um portão de ferro
fechado. Entende-se que a casa pertence a um chefe da cidade ou a pessoas
ricas, pois tudo nela diz que se eles não são realmente ricos, passam a vida
com facilidade.
Maria desce do burro e se aproxima do portão. Olha pelas barras do portão. Ela não vê ninguém. Tenta ser ouvida. Uma
pequena mulher (a mais curiosa de todas, que a seguiu) aponta algo que funciona
como um sino ou campainha. São duas peças de ferro colocadas em uma espécie de
canga, que, movendo o jugo com uma corda grossa, colidem entre si fazendo o som
de um sino ou gongo. Maria puxa a corda, mas com tanta delicadeza que o som é
uma rima leve e ninguém ouve. Então a mulher, que é uma velha de nariz grande e
estatura pequena, com uma língua que vale por dez, pega o barbante e puxa, puxa
e puxa. É um ruído que pode acordar uma pessoa morta.
-Tudo bem, mulher. Do contrário, como eles poderiam nos
ouvir. Lembre-se de que Isabel é velha e velho Zacarias.
E esse homem agora, além de mudo, é surdo. Você sabe? Os
criados também estão velhos. Você nunca veio aqui? Você conhece Zacarias? Você
já?
Aparece um velho servo que salva Maria dessa enxurrada de
informações e
perguntas. Talvez seja o jardineiro ou o fazendeiro, porque ele carrega um
pequeno ancinho na mão e uma tesoura de poda amarrada na cintura. Abre. Maria entra
agradecendo a velha e deixando-a sem resposta, que decepção para a sua
curiosidade! Lá dentro, Maria diz: “Eu sou Maria, filha de Joaquim e Ana de
Nazaré, prima de seus empregadores.”
O velho faz uma reverência e cumprimenta, depois dá uma voz:
“Sara, Sara!” Reabra o portão para obter o burro, que ficara do lado de fora
porque Maria, para se livrar da questionadora, entrara sorrateiramente, e o
jardineiro, tão rápido quanto ela, fechara o portão na frente do nariz da
fofoqueira. O burro passa e, ao fazê-lo, o Velho servo diz: “Ah! Grande
felicidade e grande infortúnio há nesta casa! O céu concedeu um filho à mulher
estéril e que o Altíssimo seja louvado! Mas Zacarias voltou de Jerusalém sem
palavras há seis ou sete meses. É compreendido por sinais ou escrita. Sabia? A
senhora em meio a essa alegria e dor sente muito a sua falta! Fala sempre de ti
com a Sara e diz: “Se a minha Maria estivesse aqui! Se ela tivesse ficado no
Templo até agora, ela teria dito a Zacarias para trazê-la. Mas o Senhor queria
que ela se casasse com José de Nazaré. Só Ela pode me consolar nessa aflição e
ajudar a pedir a Deus, porque Ela é muito boa. Todos no Templo sentem falta
dela. Na última festa, quando fui com Zacarias pela última vez a Jerusalém para
dar graças a Deus porque ele me deu um filho, seus mestres me disseram: O
Templo parece estar faltando os querubins da Glória, já que a voz de Maria não ressoa
mais entre essas paredes. Sara! Sara! Minha esposa é um pouco surda. Mas vem, vem, eu te
levo.”
Em vez de Sara, aparece, no alto de uma escada anexa à casa, uma senhora idosa, cheia de
rugas e com os cabelos completamente grisalhos, embora seus cílios e
sobrancelhas ainda sejam pretos. A cor de seu rosto é marrom. Contrasta de
forma estranha, com a sua idade avançada, o seu estado, já muito evidente,
apesar do vestido largo e solto que usa. Olha, protegendo os olhos da luz com a
mão. Reconhece Maria. Levanta os braços para o céu com um “oh!” cheio de
espanto e alegria, ela desce o mais rápido possível para encontrar Maria. E
Maria – cujos movimentos são sempre moderados – desta vez começa a correr, leve
como um cervo, chegando ao pé da escada ao mesmo tempo que Isabel, e Maria dá
as boas-vindas à prima em seu coração com viva alegria, que vê-la, chora de
alegria.
Por um momento, elas continuam a se abraçar. Mais tarde, Isabel se separa com
um “Ah!” Mistura de dor, mistura de alegria, e ela põe as mãos no seio
volumoso. Ela abaixou a cabeça, ficando pálida e corada alternadamente. Maria e
a criada estendem os braços para apoiá-la, porque ela hesita como se se
sentisse mal. Mas Isabel, depois de ter sido recolhida por cerca de um minuto
em si mesma, levanta um rosto tão luminoso que parece rejuvenescido, ela olha
para Maria, sorrindo com veneração como se estivesse vendo um anjo, e se
curvando profundamente, ela diz: “Bendita és tu entre todas as
mulheres! Bendito o fruto do teu ventre! (Diz essas frases bem separadas) Como tenho merecido que a
Mãe do meu Senhor venha a mim, sua serva? Olha, ouvindo sua voz, a criança
pulou na minha barriga em sinal de alegria, e quando eu te abracei, o Espírito
do Senhor revelou uma grande verdade ao meu coração.
Abençoada é você porque acreditou que Deus pode fazer o que a
mente humana acredita que não é possível. Bem-aventurada és tu, porque pela tua
fé farás com que o Senhor cumpra as coisas que te prometeu e as que predisse
aos profetas para este tempo. Bem-aventurada és porque trouxeste a Santidade a
este meu filho, que sinto pular de alegria no meu seio, como um cabritinho
feliz porque se sente libertado do peso da Culpa, chamado a ser aquele que
segue, santificado antes da Redenção por ele.
Maria, com duas lágrimas como pérolas, que caem dos seus olhos sorridentes à sua boca sorridente, o rosto erguido
para o céu, os braços também erguidos, na mesma atitude que
Jesus terá tantas vezes
depois, exclama: “Minha alma engrandece seu senhor.” E continua o canto como o conhecemos.
No final do versículo: “Ele ajudou Israel, seu servo, etc”, ela junta as mãos
sobre o peito, e se inclina profundamente em direção à terra, adorando a Deus.
Zacarias não teve permissão para saber a situação de Maria ou
sua condição de Mãe do Messias. O criado, ao ver que Isabel não se sentia mal e que queria falar
com Maria, retirou-se prudentemente.
Agora ele retorna do jardim acompanhado por um velho de
aparência majestosa, com cabelos e barba totalmente brancos, que, com grandes
gestos e sons guturais, saúda Maria de longe. “Vem Zacarias”, diz Isabel,
tocando no ombro da Virgem, que está absorta na oração. “O meu Zacarias é
estulto. Deus o puniu por não acreditar. Eu te contarei sobre isso mais tarde.
Agora espero que Deus o perdoe porque você veio, você a enche de graça.” Maria
se levanta e vai ao encontro de Zacarias. Ela se curva no chão diante dele. Ela
beija a franja de sua vestimenta branca que a cobre até os pés. É um vestido
largo e é segura na cintura por uma faixa larga bordada. Zacarias, com gestos,
dá as boas-vindas a Maria, e juntos vão com Isabel. Eles entram em uma sala
grande e organizada. Ele manda Maria se sentar. Eles o fazem servir um copo de
leite recém-ordenhado – a espuma ainda é visível – e alguns pãezinhos. Isabel
dá ordens à criada, que aparece com as mãos ainda cheias de farinha e os
cabelos ainda mais brancos do que na realidade, por causa da farinha que tem.
Talvez ele estivesse fazendo o pão. Ele também dá ordens ao seu servo, a quem
ouço Samuel chamar, para levar o baú de Maria para um quarto que ele indicar.
Todas as obrigações da anfitriã para com seu convidado.
Enquanto isso, Maria responde às perguntas que Zacarias lhe faz
escrevendo com estilo em uma tábua encerada. Pelas respostas, entendi que você
está perguntando sobre José e como se sente em relação a ele agora que está
casada. Eu também entendo que Zacarias não recebe luzes sobrenaturais sobre o
estado de Maria e sua condição como Mãe do Messias. É Isabel que,
aproximando-se do marido e pondo-lhe a mão com carinho no ombro, diz: “Maria
também é mãe. Alegrem-se com a felicidade deles.”
Não adiciona mais. Olhe para Maria; e Maria olha para ela,
mas não a convida a dizer mais nada, pelo que ela se cala.
Pg. 120 – 125
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22 – OS DIAS TRANSCORRIDOS EM
HEBRON. OS FRUTOS DA CARIDADE DE MARIA PARA COM ISABEL
Vejo Maria costurando, sentada na sala do andar térreo. Isabel entra e sai cuidando do
serviço doméstico. Cada vez que entra,
aproxima-se para acariciar a cabeça loira de Maria, ainda mais loura agora pelo
contraste com as paredes bastante escuras e sob os raios do sol forte que
entram pela porta aberta que dá para o jardim. Isabel se inclina para olhar a
obra de Maria – é o bordado que ela fazia em Nazaré – e elogia sua beleza.
A Virgem diz: “Eu também tenho fios para tecer.”
Isabel: “Para o seu filho?”
Virgem: “Não. Já tinha quando ainda não pensava, quando ainda
não pensava que seria a Mãe de Deus.”
Isabel: “Mas agora você vai usá-lo com Ele. É lindo! Bem!
Sabe, tem que colocar tecidos muito delicados nas crianças.”
Virgem: “Eu sei”.
Isabel: “Eu tinha começado, comecei tarde, porque queria ter
certeza de que não era um engano do Maligno; embora eu senti tanta alegria em
mim que, não, não poderia vir de Satanás. Então, eu sofri muito. Estou velha,
Maria, por me encontrar neste estado. Eu sofri muito. Você não sofre? ”
Virgem: “Não. Nunca estive melhor do que agora.”
Isabel: “Oh, entendi! Você... não há mancha em você, se Deus
a escolheu para ser sua Mãe, e por isso você não está sujeita aos sofrimentos
de Eva. O Fruto concebido em seu ventre é Santo”.
Virgem: “Me parece como se eu tivesse uma asa em meu coração
e não um peso. Parece-me que tinha todas as flores, e todos os passarinhos que
cantam na primavera, e todo o mel e todo o sol. Oh, que feliz! ”.
Isabel: “Abençoada você é! Eu também, desde que te vi, parei de sentir
peso, cansaço e dores.
Sinto-me nova, jovem, livre das misérias da minha carne feminina. Meu filho, depois que se
emocionou ao ouvir sua voz, ainda está alegre. Parece-me que o tenho dentro de
um berço vivo e o vejo dormindo satisfeito e feliz, respirando como um
passarinho sob as asas da mãe. Agora sim vou começar a trabalhar. Não vou
sentir mais o peso. Eu vejo pouco, mas.”
Virgem: “Não se preocupe Isabel, eu cuidarei da fiação e da
tecelagem para você e seu filho. Sou rápida e vejo muito bem.”
Isabel: “Mas você deve pensar no seu …”.
Virgem: “Oh, eu tenho tempo! Primeiro me preocupo com você
porque você está prestes a ter o seu filho, e depois pensarei no meu Jesus.”
Quando Maria diz esse nome, quão doce é sua voz, quão expressivo seu rosto, como uma lágrima de felicidade aparece em suas pupilas
e como o sorriso aparece ao olhar para o céu azul brilhante. Na verdade, é algo
impossível de descrever. Parece que o êxtase a levou embora por um único
ditado: “Jesus”.
Isabel diz: “Que nome lindo! O Nome do Filho de Deus, nosso
Salvador! ”.
“O que meu Filho terá que fazer para salvar o mundo? Isaías,
de que altitude ele fala?”
A Virgem exclama: “Oh, Isabel!” E fica triste. Ela pega as mãos de seu primo que as tinha cruzado
sobre sua barriga inchada: “Diga-me, quando eu cheguei, você estava investida com o
Espírito do Senhor e você profetizou o que o mundo não sabe. Diga-me, o que meu
filho terá que fazer para Salvar o mundo? Os profetas. Oh, os profetas que
falam do Salvador! Isaías … você se lembra de Isaías? Ele é o homem de dores.
Com suas feridas fomos curados. Ele foi coberto de feridas e golpes pelos
nossos crimes. O Senhor quis esgotar sobre Ele todos os sofrimentos. Depois de
sua sentença ele foi colocado no alto. De que altitude você está falando? Ele é
chamado de o Cordeiro e eu fico pensando… Penso no cordeiro pascal, o cordeiro
de Moisés, e relaciono isso à serpente que Moisés levantou na cruz. Isabel.
Isabel! O que eles farão com meu filho? O que ele deve sofrer para salvar o
mundo? Maria chora.
Isabel a consola. “Não chore, Maria. Ele é seu Filho, mas
também é o Filho de Deus. Deus vai pensar Nele e em você, que é sua mãe. E se
muitos forem cruéis com Ele, muitos outros o amarão. Muitos, para todo o
sempre. O mundo contemplará o teu Filho e, junto com Ele, te abençoará, que és
a Fonte da redenção. A sorte do seu filho! Proclamado Rei de toda a criação.
Pense nisso, Maria. Rei por ter resgatado toda a criação; como tal, ele será
seu Rei universal. E também na terra, com o tempo, será amado.”
“Meu filho precederá o seu e o amará. O anjo contou a
Zacarias. Zacarias escreveu isso para mim, Ah! Que dor que eu sinto por ver
mudo o meu Zacarias! Mas espero que quando o menino nascer, o pai ficará livre
do seu castigo. Reza, tu que és a sede do poder de Deus e a causa da alegria do
mundo. Para obter isso, ofereço, como posso, o meu filho: porque ele é do
Senhor, e Ele emprestou à sua serva para dar-lhe a alegria de ser chamada “mãe”.
Para dar testemunho de tudo o que Deus fez. Quero que ele se chame “João”.
Pois, não é uma graça o meu menino? E, não foi Deus que me deu essa graça?
– Virgem: Deus te fará essa graça, estou certa disso. Eu
rezarei contigo.
Isabel diz chorando: “Sofro tanto ao vê-lo mudo! Quando ele
escreve, porque não pode falar comigo, é como se mares e montanhas estivessem
entre mim e meus Zacarias. Depois de tantos anos quando ele disse palavras
doces para mim, agora não há nada além de silêncio em sua boca. Especialmente
agora, quando seria tão bom falar sobre o que vai acontecer. Abstenho-me mesmo
de falar para não ver que ele se esforça com gestos para me responder. O que eu
chorei! Como eu gostaria que você tivesse vindo! Os habitantes da cidade
assistem, fofocam, criticam. O mundo é assim. Quando você sente dor ou alegria,
precisa de alguém que possa compreender, não criticar. Agora é como se tudo na
vida estivesse melhor. Sinto a alegria em mim porque você está comigo. Sinto
que em breve minha prova será aprovada e que em breve minha felicidade estará
completa. Vai ser assim, não é? Eu me resignei com tudo. Se Deus perdoasse meu marido!
Para poder ouvi-lo orar novamente!
Maria a acaricia e consola e sugere, para distraí-la, ir um pouco ao jardim
ensolarado. Elas vão para debaixo de uma parreira bem cuidada, perto de uma pequena torre
rústica, na qual há pombos que fazem seus ninhos nos buracos. Maria joga comida
para os pombos, e ri porque eles se jogaram sobre ela com muito barulho. Suas
palpitações formam círculos iridescentes ao redor dela. Empoleiram-se em sua
cabeça, ombros, braços, mãos, estendendo seus bicos rosados para arrancar as
espinhas de suas mãos, bicando graciosamente os lábios rosados da Virgem e seus
dentes, que brilham com o sol. Maria tira o trigo dourado de uma sacola e ri
muito com esse apetite deles.
Isabel diz: “Como eles te amam! Já faz uns dias que está conosco
e eles te amam mais do que a mim, que sempre cuidei deles.”
A caminhada continua até chegar a um recinto fechado no fundo do jardim, onde
estão cerca de
vinte cabras com seus filhos. A Virgem pergunta a um menino pastor de quem se
aproxima: “Você voltou do pasto?”
Pastor: “Sim, porque meu pai me disse: ‘Vá para casa, porque
em breve vai chover, e há algumas ovelhas para dar à luz. Certifique-se de que
eles tenham grama seca e uma cama de palha preparada. ”
“É ele quem vem aí.” E ele aponta para além da floresta, de
onde se ouve um balido trêmulo. Maria acaricia uma ovelha que se esfrega nela,
loira como uma criança. E Ela e Isabel bebem o leite recém-ordenhado que o
pastor lhes oferece. As ovelhas chegam conduzidas por um pastor peludo como um
urso. Deve ser bom porque carrega nas costas uma ovelha que dá um grito de dor.
Ele o abaixa com cuidado. Ela diz: “Ela está prestes a dar à luz um cordeiro.
Ele só conseguia andar com dificuldade. Eu coloquei em meus
ombros. Tive que correr para chegar a tempo.” E o menino pastor conduz as
ovelhas, que mancam de dor, até o aprisco. Maria sentou-se em uma pedra e está
brincando com as cabras e cordeiros, oferecendo flores de trevo para suas
trombetas rosa. Um preto e branco põe os cascos nas costas e cheira o cabelo.
“Não é pão” diz Maria sorrindo.
“Amanhã vou trazer um pedaço para você. Agora seja bom, bom.”
Isabel, agora tranquila, ri.
Vejo que Maria está tecendo rápido, muito rápido, embaixo da treliça, onde crescem as uvas. Deve ter
passado um tempo, porque as maçãs estão começando a ficar
vermelhas e as abelhas esvoaçam sobre os figos maduros. Isabel está muito gorda
e anda muito devagar. Maria olha para ela com cuidado e amor. Maria também, ao
se levantar para pegar o fuso que caiu um pouco longe, parece mais redonda na
cintura e a expressão em seu rosto mudou. É mais maduro. Antes era de menina,
agora de mulher. As mulheres entram em casa porque a noite se aproxima. As
lâmpadas estão acesas na sala. Maria tece, enquanto o jantar está sendo
preparado. Isabel, apontando para o tear, pergunta:
“Cansa-te alguma vez?”
Virgem: “Não. Eu te garanto”.
Isabel: “Esse calor me mata. Não voltei a sentir dores, mas
agora o peso é demais para os meus pobres rins.”
Virgem: “Tenha coragem. Logo você estará livre. E como você vai
se sentir feliz! Eu não vejo a hora de ser Mãe! Meu filho! Meu Jesus! Como será?”.
Isabel: “Lindo, como você, Maria.”
Virgem: “Oh não! Mais bonito! Ele é Deus. Eu seu servo. Mas
queria dizer: será loiro ou castanho? Seus olhos serão como o céu sereno ou
como os de um cervo da montanha? Eu o imagino mais lindo que um querubim, com
cabelos cacheados e da cor do ouro, com olhos da cor do nosso Mar da Galileia
quando as estrelas começam a aparecer no horizonte do céu, uma boquinha
vermelha como o corte de uma romã que apenas abriu para amadurecer ao sol; suas
bochechas, olhe, rosadas como esta rosa pálida; duas mãozinhas que, por mais
pequeninas e lindas que sejam, caberiam na corola de um lírio; dois pezinhos
que cabem na palma da minha mão, mais delicados e macios que uma pétala de
flor. Olha, eu coloco, na ideia que fiz Dele, todas as belezas que a terra me
sugere. Eu já ouço sua voz. Quando ele chorar, será – porque chora de fome ou
de sono, meu filhinho, e sempre será uma grande dor para sua mamãe, que não
poderá, oh! Você não conseguirá ouvi-lo chorar sem sentir que está trespassando
seu coração -, quando ele chorar, sua voz será como aquele balido que agora
ouvimos, de um cordeiro que passa algumas horas procurando a mãe de sua mãe e o
calor da lã de sua mãe para dormir. No riso, naquele riso que vai encher meu
coração de céu, apaixonado por minha Criatura – posso estar apaixonado por Ele,
porque Ele é meu Deus, e amá-lo com amor de amante não é contrariar minha
virgindade consagrada – no riso, sua voz será como aquele alegre arrulhar de
uma pomba, feliz por ter comido, satisfeita por estar em seu ninho. Eu penso nele
dando seus primeiros passos, um passarinho pulando no meio de um jardim
florido. O jardim será o coração de sua mamãe, que ela estará sob seus pés
rosados com todo o seu amor para não tropeçar em algo que poderia lhe causar
dor. Quanto vou amar meu filhinho! Meu filho! O José também vai adorar! ”.
Isabel: “Você deveria contar ao José!” Maria muda um pouco de cor e suspira:
“Vou ter que te contar. Queria que o céu te dissesse, porque
para mim é muito difícil.”
Isabel: “Você quer que eu diga a ele? Nós o enviamos para
dizer-lhe que venha para a circuncisão de João.”
Virgem: “Não. Olhe, deixei que Deus lhe diga e diga que seu
feliz destino é ser o nutridor do Filho de Deus. Ele vai fazer isso. O Espírito
me disse naquela noite:
“Cala-te. Deixa-me a tarefa de te justificar”. E isso vai
acontecer. Deus nunca mente. É um grande teste, mas com a ajuda do Eterno será
superado. Da minha boca, ninguém, além de ti, a quem o Espírito te revelou,
deve saber o que a benevolência do Senhor fez ao seu servo.
Isabel: “Não disse a Zacarias que ele ficaria muito feliz.
Ele acredita que você é uma mãe de maneira natural.
Virgem: “Sim, eu sei. E então eu queria por prudência. Os
segredos de Deus são sagrados. O anjo do Senhor não revelou a Zacarias minha
maternidade divina. Eu poderia ter feito, se Deus quisesse, porque Deus sabia
que se aproximava o tempo de sua Palavra se encarnar em mim. Mas ele escondeu
essa luz de alegria de Zacarias, que não aceitava, por achar impossível, que na
sua idade você pudesse ter um filho. Eu me adaptei à vontade de Deus e, você
vê, você ouviu o segredo que vive em mim, e ele não percebeu nada. Até a parede
dele a incredulidade perante o poder de Deus será separada das luzes
sobrenaturais.” Isabel suspira. E cale-se.
Zacarias apresenta alguns pergaminhos para Maria. É hora de orar antes do jantar. Maria
ora em voz alta em vez de Zacarias. Em seguida, eles se sentam à mesa. Isabel, olhando para o marido
mudo, diz: “Quando você não estiver mais conosco, como vamos sentir falta de
você não ter quem reze em nosso lugar!”
Virgem: “Então você vai rezar, Zacarias balança a cabeça e
escreve: “Nunca mais poderei orar pelos outros. Eu me tornei indigno desde que
duvidei de Deus.”
Virgem: “Zacarias, você vai voltar a orar. Deus perdoa “. O
velho enxuga uma lágrima e suspira. Depois do jantar, Maria retorna ao tear.
Isabel diz: “Chega. Você está ficando muito cansada.”
Virgem: “A hora está próxima, Isabel. Quero fazer para seu
filho um jogo digno do predecessor da linha do Rei de Davi. ”
Zacarias escreve: “De quem Ele nascerá? E onde?”.
A Virgem responde: “Onde os profetas previram e de quem o
Eterno escolhe. Tudo o que nosso Senhor Altíssimo faz é bem feito.”
Zacarias escreve: “Então, em Belém! Na Judéia. Mulher, iremos
adorá-lo. Você também irá com o José para Belém.”
E Maria, curvando a cabeça sobre o tear: “Eu irei.”
A visão cessa dessa maneira.
A Virgem Maria diz:
”O
primeiro ato de caridade para com os outros deve ser exercido com os outros. Não veja isso como um jogo de palavras. A
caridade é para com Deus e para com
os outros. A caridade para com o próximo também inclui a caridade para conosco. Mas, se nos
amamos mais do que os outros, não somos mais caridosos. Somos egoístas. Mesmo
nas coisas lícitas, devemos ser tão santos que sempre demos prioridade às
necessidades do próximo.
Tende a certeza, filhos, que Deus
completa a deficiência do generoso, vem ao encontro do generoso, com a sua
força e bondade. Essa segurança me levou a ir a Hebron para ajudar minha
parente em sua condição atual. Pois bem, este detalhe meu da ajuda humana,
Deus, que sempre dá sem medida como dá, deu-lhe um presente inesperado de ajuda
sobrenatural.
Fui ajudar no casamento, dar
ajuda material; Deus santificou minha reta intenção ao fazer, da mesma forma,
santificar o fruto do ventre de Isabel, e anular, por meio dessa santificação –
pela qual o Batista foi pré-santificado – os sofrimentos físicos de Isabel que
concebeu em uma idade incomum.”
“Isabel,
mulher de fé intrépida e abandono confiante à vontade de Deus, tornou-se digna de
compreender o mistério que
se encerrou em mim. O Espírito
falou com ela através da vibração de seu filho em seu ventre. O Batista
proferiu seu primeiro discurso como Anunciador da Palavra através dos véus e
paredes de veias e carne que o separavam de sua santa mãe, e que ao mesmo tempo
a uniam. Não escondi a minha condição de Mãe do Senhor desta mulher, que era
digna de sabê-lo e para quem a Luz se manifestou. Escondê-lo seria negar a Deus
o louvor que era justo dar a ele, o sentimento de louvor que ele carregava em
mim e que, não podendo manifestar ninguém, eu o manifestei na grama, nas
flores, nas estrelas, no sol, nos canoros os pássaros, as ovelhas mansas, a
água tagarelando e a luz dourada que me beijava descendo do céu. Mas, orar a
dois juntos é mais doce do que orar sozinho.
Eu gostaria que o mundo inteiro
conhecesse meu destino; não por minha causa, mas porque todos se juntaram a mim
no louvor ao meu Senhor. A prudência me impediu de revelar a verdade a
Zacarias. Isso significaria ir além da obra de Deus, e embora fosse verdade que
eu era sua esposa e mãe, sempre fui sua serva e não deveria – porque ele me
amou além da medida – tentar substitua-o e não cumpra a sua palavra. Isabel,
que era santa, entendeu e guardou o segredo, porque quem é santo é sempre
humilde e submisso.”
O dom de Deus deve sempre nos
tornar melhores. Quanto mais recebemos, mais devemos dar. Quando Deus nos
destinou, Maria, a sermos vítimas de sua honra, oh, como é doce ser triturado
no moinho, como o trigo, para fazer da nossa dor o pão que consolida os fracos
e os torna capazes de alcançar o céu!
Mais é um sinal de que Ele está em nós e
conosco, e quanto mais Ele está em nós e conosco, mais devemos nos esforçar para alcançar sua
perfeição. Isso explica porque eu,
adiando meu trabalho, trabalhei para Isabel. Não tenho
medo de não ter tempo. Deus é dono
do tempo e provê as necessidades daqueles que esperam por Ele, mesmo nas coisas
comuns. O egoísmo não acelera: ele retarda; a caridade não demora: acelera.
Tenha isso em mente.
Quanta paz há na casa de Isabel! Se não me tivesse ocorrido a memória do José e o
pensamento, sim, o pensamento, aquele pensamento de que o meu Filho era o
Redentor do mundo, teria sido feliz. Mas a cruz já estendia sua sombra sobre
minha vida, e como um eco fúnebre, parecia ouvir as vozes dos Profetas. Meu
nome era Maria. Amargura sempre se misturou com a doçura que Deus derramou em
meu coração, amargura que foi crescendo cada vez mais, até a morte de meu
Filho. E, no entanto, quando Deus nos designa, Maria, para sermos vítimas de
sua honra, oh, como é doce ser moído no moinho, como o trigo, para fazer da
nossa dor o pão que fortalece os fracos e os torna capazes de alcançar o Céu! É
o suficiente. Você está cansado e se sente feliz. Descanse com minha benção.”
Pg. 126 – 134
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23 – NASCIMENTO DE JOÃO BATISTA.
TODO SOFRIMNENTO SE ACALMA NO VENTRE DE MARIA
Isabel diz: “Maria, eu tenho fé. Mas se eu morrer não deixe
Zacarias imediatamente. Sei que você pensa em sua casa, mas fique um pouco para
ajudar meu marido nos primeiros dias de dor.
Virgem: “Eu ficarei, para me parabenizar pela sua alegria e a
dele. Vou embora quando você se sentir forte e aliviada. Fique calma, Isabel.
Tudo sairá bem. Em sua casa não faltará nada enquanto durar sua dor. Zacarias
será cuidado pelo servo mais amoroso, e suas flores e suas pombas receberão o
cuidado que lhes dispensou, e você encontrará ao mesmo tempo animadas e belas
para recebê-la com ternura, sua patroa, quando retornar. Vamos para casa agora,
porque vejo que você está mais pálida.”
Isabel: “Sim, parece-me que volto a sentir dores. Talvez
tenha chegado a hora. Maria reza por mim.” Virgem: “Vou ajudá-la com minhas
orações até que seu transe se transforme em alegria.”
E as duas mulheres entram na casa lentamente. Isabel vai para
seus aposentos. Maria, hábil e clarividente, dá ordens e prepara tudo o que for
necessário. Conforta Zacarias que está muito preocupado. Na casa que esta noite
desperta e onde se ouvem estranhas vozes de mulheres chamadas a ajudar, Maria
permanece vigilante como um farol numa noite de tempestade. A casa toda gira em
torno da Maria, que, doce e sorridente, tudo cuida; e ora. Quando ela não é
chamado para algo, se retira para orar. É na sala onde costumam se reunir para
refeições e trabalho. Com Ela está Zacarias, que anda preocupado. Eles oraram
juntos. Maria continua orando. E agora que o velho cansado se sentou em uma
poltrona perto da mesa, e o sono continua, Ela ainda ora. Ora mais
intensamente, de joelhos, com os braços levantados, quando os gritos da parturiente
forem mais altos. Sara entra e acena para ela. Maria vai descalça para o
jardim.
Sara diz: “A patroa vos está chamando”.
Virgem: “Estou indo”, e ela vai para fora da casa, sobe as
escadas … ela parece um anjo branco vagando em uma noite tranquila cheia de
estrelas.
Entra onde está Isabel, que exclama: “Oh, Maria! Quanta dor! Não aguento mais, Maria. Quanta dor você tem que suportar para ser mãe!
Maria a acaricia com amor e a beija. “Maria, Maria! Deixa eu
colocar as mãos na sua barriga.” Maria pega aquelas duas mãos ásperas e
inchadas, coloca-as na sua barriga já ligeiramente saliente e segura-as com
força com as suas mãozinhas macias e graciosas.
E agora, que as duas estão sozinhas, Maria fala baixinho e
diz:
“Aqui está Jesus, ouvindo você e vendo você. Confie, Isabel.
Seu santo coração bate mais forte porque agora Ele está intervindo em seu nome.
Sinto que lateja como se estivesse em minhas mãos. Eu entendo as palavras que
meu filho me diz com as batidas do coração. Agora ele está me dizendo:
“Diga à mulher para não ter medo. Um pouco mais de dor, e
então, quando o sol nascer, entre as rosas que esperam aquele raio da manhã
para se abrir, sua casa terá a rosa mais bonita, e será João, meu Precursor.”
Isabel também pousa o rosto no ventre de Maria e chora
silenciosamente. Maria fica assim por um tempo, porque parece que a dor de
Isabel está diminuindo. Ela diz a todos para ficarem calmos. Ela permanece
branca e bela sob a luz fraca de uma lamparina a óleo, como um anjo perto de
alguém que está sofrendo. Ora. Eu a vejo mover seus lábios, mas mesmo que eu
não os veja, eu entenderia que ora por causa da expressão de êxtase em seu
rosto. O tempo passa. A dor volta para agarrar Isabel.
Maria a beija novamente e vai embora. Ela desce rapidamente
ao luar e corre para ver se Zacarias ainda dorme. Sim, ele ainda dorme, mas em seu sonho
ele geme. Maria sente compaixão por ele. Ora novamente. E quando Zacarias
acorda, tonto, Maria o pega pela mão e o encoraja.
“Quando amanhecer, em breve, a criança vai nascer. Tudo sairá
bem”.
Zacarias balança a cabeça tristemente, aponta para a sua boca
muda. Eu gostaria de dizer muitas coisas, mas não posso. Maria percebe isso e
diz: “O Senhor tornará a sua alegria perfeita. Coloque toda a sua confiança
nele. Espere de todo o coração. Ame com toda a sua alma. O Altíssimo vai
ouvi-lo, mais do que você poderia esperar. Ele quer essa sua fé, total, como
uma purificação de sua desconfiança do passado. Diga em seu coração comigo: Eu
acredito. Diga isso a cada batida. Os tesouros de Deus estão abertos a quem crê
n’Ele e na sua bondade sem limites.”
A luz começa a penetrar pela porta entreaberta. Maria abre. O amanhecer
tornou a terra encharcada de orvalho toda branca. Há um cheiro forte de terra
úmida, de grama verde, e se ouvem os primeiros pios dos pássaros que são chamados
de galho em galho. Zacarias e Maria saem pela porta. Eles estão pálidos da
noite em que acordaram e a luz do amanhecer os torna ainda mais pálidos. Maria
calça as sandálias e vai até o pé da escada, escutando para ver se escuta
alguma coisa. Nada aconteceu. Maria vai para um quarto e volta com leite
quente. Ela dá para Zacarias beber. Em seguida, vai até os pombos, volta e
entra na mesma sala. Talvez seja a cozinha. Inspeciona tudo. Ela parece tão
ágil e serena que parece que dormiu o melhor dos sonhos. Zacarias anda
nervosamente de um lado para o outro no jardim enquanto Maria olha para ele com
pena. Em seguida, ela entra novamente na mesma sala e, ajoelhada ao lado de seu
tear, ora intensamente, pois os gritos da parturiente são mais altos. Ela se
abaixa para implorar ao Eterno. Zacarias volta, entra e assim a vê prostrada; o
pobre velho chora. Maria se levanta e o pega pela mão. Ela é muito mais jovem
que ele, mas parece ser a mãe daquele homem desolado e derrama seus consolos
sobre ele. Ficam assim, lado a lado, sob este sol que pinta o ar da manhã com cores. Assim, o anúncio feliz chega aos seus ouvidos:
“Ele já nasceu! Já nasceu! É um menino! Oh feliz pai! Um
garotinho como uma rosa, bonito como um sol, forte e saudável como sua mãe.
Alegra-te pai a quem o Senhor abençoou, para que possas oferecer-lhe um filho
no seu templo. Glória a Deus que concedeu um herdeiro a esta casa! Bênção para
você e para o filho que nasceu! Que os seus descendentes perpetuem o teu nome
para todo o sempre, por todas as gerações, e sejam sempre fiéis ao convênio do
Senhor Eterno.”
Maria, chorando de alegria, bendiz ao Senhor. Então os dois acolhem o menino, que foi
trazido ao pai para abençoá-lo. Mas Zacarias não vai aonde Isabel está, quem vai é Maria. Pega o menino que
grita com todos os seus pequenos pulmões, vai carregando com amor o menino, que ficou calado
enquanto Maria o tomou nos braços. A comadre que vai atrás dela percebe esse
fato.
“Mulher”, diz ela a Isabel, “o teu filho calou-se assim que
Maria o pegou. Veja como ele dorme tranquilo; e Deus sabe como ele é inquieto e
forte! Olha, agora parece um pombinho.” Maria coloca o menino ao lado da mãe e
acaricia Isabel, arrumando os cabelos grisalhos de Isabel, e diz em voz baixa:
“A rosa nasce e você vive. Zacarias é feliz.”
Isabel pergunta: “Ele fala?”
Virgem: “Ainda não. Mas confie no Senhor. Descanse agora. Eu
estou contigo.”
A Virgem Maria diz:
“Se a minha presença santificou o
Batista, não cancelou a condenação de Isabel por Eva: “Você dará à luz seus
filhos com dor.” Só eu, sem mancha e sem união conjugal, estava livre de dar à
luz com dor. Tristeza e dor são frutos da culpa. Eu, que era a Irrepreensível,
tinha que conhecer também a dor e a tristeza, porque fui Corredentora. Mas não
senti a dor do parto. Não. Este sofrimento eu não experimentei. E, no entanto,
acredite em mim, filha, não houve e não haverá uma dor de parto semelhante a
minha de Mártir de uma Maternidade espiritual realizada no leito mais duro: o
meu na cruz, ao pé da forca do Filho que estava morrendo. E que mãe há que é
obrigada a dar à luz assim? Que mãe há que se vê obrigada a misturar a tortura
de rasgar as entranhas, que se partem do estertor da morte do Filho moribundo,
com a tortura de sentir as entranhas se retorcerem enquanto tem que superar o
horror de ter que dizer: «Eu te amo. Vinde a mim que sou tua Mãe » aos algozes
daquele Filho nascido do amor mais sublime que o Céu jamais viu, o amor de Deus
com uma Virgem, o beijo do Fogo, o abraço da Luz que se fez Carne e o do ventre
de uma mulher feita o Tabernáculo de Deus? Isabel disse: “Quanta dor ser mãe!”
Muita. Mas nada em relação à minha”.
Eu sou a eterna portadora de
Jesus. Ele está no meu ventre, conforme tu viste no ano passado, que Ele é como
uma Hóstia consagrada no ostensório. Quem vem a mim o encontra. Quem em mim se
apoia, põe-se em contato com Ele. Quem se dirige a mim, fala com Ele. Eu sou a
sua veste. Ele é a minha alma. Agora Ele está mais unido a mim do que nos nove
meses em que crescia no meu ventre. O meu Filho está unido à sua mãe.
Acalmam-se todas as dores, florescem todas as esperanças, fluem todas as graças
de quem vem a mim, e pousa sua cabeça sobre o meu ventre.
Eu rezo por vós. Recordai-vos
disso. A felicidade de estar no Céu, de viver no raio da luz de Deus, não me
deixam esquecer meus filhos sofredores na terra. Rezo. Todo o Céu está rezando.
Porque o Céu ama. O Céu é caridade viva. A caridade tem piedade de vós. Ainda
que fossem só a minhas orações, já seriam suficientes para as necessidades de
quem espera em Deus. Porque eu não cesso de rezar por todos vós, pelos santos e
pelos maus, para alcançar a alegria para os santos, e o arrependimento que
salva para os malvados. Vinde! Ó filhos de minha dor. Eu vos espero aos pés da
Cruz para dar-vos a graça.
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25 – APRESENTAÇÃO DE JOÃO BATISTA
NO TEMPLO E PARTIDA DE MARIA. O SOFRIMENTO DE JOSÉ.
Ele pega o filho que deu a Isabel e os dois vão ao Templo. Os guardas recebem
Zacarias com honras, e os demais padres o saúdam e o cumprimentam. Zacarias, hoje, com suas vestes
sacerdotais e a alegria de ser pai, é majestoso. Ele parece um patriarca. Eu
imagino que ele se parece com Abraão quando ele iria oferecer Isaque ao Senhor.
Vejo a cerimônia da apresentação do novo israelita e a da purificação da mãe. É
ainda mais pomposo do que o de Maria, porque os padres fazem uma grande festa
para o filho de um sacerdote. Eles se aglomeram e correm para cercar o pequeno
grupo de mulheres e o recém-nascido.
Outras pessoas também se aproximaram com curiosidade e ouço seus comentários. Como Maria carrega a criança
nos braços e vão para o lugar de costume, as pessoas acreditam que seja a mãe.
Mas uma mulher diz: “Não pode ser. Você não pode ver que está na grávida? A
criança tem poucos dias e já está inchada.”
Outra diz: “Sim … mas ela só pode ser a mãe. O outro é velho.
Será um parente. Ela não pode ser mãe nessa idade.” A mulher diz: “Vamos
segui-los e veremos quem tem razão.”
O espanto se torna grande quando eles veem que quem realiza o rito de
purificação é Isabel, que oferece seu cordeiro que
ruge como holocausto e sua pomba pelo pecado. “A mãe é aquela?
“Não!”.
“Sim!”.
Os incrédulos continuam fazendo comentários, tanto que o
grupo de sacerdotes presentes no rito é obrigado a emitir um “Chsss!”
imperativo. As pessoas ficam quietas por alguns momentos, mas sussurram muito
mais alto quando Isabel, radiante e orgulhosa, leva seu filho, ela entra no
Templo para apresentá-lo ao Senhor.
“É realmente ela.”
“A mãe é quem oferece.”
“Que milagre será esse?”
“O que poderia ser aquela criança que Deus deu em idade tão
tarde para aquela mulher?”
“Do que é um sinal?”
Quem chega ofegante diz: “Você não sabe? Ele é filho do
sacerdote Zacarias, da linhagem de Arão, aquele que ficou mudo quando ofereceu
o incenso no Santuário.” “Mistério, mistério! E agora fala de novo! O
nascimento de seu filho desencadeou sua língua.”
“Qual era o espírito que falava com ele e tornava sua língua
inútil para o acostumar a guardar silêncio sobre os segredos de Deus?”
“Mistério! Que verdade saberá o Zacarias? “Será que seu filho é o Messias
esperado por Israel?” “Ele nasceu na Judéia, não em Belém, não era de uma
virgem. Não pode ser o Messias. “Assim, quem será?”. A resposta fica nos
silêncios de Deus e das pessoas com sua curiosidade. A cerimônia acabou. Os
sacerdotes estão celebrando agora, o mesmo que a mãe e o filho. A única a quem
o olhar é menos dirigido é Maria, além disso, é mesmo evitada com certo
desprezo ao ver o seu estado.
Os parabéns acabam. Todos voltam para realizar o retorno. Maria volta à pousada para ver se José já chegou. Não chegou. Maria está desapontada e
pensativa. Isabel e Zacarias se preocupam com ela. “Podemos ficar um pouco, mas
depois temos que sair para chegar em casa antes da primeira vigília, ainda é
muito jovem para passar mais tempo à noite.”
E Maria com calma, mas com tristeza: “Vou ficar no pátio do
Templo. Eu irei para a casa dos meus professores. Não sei. Eu farei qualquer
coisa.”
Zacarias intervém com uma ideia que é aceita como uma boa
solução: “Vamos para a casa dos familiares de Zebedeu. O José, sem dúvida, irá
procurá-la lá e se não foi, será fácil encontrar alguém que o acompanhe à
Galileia, porque naquela casa há sempre um vaivém contínuo de pescadores de
Genesaré, em cuja casa José e Maria pararam há cerca de quatro meses. As horas
passam rápido e José não aparece. Maria supera seu aborrecimento embalando o
pequeno; mas ela parece preocupada. Como que para esconder sua condição, ela
nunca tirou a capa, apesar do intenso calor que fazia todos suarem.
Finalmente uma grande batida na porta anuncia a chegada de
José. O rosto de Maria se torna sereno de novo. José a saúda, pois ela é a
primeira a apresentar-se e a saudá-lo com reverência.
- A bênção de Deus sobre ti, Maria!
- E sobre
ti, José. Graças a Deus que vieste. Eis Zacarias e Isabel que estavam para
partir, pois queriam chegar em casa antes da noite.
Jose: “Sua mensagem chegou ontem à tarde em Nazaré quando eu
estava em Caná para algum trabalho. Logo em seguida parti. Mas, embora andasse
sem parar, cheguei tarde, porque o meu burro tinha perdido uma ferradura. Me
perdoe”.
Virgem: “Perdoe-me por ter estado tanto tempo longe de
Nazaré. A verdade é que ficaram tão felizes por me terem consigo, que pensei em
lhes dar esta satisfação até agora.”
Jose: “Você fez bem, mulher. Cadê a criança? “
Eles entram na sala onde Isabel está cuidando de Juan, antes
de sair. José parabeniza os pais pela força da criança, que foi separada do
peito para mostrá-la a José, e que grita e dá pontapés como se estivessem
esfolando-o. Todos riem de seus protestos. Os parentes de Zebedeu, que vieram
trazendo frutas frescas e leite e pão para todos e uma grande bacia de peixes,
também riem e participam da conversa.
Maria fala muito pouco. Ela está calma e silenciosa, sentada
em seu cantinho, com as mãos nos joelhos sob a capa. Mesmo quando ele bebe seu
copo de leite e come um cacho de uvas douradas com um pouco de pão, ele fala
pouco e se move pouco. Ela olha para José, triste e ao mesmo tempo
perscrutando. Ele olha para ela também. Depois de alguns minutos, Inclinando-se
sobre o ombro, ela pergunta: “Você está cansada ou alguma coisa dói? Você está
pálida e triste.
Virgem: “Sinto muito por me separar do pequeno João. Gosto
dele. Eu o tive sobre o meu coração, poucos momentos depois que nasceu.
José não pergunta mais.
Chegou a hora da partida de Zacarias. O carro para na porta, todos vão até ele. Os dois primos se abraçam com
amor. Maria beija e beija o menino novamente antes de devolvê-lo à mãe, que já
está sentada no carro. Depois se despede de Zacarias e pede sua bênção. Ao se
ajoelhar diante do sacerdote, o manto escorrega de seus ombros e sob a luz
intensa do sol de verão as formas podem ser vistas. Não sei se José reparou
alguma coisa naquele momento, atento como está em saudar Isabel. O carro parte.
José e Maria entram na casa novamente. Ela retorna para ocupar seu canto
semi-escuro. José lhe diz: “Se você não se importa de viajar à noite, gostaria
que partíssemos ao pôr do sol. O calor, durante o dia, é forte; a noite, pelo
contrário, será fresco e sereno.
Eu digo isso por você. Estar ao sol não me incomoda nem um
pouco. Mas você…”.
Virgem: “Como quiser, José. Também acho que é conveniente
caminhar à noite.
José diz: “A casa está em ordem. Também o pequeno jardim.
Você verá que lindas flores! Você chegará a tempo quando eles começarem a
florescer. A macieira, a figueira, a videira estão carregadas de frutos como
nunca antes, e eu tive que escorar a romãzeira, que está carregada de frutos
maduros como nunca se viram nesta época. E depois a oliveira...
Terá azeite em abundância. Lançou tantas flores que parece um
milagre, e nenhuma flor se perdeu. Já são pequenas azeitonas. Quando madura, a
árvore parecerá estar carregada de pérolas negras. Em Nazaré não há jardim mais
bonito que o seu. Até mesmo seus parentes se admiram. Alfeu diz que isso é um
prodígio.”
Virgem: “Suas preocupações fizeram isso.”
Jose: “Oh não! Eu sou um homem pobre O que eu realmente fiz?
Cuida um pouco das árvores, põe um pouco d’água nas flores … sabe? Fiz para
você uma fonte no fundo do jardim, perto da gruta, e construí um lago.
Portanto, você não terá que sair para buscar água. Eu o trouxe daquela nascente
que fica acima do olival de Matias. É limpo e suficiente. Eu te enviei um
pequeno riacho. Construí uma sarjeta bem fechada e agora a água vem cantando
como uma harpa. Eu ficava com dó de ti, ao ver-te ir à fonte da cidade e voltar
carregando baldes cheios de água.
Virgem: “Obrigado Jose. Você é bom!”. Os dois maridos estão
calados agora, como se estivessem cansados. José acena com a cabeça sonolento.
Maria ora.
A noite está chegando. Os anfitriões insistem que, antes de partirem, voltem a comer.
José realmente pega pão e peixe. Maria só fruta e leite. Então a marcha começa.
Eles sobem em seus burros. José colocou o baú de Maria no seu, como fazia
antes, e antes que ela suba, verifica se a proteção está segura. Vejo que José
observa Maria enquanto ela sobe na cobertura, mas ela não diz uma palavra. A
jornada começa quando as primeiras estrelas começam a bater no céu. Eles
correm, talvez, para alcançar os portões da cidade antes de fecharem. Quando
eles saem de Jerusalém e pegam a estrada principal para a Galileia, as estrelas
já fervilham no céu sereno e o campo dorme envolto em silêncio. Ouve-se somente
o canto do rouxinol, como também pode ouvir o andar dos dois burros na estrada
queimada do verão.
Diz a Virgem Maria:
“Meu José também teve
sua paixão, Tudo começou em
Jerusalém, quando ele percebeu minha condição. E
durou vários dias, tanto para ele quanto para mim. Não foi, espiritualmente, pouco
doloroso. E só porque meu marido era um homem justo, ele permaneceu por dentro
de uma forma tão digna e silenciosa que passou séculos sendo pouco notado. Oh
nossa primeira paixão! Quem pode descrever a sua intensidade íntima e
silenciosa e a minha dor ao constatar que a ajuda que esperava ainda não me
tinha chegado do céu, para revelar o Mistério a José? Percebi que o estava
ignorando, vendo-o tão respeitoso comigo como sempre. Se ele soubesse que eu
carrego a Palavra de Deus em meu ventre, ele teria adorado a Palavra encerrada
em meu ventre com atos somente dignos de Deus. Sim, Joseph teria realizado
esses atos, e eu não teria me recusado a recebê-los, não por mim, mas por
Aquele que carregava em mim, da mesma forma que a Arca da Aliança carregava as pedras
da Lei e os vasos de maná.
Quem pode descrever minha batalha
contra o desânimo que tentou me vencer
para me persuadir de que esperei em vão no
Senhor? Oh, acho que foi a raiva de Satanás! Senti a dúvida crescer nas minhas
costas e senti como ele estendeu suas garras geladas para aprisionar meu
coração e interromper sua oração. A dúvida … tão perigosa e letal para o
coração. Letal porque é o primeiro micróbio da doença mortal que leva o nome de
“desespero”, contra o qual se deve reagir com todas as forças, para que a alma
não se perca, nem Deus se perca.
Quem pode escrever com precisão a dor de Jose, seus pensamentos, a turbulência de sua alma? Como um pequeno barco no
meio de uma tempestade, ele se viu no centro de um redemoinho de ideias
opostas, em um redemoinho de reflexos, um mais comovente e mais doloroso do que
os outros. Ele era um homem aparentemente traído por sua esposa. Ele viu seu
bom nome e a estima que o mundo tinha por ele desmoronar; por causa dela ele já
estava apontado com o dedo e tinha pena de seu povo Nazaré. Eu vi que seu
afeto, a estima que ele tinha por mim foram abalados pela evidência do fato.
Neste ponto, sua santidade brilha
mais alto do que a minha. Disto testemunho com o afeto de uma esposa, porque
quero que ameis o meu José, este homem sábio e prudente, este homem paciente e
bom, que não está desvinculado do mistério da Redenção, mas antes muito unido a
ele, porque por este mistério ele sofreu indizivelmente, salvando o Salvador
com seu sacrifício e sua santidade. Se eu fosse menos santo, teria agido com
humanidade, denunciando-me como adúltera para que o filho do meu pecado fosse
apedrejado e morresse comigo. Se ele fosse menos santo, Deus não teria
concedido a ele suas luzes como guias em tal prova. Mas Jose era um santo. Seu
espírito puro vivia em Deus, e ele tinha uma grande e forte caridade, e pela
caridade salvou o Salvador, tanto quando não me acusou perante os anciãos, como
quando, obedientemente deixando tudo, salvou Jesus no Egito.
Embora em pequeno número, os três dias da
paixão de José Eles
eram de uma intensidade tremenda; assim como a minha, esta minha primeira
paixão. Com efeito, compreendi o seu sofrimento e não pude aliviá-lo de forma
alguma por obediência ao mandamento de Deus que me disse: “Cala-te!” E quando
chegamos a Nazaré e eu o vi partir, depois de uma despedida lacônica,
cabisbaixo e como se envelhecesse, e me ver de tarde como fazia, garanto-vos,
filhos, que meu coração chorou lágrimas de sangue. Trancado em minha casa,
sozinho, na casa onde tudo me lembrava José, unido a mim com uma castidade
irrepreensível, tive que suportar o desânimo e as insinuações de Satanás, e esperar,
esperar, esperar.
Ore, ore, ore. E perdoar,
perdoar, perdoar a desconfiança de José, seu movimento interior de pura
agitação.
Filhos: é preciso esperar, orar, perdoe para que Deus
intervenha em nosso favor. Você também vive sua paixão, que
mereceu por causa de seus defeitos. Eu te ensino a superá-lo e transformá-lo em
alegria. Espere sem medir. Ore com confiança.
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28 – CHEGADA A BELÉM
5 de junho de 1944
Vejo uma estrada mestra. Nela há muita gente. Também
burrinhos que vão carregando utensílios domésticos e pessoas. Burrinhos que
voltam. As pessoas esporam suas cavalgaduras, e quem vai a pé anda depressa,
porque está fazendo frio.
O ar está limpo e seco, e o céu sereno, mas no ar há um
ventinho cortante, característico do pleno inverno. O campo depois das
colheitas, parece mais vasto, os pastos estão com a erva baixa e tostada pelos
ventos do inverno; por eles as ovelhas procuram um pouco de alimento e buscam
os raios do sol surgindo, pouco a pouco.
Elas estão muito juntas umas das outras, porque também estão
com frio e balem, levantando o focinho e olhando para o sol, como se lhe
quisessem dizer: Vem logo, que está fazendo frio.
O terreno é cheio de ondulações, que vão se tornando cada vez
mais nítidas. Na verdade, Este é um lugar de colinas. Aqui há vales cheios de
árvores e de encostas, há pequenos Vales e morros. A estrada passa pelo meio, e
se dirige para sudeste.
Maria está sob um burrinho cinzento. Está toda enrolada no
pesado manto. Na dianteira da sela está aquele instrumento, já visto na viagem
para Hebron, e por cima, está o baú com as coisas mais essenciais.
José vai caminhando, ao lado do burrinho de Maria, segurando
a rédea.
– Estás cansada? Pergunta ele de vez em quando.
Maria olha para ele sorrindo, e diz: -Não.
Mas na terceira vez, ela acrescenta: -Tu, sim que estás
caminhando, é que deves estar cansado.
-Oh! Eu? Para mim isso não é nada. O que penso é que se eu
tivesse achado outro jumento, podia estar com mais comodidade e andar um pouco
mais. Mas eu não achei. Agora todos estão precisando de cavalgaduras. Tem
coragem, daqui a pouco, estaremos em Belém. Atrás daquele monte está Efrata.
Calam-se. A Virgem, quando não está falando, parece recolher
em uma oração interior. Sorri, com um sorriso manso, por algum pensamento
passageiro e, olhando as pessoas, parece não estar vendo isto é, não distingue,
de um homem, uma mulher, um velho, um pastor, um rico ou um pobre. O que ela vê
são só pessoas.
-Estás com frio? Pergunta José, porque o vento começa a
soprar.
-Não, obrigada.
Mas José não se fia no que ela diz. Toca com as mãos os pés
dela que vão pendurados aos lados do burrinho, calçados com sandálias, e que
mal se veem apontar por debaixo da longa veste. A José eles devem estar
parecendo frios, porque ele sacode a cabeça, pega uma coberta que ia levando a
tiracolo e com ela envolve as pernas de Maria. Ele a estende também sobre o
regaço, de maneira que as mãos dela fiquem bem quentes por debaixo da coberta e
do manto.
Encontra-se com um pastor, que está atravessando a estrada
com seu rebanho, passando do pasto da direita para a esquerda. José se inclina
para dizer alguma coisa. O pastor responde que sim. José para o burrinho, e
depois vai o puxando pelo pasto, atrás do rebanho. O pastor apanha uma tosca
escudela de um alforge e, depois de tirar o leite de uma ovelha grande, que
está com as tetas cheias, o dá na escudela à José que oferece a Maria.
-Deus vos abençoe aos dois, diz Maria. A ti pelo teu amor, e
a ti pela tua bondade. Eu rezarei por ti.
– Estais vindo de longe?
– De Nazaré, responde José.
– E para onde ides?
-Para Belém
-É uma Viagem longa para uma mulher nesse estado. É tua
esposa?
– É minha esposa.
– Já tem lugar onde ficar em Belém?
– Não
– A coisa está feia! Belém está cheia de gente vinda de toda
parte, para o recenseamento ou de passagem para outro lugar. Não sei se
encontrareis alojamento. Tens conhecimento do lugar?
– Não muito.
-Pois bem…eu vou te ensinar… por causa dela ( E acena para
Maria). Procura o albergue. Ele deve estar cheio. Mas eu falo nele somente para
que nos sirva como ponto de referência. Ele fica numa praça da cidade, a maior
praça da cidade. Continua por esta estrada mestra. Não há engano. O albergue
tem uma fonte na frente, e é largo e baixo, com um grande portão. Deva estar
cheio. Mas, se não encontrardes lugar no albergue nem nas casas, vai atrás do
albergue, para o rumo do campo. No monte há estrebarias, que às vezes servem
para os mercadores que vão à Jerusalém e deixam lá seus animais, quando não
acham lugar no albergue. São estrebarias, entendeis? Estão no Monte e são
úmidas, frias e sem porta. Mas sempre são um refúgio, pois a mulher não pode
ficar pela estrada. Talvez lá encontreis um lugar, e feno para se poder dormir
e também para o jumento. E que Deus vos acompanhe.
– E Deus te dê alegria, responde Maria.
José por sua vez responde: – A paz esteja contigo.
Retomam a estrada. Um vale bem maior faz ver do alto do morro
que acabam de galgar. No vale para cima e para baixo, pelos declives suaves que
os circundam, aparece casas e mais casas, é Belém.
-Eis-nos, afinal, na terra de Davi, Maria. Agora descansarás,
pois me parece tão cansada…
-Não. Eu pensava…estou pensando…
Maria agarra a mão de José e diz com um alegre sorriso:
– Acho que o tempo chegou mesmo!
– Deus de Misericórdia! Como vamos fazer?
-Não tenhas medo, José. Procura ficar firme. Não vês como eu
estou calma?
-Mas estás sofrendo muito.
-Oh! Não. Estou cheia de alegria. Uma alegria tal, e tão forte,
tão bela, tão incontrolável, que o meu coração está batendo forte, e me está
dizendo “Ele está nascendo! Ele está nascendo!” A cada batida, ele diz isso. É
meu menino, tá batendo na porta do meu coração, e está dizendo: “Mamãe eu estou
aqui e vim te dar o beijo de Deus.” Que alegria meu José!
Mas José não se sente invadido pela alegria dela. Ele está
pensando na necessidade urgente de encontrar um abrigo, e aperta o passo. De
porta em porta, vai pedindo um abrigo. Nada. Tudo ocupado. Chegam ao Albergue.
Tá cheio, até por baixo dos pórticos rústicos, que circundam o grande pátio
interno com gente que acampou por ali.
José deixa Maria sobre o burrinho, dentro do pátio, e sai
procurando pelas outras casas. Volta desanimado. Não se acha nada. O rápido escurecer
deste tempo de inverno já começa a se estender sobre a terra. José vai suplicar
ao albergador. Suplica aos viajantes, e lhe diz que eles são homens e estão com
saúde e que aqui há uma mulher está para dar à luz a um filho. E que tenham
Piedade. Mais nada.
Neste lugar está também um rico fariseu, que olha para José e
Maria com um manifesto desprezo e, quando Maria se aproxima dele, ele se desvia
dela, como se estivesse chegando perto de uma leprosa. José olha para ele, um
rubor de desdém lhe sobe ao rosto. Maria pousa a mão sobre o punho de José,
para acalmá-lo, e lhe diz:
-Não insista! Vamos. Deus providenciará.
Saem e vão acompanhando o muro do albergue. Dobram uma
estradinha encaixada entre o muro e uns casebres. Andou por detrás do albergue.
Procuram. Acham umas gruta parecidas com umas adegas, mais parecidas com
estábulos de tão baixas e úmidas que são. As mais bonitas já estão ocupadas.
José sente-se prostrado.
-Escuta, ó Galileu, grita-lhe um velho que vem vindo por
detrás.
-Lá no fundo, por baixo daquele desmoronamento, existe uma
toca. Quem sabe ninguém a tenha ocupado ainda. Eles se apressam para chegar
àquela “toca.” É mesmo uma toca. Por entre os escombros da construção em ruína,
há uma abertura depois da qual aparece uma gruta, que nada mais é do que uma
escavação feita no monte. Parece ser fundamentos da antiga construção ficam
servindo de teto, aos entulhos escorados por troncos de árvores. Para ver
melhor, pois no lugar há muita pouca luz, José pega a isca e o fuzil e acende
uma lampadinha, que ele tira do alforge, trazido por ele à tiracolo. Entra e é
saudado com um mugido.
-Vem, Maria, está vazia. Aí dentro há somente um boi.
José sorri:
– É melhor do que nada.
Maria apeia do burrinho e entra. José pendurou a lampadinha
em um prego fincado em um dos troncos e estão ali como escoras. Por todos os
lados a gruta está cheia de teias de aranha. O solo é de terra batida e todo
cheio de buracos, de pedrinhas, de detritos, excrementos e coberto com
fragmentos de palha. Lá no fundo, o boi se vira e fica olhando com seus olhos
mansos, enquanto o feno está pendente de seus beiços. Dentro da gruta há também
um assento rústico e duas pedras a um canto, perto de uma fresta. A cor
enegrecida daquele canto nos diz que lá dentro costuma acender fogo.
Maria se aproxima do boi. Ela está com frio. Põe as mãos no
pescoço do boi, para sentir a temperatura. O boi muge, e deixa ser tocado.
Parece estar compreendendo. Mesmo quando José o afasta dali para tirar mais
feno da manjedoura e fazer uma cama para Maria. A manjedoura é dupla, Isto é,
onde o boi come e, mais acima de uma espécie de prateleira está outro feno de
reserva. José apanha um punhado deste feno. O boi deixa fazer tudo isso. José
arranja um lugar também para o burrinho que, cansado e com fome, logo se põe a
comer.
José descobre ali também tem um cântaro emborcado e todo
amassado. Sai com este cântaro porque lá fora já descobriu um riacho. Volta
trazendo água para um burrinho. Depois, apanha feixe de ramos que está posto
num canto, procura varrer um pouco o chão. Em seguida, estende o feno. Faz com
ele uma enxerga, perto do boi, no canto que está mais enxuto e resguardado. Mas
percebe que o feno está úmido, então passa procurar acender o fogo e, com uma
paciência de Jó, vai enxugando o feno, aos punhados, conservando perto da fonte
de calor.
Maria, sentada no banco, está cansada e olha sorrindo, está
tudo pronto. Maria se acomoda melhor sobre o feno fofo, com as costas apoiadas
num tronco, José completa… as alfaias, estendendo o seu manto como uma cortina
sobre a abertura que serve de porta. É um resguardo muito precário. Depois,
ofereceu pão e queijo à virgem, e lhe dá água de um cantil para beber.
-Dorme agora, lhe diz ele. – Eu ficarei acordado para não
deixar o fogo apagar. Por sorte temos ainda lenha; esperamos que ela dure e
seja boa para o fogo. Assim poderemos economizar azeite para a candeia.
Maria se estende, obediente. José a cobre com a coberta da
própria Maria e com a coberta que ele havia posto sobre os pés dela
-Mas tu…ficarás com frio, tu.
-Não Maria. Eu estou perto do fogo. Procura descansar. Amanhã
tudo será melhor.
Maria fecha os olhos sem insistir. José se acomoda em seu
canto, sobre o banco com gravetos ao lado. São poucos. Não creio que durem para
muito tempo.
Na Gruta estão colocados assim: Maria à direita, com as
costas para a porta, meio escondida pelo tronco e pelo corpo do boi que está
deitado sobre um estrado de palha. José está à esquerda, virado para a porta,
portando em diagonal, com no rosto voltado para o fogo e as costas para Maria,
de vez enquanto, se vira para olhar para ela, e a vê quieta, como se estivesse
dormindo. José vai quebrando devagar seus gravetos, jogando, um por um, sobre o
pequeno fogo, a fim de que não se apague, para que produza alguma luz e para
que a lenha dure mais. Não se vê mais do que uma claridade, ora mais viva, ora
mais fraca, vinda do fogo que está se apagando, e naquela penumbra, só destacam
mesmo a brancura do boi e do rosto e das mãos de José. Tudo o mais é apenas uma
massa confusa dentro da pesada penumbra.
-Não há ditado -diz Maria. A visão
fala por si mesma. A vós compete compreender a lição de caridade, humildade e
pureza que emana dela. Descansa. Descansa velando, como eu velava, esperando
Jesus. Ele virá trazer-te a Sua paz.
Pg. 162 - 167
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29 – NASCIMENTO DE JESUS.
EFICÁCIA SALVÍFICA DA DIVINA MATERNIDADE DE MARIA
Vejo ainda o interior deste pobre refúgio rochoso, onde José
e Maria encontraram o abrigo que compartilharam com animais. Um pequeno fogo
está cochichando junto com o seu guardião. Maria levanta um pouco a cabeça, e
olha. Vê José com a cabeça inclinada sobre o peito, como se estivesse pensando,
e ela mesma também fica pensando que o cansaço possa ter vencido a boa vontade
que ele tem de ficar o tempo todo acordado. Maria sorri com um sorriso cheio de
bondade e, fazendo menos barulho que uma borboleta, se põe sentada e, depois de
sentada, se põe de joelhos. E reza com um sorriso feliz em seu rosto. Reza de
braços abertos, não propriamente cruzados, mas quase, e com as palmas viradas
para o alto e para frente, e nem parece ficar cansada naquela penosa posição.
Depois, se prostra com o rosto contra o feno, em uma oração ainda mais intensa.
É uma longa oração.
José desperta. Vê que o fogo está quase apagado e a gruta
está ficando escura. Joga um punhado de gravetos bem finos, e a chama se ergue
de novo; procura depois uns galhos mais grossos, porque o frio deve ser de
gelar. É o frio da noite severa de inverno, que estar por todos os lados da
gruta. O pobre José, perto da porta (chamamos assim de porta a abertura sobre a
qual está estendido seu manto) deve estar se enregelando. Ele aproxima as mãos
da chama, desata as sandálias, aproxima também os pés. Procura aquecer-se. E,
quando o fogo já está bem vivo, sua luz firme, vira de costas. Mas agora não vê
nada, nem mesmo a brancura do véu de Maria, que antes formava uma linha clara
sobre o feno escuro. Põe-se de pé, lentamente, vai-se aproximando da enxerga.
- Não estás dormindo, Maria?" - ele pergunta.
Faz a mesma pergunta três vezes, até que Maria estremece, e
lhe responde:
- Estou rezando.
- Não estas precisando de nada?
- Não, José.
- Procura dormir um pouco. Ou, pelo menos, descansar.
- Vou procurar. Mas rezar não me cansa.
- Até logo, Maria.
- Até logo, José.
Maria volta à sua posição. José, para não cair de novo no
sono, põe-se de joelhos perto do fogo, e reza. Reza apertando as mãos sobre o
rosto. Tira-as, cada vez que ele precisa ir alimentando o fogo, e depois volta
à sua fervorosa oração. Com exceção do barulho da lenha que crepita no fogo e
do burrinho que, de vez em quando, bate um casco no chão, não se houve mais
nada. Um pouco de luar está entrando por uma fenda do teto, e parece uma lâmina
de alguma prata imaterial, que se vai aproximando de Maria. A lâmina vai-se
alongando, à medida que a lua vai ficando mais alta no céu e, finalmente a
alcança. Agora, já está sobre a cabeça da orante, ornando-a com uma auréola de
luz.
Maria levanta a cabeça, como se tivesse sido chamada por uma
voz do céu e se põe de novo de joelhos. Oh! Como é belo aqui. Maria ergue de
novo a cabeça que parece estar brilhando, a luz branca da lua, e um sorriso não
humano a transfigura. Que é que ela estará vendo? Que estará ouvindo? Que
estará experimentando? Somente Ela poderia dizer o que está vendo, ouvindo e o
que experimentou na hora esplendorosa da sua Maternidade. Eu vejo apenas como,
ao redor Dela, a Luz cresce, cresce, vai crescendo sempre mais. Parece descer
do Céu, parece sair das pobres coisas que estão ao redor Dela, mas parece ainda
mais que emanem Dela mesma, ainda mais.
Sua veste, de um azul escuro, parece agora de um suave
celeste de miosótis. Suas mãos e seu rosto parecem ficar de um azul muito
delicado, como os de alguém que fosse colocado sob o foco de uma imensa safira
clara. Esta cor me faz lembrar, ainda mais tênue, as cores que eu vejo do Santo
Paraíso, e também a cor que eu vi na visão da chegada dos Magos, uma cor que se
vai difundindo por sobre as coisas todas e as vestes, e as vai purificando
todas, e tornando-as resplandecentes.
A luz, que se desprende sempre mais do corpo de Maria,
absorve a luz da lua, e parece que Ela atrai para si toda a luz que lhe pode
vir do céu. Agora Ela já é a Depositária da Luz. É Ela que deve dar esta Luz ao
mundo. E esta Luz beatífica, incontrolável, imensurável, eterna e divina, está
para ser dada, e se anuncia como uma aurora, uma luz que vem crescendo, como um
coro de átomos que vem aumentando, aumentando, como a maré que sobe, e sobe
como a nuvem do incenso, para descer depois como uma enchente e estender-se
como um véu...
O teto, cheio de fendas, teias de aranha, de entulhos que em
cima se estendem para frente, e que estão em equilíbrio por um milagre de
estática, esse teto que estava antes tão enegrecido, esfumaçado e repelente,
está parecendo agora o teto de uma sala real. Cada uma das grandes pedras é um
bloco de prata, cada fenda é como um lampejar de opalas, cada teia de aranha é
um baldaquim precioso, confeccionado com prata e diamantes. Uma lagartixa
grande e verde, que está dormindo em letargia entre duas pedras, parece um
colar de esmeraldas esquecido lá por uma rainha. Um cacho de morcegos, também
em letargia, parece um precioso lampadário de ônix. O feno que está na
manjedoura de cima, já não é mais uma erva: são fios e mais fios de prata pura,
que tremulam no ar com a graça de uma cabeleira solta.
A manjedoura de baixo está com sua madeira de cor escura
transformada em um bloco de prata brunida. As paredes estão cobertas de um
brocado no qual a alvura da seda desaparece sob o bordado opalino do relevo, e
o solo. Que é o solo agora? É como um cristal que tem acendido em si uma luz
branca. As saliências são como rosas de luz projetadas em homenagem ao solo; e
os próprios buracos são vasos preciosos, de onde devem emanar aromas e
perfumes. E a luz vai-se tornando cada vez mais forte. Ela já está insuportável
para a nossa vista. A Virgem desaparece nela, como se estivesse sendo absorvida
por um véu incandescente. E dele surge a Mãe.
Sim, quando a luz volta a ser suportável aos meus olhos, vejo
Maria já com o Filho recém-nascido nos braços. Um pequenino, todo róseo e
gorducho, que agita os braços e esperneia. Tem as mãozinhas do tamanho de
botões de rosa e seus pezinhos caberiam na corola de uma rosa. Ele solta
vagidos em sua vozinha tremula, como um cordeirinho que acaba de nascer,
abrindo a boquinha, que mais parece um moranguinho selvagem e mostrando a
linguinha que bate repetidamente contra o véu palatino. Move a cabecinha loira,
que me parece quase sem cabelos, essa cabecinha redonda que a Mamãe sustenta na
palma da mão, enquanto olha o menino e o adora, chorando e rindo ao mesmo tempo
e se inclina para beijá-lo não em sua cabecinha, mas em seu peito, onde está
batendo seu coraçãozinho, batendo por nós. É nesse coração que um dia haverá
uma Ferida. E Maria, com antecipação, já medica tal ferida, com seu beijo
imaculado de Mãe.
O boi, despertado pela claridade, levanta-se, fazendo um
grande barulho com seus cascos, e muge, enquanto o burrinho vira a cabeça e
urra. É a luz que os desperta, mas eu gosto de pensar que eles quiseram saudar
o Seu Criador, por si mesmos, mas também por todos os animais.
Também José que, quase extasiado, estava rezando de um modo
tão recolhido, que nem sabia dar notícia do que estava acontecendo ao redor
dele, também ele volta a si da oração e, por entre os dedos das mãos, que estão
unidas sobre o rosto, vê filtrar-se aquela estranha luz. Tira, então, as mãos
do rosto, levanta a cabeça e se vira para trás. O boi, que agora se pôs de pé,
está escondendo Maria. Mas ela diz: "José, vem cá".
José se aproxima dela. E, ao ver, para dominado por um
sentimento de reverência, e está para cair de joelhos lá mesmo no lugar em que
está. Mas Maria insiste, dizendo: "Vem cá, José" e, firmando a mão
esquerda sobre o feno, com a direita Ela segura apertado contra o seu coração o
menino e se levanta, indo ao encontro de José, que vem caminhando à maneira de
um trôpego, embaraçado por causa do contraste entre o seu desejo de andar e o
temor de estar sendo irreverente. Aos pés do catre, os dois esposos se
encontram e olham um para o outro, num só e feliz pranto.
"Vem, vamos oferecer Jesus ao Pai", diz Maria. E,
enquanto José se ajoelha, Ela se põe de pé entre dois troncos que sustentam o
teto, levanta o Filho em seus braços, e diz: "Eis-me aqui, senhor. Por
Ele, o Deus, eu te digo esta palavra. Eis-me aqui para fazer a tua vontade. E
com Ele, eu, Maria e José, meu esposo. Eis-nos aqui, nós teus servos, senhor!
Seja feita sempre por nós, em toda a hora e em todos os acontecimentos, a tua
vontade, para a tua glória e pelo teu amor". Depois, Maria se inclina e
diz: "Pega-o, José", e lhe oferece o Menino. "Eu? E tu o
entregas a mim? Oh! Não! Eu não sou digno". José está completamente
apavorado, e se sente aniquilado, só diante da ideia de ter que tocar em Deus.
Mas Maria insiste com ele, sorrindo: "Tu és bem digno
disso, sim. Ninguém o é mais do que tu. Por isso é que o Altíssimo te escolheu.
Toma-O, José, e segura-O, enquanto eu vou buscar as roupinhas."
José, vermelho como escarlate, estende os braços e pega
aquele embrulhinho de carne que está gritando de frio, e quando já está com Ele
nos braços, não se deixa mais levar pela vontade de tê-lo afastado do corpo
pelo respeito, mas o aperta ao coração, dizendo numa grande explosão de pranto:
"Oh! Senhor! Oh! meu Deus!".
Ao inclinar-se para beijar-lhe os pezinhos, percebe que eles
estão frios e, então, senta-se no chão e o põe em seu colo e, com a veste
marrom e com suas mãos, procura cobri-lo, aquecê-lo e defendê-lo do vento frio
da noite. Ele bem que gostaria de ir para perto do fogo, mas por lá passa
aquela corrente de ar, que entra pela porta. É melhor ficar entre os animais
que servem de escudo contra o ar, e que produzem calor. E, assim pensando, vai
ficar entre o boi e o jumento, e se coloca com as costas para a porta,
inclinando-se sobre o Recém-Nascido, fazendo do seu peito um nicho, cujas paredes
laterais são: uma cabeça cinzenta com longas orelhas e um grande focinho
branco, com um nariz que solta um vapor quente, e com os olhos úmidos e cheios
de bondade.
Maria abriu o baú, e dele tirou linhos e cueiros. Depois foi
para perto do fogo e aqueceu os paninhos. Agora Ela vai a José, envolve o
Menino naqueles tecidos mornos e no seu véu para proteger-lhe a cabecinha.
"Onde vamos colocá-lo agora?", ela pergunta.
José está olhando ao redor, pensativo...
"Espera", diz ele. "Vamos afastar os animais
um pouco para lá, e o feno deles também. Depois jogamos para baixo aquele feno
que está lá em cima e o colocamos aqui dentro. A madeira da beirada protegerá o
Menino do ar frio, o feno lhe servirá de travesseiro, e o boi com seu hálito o
aquecerá um pouco. Para isso é melhor o boi. Ele é mais paciente e
sossegado". E José põe mãos à obra, enquanto Maria nina o seu Menino,
apertando-o ao coração, e conservando sua face sobre a cabecinha para dar-lhe
mais algum calor.
José atiça o fogo, sem economizar mais a lenha, para
conseguir uma boa chama, esquentar o feno, e à medida que o vai enxugando, para
que não se esfrie, o vai colocando no peito. Depois, quando já apanhou o
bastante para fazer um colchãozinho para o Menino, vai até à manjedoura e o
põe, de modo a tomar a forma de um pequeno berço.
"Está pronto", diz ele. "Agora precisaríamos
de uma coberta, para cobrir o Menino, pois o frio está forte."
"Toma o meu manto", diz Maria.
"Mas tu ficarás com frio"
"Oh! Não faz mal! O cobertor é áspero demais. O manto é
macio e quente. Eu não tenho frio algum. Mas quero que Ele não sofra
mais!".
José pega, então o grande manto de lã macia, de cor azul
clara, e o coloca dobrado sobre o feno, com uma beirada que fica pendurada para
fora da manjedoura. Assim, o primeiro leito do Salvador ficou pronto.
E a Mãe, com passos cheios de graça e de doçura, o leva e lá
o coloca com a beirada pendente do manto, ajeitando-o também ao redor da
cabecinha descoberta que já começou a afundar-se no feno, protegida contra sua
aspereza apenas pelo leve véu de Maria. Permanece descoberto somente o rostinho
do tamanho do punho de um homem, e os dois, inclinados sobre a manjedoura, o
ficam olhando felizes, enquanto Ele dorme o seu primeiro sono, porque o calor
bom dos cueiros e do feno lhe acalmou o choro, e o doce Jesus conciliou o sono.
Maria diz:
"Eu te havia prometido que
Ele te traria a paz. Estás lembrada da paz que havia em ti nos dias de Natal?
De quando me vias com o meu Menino? Aquele era o teu tempo de paz. Agora é o
teu tempo de sofrimento. Mas tu o sabes. É no sofrimento que se conquista a paz
e toda graça para nós e o próximo. Jesus-Homem revelou-se Jesus-Deus, depois do
tremendo sofrimento da Paixão. Revelou-se como a Paz. Paz no Céu, do qual Ele
tinha vindo, derramada sobre aqueles que no mundo o amam. Mas, nas horas da
paixão, Ele, a Paz do mundo, foi privado dela. Não teria sofrido, se tivesse
tido a paz. Mas devia sofrer. Sofrer de modo completo.
Eu, Maria, redimi a mulher com a
minha maternidade divina, Mas isso não foi mais que o início da redenção da
mulher. Negando-me todo prazer de concupiscência, e merecido a graça de Deus.
Isso, porém ainda não bastava. Porque o pecado de Eva era uma árvore de quatro
ramos: soberba, avareza, gula e luxúria. Todos os quatro deviam ser cortados, a
fim de esterilizar a árvore desde as raízes. Humilhando-me profundamente, eu
venci a soberba.
Humilhei-me diante de todos. Não
estou falando da minha humildade para com Deus. Esta é devida ao Altíssimo por
toda criatura. O Verbo de Deus a teve. Eu, uma Mulher, a devia ter. Mas terás
já refletido por quantas humilhações da parte dos homens eu tive que passar,
sem me defender de modo nenhum? Até José, que era justo, me havia acusado em
seu coração. Os outros, que não eram justos, tinham pecado por murmuração a
respeito do meu estado, e o barulho dessas palavras veio, como uma onda amarga,
quebrar-se contra a minha natureza humana.
Foram estas as primeiras das
infinitas humilhações que a minha vida, como Mãe de Jesus e do gênero humano,
me fizeram sofrer. Humilhações de pobreza, humilhações de uma fugitiva,
humilhações pelas censuras dos parentes e amigos que, não sabendo a verdade,
julgavam fraco o meu modo de ser mãe para com o meu Jesus, quando Ele se tornou
jovem. Humilhações durante os três anos do seu ministério, humilhações cruéis
na hora do Calvário, humilhações até em ter que reconhecer que eu não tinha com
que comprar o lugar e os aromas, para a sepultura do meu Filho.
Eu venci a avareza dos
Progenitores, renunciando antecipadamente ao Meu Filho. Uma mãe não renuncia
nunca ao seu filho, a não ser que seja forçada. Se essa renúncia for solicitada
ao seu coração pela Pátria, pelo amor de uma esposa, ou até pelo próprio Deus,
ela sente o desejo de insurgir-se contra a separação. É natural. O filho cresce
em nosso ventre, e nunca é completamente cortada a ligação que sua pessoa tem
com a nossa. Mesmo depois de ter cortado o canal vital que é o cordão
umbilical, sempre fica um elo espiritual, que nasce no coração da mãe, mais
vivo e sensível do que o elo físico, o qual se introduz no coração do filho,
esticando até à dor, se o amor de Deus, de uma criatura, da Pátria afasta o
filho da própria mãe. Este elo se despedaça, dilacerando o coração, se a morte
arrebata o filho de sua mãe.
Eu renunciei ao meu Filho, desde
o momento em que O tive. Dei-O a Deus. Dei-O a vós. Eu me despojei do Fruto do
meu ventre, para reparar o furto cometido por Eva, do fruto de Deus.
Eu venci a gula, tanto do saber
como do gozar, aceitando saber unicamente o que Deus queria que eu soubesse,
sem perguntar a mim mesma nem a Ele nada mais, além do que foi dito. Acreditei
sem investigar. Venci a gula do gozar, porque neguei a mim mesma nem a Ele nada
mais, além do que foi dito. Acreditai sem investigar. Venci a gula do gozar,
porque neguei a mim mesma todo sabor de sensualidade. Pus minha carne debaixo
dos meus pés. Confinei a carne, instrumento de satanás, colocando satanás
debaixo do meu calcanhar, a fim de fazer da carne um degrau para aproximar-se
do Céu. O Céu! Ele era a minha meta. Era lá que estava Deus. Deus, a minha
única fome. Fome esta que não é gula, mas sim, necessidade abençoada por Ele, o
qual quer que a tenhamos.
Eu venci a luxúria, que é a gula,
convertida em voracidade, porque todo vício não contido conduz a um vício
maior. A gula de Eva, além de reprovável em si mesma, a conduziu à luxúria. Não
lhe bastou procurar a satisfação sozinha. Quis levar o seu delito até uma
refinada intensidade, conhecendo e se fazendo mestra de luxúria para o
companheiro. Eu inverti os termos e, em lugar descer, sempre subi. Em lugar de
fazer descer, eu sempre atraí para o alto, e do meu companheiro, um homem
honesto fiz um anjo.
Agora eu possuía Deus, e com Ele
as Suas riquezas infinitas, apressei-me a despojar-me delas, dizendo: "Que
seja feita a tua vontade para Ele e por Ele". Casto é aquele que se auto
contém, não só na carne, mas também nos afetos e nos pensamentos. Eu devia ser
a casta, para anular a impudica da carne, do coração e da mente. Não saí da
minha reserva, para dizer a respeito do meu único Filho na terra e único Filho
de Deus no Céu: "Ele é meu, e eu O quero".
Contudo, isso não bastava para
obter para a mulher, a paz perdida por Eva. Aquela paz eu vo-la obtive aos pés
da Cruz. Ao ver morrer Aquele que tu viste nascer. Ao sentir minhas entranhas
sendo arrancadas, ao grito do meu Filho que estava morrendo, fiquei vazia de
todo feminismo: não mais carne, mas anjo. Maria, a virgem desposada com o
Espírito, morreu naquele momento. Ficou a mãe da graça, aquela que do seu
tormento gerou e vos deu a Graça. O gênero da mulher que eu tinha voltado a
consagrar na noite de Natal, aos pés da Cruz conseguiu se tornar criatura dos
Céus.
Fiz isso por vós, negando-me
qualquer satisfação, ainda que santa. Eu fiz de vós, se o desejais, santas de
Deus, vós que fostes reduzidas por Eva a fêmeas não superiores às companheiras
dos animais. Por vós eu subi. Como fiz com José, eu vos levei para o alto. A
rocha do Calvário é o meu Monte das Oliveiras. Foi dali que eu tomei o impulso
para levar a alma da mulher aos céus, de novo santificada, junto com minha
carne glorificada, por ter trazido o Verbo de Deus, e anulado em mim todo
vestígio de Eva. Ela foi a última raiz daquela árvore dos quatro ramos
venenosos, com a raiz fincada na sensualidade, que arrastou a humanidade à
queda e que haverá de morder as vossas entranhas, até o fim dos séculos, até a
última mulher. De lá, de onde agora eu brilho no raio do Amor, eu vos chamo, e
vos indico o remédio para vós vencerdes a vós mesmas: a graça do meu Senhor e o
Sangue do meu Filho.
E tu, minha porta-voz, repousa a
tua alma na luz desta aurora de Jesus, a fim de que tenhas força para futuras
crucificações, que não te serão poupadas, porque te queremos aqui, para onde se
vem através da dor; e para tão mais alto se vem, quanto mais se suporta o
sofrimento, a fim de obter graça para o mundo. Vai em paz. Eu estou
contigo".
Pg. 167-175
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30 – O
ANÚNCIO AOS PASTORES, QUE SE TORNAM OS PRIMEIROS ADORADORES DO VERBO FEITO
HOMEM
Mais tarde, vejo um extenso campo. A
lua está no zênite e navega mansamente por um céu apinhado de estrelas. Parecem
broches de diamantes fincados em um enorme baldaquim de veludo azul escuro; ali
no meio, sorri com sua cara toda branca, da qual descem rios de uma luz leitosa
que torna branca também a terra… As árvores, sem folhas, parecem mais altas e
escuras, sobre um solo esbranquiçado, enquanto os pequenos muros, que vão
surgindo aqui e al, parecer cor de leite, e uma casinha, que se vê ao longe,
parece uma bloco de mármore de Carrara.
À minha direita, vejo um lugar cercado
por uma sebe de espinheiros e um muro baixo ao lado de outros dois. Este muro
sustenta o teto de uma espécie de alpendre largo e baixo, que, na parte hl
terna do recinto está construído: uma parte com paredes, e outra com madeira,
de modo que, no verão, as partes em madeira possam ser removidas,
transformando-se o alpendre em um grande pórtico. Desse pórtico fechado, sai, de
vez em quando um balir intermitente e curto. Devem ser ovelhinhas que estão
sonhando, ou talvez achando que já esteja próximo o dia, pela claridade da lua.
Uma claridade excessiva, tal é a intensidade, está crescendo, como se o
satélite estivesse se aproximando da terra, ou brilhando por algum misterioso
incêndio.
Um pastor chega até à porta; levando o
braço sobre a fronte para proteger os olhos, olha para cima. Parece impossível
que ele tenha de se proteger da claridade da lua. Mas está mesmo uma claridade
tão viva que ofusca os olhos, especialmente os olhos de quem acaba de sair de
um lugar fechado e escuro. Tudo está calmo. Mas aquela luz causa espanto. O
pastor chama os companheiros. Todos vão até à porta. É um grupo de homens
cabeludos e de idades diferentes. Alguns ainda são adolescentes, e outros já
estão de cabelos brancos. Estão comentando aquele fato estranho. Os mais jovens
estão com medo, especialmente um menino dos seus doze anos, que começa a
chorar, tornando-se alvo das brincadeiras dos mais velhos. De que estás com medo, seu tolo? -Lhe diz o
mais velho.
— Não estás vendo o ar assim parado?
Nunca viste a claridade do luar? Será que estiveste sempre debaixo da saia da
mamãe, como um pintinho sob as asas da galinha choca? Mas ainda terás que ver
coisas! Uma vez eu tinha caminhado até as montanhas do Líbano, e continuei até
além destas montanhas. Eu era jovem e andar não era pesado para mim. Naquele
tempo eu também era rico… Uma noite, vi uma luz tão clara, que pensei que Elias
estivesse voltando com seu carro de fogo. O céu parecia um grande incêndio. Um
velho, daquela época, me disse: “Algum acontecimento está para sobrevir ao
mundo.”
Mas para nós o que de verdade veio foi
uma grande desventura: os soldados de Roma. Oh! Mas tu verás, se sobreviveres!
O pastorzinho, porém, não o está escutando mais. Parece que não tem mais medo,
pois deixa a soleira da porta, escapa por detrás das costas do musculoso
pastor, onde se refugiou, e sai na paragem cheia de erva, que está na frente do
alpendre. Olha para o alto, e vai caminhando como sonâmbulo, ou hipnotizado por
algo que o atrai fortemente. Chegando a um certo ponto, ele grita: “Oh!”, e
fica como que petrificado, com os braços um pouco abertos. Os outros olham-se
assombrados.
– Mas, que é que tem aquele tolo? Diz
um deles.
– Amanhã eu o mando embora, de volta
para sua mãe. Não quero doidos para guardar as ovelhas, diz outro. E o velho,
que falou há pouco, diz: Vamos ver, antes de julgar. Chamai também os outros
que estão dormindo, e pegai os bastões. Que não seja alguma fera ruim, ou
malandros. Eles entram, chamando os outros pastores, e saem com tochas e
bastões. Chegam até onde está o menino.
– Lá, lá, ele murmura sorrindo.
-Por cima da árvore, olhai aquela luz
que está vindo. Parece que ela vem caminhando sobre o raio da lua. Eis que se
aproxima. Como é bela!
– Eu só estou vendo um grande clarão.
– Eu também. – Eu também, dizem os
outros.
– Não. Eu estou vendo algo como um
corpo, diz um dos pastores, no qual eu reconheço ser aquele que deu a escudela de
leite para Maria.
– É um… é um anjo! grita o menino.
– Eis que ele vem descendo e chegando
para perto… Ajoelhemo-nos, diante do anjo de Deus! Um “Oh!” longo e cheio de
respeito se levanta do grupo de pastores, que, prostrando-se com o rosto por
terra, parecem estar tanto mais esmagados por aquela aparição fulgente, quanto
mais velhos são. Os jovens estão de joelhos, mas estão olhando para o anjo, que
se aproxima cada vez mais e, finalmente, paira suspenso no ar, agitando suas
grandes asas, candura de pérola na alvura do luar que o circunda, acima do muro
do recinto: Não
temais. Não vos trago desventura. Eu vos anuncio uma grande alegria para o povo
de Israel e para todo o povo da terra.
A voz do anjo é como uma harmonia de
harpa, que acompanha o canto dos rouxinóis.
Hoje,
na cidade de Davi, nasceu o Salvador. Ao dizer
isso, o anjo abre ainda mais as suas grandes asa move, como se tivesse sentido
um sobressalto de alegria, e, nesse e as mento uma chuva de centelhas de ouro e
de pedras preciosas e sair dele. Um verdadeiro arco-íris, um arco de triunfo
que se forma sobre as pastagens.
-O Salvador, que é Cristo.
O anjo cintila, com redobrada luz. Suas
duas asas, agora para das e estendidas, com as pontas viradas para o céu, como
duas veia; imóveis sobre a safira do mar, parecem duas chamas, que sobem
ardendo.
-Cristo,
o Senhor!
O anjo recolhe as suas duas fúlgidas
asas, e se veste com elas, como se fossem uma sobreveste de diamante sobre uma
veste de pérola; inclina-se, como quem está adorando, com os braços cruzados
sobre o coração e o rosto, que ai desaparece, porque está inclinado sobre o
peito e sob a sombra das pontas das asas que o anjo agora dobrou. Não se vê
mais que uma alongada forma luminosa, imóvel, pelo espaço de tempo de um
“Glória.” Mas ele se move de novo. Reabre as asas, levanta o rosto, no qual a
luz se funde com um sorriso paradisíaco, e diz: Vós o reconhecereis por estes
sinais: em uma pobre estrebaria, do outro lado de Belém, encontrareis um menino
envolto em faixas, numa manjedoura de animais, porque, para o Messias, não foi
encontrado um teto na cidade de Davi. Ao dizer
isso, o anjo ficou sério, ou melhor, ficou triste. Mas dos Céus vieram muitos, muitíssimos
outros anjos, semelhantes àquele primeiro, como por uma escada de anjos que descem
exultantes, e superando a luz da lua com o seu esplendor do paraíso.
Eles se reúnem ao redor do anjo
anunciador, com um grande agitar de asas e um intenso exalar de perfumes, com
um arpejar de notas, nas quais todas as vozes mais belas da criação encontram
uma recordação, mas levado à perfeição, quanto à pureza e beleza do som. Se a
pintura é o esforço da matéria para se transformar em luz. Aqui a melodia. é o
esforço da música para fazer brilhar aos homens a beleza de Deus. Ouvir esta
melodia é conhecer o paraíso, onde tudo é harmonia do amor que se desprende de
Deus, alegrando os bem-aventurados, que, por sua vez, se dirigem a Deus,
dizendo:
-Nós te amamos!”
O “Glória” dos anjos se espalha, sempre
mais ao longe, pelo campo silencioso e com ele vai o clarão da luz. Os
passarinhos unem seu canto, como saudação a esta luz que chegou antes da hora,
e as ovelhas dão os seus balidos, por este antecipado sol. Mas eu gosto de
pensar que são os animais que saúdam ao seu Criador, como também o boi e o
jumento na gruta. Saúdam o próprio Criador que veio até eles, para amá-los como
Homem, além de amá-los como Deus. O canto vai diminuindo, e a luz também,
enquanto os anjos vão subindo, de volta para os céus… Os pastores também voltam
a si.
– Ouviste?
– Vamos lá ver?
– E as ovelhas?
– Oh! Não acontecerá nada com elas! Nós
vamos para obedecer à palavra de Deus! …
– Mas, aonde iremos? – Ele não disse
que nasceu hoje? E que não achou alojamento em Belém? É o pastor que deu a
escudela de leite, o que está falando agora.
– Vinde comigo, eu sei: encontrei a
mulher, e ela me causou pena. Ensinei um lugar para ela, pois imaginava que não
iriam encontrar alojamento. Entreguei ao homem uma escudela de leite para ela.
É tão jovem e bela, deve ser boa como o anjo que nos falou. Vinde. Vinde. Vamos
apanhar leite, queijos, cordeiros e peles curtidas. Eles devem ser muito pobres
e… que frio não estará passando Aquele cujo nome não ouso pronunciar! E pensar
que eu falei à mãe como a uma pobre esposa! Vão, então, até o alpendre, saindo
de lá pouco depois. Um deles com pequenas botijas de leite, outro com cestinhas
de esparto trançadas, contendo queijinhos redondos, outros com cestos nos quais
se encontram, um cordeiro balindo e peles de ovelha curtidas. Eu levo uma
ovelha. Há um mês que ela deu cria. O leite dela está bom. Ela lhes poderá ser
útil, se a mulher não tiver leite. Pois me parecia uma menina, tão branca! … É
um rosto de jasmim, à luz da lua – diz o pastor da escudela. E ele que vai
guiando os outros. Saem todos à luz da lua e das tochas, depois de terem
fechado o alpendre e o recinto. Vão pelas trilhas campestres por entre sebes de
espinheiros, que estão sem folhas, por ser inverno. Dão a volta por detrás de
Belém. Chegam à estrebaria, indo lado oposto que foi Maria, de modo a não
passarem diante das estrebarias mais bonitas, sendo esta a primeira que
encontram.
Aproximam-se da abertura.
– Entra!
– Eu não tenho coragem.
– Entra tu. Não.
– Olha lá dentro, pelo menos.
– Tu, Levi, que viste o anjo
primeiramente, sinal de que és melhor do que nós, olha! Na verdade, antes
disseram que ele era doido… mas agora convém que ele tenha a coragem que eles
não têm. O menino vacila, mas depois se decide. Aproxima-se da abertura, afasta
um pouquinho o manto, olha… e fica extasiado.
– Que é que estás vendo? Perguntam-lhe
ansiosos, em voz baixa.
– Vejo uma mulher jovem e bela e um
homem curvados sobre uma manjedoura, e ouço… ouço chorar um menino pequeno, e a
mulher lhe fala com uma voz… oh! que voz!
– Que está ela dizendo?
– Ela está dizendo assim: “Jesus
pequenino! Jesus, amor da tua mamãe! Não chores meu filhinho!” Ela diz ainda:
“Oh! Se eu pudesse dizer-te: ‘Toma o leite, meu pequenino!’ Mas ainda não o
tenho.”
Ela diz: “Tem tanto frio, meu amor! E o
feno te está espinhando. Que dor para tua mamãe ouvir-te chorando assim, e não
poder dar-te conforto!”
Ela está dizendo: “Dorme, minha alma!
Parte-me o coração ao ouvir-te chorar, e ao ver-te derramar lágrimas!” E o
beija e o aquece certamente nos pezinhos com suas mãos, pois ela está
inclinada, com as mãos para dentro da manjedoura.
– Chama! Faça com que te ouçam! Eu,
não. Chama tu, que até conheceis, que aqui nos conduzistes e que a com o pastor
abre a boca, e se limita a dar um gemido. José se vira, e vai à um em vida.
– Quem sois vós?
– Somos pastores. Viemos trazer-vos
alimento e lã. Viemos adorar o Salvador.
– Entrai.
Eles entram, e a estrebaria se torna
mais clara por causa da luz das tochas. Os velhos empurram os novos à sua
frente.
-Vinde, ela diz. – Vinde! E os convida
com um gesto e um sorriso, segurando aquele que viu o anjo e puxando-o para
perto de si, junto à manjedoura. O menino olha, feliz.
Os outros, convidados também por José,
vão à frente com os seus presentes, e os colocam todos, com breves e comovidas
palavras, aos pés de Maria. Depois se detêm em olhar o Menino Jesus, que está
chorando baixinho, e sorriem, emocionados e felizes. Um deles, mais corajoso,
diz:
– Toma, ó mãe. É macia e limpa. Eu a
tinha preparado para o meu filho que está para nascer. Mas te dou. Envolve o
teu Filho com esta lã delicada e quente. E lhe oferece a pele de uma ovelha,
uma pele muito bonita, com muita lã, uma lã muito clara e comprida. Maria
soergue Jesus e o enrola nela. E o mostra aos pastores que, de joelhos sobre o
feno do chão, o contemplam enlevados. Tornam-se agora mais corajosos, e um
deles propõe: Seria necessário dar-lhe um pouco de leite, ou melhor, água e
mel. Mas nós não temos mel, que é muito bom para os bebês. Tenho sete filhos, e
sei disso…
– Aqui está o leite. Toma-o, ó mulher.
– Mas está frio. Precisa ser quente.
Onde está o Elias? Ele tem a ovelha. Elias deve ser aquele da escudela de leite
e não está. Ficou parado lá fora, olhando por uma fenda e não podendo ser
visto, por causa da escuridão da noite. – Quem vos guiou até aqui? – Um anjo,
que nos disse para virmos e junto com Elias, nos guiou até aqui. Mas onde
estará ele agora? A ovelha de Elias é
que, com o seu balido, denuncia-o.
– Venha para a frente, que te estamos
esperando. Ele entra com sua ovelha, envergonhado, porque todos estão de olhos
nele. Então, és tu? Diz José, ao reconhecê-lo. E Maria lhe sorri, dizendo: – És
bom.
Tiram o leite da ovelha e, com a ponta
de um pano mergulhado no leite quente e espumoso, Maria molha os lábios do
Menino Jesus, que suga aquela doçura cremosa. Todos sorriem, ainda mais, com o
bom calor da l.
– Mas aqui não podeis ficar. Aqui faz frio
e é muito úmido. E depois, aqui tem um cheiro forte de animais. Isto não faz
bem e não fica bem para o Salvador.
– Eu sei, diz Maria, mas não há lugar
para nós em Belém.
– Coragem, Mulher! Nós vamos procurar
uma casa para ti.
– Vou falar com minha patroa, diz
Elias.
– Ela é boa, e vos acolherá, ainda que
precisasse ceder-vos o seu quarto. Logo que raiar o dia, vou falar com ela. Ela
está com a casa cheia de gente. Mas vos arranjará um lugar.
– Pelo menos para o meu Menino. Eu e o
José estamos dormindo no chão. Mas para o Pequenino…
– Não fiques suspirando, mulher. Nisso
penso eu. Vamos dizer a muitos o que nos disseram. Não vos faltará nada. Por
enquanto, tomai o que a nossa pobreza vos pode dar. Nós somos pastores…
– Nós também somos pobres. E não vos
podemos pagar, diz José.
– Oh! Nem nós queremos! Ainda que o
pudésseis, nós não quereríamos! O Senhor já nos pagou. Ele prometeu a paz a
todos. Os anjos diziam assim: “Paz aos homens de boa vontade.” Mas a nós Ele já
a deu, porque o anjo disse que este Menino é o Salvador, que é o Cristo, o
Senhor. Nós somos pobres e ignorantes, mas sabemos que os profetas dizem que o
Salvador será o Príncipe da Paz. E a nós Ele disse que viéssemos adorá-lo. Com
isso nos deu a Sua paz. Glória a Deus nos céus altíssimos e glória ao seu
Cristo, e bendita sejas tu, mulher, que o geraste! És Santa, porque mereceu
carregá-lo no seio! Dá-nos tuas ordens, como nossa rainha, que seremos felizes
em podermos servir-te. Que é que podemos fazer por ti?
– Amar o meu Filho, e ter sempre no
coração os pensamentos que tendes agora.
– Mas, e para ti? Não desejas nada? Não
tens parentes aos quais desejas comunicar que Ele nasceu?
– Sim, eu os teria. Mas não moram perto
daqui. Moram em Hebron.
– Eu vou até lá, diz Elias. Quem são
eles?
– Zacarias, o sacerdote e Isabel, minha
prima.
– Zacarias?! Oh! Eu o conheço bem.
Durante o verão, eu vou por aqueles montes pois as pastagens deles são muito
boas e bonitas, e sou amigo do pastor… Quando eu souber que estás alojada, irei
à casa de Zacarias.
– Obrigada Elias.
– Não precisas agradecer. Grande honra
é para mim, um pobre pastor, ir falar ao sacerdote, e dizer-lhe: Nasceu o
Salvador.
– Não tu dirás assim: “Maria de Nazaré,
tua prima, manda que vades a Belém¨
– Assim eu direi.
– Deus te recompense por isso. Eu me
recordarei de ti, e de todos vós.
– Falarás de nós ao teu Menino?
– Sim, falarei.
-Eu sou Elias. -Eu sou Levi. -Eu sou
Samuel. -Eu sou Jonas. -Eu sou Isaque. -Eu sou Tobias. -Eu sou Jônatas. – Eu
sou Daniel. -Eu sou Simeão. -Eu me chamo João. -Eu José e meu irmão Benjamim,
somos gêmeos.
-Eu me lembrarei dos vossos nomes.
-Precisamos ir. Mas voltaremos… E te
traremos outros, que virão para adorar! Como voltar ao ovil, deixando este
Menino?
– Glória a Deus, que já no-lo mostrou!
Deixa-nos beijar a roupinha dele, diz Levi com o sorriso de um anjo.
Maria ergue Jesus devagar e, sentada
sobre o feno, oferece os pezinhos envolvidos no linho, para que os beijem. Os
pastores se inclinam até o chão e beijam aqueles pés minúsculos, cobertos por
um tecido. Quem tem barba ajeita-a primeiro, quase todos choram e, quando chega
no momento de partir, saem, relutantes, deixando ali o coração. A visão cessa
aqui, com Maria sentada sobre o feno com o Menino no colo, e José que, apoiado
com um cotovelo sobre a manjedoura.
Jesus diz:
“Hoje
sou Eu que falo. Estás muito cansada, mas tem ainda um pouco de paciência.
Estamos na vigília de Corpus Christi. Eu poderia falar-te da Eucaristia e dos
santos que se fizeram apóstolos do seu culto, assim como já te falei dos santos
que foram apóstolos do Sagrado Coração. Mas eu quero falar-te de uma outra
coisa e de uma categoria de adoradores do meu Corpo, precursores do culto a Ele
prestado. Os pastores são os primeiros adoradores do meu Corpo de Verbo feito
homem.
Uma vez
eu te disse isto, que é dito também pela minha Igreja. Os Santos Inocentes são
os protomártires de Cristo. Agora te digo que os pastores são os primeiros
adoradores do Corpo de Deus. Neles se encontram todos os requisitos exigidos
para vos tornardes adoradores do meu Corpo, ó almas eucarísticas.
Fé
firme: eles creem pronta e cegamente no anjo.
Generosidade:
eles dão toda a sua riqueza ao Senhor.
Humildade:
eles se aproximam dos que humanamente são mais pobres do que eles, com uma
modéstia tal em seus atos, que não rebaixam os pobres, mas se confessam seus
servos.
Desejo:
tudo o que não podem dar por si mesmos, esforçam-se para encontra-lo com
apostolado e fadiga.
Prontidão
na obediência: Maria desejava que Zacarias seja avisado e Elias vai sem demora,
sem pedir nenhum prazo.
Amor:
enfim, eles não sabem como afastar-se, e tu dizes: “Deixam ali o coração”. E dizes
bem.
Não
seria necessário fazer assim também com o meu Sacramento? Uma outra coisa, e
essa é toda para ti: observa bem, a quem o anjo primeiro se revela, e quem
merece ouvir as efusões de Maria? O menino Levi.
A quem
tem alma de criança, Deus se mostra e a seus mistérios, permitindo-lhe ouvir as
palavras divinas e as palavras de Maria. Quem tem alma de criança, tem também a
santa coragem de Levi, para dizer: “Deixa-me beijar o vestidinho de Jesus.”
Isto ele diz a Maria. Porque é sempre Maria que vos dá Jesus. Ela é a portadora
da Eucaristia. Ela é a píxide viva.
Quem
vai a Maria me encontra. Quem me pede a ela, recebe. O sorriso de minha mãe,
quando uma criatura lhe diz: “Dá-me o teu Jesus, para que eu o ame”, faz que os
céus mudem de cor, em um mais vivo esplendor de alegria, pois tal é a altura do
grau da sua felicidade.
Diz-lhe
pois: “Deixa-me beijar a veste de Jesus. Deixa-me beijar as suas chagas.”
Procura ter coragem para dizer ainda mais que isso. Diz assim: “Deixa-me
repousar a cabeça sobre o Coração do teu Jesus, para que isso ne faça feliz.”
Vem, e repousa. Como Jesus no berço, entre Jesus e Maria.
Pg. 175 – 184
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32 – APRESENTAÇÃO DE JESUS AO
TEMPLO. A VIRTUDE DE SIMEÃO E A PROFECIA DE ANA
1 de fevereiro de 1944.
Vejo sair de uma casinha muito modesta um casal. De uma
pequena escada externa desce uma mãe muito jovem com um menino nos braços,
envolvido em um pano branco. Reconheço esta nossa mamãe. E sempre ela, pálida e
loira, elegante e tão gentil em tudo o que faz. Está vestida de branco, com um
manto azul claro, no qual se envolve. Na cabeça traz um véu branco. Vai levando
com todo o cuidado o seu Menino.
Aos pés da escadinha, José a espera, ao lado de um burrinho
cinzento. José está todo vestido de cor marrom claro, tanto na túnica, como no
manto. Ele olha para Maria, e lhe sorri. Quando Maria chega perto do burrinho,
José passa a rédea do animal por baixo do braço esquerdo e segura, por um
momento, o Menino, que está dormindo tranquilo, para que Maria possa
acomodar-se melhor na sela. Depois ele lhe devolve Jesus, e põem-se a caminho.
José vai ao lado de Maria, segurando sempre o animal pela rédea e prestando
atenção para que este vá sempre direito, e sem tropeçar.
Maria está com Jesus no colo e, como por temor de que o frio
lhe possa fazer mal, estende sobre ele um dos lados de seu manto. Os dois
esposos falam pouco, mas sorriem um para o outro frequentemente. A estrada, que
está longe de ser um modelo de estrada, vai-se estendendo pelo meio de um campo
que, nesta estação do ano, está vazio. Um ou outro viajante passa pelo casal,
mas são raros. Depois, eis as casas que
vão aparecendo e alguns dos muros que rodeiam as cidades. Os dois esposos
entram por uma porta, começando o percurso sobre o calçamento (muito irregular)
da cidade. O caminho se torna muito mais difícil, seja porque o trânsito os
obriga a parar o burrinho com frequência, seja porque este dá contínuas
sacudidelas sobre as pedras e os buracos, perturbando Maria e o Menino.
A estrada não é plana, é uma ladeira ainda que leve. Está
apertada entre as casas altas, de portinhas estreitas e baixas, com raras
janelas, que dão para a rua. No alto, o céu se mostra, com muitos retalhos do
seu azul, entre uma casa e outra, ou melhor, entre um e outro terraço. Em
baixo, na rua, há gente e vozerio, transeuntes que se encontram com aqueles que
estão nos seus jumentos, ou com os que conduzem jumentos com carga. Outros vão
indo atrás de alguma embaraçante caravana de camelos. A um certo ponto, passa
uma patrulha de legionários romanos, com grande barulho de cascos e de armas,
desaparecendo atrás de um arco colocado em uma rua muito estreita e pedregosa.
José vira para a esquerda, e entra por uma rua mais larga e mais bonita. No fim
desta vejo o muro de uma fortaleza, que eu já conheço.
Maria apeia do burrinho, junto à porta, onde há uma espécie
de posto para outros jumentos. Eu digo “posto”, porque é parecido com um
barracão, ou melhor, um telheiro, onde há palha pelo chão e umas estacas com
argolas onde se amarram os animais. José dá algumas moedas a um homenzinho, que
apareceu por ali, conseguindo deste modo um pouco de feno e um cântaro de água
tirado de um poço velho que fica num canto, para alimentar o burrinho.
Em seguida, vai ao encontro de Maria, entrando com ela no
recinto do Templo. Dirigem se primeiro para os pórticos, onde estão aqueles que
Jesus mais tarde fustigaria severamente: os vendedores de pombos e cordeiros e
os cambistas. José compra dois pombinhos brancos. Não troca o dinheiro.
Compreende-se que ele já tem a quantia certa. José e Maria se dirigem a uma
porta lateral, de oito degraus, como, me parece, tenham todas as portas. É como
se o cubo do Templo seja erguido do solo. Esta porta tem um grande átrio,
parecido com os portões de nossas casas das cidades, mas seu átrio é mais amplo
e adornado. Nele se encontram à direita e à esquerda, duas espécies de altares,
ou seja, duas construções retangulares, cuja finalidade, a princípio, não
compreendo bem. Parecem baixas bacias, porque a parte interna é mais baixa do
que a beirada externa, que fica alguns centímetros mais alta.
Aparece um sacerdote, não sei se chamado por José, ou se
tendo vindo por si mesmo. Maria lhe oferece os dois pobres pombos e eu, que já
sei qual a sorte que eles vão ter, viro o olhar para o outro lado. Observo os
ornatos do pesado portal, do teto e do átrio. Mas parece-me ver, com o rabo do
olho, o sacerdote aspergir Maria com água. Deve ser água, porque não vejo
ficarem manchas em sua veste. Depois, Maria que, junto com os pombinhos tinha
dado uma porção de moedas ao sacerdote (eu me tinha esquecido de dizer isso),
entra com José no Templo verdadeiro e propriamente dito, acompanhada pelo
sacerdote. Eu olho para todos os lados. É um lugar cheio de adornos. Esculturas
de cabeças de anjos, palmas e outros ornatos estão sobre as colunas, sobre as
paredes e o teto. A luz penetra por curiosas janelas longas e estreitas,
naturalmente sem vidros, abertas em diagonal sobre a parede. Suponho que seja
para impedir a entrada dos aguaceiros.
Maria segue até um certo ponto, onde para. A alguns metros há
outros degraus, e acima deles há outra espécie de altar, por trás do qual, há
ainda uma construção. Percebo agora que eu achava que estivesse no Templo, mas
me encontrava na parte que contorna o Templo verdadeiro e propriamente dito,
isto é, o Santo, dentro do qual ninguém, a não ser os sacerdotes, acho que
podem entrar. Aquilo que eu pensei que fosse o Templo, não é mais que um
vestíbulo fechado, que cerca de três partes o Templo, onde está encerrado o
Tabernáculo. Não sei, se me expliquei bem. Mas não sou arquiteta, nem
engenheira.
Maria oferece ao sacerdote o Menino, que acabou de despertar
e está movendo os olhinhos inocentes ao redor de si próprio, com aquele olhar
espantado dos bebês de dias. O sacerdote o toma em seus braços, e o ergue,
virado para o Templo, junto àquela espécie de altar, que está acima dos
degraus. O rito terminou. O Menino é restituído à mamãe, e o sacerdote se
retira.
Há várias pessoas olhando, curiosas. Um velhinho encurvado
abre caminho entre essas pessoas, mancando, e apoiando-se num bastão. Deve ter
muita idade, eu diria, mais de oitenta anos. Aproxima-se de Maria, pedindo-lhe
que o deixe pegar o Menino por um instante. Maria atende ao seu pedido,
sorrindo. Simeão pega o Menino e o beija. Eu sempre acreditei que ele
pertencesse à classe sacerdotal, mas ao invés parece ser apenas um simples
fiel, a julgar pelas suas roupas. Jesus lhe sorri, fazendo aquela caretinha
cheia de dúvidas, característica das crianças de peito. Parece que o observa
com curiosidade, porque o velhinho está chorando e rindo ao mesmo tempo, e suas
lágrimas fazem um verdadeiro bordado de pontinhos de luz, brilhando, enquanto
vão-se insinuando por entre as rugas, enchendo de pérolas a barba longa e
branca, para a qual Jesus estende as mãozinhas. É Jesus, mas é sempre um bebê,
e tudo o que se move à sua frente, lhe chama a atenção, e lhe dá vontade de
pegar para conhecer melhor, seja lá o que for. Maria e José sorriem, e também
os presentes, que elogiam a beleza do Pequenino.
Ouço as palavras do velho santo, e vejo o olhar espantado de
José, o olhar comovido de Maria e também da pequena multidão, em parte admirada
mas também comovida, tomada pela alegria pelas palavras do velho. No meio da
pequena multidão estão alguns barbudos e enfatuados sinedritas, que balançam a
cabeça, olhando para, Simeão com uma compaixão zombeteira. Devem pensar que ele
está fora de seu juízo, pela idade.
O sorriso de Maria se apaga e se transforma em uma acentuada
palidez, quando Simeão lhe anuncia sua futura dor. Por mais Que ela já o saiba,
esta palavra lhe aflige o espírito. Ela se aproxima ainda mais de José, em
busca de conforto, apertando com sentimento o Menino ao seio, bebendo, como
alma sequiosa, as palavras de Ana que, sendo mulher, tem piedade do sofrimento
de Maria, e lhe promete que o Eterno amenizará com uma força sobrenatural, a
hora de sua dor: “Mulher, para aquele que deu o Salvador ao seu povo, não
faltará poder para mandar um anjo confortar-te no teu pranto. Nunca faltou a
ajuda do Senhor às grandes mulheres de Israel, e tu és bem mais do que Judite e
Jael. O nosso Deus te dará um coração de ouro puríssimo, para que possas
resistir ao mar de dor pelo qual te tornarás a maior mulher da criação, a Mãe.
E tu, Menino, lembra-te de mim, na hora da tua missão”. E aqui cessa minha
visão.
Jesus diz:
– Nascem dois ensinamentos para todos,
da descrição que fizeste. O primeiro: Não é a um sacerdote mergulhado nos
ritos, mas o espírito ausente, e, sim, a um simples fiel que a verdade se
revela. O sacerdote, sempre em contato com a Divindade, voltado a tudo que é
relacionado a Deus, dedicado a tudo o que está acima da carne, deveria ter
percebido logo quem era o Menino que estava sendo oferecido ao Templo, naquela
manhã. Mas, para que pudesse pressentir, precisava de um espírito vivo. Não
simplesmente de uma veste para cobrir um espírito, que, se não estava morto,
estava muito adormecido. O Espírito de Deus pode, se quiser, trovejar e sacudir,
como um raio e um terremoto, até o espírito mais obtuso. Isto Ele pode. Mas
geralmente, visto que Ele é Espírito de ordem, dado que Deus é ordem em cada
uma de Suas Pessoas e em Seu modo de agir. Ele se expande e se comunica, não
digo só onde há merecimento suficiente para receber a sua efusão (e nesse caso,
seriam poucos os casos em que Ele se expandiria, nem mesmo tu conhecerias as
suas luzes) mas, sim, onde Ele vê “boa vontade” em merecer a sua efusão.
Como se explica essa boa vontade?
Tanto quanto possível, com uma vida inteira em Deus. Na fé, na obediência, na
pureza, na caridade, na generosidade, na oração. Não tanto no ativismo, mas na
oração. Há uma diferença menor entre a noite e o dia, do que entre ativismo e a
oração. A oração é comunhão de espírito com Deus, da qual, vós saís revigorados
e decididos a serdes sempre mais d’Ele. O Ativismo é um hábito qualquer, feito
por diversos fins, mas sempre egoístas, deixando-vos corno sois, ou melhor, vos
agrava até de uma culpa de mentira e de acídia.
Simeão tinha esta boa vontade. A
vida não lhe tinha poupado trabalhos e provações. Mas ele não perdeu a boa
vontade. Os anos e as vicissitudes não tinham enfraquecido nem abalado a sua fé
no Senhor, nas suas promessas, e não tinham diminuído a sua boa vontade de ser
sempre mais digno de Deus. Antes que os olhos de seu servo fiel se fechassem à
luz do sol, na esperança de se reabrirem ao Sol de Deus rutilando nos Céus, que
seriam abertos, quando Eu lá subisse, após o meu martírio. Deus lhe mandou um
raio do Espírito, que o guiou ao Templo para ver a Luz do mundo. “Movido pelo
Espírito Santo”, diz o Evangelho. Oh! Se os homens soubessem que Amigo perfeito
é o Espírito Santo! Que Guia, que Mestre! Se amassem e invocassem, este Amor da
Santíssima Trindade, esta Luz da Luz, este Fogo do Fogo, esta Inteligência,
esta Sabedoria!
Muito além do necessário, eles
haveriam de saber! Escuta, Maria; escutai, meus filhos: Simeão esperou durante
toda uma longa vida para “ver a Luz” para saber que a promessa de Deus estava
cumprida. Mas ele nunca duvidou. Nunca disse a si mesmo: “É inútil que eu
persevere em esperança e em oração.” Ele perseverou. E alcançou a graça de
“ver” o que nem o sacerdote, nem os sinedritas, cheios de soberba e opacidade,
viram: o Filho de Deus. O Messias, o Salvador naquele corpo infantil, que lhe
dava calor e sorrisos. Ele recebeu portanto o sorriso de Deus, como primeiro
prêmio de sua vida honesta e piedosa, através dos meus lábios de Menino.
Segunda lição: As palavras de
Ana. Também ela, que é profetisa, vê o Messias em mim, recém-nascido. Isto é
natural, dada a sua capacidade de profecia. Mas escuta, escutai o que ela,
inspirada pela fé e pela caridade, diz à minha mãe. Tirai disto luz para o
vosso espirito, para que ele rejubile neste tempo de trevas, nesta festa da
Luz.” Àquele que deu um Salvador não faltará o poder de dar o seu anjo para
confortar o teu, o vosso pranto.”
Pensai que Deus deu-se a si
mesmo, para anular a obra de satanás nos espíritos. Agora não poderá Ele vencer
os satanases que vos torturam? Não poderá enxugar o vosso pranto, derrotando
esses satanases e enviando-vos de novo a paz do seu Cristo? Por que não o pedir
com fé? Fé verdadeira, poderosa, urna fé, diante da qual o rigor de Deus,
desprezado por vossas inúmeras culpas, caia com um sorriso, trazendo o perdão
como ajuda, trazendo a sua bênção, como arco-íris sobre esta terra que está
submergindo em um dilúvio de sangue procurado por vós mesmos?
Pensai: O Pai, depois de ter
castigado os homens com o dilúvio, disse a Si mesmo e ao Seu patriarca: “Não
amaldiçoarei mais a terra por causa dos homens, porque os sentidos e os
pensamentos do coração do homem estão inclinados para o mal, desde a
adolescência; portanto, não ferirei o ser vivo mais uma vez.” Ele foi fiel à
Sua palavra. Não mandou mais o dilúvio. Mas vós, muitas vezes já dissestes a
vós mesmos e a Deus: “Se nos salvarmos desta vez, se nos salvas, não faremos
mais guerras, nunca mais.” E depois sempre continuais fazendo guerras, cada vez
mais tremendas. Quantas vezes, ó homens falsos e sem respeito para com o Senhor
é a vossa palavra? No entanto, Deus vos ajudaria ainda uma vez, se a grande
massa dos fiéis o chamasse com fé e amor poderoso. Escutai, ó vós todos — que,
sendo muito poucos para contrabalançar os muitos que estão mantendo vivo o
rigor de Deus, permanecei devotos a Ele, não obstante a hora tremenda que
ameaça crescer a cada instante — e colocai as vossas aflições aos pés de Deus.
Ele saberá mandar-vos o Seu anjo, como mandou o Salvador ao mundo. Não temais.
Ficai unidos à Cruz. Ela sempre venceu as insídias do demônio, que, por meio da
ferocidade dos homens e das tristezas da vida, procura o domínio dos homens
pelo desespero, isto é, pela separação de Deus, pois não pode apoderar-se dos
corações de outra maneira.
Pg. 190 - 196
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34 – ADORAÇÃO DOS MAGOS. É
EVANGELHO DA FÉ
Vejo Belém pequena e branca, toda recolhida como uma ninhada,
sob a luz das estrelas. Duas ruas principais a cortam em cruz, uma que vem de
fora da cidade e é a rua mestra que depois prossegue além da cidade, e a outra,
que vai de uma à outra extremidade da cidade, mas sem ultrapassá-la. Outras
vielas repartem esta pequena cidade, sem a menor norma de um plano de ruas como
nós o concebemos, pelo contrário, adaptam-se a um solo cheio de desníveis e às
casas que surgem aqui e ali, segundo os caprichos do solo e de seus
construtores. De tal modo que possam servir de esquinas para a rua que passa ao
lado, obrigando esta à ficar como uma fita que vai se desenrolando sinuosamente,
em vez de seguir uma linha reta, que vai daqui até lá, sem desvios. De vez em
quando, aparece uma pracinha: ou é a pracinha de uma feira, ou por ali há
alguma fonte ou, então, por causa do costume de construir aqui e ali sem
nenhuma regra, sobrou um resto enviesado de terreno, sobre o qual já não é
possível construir mais nada.
No ponto em que tive a ideia de parar um pouco, há um exemplo
dessas pracinhas irregulares. Ela deveria ser quadrada ou, pelo menos,
retangular. Mas, ao contrário, saiu um trapézio tão estranho, que ficou
parecendo um triângulo agudo, cortado perto do vértice. No lado mais longo, o
da base do triângulo, há uma construção ampla e baixa. É a maior construção da
cidade. Por fora passa um paredão liso e nu, no qual se abrem apenas dois
portões que estão bem fechados. Por dentro, ao invés, no seu largo quadrado,
abrem-se muitas janelas no primeiro plano, enquanto embaixo ficam os pórticos,
que cercam os pátios cheios de palha e de detritos espalhados pelo chão, com
tanques, onde os cavalos e outros animais são levados para beber. Nas rústicas
colunas dos pórticos existem argolas às quais ficam amarrados os animais, e há
também um grande telheiro para abrigar os rebanhos e cavalgaduras. Compreendo
que aqui é o albergue de Belém.
Sobre os dois lados iguais há casas e casinhas, tendo algumas
hortas à frente, porque entre elas há uma que está com a fachada para a praça,
e outra com os fundos da casa para a mesma praça. Do lado mais curto, defronte
ao caravançará, há uma casinha isolada com uma pequena escada externa que, ao
meio da fachada, dá entrada para os quartos dos moradores. Os quartos estão
todos fechados, porque agora é noite. E a esta hora, não há ninguém pelas ruas.
Vejo que a noite vai-se tornando mais clara pela luz das
estrelas que descem do céu; são tão belas no céu do Oriente, tão vivas e
grandes, que até parecem estar perto de nós, e que nos será fácil alcançá-las e
tocar com a mão essas flores que brilham no veludo do firmamento. Elevando o
olhar, tento compreender qual será a fonte deste aumento de luz. É uma estrela,
de grandeza extraordinária, que a faz parecer uma pequena lua, que vem
avançando pelo céu de Belém. As outras estrelas parecem eclipsar-se, abrindo
caminho para ela, como servas diante de sua rainha que vai passando, pois a tal
ponto ela as supera em brilho, que as faz desaparecer! Do corpo da estrela, que
parece uma grande safira clara e acesa por um sol que está no seu interior, sai
uma esteira de luz, na qual fundem-se o loiro dos topázios, o verde das
esmeraldas, o leitoso das opalas, o sanguíneo fulgor dos rubis e o suave
cintilar das ametistas, com a cor predominante da safira. Todas as pedras
preciosas da terra estão naquela esteira de luz, que vem varrendo o céu, num
movimento veloz e ondulante, como se fosse viva. Mas a cor que predomina é a
que desce do corpo da estrela: uma cor celeste de safira clara, que tinge de
prata azulada as casas, as ruas e o chão de Belém, berço do Salvador. Já não é
mais a pobre cidade, que para nós era menos importante do que um povoado rural.
Agora, é uma fantástica cidade dos contos de fada, na qual tudo é de prata. Até
a água das fontes e dos tanques parece de diamante líquido.
Emitindo um fluxo de luz mais vivo, a estrela paira sobre a
pequena casa, que está do lado mais curto da pracinha. Nem os moradores da
casa, nem os habitantes de Belém a veem, porque estão dormindo, e suas casas
estão fechadas; mas a estrela acelera as suas palpitações de luz, faz vibrar
sua cauda, e solta ondulações luminosas mais fortes, traçando pequenos
semicírculos no céu, que se ilumina todo com esta rede de astros que ela
arrasta consigo, numa rede de pedras preciosas que esplendem, tingindo nas mais
indistintas cores as outras estrelas, como para comunicar-lhes uma palavra de
alegria.
A casinha está toda iluminada por este fogo líquido de gemas.
O teto do pequeno terraço, a escadinha de pedra escura, a pequena porta, tudo
virou um bloco de pura prata, polvilhado com pó de diamantes e pérolas. Nenhum
palácio real da terra jamais teve, ou terá, uma escada como esta, feita para
receber a passagem dos anjos, feita para ser usada pela Mãe, que é Mãe de Deus.
Seus pequenos pés de Virgem Imaculada podem pousar sobre aquele cândido
esplendor, os seus pequenos pés destinados a pousar sobre os degraus do trono
de Deus. Mas a Virgem ainda não está sabendo de nada. Ela está velando sobre o
berço de seu Filho, rezando. Sua alma tem esplendores que superam a estrela que
está embelezando as coisas.
Da rua mestra, vem chegando uma cavalgada. Cavalos arreados
ou conduzidos a mão, dromedários e camelos, montados ou carregados com suas
cargas. O barulho dos cascos faz um rumor como o da água, quando cai sobre as
pedras de um riacho. Reunidos na praça, todos param. A cavalgada, vista sob a
luz da estrela, é fantástica em seu esplendor. Os ornamentos de primeira classe
sobre as cavalgaduras, as vestes dos cavaleiros, o seu aspecto, as bagagens,
tudo está brilhando, unindo e reavivando, o esplendor do metal, do couro, da
seda, das pedras preciosas, dos pelos, ao brilho da estrela. Os olhos também
cintilam, as bocas se enchem de riso, porque um outro esplendor brilhou nos
corações: o esplendor de uma alegria sobrenatural.
Enquanto os servos se põem a caminho do caravançará com os
animais, três da caravana desmontam de suas cavalgaduras, que um servo logo
leva para outro lugar, dirigindo-se a pé para a casa. Prostram-se com a fronte
até o chão, beijando o pó. São três poderosos.
Isto é o que nos estão dizendo as suas vestes, riquíssimas.
Um, de pele muito escura, tendo apeado de um camelo, envolve-se todo num manto
de seda brilhante, ajustado à cinta por um aro precioso do qual pendem um
punhal ou uma espada, tendo esta o punho cravejado de pedras preciosas. Os
outros, que apearam de dois esplêndidos cavalos, estão vestidos, um de um
tecido listrado muito bonito, no qual predomina a cor amarela, com uma veste
feita como um longo dominó, ornado com capuz e cordão, parecendo um só trabalho
de filigrana de ouro, com muitos pespontos de bordados em ouro. O terceiro traz
uma espécie de camisa de seda, calças largas e longas, que se estreitam perto
dos pés e se envolve com um xale muito fino, que mais parece um jardim florido,
de tão vivas que são as flores com que está todo decorado. Na cabeça traz um
turbante preso por uma correntinha feita de engastes, com diamantes.
Depois de terem venerado a casa onde está o Salvador, eles se
levantam, e vão até o caravançará, onde os servos já bateram à porta, fazendo-a
abrir. Aqui cessa a visão, o que recomeça, três horas depois, com a cena da
adoração de Jesus pelos Magos.
Agora, já é dia. Um belo sol resplende no céu da tarde. Um
dos três servos atravessa a praça e sobe a escadinha da pequena casa. Depois,
entra. Torna a sair. Volta ao albergue.
Saem os três sábios, acompanhados cada um pelo próprio servo.
Atravessam a praça. Os raros transeuntes viram-se para olhar os pomposos
personagens que passam pela praça lentamente e com solenidade. Entre a entrada
do servo e aquela dos três, passou-se um bom quarto de hora, e esse tempo
serviu aos moradores da casinha para se prepararem a receber os hóspedes.
Eles se mostram agora mais ricamente vestidos do que na tarde
anterior. As sedas resplendem, as gemas brilham, um grande penacho de penas
preciosas entremeadas com fragmentos ainda mais preciosos, tremula e cintila
sobre a cabeça daquele que está com o turbante.
Os servos vão levando, um deles um cofre todo marchetado,
cujas partes mais reforçadas são de ouro burilado; o segundo leva um cálice
muito bem trabalhado, coberto com uma tampa ainda mais artística, toda de ouro;
o terceiro leva uma espécie de ânfora larga e baixa, também de ouro, tampada
com uma peça em forma de pirâmide, com um brilhante no vértice. Devem ser
coisas pesadas, porque os servos que as transportam estão fazendo muita força,
especialmente o que transporta o cofre.
Os três sobem a escada e entram. Entram em um quarto, que se
estende da rua até os fundos da casa. Vê-se a pequena horta na parte posterior
da casa, por uma pequena janela aberta ao sol. Outras portas se abrem nas duas
outras paredes, e olhando de soslaio, lá estão os proprietários: um homem e uma
mulher, três ou quatro adolescentes e crianças.
Maria está sentada com o Menino no colo, perto dela, em pé,
está José. Mas ela também se levanta e se inclina, quando vê entrar os três
Magos. Maria está toda vestida de branco. Tão bonita na sua simples veste
cândida, que a cobre da base do pescoço até aos pés, dos ombros aos delicados
pulsos, tão bonita em sua cabeça pequena e coroada de tranças loiras, no rosto
que a emoção faz ficar vivamente rosado, nos olhos que sorriem com doçura, na
boca que se abre para a saudação, dizendo: “Deus esteja convosco”, que, por um
instante, os três se detêm, impressionados. Depois, eles dão mais alguns passos
para a frente, indo prostrarem-se aos seus pés. Pedem a ela que se assente.
Eles, por sua vez, não se sentam, por mais que ela lhes peça.
Ficam de joelhos, apoiados sobre os calcanhares. Atrás deles, também de
joelhos, estão os três servos. Estes estão logo atrás da soleira. Eles puseram
diante de si os três objetos que levaram, e estão esperando.
Os três sábios contemplam o Menino, que me parece ter de nove
meses a um ano, de tão esperto e robusto que está! Ele está sentado no colo da
mamãe, sorri e balbucia com uma vozinha de passarinho. Ele também está todo
vestido de branco, como a mamãe, com sandalinhas nos pés minúsculos. Sua veste
é muito simples: uma pequena túnica, da qual saem os pezinhos irrequietos, as
mãozinhas gorduchas que gostariam de apanhar tudo o que os olhos veem, e,
sobretudo seu rostinho muito bonito, no qual brilham os olhos de um azul
escuro, enquanto a boca faz umas covinhas aos lados, quando ele ri, descobrindo
os primeiros dentinhos pequenos. Os caracoizinhos de seus loiros cabelos
parecem ouro puro em pó, de tão leves e brilhantes que são.
O mais velho dos sábios fala por todos. Explica a Maria que
eles viram, numa noite no mês de dezembro passado, acender-se uma nova estrela
no céu com esplendor fora do comum. Nunca os mapas do céu tinham trazido aquele
astro, nem falado nele. O seu nome não era conhecido, porque não tinha nome.
Tendo, então, nascido do seio de Deus, aquela estrela teria aparecido para vir
dizer aos homens alguma verdade bendita, algum segredo de Deus. Mas os homens
não lhe haviam dado importância, estando eles com a alma presa na lama. Não
eram capazes de levantar o olhar para Deus, não sabendo ler as palavras
escritas por Ele, Eterno Bendito, com seus astros de fogo na abóbada dos céus.
Eles a tinham visto, e se esforçaram para escutar sua voz.
Deixando, pois, de lado, mas com alegria, o pouco descanso do sono que
concediam aos seus membros, esquecendo-se até de comer, eles se haviam
aprofundado no estudo do zodíaco. As conjugações dos astros, o tempo, a estação,
o cálculo das horas passadas e das combinações astronômicas lhes haviam dito o
nome e o segredo da estrela. O seu nome: “Messias”. E o seu segredo: “O Messias
veio ao mundo”. Então, partiram para adorá-lo. Cada um deles, sem os outros
dois saberem. Por montes e desertos, vales e rios, viajando de noite, foram
tomando o rumo da Palestina, porque este era o rumo da estrela. Para cada um
deles, vindo de três pontos diferentes da terra, ela ia naquele rumo. Eles se
tinham encontrado depois, além do Mar Morto. A vontade de Deus os tinha reunido
lá, e continuaram a viagem, juntos, se entendiam, ainda que cada um falasse a
sua própria língua, entendendo e podendo falar a língua de cada região em que
se achassem, por um milagre do Eterno.
Juntos tinham ido a Jerusalém, porque o Messias devia ser o
Rei de Jerusalém. O Rei dos judeus. Mas lá a estrela se tinha escondido, sob o
céu daquela cidade, e eles sentiram seus corações partirem-se de dor, começando
então a examinar suas consciências, para descobrirem se não teriam deixado de
merecer a proteção de Deus. Mas, tranquilizadas suas consciências, haviam se
dirigido ao rei Herodes, perguntando-lhe em que palácio havia nascido o Rei dos
judeus, pois eles o tinham vindo adorar. O rei, tendo reunido os príncipes dos
sacerdotes e os escribas, lhes perguntou onde se esperava que nascesse o
Messias. Eles lhe responderam: “Em Belém de Judá”.
Tomaram, pois, os Magos, o rumo de Belém, e a estrela tornou
a aparecer aos seus olhos. Quando deixaram a Cidade Santa, na tarde anterior, a
estrela tinha aumentado seus esplendores, e o céu parecia um incêndio. Depois,
a estrela parou, reunindo toda a luz das outras estrelas com a sua luz, sobre
esta casa. Então, eles compreenderam que ali estava o Filho de Deus. E agora o
estavam adorando, oferecendo-lhe os seus pobres presentes e, mais do que tudo,
oferecendo-lhe os seus corações, que nunca mais cessariam de bendizer a Deus
pela graça concedida, nem de amar o seu Filho, cuja Humanidade eles estavam
vendo. Depois, iriam, na volta, informar ao rei Herodes, porque ele também
queria adorar o Menino.
“Aqui tens o ouro, como convém a um rei; aqui tens o incenso,
como convém a Deus; e aqui tens, ó Mãe, a mirra, pois o teu Filho é Homem, além
de Deus, e da carne e da vida humana conhecerá a amargura e a lei inevitável da
morte. Nosso amor não queria dizer-lhe estas palavras, mas ficar sempre pensando
que Ele é Eterno, até em sua carne, como eterno é o seu Espírito. Mas, ó
mulher, se os nossos mapas, e também as nossas almas, não erram, Ele é o teu
Filho, é o Salvador, o Cristo de Deus, e por isso deverá, para salvar a terra,
tomar para Si o seu mal, um dos quais é o castigo da morte. Esta resina é para
aquela hora. Para que os corpos que são santos não conheçam a putrefação da
corrupção, e conservem sua integridade até o dia da ressurreição. Que por estes
nossos presentes Ele se lembre de nós e salve a estes seus servos, dando-lhes o
seu Reino. Por enquanto, para que sejamos santificados, que a Mãe conceda o seu
Pequenino ao nosso amor, para que, beijando os seus pés, desça sobre nós a
bênção celestial.
Maria, passada a angústia em que as palavras do sábio a
haviam mergulhado, esconde, com um sorriso, a tristeza daquelas fúnebres
evocações, e lhes apresenta o Menino. Coloca-O nos braços do mais velho, que o
beija e é por ele acariciado, e depois o passa para os outros dois.
Jesus sorri, e brinca com as correntinhas e as franjas dos
três e olha com curiosidade o cofre aberto, cheio de uma coisa amarela que
brilha, e ri, ao ver que o sol faz uma espécie de arco-íris, ao bater sobre a
brilhante tampa da mirra.
Depois, os três entregam a Maria o Menino, e se levantam.
Maria também se levanta. Inclinam-se reciprocamente, depois que o mais novo da
ordens ao seu servo, que sai. Os três falam ainda um pouco. Não conseguem
decidir-se a se afastarem daquela casa. Em seus olhos há lágrimas de emoção.
Por fim, eles se dirigem à saída, acompanhados por Maria e José.
O Menino quis descer e dar a mãozinha ao mais velho dos três,
e caminha assim, ajudado pela mão de Maria e do sábio, que se inclinaram para
pegá-lo pela mão. Jesus dá um passinho ainda incerto como fazem os pequeninos e
ri, batendo os pezinhos sobre os riscos que a luz do sol faz sobre o pavimento.
Chegando à soleira (não se deve esquecer que o salão tinha o
mesmo comprimento da casa) os três se despedem, ajoelhando-se mais uma vez e
beijando os pezinhos de Jesus. Maria, inclinada sobre o Pequenino, toma-lhe a
mãozinha, e a vai guiando, fazendo-o traçar um gesto de bênção sobre a cabeça
de cada um dos Magos. É já um sinal da cruz, traçado pelos dedinhos de Jesus,
guiados por Maria.
Depois, os três descem a escada. A caravana já pronta os está
esperando. Os cavalos já estão arreados e seus arreios ornados brilham aos
últimos raios do sol, que está para se pôr. O povo se aglomerou na pracinha
para presenciar aquele espetáculo único.
Jesus ri e bate as mãozinhas. A Mamãe o ergueu e colocou
sobre o parapeito, que limita o patamar, segurando-o com um dos braços para que
não caia. José desceu com os três e segura para cada um deles o estribo,
enquanto eles sobem em seus cavalos e no camelo.
Agora os servos e os patrões estão montados. É dada a ordem
de partir. Os três se inclinam até o pescoço da cavalgadura, em uma última
saudação. José também se inclina. Maria também o faz, e torna a guiar a
mãozinha de Jesus, em um gesto de adeus e de bênção.
Jesus diz:
“E agora? Que vos direi, ó almas,
que percebeis que a fé está morrendo? Aqueles sábios do Oriente nada tinham que
lhes desse a certeza da verdade. Nada tinham de sobrenatural. Tinham apenas os
cálculos astronômicos e as suas reflexões, que a vida íntegra, que eles
levaram, tornava perfeitas. Contudo, tiveram fé. Fé em tudo: fé na ciência, fé
na consciência, fé na bondade divina.
Pela ciência, acreditaram no sinal
da nova estrela, que não podia deixar de ser “aquela”, que era esperada, havia
séculos, pela humanidade: o Messias. Pela consciência, tiveram fé na voz da
mesma que, recebendo “vozes” celestes, lhes dizia: “É aquela estrela que
assinala a chegada do Messias”. Pela bondade, tiveram fé que Deus não os teria
enganado e, visto que a sua intenção era reta, Ele os teria ajudado, de todos
os modos, a chegar até à meta desejada.
E eles tiveram êxito. Só eles,
entre tantos estudiosos de sinais, compreenderam aquele sinal, porque só eles
tinham na alma a ânsia de conhecer as palavras de Deus com um fim reto, que
consistia antes de tudo em dar imediata honra e louvor a Deus.
Não procuravam sua própria
utilidade. Ao contrário, eles vão de encontro a fadigas e despesas, e não pedem
nenhuma compensação humana. Pedem somente que o seu Deus se lembre deles e os
salve para a eternidade.
Assim como não têm nenhum
pensamento de futura compensação humana, não têm, quando decidem a viagem,
nenhuma preocupação humana. Se fôsseis vós, teríeis pensado em mil
dificuldades: “Como poderei fazer uma viagem tão grande, através de países e
povos de línguas tão diferentes? Será que vão acreditar em mim ou irão
prender-me como espião? Que ajuda me darão, quando tiver que atravessar desertos,
rios e montanhas? E o calor? E os ventos dos planaltos? E as febres dos
pantanais? E as cheias das águas fluviais? E as comidas diferentes? E a
linguagem diferente? E... e... e...”. Assim é que raciocinais. Eles não
raciocinam assim. Mas dizem, com uma sincera e santa ousadia: “Tu, ó Deus, lês
os nossos corações, e vês qual o fim que perseguimos. Em tuas mãos nos
entregamos. Concede-nos a alegria sobre humana de adorar a tua Segunda Pessoa,
que se fez Carne para a salvação do mundo.”
Basta. Eles se põem a caminho,
partindo das longínquas Índias. (Jesus me diz depois que por Índias querem dizer Ásia
meridional, onde agora está a Turquia, o Afeganistão e a Pérsia). Das
cadeias de montanhas da Mongólia, sobre as quais voam somente águias e abutres,
onde Deus fala pelo zumbido dos ventos, pelo estrondo das torrentes, escrevendo
mistério sobre as páginas imensas das geleiras. Das terras onde nasce o Nilo,
que vai deslizando como uma veia verde-azul, ao encontro do coração azul do
Mediterrâneo, nem os picos, nem as selvas, nem os desertos, oceanos secos mais
perigosos do que os marinhos, nada disso detêm a marcha deles. A estrela brilha
sobre a noite deles, não lhes permitindo dormir. Quando se procura a Deus, os
hábitos animais devem ceder às impaciências e às necessidades sobre humanas.
A estrela os chama, ora do Norte,
ora do Oriente, ora do Sul, e, por um milagre de Deus, vai guiando os três para
um certo ponto, como por um outro milagre, os reúne, depois de tantos milhares
de quilômetros, naquele ponto, e, por um outro milagre ainda, lhes dá,
antecipando a sabedoria pentecostal, o dom de se entenderem e de se fazerem
entender, assim como é no Paraíso, onde se fala uma única língua: a de Deus.
Um único momento de aflição os
assalta, e é quando a estrela desaparece, e eles, humildes, porque são
realmente grandes, não pensam que isto tenha acontecido por causa da maldade de
outrem, já que os corruptos de Jerusalém não mereceram ver a estrela de Deus.
Mas, o que eles pensam é que eles próprios não mereçam a ajuda de Deus,
pondo-se a examinarem suas consciências com tremor e com uma contrição, pronta
a pedir perdão.
Mas a sua consciência os
tranquiliza. Almas acostumadas à meditação, eles têm uma consciência muito
sensível, aperfeiçoada por uma atenção constante, por uma introspecção aguda,
que faz do seu interior um verdadeiro espelho sobre o qual refletem as menores
sombras dos acontecimentos diários. Eles fizeram da voz que os adverte a
própria mestra, voz que grita, não só ao menor erro, mas até a uma simples
possibilidade de erro, o que é humano, como a complacência com o seu próprio
eu. Por isso, quando eles se põem diante desta Mestra, diante deste Espelho tão
severo e tão nítido, sabem que Ele não lhes mente, mas os encoraja, tomando
novo alento.
Ohl Que doce coisa é sentir que
nada há em nós de contrário a Deus! Sentir que Ele olha com complacência o
ânimo do filho fiel e o abençoa. Deste sentimento provém o aumento de fé e de
confiança, de esperança, fortaleza e paciência. Agora é hora de tempestade. Mas ela
passará, porque Deus me ama e sabe que eu o amo, e não deixará de ajudar-me
ainda”. Assim é que falam os que têm aquela paz, que provém de uma consciência
reta, que é a rainha de todas as suas ações.
Eu disse que eles eram “humildes,
porque verdadeiramente grandes”. Em vossa vida, ao invés, que é que acontece?
Acontece que um, não porque seja grande, mas porque é mais prepotente, se faz
poderoso por sua prepotência, nunca humilde, pela vossa insensata idolatria, Há
pobres coitados que, só por serem mordomos de alguém arrogante, ou porteiros de
algum gabinete, funcionários de alguma repartição, servos afinal, de quem assim
os fez, costumam tomar a pose de semideuses. Tem-se pena até de vê-los!
Eles, os três sábios, eram
realmente grandes. Em primeiro lugar, por virtude sobrenatural; em segundo
lugar, pela ciência; e, por último, pela riqueza. Mas eles se julgam nada: pó
sobre o pó da terra, se comparados com Deus Altíssimo, que cria os mundos com
um sorriso, espalhando-os pelo espaço, como grãos de trigo, para alegrar os
olhos dos anjos com os colares de estrelas.
Mas eles se consideram nada,
diante de Deus Altíssimo, que criou o planeta, sobre o qual eles vivem, e como
Escultor infinito em sua ilimitada obra fez tudo bem diversificado, colocando,
aqui uma série de colinas de suave declive, com a força do seu polegar, acolá
uma ossatura de picos e escarpas, iguais as vértebras da terra, neste corpo
desmesurado, do qual os rios são as veias, os lagos são as pelves, os oceanos
são os corações, tendo as florestas como vestes, as nuvens como véus, as
geleiras de cristal como decorações, as turquesas e as esmeraldas como gemas,
as opalas e os berilos de todas as águas que descem cantando, com as selvas e os
ventos, formando o grande coro de louvor ao seu Senhor.
Eles se consideram nada em sua
sabedoria, diante do Deus Altíssimo, do qual vem a sua sabedoria, pois foi Ele
quem lhes deu olhos, ainda mais poderosos que suas duas pupilas, pelas quais
eles veem as coisas: os olhos da alma, que sabem ler a palavra não escrita por
mão humana nas coisas, onde esta palavra foi gravada pelo pensamento de Deus.
Eles se consideram nada em sua
riqueza: um átomo, diante da riqueza do Dono do universo, que espalha metais e pedras
preciosas nos astros e planetas, e abundâncias sobrenaturais, riquezas
inesgotáveis, no coração de quem O ama.
Tendo eles chegado diante de uma
pobre casa, na mais insignificante das cidades de Judá, não sacodem a cabeça
dizendo: “Impossível”, mas dobram as costas, os joelhos, e especialmente o
coração, e adoram. Lá, atrás daquela pobre parede, está Deus. Aquele Deus que
eles sempre invocaram, não ousando nunca, nem de longe, esperar que o haveriam
de ver. Mas que por eles foi invocado pelo bem de toda a humanidade e pelo bem
eterno “deles” mesmos. Oh! Só isto é o que eles desejavam para si. Poderem
vê-lo, conhecê-lo, possuí-lo naquela vida que não tem nem auroras, nem
crepúsculos!
Ele está lá, atrás daquela pobre
parede. Quem sabe se o seu coração de Menino, que é também o coração de um
Deus, não ouça estes três corações que, inclinados no pó da estrada, bradam:
“Santo, Santo, Santo. Bendito o Senhor nosso Deus. Glória a Ele nos Céus
Altíssimos, e paz aos seus servos. Glória, glória, glória e bênção”? lsto eles
perguntam, tremendo de amor. Por toda a noite, e na manhã seguinte preparam com
a mais viva oração, o seu espírito, para entrarem em comunhão com o
Deus-Menino.
Eles não vão a este altar, que é
um seio virginal, que traz em si a Hóstia Divina, como vós ides a eles com a
alma cheia de solicitudes humanas. Eles se esquecem do sono e do alimento e se
usam suas mais belas vestes, não é para ostentação humana, mas para prestar
honra ao Rei dos reis. Nos palácios dos soberanos, os dignitários se apresentam
com suas mais belas vestes. Então, não deveriam eles ir apresentar-se a este
Rei com suas vestes de gala? Que festa maior podia haver para eles do que esta?
Oh! Lá em suas terras longínquas,
muitas e muitas vezes precisaram se adornar para prestar honras e oferecer seus
préstimos a homens como eles. Era, pois, justo que se humilhassem aos pés do
Rei supremo e lá depositassem as suas púrpuras e joias, sedas e plumas
preciosas. Pôr lhe aos pés, diante daqueles benditos pezinhos, as fibras da
terra, as gemas da terra, as plumas da terra, os metais da terra - que são
ainda obras Dele - para que também elas, essas coisas da terra, adorem o seu
Criador. Seriam felizes se a Criancinha lhes ordenasse que se estendessem no
chão, como se fossem um tapete vivo, aos seus passinhos de Menino, e os
pisasse, Ele que deixou as estrelas por amor deles, que nada mais são do que
pó.
Humildes e generosos. Obedientes
às “vozes” do Alto. Essas vozes mandam que eles levem presentes ao Rei
recém-nascido. Eles levam presentes. Não dizem: “Ele é rico, e não precisa
disso. Ele é Deus, e não conhecerá a morte”. Eles obedecem. São os primeiros
que acodem à pobreza do Salvador. Como chegou em boa hora aquele ouro, para
quem amanhã deveria sair de sua terra como fugitivo! Como foi significativa
aquela mirra, para quem, dentro em breve, seria morto. Como foi piedoso aquele
incenso, para quem teria que sentir o mau cheiro da luxúria humana fervendo ao
redor de sua infinita pureza! Humildes, generosos, obedientes e respeitosos um
para com o outro. As virtudes geram outras virtudes. Das virtudes voltadas para
Deus, nascem virtudes para o próximo. Respeito que, no fim, é caridade.
Combinaram com o mais velho que lhe tocaria falar por todos, recebendo o
primeiro beijo do Salvador, segurando-o pela mãozinha. Os outros ainda poderão
vê-lo outras vezes. Mas ele, não. Ele está velho, e o dia de sua volta para
Deus está perto. Ele verá o Cristo, depois de sua terrível morte, e o
acompanhará junto com os outros que serão salvos, no dia da volta do Cristo
para o Céu. Mas não o verá mais nesta terra. Então, para seu viático, que lhe
fique o calor daquela mãozinha, que se confiou à sua mão enrugada.
Não há nenhuma inveja nos outros.
Pelo contrário, há até um aumento de veneração para com o mais velho dos sábios.
Mais do que eles, mereceu na certa, e por mais tempo. O Deus-Menino sabe disso.
Ainda não fala, Ele que é a Palavra do Pai, mas os Seus atos são palavras. E
seja bendita a sua inocente palavra, que mostra ser o seu predileto este velho.
Mas, ó filhos, há outros dois
ensinamentos nesta visão. A postura de José, que sabe ficar em “seu” lugar. Ele
está presente como guarda e tutor da Pureza e da Santidade. Mas não é um
usurpador dos direitos delas. É Maria, com o seu Jesus, que está recebendo
homenagens e palavras. José se alegra por ela, não ficando amargurado por ser
uma figura secundária. José é um justo: o Justo. É justo sempre, também nesta
hora. As fumaças da festa não lhe sobem à cabeça. Ele continua humilde e justo.
Ele se sente feliz pelos
presentes. Não por si mesmo. Mas porque pensa que com eles poderá fazer a vida
de sua esposa e do doce Menino mais cômoda. Não existe avidez em José. Ele é um
trabalhador, e continuará a trabalhar. Contanto que “Eles”, os seus dois
amores, tenham o necessário, e algum conforto. Nem ele nem os magos sabem que
aqueles presentes vão servir durante uma fuga e uma vida no exílio, nas quais
as substâncias desaparecem como uma nuvem impelida pelo vento... mas eles vão
servir também para quando voltarem à pátria, depois de terem perdido tudo o que
tinham deixado, os clientes, os móveis, salvando-se somente as paredes da casa
protegida por Deus, porque nela é que Ele se uniu à virgem e se fez Carne.
José é humilde, ele, que é guarda
de Deus e da mãe de Deus, esposa do Altíssimo, chega até a segurar o estribo
para estes vassalos de Deus. José é um pobre carpinteiro, porque a prepotência
humana despojou os herdeiros de Davi de suas propriedades reais. Mas ele é
sempre da estirpe de Davi e tem traços de rei. Também em relação à ele vale
aquele dito: “Era humilde, porque era realmente grande.
Ainda um último, suave e
significativo ensinamento.
É Maria, que segura a mão de
Jesus, que ainda não sabe abençoar, e a guia no gesto santo. É sempre Maria que
segura a mão de Jesus e a guia. Ainda hoje é assim. Agora, Jesus sabe abençoar.
Mas, às vezes, sua mão traspassada cai, cansada e sem poder mais confiar, pois
Ele sabe que é inútil abençoar. Na verdade, vós destruís a minha bênção. Ela
cai também indignada porque vós me maldizeis. Então, é Maria que tira o
desprezo feito a esta mão, ao beija-la. Oh! O beijo de minha mãe! Quem pode
resistir a esse beijo? Depois, ela segura o meu pulso, com seus dedos
delicados, mas que são amorosamente tão imperiosos e me força a abençoar.
Eu não posso repelir a minha mãe.
Mas é preciso que vós vades à procura dela, para fazê-la vossa advogada. Ela é
minha rainha, antes de ser vossa, e o seu amor por vós tem indulgências tais,
que nem o meu conhece. Ela, mesmo sem palavras, mas só com as pérolas do seu
pranto e com a lembrança da minha Cruz, cujo sinal ela me faz traçar no ar,
defende a vossa causa, e ainda me admoesta: Tu és o Salvador. Salva!
Eis, meus filhos, o Evangelho da
fé, na aparição da cena dos Magos. Meditai e imitai. Para o vosso bem.
Pg. 199-212
35 – A FUGA PARA O EGITO. ENSINAMENTOS
SOBRE A ÚLTIMA VISÃO LIGADA À VINDA DE JESUS
O meu espírito vê a seguinte cena. É
noite. José dorme em sua cama no seu pequeno quarto. Um sono tranquilo de quem
descansa de muito trabalho, feito com honestidade e capricho. Eu o vejo na
escuridão do ambiente, rompida apenas por um pouco da luz do luar, que penetra
por uma abertura da janela, encostada, mas não totalmente fechada, como se José
tivesse calor ou quisesse ter aquele pouco de luz, para saber calcular o despontar
da alvorada, levantando-se diligente. Ele está deitado de lado e, no sono,
sorri, quem sabe a qual sonho que esteja tendo. Mas, seu sorriso se transforma
em preocupação.
Ele suspira profundamente, como se faz
quando se tem um pesadelo, e acorda sobressaltado. José se assenta sobre a
cama, esfrega os olhos, e olha ao redor de si. Olha, depois, para a janela, por
onde está entrando a claridade do luar. É noite alta, mas ele pega a roupa, que
está estendida aos pés da cama e, continuando sentado sobre a mesma, a vai
vestindo sobre a túnica branca de mangas curtas que ele trazia sobre a pele.
Afastadas as cobertas, põe os pés no chão e procura as sandálias. Depois ele as
calça e amarra. Põe-se em pé e vai até a porta, que está em frente de sua cama,
não a que está de lado e que dá para o salão onde foram recebidos os Magos.
Ele bate à porta, de leve, só um
toc-toc, com a ponta dos dedos. José deve ter ouvido que está sendo convidado a
entrar, porque abre com cuidado a porta, e a torna a encostar, sem fazer
barulho. Antes de ir até à porta, ele acendeu uma pequena candeia, de um só
bico, e assim tem uma luz para poder andar. Ele entra. Mas, em um quarto pouco
maior do que o seu, e no qual está uma caminha ao lado de um berço, ele vê uma
luzinha já acesa; a chama vacilante, que está a um canto, parece uma estrelinha
de uma luz tênue e dourada, que permite enxergar, mas sem incomodar quem
estiver dormindo.
Maria, porém, não está dormindo. Ela
está ajoelhada junto ao berço, vestida com sua veste clara, e está rezando, velando
a Jesus que dorme tranquilo, Jesus que tem a idade em que o vi na visão dos
Magos. É uma criança de cerca de um ano, bonita, rósea e loira, que está
dormindo, com a cabecinha de cabelos encaracolados afundada no travesseiro, e
com uma mãozinha com o punho fechado, encostada na garganta.
– Não estás dormindo? –pergunta José,
em voz baixa, e admirado – Por que? Jesus não está bem?
– Oh, não! Ele está bem. Eu estou
rezando. Mas certamente depois dormirei. Por que vieste, José?
Maria fala, permanecendo ajoelhada onde
estava. José fala em voz muito baixa, para não despertar o Menino, mas sua voz
é agitada.
– Precisamos ir embora logo daqui. Mas
logo! Prepara o baú e um saco com tudo o que puder caber nele. Eu vou preparar
tudo o mais, e levarei o mais que puder. Ao romper da aurora, fugiremos. Eu
faria isso até antes, mas preciso falar com a dona da casa…
– Mas, por que esta fuga?
– Depois, eu te falarei melhor. É por
causa de Jesus. Um anjo me disse: “Pega o Menino e a mãe, e foge para o Egito.” Não
percas tempo. Eu vou preparar o que puder.
Não há necessidade de dizer a Maria que
não perca tempo. Assim que ela ouviu falar de anjo, de Jesus e de fuga,
compreendeu que está em perigo o seu Filho, pôs-se em pé, branca como se
tivesse um rosto de cera, com uma mão posta sobre o coração, angustiada. Logo
começou a mover-se, desembaraçada e ligeira, e a arrumar as roupas no baú e num
grande saco, que ela estendeu sobre o leito, e que ainda não foi usado.
Certamente está aflita, mas não perde a
cabeça, e faz tudo apressadamente, mas com ordem. De vez em quando, ao passar
por perto do berço, olha para o Menino, que está dormindo sem saber de nada.
– Estás precisando de ajuda?
–pergunta-lhe José, de vez em quando, pondo a cabeça para dentro da porta, que
está entreaberta.
– Não, obrigada –responde sempre Maria.
Somente quando o saco está cheio, e
fica pesado, é que ela chama José para ajudá-la a fechá-lo e levantá-lo da
cama. Mas José não quer ser ajudado e faz tudo sozinho, pegando o grande
volume, e levando o para o seu quartinho.
– Pego também as cobertas de lã? –
pergunta Maria.
– Pega o mais que puderes. Porque o que
ficar estará perdido. Por isso, o mais que puderes, apanha-o!
Para nós vai ser bom, porque… porque
teremos pela frente uma longa viagem, Maria!
José fica muito sentido, ao ter que
dizer isso. Pode-se imaginar como está Maria. Suspirando, ela vai dobrando suas
colchas e as de José e ele as amarra com uma corda:
– Vamos deixar os acolchoados e as
esteiras – diz ele, enquanto amarra as colchas–. Ainda que eu levasse três
burrinhos, não posso sobrecarregá-los demais. Temos que fazer uma longa e
incômoda viagem, uma parte pelas montanhas, e outra pelo deserto. Cobre bem
Jesus. As noites serão frias tanto nas montanhas, como no deserto. Apanhei os presentes
dos Magos, porque eles nos serão úteis lá embaixo. Tudo o que eu tiver gastarei
para comprar os dois burrinhos. Nós não podemos mandá-los de volta, e por isso
eu preciso adquiri-los. Eu vou, sem ficar esperando o romper da aurora. Sei
onde procurá-los. Tu, acabas de preparar tudo.
E sai. Maria recolhe ainda alguns
objetos e, depois de ter ido ver Jesus, sai e volta com duas pequenas vestes
que parecem estar ainda úmidas, talvez tenham sido lavadas no dia anterior. Ela
as dobra e envolve em um pano e as ajunta com as outras coisas. Já não há mais
nada. Ela olha ao redor e vê um brinquedo de Jesus em um canto: é uma ovelhinha
entalhada em madeira. Ela a pega com um soluço, e a beija. A madeira está com
os sinais dos dentinhos de Jesus, e as orelhas da ovelhinha estão mordiscadas.
Maria acaricia aquele objeto sem valor, feito com uma madeira clara e comum,
mas que para ela é de grande valor, porque lhe fala do afeto de José por Jesus
e lhe fala também do seu Menino. Por isso o põe também junto com as outras
coisas sobre o baú já fechado.
Agora, já não há mais nada mesmo. Só
falta Jesus, que ainda está em seu bercinho. Maria acha que é bom prepará-Lo
também. Vai ao berço e o sacode um pouco para despertá-Lo. Mas Ele dá apenas um
leve sinal, e virando-se para o outro lado, continua a dormir. Maria o acaricia
de leve, sobre os caracoizinhos.
Jesus abre a boquinha para um bocejo.
Maria se inclina e o beija na face. Jesus acaba de despertar. Abre os olhos. Vê
a mamãe, e sorri, e estende as mãozinhas para o seio dela.
– Sim, amor da mamãe. Sim, o leite.
Antes da hora habitual… Mas Tu estás sempre pronto para sugar tua mamãe, meu
santo cordeirinho!
Jesus ri e brinca, agitando os pezinhos
para fora das cobertas, agitando os braços com uma daquelas alegrias de criança,
tão bela de se ver. Ele apoia os pezinhos sobre o estômago da mãe, curva-se
como um arco e apoia também a cabecinha loira sobre o seu seio e, depois, se
atira para trás, rindo, com as mãozinhas agarradas aos cordõezinhos que ajustam
o vestido ao pescoço de Maria, procurando abri-lo. Em sua camisinha de linho
Ele está muito bonito, gorducho, rosado como uma flor. Maria se inclina e,
estando assim por cima do berço como uma proteção, chora e sorri ao mesmo
tempo, enquanto o Menino balbucia aquelas palavras, de todos os bebês, que não
são palavras, e entre as quais ouve-se já clara e repetidamente a palavra
“mamãe”. Ele olha para ela, admirado por vê-la chorar. Estende uma mãozinha
para as lágrimas que caem, e se deixa molhar por aquelas carícias. Gracioso,
torna a apoiar-se no seio materno, e se encolhe todo, acariciando-o com sua
mãozinha. Maria o beija por entre os cabelos, e o pega no colo, senta-se e o
veste. O vestidinho de lã já está posto, e as sandalinhas também. Maria lhe dá
de mamar, Jesus suga contente o bom leite de sua mamãe e, quando percebe que da
direita está vindo menos, procura a esquerda, ri ao fazer isso, olhando de alto
a baixo para sua mamãe. Depois adormece de novo sobre o seio dela. Sua bochecha
rosada e gorducha está ainda contra o seio branco e redondo. Maria se levanta,
lentamente, e o coloca sobre a colcha de seu leito. Cobre-o com o seu manto.
Volta ao berço e dobra as pequenas cobertas. Fica pensando se não será bom
pegar também o pequeno colchão. É tão pequeno! Pode-se levar. Então, Ela o
coloca, junto com o travesseiro, perto das coisas já postas sobre o baú. Chora
sobre o berço vazio a pobre mãe, que está sendo perseguida com seu Filho.
José já está de volta.
– Estás pronta? Jesus está pronto?
Pegaste as suas cobertas, a sua caminha? Não podemos levar o berço, mas pelo
menos que Ele tenha o seu pequeno colchão, pobre Pequenino, que procuram a sua
morte!
– José!
Maria dá um grito, enquanto se agarra
ao braço de José.
– Sim, Maria, a sua morte. Herodes o
quer morto… porque tem medo… por causa do seu reino humano, ele tem medo deste
Inocente, aquela fera imunda. Que irá ele fazer, quando ficar sabendo que o
Menino fugiu, eu não sei. Mas nós já estaremos longe. Não creio que ele queira
se vingar, procurando-o até na Galileia. Já lhe seria muito difícil descobrir
que nós somos galileus, e mais ainda, que nós somos de Nazaré, e quem é que
somos exatamente. A não ser que Satanás o ajude, para agradecê-lo por ser-lhe
um servo fiel.
Mas… se isso acontecesse… Deus nos
ajudará do mesmo modo. Não chores, Maria. Ver-te chorar é para mim uma dor bem
mais forte do que a de ter que ir para o exílio.
– Perdoa-me, José. Não é por mim que eu
choro, nem pelas poucas coisas que vamos deixar. Eu choro por ti… Já tiveste
que sacrificar-te tanto! E agora tornas a ficar de novo sem clientes e sem
casa. Quanto eu custo para ti, ó José!
– Quanto? Não, Maria. Tu não me custas
nada. Tu me consolas. Sempre. Não fiques pensando no dia de amanhã. Nós temos
as riquezas dos magos. Elas nos ajudarão nos primeiros tempos. Depois, eu
acharei trabalho. Um operário honesto e que tenha capacidade, logo abre
caminhos. Já viste como foi aqui. As horas não me bastam para o trabalho que
tenho.
– Eu sei. Mas, quem te aliviará da
saudade?
– E a ti, quem te aliviará da saudade
daquela casa de que tanto gostas?
– Jesus. Tendo-o, tenho o que lá tive.
– E eu, tendo Jesus, tenho a pátria a
qual tenho esperado até a poucos meses. Tenho o meu Deus. Estás vendo como não
vou perder nada do que me é mais querido sobre todas as coisas. Basta que
salvemos a Jesus, que tudo ficará conosco. Mesmo que não tivéssemos mais de ver
este céu, estes campos, nem aqueles ainda mais queridos da Galileia, teríamos
sempre tudo, porque o temos. Vem, Maria, que o amanhecer está chegando. É hora
de irmos saudar a nossa hospedeira e pegar as nossas coisas. Tudo irá bem.
Maria se levanta, obediente. Envolve-se
no manto, enquanto José está fazendo um último embrulho, e depois sai,
transportando-o. Maria soergue delicadamente o Menino, e o envolve com um xale,
apertando-o contra o coração. Olha para as paredes que a hospedaram durante
alguns meses, e, com uma mão, toca nelas de leve. Feliz casa, que mereceu ser
amada e abençoada por Maria!
Ela sai. Atravessa o pequeno quarto,
que era de José, e entra no salão. A dona da casa, em lágrimas, a beija e
saúda, e, levantando uma das extremidades do xale, beija na fronte o Menino,
que está dormindo tranquilo. Descem pela escadinha externa.
Vem chegando uma primeira claridade da
aurora, quando se começa a ver alguma coisa. Naquela pouca luz, pode-se ver
três burrinhos. O mais robusto está carregado com as alfaias. Os outros, estão
selados. José faz força para acomodar bem o baú e os embrulhos sobre a albarda
do primeiro. Vejo as suas ferramentas de carpinteiro, amarradas em pacotes,
dentro do saco.
Ainda há saudações e lágrimas. Depois
Maria monta no seu burrinho, enquanto a dona da casa segura Jesus no colo, e o
beija ainda, devolvendo-O depois a Maria. José monta também, tendo antes
amarrado o seu jumento ao outro jumento, que vai com a bagagem, a fim de ficar
com a mão livre para segurar o burrinho de Maria, pelo cabresto. A fuga tem
início, enquanto Belém, que sonha ainda com a fantástica cena dos Magos, dorme quieta,
sem saber o que a espera.
E a visão cessa assim.
Diz Jesus:
“Também
as visões desta série terminam assim. Em boa paz com os doutores difíceis,
viemos te mostrando as cenas que precederam, que acompanharam e que se seguiram
à minha vinda, não pelas cenas em si mesmas, pois são muito conhecidas, por
mais que tenham sido alteradas, por elementos sobrepostos através dos séculos,
sempre por causa daquele modo de ver humano que, para dar maior louvor a Deus,
e por isso é perdoado, torna irreal o que é tão belo, se for deixado como é.
Porque a minha humanidade e a de Maria não ficam por isso diminuídas, assim
como não fica ofendida a minha Divindade e a Majestade do Pai e o Amor da
Santíssima Trindade, por uma visão das coisas em sua realidade, mas ao contrário,
esplendem os méritos de minha mãe e a minha humildade perfeita. Assim como daí
é que fulgura a bondade onipotente do Eterno Senhor. Mostramos estas cenas para
poder aplicar a ti e aos outros o sentido sobrenatural que surge daí, dando-vos
como norma de vida.
O
Decálogo é a Lei. O meu Evangelho é a doutrina que vos torna mais clara essa
Lei e mais desejável para ser seguida. Bastariam esta Lei e essa Doutrina para
fazer os homens santos.
Mas vós
estais tão embaraçados com a vossa humanidade, que na verdade, em vós
ultrapassa demais ao espiritual, que não podeis seguir por estas vias, sem
cair, ou então, parar, desencorajados. Dizeis a vós e a quem queria fazer que
vos adiantásseis, citando-vos os exemplos do Evangelho: Jesus, Maria, José, e
assim por diante todos os santos, não eram como nós. Eles eram fortes, foram
logo consolados em suas dores, até nas pequenas dores que sentiram. Eles não
sentiam paixões. Eram já seres fora da terra.
Ah!
Aquelas pequenas dores! Ah! Não sentiam as paixões!
A dor
foi para nós a amiga fiel, e teve todos os mais variados aspectos e nomes. As
paixões. Não useis erradamente um vocábulo, chamando de paixões os vícios, que
vos desencaminham. Chamai-os sinceramente de vícios e, além disso, capitais.
Quanto aos vícios, não é que os ignorássemos. Nós tínhamos olhos e ouvidos para
ver e ouvir, e Satanás fazia dançar esses vícios à nossa frente, mostrando-os
nas obras, com a sua imundície, ou tentando-nos com as suas insinuações. Mas a
nossa vontade inclinada a tornar-nos agradáveis a Deus, fazia com que aquela
imundície e aquelas insinuações, em vez de satisfazerem o objetivo de Satanás,
provocasse o contrário. Quanto mais ele trabalhava, mais nós nos refugiávamos
na luz de Deus, por repugnância das trevas lamacentas, colocada diante dos
nossos olhos carnais ou espirituais.
Nós não
ignoramos as paixões no sentido filosófico. Nós amamos a pátria, com a nossa
pequena Nazaré, cidade que amamos mais do que qualquer outra da Palestina. Nós
sentimos afeto por nossa casa, pelos parentes e amigos. Por que não haveríamos
de sentir? Não nos tornamos escravos deles, porque nada nos deve possuir, a não
ser Deus. Mas fizemos deles bons companheiros.
Minha
mãe exultou de alegria, quando quatro anos depois voltou a Nazaré e pôs o pé em
sua casa, podendo beijar aquelas paredes, dentro das quais o seu “sim” lhe
abriu o ventre para receber o Embrião de Deus. José saudou com alegria parentes
e sobrinhos, crescidos em número e idade, e se alegrou ao ver-se imediatamente
lembrado pelos concidadãos, também por sua capacidade profissional. Eu próprio
fui sensível às amizades e sofri, como uma crucificação moral pela traição de
Judas. Que dizer de tudo isso? Nem minha mãe, nem José preteriram a casa ou os
parentes à vontade de Deus.
E Eu
não poupei palavras, quando foi preciso, mesmo quando elas atraíam o ódio dos
hebreus e a antipatia de Judas sobre mim. Eu sabia, e teria podido fazê-lo, que
teria bastado dinheiro para subjugá-lo a mim. Não a mim como Redentor, mas a mim
riqueza. Eu que multipliquei os pães, podia multiplicar também o dinheiro, se
quisesse. Mas Eu não tinha vindo procurar satisfações humanas de ninguém. Muito
menos dos que foram chamados por mim. Eu havia pregado a necessidade do
sacrifício, do desapego, de uma vida casta, de posições humildes. Que Mestre e
que Justo teria sido, se tivesse dado dinheiro para alimentar o sensualismo
mental e físico de alguém, como único meio para segurá-lo?
No meu
Reino os grandes se tornam assim, fazendo-se pequenos. Quem quer ser grande aos
olhos do mundo, não está preparado para reinar no meu Reino. Esse é palha para
a cama dos demônios. Porque a grandeza do mundo está em contraste com a Lei de
Deus.
O mundo
chama grandes os que, com meios quase sempre ilícitos, sabem ocupar as melhores
posições e, para conseguirem isso, fazem do próximo um degrau sobre o qual
sobem, pisando nele. Chama grandes aqueles que sabem matar para reinar, matar
moral ou materialmente e, pela extorsão, conseguem posições e lugares, e
enriquecem, sugando o sangue dos outros em suas riquezas particulares ou
coletivas. O mundo muitas vezes chama os delinquentes de grandes. Não! A
grandeza não está na delinquência. Está na bondade, na honestidade, no amor, na
justiça. Vede os vossos grandes, que frutos envenenados vos oferecem, colhidos
no seu malvado e demoníaco pomar interior.
A
última visão, pois eu quero falar dela e deixar de falar de outros assuntos que
são tão inúteis, e o mundo não quer ouvir a verdade que lhe interessa, é uma
visão que ilumina um ponto particular citado duas vezes no Evangelho de Mateus,
numa frase repetida duas vezes: “Levanta, pega o Menino e sua mãe, e foge para
o Egito.” “Levanta, pega o Menino e a mãe dele e volta para a terra de Israel.”
E como
viste, Maria estava sozinha com o Menino no quarto. A virgindade de Maria após
o parto e a castidade de José são muito combatidas por aqueles que, por serem
lama podre, não admitem que alguém possa ser asa e luz. São infelizes, com
coração tão corrompido, com mente que se prostituiu tanto à carne, que se
tornaram incapazes de pensar que alguém como eles possa respeitar a mulher, ver
nela a alma e não a carne, elevando-se a si mesmos, vivendo em uma atmosfera
sobrenatural, apetecendo-se de Deus, e não da carne.
Pois
bem. Aos negadores do belo, a estes vermes, incapazes de se tornarem
borboletas, a estes répteis cobertos pela baba de sua libidinagem, incapazes de
compreender a beleza de um lírio, a estes Eu digo que Maria foi e permaneceu
virgem, e que só sua alma foi casada com José, com o seu espírito se uniu
unicamente ao Espírito de Deus e, por obra Dele ela concebeu o seu único Filho:
Eu, Jesus Cristo, Unigênito de Deus e de Maria.
Isto
não é uma tradição que floresceu mais tarde, por um amoroso respeito para com a
Bem-aventurada, que foi minha mãe. Mas é uma verdade que desde os primórdios
tempos foi conhecida.
Mateus
não nasceu séculos depois, ele foi contemporâneo de Maria. Mateus não era um
pobre ignorante, que tivesse vivido nas selvas, com facilidade de acreditar em
qualquer história. Era um fiscal da receita, como diríeis hoje, ou um cobrador
de gabelas, como naquele tempo dizíamos. Ele sabia ver, ouvir, compreender,
separar o verdadeiro do falso. Mateus não ouviu as coisas por meio de
terceiros. Mas ele as recolheu dos lábios de Maria, à qual o seu amor pelo
Mestre e pela verdade o havia levado a fazer perguntas.
Não
posso chegar a pensar que esses negadores da inviolabilidade de Maria pensem
que ela tenha podido mentir. Os meus próprios parentes a teriam podido
desmentir, se ela tivesse tido outros filhos, pois Tiago, Judas, Simão e José
eram condiscípulos de Mateus. Por isso seria fácil confrontar as versões, se
outras houvessem. Mateus nunca diz: “Levanta e pega tua mulher”, ele diz: “Pega
a mãe Dele”. Antes diz: “Virgem desposada a José”, “José, seu esposo.”
Não me
venham dizer que isso era um modo de falar dos hebreus, como se dizer a palavra
“mulher” já fosse uma infâmia. Não, negadores da Pureza. Desde as primeiras
palavras do Livro, se lê: “...e se unirá à sua mulher.” Ela é chamada
“companheira”, até o momento da consumação sexual do casamento; mas depois é
chamada “mulher”, em diversas passagens e em diversos capítulos. E assim
acontece com as esposas dos filhos de Adão. É assim que Sara é Chamada “mulher”
de Abraão. “Sara tua mulher”, e: “Toma tua mulher e as tuas duas filhas” foi
dito a Ló. E no Livro de Rute está escrito: “A moabita, mulher de Maalon”. E no
primeiro Livro dos Reis está dito: “Elcana teve duas mulheres”; e ainda mais:
“depois, Elcana conheceu sua mulher Ana”; e ainda: “Eli abençoou Elcana e a
mulher dele.” E sempre no Livro dos Reis foi dito: “Bate-Seba, mulher de Urias,
o heteu, tornou-se mulher de Davi, e lhe deu um filho.” O que se lê no livro
azul de Tobias, aquilo que a Igreja canta para vós nas vossas núpcias, para
aconselhar-vos a serem santos no matrimônio? Lê-se: “Ora, quando Tobias chegou
com sua mulher e com o filho...”, e ainda: “Tobias conseguiu fugir com o filho
e com a sua mulher...”
Nos
Evangelhos, isto é, nos tempos de Cristo, nos quais se escrevia relativamente
àqueles tempos antigos em linguagem moderna, não havendo portanto necessidade
de se pensar em erros de transcrições, foi dito pelo próprio Mateus no cap. 22:
“... o primeiro, tendo-a tomado por mulher, morreu e deixou a mulher ao irmão.”
Marcos, no cap. 10: “Quem repudia a mulher...” Lucas chama Isabel de mulher de
Zacarias quatro vezes em seguida, e no oitavo capítulo diz: “Joana, mulher de
Cusa.”
Como
estais vendo, não era este nome um vocábulo proscrito para quem estava nos
caminhos do Senhor, um vocábulo imundo que não era digno de ser proferido, e,
muito menos escrito onde se trata de Deus e das suas admiráveis obras. O anjo
dizendo: “O Menino e a mãe Dele”, vos demostra que Maria foi mãe verdadeira,
mas não foi mulher de José. Ela permaneceu sempre a virgem desposada a José.
Este é
o último ensinamento destas visões. É uma auréola que resplende sobre a cabeça
de Maria e de José. A virgem imaculada. O homem justo e casto. Os dois lírios
entre os quais eu cresci, ouvindo só fragrâncias de pureza.
A ti,
pequeno João, eu poderia falar sobre a dor de Maria por seu duplo afastamento
de sua casa e de sua pátria. Mas não há necessidade de palavras. Compreendo que
seja isso, e disso desfaleces. Dá-me a tua dor. Só quero isto. É mais do que
qualquer outra coisa que me possa dar. Hoje é sexta-feira, Maria. Pensa na
minha dor e de Maria sobre o Gólgota, para que possa suportar a tua cruz. A paz
e o nosso amor fiquem contigo.
Pg. 212 – 221
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36 – A SAGRADA FAMÍLIA NO EGITO.
UMA LIÇÃO PARA AS FAMÍLIAS
25 de janeiro de 1944.
Uma suave visão da Sagrada Família. O lugar é o Egito. Não
tenho dúvidas disso, porque vejo o deserto e uma pirâmide. Vejo uma casinha de
um só andar térreo, toda branca. É uma pobre casa de gente muito pobre. As
paredes são apenas rebocadas e cobertas com uma mão de cal. A pequena casa tem
duas portas, uma perto da outra, e dão para os dois únicos cômodos da casa, nos
quais, por enquanto, eu não entro. A casinha está no meio de um pequeno terreno
arenoso, cercado por bambus fincados no chão, cerca esta muito fraca contra os
ladrões; pode, quando muito, servir para deter algum cachorro ou gato vadio.
Mas, quem é que vai ter a vontade de ir roubar, onde se vê que nem existe
sombra de riqueza?
Este pequeno terreno foi pacientemente cultivado, apesar de a
terra ser árida e pobre, para nela se fazer uma pequena horta e é cercado por
uma sebe de bambus, sobre a qual, para torná-la mais firme e bonita, foram plantadas
trepadeiras, que me parecem modestos convólvulos. De um dos lados, há uma moita
de jasmim em flor e outra de rosas comuns. Vejo ali algumas verduras muito
comuns, nos poucos canteiros do centro, debaixo de uma árvore alta, que não sei
dizer qual é, mas que dá um pouco de sombra para o terreno ensolarado e para a
casinha. Nesta árvore está amarrada uma cabrita branca e preta, que arranca e
come as folhas de alguns ramos que caíram no chão.
Ali perto, sobre uma esteira estendida no chão, está o Menino
Jesus. Parece-me ter uns dois anos, ou dois e meio no máximo. Está brincando
com pedacinhos de madeira entalhada, que parecem ovelhinhas ou cavalinhos, e
com algumas maravilhas de madeira clara, menos encaracoladas do que os caracóis
de ouro do seu cabelo. Com suas mãozinhas gorduchas, ele procura colocar esses
colares de madeira no pescoço de seus animaizinhos.
Ele é bom e sorridente. Muito bonito. Uma cabecinha cheia de
caracoizinhos de ouro, pele clara e delicadamente rosada, olhinhos vivos,
brilhantes, muito azuis. Sua expressão natural está diferente, mas eu reconheço
a cor dos olhos do meu Jesus: são duas safiras escuras e muito belas.
Está vestindo uma espécie de longa camisinha branca, que
certamente deve ser a sua túnica. Suas mangas vão até os cotovelos. Nos pés,
por ora, não tem nada. As minúsculas sandálias estão sobre a esteira, servindo
também de brinquedo para o Menino, que põe sobre a sola os seus bichinhos e
puxa a sandália pela correia, como se fosse um carrinho. São sandálias muito
simples: uma sola e duas correias que partem, uma da ponta, e outra do
calcanhar. A da ponta, depois se abre em duas partes, em um certo ponto, e
passa por dentro de um furo da correia, que vem do calcanhar, para ir depois
atar-se com o outro pedaço e formar uma argola no peito do pé.
A pouca distância dali, à sombra de uma árvore, também está
Maria. Está tecendo em um tear rústico, vigiando o Menino. Vejo suas mãos
delicadas e brancas, que vão e vêm, atirando a lançadeira sobre a trama, e o
pé, calçado com sandália, movendo o pedal. Está vestida com uma túnica da cor
flor de malva: um roxo meio rosado, como o de certas ametistas. Sua cabeça está
descoberta e assim posso ver que seus cabelos loiros estão repartidos ao meio e
penteados de modo simples, em duas tranças, que lhe formam uma bela madeixa
sobre a nuca. Maria está de mangas compridas, e um tanto estreitas. Nenhum
enfeite, além de sua beleza e da sua doce expressão. A cor da face, dos cabelos
e dos olhos e a forma do rosto é sempre a mesma quando a vejo. Parece muito
jovem. Pelo sim, pelo não, podem dar-se-lhe uns vinte anos.
A um certo momento, ela se levanta e se inclina sobre o
Menino, põe-lhe de novo as sandalinhas, e as amarra com todo o cuidado. Depois,
o acaricia e o beija sobre a cabecinha e sobre os olhinhos. O Menino balbucia e
ela responde, mas não compreendo as palavras. Depois ela volta ao seu tear,
estende um pano sobre a tela e sobre a trama, pega o banco sobre o qual estava
sentada, e o leva para casa. O Menino a segue com o olhar, sem importuná-la,
quando ela o deixa sozinho.
Vê-se que o trabalho terminou, e que a tarde está chegando.
De fato, o sol desce sobre as areias nuas, e um verdadeiro incêndio invade o
céu inteiro, atrás da longínqua pirâmide.
Maria volta. Pega Jesus pela mão, e o faz levantar-se de sua
esteira. O Menino obedece sem resistência. Enquanto a mamãe recolhe os
brinquedos e a esteira, e os leva para casa, Ele corre aos pulinhos com suas
perninhas torneadas, ao encontro da cabritinha, lançando-lhe os bracinhos ao
pescoço.
A cabrita bale, e esfrega o focinho nas costas de Jesus.
Maria volta de novo. Agora está com um longo véu sobre a cabeça, e com uma
ânfora na mão. Pega Jesus pela mãozinha, e põem-se os dois a caminho, andando
ao redor da casa, para chegarem do outro lado.
Eu os acompanho, admirando a graça deste quadro. Maria, que
regula o seu passo pelo do Menino, e o Menino que vai dando pulinhos ao seu
lado. Vejo os calcanhares rosados dele, que se levantam e se põem outra vez no
chão, sobre a areia da vereda, com a graça própria das crianças. Noto que a
pequena túnica não lhe chega até os pés, mas só até a metade da barriga da
perna. A túnica é muito bonita, muito simples, ajustada à cintura por um
cordãozinho também branco.
Vejo que à frente da casa, a sebe é interrompida por uma
rústica cancela, que Maria abre para sair para a estrada. É um pequeno caminho,
desses que há nas periferias de uma cidade, ou lugarejo, no ponto em que este
se limita com os campos, que aqui são formados pela areia e por uma ou outra
casinha, pobre como esta, com algumas pequenas hortas de escassas verduras.
Não vejo ninguém. Maria não olha para o campo e sim para o
centro, como se estivesse esperando alguém, depois se dirige para um pequeno
tanque ou poço, que está a uns dez metros, mais ou menos, e sobre o qual
algumas palmeiras fazem um círculo de sombra. Vejo que ali também o terreno tem
ervas verdes.
Agora vejo, vindo pelo caminho um homem, não muito alto, mas
robusto. Reconheço que é José, que vem sorrindo. Está mais jovem do que quando
eu o vi na visão do Paraíso. Parece ter, no máximo, quarenta anos. Está com os
cabelos e a barba crescidos e pretos, a pele bastante bronzeada, os olhos
escuros. Um rosto honesto e agradável, um rosto que inspira confiança.
Vendo Jesus e Maria, ele apressa o passo. Traz sobre o ombro
esquerdo uma espécie de serra e uma espécie de plaina, e com a mão está
segurando outras ferramentas do seu ofício, não como as de hoje, mas quase
iguais.
Parece que está voltando de algum trabalho na casa de alguém.
Está com uma roupa entre a cor avelã e o marrom, não muito comprida, que chega
a uma boa altura acima do tornozelo, e tem as mangas curtas até o cotovelo. À
cintura, tem uma cinta de couro, me parece. Uma verdadeira roupa de trabalho.
Nos pés leva sandálias atadas ao tornozelo.
Maria sorri, e o Menino solta gritinhos de alegria e estende
o bracinho que está livre. Quando os três se encontram, José se inclina,
oferecendo ao Menino uma fruta, que me parece ser uma maçã, pela cor e pela
forma. Depois lhe estende os braços, e o Menino deixa a mamãe, e vai-se aninhar
nos braços de José, curvando a cabecinha na cavidade do pescoço de José que o
beija e por ele é beijado. São gestos cheios de graça e de afeto.
Eu ia me esquecendo de dizer que Maria foi solícita em ir
apanhar as ferramentas de trabalho de José, a fim de deixá-lo com os braços
livres para poder abraçar o Menino.
Depois, José, que tinha se abaixado para poder ficar à altura
de Jesus, se levanta, pega novamente com a mão esquerda as suas ferramentas e,
com o braço direito, segura apertado contra o seu peito o pequeno Jesus. E se
dirige para a casa, enquanto Maria vai à fonte encher a sua ânfora.
Tendo entrado no recinto da casa, José põe o Menino no chão,
pega o tear de Maria e o leva para casa, depois vai tirar o leite da cabrita.
Jesus observa atentamente essas operações e a do fechamento da cabrita num
pequeno cubículo, que está ao lado da casa.
A tarde cai. Vejo o vermelho do pôr-do-sol ir-se tornando
violáceo sobre as areias que, por causa do calor, parecem tremular. A pirâmide
parece mais escura. José entra em casa, em um dos cômodos da casa que deve ser
oficina, cozinha e sala de jantar, ao mesmo tempo. Vê-se que o outro cômodo é o
quarto de dormir. Mas nele eu não entro. Aí há uma lareira baixa, que está acesa.
Há também um banco de carpinteiro, uma pequena mesa, bancos, prateleiras com
umas poucas louças e duas candeias. Em um canto está o tear de Maria. E muita
ordem e limpeza. Morada muito pobre mas muito limpa.
Eis uma observação que pude fazer: em todas as visões
referentes à vida humana de Jesus, notei que, tanto Ele, como Maria, como José,
como João, estão sempre ordenados e limpos em suas roupas e na cabeça. Roupas
modestas e penteados simples, mas de uma limpeza que os faz parecerem pessoas
de grande distinção.
Maria volta com a ânfora e, em seguida, fecha a porta, pois o
crepúsculo chegou de repente. O quarto é iluminado por uma candeia que José
acendeu e pôs sobre o seu banco, onde ele está trabalhando debruçado sobre umas
pequenas peças de madeira, enquanto Maria prepara o jantar. O fogo também está
clareando o quarto. Jesus, com as mãozinhas apoiadas sobre o banco, e a
cabecinha virada para cima, está observando o que José faz.
Depois eles se aproximam da mesa, tendo rezado antes. Não
fazem, é natural, o sinal da cruz, mas rezam. É José que reza, e Maria
responde. Mas eu não entendo nada. Deve ser um salmo. Mas foi dito em uma
língua que para mim é totalmente desconhecida.
Aí é que se sentam à mesa. Agora a candeia está sobre a mesa.
Maria está com Jesus em seu colo, e o faz beber do leite da cabrita, no qual
ela vai molhando pequenas fatias de pão, tiradas de um pãozinho redondo, de
crosta escura, e escuro também por dentro. Parece pão feito com centeio ou
cevada. Deve ter muito farelo, porque está cinzento. Enquanto isso, José está
comendo pão e queijo, uma fatiazinha de queijo e muito pão. Depois Maria coloca
Jesus sentado sobre um banquinho perto dela, e põe sobre a mesa verduras
cozidas — parecem cozidas na água e temperadas como costumamos fazer — e come
ela também, depois de José ter-se servido.
Jesus, tranquilo, está mordiscando sua maçã, e sorri,
mostrando os dentinhos brancos. O jantar termina com umas azeitonas ou com
tâmaras. Não entendo bem, porque para serem azeitonas, estão claras demais; e,
para serem tâmaras estão por demais duras. De vinho, nada. É um jantar de gente
pobre.
Mas é tão grande a paz que se respira neste quarto, que nem a
visão de um palácio real, por mais pomposo que fosse, me poderia dar uma paz
semelhante. Quanta harmonia!
Jesus nesta noite não fala. Não veio me ilustrar a cena. Ele
me ensina com o seu dom da visão, e basta. Por isso seja Ele sempre e
igualmente bendito.
Jesus diz:
– A lição para ti e para os
outros é dada pelas coisas que estás vendo. É lição de humildade, de resignação
e de boa harmonia. Posta como exemplo a todas as famílias cristãs, e
especialmente às famílias cristãs deste especial e doloroso momento.
Tu viste uma casa pobre. O que é
mais doloroso, uma casa pobre em país estrangeiro. Muitos, só porque são dos
fiéis “passáveis”, que rezam e me recebem na Eucaristia, rezam e comungam pelas
“suas” necessidades, não pelas necessidades das almas e pela glória de Deus,
porque é raro alguém rezar sem ser egoísta, muitos pretenderiam ter uma vida
material fácil, bem protegida de qualquer menor sofrimento, próspera e feliz.
José e Maria tinham a Mim, Deus
verdadeiro, como seu Filho e, no entanto, não tiveram nem o pobre bem de serem
pobres na própria pátria, no lugar onde eram conhecidos, onde ao menos tinham a
“própria” casinha, e um alojamento não era uma preocupação constante entre
tantas outras, naquele lugar onde, por serem conhecidos, era mais fácil
encontrar trabalho e prover-se do necessário para a vida. Eles são dois
fugitivos, e justamente porque Me têm consigo. O clima é diferente, o lugar é
diferente, tão triste em comparação com os doces campos da Galileia, língua e
costumes diferentes, em meio a uma população que não os conhece, e que tem a
habitual desconfiança para com desconhecidos.
Privados daqueles móveis cômodos
e estimados da “sua” casinha, de tantas coisas humildes mas necessárias que lá
havia, e que não pareciam tão necessárias, enquanto que aqui, neste nada que os
rodeia, parecem tão belas, como aquelas coisas supérfluas, que tornam as casas dos
ricos deliciosas.
Com saudade da cidade e da casa,
com o pensamento naquelas pobres coisas lá deixadas, do pomar, do qual talvez
ninguém esteja cuidando, da videira e da figueira e de outras muitas árvores
úteis. Com a necessidade de prover ao alimento de cada dia, às roupas, ao fogo,
dia após dia, às Minhas necessidades de criança, à qual não se pode dar o
alimento dos grandes.
Com tanto desgosto no coração.
Pelas saudades, pelo amanhã, que ainda é desconhecido, pela desconfiança de um
povo que se esquiva, principalmente nos primeiros tempos, a aceitar as ofertas
de trabalho de dois desconhecidos.
Contudo, tu viste a casa. Naquela
morada paira a serenidade, o sorriso, a concórdia, e se procura torná-la mais
bela de comum acordo; também a pobre hortinha, para que fique parecida com a
que foi deixada, e mais confortável. Nesta casa só há um pensamento: que esta
terra se torne menos hostil, menos miserável para mim, Santo, que venho de
Deus. O amor destas pessoas de fé, que são os meus pais, amor que se manifesta
em mil cuidados, desde a cabrita que compraram a preço de muitas horas extras
de trabalho, até aos brinquedos entalhados em sobras de madeira, às frutas
apanhadas só para mim, sem que delas eles nem provassem.
Meu querido pai da terra, como
foste amado por Deus, por Deus Pai no alto dos Céus, por Deus Filho, que se fez
Salvador sobre a terra! Naquela casa não houve nervosismos, mau humor, caras
fechadas, nem reprovações recíprocas, nem, muito menos, se falou contra Deus,
que não os cumulou com o bem-estar material. José não censura Maria por ser
causa de suas dificuldades, nem Maria censura José por ele não saber-lhe dar um
maior bem-estar. Eles se amam santamente, eis a explicação. Portanto, a
preocupação não é com o próprio bem-estar, mas cada um se preocupa com o outro.
O verdadeiro amor não conhece egoísmo. O verdadeiro amor é sempre casto, mesmo
sem castidade perfeita dos dois esposos virgens. A castidade unida à caridade
leva consigo todo um acompanhamento de outras virtudes, fazendo de dois que se
amam castamente, duas perfeições de cônjuges.
O amor de minha mãe e de José era
perfeito. Por isso ele era um incentivo para todas as outras virtudes e
especialmente para a da caridade para com Deus, bendito em todo tempo, não
obstante sua santa vontade fosse penosa para a carne e o coração, bendito
porque, acima da carne e do coração, o espírito estava mais vivo e senhor nos
dois santos. Este espírito, com reconhecimento, exaltava o Senhor, por tê-los
escolhido para serem guardas do seu eterno Filho.
Naquela casa se rezava. Agora
reza-se pouco nas casas. Nasce o dia e chega a noite, começam-se os trabalhos,
e sentai-vos à mesa sem um pensamento dirigido ao Senhor, que vos permitiu ver
um novo dia, podendo chegar a uma nova noite, que abençoou as vossas fadigas,
concedendo que essa fadigas se tornassem o meio de conquistar aquele alimento
que o fogo cozinhou, as vestes que vestis, aquele teto, todo o necessário à
vossa natureza humana. Sempre é “bom” o que vem do bom Deus. Ainda quando pobre
e escasso, o amor lhes dá sabor e substância, esse amor que vos faz ver o Pai
que vos ama no eterno Criador.
Naquela casa há frugalidade.
Haveria, mesmo que o dinheiro não faltasse. Eles se nutrem para viver, e não
para agradar à gula, com a voracidade dos insaciáveis, com os caprichos dos
gulosos, que se vão enchendo até não poderem mais, e esbanjam seus haveres em
alimentos caros, sem um pensamento a quem tem pouco ou é privado de alimento,
sem refletirem que, se tivessem moderação, muitos poderiam ser aliviados do
tormento da fome.
Naquela casa se ama o trabalho.
Ele seria amado, mesmo se o dinheiro fosse abundante, porque no trabalho o
homem obedece ao mandamento de Deus e se livra do vício que, como hera firme,
aperta e sufoca os ociosos, como blocos imóveis de pedra. Bom é o alimento,
sereno é o repouso, contente está o coração, quando se trabalhou bem e se goza
o tempo de pausa entre um trabalho e outro. Aquele vício que tem múltiplas
faces, não se arraiga na casa e na mente de quem ama o trabalho. Não se
arraigando, então aí prospera o afeto, a estima, o respeito recíproco, e os
pequenos pimpolhos crescem numa atmosfera pura, e dão origem a futuras famílias
santas.
Naquela casa reina a humildade.
Esta é uma lição de humildade para vós, soberbos! Maria teria tido, humanamente,
mil e uma razões para se ensoberbecer fazendo-se adorar por seu cônjuge. Tantas
mulheres assim fazem, somente por serem um pouco mais cultas, ou de nascimento
mais nobre, ou mais ricas que o marido. Maria é Esposa e mãe de Deus, e, no
entanto, serve o seu cônjuge, não se fazendo servir por ele, é toda amor para
com ele. José é o chefe de casa, julgado por Deus tão digno de ser um chefe de
família, a ponto de receber de Deus a guarda do Verbo feito carne e da Esposa
do eterno Espírito. Contudo, é sempre solícito em poupar Maria de fadigas e
trabalhos, fazendo até os mais humildes trabalhos de casa, para que
Maria não se canse. Mas não só,
pois procura proporcionar a Ela alguma recreação o quanto pode, esforçando-se
para tornar-lhe a casa cômoda, e a pequena horta com flores viçosas.
Naquela casa a ordem é
respeitada. Sobrenatural, moral e material. Deus é o Chefe supremo e a Ele é
prestado culto e amor: ordem sobrenatural. José é o chefe da família e a ele é
dado afeto, respeito e obediência: ordem moral. A casa é um dom de Deus, como
as vestes e os móveis. Em todas as coisas é a Providência de Deus que se
mostra, daquele Deus que provê a lã às ovelhas, as penas aos pássaros, as ervas
aos prados, o feno aos animais, as sementes e as árvores frondosas às aves,
tecendo a veste para o lírio do vale. A casa, as vestes, os móveis são
recebidos com gratidão, bendizendo a mão divina, tratando-os com respeito como
dons do Senhor, sem olhar com descontentamento porque são pobres, sem estragar
os dons, abusando da Providência: ordem material.
Não entendeste as palavras
trocadas no dialeto de Nazaré, nem as palavras de oração. Mas as coisas vistas deram
uma grande lição. Meditais, ó vós todos, que agora tanto estais sofrendo por
terdes falhado para com Deus, também aquelas coisas em que não falharam nunca
os santos Esposos, que foram mãe e pai para mim.
E tu, deleita-te com a recordação
do pequeno Jesus, sorri, pensando em seus passinhos de criança. Dentro em
pouco, o verás, caminhando debaixo de uma cruz. E será uma visão de pranto
Pg. 222 - 229
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37 – PRIMEIRA LIÇÃO DE TRABALHO
DADA A JESUS, QUE NÃO SAIU DA REGRA DA IDADE
21 de março de 1944.
Vejo aparecer, como um doce raio de sol em um dia de chuva, o
meu Jesus, pequeno menino beirando os seus cinco anos, todo loiro e bonito, na
sua simples vestezinha azul-clara que lhe desce até o meio da barriga da perna.
Ele está brincando com terra na horta. Está fazendo montinhos
e, em cima deles, vai fincando raminhos, como se estivesse formando bosques em
miniatura. Com pedrinhas faz pequenas estradas, e depois queria fazer um
pequeno lago, aos pés de suas minúsculas colinas, e, para isso, pega o fundo de
uma vasilha velha e o enterra até a beira, depois o enche d’água com um jarro
que ele mergulha em um tanque, certamente usado como lavatório ou para regar a
pequena horta. Mas não consegue nada mais do que molhar toda a roupa,
especialmente as mangas. A água escapa da vasilha, que está toda esburacada… e
o lago continua seco.
José aparece à porta e, em silêncio, fica a olhar, por algum
tempo, a trabalheira do Menino, e sorri. De fato, é um espetáculo que faz
sorrir de alegria. Depois, para que Jesus não continue a se molhar, ele o
chama. Jesus se vira sorrindo e, vendo José, corre para ele com os bracinhos
estendidos.
José, com a ponta de sua veste de trabalho enxuga as pequenas
mãos molhadas e cheias de terra, e as beija. E um doce diálogo se inicia entre
os dois. Jesus explica o seu trabalho e o seu brinquedo, e as dificuldades que
encontrou para executá-los. Ele queria fazer um lago, como aquele de Genezaré
(Deste eu suponho que lhe haviam falado, ou que o tinham já levado até lá). Ele
queria fazer aquele lago em miniatura para seu divertimento. Aqui, neste ponto
era Tiberíades, ali Magdala, lá adiante Cafarnaum. Esta era a estrada que,
passando por Caná, ia para Nazaré. Ele queria lançar pequenos barcos no lago —
estas folhas são os barcos — e passar para a outra margem. Mas a água está
escapando.
José observa, e se interessa, como se fosse uma coisa séria.
Depois ele se propõe a fazer, no dia seguinte, um pequeno lago, não com aquela
vasilha furada, mas com um pequeno tanque de madeira, bem calafetado com breu,
sobre o qual Jesus poderia lançar verdadeiros barquinhos de madeira que José o
ensinaria a fazer.
Agora mesmo ele já estava trazendo pequenas ferramentas de
trabalho, apropriadas para Jesus, a fim de que Ele pudesse aprender a usá-las,
sem se cansar muito.
– Assim eu te ajudarei! – diz Jesus, com um sorriso.
– Sim, vais me ajudar, e depois te tornarás um bom
carpinteiro. Vem vê-las!
E entram na oficina. José lhe mostra um pequeno martelo, uma
serrinha, pequenas chaves de fenda, uma plaina de boneca, tudo colocado sobre
um banco de carpinteiro na relva: um banco adaptado à altura do pequeno Jesus.
– Olha: para serrar, coloca-se esta madeira apoiada assim.
Pega-se depois a serra assim, e prestando atenção para não ir com ela sobre os
dedos, se serra. Experimenta.
E a lição começa. Jesus tornando-se vermelho, pelo esforço feito,
e apertando os lábios, vai serrando com atenção e, depois, alisa a pequena
tábua com a plaina e, ainda que tenha ficado um pouco torta, parece-lhe bonita,
e José o elogia, e o ensina a trabalhar com paciência e amor.
Maria retorna, pois certamente estava fora, e ao chegar à
porta olha. Os dois não a veem, porque estão de costas. A mamãe sorri, ao ver o
cuidado com que Jesus trabalha com a plaina, e o afeto com que José o ensina.
Mas Jesus deve estar sentindo aquele sorriso. Ele se vira, vê
a mamãe, e corre para ela com a sua tabuinha semi-aplainada, e lhe mostra.
Maria fica admirada, e se inclina para beijar Jesus. Ela compõe os cachinhos do
cabelo desalinhado, enxuga-lhe o suor do rosto afogueado, escuta com afeto que
Ele lhe promete fazer-lhe um banquinho, para ficar mais cômodo para ela
trabalhar. José, em pé junto ao pequeno banco, com as mãos nas ilhargas, olha e
sorri. Eu assisti à primeira lição de trabalho do meu Jesus. E toda a paz desta
Família santa está em mim.
Jesus diz:
Eu te consolei, alma querida, com
uma visão da minha infância, feliz em sua pobreza, porque ela estava cercada do
afeto dos dois maiores santos do mundo. Dizem que José foi o meu sustento. Oh!
Se ele não pôde, por ser homem, dar-me o leite, que Maria me nutriu, se
desdobrou em pedaços no trabalho, para me dar pão e conforto, tendo para comigo
a gentileza de afetos de uma verdadeira mãe. Eu aprendi dele — e nenhum aluno
jamais teve um mestre melhor — tudo o que faz de um menino, um homem. E um
homem que tem que ganhar o seu pão.
Mesmo se a minha inteligência de
Filho de Deus fosse perfeita, é preciso refletir que eu não quis sair
insolitamente dos limites da minha idade. Por isso, rebaixando a minha
perfeição intelectual de Deus ao nível de uma perfeição intelectual humana, sujeitei-me
a ter um homem por mestre, com a necessidade de alguém para me ensinar. Mesmo
se tenha aprendido com rapidez e boa vontade, isso não me tira o merecimento de
ter-me sujeitado a um homem, ao homem justo, que ensinou à minha pequena mente,
as noções necessárias para a vida.
As horas saudosas, passadas ao
lado de José, para o qual foi um brinquedo ensinar-me a ser capaz de trabalhar,
Eu não me esqueço, nem agora que estou no Céu. E, quando olho para o meu pai
putativo, revejo o pequeno pomar e a oficina fumacenta, e me parece estar vendo
a mamãe chegar com aquele seu sorriso, que transformava em ouro aquele lugar, e
nos tornava felizes.
Quanto teriam que aprender as
famílias com a perfeição destes esposos que se amaram como nenhum outro casal!
José era o chefe. A sua autoridade familiar era evidente e não discutida,
diante da qual se inclinava respeitosamente a da esposa e mãe de Deus e se
sujeitava o Filho de Deus. Tudo estaria bem, se José resolvia fazê-lo, sem
discussões, sem teimosia, sem resistências. A sua palavra era a nossa pequena
lei. E, não obstante isso, quanta humildade nele! Nunca um abuso de poder,
nunca uma vontade contra a razão, só por ser ele o chefe. A esposa era a sua
suave conselheira. E se, em sua humildade também profunda, ela se julgava a
serva de seu consorte, o consorte ia buscar na sabedoria dela, que era a cheia
de Graça, a luz que o guiava em todos os acontecimentos.
Eu crescia como uma flor
protegida por duas árvores vigorosas, entre estes dois amores, que se
entrelaçavam sobre mim para me proteger e me amar. Enquanto a idade me fez
ignorar o mundo, Eu não tive saudades do Paraíso. Deus Pai e o Divino Espírito
não estavam ausentes, porque Maria estava repleta Deles. E os anjos ali
moravam, porque nada os afastava daquela casa. Um deles, pode-se dizer assim,
havia assumido a carne. Era José, alma angélica, libertada do peso da carne,
somente ocupada em servir a Deus e à sua causa, amando-O, como amam os
serafins. O olhar de José! Plácido e puro como uma estrela que não conhece as
concupiscências terrenas. Ele era o nosso repouso e a nossa força.
Muitos acham que Eu não tenha
humanamente sofrido, quando a morte veio apagar aquele olhar santo, que vigiava
a nossa casa. Se Eu era Deus e, como tal, conhecedor da feliz sorte que esperava
José, não entristecido, portanto, pela sua partida que, depois de uma breve
parada no Limbo, lhe teria aberto o Céu, contudo, como Homem chorei naquela
casa, que ficou para nós vazia da sua amorosa presença. Chorei sobre o amigo
falecido. Não teria devido chorar por este meu santo, sobre cujo peito Eu tinha
dormido, quando era pequenino, e durante tantos anos, tinha recebido amor?
Enfim, faço observar aos pais
como, sem o auxílio de uma erudição pedagógica, José soube fazer de Mim um
hábil operário. Logo que cheguei à idade em que já podia manejar as
ferramentas, sem deixar que Eu me entregasse à ociosidade, ele me encaminhou
para o trabalho, valendo-se do meu amor por Maria para me estimular a
trabalhar. Fazer objetos úteis à mamãe. Era assim que ele me inculcava o devido
respeito para com a mamãe, que todo filho deveria ter, e sobre esta respeitosa
e poderosa alavanca, ele se apoiava ao ensinar o futuro carpinteiro.
Onde estão hoje as famílias nas
quais se ensina os pequenos a amar o trabalho, como meio de fazer algo
agradável aos pais? Os filhos, agora, são os tiranos da casa. Crescem duros,
indiferentes, grosseiros para com os seus pais. Acham que seus pais são seus
servos, seus escravos. Não os amam e são pouco amados. Porque, ao mesmo tempo
que fazeis de vossos filhos uns prepotentes caprichosos, também ficais longe
deles, com um desinteresse vergonhoso.
Os filhos são de todos, menos de
vós, ó pais do século vinte. Eles são da babá, da governanta, do colégio, se
sois ricos. E são dos colegas de rua, das escolas, se sois pobres. Mas, já não
são vossos. Vós, ó mamães, os gerais, e isso basta. Vós, ó pais, fazeis o
mesmo. Mas o filho não é só carne.
Ele é mente, coração, espírito.
Crede, pois, que ninguém, mais do que um pai ou uma mãe, tem o dever e o
direito de formar esta mente, este coração, este espírito.
A família existe, e deve existir.
Não existe nenhuma teoria ou progresso que seja capaz de destruir esta verdade,
sem provocar ruína. De um instituto familiar desfeito, só podem vir futuros
homens e futuras mulheres cada vez mais depravados, e que serão causa de ruínas
cada vez maiores. Eu vos digo, em verdade, que seria melhor que não houvessem
mais casamentos e mais filhos sobre a terra, do que famílias menos unidas do
que as tribos dos macacos, famílias que não são escolas de virtude, de
trabalho, de amor e de religião, mas são caos, cada um vivendo como engrenagens
desmanteladas, que acabam se despedaçando.
Quebrai. Despedaçai. Os frutos
desse vosso ato de despedaçar a forma mais santa de vida social, vós os estais
vendo e suportando. Continuai, então, se quiserdes. Mas não vos lamenteis, se
esta terra vai-se tornando cada vez mais um inferno, morada de monstros, que
devoram famílias e nações. Vós o estais querendo. Que, então, isto vos aconteça!”
Pg. 230 - 234
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38 – MARIA, MESTRA DE JESUS, DE
JUDAS E DE TIAGO
29 de outubro de 1944.
Jesus diz:
Vem pequeno João, e vê. Volta
atrás, segura pela minha mão que te conduz, aos anos da minha infância. O que
vires deverá ser inserido no Evangelho da minha infância, onde quero que seja
colocada também a visão da estadia da Família no Egito. Colocarás assim: a
Família no Egito, depois a primeira lição de trabalho do menino Jesus, depois o
que agora vais descrever, a cena da maioridade, por último a visão de Jesus
entre os doutores no Templo, na sua 12ª. Páscoa. Não é sem motivo também o que
agora irás ver. Mas, antes, esclarece alguns pontos e ligações dos meus
primeiros anos, e entre os parentes. É um presente para ti, nesta festa da
minha Realeza, para ti que sentes entrar-te a paz da Casa de Nazaré, quando a
vês. Escreve.
Vejo o quarto onde, habitualmente, se fazem as refeições e
onde Maria trabalha junto ao seu tear, ou com a agulha. O quarto é perto da
oficina de José, do qual se ouve o incansável trabalho. Mas neste quarto há
silêncio. Maria está costurando tiras de lã, certamente tecida por ela, com
cerca de meio metro de largura, por mais do que o dobro de comprimento, e me
parece que desse trabalho vai sair um manto para José.
Da porta aberta, que dá para o pomar-jardim, veem-se sebes
cheias de folhas de pequenas margaridas de um azul violeta, que comumente são
chamadas “Marias” ou “Céu estrelado”, mas cujo nome científico eu não sei.
Estão floridas, e por isso deve ser outono. Mas o verde ainda está espesso e
bonito nas plantas, e as abelhas de duas colmeias, que estão em cima de um muro
bem exposto ao sol, vão zumbindo, dançando e brilhando à luz solar, indo de uma
figueira para uma videira, e desta para uma romãzeira, cheia de suas frutas
redondas, que já estão se arrebentando pelo excesso de vigor, e mostrando os
colares de suculentos rubis, alinhados no interior do escrínio
verde-avermelhado, com compartimentos amarelos.
Debaixo das árvores, Jesus está brincando com dois meninos,
mais ou menos da sua idade. São de cabelos encaracolados, mas não loiros. Um,
aliás, é até moreno: uma cabecinha de cordeirinho preto, que faz aparecer ainda
mais branca a pele do rostinho redondo, no qual estão abertos dois grandes
olhos, de um azul tendente ao violáceo, muito bonitos. O outro tem os cabelos
menos encaracolados, e de uma cor castanho-escuro, olhos castanhos e de um
colorido mais moreno, mas com uma tonalidade rosada nas faces. Jesus com a sua
cabecinha loira, entre os outros dois, parece estar nimbado por um fulgor. Eles
brincam em boa harmonia com uns carrinhos sobre os quais estão diversas
mercadorias: folhas, pedrinhas, maravalhas, pauzinhos. Fazem-se de mercadores
certamente, e Jesus é que compra para a mamãe, à qual vai levar, ora um objeto,
ora outro. Maria, aceita com um sorriso, as compras.
Mas depois a brincadeira muda. Um dos dois meninos propõe:
– Vamos representar o Êxodo, atravessando o Egito. Jesus será
Moisés, eu Arão, e tu… Maria.
– Mas eu sou homem!
– Não faz mal. Faz assim mesmo. Tu és Maria, e dançarás
diante do bezerro de ouro, que vai ser aquela colmeia lá.
– Eu não danço. Eu sou homem, e não quero ser mulher. Depois,
eu sou um fiel, e não quero dançar diante do ídolo.
Jesus, então, intervém:
– Vamos deixar este ponto. Vamos representar outro: quando
Josué foi escolhido para ser o sucessor de Moisés. Assim não entra aquele feio
pecado de idolatria, e Judas fica contente por ser um homem, e meu sucessor.
Assim ficas contente não é verdade?
– Sim, Jesus. Mas, então, Tu tens que morrer, porque Moisés
morre, depois. E eu não quero que Tu morras, logo Tu que me queres tão bem!
– Todos morrem… Mas Eu, antes de morrer, abençoarei a Israel,
e, como aqui estais somente vós, em vós Eu abençoarei todo Israel.
Foi aceita a proposta. Surge, porém, depois, uma dúvida. Se o
povo de Israel, depois de tanto andar, ainda teria, ou não, os carros que tinha,
quando saiu do Egito. As ideias são contraditórias. Vão, então, recorrer a
Maria.
– Mamãe, Eu digo que os israelitas tinham ainda os carros.
Tiago diz que não. E Judas não sabe a quem dar razão. Tu sabes?
– Sim, meu Filho. O povo nômade tinha ainda os seus carros.
Nas paradas os consertava. Subiam nos carros os mais fracos, onde também eram
transportadas as provisões, e coisas necessárias para o povo. Menos a Arca, que
era levada nas mãos. Tudo o mais ia nos carros.
A dúvida foi desfeita.
Os meninos vão para o fundo do pomar e, de lá, cantando
salmos, vêm vindo em direção da casa. Jesus vem na frente e, com sua vozinha
clara e afinada, canta alguns salmos. Atrás Dele vêm Judas e Tiago, segurando
por baixo uma carriolinha que está elevada ao grau de Tabernáculo. Mas, como
eles têm que fazer também a parte do povo, além da de Arão e Josué, tiraram as
suas cintas e com elas amarraram a seus pés os outros carros em miniatura, e
assim vão para frente, como se fossem verdadeiros atores. Percorrem toda a
parreira, passam diante da porta do quarto onde está Maria, e Jesus diz:
– Mamãe, saúda a Arca que está passando.
Maria se levanta com um sorriso, e se inclina diante do
Filho, que passa radiante, em um nimbo de sol. Depois, Jesus vai subindo pelo
lado do monte que cerca a casa, ou melhor, o jardim. Em cima da pequena gruta,
tendo-se posto em pé, Ele fala a Israel. Fala das ordens e promessas de Deus,
indica Josué como guia e o chama para perto de Si. Judas, por sua vez, salta
sobre a gruta. Jesus o encoraja e abençoa. Depois, manda que lhe tragam uma
tabuleta… (é uma folha grande de uma figueira), nela escreve o cântico, e o lê.
Não o lê todo, mas uma boa parte, e parece que está lendo mesmo sobre a folha.
Depois, despede-se de Josué, que o abraça chorando, e sobe mais, até chegar à
beira da saliência onde estão. De lá, abençoa todo Israel, isto é, aos dois que
estão prostrados por terra, em seguida se estende sobre a erva curta, fecha os
olhos e… morre.
Maria, que tinha ficado à porta sorrindo, quando viu que ele
ficou estendido e rígido, gritou:
– Jesus! Jesus! Levanta-te! Não fiques assim! A mamãe não te
quer ver morto!
Jesus se levanta com um sorriso, e corre para ela e a beija.
Vêm também Tiago e Judas. Eles também recebem carícias de Maria.
– Como pode Jesus lembrar-se daquele cântico tão comprido e
difícil e de todas aquelas bênçãos? –pergunta Tiago.
Maria sorri, e responde simplesmente:
– Ele tem uma memória muito boa, e está sempre muito atento
quando eu leio.
– Eu fico atento na escola. Mas, depois, me dá um sono, com
toda aquela
Lamentação. Será que não vou aprender nunca?
– Aprenderás, sim. Tenha paciência.
Batem à porta. José atravessa rapidamente o pomar e o quarto
e abre.
– A paz esteja convosco, Alfeu e Maria!
– E a vós, paz e bênçãos.
É o irmão de José e sua mulher. Na rua está parado um carro,
que veio puxado por um burrinho forte.
– Fizestes boa viagem?
– Boa. E os meninos?
– Estão lá no pomar, com Maria.
Mas os meninos já saíram correndo para irem saudar à sua
mamãe. Vem chegando também Maria, segurando Jesus pela mão. As cunhadas se
beijam.
– Eles têm se comportado bem?
– Muito bem, e são muito queridos. Todos os parentes vão bem?
– Todos. Eles vos saúdam, e vos mandam muitos presentes de
Canaã.
Uva, maçãs, queijos, ovos, mel. E… José, eu achei justamente
o que estavas querendo para Jesus. Está no carro, naquela cesta redonda. A
mulher de Alfeu sorri. Inclina-se sobre Jesus, que olha para ela com seus olhos
grandes muito abertos, os beija, e diz:
– Sabes o que eu trouxe para ti? Adivinha.
Jesus pensa, e não descobre. Eu desconfio que ele faça assim
de propósito para dar a José a alegria de fazer uma surpresa. De fato, José vem
entrando, e trazendo um grande cesto redondo. Coloca-o no chão, diante de
Jesus, desata a corda que está segurando a tampa no lugar, e a levanta… e uma
ovelhinha toda branca, um verdadeiro floco de espuma, aparece dormindo, no meio
do feno bem limpo.
Jesus solta um “oh!”, admirado e feliz, e quer se precipitar
sobre o animalzinho, mas depois volta atrás, e corre até José, que ainda está
inclinado para o chão, e o abraça e beija, agradecendo-lhe.
Os priminhos olham com admiração a ovelhinha, que despertou,
e está levantando o pequeno focinho rosado e gracioso, procurando a mãe. Puxam
na para fora do cesto, dão-lhe um punhado de trevo, que ela come, olhando ao
seu redor com seus olhos mansos.
Jesus continua a dizer:
– Para Mim! Para Mim! Obrigado, pai!
– Gostaste dela tanto assim?
– Oh! Se gostei… ela é branca, limpa… uma cordeirinha… oh!
E lança os bracinhos ao pescoço da ovelhinha, põe a cabeça
loira sobre a cabecinha branca, e fica todo feliz.
– Também para vós eu trouxe duas – diz Alfeu aos filhos–. Mas
são escuras. Vós não sois ordenados como Jesus, e teríeis tido ovelhas
desordenadas, se fossem brancas. Serão o vosso rebanho. Vós as criareis juntas,
e assim não ficareis mais batendo pernas pelas estradas, vós dois, jogando
pedras como uns moleques. Os meninos correm para o carro, e ficam olhando as
duas outras ovelhas, mais pretas do que brancas.
Jesus ficou com a sua. Ele a leva ao pomar, dá-lhe de beber,
e o animalzinho o acompanha, como se sempre o tivesse conhecido. Jesus a chama.
Põe-lhe o nome de “Neve”, ao qual ela responde, balindo de modo todo festivo.
Os hóspedes sentaram-se à mesa, e Maria lhes serve pão,
azeitonas e queijo. Coloca-se à mesa um jarro com cidra, ou água com mel, não
sei, mas vejo que é de um amarelo muito claro.
Falam entre si, enquanto os meninos estão brincando com os
três animais, que Jesus quis que ficassem juntos, para dar também às outras
ovelhas água e um nome:
– A tua, Judas, se chamará “Estrela”, porque tem esse sinal
na testa. E a tua, “Chama”, porque tem a cor de certas chamas de éricas
murchas.
– Está aceito.
Os adultos estão conversando, (e é Alfeu quem diz):
– Espero ter resolvido assim a história das brigas dos
rapazinhos. Foi a tua ideia, José, que veio me iluminar. Eu disse: “Meu irmão
quer uma ovelhinha para Jesus, para que ele brinque um pouco. Eu pegarei mais
duas para aqueles garotos, a fim de fazer com que eles fiquem um pouco mais
quietos, e eu não precisar ter sempre questões com os outros pais, por causa de
cabeças e joelhos quebrados. Um pouco a escola, e um pouco as ovelhas, e eu
conseguirei tê-los mais quietos.” Mas neste ano tu também deverás mandar Jesus
para a escola. Já é hora.
– Eu nunca mandarei Jesus para a escola –diz Maria,
decididamente.
É difícil ouvi-la falar assim, e falar antes de José.
– E por que? o Menino precisa aprender para, a seu tempo, ser
capaz de passar no exame de maioridade…
– O Menino saberá. Mas ele não vai à escola. Está decidido.
– Serias a única em Israel a fazer assim.
– Serei. Mas vou fazer assim. Não é verdade, José?
– É verdade. Para Jesus não há necessidade de ir para nenhuma
escola. Maria foi educada no Templo, e é uma verdadeira doutora no conhecimento
da Lei. Ela será a sua mestra. Eu também quero assim.
– Assim, vós acostumais mal o Rapaz.
– Não podes dizer isso. É o melhor de Nazaré. Já o ouviste
chorar, fazer birra, negar obediência, faltar com o respeito?
– Isto não. Mas assim ele se tornará, se continuar a ser
viciado.
– Não é viciar os filhos tê-los perto de si. Mas isso é
amá-los com bom senso e bom coração. Assim amamos o nosso Jesus e, visto que
Maria é mais instruída que o mestre, Ela será a mestra de Jesus.
– Quando ficar homem, o teu Jesus será uma mocinha, que terá
medo até de uma mosca.
– Não será assim. Maria é uma mulher forte, e sabe educá-lo
virilmente.
Eu não sou nenhum covarde, e sei dar-lhe exemplos viris.
Jesus é uma criança sem defeitos físicos nem morais. Crescerá, por isto, reto e
forte no corpo e no espírito. Fica certo disso, Alfeu. Ele não fará má figura
na família. Além disso, eu já decidi, e assim se fará.
– Maria é que terá decidido, e tu…
– E se tivesse sido assim? Não é bonito que dois que se amam
estejam prontos a ter o mesmo pensamento e a mesma vontade, porque
reciprocamente um abraça o desejo do outro, e o faz seu? Se Maria quisesse
coisas tolas, eu lhe diria: “não.” Mas ela pede coisas cheias de sabedoria, e
eu as aprovo e as faço minhas. Nós nos amamos, como no primeiro dia… e assim
faremos, enquanto estivermos vivos. Não é verdade, Maria?
– Sim, José. E não aconteça nunca, mas, se um tivesse que
morrer sem o outro, ainda assim nos amaríamos.
José acaricia a cabeça de Maria, como se fosse uma filha
ainda menina, e Ela olha para ele com seu olhar sereno e amoroso.
A cunhada intervém:
– Vós tendes razão. Se eu fosse boa para ensinar! Na escola
os nossos filhos aprendem o bem e o mal. Em casa aprendem só o bem. Mas eu não
sei… se Maria…
– Que queres dizer, cunhada? Fala com toda a liberdade. Tu
sabes que eu te amo, e fico alegre quando te posso dar um prazer.
– Eu ia dizendo… Tiago e Judas são um pouco mais velhos do
que Jesus. Eles já vão à escola… mas, pelo que eles sabem! Jesus, ao contrário,
já sabe tão bem a Lei… Eu queria… te dizer que tivesses também os dois, quando
fores ensinar a Jesus? Eu acho que eles se tornariam melhores e mais
instruídos. Afinal, eles são primos, e que se amem como irmãos, é justo. E eu
ficaria tão feliz!
– Se José assim quer, e o teu marido também, eu estou pronta.
Falar para um e falar para três é a mesma coisa. Repassar toda a Escritura é
uma alegria. Que eles venham.
Os três meninos, que haviam entrado em silêncio, se assentam,
e estão à espera do veredicto.
– Eles vão te pôr desesperada, Maria –diz Alfeu.
– Não. Comigo são sempre bons. Não é verdade que sereis bons,
se eu vos ensinar?
Os dois correm para perto dela, um à direita, o outro à
esquerda, põem lhe os braços ao redor dos ombros, as cabecinhas sobre os
ombros, e prometem fazer tudo para serem bons.
– Deixa-os experimentar, Alfeu, e deixa-me também
experimentar. Eu penso que não ficarás descontente com a experiência. Eles
virão todos os dias, da hora sexta até à tarde. Bastará, podes crer. Eu sei a
arte de ensinar sem cansar. Os meninos ficam quietos e se recreiam, ao mesmo
tempo. É preciso entendê-los, amá-los e ser por eles amados, para conseguir
alguma coisa deles. Vós me amais, não é verdade?
Dois grandes beijos são a resposta.
– Estás vendo?
– Eu estou vendo. Só tenho que te dizer: “Obrigado.” E,
Jesus, o que dirás vendo a mamãe ocupada com os outros? Que dizes, Jesus?
– Eu digo: “Felizes os que a estão escutando e que erguem sua
morada junto da morada dela.” Como da Sabedoria, feliz quem é amigo de minha
mãe, e Eu sou feliz se aqueles que eu amo forem amigos dela.
– Mas quem é que põe estas palavras nos lábios do Menino?
–pergunta Alfeu, admirado.
– Ninguém, meu irmão. Ninguém deste mundo.
A visão cessa aqui.
Jesus diz:
– E Maria foi minha mestra, de
Tiago e de Judas. Eis porque nos amamos como irmãos, não só pelo parentesco,
mas pela ciência e por termos crescido juntos, como três sarmentos de videira
sustentados na mesma vara.
A minha mamãe! Doutora, como
nenhum outro em Israel, esta minha doce mãe. Sede da Sabedoria, e da verdadeira
Sabedoria, nos instruiu para o mundo e para o Céu. Digo: “nos instruiu”, porque
Eu fui seu aluno, não diversamente dos primos. E o “sigilo” foi mantido sobre o
segredo de Deus, contra a indagação de Satanás, mantido sob a aparência de uma
vida comum. Ficaste alegre com esta cena suave? Agora, fica em paz. Jesus está
contigo.
Pg. 234 - 241
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39 – PREPARATIVOS PARA A
MAIORIDADE DE JESUS E PARTIDA DE NAZARÉ
19 de dezembro de 1944.
Vejo Maria inclinada sobre um alguidar, ou melhor, sobre uma
bacia de cerâmica, misturando alguma coisa que solta fumaça no ar frio e sereno
que enche o pomar de Nazaré. Deve ser pleno inverno, porque, a não ser as
oliveiras, todas as outras plantas estão nuas, desprovidas de folhas. No alto,
um céu muito limpo, e também um belo sol. Mas não consegue amenizar o vento do
Norte, que puxa e faz bater uns nos outros os ramos despojados de folhas e
ondular os pequenos ramos verde-cinzentos das oliveiras.
Maria está vestida com uma pesada veste de um marrom quase preto
e amarrou na frente uma tela rústica, em lugar de um avental, para proteger sua
veste. Tira da tina o bastão com que estava mexendo um líquido, e vejo caírem
dele gotas de uma bonita cor avermelhada. Maria observa, molha um dedo nas
gotas que caem, experimenta se a cor está boa, passando-a na tela que está
sobre sua veste. Parece satisfeita.
Entra em casa, e sai com muitas meadas de uma lã muito
branca. Mergulha-as uma por uma na tina, com paciência e com habilidade.
Enquanto ela faz isso, entra, vindo da oficina de José, sua cunhada Maria,
mulher de Alfeu. Elas se saúdam e começam a falar.
– Vai indo bem? –pergunta Maria de Alfeu.
– É o que espero.
– Aquela gentia me garantiu que se trata da tinta e do modo
de prepará-la como fazem em Roma. Deu a mim só porque és tu que fizeste esses
trabalhos. Ela diz que nem em Roma há quem faça bordados como tu. Deves ter sacrificado
a vista, para fazê-los. Maria sorri, e faz um movimento com a cabeça, como para
dizer:
“Coisas sem importância!”
A cunhada olha, antes de entregar a Maria as últimas meadas
de lã.
– Como foi que as fiaste? Parecem cabelos, de tão finos e
iguais que são! Fazes tudo tão bem… e, como és esperta! Estas últimas meadas
ficarão mais claras?
– Sim. São para a veste. O manto é mais escuro.
As duas mulheres trabalham juntas, na tina. Depois, tiram as
meadas com uma bela cor de púrpura, e correm rápidas para irem mergulhá-las na
água gelada que enche o tanque sob uma pequena fonte, que cai dando notinhas de
música, que parecem umas risadinhas baixas. Elas enxaguam, e tornam a enxaguar,
depois estendem sobre bambus as meadas e as prendem de um ramo a outro das
árvores.
– Com este vento, logo estarão secas –diz a cunhada.
– Vamos ver o José. Lá temos fogo. Deves estar gelada –diz a
mãe de Jesus–. Foste muito boa em ajudar-me. Acabei depressa e com menos
cansaço. Eu te agradeço.
– Oh! Maria! Que não faria eu por ti? Estar perto de ti, já é
uma festa! Além disso… é para Jesus todo este trabalho. E é tão querido o teu
Filho! A mim me parece que fico sendo também a mãe dele, se eu te ajudar a
preparar a festa de sua maioridade.
As duas mulheres entram na oficina, cheia daquele cheiro de
madeira aplainada, cheiro próprio das oficinas de carpinteiro.
Aqui a visão parou um pouco… para continuar no ato da partida
de Jesus para Jerusalém, aos seus doze anos Ele, muito bonito e crescido,
parece ser um irmão mais novo de sua jovem mãe. Já alcança os ombros dela, com
sua cabeça loira, de cabelos encaracolados, e cuja cabeleira, já não mais curta
como era em seus primeiros anos de vida, mas longa até abaixo das orelhas
parece um pequeno casquete de ouro todo recoberto de caracóis que brilham.
Está vestido de vermelho. Um belo vermelho de rubi claro. Uma
longa veste lhe desce até os tornozelos, deixando descobertos somente os pés
calçados de sandálias. A veste é solta, com mangas longas e largas. Perto do
pescoço, na base das mangas, na orla, está tecido um galão, cor sobre cor,
muito bonito.
Vejo Jesus entrar com sua mamãe, na espécie de sala de jantar
de Nazaré. Jesus é um belo jovenzinho de doze anos, alto, bem feito de corpo e
robusto, sem ser gordo. Parece mais adulto do que é, pela sua compleição.
Já está alto, tanto que atinge os ombros da mãe. Tem ainda o
rosto redondo e rosado do Jesus menino, rosto que, depois, com a idade juvenil
e viril, se emagrecerá, e se tornará de uma cor indefinida, a cor de certos
delicados alabastros, que lembram, de longe, o amarelo rosado.
Os olhos, também os olhos, são ainda de menino. Grandes, bem
abertos e com uma centelha de alegria, perdida no meio da seriedade com que
olham. Depois, eles não serão mais tão abertos. As pálpebras descerão até a
metade dos olhos, para encobrir o mal demasiado que está no mundo aos olhos do
Santo e Puro. Só nos momentos de milagres é que eles estarão bem abertos e
cintilantes, mais ainda do que agora para expulsar os demônios e a morte, para
curar as doenças e os pecados. E não estarão mais, nem mesmo com aquela
centelha de alegria misturada com a seriedade. A morte e o pecado lhe estarão
cada vez mais presentes e próximos, e com eles o conhecimento, também humano,
da inutilidade do seu sacrifício, por causa da má vontade do homem. Só os
raríssimos momentos de alegria, por estar com os remidos, e especialmente com
os puros, meninos em sua maior parte, farão brilhar de alegria estes olhos
santos e bons.
Mas agora Ele está com sua mamãe, em sua casa, e diante Dele
está José, que lhe sorri com amor, e estão também os seus priminhos, que o
admiram, e a tia Maria de Alfeu, que o acaricia… Ele está feliz. O meu Jesus
tem necessidade de amor para ser feliz. Neste momento Ele tem amor. Jesus está
vestido com uma veste solta de lã vermelha, de tonalidade rubi claro. Ela é
macia, de textura perfeita, na sua compacta tenuidade. Junto ao pescoço, na
frente, por baixo das mangas longas e largas, e da veste, que desce até o chão,
deixando descobertos apenas os pés, que estão calçados com sandálias novas e
muito bem feitas — não as costumeiras solas, fixadas ao pé por meio de tiras de
couro — está um galão, não bordado, mas tecido em cor mais escura sobre o
vermelho rubi da veste. Deve ser obra da mamãe, porque a cunhada a admira e
elogia.
Os belos cabelos loiros já estão carregados de uma tonalidade
bem diferente de quando Ele era pequenino, agora com cintilações de cobre nas
volutas dos caracóis, que terminam abaixo das orelhas. Não são mais os
caracoizinhos curtos e leves da infância. Não são ainda os cabelos ondulados e
compridos até aos ombros, onde terminam em macias madeixas aneladas na idade
adulta. Mas já tendem mais para esta última na cor e na forma.
Eis aqui o nosso Filho – diz Maria, levantando a sua mão
direita, na qual está a mão esquerda de Jesus. Parece que o está apresentando a
todos e reconfirmando a paternidade do Justo, que está sorrindo. E ela acrescenta:
– Abençoa-o, José, antes de Ele partir para Jerusalém. Não
foi necessária a bênção ritual, em sua idade de ir para a escola, primeiro
passo na vida. Mas agora que Ele vai ao Templo, para ser declarado maior de
idade, dá-lhe a bênção. E abençoa a mim também, junto com Ele. A tua bênção.
(Maria dá um soluço) O fortificará e me dará força, para me desapegar um pouco
mais Dele…
– Maria, Jesus será sempre teu. A fórmula não incidirá em
nossos mútuos relacionamentos. Nem eu vou disputá-lo contra ti, este Filho que
nos é tão caro. Ninguém como tu merece guiá-lo na vida, ó minha Santa.
Maria se inclina, pega a mão de José, e a beija. Ela é a
esposa, oh! E quão amorosa e respeitosa para com o seu consorte! José acolhe
aquele sinal de respeito e de amor com dignidade, mas depois levanta aquela mão
que foi beijada, e a coloca sobre a cabeça da esposa, dizendo:
– Sim, eu te abençoo, ó Bendita, e a Jesus junto contigo.
Vinde, minhas únicas alegrias, minha honra e meu ideal.
José está solene. Com os braços estendidos, e as palmas das
mãos voltadas para o chão sobre as duas cabeças inclinadas, igualmente loiras e
santas, ele pronuncia a bênção:
– O Senhor vos guarde e vos abençoe. Tenha misericórdia de
vós, e vos dê a paz. O Senhor vos dê a sua bênção.
E depois diz:
– Agora vamos. A hora é propícia para a viagem.
Maria apanha um manto grande, cor de romã, coloca sobre o
corpo do Filho, e, ao fazer isso, o acaricia! Saem e fecham a porta. Põem-se a
caminho. Outros peregrinos vão indo na mesma direção. Ao saírem da cidade, as
mulheres se separam dos homens. Os meninos vão com quem preferirem. Jesus fica
com a mãe.
Os peregrinos vão salmodiando pelos belos campos, nestes
alegres dias de primavera. Prados e searas frescas e frescas as ramagens das
árvores, que floriram, há pouco. Ouvem-se os cantos dos homens pelos campos e
pelas ruas e os dos pássaros nas árvores. Córregos límpidos servem de espelho
para as flores que estão às margens e cordeirinhos saltam ao lado de suas mães.
Há paz e alegria, sob o mais belo céu de abril.
A visão cessa assim.
Pg. 241 - 245
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40 – O EXAME DE JESUS MAIOR DE
IDADE NO TEMPLO
21 de dezembro de 1944.
Templo está como em dias de festa. A multidão, entra e sai,
atravessa os pátios, os átrios, e pórticos, desaparece nesta ou naquela
construção situada nos diversos patamares, sobre os quais está espalhado o
aglomerado do Templo.
As pessoas da comitiva da família de Jesus entram também,
cantando salmos em voz baixa. Primeiro, todos os homens, depois, as mulheres. A
eles se uniram também outros, que talvez sejam de Nazaré, ou amigos que moram
em Jerusalém. Não sei. José se afasta, depois de ter, junto com os outros,
adorado o Altíssimo, daquele ponto de onde os homens podiam ficar (as mulheres
pararam no patamar logo abaixo) e com o Filho, José atravessa novamente os
pátios, dobra para um lado, entrando numa grande sala, que parece ser uma
sinagoga. Não sei como pode ser isso. Haveria sinagogas também no Templo? José
fala com um levita e este desaparece atrás de uma cortina listrada, para voltar
depois com uns sacerdotes anciãos, penso que são sacerdotes, certamente mestres
no conhecimento da Lei, designados para examinar os fiéis.
José apresenta-lhes Jesus. Primeiramente, os dois se
inclinaram profundamente diante dos dez doutores, que estão sentados com toda a
dignidade sobre baixos bancos de madeira.
– Este aqui – diz ele – é meu filho. Há três luas e doze dias
que ele completou o tempo que a Lei exige para ser maior de idade. Mas eu quero
que Ele o seja segundo os preceitos de Israel. Peço-vos que observeis que, pela
sua compleição, Ele mostra que já saiu da infância e da menoridade. E peço-vos
que o examineis com benevolência e assim possais julgar como é verdade tudo o
que eu, pai dele, afirmo. Eu o preparei para esta hora e para esta sua
dignidade de filho da Lei. Ele sabe os preceitos, as tradições, as decisões, os
costumes das fímbrias e dos filactérios, sabe recitar as orações e as bênçãos
diárias. Pode, pois, conhecendo a Lei, nos seus três ramos da Halacá, do
Midraxe e da Hagadá, conduzir-se como um homem. Por isso, eu desejo ficar livre
da responsabilidade por suas ações e por seus pecados. De agora em diante, seja
Ele sujeito aos preceitos, e pague por suas faltas contra eles. Examinai-o.
– Nós o faremos.
Vem para frente, menino. Qual o teu nome?
– Jesus de José, de Nazaré.
– É nazareno. Tu sabes ler?
– Sim, rabi. Sei ler as palavras
escritas e as que estão encerradas nas próprias palavras.
– Que estarias querendo dizer?
– Quero dizer que compreendo
também o significado da alegoria ou do símbolo, que se oculta debaixo de uma
aparência, como a pérola, que não aparece, mas está encerrada numa concha feia
e fechada.
– Esta resposta não é comum, e é muito sábia. Raramente se
ouve uma coisa destas, saindo dos lábios de pessoas adultas; imaginem saindo da
boca de um menino, e, além disso, nazareno!
A atenção dos dez despertou. Seus olhos não perdem de vista,
nem por um instante, o belo menino loiro que olha para eles com firmeza, sem
arrogância, mas também sem medo.
– Tu estás honrando o teu mestre, que certamente devia ser
muito douto.
– A Sabedoria de Deus fez do coração dele sua morada.
– Mas, escutai bem! Feliz de ti, ó pai de um filho como este!
José, que está lá no fundo da sala, sorri, e se inclina.
Dão a Jesus três rolos diferentes, dizendo:
– Lê aquele que está envolvido com uma fita de ouro.
Jesus abre o rolo e lê. É o Decálogo. Mas, depois das
primeiras palavras, um dos juízes tira o rolo de suas mãos, e lhe diz: –
Continua, agora, de memória.
E Jesus continua, com tal segurança, que parece estar lendo.
Cada vez que fala no Senhor, inclina-se profundamente.
– Quem te ensinou isso? Por que fazes assim?
– Porque Santo é esse Nome, e deve
ser pronunciado com sinal interno e externo de respeito. Ao rei, que é rei por
breve tempo, seus súditos se inclinam, mesmo não sendo este mais do que pó. Ao
Rei dos reis, ao Altíssimo Senhor de Israel, presente, ainda que não visível
senão ao nosso espírito, não se deverá inclinar toda criatura, que Dele depende
com sujeição eterna?
– Muito bem! Homem, nós te aconselhamos a fazer que teu filho
seja instruído por Hilel ou Gamaliel. É nazareno… mas as suas respostas nos
fazem esperar que Ele será um novo grande doutor.
– O filho já é maior de idade. Ele fará como quiser. Eu, se
ele quiser uma coisa honesta, não me oporei.
Rapaz, escuta. Disseste: “Lembra-te de santificar as festas.
Mas não só por ti, mas pelo teu filho, tua filha, teu servo, tua serva, e até
pelo jumento, pois está dito que ele não fará trabalho no sábado.” Então,
diz-me uma coisa: se uma galinha põe um ovo em dia de sábado, ou se uma ovelha
dá cria, será lícito usar do fruto do ventre delas, ou será isso considerado
uma coisa má?
– Sei que muitos rabinos, o
último deles Shamai, que ainda está vivo, dizem que o ovo posto no sábado está
contra o preceito. Mas Eu penso que uma coisa é o homem, e outra é o animal, e
também o que o animal faz, como parir. Se eu obrigo o jumento a trabalhar, eu é
que cometo o pecado pelo que ele faz, porque eu o chicoteio e obrigo a
trabalhar. Mas, se uma galinha põe um ovo que amadureceu em seu ovário, ou uma
ovelha gera um filhote no sábado, porque ele já está maduro para nascer, isso
não é pecado, nem o ovo é pecado aos olhos de Deus, nem o cordeiro, que vieram
à luz no sábado.
– E por que não? Se todo e qualquer trabalho no sábado é
pecado?
– Porque o conceber e o gerar
correspondem à vontade do Criador, e estão regulados pelas leis dadas por Ele a
toda criatura. Ora, a galinha não faz mais que obedecer a esta lei que diz que,
depois de tantas horas para a sua formação, o ovo está completo, e é posto. E a
ovelha também não faz mais do que obedecer às leis dadas por Aquele que tudo
fez, o qual estabeleceu que, duas vezes por ano, quando a primavera sorri para
os prados em flor, e quando os bosques estão despojados de suas folhas e o gelo
atormenta o peito do homem, que as ovelhas se acasalem, para dar-nos depois, no
tempo determinado, o leite, a carne e os queijos tão nutritivos, justamente nos
meses, em que os homens se cansam no trabalho da colheita, ou sofrem mais pelo
rigor das geadas. Portanto, se uma ovelha, quando chega o seu tempo, dá cria,
oh! isso bem pode ser uma coisa sagrada, até diante do altar, pois é fruto da
obediência ao Criador.
Eu não continuo a examinar mais. A sabedoria dele supera a
dos adultos. E nos assombra.
– Não. Ele diz que é capaz de compreender até os símbolos.
Ouçamo-lo.
– Primeiro, diz um salmo, as bênçãos e as orações.
– E também os preceitos.
– Sim. Diz os midrashot.
Jesus diz, então, com segurança, uma ladainha de “Não fazer
isso, não fazer aquilo…” Se nós tivéssemos de ter ainda todas aquelas
limitações, rebeldes como somos, Eu vos garanto que ninguém se salvaria…
– Basta. Abre o rolo da fita verde.
Jesus abre e começa a ler.
– Mais adiante, um pouco mais.
Jesus obedece.
– Basta. Lê agora, e nos explica que é que te parece que é um
símbolo.
– Na Palavra Santa raramente faltam os símbolos. Nós é que
não os sabemos ver e aplicar. Eu leio: 4° livro dos Reis, cap. 22, vers. 10:
“Safã, escriba, continuando a referir-se ao rei, disse: ‘O sumo sacerdote
Helcias me deu um livro.’ E, tendo Safã lido o mesmo na presença do rei, este,
depois de ouvir as palavras da Lei do Senhor, rasgou as vestes e, em seguida,
deu…”
– Continua depois dos nomes.
– “… esta ordem: ‘Ide consultar o
Senhor por mim, pelo povo, por toda Judá, a respeito das palavras deste livro,
que foi achado, porque a grande ira de Deus se acendeu contra nós, pois os
nossos pais não ouviram as palavras deste livro, para cumprirem as suas
prescrições.”
– Basta. O fato aconteceu muitos séculos antes de nós. E,
então, que símbolo encontras em um fato de uma crônica tão antiga?
– Encontro o fato de que vós não
tendes tempo para o que é eterno. Eterno é Deus, e a nossa alma, e as relações
entre Deus e a alma. Por isso, o que havia provocado o castigo naquele tempo é
o mesmo que provoca os castigos agora, e também os efeitos da culpa são iguais.
– Que queres dizer?
– Israel não sabe mais a
Sabedoria, que vem de Deus. É a Ele, e não aos pobres homens, que precisamos
pedir a luz. E não se tem luz, se não se tem a justiça e a fidelidade a Deus.
Por isso é que se peca, e Deus, em sua ira, pune.
– Então, nós não sabemos mais? Que é que estás dizendo,
rapaz? E os seiscentos e treze preceitos?
– Os preceitos existem, mas são
palavras. Nós os sabemos, mas não os colocamos em prática. Por isso não
sabemos. O símbolo é este: todo homem, em qualquer tempo, tem necessidade de
consultar o Senhor para conhecer a sua vontade e de nela confiar para não
atrair sua ira.
O rapaz é perfeito. Nem mesmo a cilada de uma pergunta
insidiosa foi capaz de perturbar sua resposta. Que ele seja levado à verdadeira
sinagoga. Passam para uma sala mais ampla e pomposa. Aqui a primeira coisa que
lhe fazem é encurtar-lhe os cabelos. Os grandes caracóis são recolhidos por
José. Depois, apertam-lhe a veste vermelha com uma cinta comprida, passada em
diversas voltas em torno da cintura, amarram-lhe umas fitazinhas na fronte, no
braço e no manto. Elas ficam seguras por uma espécie de broche. Depois, cantam
salmos, e José, com uma longa oração, louva ao Senhor e invoca sobre o Filho
todos os bens.
A cerimônia chega ao fim. Jesus sai com José. Voltam para o
lugar onde estavam e se reúnem aos seus parentes homens, compram e oferecem um
cordeiro; depois, com a vítima já degolada, vão ao encontro das mulheres.
Maria beija o seu Jesus. Parece que havia muitos anos que ela
não o via. Ela olha para Ele, feito agora mais homem, com aquela veste e
aqueles cabelos, e o acaricia.
Saem e tudo termina.
Pg. 245 - 250
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41 – A DISPUTA DE JESUS COM OS
DOUTORES NO TEMPLO. A ANGÚSTIA DA MÃE E A RESPOSTA DO FILHO
“...Quando acordo, com a lembrança daquela visão no coração
tendo recobrado um pouco as forças e a paz, porque todos estão dormindo, me
encontro em um lugar que eu nunca tinha visto antes. Nele há pátios e fontes,
séries de pórticos e casas, ou melhor, pavilhões, pois têm mais características
de pavilhões do que de casas. Há uma grande multidão de gente, vestida à antiga
moda hebraica, num forte vozerio. Olhando ao meu redor, compreendo que estou
dentro daquele aglomerado para o qual Jesus estava olhando, porque vejo a
muralha com ameias que o rodeia, a torre que o vigia e a imponente construção,
que se ergue no centro, e contra a qual vão-se estreitando os pórticos, muito
bonitos e espaçosos, sob os quais há muita gente, tratando de uma coisa ou de
outra.
Compreendo que estou no recinto do Templo de Jerusalém. Vejo
fariseus com suas compridas vestes ondulantes, sacerdotes vestidos de linho e
com uma placa preciosa na parte superior do peito e da fronte, e outros pontos
brilhantes espalhados aqui e ali sobre diversas vestes muito amplas e brancas,
ajustadas à cintura por um cinto precioso.
Depois vejo outros que estão menos ornados, mas que devem
certamente pertencer à classe sacerdotal, e que estão rodeados por discípulos
mais jovens. Compreendo que ele são os doutores da Lei. Entre todos estes
personagens, eu me encontro desorientada, porque não sei ao certo o que estou
fazendo aqui.
Aproximo-me do grupo dos doutores, onde se iniciou uma
disputa teológica. Muita gente faz a mesma coisa.
Entre os doutores há um grupo chefiado por um homem chamado
Gamaliel e por um outro, velho e quase cego, que defende Gamaliel na disputa.
Este que ouço ser chamado de Hilel, parece-me ser mestre ou parente de
Gamaliel, porque este o trata com confiança e respeito, ao mesmo tempo. O grupo
de Gamaliel tem vistas mais largas, enquanto que um outro grupo, mais numeroso,
é dirigido por um homem que chamam de Shamai, dotado daquela intransigência
cheia de ódio retrógrado do qual o Evangelho tão bem nos mostra.
Gamaliel, rodeado por um grupo numeroso de discípulos, fala
da vinda do Messias e, apoiando-se na profecia de Daniel, sustenta que o
Messias já deve ter nascido, porque já há dez anos que as setenta semanas se
completaram, desde que saiu o decreto da reconstrução do Templo. Shamai o combate,
afirmando que, se é verdade que o Templo foi reedificado, também é verdade que
a escravidão de Israel aumentou, e a paz que haveria de trazer consigo Aquele
que os Profetas chamavam de Príncipe da paz, está longe de existir no mundo,
especialmente em Jerusalém, agora oprimida por um inimigo, que ousa levar sua
dominação até dentro do recinto do Templo, que está dominado pela torre
Antônia, cheia de legionários romanos, prontos a reprimir com suas espadas
qualquer levante de independência dos patriotas.
A disputa é cheia de cavilações, dá sinais de que irá
prolongar-se. Cada um dos mestres faz ostentação de erudição, não só para
vencer o rival, mas para impor-se à admiração dos ouvintes. Esta intenção é
evidente. Do numeroso grupo dos fiéis, ouve-se sair a voz ovem de um rapazinho.
- Gamaliel está certo!
Então começa um movimento no meio da multidão e do grupo dos
doutores. Estão procurando quem foi que disse aquelas palavras. Mas não é
preciso procura-lo. Ele não se esconde, e vem abrindo caminho por entre a
multidão, aproximando-se do grupo dos rabinos. Reconheço nele o meu Jesus
adolescente. Ele está seguro do que diz, com aqueles seus olhos cintilando e
cheios de inteligência.
- Quem és tu? – lhe perguntam.
- Sou um filho de Israel, que vim
cumprir o que ordena a Lei.
Esta resposta, audaz e firme, agrada e provoca sorrisos de
aprovação e benevolência. Interessam-se pelo pequeno israelita.
- Como te chamas?
- Jesus de Nazaré.
A benevolência diminui no grupo de Shamai. Mas Gamaliel, mais
benigno prossegue no diálogo com Hilel. Aliás, é Gamaliel que com deferência
diz ao velho: “Pergunta ao rapazinho alguma coisa”.
- Em que é que se baseia a tua segurança?
Jesus – Na profecia, que não pode errar quanto a época e
quanto aos sinais que a acompanham, quando chega o momento da verificação. É
uma verdade que César nos está dominando. Mas o mundo estava tão em paz, e a
Palestina em tão grande calma, quando se cumpriram as setenta semanas, que foi
possível a César ordenar que se fizesse o recenseamento em seus domínios. Ele
não teria podido fazer se houvesse guerra no Império ou levantes na Palestina.
Como aquele tempo se cumpriu, assim também está se cumprindo o outro tempo de
sessenta e duas semanas mais uma, desde a realização do Templo para que o
Messias seja ungido e se confirme a continuação da profecia, para o povo que
não o quis. Podeis ter dúvidas? Não vos lembrais que a estrela foi vista pelos
Sábios do Oriente e que foi parar justamente no céu de Belém de Judá, e que as
profecias e as visões, desde Jacó e após ele, indicam aquele lugar como o
destinado a acolher o nascimento do Messias, filho do filho de Jacó, através de
Davi, que era de Belém? Não vos lembrais de Balaão? “Uma estrela nascerá de
Jacó”. Os Sábios do Oriente, cuja pureza e fé tornaram abertos os seus olhos e
seus ouvidos, viram a estrela e entenderam o seu nome: “Messias”, e vieram
adorar a Luz que desceu ao mundo.
Shamai, com um olhar rancoroso:
- Tu dizes que o Messias nasceu no tempo da estrela, em Belém
Efrata?
Jesus – Eu o digo.
Shamai – Então ele não existe mais. Não sabes, rapaz, que
Herodes fez matar todos os meninos de um dia até dois anos de idade em Belém e
nos arredores? Tu, que és tão sábio na Escritura, deves saber também isto: “Um
grito se ouviu no alto... É Raquel, que está chorando os seus filhos”. Os vales
e as colinas de Belém, que recolheram o pranto de Raquel, que estava morrendo,
ficaram cheios de pranto, e as mães choravam também sobre seus filhos que foram
mortos. Entre elas estava certamente também a mãe do Messias.
Jesus – Estás enganado, ó velho! O pranto de Raquel se
transformou em hosana, porque lá onde ela deu à luz o “filho da dor”, a nova
Raquel deu ao mundo o Benjamim do Pai celeste, o Filho da sua destra. Aquele
que está destinado a reunir o povo de Deus sob o seu cetro, e livrá-lo da mais
tremenda escravidão.
Shamai – E como, se Ele foi morto?
Jesus – Não leste a respeito de Elias? Ele foi
arrebatado no carro de fogo. E não poderá o Senhor Deus ter salvo o seu Emanuel
para que fosse o Messias para o seu povo? Ele, que abriu o mar diante de
Moisés, para que Israel passasse a pé seco para a sua terra, não terá podido
mandar seus anjos para salvarem o seu Filho, o seu Cristo, da ferocidade do
homem? Em verdade, eu vos digo: “o Cristo vive, e está entre vós e, quando
chegar a sua hora, Ele se manifestará em seu poder”.
Jesus ao dizer estas palavras, que eu sublinho, tem na voz um
som que enche o espaço. Os seus olhos cintilam mais ainda e, com um gesto de
império e de promessa, Ele estende o braço e a mão direita, e os abaixa, como
fazendo um juramento. É um rapazinho, mas está solene como um homem.
Hilel – Rapazinho, quem te ensinou estas palavras?
Jesus – Espírito de Deus. Eu não tenho mestre humano.
Esta é a palavra do Senhor, que vos está falando, através dos meus lábios.
Hilel – Vem cá entre nós, para que eu te possa ver de perto,
ó mocinho, e a minha esperança se reavive ao contato da tua fé, e a minha alma
se ilumine ao sol da tua.
E Jesus vai, de fato, sentar-se em um banco alto entre
Gamaliel e Hilel, e lhe são levados uns rolos para que os leia e explique. É um
exame em plena regra. A multidão se aglomera e escuta.
Jesus – “Consola-te, ó meu povo! Falai ao coração de
Jerusalém, consolai-a porque a sua escravidão se acabou... Voz do que grita no
deserto, preparai os caminhos do Senhor... Então aparecerá a glória do
Senhor...”
Shamai – Estás vendo nazareno! Aqui se fala de escravidão que
se acaba. Nunca fomos escravos como somos agora, Aqui se fala de um precursor.
Onde está ele? Tu estás delirando.
Jesus – Eu te digo que a ti, mais do que a outros,
está feito o convite do Precursor. A ti e aos teus semelhantes. De outra
maneira não verás a glória do Senhor, nem compreenderás a palavra de Deus,
porque as baixezas, as soberbas, as duplicidades serão para ti um obstáculo.
Shamai – falas assim a um mestre?
Jesus – Assim falo. E assim falarei até à morte.
Porque, acima do que me é útil, está o interesse do Senhor e o amor à Verdade,
da qual sou Filho. E te digo ainda, ó rabi, que a escravidão de que fala o
Profeta, e da qual eu falo, não é aquela que pensas, como a realeza não será
aquela que pensas. Mas, sim, é pelo mérito do Messias que o homem se tornará
livre da escravidão do Mal, que o separa de Deus, e o sinal do Cristo estará
sobre os espíritos, livres de todo jugo, e feitos súditos do Reino eterno.
Todas as nações curvarão suas cabeças, ó estirpe de Davi, diante do Rebento
nascido de ti, e que se tornou árvore que cobre toda a terra, e se levanta até
o Céu. E no Céu e na terra, toda boca louvará o seu nome, e dobrarão o joelho
diante do ungido de Deus, do Príncipe da paz, do Chefe, Daquele que se dará a
si mesmo para delícia das almas cansadas, saciará a alma faminta, do Santo que
fará uma aliança entre a terra e o Céu. Não como aquela aliança feita com os Pais
de Israel, quando Deus os tirou do Egito, tratando-os ainda como escravos, mas
imprimindo a paternidade celeste no espírito dos homens, por meio da Graça
novamente infundida pelos méritos do Redentor, pelo qual todos os homens bons
conhecerão o Senhor, e o Santuário de Deus não será mais derribado e destruído.
Shamai – Não fiques blasfemando mocinho! Lembra-te de Daniel.
Ele diz que, depois da morte de Cristo, o Templo e a Cidade serão destruídos
por um povo e por um chefe que virá. E tu estás dizendo que o Santuário de Deus
não será mais derrubado! Respeita os Profetas!
Jesus – Em verdade eu te digo que aqui está alguém que é
mais do que os Profetas, e tu não o conheces, e não o conhecerás, porque te
falta a vontade. Eu te digo que tudo o que Eu disse é verdade. Não conhecerá
mais a morte o verdadeiro Santuário. Mas como seu Santificador, ressurgirá para
a vida eterna e, no fim dos dias do mundo viverá no Céu.
Hilel – Escuta, jovenzinho – diz Ageu – “virá o Desejado dos
povos. Grande será, então a glória desta casa, maior do que a que coube à
primeira”. Estará ele se referindo ao Santuário de que tu falas?
Jesus – Sim, mestre. Quer dizer isso. A tua retidão te
leva para a Luz, e eu te digo: quando o sacrifício do Cristo se consumar, terás
paz, porque és um israelita sem malícia.
Gamaliel – Diz-me Jesus. A paz, de que falam os Profetas,
como poderá ser esperada, se a este povo virá a destruição pela guerra? Fala, e
dá luz a mim também.
Jesus – Não te lembras, mestre, o que foi que disseram
aqueles que estiveram presentes na noite do nascimento de Cristo? Não te
lembras de que os exércitos celestiais cantavam: “Paz aos homens de boa
vontade?” Mas este povo não tem boa vontade, e não terá paz. Ele desconhecerá o
seu Rei, o Justo, o Salvador, porque espera que Ele seja um rei de poderes
humanos, enquanto que Ele é o Rei dos espíritos. Este povo não o amará, porque
o Cristo pregará o que a este povo não agrada. O Cristo não debelará os seus
inimigos com os carros e cavalos, mas sim, os inimigos da alma, que dominam,
com possessão infernal o coração do homem criado pelo Senhor. E esta não é a
vitória que Israel está esperando Dele. Ele virá, Jerusalém, o teu Rei,
cavalgando uma jumenta e um jumentinho, ou seja, os justos de Israel e os
gentios. Mas o jumentinho, Eu vo-lo digo, será mais fiel a Ele, e o seguirá
precedendo a jumenta, e crescerá no caminho da Verdade e da Vida. Israel, pela
sua má vontade, perderá a paz, e sofrerá em si, através dos séculos, aquilo que
fizer sofrer seu Rei, depois de tê-lo reduzido ao Rei das dores, de que fala
Isaías.
Shamai – Tua boca tem ao mesmo tempo, cheiro de leite e de
blasfêmia, nazareno. Responde-me: E onde está o Precursor? Quando o teremos?
Jesus – Ele já está aqui. Não diz Malaquias: “Eis que
eu mando o meu anjo a preparar o caminho diante de Mim, e logo virá ao seu
templo o Dominador por vós procurado, e o Anjo do Testamento por vós desejado”.
Portanto o Precursor virá imediatamente antes de Cristo. Ele já está aqui, como
o Cristo está. Se passassem anos entre aquele que prepara os caminhos do Senhor
e o Cristo, todos os caminhos se tornariam cheios de entulhos e obstáculos.
Deus sabe disso, e predispõe que o Precursor venha uma hora só antes do Mestre.
Quando virdes o Precursor, podereis dizer: “A missão do Cristo começou”. E a ti
Eu te digo: O Cristo abrirá muitos olhos e muitos ouvidos, quando ele vier por
estes caminhos. Mas não os teus, nem os dos iguais a ti, que lhe dareis a morte
em troca da Vida, que Ele vos oferece. Mas quando, mais alto do que este
Templo, mais alto do que o Tabernáculo, fechado no Santo dos Santos, mais alto
do que a Glória sustentada pelos querubins, o Redentor estiver sobre o seu
trono e sobre o seu altar, fluirão de suas mil e mil feridas maldições para os
deicidas e vida para os gentios, porque Ele, ó mestre, que disso não sabes, não
é, eu repito, Rei de um reino humano, mas de um Reino espiritual, e os seus
súditos serão somente aqueles que por seu amor souberem regenerar-se no
espírito e, como Jonas, depois de terem nascido, renascerem em outra praias,
“as de Deus”, através da geração espiritual que virá por Cristo, o qual dará a
humanidade a verdadeira Vida.
Shamai e seus acólitos – Este nazareno é Satanás!
Hilel e os seus – Não. Este ovem é Profeta de Deus. Fica
comigo, menino. A minha velhice transfundirá tudo o que sabe ao teu saber, e Tu
serás mestre do povo de Deus.
Jesus – Em verdade, te digo que, se muitos fossem como
tu és, viria a salvação para Israel. Mas a minha hora ainda não chegou. A mim
falam as vozes do Céu, e, na solidão, Eu as devo acolher, enquanto não chegar a
minha hora. Então, com os lábios e com o sangue, falarei a Jerusalém, e minha
sorte será a dos Profetas que foram apedrejados e mortos por esta cidade. Mas,
acima do meu ser, está o Senhor Deus, ao qual Eu submeto a Mim mesmo, como
servo fiel, para que Ele faça de Mim escabelo à sua glória, na esperança de que
Ele faça do mundo o escabelo aos pés de Cristo. Esperai-me na minha hora, Estas
pedras ouvirão de novo a minha voz, e tremerão à minha última palavra. Felizes
aqueles que naquela voz tiverem ouvido a Deus, e crerem nele através dela. A
estes o Cristo dará aquele Reino que o vosso egoísmo deseja que seja um reino
humano, mas que é celeste e pelo qual Eu digo: “Eis aqui o teu servo, Senhor,
que veio para fazer a tua vontade. Consuma-a, pois Eu anseio para cumpri-la.”
E aqui, com a visão de Jesus com o rosto inflamado pelo ardor
espiritual erguido ao céu, os braços abertos, em pé, no meio dos doutores
atônitos, termina a minha visão.”
Jesus diz:
Voltemos muito, muito atrás.
Voltemos ao Templo, onde Eu, aos doze anos, estou disputando. Ou melhor,
voltemos às ruas que levam a Jerusalém, e de Jerusalém ao Templo. Vê a angústia
de Maria, quando, tendo-se reunido às filas dos homens e das mulheres, viu que
Eu não estava com José.
Ela não levanta a voz, em ásperas
repreensões contra o esposo. Todas as mulheres o teriam feito. Vós o fazeis por
muito menos, esquecendo-vos de que o homem é sempre o chefe da casa. Mas a dor
que transparece no rosto de Maria, magoa José, mais do que qualquer repreensão.
Maria não se abandona a cenas dramáticas. Vós, por muito menos, o fazeis, pois
gostais de ser notadas, e feitas alvos de compaixão. Mas a dor contida de Maria
é tão evidente, pelo tremor que a toma, pelo rosto que empalidece, pelos olhos
que se dilatam, que comove mais do que qualquer cena de pranto e de clamor.
Não sente mais cansaço, nem fome.
O caminho foi longo e, depois de tantas horas, não tomou nenhum alimento! Mas
ela deixa tudo. Tanto a enxerga, que está sendo arrumada, como a comida que ia
ser distribuída. Volta atrás. É tarde, a noite desce. Não importa. Cada passo
que dá leva-a de volta a Jerusalém. Faz parar as caravanas e os peregrinos.
Pergunta a todos.
José a segue e a ajuda. Um dia de
caminho, voltando, e depois uma penosa busca pela cidade. Onde, onde poderá
estar o seu Jesus? E Deus permite que ela não saiba, durante tantas horas onde
é que devia ir me procurar. Procurar um menino no Templo, seria uma coisa sem
sentido. Que teria um menino ido fazer no Templo? No máximo, teria se perdido
na cidade, e se tivesse voltado para dentro do Templo, levado pelos seus
pequenos passos, sua voz chorosa teria chamado pela mãe atraindo a atenção dos
adultos, dos sacerdotes, os quais teriam providenciado para que se procurassem
os pais dele, por meio de avisos colocados nas portas. Mas não havia nenhum
aviso. Ninguém na cidade sabia desse menino bonito? Loiro? Robusto? Mas há
tantos assim!
Era muito pouco para se poder
dizer: “Eu o vi. Estava em tal ou tal lugar!” Três dias depois, símbolo de
outros três dias de futura angústia, eis que Maria, exausta, penetra no Templo,
percorre os pátios e os vestíbulos.
Nada. Corre, corre a pobre mãe,
no rumo de onde lhe pareceu vir uma voz de menino. E, até os cordeiros, que
estão balindo, lhe parecem o pranto do Filho, que está procurando. Mas Jesus
não está chorando. Ele está ensinando. Neste momento, Maria ouve, do outro lado
de uma barreira de pessoas, a querida voz, que diz: “Estas pedras tremerão…”
Ela tenta atravessar a multidão, e só o consegue, depois de muito esforço. Aqui
está o
Filho, de braços abertos, em pé
entre os doutores. Maria é a Virgem prudente. Mas desta vez a angústia venceu a
sua reserva. É como um dique, que enfrenta o que vier. Ela corre até o Filho, e
o abraça levantando-o do banco, pondo-o no chão, e exclama: “Oh! Por que nos
fizeste isto? Há três dias que estamos à tua procura. Tua mãe está para morrer
de dor, Filho. Teu pai está exausto de cansaço. Por que Jesus?”
Não se pergunta os “porquês” a
Quem sabe os “porquês” de seu modo de agir. Aos chamados não se pergunta
“porque”, deixam tudo para seguir a voz de Deus. Eu era a Sabedoria e sabia. Eu
fui “chamado” para uma missão, e a estava cumprindo. Acima do pai e da mãe
desta terra, está Deus, o Pai divino. Os seus interesses superam os nossos, e
seus afetos são superiores a qualquer outro. Eu digo isso a minha mãe.
Termino o ensinamento aos
doutores, com o ensinamento a Maria, Rainha dos doutores. E ela nunca mais
esqueceu isso. O sol voltou ao seu coração, quando me tomou pela mão, humilde e
obediente, mas as minhas palavras também ficaram em seu coração. Muito sol e
muitas nuvens passarão pelo céu, durante aqueles vinte e um anos, em que Eu
estarei ainda sobre a terra. E muita alegria e muito pranto se alternará em seu
coração, por outros vinte e um anos. Mas ela nunca mais me perguntará: “Por
que, meu
Filho, nos fizeste isto?”
Aprendei, ó homens insolentes! Eu expliquei e esclareci a visão, porque tu não
estás em condições de fazer mais.
Pg. 250/261.
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42 – A MORTE DE JOSÉ. JESUS É A
PAZ DE QUEM SOFRE E DE QUEM MORRE
5 de fevereiro de 1944.
Poderosamente, esta visão penetra em mim, enquanto eu estou
procurando corrigir o fascículo, como também o que me foi ditado sobre as
falsas religiões de agora. Vou descrevê-la, à medida que a vou vendo.
Vejo o interior de uma oficina de carpinteiro. Parece-me que
duas das paredes da oficina são formadas por paredes rochosas, como se tivesse
sido aproveitada uma gruta natural, para com ela formar os cômodos da casa.
Aqui estão justamente os lados norte e oeste, que são de rocha, enquanto que as
duas outras paredes, do sul e do leste, são de reboco, como as nossas.
No lado norte, há uma curva côncava na superfície da rocha,
que foi escavada para servir de lareira rudimentar, sobre a qual está uma
panelinha com verniz ou cola, não sei bem. A lenha, queimada durante anos
naquele lugar, tingiu tanto a parede, que ela parece alcatroada, de tão preta.
Um buraco na parede, transposto por uma espécie de grande telha inclinada,
fazia-se de chaminé aspirando a fumaça da lenha. Mas este buraco deve ter
cumprido mal a sua tarefa, porque as outras paredes também estão muito
enegrecidas, e no momento uma nuvem de fumaça, está sendo espalhada pela
oficina toda.
Jesus trabalha com umas grandes tábuas. Está aplainando-as e
depois as encosta na parede, atrás de Si. A seguir, pega uma espécie de banco,
que está preso dos dois lados no torno, o solta, olha se o trabalho está certo,
esquadreja-o em todos os sentidos e, em seguida, vai até a chaminé, pega a
panelinha, procurando algo dentro dela, com um pauzinho ou pincel, não sei: só
vejo a parte que ficou fora, parecida com um cabinho.
Jesus está com uma veste cor de avelã escura, e sua túnica é
um tanto curta, com as mangas arregaçadas acima dos cotovelos e com uma espécie
de avental na frente, no qual ele limpa os dedos, depois de ter tocado a
panelinha.
Ele está sozinho. Trabalha continuamente, mas com calma.
Nenhum‐
movimento desordenado, impaciente. É exato e incessante em seu trabalho. Não se
aborrece com nada, nem com um nó na madeira que não se deixa aplainar, nem com
uma chave de parafusos (assim me parece), que lhe cai duas vezes do banco, nem
com a fumaça espalhada, que lhe deve incomodar os olhos.
De vez em quando, Ele levanta a cabeça, e olha para a parede
do lado sul, onde há uma porta fechada, como se estivesse escutando alguma
coisa. A um dado momento, Ele abre uma porta que está na parede do lado leste,
e que dá para a rua. Vejo um pedaço de uma viela poeirenta. Parece que Ele está
esperando alguém. Depois, volta ao trabalho. Não está triste, mas está sério.
Torna a fechar a porta, e retoma o trabalho.
Enquanto está ocupado em fabricar alguma coisa, que me parece
as partes de uma roda, a mamãe entra. Ela entra por uma porta do lado sul.
Entra apressadamente e corre até Jesus. Está vestida de azul escuro, e sem nada
na cabeça. Uma simples túnica ajustada à cintura por um cordão da mesma cor.
Chama com aflição o Filho, e se apoia com ambas as mãos em um dos seus braços,
com gestos de súplica e de dor. Jesus a acaricia passando-lhe o braço sobre o
ombro, e a conforta. Depois sai com ela, deixando logo o trabalho e tirando o
avental. Penso que o senhor quer saber também as palavras que foram ditas.
Foram bem poucas, da parte de Maria:
– Oh! Jesus! Vem, vem. Ele está mal!
Estas palavras são ditas com lábios que tremem, e com o
brilho do pranto nos olhos avermelhados e cansados. Jesus só diz: “Mãe!” Mas está tudo nesta palavra. Entram
no quarto ao lado, todo cheio da luz do sol, que entra por uma porta
escancarada, que dá para um pequeno jardim cheio de luz e de verde, no qual
voam pombos entre a agitação, causada pelo vento, de umas roupas que estão
estendidas para secar. O quarto é pobre, mas arrumado. Há uma enxerga, coberta
com pequenos colchões (eu digo pequenos colchões porque certamente são coisas
altas e macias, mas não se trata de uma cama como a nossa). Sobre ela, apoiado
em muitos travesseiros, está José. Está morrendo.
Di-lo claramente o rosto lívido, o olhar apagado, o peito
ofegante e a imobilidade do corpo todo. Maria se coloca à sua esquerda,
pega-lhe a mão enrugada e lívida nas unhas, a fricciona, a acaricia, a beija,
enxuga-lhe com um lenço o suor, que faz riscos que brilham nas têmporas
encavadas, a lágrima, que para no canto do olho, e lhe banha os lábios com um
pano de linho molhado em um líquido que parece vinho branco.
Jesus se põe à direita. Soergue com agilidade e cuidado o
corpo, que se deixa cair e o endireita sobre os travesseiros, que ajeita com
Maria. Acaricia sobre a fronte o agonizante, e procura reanimá-lo. Maria chora
baixinho, sem fazer barulho, mas chora. Grandes lágrimas rolam ao longo das faces
pálidas, e até sobre a veste azul escuro, e parecem safiras brilhantes.
José volta a si por algum tempo, olha fixamente Jesus, dá-lhe
a mão, como querendo dizer-lhe alguma coisa, e para ter, ao contato divino,
força na última provação. Jesus se inclina sobre aquela mão, e a beija. José
sorri.
Depois, ele se vira, para procurar Maria, sorrindo também
para ela. Maria se ajoelha junto à cama, procurando sorrir. Mas, não se saiu
bem, e curva a cabeça. José lhe coloca a mão sobre a cabeça, com uma casta
carícia, que parece uma bênção.
Não se ouve mais nada, a não ser o esvoaçar e o arrulhar dos
pombos, o roçar das folhas, o barulho da água e, no quarto, a respiração do
moribundo. Jesus anda ao redor do leito, pega um banco e faz Maria sentar-se,
dizendo-lhe somente: “Mamãe.” Depois volta ao seu lugar e pega de novo a mão de José entre
as suas. É uma cena tão real, que eu choro com dó de Maria.
Depois Jesus, curvando-se sobre o moribundo, em voz baixa
recita um salmo. Eu sei que é um salmo, mas agora não posso dizer qual.
Começa assim:
– “Protege-me, ó Senhor, porque
em Ti pus a minha esperança… Em favor dos santos, que estão na terra, ele
cumpriu admiravelmente todos os seus desejos… Bendirei ao Senhor que me dá
conselhos… Tenho sempre o Senhor diante de mim. Ele está à minha direita, para
que eu não vacile. Por isso se alegra o meu coração, e exulta a minha língua, e
também meu corpo repousará na esperança. Porque Tu não abandonarás a minha alma
na mansão dos mortos, nem permitirás que o teu santo veja a corrupção.
Far-me-ás conhecer os caminhos da vida, cumular-me-ás de alegria com a tua
face.”
José se reanima todo e, com um olhar mais vivo, sorri para
Jesus e lhe aperta os dedos. Jesus responde com um sorriso ao sorriso e com uma
carícia ao aperto de mão, e continua docemente, curvado sobre o seu pai
adotivo:
– “Quão amáveis são os teus
Tabernáculos, ó Senhor. Minha alma se consome de desejo pelos átrios do Senhor.
Até o pardal tem uma casa, e a rolinha um ninho para os seus filho tes. Eu
desejo os teus altares, ó Senhor.
Felizes aqueles que habitam a tua
casa… Feliz o homem que encontra em Ti a sua força. Ele tem preparadas em seu
coração as ascensões do vale de lágrimas ao lugar escolhido. Ó Senhor, escuta a
minha oração… Ó Deus, volta o teu olhar para a face do teu Cristo…”
José com um soluço, olha para Jesus, e faz sinal de querer
falar, como para abençoá-lo. Mas não pode. Vê-se que ele está compreendendo,
mas já não pode falar. Contudo, ele se sente feliz, e olha, animado e confiante
para o seu Jesus.
Jesus continua:
– “Oh! Senhor, Tu foste propício
à tua terra, livraste Jacó da escravidão… Mostra-nos, ó Senhor, a tua
misericórdia, e dá-nos o teu Salvador. Quero ouvir o que me diz dentro de mim o
Senhor Deus. Certamente Ele falará de paz ao seu povo pelos seus santos e por
quem a Ele se volta de coração. Sim, a tua salvação está próxima… e a glória
habitará sobre a terra… A bondade e a verdade se encontraram, a justiça e a paz
se beijaram. A verdade surgiu da terra e a justiça a olhou do Céu. Sim, o
Senhor se mostrará benigno, e a nossa terra dará o seu fruto. A justiça
caminhará diante Dele, e deixará no caminho os seus rastros.” Tu viste esta
hora, ó pai, e por ela foi que te cansaste tanto. Tu ajudaste esta hora a se
formar, e o Senhor te dará a recompensa. Eu te digo isto –acrescenta Jesus, enxugando uma lágrima de
alegria, que desce lentamente pela face de José.
Depois continua:
– “Ó Senhor, lembra-te de Davi, e
de toda a sua mansidão. Como ele jurou ao Senhor: não entrarei em minha casa,
não me deitarei, não darei sono aos meus olhos, nem repouso às minhas
pálpebras, nem descanso às minhas têmporas, enquanto eu não encontrar um lugar
para o Senhor, uma morada para o Deus de Jacó… Levanta-te, ó Senhor, e vem ao
teu repouso, Tu e a Arca da tua santidade (Maria compreende, e tem uma explosão de pranto).
Sejam revestidos de justiça os
teus sacerdotes, e façam festa os teus santos. Pelo amor de Davi, teu servo,
não nos negue o rosto do teu Cristo. O Senhor prometeu a Davi com juramento, e
cumprirá: ‘Porei sobre o trono o fruto do teu seio.’ O Senhor escolheu a sua
morada… Eu farei florescer o poder de Davi, preparando uma tocha acesa para o
meu Cristo.”
Obrigado, meu pai, por Mim e por
minha mãe. Tu foste para Mim um pai justo, e o Eterno te colocou como guarda do
seu Cristo e da sua Arca. Tu foste a tocha acesa por Ele e, para com o Fruto do
ventre santo, tiveste entranhas de caridade. Vai em paz, ó pai! A viúva não
ficará desamparada. O Senhor predispôs que ela não fique sozinha. Vai tranquilo
para o teu repouso. Eu te digo.
Maria chora com o rosto curvado sobre as cobertas (parecem
mantos) estendidas sobre o corpo de José, que vai esfriando. Jesus apressa os
seus confortos, pois a respiração se torna mais difícil, e o olhar se torna
anuviado.
– “Feliz o homem que teme o
Senhor, e põe nos seus mandamentos todo o seu prazer… A justiça dele permanece
nos séculos dos séculos. Entre os homens retos, surge nas trevas como uma luz,
o misericordioso, o benigno, o justo… O justo será lembrado para sempre… A sua
justiça é eterna, o seu poder se elevará até à glória…”
Tu terás esta glória, meu pai.
Logo virei buscar-te com os Patriarcas que te precederam, para ires à glória
que te espera. Que o teu espírito exulte com esta minha palavra. “Quem repousa
no auxílio do Altíssimo, vive sob a proteção do Deus do Céu.” Tu já estás nesse
lugar, meu pai.
“Ele me livrou do laço dos
caçadores e das palavras ásperas. Ele te cobrirá com as suas asas e debaixo de
suas penas encontrarás refúgio. A sua verdade te defenderá como um escudo, não
temerás os espantos noturnos.
Não se aproximará de ti o mal…
porque aos seus anjos Ele deu a ordem de guardar-te em todos os teus caminhos.
Eles te levarão em suas mãos, para que o teu pé não tropece nas pedras.
Caminharás sobre a áspide e o basilisco, e esmagarás o dragão e o leão. Porque
esperaste no Senhor, Ele te diz, ó pai, que te libertará e protegerá. Porque
elevaste a Ele a tua voz, Ele te ouvirá, estará contigo na última tribulação,
te glorificará depois desta vida, fazendo-te ver desde agora a sua Salvação”, e
fazendo-te entrar na outra, pela Salvação que agora te está confortando e que
logo, oh! logo virá, te repito, cingir-te com um abraço divino e levar-te
Consigo, à frente de todos os Patriarcas, lá para o lugar onde está preparada a
morada do Justo de Deus, que para Mim foi um pai bendito.
Vai, na minha frente, dizer aos
Patriarcas que a Salvação já está no mundo e que o Reino dos Céus logo será
aberto para eles. Vai, pai. A minha bênção te acompanhe.
A voz de Jesus se faz mais alta, para chegar até à mente de
José, que já se vai mergulhando nas névoas da morte. O fim é iminente. Ele já
respira com dificuldade. Maria o acaricia. Jesus se assenta sobre a beira da
cama, abraça e atrai para Si o agonizante, que exala o último suspiro, sem
fazer nenhum movimento. É uma cena cheia de uma paz solene. Jesus coloca
novamente o Patriarca na cama e abraça Maria, que, no fim se aproximou de Jesus
na angústia que sentia.
Jesus diz:
– A todas as mulheres que estão
sendo torturadas por alguma dor, Eu ensino a imitar Maria na sua viuvez:
unindo-se a Jesus. Aqueles que pensam que Maria não sofreu as penas do coração,
estão errados. Minha mãe sofreu. Ficai sabendo disso. Santamente, porque tudo
nela era santo, mas profundamente.
Aqueles que pensam que Maria
amava o seu esposo com um amor tépido, visto que ele era um esposo para as
coisas espirituais, e não para as carnais, estão igualmente errados. Maria
amava intensamente o seu José, ao qual dedicou seis lustros (30 anos) de uma
vida de fidelidade. Para Ela José foi pai, esposo, irmão, amigo e protetor.
Agora, ela se sentia sozinha,
como uma vara de videira ao qual foi cortada a árvore em que se apoiava. Sua
casa ficou como que ferida por um raio. Ficou dividida. Antes era uma unidade
na qual os membros se sustinham um ao outro. Agora, vinha a faltar a parede
mestra, sendo este o primeiro dos golpes desferido naquela Família, sinal de
que dentro em breve o seu amado Jesus também a deixaria.
A vontade do Eterno, que tinha
querido que ela fosse esposa e mãe, agora lhe impunha a viuvez e a entrega de
seu Filho. Maria diz entre lágrimas, um dos seus sublimes “sim.” “Sim, Senhor,
faça-se em mim segundo a tua palavra.” E, para ter força naquela hora, ela me
abraça.
Sempre Maria abraçou Deus nas
horas mais graves da sua vida. No Templo, quando chamada para as núpcias; em
Nazaré, quando chamada para a Maternidade; ainda em Nazaré, derramando as
lágrimas da viuvez; em Nazaré no suplício da separação do Filho; no Calvário,
em que sofreu a tortura de me ver morrer.
Aprendei, vós que chorais.
Aprendei, vós que morreis. Aprendei, vós que viveis para morrer. Procurai
merecer as palavras que Eu disse a José. Serão a vossa paz em vossa agonia.
Aprendei, vós que morreis, a merecer a presença de Jesus perto de vós, para
vosso conforto. Mesmo se não tiverdes merecido, ousai chamar-me para perto de
vós. Eu virei. Com as mãos cheias de graça e de conforto, o coração cheio de
perdão e amor, com os lábios cheios de palavras de absolvição e encorajamento.
A morte perde toda a sua aspereza, se ela acontecer nos meus braços. Crede
nisso. Eu não posso abolir a morte, mas posso torná-la suave para quem morre
confiando em mim.
O Cristo disse para todos vós, em
sua Cruz: “Senhor, a Ti entrego o meu espírito.” Ele o disse, pensando na sua e
nas vossas agonias, nos vossos terrores, nos vossos erros, nos vossos temores,
nos vossos desejos de perdão. Ele o disse com o coração dilacerado, antes mesmo
do golpe da lança, numa dilaceração mais espiritual do que física, para que as
agonias daqueles que morrem pensando Nele, sejam amenizadas pelo Senhor e o
espírito deles passe da morte à Vida, da dor ao júbilo eterno.
Esta, pequeno João, é a lição de
hoje. Sê boa, e não temas. A minha paz refluirá em ti sempre, através da
palavra e através da contemplação. Vem. Faz de conta que és José, que tem por
travesseiro o peito de Jesus, e Maria como enfermeira. E repousa entre nós,
como um menino em seu berço.
Pg. 261 - 268
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43 – A CONCLUSÃO DA VIDA ESCONDIDA
10 de junho de 1944.
Maria diz:
Antes de entregar estes cadernos,
Eu quero unir a eles a minha bênção. Agora, basta que queiras fazer com um
pouco de paciência; podereis ter uma coleção completa da vida íntima do meu
Jesus. Desde a Anunciação, até o momento em que Ele sai de Nazaré para a
pregação, tendes, não só os ditados, mas também a ilustração dos fatos que
acompanharam a vida familiar de Jesus.
A infância, a meninice, a
adolescência e a juventude do meu Filho têm apenas uns breves traços no grande
quadro de sua vida descrito pelos Evangelhos. Neles Ele é o Mestre. Aqui é o
Homem. É o Deus que se humilha por amor do homem. E que também opera milagres,
mesmo em seu aniquilamento de uma vida comum. Ele opera em mim, que sinto a
minha alma levada à perfeição, em contato com o Filho que me cresce no ventre.
Opera na casa de Zacarias,
santificando o Batista, ajudando Isabel em seu trabalho, dando palavra e fé a
Zacarias. Ele opera em José, abrindo-lhe o espírito à luz de uma verdade, de
tal modo excelsa, que por si mesmo não podia compreender, embora fosse um
justo. E, depois de mim, quem mais foi beneficiado por esta chuva de divinos
benefícios foi José.
Observa o caminho que ele
percorre, um caminho espiritual, desde quando vem para a minha casa, até o momento
da fuga para o Egito. No início, não era mais do que um homem justo do seu
tempo. Depois, por fases sucessivas, tornou-se o homem justo do tempo cristão.
Adquire a fé no Cristo, e se entrega a essa fé firme, que passa à esperança,
desde aquela frase dita no começo da viagem de Nazaré para Belém: “Como
faremos?”, frase em que ali estava todo o homem que se revela com os seus
temores humanos e as suas preocupações humanas. Na gruta, diante do nascimento,
diz: “Amanhã será melhor.” Jesus, que está para chegar, já o fortalece, com
esta esperança que, entre os dons de Deus, é um dos mais belos. E, dessa
esperança, quando o contato com Jesus o santifica, ele passa à ousadia.
Deixou-se sempre dirigir por mim,
pelo respeito reverente que nutria por mim. Agora é ele que dirige tanto as
coisas materiais, como as superiores, e decide como chefe da Família, quando é
preciso decidir. Não só isso, mas na hora penosa da fuga, depois que meses de
união com o Filho de Deus o saturaram de santidade, é ele quem conforta o meu
penar, e me diz: “Ainda que não tivéssemos mais nada, teríamos sempre tudo,
porque teremos a Ele.”
Seus milagres de graça, meu Jesus
os opera nos pastores. O Anjo vai até onde está o pastor, que um fugaz encontro
comigo predispõe para a Graça, e o leva até à Graça para que Esta o salve para
sempre.
Ele os opera por onde passa,
tanto no exílio, como quando volta à sua pequena Nazaré. Porque, onde Ele
estava, a santidade se expandia como o óleo sobre um pano, como a fragrância
das flores no ar, e quem por ela era tocado, se não fosse um demônio, sentia
grande desejo de santidade. Onde há esse desejo, há raiz de vida eterna, porque
quem quer ser bom, consegue a bondade, e a bondade leva ao Reino de Deus.
Vós agora tendes, apresentada em
pontos, que refletem momentos diversos, a santa Humanidade de meu Filho. Desde
o seu nascimento, até à sua morte. E, se o Pe. M. achar bom, pode fazer deles
uma ordenada coleção dos pontos, de modo a poder formar um conjunto sem
lacunas. Isso se julgar útil fazê-lo.
Teríamos podido dar tudo junto.
Mas a Providência julgou ser bom fazer assim para ti, ó minha alma! Em todos os
ditados te demos os remédios para as tuas feridas, que haveriam de ser-te
infligidas. Demos com antecedência para te preparar. Na hora do granizo, parece
que nada serve de abrigo. Mas não é assim. A tempestade faz aflorar a
humanidade, que está adormecida e sepultada debaixo das águas espirituais, mas
traz à tona também as gemas de uma doutrina sobrenatural, que caíram no vosso
coração, e que estão esperando justamente a hora da tempestade, para
reaparecerem e dizer-vos:
“Aqui estamos nós também.
Lembra-te de nós”.
Há, além disso, minha alma, uma
razão de bondade, além de ser de Providência. Como terias podido, no atual
estado de enfraquecimento, ver e ouvir certas visões e ditados? Estas coisas te
teriam prostrado, até te tornarem incapaz da tua missão de “porta-voz”. Por
isso, porque em nós há bondade nós os demos antes, evitando despedaçar teu
coração com visões e palavras por demais consoantes com o teu sofrimento, e por
isso intensas até ao espasmo. Não somos cruéis, Maria. Agimos sempre de modo
que vós de nós tenhais conforto, não angústia, nem aumento de dor. Basta-nos
que vos confieis a nós. Basta-nos que digas como José: “Se ainda tenho Jesus,
tenho tudo!”, para que venhamos com os dons celestes a consolar o vosso
espírito.
Não te prometo dons, nem
consolações humanas. Eu te prometo as mesmas consolações que teve José, as
sobrenaturais. Porque é bom que todos fiquem sabendo que os presentes dados
pelos Magos, na usura que aperta pela garganta um fugitivo, sumiram
rapidamente, como um relâmpago, com a compra de uma casinha e daquele mínimo de
utensílios necessários para a vida, daqueles alimentos que eram também
necessários, que só podiam vir daquela fonte, enquanto não encontrávamos
trabalho.
Na comunidade hebraica sempre
todos se ajudaram mutuamente. Mas a comunidade reunida no Egito era quase toda
composta de fugitivos perseguidos e, por isso, pobres como nós, que tínhamos
ido nos juntar a eles. Um pouco daquela riqueza que queríamos manter para
Jesus, para o nosso Jesus adulto, preservada dos gastos da instalação no Egito,
foi providencial para a nossa volta e apenas suficiente para reorganizar nossa
casa e a oficina em Nazaré, ao nosso retorno. Porque os tempos mudam, mas a
cobiça humana é sempre a mesma, servindo-se da necessidade alheia para sugar a
sua parte de maneira odiosa.
Não. Termos Jesus conosco não
serviu para trazer-nos bens materiais. Muitos de vós pretendem isto, quando
apenas se sentem um pouco unidos a Jesus. Esquecem-se de que Ele disse:
“Procurai as coisas do espírito.”
Tudo o mais é supérfluo. Deus
provê também o alimento. Tanto aos homens como os pássaros. Porque sabe que
eles têm necessidade do alimento, enquanto a carne for armadura em torno de
vossa alma. Mas, pedi primeiro a sua Graça. Pedi primeiro pelo vosso espírito.
O resto vos será dado como acréscimo.
Da união com Jesus, José teve,
humanamente falando, angústias, fadigas, perseguições, fome. Outra coisa não
teve. Mas, visto que servia a Jesus somente, tudo isso se transformou em paz
espiritual, em sobrenatural alegria.
Eu queria trazer-vos ao ponto em
que estava o meu esposo ao dizer: “Ainda que chegássemos a não ter mais nada,
teríamos sempre tudo, porque temos Jesus.”
Eu sei. O coração se despedaça.
Eu sei, a mente se ofusca. Eu sei, a vida se consome. Mas Maria! És de Jesus?
Queres ser de Jesus? Onde, como morreu Jesus? Menina querida, estás chorando,
mas persevera na fortaleza. O martírio não consiste na forma de tormento, mas,
sim na constância com que o mártir o suporta. Por isso, é martírio tanto uma
arma, como um sofrimento moral, quando é suportado por um mesmo objetivo. Tu
estás suportando por amor ao meu Filho. O que fazes pelos irmãos é sempre por
amor de Jesus, que os quer salvos. Por isso, o teu sofrimento é verdadeiro
martírio. Persevera nele. Não queiras fazer isso por ti mesma.
Basta, porque a aflição é forte
demais para que tu possas ter ainda tanta força para guiar-te por ti mesma e
dominar também a tua humanidade impedindo-a de chorar, basta que deixes que a
dor te torture, sem rebelar-te. Basta que digas a Jesus: “Ajuda-me!”. Aquilo
que não podes fazer, Ele o fará por ti. Permanece Nele. Sempre Nele. Não
queiras sair Dele. Se não quiseres, não sais. Se a dor for tão forte, que te
impeça de ver onde estás, tu estarás sempre em Jesus.
Eu te abençoo. Diz comigo:
“Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.” Seja este sempre o teu grito.
Até que, um dia, o digas no Céu. A graça do Senhor esteja sempre contigo!
Pg. 268 - 271
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45 – PREGAÇÃO DE JOÃO BATISTA E
BATISMO DE JESUS
Vejo uma planície despovoada, sem cidades e sem vegetação.
Não há campos cultivados, e bem poucos e raros são os arbustos reunidos aqui e
ali em moitas, como uma das famílias vegetais, nos lugares em que o solo, nas
camadas mais profundas está menos árido do que nos outros pontos em geral.
Faça de conta que este terreno chamuscado e inculto esteja à
minha direita, tendo eu o norte às minhas costas, e que ele se prolongue para o
lado sul, em relação a mim. À esquerda, ao contrário, vejo um rio de margens
muito baixas, que corre lentamente, também ele de norte a sul. Pelo movimento
vagaroso da água, compreendo que não devem existir desníveis em seu leito e que
este rio corre por uma planície de tal maneira plana, que forma uma depressão.
Ali há um movimento apenas suficiente para que a água não
fique estagnada em um pântano. (A água é pouco profunda, tanto que se pode ver
o fundo. Acho que não tem mais do que um metro, no máximo, um metro e meio. Tem
uma largura como a do rio Arno, à altura de S. Miniato-Empoli, eu diria, de uns
vinte metros. Mas eu não tenho olho bom para calcular distâncias).
Também é um rio de águas azuis levemente esverdeadas nas
margens, onde pela umidade do solo há uma vegetação densa e agradável à vista,
que já ficou cansada de olhar a esqualidez das pedras e da areia que se estende
diante dela.
Aquela voz interior, que eu lhe expliquei que ouço, e que me
indica o que é que devo anotar e saber, me avisa que o que estou vendo é o vale
do Jordão. Eu o chamo de vale, porque é costume falar assim, quando queremos
indicar o lugar por onde corre um rio, mas no caso do Jordão, é impróprio
chamá-lo assim, porque um vale pressupõe montes, e eu aqui não vejo montes
próximos. Mas, em suma, estou junto ao Jordão, e o espaço desolado, que observo
à minha direita é o deserto de Judá. Se falamos em deserto para querermos dizer
um lugar onde não há casas nem trabalhos feitos pelo homem, está certo, mas não
o é segundo o conceito que nós temos do deserto.
Aqui não há areias onduladas do deserto como nós o
concebemos, mas somente terra nua, com pedras e detritos espalhados, como são
os terrenos aluviais depois de uma cheia. Lá, ao longe, veem-se algumas
colinas. Também, junto ao Jordão, reina uma grande paz, alguma coisa de
especial e de superior ao comum, igual ao que se sente nas margens do lago
Trasimeno. É um lugar que parece querer fazer-nos pensar em voos de anjos e em
vozes celestes. Não sei dizer bem o que estou sentindo. Mas me sinto num lugar
que nos fala ao espírito.
Enquanto observo estas coisas, vejo que o cenário vai-se
enchendo de gente, ao longo da margem direita (em relação a mim) do Jordão. Há
muitos homens, vestidos de maneiras diversas. Alguns parecem homens do povo,
outros são ricos e não faltam alguns que parecem ser fariseus, pelas vestes
adornadas com franjas e galões.
No meio deles, em pé sobre um penhasco, está um homem que,
ainda que seja esta primeira vez que o vejo, reconheço logo que é o Batista.
Ele fala à multidão, e eu lhe asseguro que não é uma pregação doce. Jesus
chamou Tiago e João de “os filhos do trovão”. Como chamar, então, este veemente
orador? João Batista merece o nome de raio, avalanche, terremoto, pois o seu
modo de falar e gesticular é muito impetuoso e severo.
Ele fala, anunciando o Messias e exortando o povo a preparar
os corações para a sua vinda, arrancando-lhes os embaraços, endireitando-lhes
os pensamentos. Mas é um falar vorticoso e rude. O Precursor não tem a mão leve
de Jesus, sobre as chagas dos corações. É um médico que tudo descobre, examina,
e corta, sem piedade.
Enquanto o escuto — e não repito as palavras porque são
aquelas referidas pelos evangelistas, mas amplificadas em sua impetuosidade —
vejo que, ao longo de uma estradinha, pela beira da faixa verde que acompanha o
Jordão, vem se aproximando o meu Jesus. Este caminho rústico, que é mais um
atalho do que um caminho, parece ter-se formado com a passagem das caravanas e
das pessoas que, durante anos e séculos, o têm percorrido para alcançar um
ponto mais raso do rio e fácil de ser atravessado a vau. O atalho continua do
outro lado do rio, e se perde entre o verde dos ribeirinhos.
Jesus está sozinho. Caminha lentamente, avançando em direção
às costas de João. Aproxima-se sem fazer barulho e escuta, entretanto, a voz
trovejante do Penitente do deserto, como se Jesus fosse um dos muitos que iam a
João para serem batizados, a fim de se prepararem para estarem limpos, na
chegada do Messias. Nada distingue Jesus dos outros. Nas vestes, Ele parece um
dos homens do povo, um senhor no trato e na beleza, mas nenhum sinal divino o
diferencia da multidão.
Dir-se-ia, porém, que João está sentindo a emanação de uma
espiritualidade especial. Ele se vira e, de imediato, reconhece qual é a fonte
daquela emanação. Ele desce impetuosamente do penhasco, que lhe servia de
púlpito, e, rapidamente, vai até Jesus, que estava parado a alguns metros do
grupo, apoiando-se ao tronco de uma árvore.
Jesus e João se olham por um momento. Jesus com aquele seu
olhar‐ azul
tão doce. João com seus olhos severos, pretos, cheios de uma luz intensa.
Vistos de perto, eles são a antítese um do outro. Os dois são altos (é a única
semelhança, em tudo o mais são diferentes). Jesus é loiro, de cabelos compridos
e penteados, com um rosto de um branco marfim, de olhos azuis, de roupa
simples, mas majestosa. João tem cabelos pretos, que caem lisos sobre as
costas, desiguais em comprimento, com uma barba preta e rala, que lhe cobre
quase todo o rosto, sem impedir que se possam notar suas faces escavadas pelo
jejum, seus olhos pretos e febris, sua pele escura, bronzeada pelo sol e pelas
intempéries, A pelugem farta que lhe cobre o corpo seminu, com sua veste de pelo
de camelo, presa à cintura por uma correia de pele, cobrindo o torso, descendo
um pouco abaixo dos flancos magros, deixando descobertas as costelas à direita,
por onde se vê a pele curtida pelo ar. Os dois, vistos juntos, parecem um anjo
e um selvagem.
João, depois de tê-lo perscrutado com seus olhos penetrantes,
exclama:
– Eis o Cordeiro de Deus! Como é que o meu Senhor vem a mim?
Jesus lhe responde tranquilamente:
– É para cumprir o rito da
penitência.
– Nunca, meu Senhor. Eu é que devo ir a Ti para ser
santificado, e Tu vens a mim?
Jesus, pondo-lhe a mão sobre a cabeça, pois João estava
curvado à sua frente, lhe responde:
– Deixa que se faça como Eu
quero, para que se cumpra toda a justiça, para que o teu rito se torne o início
de um mais alto mistério, e para que seja anunciado aos homens que a Vítima já
está no mundo.
João olha para Ele com uns olhos, que uma lágrima enternece,
e o precede em direção à beira do rio, onde Jesus tira o manto e a túnica,
ficando com uma espécie de calções curtos, para, depois, descer na água, onde
já está João, que o batiza, vertendo-lhe sobre a cabeça a água do rio, apanhada
com uma espécie de taça que o Batista traz pendurada na cintura, e que me
parece uma concha, ou a metade de uma cabaça seca, da qual foi tirado o miolo.
Jesus é realmente o Cordeiro. Cordeiro na candura da carne,
na modéstia do trato, na mansidão do olhar. Enquanto Jesus torna a subir à
beira do rio, depois de se vestir, se recolhe em oração, João o aponta à
multidão, dando o testemunho de tê-lo conhecido pelo sinal que o Espírito de
Deus lhe tinha dado, sinal infalível do Redentor.
Mas eu me sinto tão atraída por Jesus, ao vê-lo rezando, que
não vejo nada, a não ser esta figura de luz, contra o verde da margem.
Jesus diz:
– João para si mesmo não tinha
necessidade do sinal. O seu espírito, pré-santificado desde o ventre de sua
mãe, possuía aquela vista da inteligência sobrenatural, que teria sido a de
todos os homens sem a culpa de Adão.
Se o homem tivesse permanecido na
graça, na inocência, na fidelidade ao seu Criador, teria visto Deus, através
das aparências externas. No Gênesis está dito que o Senhor Deus falava
familiarmente com o homem inocente e que, diante daquela voz o homem não
desfalecia, nem se enganava, ao discerni-la. Tal era a sorte do homem: ver e
compreender a Deus, exatamente como um filho faz com o seu pai. Depois veio a
culpa, e o homem não mais ousou olhar a Deus, não mais soube ver e compreender
Deus. E o compreende cada vez menos.
Mas João, o meu primo João, tinha
sido purificado da culpa, quando a cheia de graça se curvou amorosamente para
abraçar a que tinha sido estéril, sendo agora, a fecunda Isabel. O pequenino,
no seu ventre, tinha saltado de alegria, sentindo sair de sua alma o vestígio
da culpa, assim como uma crosta cai da ferida que ficou curada. O Espírito
Santo, que fez de Maria a mãe do Salvador, Ele iniciou a Sua obra de salvação,
através de Maria, cibório vivo da salvação encarnada, por meio deste nascituro,
que estava destinado a estar unido a mim, não tanto pelo sangue, mas também
pela missão que fez de ambos, lábios que formam a palavra. João era os lábios,
Eu era a Palavra. Ele, o Precursor no Evangelho e em seu destino de mártir.
Eu, Aquele que aperfeiçoa, com a
minha divina perfeição, o Evangelho iniciado por João, e o seu martírio, pela
defesa da Lei de Deus. João não precisava de nenhum sinal. Mas o sinal era
necessário para a obtusidade dos outros. Sobre o que teria João baseado a sua
afirmação senão sobre uma prova inegável que até os olhos dos lentos e os ouvidos
dos aborrecidos tivessem podido perceber?
Eu também não precisava de
batismo. Mas a sabedoria do Senhor tinha julgado ser aquele o momento e o modo
de nos encontrarmos. Tirando João da sua caverna, e a Mim da minha casa, Ele
nos uniu naquela hora para abrir sobre Mim os Céus, descendo a Pomba divina
sobre Aquele que teria de batizar os homens com esta Pomba, e descendo também o
anúncio, ainda mais poderoso do que o do anjo, porque era de meu Pai: “Eis o
meu Filho dileto, com o qual Eu me comprazo.” Para que os homens não tivessem
desculpas ou dúvidas se deveriam seguir-me ou em não.
As manifestações do Cristo foram
muitas. A primeira depois do nascimento foi aquela dos Magos, a segunda, no
Templo, e a terceira às margens do Jordão. Depois vieram infinitas outras, que
eu te farei conhecer, pois os meus milagres são manifestações da minha natureza
divina, até a Ressurreição e a Ascensão ao Céu.
A minha pátria encheu-se das
minhas manifestações. Como semente lançada aos quatro pontos cardeais, essas
manifestações aconteceram em todas as camadas da sociedade e em todos os
lugares da vida: dos pastores, aos poderosos, aos doutos, aos incrédulos, aos
pecadores, aos sacerdotes, aos dominadores, às crianças, aos soldados, aos
hebreus, aos gentios. Ainda agora elas se repetem. Mas, como naquele tempo, o
mundo não as recebe bem. Não recebe bem as atuais, esquecendo-se também das
passadas. Pois bem, Eu não desisto. Eu me repito para salvar-vos, para
levar-vos a ter fé em mim.
Sabes, Maria, o que estás
fazendo? Sabes o que Eu estou fazendo, ao mostrar-te o Evangelho? Uma tentativa
mais forte de trazer os homens à mim. Tu tens desejado isto com ardentes
orações. Eu não me limito mais à palavra. Ela os cansa e os afasta. É uma
culpa, mas é assim. Recorro à visão, a visão do meu Evangelho, e a explico para
torná-la mais clara e atraente.
A ti Eu te dou o conforto da
visão. A todos Eu dou o modo de desejar me conhecer. Se ainda não servir, e
como crianças caprichosas, jogarem fora o presente sem compreenderem o seu
valor, contigo ficará o meu presente, e a eles, a minha indignação. Poderei,
mais uma vez, dar-lhes aquela antiga repreensão: “Tocamos, e não dançastes;
entoamos lamentações, e não chorastes.”
Mas, não importa. Deixemos que
eles, esses inconvertíveis, acumulem sobre suas cabeças os carvões ardentes, e
voltemos às ovelhinhas, que procuram conhecer o Pastor. Eu sou o Pastor, e tu
és a vara que as conduz a mim. Como vê, eu me apressei à colocar aqueles
particulares que, pela sua pequenez, me haviam escapado, e que o Senhor desejou
ter.
Pg. 281 - 286
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46 – JESUS TENTADO POR SATANÁS NO
DESERTO. COMO SE VENCEN AS TENTAÇÕES
24 de fevereiro de 1944.
Vejo à minha esquerda, a solidão rochosa, que eu já vi, na
visão do batismo de Jesus no Jordão. Mas devo ter penetrado bastante nela,
porque não vejo inteiramente o belo rio, vagaroso e azul, nem a veia verde que
o acompanha em suas duas margens, como que alimentada por aquela artéria de
água. Aqui só se vê solidão, grandes pedras, uma terra de tal maneira árida,
que está reduzida a um pó amarelado que, de vez em quando o vento levanta em
pequenos redemoinhos, parecidos com o sopro de alguma boca febril, de tão
quente e seco. Eles incomodam, porque a sua poeira nos penetra as narinas e a
garganta. Há algumas pequenas moitas de espinheiros, muito raras, que não se
sabe como é que podem resistir, nessa desolação. Parecem os últimos fios de
cabelo numa cabeça calva. Acima, um céu, impiedosamente azul; em baixo, o solo
árido; ao redor, penhascos e silêncio.
Eis o que vejo como natureza. Encostado à uma grande pedra,
que pela sua forma, feita para cima e para baixo assim como tento desenhá-la,
parece um princípio de caverna, está Jesus, sentado sobre numa outra pedra, que
foi arrastada para dentro da caverna. Protege-se assim do sol ardente.
Meu monitor interior me avisa que aquela pedra, sobre a qual
o Senhor está sentado, é também o seu genuflexório e o seu travesseiro, quando
Ele tira suas breves horas de repouso, envolto em seu manto, à luz das estrelas
e exposto ao ar frio da noite. De fato, a sacola está perto dele, a mesma que
eu o vi pegar, antes de partir de Nazaré. É tudo o que Ele tem. E, como está
dobrada e frouxa, compreendo que está vazia, sem aquele pouco alimento que
Maria havia posto nela. Jesus está muito magro e pálido. Está sentado com os
cotovelos apoiados nos joelhos e os antebraços estendidos para a frente, com as
mãos unidas e os dedos entrelaçados. Ele está meditando. De vez em quando,
ergue o olhar, e o gira ao seu redor, olha para o sol alto, quase à pino, no
céu azul. De vez em quando, e especialmente depois de ter girado o olhar ao
redor e de tê-lo erguido em direção à luz solar, Ele fecha os olhos e se apoia
ao penhasco, que lhe serve de abrigo, como se estivesse sendo tomado por uma
vertigem.
Vejo, então, aparecer a cara feia de Satanás. Não que ele se
apresente na forma com que nós costumamos figurá-lo com chifres, rabo, etc.
Parece um beduíno, envolto em sua veste e em seu grande manto, como um dominó
mascarado. Na cabeça tem um turbante, cujas extremidades brancas descem como
uma proteção sobre os ombros e ao longo dos lados do rosto. De modo que deste
aparece um pequeno triângulo muito moreno, de lábios finos e sinuosos, de olhos
muito pretos e encavados, cheios de brilhos magnéticos. São duas pupilas que te
perscrutam até o fundo do coração, mas nas quais não lês nada, somente esta
palavra: mistério. O oposto dos olhos de Jesus, também estes magnéticos e
fascinantes e que perscrutam os corações, mas nos quais tu também podes ler que
no seu coração há amor e bondade para contigo. O olhar de Jesus é uma carícia
para a alma. Enquanto que o olhar de Satanás é como um duplo punhal que te
perfura e te queima.
Ele se aproxima de Jesus:
– Estás sozinho?
Jesus olha para ele, e não responde.
– Como vieste parar aqui? Estás perdido?
Jesus o olha novamente, e continua calado.
– Se eu tivesse água no odre, eu te daria. Mas eu também
estou sem. Meu cavalo morreu, e eu vou indo a pé até o vau do Jordão. Lá eu
beberei, e hei de encontrar alguém que me dê um pão. Eu sei o caminho. Vem
comigo. Eu te guiarei.
Jesus não levanta nem mesmo o olhar.
– Não respondes? Sabes que, se ficares aqui, morrerás? O
vento está começando a soprar. Vai vir uma tempestade. Vem comigo.
Jesus une as mãos em muda oração.
– Ah! Então, és Tu mesmo? Há tanto tempo que te procuro!
Agora faz tempo que te venho observando. Desde o momento em que foste batizado.
Estás chamando o Eterno? Ele está longe. Agora estás sobre a terra e em meio
aos homens. No meio dos homens, quem reina sou eu. Eu também tenho dó de ti e
te quero socorrer, porque és bom, e vieste sacrificar-te à toa. Os homens te
odiarão pela tua bondade. Eles só entendem, se lhes falares de ouro, comida e
sentidos. Sacrifício, dor, obediência, são para eles palavras mortas mais do
que esta terra, que está ao redor de nós. Eles são ainda mais áridos do que essa
poeira. Só a serpente pode esconder-se aqui, esperando a hora de dar o bote; e
o chacal, a hora de despedaçar sua vítima. Vem, vamos embora. Não mereces
sofrer por eles. Eu os conheço melhor do que Tu.
Satanás sentou-se de frente a Jesus e o examina com esse seu
olhar horrível,
sorrindo com a sua boca de serpente. Jesus continua calado, rezando
mentalmente.
Tu estás desconfiando de mim. Fazes mal. Eu sou a sabedoria
da terra. Posso ser teu mestre, para te ensinar a triunfar. Vê: o importante é
triunfar. Depois, quando nos impusermos e o mundo ficar fascinado, então o
levaremos para onde quisermos. Mas antes, é necessário fazer o que agrada a
eles. Ser como eles. Seduzi-los, fazendo-os crer que nós os admiramos e os
acompanhamos em seus pensamentos. Tu és jovem e belo. Começa pela mulher. É
sempre por ela que se deve começar. Eu errei, induzindo a mulher à desobediência.
Eu devia tê-la aconselhado de outro modo. Eu teria feito dela um instrumento
melhor, e teria vencido a Deus. Eu fui apressado. Mas Tu! Vou te ensinar,
porque houve um dia em que eu olhei para Ti com um júbilo angelical, e um resto
daquele amor ainda ficou, mas Tu, escuta-me, aproveita-te da minha experiência!
Arruma uma companheira. Porque o que não conseguires, ela conseguirá. Tu és o
novo Adão: deves ter a tua Eva. Além disso, como podes compreender e curar as
doenças da sensualidade, se não sabes o que elas são? Não sabes que aí é que
está o ponto central do qual nasce a planta da cobiça e da prepotência? Para
que é que o homem quer reinar? Para que é que quer ser rico e poderoso? Para
possuir a mulher. Ela é como a cotovia. Ela precisa do brilho para ser atraída.
O ouro e o poder, são as duas faces do espelho que atraem as mulheres e são as
causas do mal no mundo. Olha bem: atrás de mil delitos de diversas faces, há,
pelo menos novecentos que têm suas raízes na fome da posse da mulher, ou na vontade
de uma mulher, que arde num desejo que o homem ainda não conseguiu satisfazer
ou não mais satisfaz. Se quiserdes saber o que é a vida procura a mulher. Só
depois, saberás cuidar e curar as doenças da humanidade. A mulher é bonita,
como sabes! Não há nada de mais belo no mundo. O homem tem o pensamento e a
força. Mas, a mulher! O seu pensamento é um perfume, seu contato é carícia de
flores, sua graça é como um vinho que desce, sua fraqueza é como uma meada de
seda ou anel de cabelo de bebê nas mãos do homem, sua carícia é uma força que
se derrama sobre a nossa inflamando-a. Acaba-se a dor, o cansaço, a aflição,
quando nos colocamos perto de uma mulher, pois ela, nos nossos braços, é como
um feixe de flores.
Mas, que tolo que eu sou! Tu estás com fome, e eu te falando
da mulher. O teu vigor está esgotado. É por isso que essa fragrância da terra,
essa flor da criação, esse fruto que dá e suscita o amor, te parece uma coisa
sem valor. Mas olha estas pedras, como são redondas e lisas, como são douradas
sob à luz do sol que desce. Não parecem pães? Tu, Filho de Deus, só precisas
dizer: “Eu quero”, para que elas se transformem em pães cheirosos, como aqueles
que as donas de casa tiram do forno para o jantar de seus familiares. E estas
acácias, tão secas, se Tu queres, não podem encher-se de maçãs doces e de
tâmaras com gosto de mel? Sacia-te, ó Filho de Deus! Tu és o Senhor da terra.
Ela se inclina para pôr-se aos teus pés, matando a tua fome. Não vês que
empalideces e vacilas, só de ouvires falar em pão? Pobre Jesus! Estás tão
fraco, a ponto de não poderes mais tampouco fazer um milagre? Queres que eu o
faça por Ti? Não sou igual a ti. Mas alguma coisa eu posso fazer. Ainda que por
um ano eu fique privado das minhas forças, eu as juntarei todas, pois eu te
quero servir, porque Tu és bom e eu sempre me lembro de que és o meu Deus,
mesmo tendo eu desmerecido agora de poder chamar-te assim. Ajuda-me com a tua
oração para que eu possa….
– Cala-te! “Não só de pão vive o
homem, mas de toda palavra que vem da boca de Deus.”
O demônio estremece de raiva. Range os dentes e fecha os
punhos. Mas ele se contém, e muda o ranger de dentes em um sorriso.
– Compreendo. Tu estás acima das necessidades da terra e tens
aversão a servir-te de mim. Bem que eu mereci isto. Mas, vem, então, e vê o que
está acontecendo na Casa de Deus. Vê como até os sacerdotes não se recusam a
fazer transações entre o espírito e a carne. Porque, afinal, eles são homens,
não são anjos. Faz um milagre espiritual. Eu te levo até o pináculo do Templo,
e Tu, transfigura-te em beleza lá em cima, depois, chama a multidão de anjos, e
diz a eles que façam de suas asas entrelaçadas, uma esteira para os teus pés, e
que Te levem para desceres no pátio principal. Que todos Te vejam e se lembrem
de que Deus existe. De vez em quando é necessária uma manifestação, porque o
homem tem uma memória muito fraca, especialmente nas coisas espirituais. Bem
sabes como os anjos se sentirão felizes por poderem oferecer um apoio aos teus pés
e uma escada para desceres!
– Está escrito: “Não tentes ao
Senhor teu Deus.”
– Compreendes que, mesmo com a tua aparição, não se mudariam
as coisas, e o Templo continuaria a ser um lugar de mercado e corrupção. A tua
divina sabedoria bem o sabe, como os corações dos ministros do Templo são um
ninho de víboras, que se dilaceram, contanto que consigam prevalecer. Só podem
ser dominados com força humana. Então, vem. Adora-me. Eu te darei a terra.
Alexandre, Ciro, César, todos os maiores dominadores do passado ou do presente
serão semelhantes a chefes de umas mesquinhas caravanas, se comparados a Ti,
que terás sob o teu cetro todos os reinos da terra. Com os reinos, terás todas
as riquezas, todas as belezas da terra, mulheres, cavalos, forças armadas e templos.
Poderás erguer em qualquer lugar o teu Sinal, quando serás o Rei dos reis e
Senhor do mundo. Então, serás obedecido e venerado pelo povo e pelo sacerdócio.
Todas as castas te honrarão e te servirão, porque serás o Poderoso, o Único, o
Senhor. Adora-me, ainda que por um só momento! Tira-me esta sede que eu tenho
de ser adorado! Foi ela que me perdeu. Mas ela ficou em mim, queimando-me. As
chamas do inferno são como o ar fresco da manhã, comparado a este ardor que me
queima interiormente. Esta sede é o meu inferno. Um momento, um momento só, ó
Cristo, Tu que és bom! Um momento de alegria para o eterno Atormentado!
Deixa-me sentir o que quer dizer ser deus, e eu serei teu devoto e servo
obediente por toda a vida, para todas as tuas obras. Um momento! Um só momento,
e não te atormentarei mais!
Satanás se põe de joelhos, suplicando. Jesus, ao contrário,
se levantou. Tendo-se tornado mais magro nestes dias de jejum, parece ainda
mais alto. Seu rosto está cheio de severidade e poder. Seus olhos são duas
safiras ardentes. Sua voz é como um trovão, que se repercute na cavidade do
penhasco, espanlhando-se sobre o pedregal e a planície desolada, ao dizer:
– Vai-te, Satanás. Está escrito:
“Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás!”
Satanás, com um urro de condenado e com um ódio
indescritível, levanta-se com ímpeto, tremendo, ao ver-se na sua furiosa e
fumante figura. Depois, desaparece, com um novo urro de maldição. Jesus se
assenta, cansado, apoiando atrás a cabeça no penhasco. Parece estar exausto.
Está suando. Mas os seres angélicos vem soprar levemente, com suas asas no
mormaço da caverna, purificando-o e refrescando-o. Jesus abre os olhos, e
sorri. Eu não o vejo comer. Eu diria que Ele se nutre do aroma do Paraíso,
saindo revigorado.
O sol desaparece no poente. Jesus pega o alforje vazio e,
acompanhado pelos anjos que, suspensos acima de sua cabeça, produzem uma luz
suave, enquanto a noite cai rapidamente, se encaminha para o leste, ou melhor,
para o nordeste. Já retomou sua expressão habitual, o passo firme. Só resta,
como lembrança do seu longo jejum, um aspecto mais ascético no rosto magro e
pálido e nos olhos, arrebatados, numa alegria que não é desta terra.
Jesus diz:
Ontem estavas sem a tua força,
que é a minha vontade, e eras por isso um ser semivivo. Eu fiz que teus membros
repousassem e te fiz jejuar no único jejum que é pesado para ti: aquele da
minha palavra. Pobre Maria! Tiveste uma Quarta-Feira de Cinzas. Em tudo
sentiste o sabor da cinza, visto que estavas sem o teu Mestre. Eu não me fazia
ouvir. Mas Eu estava presente.
Nesta manhã, já que a aflição é
recíproca, Eu te murmurei em teu cochilo: “Cordeiro de Deus, que tiras os
pecados do mundo, dá-nos a paz”, e te fiz repetir isso muitas vezes, e outras
tantas repeti para ti. Pensaste que Eu ia falar sobre isto. Mas, primeiro foi o
ponto que Eu já te mostrei, e que vou comentar. Depois, hoje à tarde, te
ensinarei sobre aquele outro assunto. Satanás, como viste, se apresenta sempre
com uma aparência benévola. Com um aspecto comum. Se as almas estiverem atentas,
e sobretudo em contatos espirituais com Deus, perceberão aquele aviso, que as
tornará cautelosas e prontas para combater as insídias do diabo. Mas, se as
almas estiverem desatentas ao divino, separadas por uma carnalidade que as
domina e ensurdece, não ajudadas pela oração que as une a Deus e derrama sua
força como por um canal no coração do homem, então dificilmente elas notam a
cilada escondida sob uma aparência inócua, caindo nela. Livrar-se, depois, é
muito difícil. Os dois caminhos mais comuns, tomados por Satanás para chegar às
almas, são a sensualidade e a gula. Ele começa sempre pela matéria.
Desmantelada e dominada esta, aí
ele ataca a parte superior. Primeiro, o moral: o pensamento com suas soberbas e
cobiças; depois, o espírito, tirando dele não só o amor — este já nem existe
mais, quando o homem substituiu o amor divino por outros amores humanos — mas
também o temor de Deus. É então que o homem se abandona de corpo e alma a
Satanás, contanto que chegue a gozar do que quer, e a gozar sempre mais. Como
Eu me comportei, tu o viste. Silêncio e oração. Silêncio. Porque, se Satanás
faz seu trabalho de sedutor e vem ao redor de nós, é preciso suportá-lo sem
tolas impaciências e temores inúteis. Mas reagir com altivez à sua presença e
com oração à sua sedução. É inútil discutir com satanás. Ele venceria, porque é
forte em sua dialética. Só Deus o vence. Por isso é preciso recorrer a Deus,
que fale por nós, através de nós. Mostrar a satanás aquele nome e aquele sinal,
não tanto escritos em papel ou gravados em madeira, quanto escritos e gravados
no coração. O meu Nome, o meu Sinal. Rebater a satanás, somente quando insinua
que ele é como Deus, usando a palavra de Deus. Ele não suporta esta palavra.
Depois, passada a luta, vem a
vitória, e os anjos servem e defendem o vencedor do ódio de satanás. Eles o
restauram com o orvalho celeste, com a graça que tornam a derramar às mãos
cheias no coração do filho fiel, com a bênção que acaricia o espírito. É
preciso ter a vontade de vencer a satanás e fé em Deus e em sua ajuda. Fé no
poder da oração e na bondade do Senhor. Então, satanás não pode fazer nenhum
mal. Vai em paz. Nesta tarde te alegrarei com o que ainda virá.
Pg. 287 – 293
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47 – O ENCONTRO COM JOÃO E TIAGO.
JOÃO DE ZEBEDEU É O PURO ENTRE OS DISCÍPULOS
25 de fevereiro de 1944.
Vejo Jesus que caminha ao longo da faixa verde que costeia o
Jordão. Ele voltou mais ou menos ao mesmo lugar que viu o seu batismo. É perto
do vau do Jordão, que parece ser muito conhecido e frequentado como meio de
passar-se à outra margem, na direção de Peréia. Mas o lugar, antes tão povoado,
agora parece quase deserto. Só algum viajante, a pé ou montado em jumentos ou
cavalos, é que o percorre. Jesus não parece perceber isso. Ele prossegue por
sua estrada, subindo novamente para o norte, como que absorto em seus
pensamentos. Ao chegar à altura do vau, encontra-se com um grupo de homens de
diversas idades, que discutem animadamente entre si, separando-se depois, uma
parte para o sul e a outra para o norte. Entre aqueles que se dirigem ao norte,
vejo João e Tiago.
João é o primeiro a avistar Jesus, monstrando-o ao irmão, e
aos companheiros. Falam eles ainda um pouco entre si e, depois, João se põe a
caminhar rapidamente para alcançar Jesus. Tiago o segue mais devagar. Os outros
não se interessam, continuando a caminhar lentamente e discutindo. Quando João
chega perto de Jesus, às suas costas, à distância de uns dois ou três metros,
grita: – Cordeiro de Deus, que tiras os pecados do mundo! Jesus se vira, e olha
para ele. Os dois estão a poucos passos um do outro. Eles se observam. Jesus,
com seu aspecto sério e indagador. João, com seus olhos puros e risonhos, no
belo rosto tão juvenil, que parece feminino. Podem-se lhe dar uns vinte anos e,
sobre a face rosada, não tem ainda mais do que alguns poucos pelos loiros, como
uma veladura dourada.
– A quem
estás procurando?
–pergunta Jesus.
– A Ti, Mestre.
– Como sabes que eu sou mestre?
– Foi o Batista que me disse.
– E, por que me chamas Cordeiro?
– Porque o ouvi chamar-te assim, um dia em que ias passando,
há pouco mais de um mês.
– Que queres de mim?
– Que nos digas palavras de vida eterna, e nos consoles.
– Quem és tu?
– João de Zebedeu, sou eu, e este é Tiago, meu irmão. Somos
da Galileia. Somos pescadores. Mas somos também discípulos de João. Ele nos
dizia palavras de vida, nós o escutávamos, porque queríamos seguir a Deus e,
com a penitência, merecer o seu perdão, preparando os caminhos do coração para
a vinda do Messias. Tu és o Messias. João o disse, porque viu o sinal da Pomba
pousar sobre Ti. Disse-nos também: “Eis o Cordeiro de Deus.” Eu, então, digo a
Ti: Cordeiro de Deus, que tiras os pecados do mundo, dá-nos a paz, porque não
temos mais quem nos guie, e nossa alma está turbada.
– Onde está João? – Herodes o pôs na prisão, em Maqueronte. Os mais fiéis
entre os seus discípulos tentaram libertá-lo. Mas não é possível. Nós estamos
voltando de lá.
Deixa-nos ir Contigo, Mestre. Mostra-nos onde é que moras.
– Vinde. Mas sabeis o que estais pedindo? Quem me
segue deverá deixar tudo: sua casa, seus parentes, seu modo de pensar, e até a
vida. Eu vos farei meus discípulos e meus amigos, se quiserdes. Mas Eu não
tenho riquezas, nem privilégios. Sou pobre, e o serei ainda mais, até o ponto
de não ter nem onde encostar a cabeça, serei perseguido pelos lobos mais do que
uma ovelha perdida. Minha doutrina é ainda mais severa do que a de João, porque
proíbe também o ressentimento. Ela dirige-se não tanto ao exterior, quanto ao
espírito. Tereis que renascer, se quereis ser meus. Quereis fazer assim?
– Sim, Mestre, só Tu tens palavras que nos dão luz. Elas
descem e, onde havia trevas e desolação, pois estávamos sem guia, derramam a
claridade do sol.
– Vinde, então, e vamos. Eu vos
irei ensinando pelo caminho.
Jesus diz: – O grupo dos que me haviam encontrado era
numeroso. Mas só um me reconheceu. Aquele que tinha a alma, o pensamento e a
carne limpos de toda luxúria. Insisto no valor da pureza. A castidade é sempre
fonte de lucidez de pensamento. A virgindade também purifica, conservando a
sensibilidade intelectiva e afetiva, aperfeiçoando-a, o que só pode ser
experimentado, por quem é virgem.
Pode-se ser virgem, de muitos
modos. De modo forçado, especialmente as mulheres, quando não foram escolhidas
para o casamento. Assim devia ser também com os homens. Mas não é assim, e isso
é mal, porque de uma juventude precocemente conspurcada pela libidinagem não
poderá sair nada mais do que um chefe de família doente em seus sentimentos e,
muitas vezes, também em seu corpo. Há uma virgindade desejada, ou seja, aquela
dos que se consagram ao Senhor, num impulso de vontade. Bela virgindade!
Sacrifício agradável a Deus! Mas nem todos sabem permanecer naquele candor do
lírio que está firme em seu pedúnculo, estendido ao céu, sem conhecer a lama do
chão, aberto somente ao beijo do sol de Deus e de seus orvalhos. Muitos
permanecem fiéis, materialmente, ao voto feito. Mas infiéis em seu pensamento,
que lamenta e deseja aquilo que eles sacrificaram. Estes são virgens só pela
metade. Se a carne está intacta, o coração não está. Seu coração fermenta,
ferve, exala fumaças de uma sensualidade, tanto mais refinada e reprovada,
quanto mais ela foi sendo criada por um pensamento que acaricia, alimenta e
aumenta continuamente imagens de satisfações ilícitas, até para quem está
livre, e quanto mais para quem está consagrado por votos a Deus. Aparece então,
a hipocrisia do voto. Em aparência, ele existe, mas de fato, em substância,
não. E, em verdade, eu vos digo que, entre quem vem a mim com o seu lírio
despedaçado pela imposição de um tirano e quem vem com o seu lírio não
materialmente despedaçado, mas coberto pela baba, pelo transbordamento de uma
sensualidade acariciada e cultivada, para poder encher com ela as horas de
solidão, Eu chamo de “virgem” ao primeiro, e de “não virgem” ao segundo. Ao
primeiro, dou coroa de virgem e uma dupla coroa de martírio: uma, pela carne
ferida; e outra, pelo coração ferido por uma mutilação não desejada.
O valor da pureza é tal, que,
como viste, satanás se preocupa, em primeiro lugar, em convencer-me a que me
entregue à impureza. Ele sabe bem que a culpa da sensualidade desmantela a alma
e a torna presa fácil das outras culpas. Todo o trabalho de satanás se
concentrou neste ponto capital, para me vencer. O pão, a fome, são as formas
materiais que simbolizam o apetite, os apetites de que satanás procura tirar
proveito para os seus fins. Bem outro era o alimento que ele me oferecia, para
fazer-me cair como um bêbado aos seus pés! Depois, teria vindo a gula, o
dinheiro, o poder, a idolatria, a blasfêmia, a abjuração de Lei divina. Mas o
primeiro passo para conquistar-me era esse. O mesmo que usou para ferir Adão.
O mundo escarnece dos puros. Os
culpados de lascívia os golpeiam. João Batista é uma vítima da luxúria de dois
obscenos. Mas, se o mundo tem ainda um pouco de luz, isto se deve aos puros que
ainda há no mundo. São esses os servos de Deus, que sabem compreender a Deus e
repetir as palavras Dele. Eu disse: “Felizes os puros de coração, porque verão
a Deus.” Mesmo desde esta terra. Eles, cujo pensamento não é perturbado pela fumaça
da sensualidade, é que “veem” a Deus e O ouvem, O seguem, e O indicam aos
outros.
João, filho de Zebedeu, é um
puro. É o mais Puro dos meus discípulos. Que alma de flor, em um corpo de anjo!
Ele me chama com as palavras do seu primeiro mestre, e me pede que lhe dê paz.
Mas a paz, ele a tem em si mesmo, pela sua vida pura. Eu o amei por essa sua
pureza, à qual eu confiei os ensinamentos, os segredos e a Criatura mais
querida que Eu tinha. Ele foi o meu primeiro discípulo, que me teve amor desde
o primeiro instante em que me viu. Sua alma estava intimamente unida com a
minha, desde o dia em que ele me tinha visto passar ao longo do Jordão e me
tinha visto apontado pelo Batista. Mesmo que ele não me tivesse encontrado
depois, na minha volta do deserto, me teria procurado tanto, até conseguir
encontrar-me, porque quem é puro, é humilde e desejoso de instruir-se na ciência
de Deus, e vai, como a água que vai ao mar, àqueles que ele reconhece serem
mestres na doutrina celeste”.
Jesus ainda diz: – Eu não quis que tu falasses
sobre a tentação de sensualidade do teu Jesus. Mesmo que a tua voz interior te
fez entender o motivo de satanás para atrair-me à sensualidade, Eu preferi
falar disso. E não pensais além. Era necessário falar. Agora vai avante. Deixa
a flor de satanás sobre suas areias. Vem atrás de Jesus, como João. Caminharás
entre os espinhos, mas encontrarás, como rosas, as gotas de sangue de Quem as
derramou por ti, para vencer a carne, também em ti.
Antecipo uma observação. Diz João
em seu Evangelho, falando do encontro Comigo: “E, no dia seguinte”. Parece com
isso que o Batista me tivesse mostrado no dia seguinte ao batismo, e que, logo,
João e Tiago me seguiram, mas isso contrasta tudo o que disseram os outros
evangelistas a respeito dos quarenta dias passados no deserto. Mas deveis ler
assim:
“Tendo já acontecido a prisão de
João”, um dia depois os dois discípulos de João Batista aos quais ele me havia
mostrado, dizendo: ‘Eis o Cordeiro de Deus’, ao me verem de novo, chamaram e me
seguiram.” Depois da minha volta do deserto. Juntos voltamos às margens do lago
da Galileia, onde Eu tinha ido refugiar-me, para, de lá, iniciar a minha evangelização.
Os dois falaram de mim aos outros pescadores, depois de terem estado Comigo por
todo o caminho, e por um dia inteiro na casa hospitaleira de um amigo da
parentela de minha casa. Mas a iniciativa foi de João, cuja alma a vontade de
penitência e a sua pureza tinha tornado tão limpa, que era uma verdadeira
obra-prima de limpidez, sobre a qual a Verdade se refletia nitidamente,
dando-lhe também a santa audácia dos puros e dos generosos, que não temem
andarem avante, onde está Deus, onde está a verdade, a doutrina, o caminho de Deus.
Quanto Eu o amei por essa sua simples e heroica característica!”.
Pg. 294 - 298
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48 – JOÃO E TIAGO FALAM A PEDRO
SOBRE O ENCONTRO COM O MESSIAS
12 de outubro de 1944.
Sobre o Mar da Galileia vem raiando uma belíssima aurora. O
céu e a água têm brilhos rosados, pouco diferentes daqueles que esplendem
suavemente por entre os muros dos pequenos jardins do povoado lacustre, jardins
dos quais se elevam e se deixam ver, quase lançando-se sobre as vielas as
frondes despenteadas e vaporosas das árvores frutíferas.
O povoado começa a despertar, com uma ou outra mulher que vai
à fonte buscar água, ou a algum tanque lavar roupa e com os pescadores que
descarregam as cestas de peixe, fazendo negócio com os mercadores em alta voz,
que vieram de outros lugares, ou levam peixes para casa. Eu disse um povoado,
mas não é tão pequeno. É um tanto humilde, ao menos do lado que o vejo, embora
vasto e extenso na parte mais longa do lago.
João aparece no fim de uma pequena estrada, indo apressado em
direção ao lago. Tiago o segue, mas muito mais calmo. João olha os barcos que
já chegaram à margem, mas não vê aquele que está procurando. Agora ele acaba de
enxergá-lo, mas está a algumas centenas de metros da beira, atento às manobras
para atracar, e grita bem alto, levando as mãos à boca com um longo: “Oh-é!”,
que deve ser um sinal combinado entre eles. E depois, quando percebe que o
ouviram, agita os braços em gestos largos, que indicam: “Vinde, vinde!”
Os homens do barco, pensando quem sabe o que, agarram os
remos, e o barco vai mais veloz do que só com a vela, que eles amainaram,
talvez para conseguirem ir mais depressa. Quando estão a uns dez metros da
margem, João não espera mais. Tira o manto e a veste longa, e os lança sobre a
praia, tira as sandálias, levanta a túnica, tendo-a segura com uma mão quase à
virilha, e entrando na água, vai ao encontro dos que estão chegando.
– Por que vós dois não viestes? – pergunta André. Pedro,
amuado, não diz nada.
– E tu, por que não vieste comigo e o Tiago? – responde João
a André.
– Eu fui pescar. Não tenho tempo para perder. Tu
desapareceste com aquele homem…
– Eu te havia feito sinal para que fosses. É Ele mesmo. Se
ouvisses que palavras! Ficamos com Ele o dia todo e até tarde da noite. E
agora, viemos dizer-vos: “Vinde.”
– É Ele mesmo? Estais certos disso? Nós só o vimos naquele
dia em que o Batista no-lo mostrou.
– É Ele, pois, não o negou.
– Qualquer um pode dizer o que lhe interessa para impor-se
aos crédulos. Já não é a primeira vez. – resmunga Pedro, descontente.
– Oh! Simão. Não digas assim. Ele é o Messias! Ele sabe tudo!
Ele te está ouvindo!
João ficou magoado e consternado com as palavras de Simão
Pedro.
– Ora essa! O Messias! E se mostra justamente a ti, a Tiago e
André! Três pobres ignorantes! Vai querer coisas bem diferentes o Messias! Ele
me está ouvindo! Mas, meu pobre rapaz, os primeiros dias do sol da primavera te
fizeram mal. Vamos, vem trabalhar. Será melhor. Deixa de histórias.
– Ele é o Messias, eu te asseguro. João Batista dizia coisas
santas, mas este fala como Deus. Quem não for o Cristo, não pode dizer
semelhantes palavras.
Simão, eu não sou um jovenzinho. Eu já tenho muitos anos, sou
calmo e sensato. Tu sabes disso. Eu falei pouco, mas ouvi muito nestas horas em
que estivemos com o Cordeiro de Deus, e eu te digo que verdadeiramente ele não
pode ser senão o Messias. Por que não acreditar? Por que não querer crer? Tu o
podes fazer, porque não o ouviste. Mas eu creio. Somos pobres e ignorantes? Ele
bem disse que veio para anunciar a Boa Nova do Reino de Deus, do Reino de Paz,
aos pobres, aos humildes, aos pequenos, mais do que aos grandes. Ele disse: “Os
grandes já têm as suas delícias. Não são delícias invejáveis, se comparadas
àquelas que Eu venho trazer. Os grandes já têm seu modo de chegar a
compreender, somente pela força do estudo. Mas Eu venho aos ‘pequenos’ de
Israel e do mundo, àqueles que choram e esperam, àqueles que procuram a Luz e
têm fome do verdadeiro Maná; não é pelos doutos que a luz e os alimentos são
doados, pois o que eles dão é somente opressão, escuridão, prisão e desprezo.
Eu chamo os ‘pequenos.’ Eu vim para virar o mundo de cabeça para baixo. Porque
Eu abaixarei o que agora está no alto, e elevarei o que agora está sendo
desprezado. Quem quer verdade e paz, quem quer vida eterna, venha a Mim. Quem
ama a Luz, venha. Eu sou a Luz do mundo.” Não foi assim que Ele disse, João?
Tiago falou de modo calmo, mas comovido.
– Sim. E Ele disse ainda: “O mundo não me amará. O grande
mundo, porque se corrompeu com vícios e comércios idolátricos. O mundo aliás,
não me quererá. Porque, como filho das Trevas, não ama a Luz. Mas a terra não é
feita só do grande mundo. Nela existem aqueles que, mesmo estando misturados
com todos, do mundo não são. Há alguns que são do mundo, porque nele foram
aprisionados como os peixes pela rede”: ele falou justamente assim, porque nós
estávamos conversando à margem do lago e Ele apontava as redes que vinham
arrastadas com os peixes para a praia.
Disse mais: “Vede. Nenhum daqueles peixes queria cair na
rede. Também os homens, intencionalmente, não iriam querer cair como presas de
Mamon. Nem mesmo os mais malvados porque estes, pela soberba que os cega, não
creem que não tenham o direito de fazer o que fazem. O verdadeiro pecado deles
é a soberba. Deste pecado nascem todos os outros. Mas aqueles que não são
completamente maus, ainda mais não iriam querer ser de Mamon.
Eles caem por leviandade, por um peso que os arrasta para o
fundo, que é a culpa de Adão. Eu vim para tirar aquela culpa e para dar, na
esperança da hora da Redenção, uma tal força aos que em Mim crerem, que será
capaz de livrá-los do laço que os prende, tornando-os livres para Me seguirem:
a Luz do mundo!”
Mas, então, se Ele falou mesmo assim, é preciso irmos para
Ele, e logo.
Pedro, com os seus impulsos tão sinceros, que me agradam
tanto, de repente decidiu, e já vai começando a fazer o que decidiu,
apressando-se para acabar os trabalhos da descarga, pois o barco já chegou à
margem, e os empregados já o puxaram para fora d’água, descarregando também as
redes, as cordas e o velame.
– E tu, André, por que foste tão tolo, para não teres ido com
eles?
– Mas, Simão! Tu me censuraste, porque eu não consegui fazer
que eles viessem comigo. A noite inteira ficaste resmungando isso, e agora me
censuras porque eu não fui com eles?
– Tens razão… Mas eu não o tinha visto… E tu, sim… Deves ter
visto que Ele não é como nós… Ele deve ter alguma coisa de mais belo do que os
outros!
– Oh! Sim – diz João. Ele tem um rosto! Uns olhos! Não é
verdade, Tiago? Uns olhos! E uma voz! Oh! Que voz! Quando Ele fala, dá a
impressão de que estás no Paraíso.
– Depressa, depressa! Vamos procurá-lo. Vós (fala aos
empregados), levai tudo para Zebedeu, e dizei-lhe que faça o que for preciso.
Nós voltaremos esta noite para a pesca. Vestem-se todos de novo, e põem-se a
caminho. 48.6Mas Pedro, depois de andar uns metros para, agarra João por um
braço, e lhe pergunta:
– Disseste que Ele sabe tudo e que ouve tudo?
– Sim. Imagina que quando nós, vendo a lua alta, dissemos:
“Que é que estará fazendo o Simão?”, Ele disse: “Ele está lançando a rede e não
se conforma em ter que fazer isso sozinho, porque vós não saístes com o barco
gêmeo, justamente numa noite de tão boa pesca… Ele não sabe que, daqui a pouco,
não pescará senão com outras redes e que os peixes que apanhará serão outros.”
– Misericórdia divina! É verdade! Então, Ele ouviu também…
também o que eu disse, julgando-O menos do que um mentiroso… Eu já não posso ir
até Ele.
– Oh! Ele é muito bom. Certamente sabe que tu pensaste assim.
Ele já o sabia. Porque, quando nós O deixamos, dizendo que viríamos a ti, Ele
disse:
“Ide. Mas não vos deixeis vencer pelas primeiras palavras de
escárnio. Quem quer vir Comigo, deve saber ter a cabeça erguida, diante das
zombarias do mundo e das proibições dos parentes. Porque Eu estou acima do
sangue e da sociedade, e triunfo sobre eles. E quem está Comigo, também
triunfará eternamente.” E disse também: “Sabeis falar sem medo. Quem vos ouvir,
virá, porque é homem de boa vontade.”
– Ele falou assim? Então, eu vou. Fala, vai falando Dele,
enquanto vamos indo. Onde Ele está?
– Em uma pobre casa. Deve ser de pessoas amigas.
– Mas, Ele é pobre?
– É um operário de Nazaré. Assim Ele disse.
– E de que vive agora, se não está mais trabalhando?
– Não lhe perguntamos. Talvez os parentes O estejam ajudando.
– Melhor seria levarmos peixes, pão, frutas... alguma coisa.
Vamos perguntar a algum rabi, pois Ele é mais do que um rabi, mas de mãos
vazias! Os nossos rabinos não querem ser assim…
– Mas Ele quer. Não tínhamos mais do que vinte moedas, eu e o
Tiago juntos, e oferecemos a Ele, como é costume fazer com os rabinos. Mas Ele
não as queria. Nós, então, insistimos e Ele disse: “Deus vo-los restitua, nas
bênçãos dos pobres. Vinde Comigo”, e prontamente as distribuiu aos pobrezinhos,
que Ele sabia onde moravam, e a nós, que estávamos perguntando: “E para Ti,
Mestre, não guardas nada?”, Ele respondeu: “A alegria de fazer a vontade de
Deus e de servir à sua glória.” Nós lhe dissemos também: “Tu nos estás
chamando, Mestre. Mas nós somos todos pobres. Que é que te devemos trazer?” Ele
nos respondeu com um sorriso, que nos fez sentir o gosto do Paraíso: “Um grande
tesouro quero de vós.”
Nós Lhe dissemos: “Mas, nada temos?” E Ele respondeu: “É um
tesouro de sete nomes, que até o mais pobre pode ter, mas o rei mais rico não
pode possuir; vós o tendes, e Eu o quero. Ouvi os nomes deste tesouro:
caridade, fé, boa vontade, reta intenção, continência, sinceridade e espírito
de sacrifício. Isto Eu quero de quem me segue, só isto, e vós o tendes. Está
dormindo como uma semente, sob um solo invernal, mas o sol da minha primavera o
fará nascer em setêmplice espiga.” Assim Ele falou.
– Ah! Isto me assegura que é o verdadeiro Rabi, o Messias prometido.
Não é duro com os pobres, não pede dinheiro. Basta isto para chamá-lo o Santo
de Deus. Vamos tranquilos. E tudo termina.
Pg. 298 - 302
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49 – O ENCONTRO COM PEDRO E ANDRÉ
DEPOIS DE UM DISCURSO NA SINAGOGA
13 de outubro de 1944.
Jesus vem avante por uma estradinha, uma vereda entre dois
campos. Ele está sozinho. João, prossegue em sua direção, por um outro caminho,
por entre os campos, e enfim o alcança, passando por uma abertura entre as
sebes.
João, tanto na visão de ontem, como de hoje, é simplesmente
um jovenzinho. Um rosto rosado e imberbe de quem acaba de chegar à idade viril
e, além disso, é loiro. Por isso não tem sinal nem de bigode, nem de barba, mas
apenas o rosado das faces lisas, os lábios vermelhos com a luz risonha do seu
belo sorriso e do olhar puro, não tanto pela sua cor de turqueza escura, quanto
pela limpidez da alma virgem que transparece neles. Os cabelos loiro-castanhos,
compridos e macios, ondulam, a cada passo veloz, quase como uma corrida.
Quando está para atravessar a sebe, ele chama:
– Mestre!
Jesus se detém, e se volta com um sorriso.
– Mestre, eu queria muito te ver! Na casa onde estás, me
disseram que tinhas vindo em direção aos campos mas não sabia onde. Temia não
te ver. João fala levemente inclinado, em sinal de respeito. Contudo está cheio
de um afeto confiante, em sua atitude e em seu olhar, que, estando com a cabeça
ligeiramente curvada no ombro, eleva Jesus.
– Eu vi que me estavas procurando,
e vim ao teu encontro.
– Tu me viste? Onde estavas, Mestre?
– Eu estava lá.
E Jesus aponta as copas de umas árvores afastadas, que, pela
cor, diria que são oliveiras:
– Eu estava lá rezando e pensando
no que Eu vou dizer esta tarde na sinagoga. Mas Eu saí de lá, logo que te vi.
– Mas, como fizeste para me ver, se eu mal posso ver aquele
lugar, escondido como está, atrás daquela curva?
– Ainda assim o estás vendo! Eu
vim ao teu encontro, porque te vi. O que o olho não pode ver, pode o amor.
– Sim, o amor pode. Então, tu me amas, Mestre?
– E tu me amas, João, filho de
Zebedeu?
– Muito, Mestre. Parece-me que sempre te amei. Antes de
ter-te conhecido, antes ainda, a minha alma te procurava, e quando eu te vi,
ela me disse: “Eis Aquele que procuras.” Eu creio que te encontrei, porque a
minha alma te sentiu.
– Tu o dizes, João, e o dizes
certo. Eu também vim ao teu encontro, porque minha alma te sentiu. Por quanto
tempo me amarás?
– Para sempre, Mestre. Não quero mais amar a outros, a não
ser a Ti.
– Tens pai e mãe, irmãos, irmãs,
tens tua vida, e, com a vida, a mulher e o amor. Como farás para deixar tudo
isso por mim?
– Mestre… não sei… mas me parece, se não for soberba dizer
isso, que a tua predileção tomará para mim o lugar de pai, mãe, irmãos, irmãs, e
também da mulher. De tudo, sim, de tudo estarei saciado, se me amares.
– E se o meu amor te trouxer
dores e perseguições?
– Não haverá de ser nada, Mestre, se Tu me amares.
– E no dia em que Eu tivesse que
morrer…?
– Não. És ainda jovem, Mestre… Por que morrer?
– Porque o Messias veio para
pregar a Lei em sua verdade e para cumprir a Redenção. A Lei aborrece o mundo,
que também não quer redenção. Por isso persegue os enviados de Deus.
– Oh! Que isto não aconteça! Não digas a quem te ama, este
prognóstico de morte! Mas, se Tu tiveres que morrer, eu Te amarei ainda. Deixa
que eu te ame.
João tem o olhar suplicante. Mais inclinado que nunca, ele
vai caminhando ao lado de Jesus, parecendo estar mendigando amor. Jesus para.
Olha para ele, traspassa-o com o olhar de seus olhos profundos, e depois lhe
põe a mão sobre a cabeça inclinada.
– Quero que tu me ames.
– Oh! Mestre!
João está feliz. Ainda que seus olhos estejam brilhando pelas
lágrimas, ele está sorrindo; com sua boca jovem e bem desenhada, pegando a mão
divina, beija-a nas costas e a aperta junto ao coração.
Depois eles retomam o caminho.
– Disseste que me estavas
procurando…
– Sim. Para dizer-te que os meus amigos querem te conhecer… e
também porque… oh! porque eu sentia vontade de estar Contigo de novo! Fazia
poucas horas que eu te havia deixado… mas já não podia mais estar sem Ti.
– Então, terás sido um bom
anunciador do Verbo?
– Tiago também, Mestre, falou de Ti, de maneira… convincente.
– De maneira que até aquele que
desconfiava — nem é culpado porque a prudência era a causa de sua reserva —
também se persuadiu. Vamos agora fazê-lo ficar completamente convicto.
– Ele estava com um pouco de medo…
– Não! Medo de mim, não! Eu vim
para os bons e mais ainda para quem está no erro. Eu quero salvar. Não condenar.
Com os honestos serei todo misericórdia.
– E com os pecadores?
– Também. Por desonestos Eu
entendo aqueles que têm a desonestidade espiritual e, hipocritamente, se fingem
bons, enquanto fazem obras más. Fazem tais coisas, de tal modo, para o seu
próprio proveito e para se aproveitarem do próximo. Com esses Eu serei severo.
– Oh! Então Simão pode estar seguro. É sincero como nenhum
outro.
– Assim me agrada, e quero que
sejais todos.
– Simão quer dizer-te muitas coisas.
– Eu o ouvirei, depois que tiver
falado na sinagoga. Mandei avisar os pobres e os doentes, além dos ricos e os
sadios. Todos precisam da Boa Nova.
O povoado está próximo. Alguns meninos brincam na estrada e
um deles, correndo, vem chocar-se contra as pernas de Jesus e teria caído, se
Ele não o segurasse com presteza. O menino chora mesmo assim, como se se
tivesse se machucado, mas Jesus, tomando-o nos braços, diz:
– Um israelita que chora? Que
deveriam fazer os milhares e milhares de crianças, que se tornaram homens,
atravessando o deserto, atrás de Moisés? Contudo foi mais para eles do que para
os outros justamente para estes é que fez descer o maná tão doce, porque o
Altíssimo ama os inocentes e provê o necessário a estes anjinhos da terra, a
estes passarinhos sem asas, como faz com os pássaros da mata e dos telhados.
Gostas de mel? Sim? Pois bem, se fores bom, comerás de um mel mais doce do que
aquele das tuas abelhas.
– Onde? Quando?
– Quando, depois de uma vida de
fidelidade a Deus, fores para Ele.
– Eu sei que não irei para lá, enquanto não vier o Messias.
Minha mãe me diz que, por ora, nós de Israel somos todos como Moisés, e
morremos, vendo de longe a Terra Prometida. Ela diz que estamos ali, à espera
de podermos entrar, e que só o Messias nos fará entrar.
– Mas que pequeno israelita esperto!
Pois bem, Eu te digo que, quando morreres, entrarás logo no Paraíso, porque o
Messias já terá aberto as portas do Céu. Mas precisas ser bom.
– Mamãe! Mamãe!
O menino escorrega dos braços de Jesus e corre ao encontro de
uma jovem esposa, que regressa com uma ânfora de cobre.
– Mamãe! O novo Rabi me disse que eu irei logo para o
Paraíso, quando eu morrer, e que vou comer muito mel… mas se eu for bom. Eu vou
ser bom!
– Queira Deus! Desculpa, Mestre, se ele te aborreceu. É muito
levado.
– A inocência não causa
aborrecimento, mulher. Deus te abençoe, porque és uma mãe que educa os filhos
no conhecimento da Lei.
A mulher fica toda vermelha, diante do elogio, e responde:
– A bênção de Deus também para Ti. E desaparece com o seu
pequeno.
As crianças Te agradam, Mestre?
– Sim, porque são puras,
sinceras, e amorosas.
– Tens sobrinhos, Mestre?
– Eu só tenho minha mãe. Mas nela
está a pureza, a sinceridade, o amor dos pequeninos mais santos, junto à
sabedoria, justiça e fortaleza dos adultos. Eu tenho tudo em minha mãe, João.
– E Tu a deixaste?
– Deus está acima até da mais Santa
das mães.
– Eu irei conhecê-la?
– Sim. Tu a conhecerás.
– E ela me amará?
– Sim, te amará, porque ela ama a
quem ama o seu Jesus.
– Então, não tens irmãos?
– Eu tenho primos, por parte do
marido de minha mãe. Mas cada homem para mim é irmão, e Eu vim para todos.
Eis-nos diante da sinagoga. Eu entro, e tu virás a mim depois com os teus
amigos.
João sai dali, e Jesus entra em uma sala quadrada, onde há
velas em um triângulo, como de costume, e estantes com rolos de pergaminho. A
multidão já está ali, em expectativa e em oração. Também Jesus está rezando. O
povo está cochichando e comentando atrás Dele, que se curva para saudar o chefe
da sinagoga, pedindo depois que lhe deem um rolo.
Jesus começa a leitura. Diz:
Estas coisas o Espírito Santo me
faz ler para vós. No capítulo sétimo do livro de Jeremias se lê: “Assim diz o
Senhor dos exércitos, o Deus de Israel: Corrigi os vossos costumes e os vossos
afetos e, então, habitarei convosco neste lugar. Não vos fiqueis iludindo com
as palavras vãs por vós repetidas: aqui está o Templo do Senhor, o Templo do
Senhor, o Templo do Senhor. Porque, se melhorardes os vossos costumes e os
vossos afetos, se fizerdes justiça entre o homem e o seu próximo, se não
oprimirdes o estrangeiro, o órfão e a viúva, se não derramardes neste lugar
sangue inocente, se não fordes atrás dos estrangeiros, para a vossa desventura,
então Eu habitarei convosco neste lugar, na terra que Eu dei a vossos pais, por
séculos e séculos’.”
Ouvi, ó vós de Israel. Eis que Eu
venho esclarecer-vos sobre as palavras de luz que a vossa alma ofuscada não
sabe mais ver e compreender. Ouvi. Muito pranto desce sobre a terra do povo de
Deus, e choram os velhos que se lembram das glórias antigas, choram os adultos
curvados pelo jugo, choram os jovens, que não têm um futuro de glória. Mas a
glória da terra nada é, se comparada a uma glória, que nenhum opressor, que não
seja Mamon ou a má vontade, vos podem arrebatar.
Por que chorais? Como é que o
Altíssimo, que sempre foi bom para com o seu povo, agora virou o olhar para o
outro lado, negando aos seus filhos de verem o seu Rosto? Não será Ele mais o
Deus que abriu o mar e por ele fez passar Israel, conduzindo-o e nutrindo-o
pelas areias, defendendo-o contra os inimigos, para desviar-se do caminho do
Céu, assim como Ele deu a nuvem aos corpos, deu a Lei para as almas? Não será
mais Ele o Deus que adoçou as águas e fez cair o maná para os que estavam
extenuados? Não é Ele o Deus que vos quis estabelecer nesta terra, firmando
convosco uma aliança de Pai para filhos? Então, por que é que agora o
estrangeiro vos feriu?
Muitos de vós murmuram: “Aqui
está o Templo!” Não basta termos o Templo, indo rezar a Deus nele. O primeiro
templo, está no coração de cada homem, onde a oração santa deve ser feita. Mas,
ela não pode ser santa, se antes o coração não se emenda, como também os
costumes, os afetos, as normas de justiça para com os pobres, para com os
servos, para com os parentes, para com Deus.
Agora, olhai. Eu vejo ricos, de
coração duro, que fazem ricas ofertas no Templo, mas que não sabem dizer ao
pobre: “Irmão, eis aqui um pão e um dinheiro. Aceita-o. De coração para
coração, e que a minha ajuda não te humilhe, como também para mim não cause
soberba.” Eis, Eu estou vendo pessoas rezando, lamentando-se com Deus, porque
não as ouve prontamente, mas que depois, com um coração de pedra, respondem
“Não!” ao necessitado, que às vezes com seu sangue lhes pede: “Escutai-me.” Aí
está, Eu vejo que vós chorais, porque a vossa bolsa foi espremida pelo
dominador. Mas depois vós espremeis o sangue daquele que odiais, e ao esvaziar
um corpo do seu sangue e de sua vida, vós não tendes horror.
Ó, vós de Israel! O tempo da
Redenção chegou. Mas preparai seus caminhos em vós com a boa vontade. Sede
honestos, bons, amai-vos uns aos outros. Ricos, não desprezeis; mercadores, não
defraudeis; pobres, não invejeis. Sois todos de um sangue e de um Deus. Sois
todos chamados a um mesmo destino. Não fecheis para vós, com os vossos pecados,
o Céu que o Messias vos abrir. Tereis errado até aqui? Agora, não erreis mais.
Que cesse todo erro.
A Lei que volta aos dez
mandamentos iniciais é simples, boa, fácil, mas devem estar mergulhados na luz
do amor. Vinde. Eu vos mostrarei quais são os amores: amor, amor, amor. Amor de
Deus por vós e de vós por Deus.
Amor para com o próximo. Sempre
amor, porque Deus é Amor e aqueles que sabem viver o amor são filhos do Pai. Eu
estou aqui para todos e para dar a luz de Deus a todos. Eis aqui a Palavra do
Pai, que se faz alimento em vós.
Vinde, provai, mudai o sangue do
espírito com este alimento. Que todo veneno caia. Que toda concupiscência
morra. Uma glória nova vos é oferecida, aquela eterna, e a ela virão os que
fizerem da Lei de Deus assunto de um verdadeiro estudo para os seus corações.
Começai pelo amor. Não existe coisa maior. Mas, quando souberdes amar, já
sabereis tudo, e Deus vos amará, e o amor de Deus significa ajuda contra toda
tentação. A bênção de Deus esteja sobre aquele que volta para Ele um coração
cheio de boa vontade.
Jesus se cala. O povo cochicha. A reunião se dissolve depois
dos hinos cantados, muitos salmodiando-os. Jesus sai para a pequena praça.
João, Tiago, Pedro e André estão à porta.
– A paz esteja convosco. O homem,
para ser justo, precisa não julgar sem antes conhecer. Mas é também honesto em
reconhecer a sua culpa. Simão, quiseste me ver? Eis-me aqui. E tu, André, por
que não vieste antes?
Os dois irmãos se olham, embaraçados. André murmura:
– Eu não ousava.
Pedro, vermelho, não diz nada. Mas, quando ouve Jesus dizer
ao irmão:
“Faríeis mal em vir? Só o mal não
se deve ousar fazer” ele
intervém sincero:
– Fui eu. Ele queria trazer-me logo a Ti. Mas eu… disse… sim.
Eu disse: “Não creio” e não quis vir. Oh! Agora estou melhor!
Jesus sorri. Depois diz:
– E, pela tua sinceridade, Eu te
digo que te amo.
– Mas eu… eu não sou bom… não sou capaz de fazer aquilo que
disseste na sinagoga. Eu sou iracundo, e, se alguém me ofende… Eu sou cobiçoso
e gosto de ter dinheiro… No meu mercado de peixe… não é sempre… nem sempre eu
tenho ficado sem cometer alguma fraude. Sou ignorante. Tenho pouco tempo para
seguir-te, para ter a luz. Como farei? Eu gostaria de me tornar como Tu dizes…
mas…
– Não é difícil, Simão. Sabes um
pouco a Escritura? Sim? Pois bem, pensa no profeta Miquéias. Deus quer de ti
aquilo que diz Miquéias. Não te pede que arranques o coração, nem que
sacrifiques os afetos mais santos. Por enquanto, não te pede isto. Um dia, sem
que Deus te peça, darás até a ti mesmo a Deus. Mas Ele espera que o sol e o
orvalho façam de ti, que és ainda um fio de erva, uma palmeira forte e
gloriosa. Por enquanto, Ele te pede isto: praticar a justiça, amar a
misericórdia, e tomar todo o cuidado em seguir o teu Deus. Esforça-te para
fazer isso, o passado de Simão será cancelado e tu te tornarás um homem novo, o
amigo de Deus e do seu Cristo. Não serás mais Simão. Serás Cefas. Pedra firme
sobre a qual me apoio.
– Isto me agrada. Isto eu entendo. A Lei é assim… é assim… eu
não sei mais cumpri-la como fazem os rabinos! Mas, isto que Tu dizes, sim.
Parece-me que vou conseguir. E Tu me ajudarás. Moras aqui? Eu conheço o dono da
casa.
– Eu estou aqui. Mas agora irei
para Jerusalém, e depois pregarei pela Palestina. Vim para isso. Mas virei aqui
frequentemente.
– Eu virei ouvir-te ainda. Quero ser teu discípulo. Um pouco
de luz entrará na minha cabeça.
– Sobretudo no coração, Simão. No
coração. E tu, André, não dizes nada?
– Eu ouço, Mestre.
– Meu irmão é tímido.
– Mas se tornará um leão. A noite
está chegando. Deus vos abençoe e vos dê uma boa pesca. Ide.
– Paz a Ti.
E vão embora.
Mal saíram, Pedro diz:
– O que terá Ele querido dizer antes, quando falou que eu hei
de pescar com outras redes e que farei outras pescas?
– Por que não lhe perguntaste? Querias dizer tantas coisas e,
afinal, quase não falaste.
– Eu… estava com vergonha. Ele é tão diferente de todos os
outros rabinos!
– Agora vai para Jerusalém. João diz isso com muita saudade e
desejo. Eu queria perguntar-lhe se me deixava ir com Ele, mas… não tive
coragem.
– Vai dizer-lhe isso, rapaz –diz Pedro–. Nós o deixamos
assim, sem uma palavra de amor. Que pelo menos Ele saiba que nós o admiramos.
Vai, vai, que eu falo com teu pai.
– Posso ir, Tiago?
– Vai.
João vai e volta correndo… e jubiloso.
– Eu disse a Ele: “Queres-me contigo em Jerusalém?” Ele me
respondeu: “Vem, amigo!” Amigo, Ele me disse! Amanhã a esta hora virei para cá.
Ah! Em Jerusalém com Ele!
A visão termina.
Diz Jesus:
Quero que tu e todos observeis o
comportamento de João. É um lado seu que sempre passa desapercebido. Vós o
admirais porque ele é puro, amoroso, fiel. Mas não notais que foi grande também
sua humildade. Ele, artífice da vinda de Pedro a mim, modestamente se cala
neste particular.
O apóstolo de Pedro e, por isto,
o primeiro dos meus apóstolos, foi João. O primeiro a reconhecer-me, o primeiro
a dirigir-me a palavra, o primeiro a seguir-me, o primeiro a pregar sobre Mim.
No entanto, estais vendo o que ele diz? Diz assim: “André, irmão de Simão
Pedro, era um dos dois, que tinham ouvido as palavras de João, e tinham seguido
a Jesus. O primeiro, com quem se encontrou foi com o seu irmão, Simão, ao qual
disse: “Encontramos o Messias”, e o levou a Jesus.”
Justo, além de bom, ele sabe que
André se angustia por ter um caráter fechado e tímido, que gostaria de fazer
muitas coisas mas não consegue, e João quer que o reconhecimento da sua boa
vontade chegue a ele, na memória dos pósteros. João quer que André apareça como
o primeiro apóstolo de Cristo junto a Simão, perto do irmão, não obstante a sua
timidez e acanhamento lhe terem dado alguma derrota em seu apostolado.
Quem, entre aqueles que fazem
alguma coisa por mim, sabem imitar João, sem se autoproclamarem apóstolos
insuperáveis, sem pensar que o seu êxito provém de um complexo de coisas, não
somente santidade, mas também audácia humana, sorte e, ocasionalmente,
encontram-se com outros menos audazes e felizardos, embora talvez mais santos?
Quando vós vos saís bem no que
fazeis de bom, não vos glorieis, como se o mérito fosse todo vosso. Dai louvor
a Deus, Senhor dos operários apostólicos, tende os olhos limpos e o coração
sincero para ver e para dar a cada um o aplauso que lhe cabe. Olhos limpos para
discernir os apóstolos que cumprem o holocausto, e que são as primeiras e
verdadeiras alavancas no trabalho dos outros. Só Deus vê estes que, tímidos,
parecem nada fazer, mas, ao contrário, são os raptores do fogo do céu, que
ataca os audazes. Um coração sincero para saber dizer: “Eu trabalho. Mas este
ama mais do que eu, prega melhor do que eu, se imola, como eu não sei fazer, e
como Jesus disse: ‘… dentro do próprio quarto, com a porta fechada para rezar
em segredo’. Eu, que vejo a sua humilde e santa virtude, quero torná-la
conhecida, e dizer: ‘Eu sou instrumento ativo; este é força que me põe em
movimento, porque, ligado a Deus como ele, que é para mim canal de força
celeste’.”
A bênção do Pai, que desce para
recompensar o humilde, que em silêncio se imola para dar força aos apóstolos,
descerá também sobre o apóstolo que sinceramente reconhece a sobrenatural e
silenciosa ajuda que lhe vem do humilde, e o seu mérito, que a superficialidade
dos homens não nota.
Aprendei todos.
É o meu predileto? Sim. Mas não
tem também esta semelhança Comigo? Puro, amoroso, obediente, mas também
humilde. Eu me espelhava nele, via nele as minhas virtudes. Eu o amava por
isso, como um segundo Eu. Via sobre ele o olhar do Pai que o reconhecia como um
pequeno Cristo. E minha mãe me dizia: “Nele sinto ter um segundo filho.
Parece-me estar vendo a Ti, reproduzido em um homem.”
Oh! a cheia de sabedoria como te
conheceu, ó meu dileto! Os céus azuis de vossos corações de pureza se fundiram
em um único velário para me dar proteção de amor, e tornarem-se assim um só
amor, antes ainda que Eu desse minha mãe a João, e João à minha mãe. Eles se
amaram, porque se reconheceram semelhantes: filhos e irmãos do Pai e do Filho.
Pg. 303 - 312
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50 – EM BETSAIDA NA CASA DE
PEDRO. O ENCONTRO COM FELIPE E NATANAEL
15 de outubro de 1944.
João bate à porta da casa onde Jesus está hospedado. Aparece
uma mulher, que ao vê-lo, vai chamar Jesus. Saúdam-se com a saudação da paz. E
depois:
– Vieste sem demora, João – diz Jesus.
– Eu vim para dizer-te que Simão Pedro te pede que passes por
Betsaida. Ele falou de Ti a muitos. Esta noite não fomos pescar. Ficamos
rezando, como sabemos, e renunciamos ao lucro porque, o sábado ainda não havia
terminado. Esta manhã estivemos andando pelas ruas, falando de Ti. Há pessoas
que gostariam de te ouvir. Irás então, Mestre?
– Vou. Mesmo se Eu deva ir a
Nazaré, antes de Jerusalém.
– Pedro te levará de Betsaida a Tiberíades, com seu barco.
Assim irás mais depressa.
–Então, vamos.
Jesus pega o manto e o alforje. Mas João lhe toma este
último. Lá se vão os dois, depois de terem saudado a dona da casa. A visão me
mostra a saída do povoado e o começo da viagem para Betsaida. Mas não ouço
discursos, ao contrário, a visão tem uma interrupção, mas continua, na entrada
de Betsaida. Compreendo que é essa a cidade, porque vejo Pedro, André e Tiago,
junto com algumas mulheres que estão esperando Jesus na entrada do povoado.
– A paz esteja convosco. Eis-me
aqui.
– Obrigado, Mestre, por nós e pelos que Te estão esperando.
Hoje não é sábado, mas, dirás tuas palavras aos que estão esperando para Te
ouvir?
– Sim, Pedro. Eu o farei. Na tua
casa.
Pedro está exultante: – Então, vem. Esta é minha mulher, esta
é a mãe do João, e estas são as amigas delas. Mas há outros também à tua
espera: são parentes e amigos nossos.
– Avisa-os que partirei de tarde,
mas que antes falarei a eles. Deixei de dizer que, tendo eles partido de
Cafarnaum ao pôr-do-sol, os vi chegar a Betsaida pela manhã.
– Mestre, eu Te peço. Fica uma noite em minha casa. O caminho
para Jerusalém é longo, mesmo que eu o encurte para Ti, com o barco até
Tiberíades. Minha casa é pobre, mas honesta e amiga. Fica conosco esta noite. Jesus
olha para Pedro e para os outros, que estão todos esperando a resposta. Jesus
os olha perscrutador. Depois, sorri e diz: – Sim.
Nova alegria para Pedro. Muitas pessoas estão olhando das
portas, fazendo sinais com os olhos. Um homem chama Tiago pelo nome, fala-lhe
baixo, indicando Jesus. Tiago anui, e o homem vai conversar com outros, que
ficaram esperando numa encruzilhada.
Entram na casa de Pedro. Uma cozinha grande e enfumaçada. Em
um canto há redes, cordas e cestas para a pesca. No meio, a lareira larga e
baixa que, por enquanto, está apagada. Das duas portas opostas se vê a rua e o
pequeno pomar com uma figueira e uma videira. Do outro lado da rua, vê-se o
cérulo das ondas do lago. Além do pomar, está a parede escura de outra casa.
– Ofereço a Ti o que tenho, Mestre, e como sei…
– Melhor e mais não poderias,
porque me ofereces com amor. Dão a Jesus água para se refrescar e depois, pão e azeitonas. Jesus prova
uns poucos bocados, mais para mostrar que aceita, depois recusa, agradecendo.
Do outro lado do pomar e da rua alguns meninos estão
observando com curiosidade. Mas não sei se são filhos de Pedro. Só sei que, de
vez em quando, ele lhes dá uns olhares ameaçadores, para barrar os pequenos
invasores. Jesus sorri, e diz:
– Deixa-os à vontade.
– Mestre, queres descansar? Ali é o meu quarto, aquele é o de
André. Escolhe. Não faremos barulho, enquanto descansas.
– Por acaso, não tens um terraço?
– Sim. A videira faz um pouco de sombra, mesmo que esteja
ainda quase sem folhas.
– Leva-me, então, ao terraço.
Prefiro descansar lá em cima. Lá, pensarei e rezarei.
– Como quiseres. Vem.
Do pequeno pomar, uma escadinha sobe para o teto, que é um
terraço limitado por um baixo muro. Aqui também há redes e cordas. Mas quanta
luz do céu e quanto azul do lago! Jesus se assenta em um banco, com as costas
apoiadas ao muro. Pedro lida com uma vela, que estende perto da videira para
fazer uma proteção contra o sol. Há brisa e silêncio. Jesus está visivelmente
gostando.
– Eu já me vou, Mestre.
– Vai. Tu e João, ide dizer que,
ao pôr-do-sol, falarei aqui.
Jesus fica só e faz uma longa oração. Exceto dois casais de
pombos, que vão e vêm dos ninhos, e um gorjeio de pássaros, não há barulho nem
pessoas em torno de Jesus que reza. As horas passam calmas e serenas. Depois,
Jesus se levanta, dá uns passos pelo terraço, olha o lago, sorri para uns
meninos que estão brincando na rua e que lhe sorriem, olha a rua, na direção da
pracinha, que fica a uns cem metros da casa. Depois desce. Vai até a cozinha:
– Mulher, vou passear à beira do
lago.
Sai, e de fato vai para a beira do lago, junto dos meninos. E
lhes pergunta:
– O que estais fazendo?
– Nós queríamos brincar de guerra. Mas ele não quer e, então,
vamos brincar de pesca.
O “ele” que não quer é um homenzinho de corpo delgado, mas
com um rosto que revela grande perspicácia. Talvez ele perceba que, delgado
como é, ao fazer “a guerra”, poderia sair perdendo, e por isso, defende a paz. Jesus
aproveita o assunto para falar aos meninos:
– Ele tem razão. A guerra é um
castigo de Deus para a punição dos homens, e sinal de que o homem não é mais
verdadeiro filho de Deus. Quando o Altíssimo criou o mundo, fez todas as
coisas: o sol, o mar, as estrelas, os rios, as plantas, os animais, mas não fez
as armas. Criou o homem, e lhe deu olhos para que tivesse olhares de amor, boca
para dizer palavras de amor, ouvido para ouvi-las, mãos para dar socorro e
carícias, pés para correrem velozes até o irmão necessitado, e coração capaz de
amar. Deu ao homem a inteligência, a palavra, os afetos, os gostos. Mas não deu
o ódio. Por que? Porque o homem, criatura de Deus, devia ser amor, como Deus é
Amor. Se o homem tivesse continuado a ser criatura de Deus, teria permanecido
no amor, e a família humana não teria conhecido nem guerra nem morte.
– Mas ele não quer brincar de guerra, porque perde sempre (eu
já tinha adivinhado isso).
Jesus sorri, e diz: – Não é preciso não querer aquilo
que nos prejudica, só porque nos prejudica. Mas é preciso não querer uma coisa,
quando ela prejudica a todos. Se um, diz: “Eu não quero isto, porque vou
perder”, ele é egoísta. Ao contrário, o bom filho de Deus diz: “Irmãos, eu sei
que vou ganhar, mas eu vos digo: não vamos fazer isso, porque vós teríeis
prejuízo.” Oh! Como esse compreendeu bem o mandamento principal! Quem sabe me
dizer qual é?
Em coro, as onze bocas dizem:
– “Amarás o teu Deus com todo o teu ser e ao teu próximo como
a ti mesmo.”
– Oh! Sois uns meninos muito
inteligentes! Ides todos à escola?
– Sim.
– Quem é o mais inteligente?
– Ele.
É o magrinho, que não quer brincar de guerra.
– Como te chamas?
– Joel.
– É um grande nome! Ele diz: “O
fraco diga: ‘sou forte’.” Mas forte no quê? Na lei do verdadeiro Deus, para
estar entre aqueles que Ele vai julgar como santos seus, no vale da decisão
final. Mas esse juízo já está perto. Não no vale da decisão, mas no monte da
Redenção. Lá, entre o sol e a lua, escurecidos de horror, e as estrelas tremendo
num pranto de piedade, serão julgados e separados os filhos da Luz, dos filhos
das Trevas. Toda Israel saberá que o seu Deus veio. Felizes aqueles que o
tiverem reconhecido. A eles mel, leite e águas claras lhes descerão aos
corações, e os espinhos se tornarão rosas eternas. Quem de vós quer estar entre
aqueles que vão ser julgados santos de Deus?
– Eu! Eu! Eu!
– Amareis, então, o Messias?
– Sim! Sim! A Ti! A Ti! Nós Te amamos! Nós sabemos quem és!
Simão e Tiago nos disseram, e nossas mães também. Leva-nos Contigo!
– Na verdade, Eu vos levarei, se
fordes bons. Nada mais de palavras feias, nem atitudes prepotentes, nem brigas,
ou respostas más aos pais. Oração, estudo, trabalho, obediência. Eu vos amarei
e virei estar convosco.
Os meninos estão todos em círculo em volta de Jesus. Parece
uma corola de cores matizadas, apertada ao redor de um longo pistilo azul
escuro. Um homem já maduro aproximou-se curioso. Jesus se vira para acariciar
um menino, que lhe está puxando a veste, e o vê. Fita-o intensamente. O homem o
saúda, enrubescendo, mas não diz nada.
– Vem, segue-me!
– Sim, Mestre.
Jesus abençoa os meninos e, ao lado de Filipe (chama-o pelo
nome), volta para casa. Sentam-se no pequeno pomar.
– Queres ser meu discípulo?
– Quero… mas não ouso ter esperança de o ser.
– Eu te chamei.
– Então, eu sou. Eis-me aqui.
– Sabias de mim?
– André me falou de Ti. Ele me disse: “Aquele por quem tu
suspiravas, chegou.” Porque André sabia que eu vivia suspirando pelo Messias.
– A tua espera não foi
decepcionada. Ele está diante de ti.
– Meu Mestre e meu Deus!
– És um israelita de reta
intenção. Por isso Eu me manifesto a ti. Um outro teu amigo está esperando,
também ele um sincero israelita. Vai dizer-lhe: “Encontramos Jesus de Nazaré,
filho de José, da estirpe de Davi, Aquele de quem falaram Moisés e os
Profetas.” Vai!
Jesus ficou sozinho, até que Filipe volta com
Natanael-Bartolomeu.
– Eis um verdadeiro israelita, no
qual não há fraude. A paz esteja contigo, Natanael!
– Como me conheces?
– Antes que Filipe fosse
chamar-te, Eu te vi debaixo da figueira.
– Mestre, Tu és o Filho de Deus, Tu és o Rei de Israel!
– Porque Eu disse ter-te visto,
enquanto pensavas debaixo da figueira, tu crês? Verás coisas bem maiores do que
esta. Em verdade Eu vos digo que os céus estão abertos, e pela fé, vereis os
anjos descerem e subirem sobre o Filho do homem: Eu que te falo.
– Mestre! Eu não sou digno de tão grande favor!
– Crê em mim, e serás digno do
Céu. Queres crer?
– Quero, Mestre.
A visão tem aqui uma interrupção e continua sobre o terraço
cheio de gente; outras pessoas estão no pequeno pomar de Pedro. Jesus está
falando:
– Paz aos homens de boa vontade.
Paz e bênção às suas casas, às suas mulheres, aos seus filhos. A graça e a luz
de Deus reine nelas e nos corações que nelas habitam. Vós desejastes ouvir-me.
A Palavra está falando. Fala aos honestos com alegria, fala aos desonestos com
dor, fala aos santos e aos puros com deleite, fala aos pecadores com piedade.
Ela não se nega. Veio para derramar-se como um rio, que irriga as terras necessitadas
de água, às quais leva refrigério com suas ondas, e alimento com o seu limo.
Vós desejais saber o que se
requer para ser discípulos da Palavra de Deus, do Messias que é o Verbo do Pai,
que vem reunir Israel, para ouvir novamente as palavras do imutável e santo
Decálogo, e se santifique com elas, purificando o homem quanto ele puder por si
mesmo, para a hora da Redenção e do Reino.
Aí está. Falo aos surdos, aos
cegos, aos mudos, aos leprosos, aos paralíticos, aos mortos: “Levantai-vos,
ficai curados, ressurgi, caminhai, abram-se em vós os rios da luz, da palavra,
do som, para que possais ver, ouvir e falar de mim.” Mais do que aos corpos, Eu
falo aos vossos espíritos.
Homens de boa vontade, vinde a mim
sem temor. Se o espírito está ferido, Eu o curo. Se está doente, Eu o torno
são. Se está morto, Eu o ressuscito. Eu quero só a vossa boa vontade. Será
difícil o que Eu vos estou pedindo? Não. Eu não vos imponho as centenas e
centenas de preceitos dos rabinos. Eu vos digo: Guardai o Decálogo. A Lei é una
e imutável. Muitos séculos se passaram desde a hora na qual essa lei foi dada
bela, pura, fresca como um filho recém-nascido, como uma rosa que acaba de se
abrir sobre a haste. Simples, limpa, suave para se seguir. No correr dos
séculos, as culpas e as tendências a complicaram com outras leis menores, com
pesos e restrições, com excessivas e penosas cláusulas. Eu vos reporto à Lei,
assim como o Altíssimo a deu. Mas Eu vos peço para o vosso bem, recebei-a com o
coração sincero dos verdadeiros israelitas daquele tempo.
Vós, os humildes, murmurais, mais
com os corações do que com os lábios, que a maior culpa está nos homens
importantes. Eu sei. No Deuteronômio se diz tudo o que deve ser feito: não era
necessário nada mais. Mas não julgueis quem pede aos outros, e não a si. Vós
façais tudo o que Deus diz. E sobretudo, esforçai-vos para serdes perfeitos nos
dois mandamentos principais. Se amardes a Deus com todo o vosso ser, não ireis
cometer pecado, que é uma dor causada a Deus. Quem ama não quer causar dor. Se
amardes o próximo como a vós mesmos, não sereis mais que filhos respeitosos
para com os vossos pais, esposos fiéis aos consortes, homens honestos nos
negócios, sem violências com os inimigos, sem mentira nos vossos depoimentos,
sem inveja de quem possui, sem concupiscência, sem luxúria para com a mulher do
próximo. Não querendo fazer aos outros o que não quereríeis que fosse feito a
vós, não roubaríeis, não mataríeis, não caluniaríeis, não entraríeis, como os
cucos, nos ninhos dos outros.
Mas, ao contrário, Eu vos digo:
“Levai à perfeição a obediência aos dois preceitos de amor: amai também os
vossos inimigos.” Oh! Como vos amará o Altíssimo, que tanto ama o homem, que se
tornou inimigo Dele pela culpa de origem e por seus pecados individuais, a
ponto de enviar-lhe o Redentor, o Cordeiro, que é o seu Filho, Eu que vos falo,
Eu, o Messias prometido, para remir-vos de toda culpa, se souberdes amar como
Ele.
Amai. Que o amor seja para vós
escada por onde, tendo-vos tornado anjos, subireis, como viu Jacó, até o Céu,
ouvindo o Pai dizer a todos e a cada um: “Eu serei o teu protetor por onde
andares, e te reconduzirei a esta cidade: ao Céu, ao Reino Eterno. A paz esteja
convosco.”
O povo diz palavras de uma aprovação comovida, e se afasta
lentamente. Ficam Pedro, André, Tiago, João, Filipe e Bartolomeu.
– Partes amanhã, Mestre?
– Amanhã, ao alvorecer, se não te
desagrada.
– Desagradar-me que Tu vás, sim. Mas por causa da hora, não.
É, aliás, propícia.
– Irás pescar?
– Esta noite, quando sair a lua.
– Fizeste bem, Simão Pedro, por
não teres ido pescar na noite passada. O sábado ainda não havia terminado.
Neemias, em suas reformas, quis que em Judá fosse respeitado o sábado. Ainda
agora muita gente aos sábados põe em movimento as prensas, carrega fardos,
transporta vinho e frutas, vende e compra peixes e cordeiros. Vós já tendes
seis dias para isso.
O sábado é do Senhor. Só uma
coisa podeis fazer aos sábados: praticar a bondade para com o próximo. Mas o
lucro deve ser absolutamente excluído dessa ajuda. Quem por causa do lucro
viola o sábado, não pode ter senão o castigo de Deus. Faz uma coisa de
utilidade? Vai ter que descontá-la com as perdas nos outros seis dias. Faz uma
coisa sem utilidade? Então, em vão cansou o seu corpo, não lhe concedendo o
descanso que a Inteligência estabeleceu para ele, deixando alterar-se pela ira
o seu espírito por ter-se afadigado inutilmente, chegando até a praguejar.
Enquanto que o dia de Deus há de ser passado com o coração unido a Deus, em
doce oração de amor. É preciso ser fiel em tudo.
– Mas… os escribas e os doutores, que são tão severos
conosco… não trabalham aos sábados, nem mesmo dão um pão ao próximo, para não
ter o trabalho de estender o braço para dá-lo… mas a usura, eles praticam
também nos sábados. Será por não ser um trabalho material, que a usura se pode
praticar aos sábados?
– Não. Nunca. Nem no sábado, nem
em nenhum outro dia. Quem pratica a usura, é desonesto e cruel.
– Então, os escribas e os fariseus…
– Simão, não julgues. Tu não
faças assim.
– Mas eu tenho olhos para ver…
– Existirá só mal para se ver,
Simão?
– Não, Mestre.
– Assim sendo, por que olhar só o
mal?
– Tens razão, Mestre.
Então, amanhã, na alvorada,
partirei com João.
– Mestre…
– Que tens a dizer, Simão?
– Mestre… vais a Jerusalém?
– Tu já estavas sabendo disso.
– Eu também vou lá pela Páscoa, e também André e Tiago.
– Então? Queres dizer que
gostarias de ir comigo. Mas, e a pesca? E o teu ganha-pão? Me disseste que
gostas de ter dinheiro, e Eu vou ficar por lá muitos dias. Primeiro, vou ver
minha mãe. Para lá irei na volta, onde me deterei a pregar. Como farás, então?
Pedro fica perplexo, combalido… mas depois se decide:
– Por mim eu vou também. Prefiro a Ti, que ao dinheiro!
– Eu também vou.
– Eu também.
– E nós também, não é Filipe?
– Então, vinde. Vós me ajudareis.
– Oh! –Pedro fica excitado só com a ideia de ajudar a Jesus–.
Como faremos?
– Depois Eu vos direi. Não tereis
que fazer mais do que Eu vos disser, para fazer bem. O obediente sempre faz
bem. Agora, vamos rezar, e depois cada um irá para a sua casa.
– E Tu, Mestre, que irás fazer?
– Eu vou rezar ainda. Eu sou a
Luz do mundo, mas sou também o Filho do homem. Devo por isso sempre alcançar a
Luz, para ser o Homem que redime o homem. Rezemos.
Jesus diz um salmo. É aquele que começa assim:
“Quem repousa na ajuda do Altíssimo, viverá sob a proteção do
Deus do Céu. Dirá ao Senhor: ‘Tu és o meu protetor, o meu refúgio. És o meu
Deus, Nele a minha esperança. Ele me livrou do laço dos caçadores e das
palavras ásperas’ etc…” Eu o encontro no livro 4°. É o segundo do livro 4°,
parece-me ser o de n° 90 (se é que leio bem os números romanos). A visão
termina assim.
Pg. 312 – 320
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51 – MARIA MANDA JUDAS TADEU
CONVIDAR JESUS PARA AS BODAS DE CANÁ
17 de outubro de 1944.
Vejo a cozinha de Pedro. Nela, além de Jesus, estão Pedro e
sua mulher, Tiago e João. Parece que eles acabaram de jantar, faz pouco tempo e
estão conversando. Jesus se interessa pelos assuntos da pesca.
André entra, e diz:
– Mestre, está aí fora o homem, que mora com alguém que se
diz teu primo.
Jesus se levanta, vai até à porta e diz: – Entrem!
E, quando, à luz da candeia e das chamas da lareira, vê
entrar Judas Tadeu, exclama:
– Tu, Judas?!
– Eu mesmo, Jesus.
Beijam-se. Judas Tadeu é um belo homem, na plenitude de sua
beleza viril. Alto, se bem que não como Jesus, bem proporcionado em sua
robustez, moreno, como era José, quando jovem, de um oliváceo, não térreo, com
olhos que têm alguma coisa em comum com os de Jesus, porque são de uma cor
azul, mas tendente à pervinca. Tem uma barba quadrada e escura, cabelos em
desalinho, menos encaracolados que os de Jesus, escuros como a barba.
– Eu venho de Cafarnaum. Fui até lá com um barco, depois
também vim até aqui desta forma, para chegar mais depressa. É tua mãe que me
manda a Ti. Ela manda dizer: “Susana se casa amanhã. Eu te peço, Filho, que vás
ao casamento.” Maria vai tomar parte na festa e com ela minha mãe e meus
irmãos. Todos os parentes estão convidados. Só Tu estarias ausente, e os
parentes te pedem que vás para fazer contentes os noivos. Jesus se inclina
levemente, abrindo um pouco os braços, e diz:
– O desejo de minha mãe para mim
é lei. Mas também Susana e os parentes. Eu irei. Só… me desagrada por causa de
vós… –e olha para Pedro
e os outros–. São os meus amigos –explica ao primo. E vai dizendo os nomes, começando por
Pedro.
Por último diz: – E este é o João.
O diz de um modo todo especial, que atrai o olhar mais atento
de Judas Tadeu, e faz enrubescer o seu predileto. Termina a apresentação,
dizendo:
– Amigos, este é Judas, filho de
Alfeu, meu primo-irmão, segundo o modo de falar do mundo, porque é filho do
irmão do esposo de minha mãe. É um bom amigo meu no trabalho e na vida.
– Minha casa está aberta para ti, como para o Mestre.
Assenta-te! –e, depois, voltando-se para Jesus, Pedro diz: – E então iremos
mais Contigo para Jerusalém? Não?
– Certamente que ireis. Depois da
festa das núpcias, Eu irei para lá. Somente que não me deterei mais em Nazaré.
– Fazes bem, Jesus. Porque tua mãe é minha hóspede por alguns
dias. Foi combinado assim, e para lá ela irá depois das núpcias. Assim falou o
homem de Cafarnaum.
– Assim faremos, então. Agora,
com o barco de Judas, Eu irei a Tiberíades, e de lá a Caná, e com o mesmo
voltarei a Cafarnaum com minha mãe e contigo. No dia seguinte ao próximo
sábado, tu irás, Simão, se ainda quiseres ir, e iremos a Jerusalém pela Páscoa.
– Claro que irei! Aliás, irei no sábado, para Te ouvir na
sinagoga.
Já estás ensinando, Jesus? – pergunta Judas Tadeu.
– Sim, primo.
– E que palavras! Ah! Não se ouvem sair dos lábios de outros!
Judas suspira. Com a cabeça apoiada na mão e com o cotovelo
firmado sobre o joelho, ele olha para Jesus e suspira. Parece querer falar, mas
não tem coragem.
Jesus o estimula:
– Que tens, Judas? Por que me
olhas e suspiras?
– Não é nada.
– Não. Nada não pode ser. Não sou
mais o Jesus que tu amavas? Aquele para quem não tinhas segredos?
– Sim, que o és! Que falta me fazes, Tu, Mestre do teu primo
mais velho!
– E, então? Fala.
– Eu queria dizer-te… Jesus… sê prudente… tens uma mãe… que
só tem a Ti, queres ser um “rabi” diferente dos outros, e Tu sabes, melhor do
que eu, que… que as castas poderosas não permitem que as coisas sejam
diferentes daquelas de costume, por eles estabelecidas. Conheço o teu modo de
pensar… é santo… mas o mundo não é santo… e persegue os santos… Jesus… Tu sabes
qual a sorte do teu primo, o Batista… Está na prisão, e, se ainda não morreu, é
porque aquele sórdido Tetrarca tem medo da multidão e do raio de Deus. Tão
sórdido e supersticioso, como cruel e libidinoso. Tu… que farás? A que sorte
queres ir de encontro?
– Judas, isto me estás
perguntando, tu que conheces tão bem o meu pensamento? Estás falando por ti
mesmo? Não. Não mintas. Alguém te mandou, e, certamente, minha mãe não foi, para
vires me dizer estas coisas.
Judas abaixa a cabeça, e se cala.
– Fala, primo.
– Meu pai… e com ele José e Simão… sabes… para o teu bem…
pelo afeto por Ti e por Maria… não veem com bons olhos aquilo que estás
querendo fazer… e… e gostariam que Tu pensasses em tua mãe.
E tu, que pensas disso?
– Eu… Eu…
– Tu estás sendo combatido pelas
vozes do alto e da terra. Não digo pelas vozes daqui de baixo. Digo vozes da
terra. Também Tiago está assim ainda mais do que tu. Mas Eu vos digo que acima
da terra está o céu, acima dos interesses do mundo está a causa de Deus.
Precisais mudar vosso modo de pensar. Quando souberdes fazer isso, sereis
perfeitos.
– Mas… e tua mãe?
– Judas, ninguém melhor do que
ela teria o direito de me chamar de volta aos meus deveres de Filho, segundo a
luz da terra, ou seja, ao meu dever de trabalhar para ela, a fim de atender às
suas necessidades materiais, ao meu dever de assistência e conforto, ficando
sempre perto da mãe. Mas ela não me pede nada disso. Desde que me teve, ela
sabia que teria que me perder, para depois encontrar-me de novo, e de um modo
muito mais amplo do que o do pequeno círculo da família. Desde então, ela
vem-se preparando para isso. Esta vontade absoluta de se doar a Deus não é
novidade no seu sangue. Sua mãe a ofereceu ao Templo, antes que ela sorrisse à
luz. Ela se doou a Deus, e me contou isso inúmeras vezes quando, tinha-me junto
ao seu coração, nas longas tardes de inverno, ou nas claras noites de verão
cheias de estrelas, falando-me da sua infância santa, desde as primeiras luzes
da sua aurora no mundo. Doou-se a Deus ainda mais, quando me teve, para que eu
estivesse aqui a caminho da missão que me vem de Deus. Em uma certa hora, todos
me deixarão; talvez por poucos minutos, mas a covardia se apoderará de todos, e
pensareis que teria sido melhor para vossa segurança, se nunca me tivésseis
conhecido. Mas ela, que compreendeu e que sabe, Ela estará sempre comigo. Vós
tornareis a ser meus por meio dela. Com a força de sua segura e amorosa fé, ela
vos atrairá a si, e depois vos tornará a atrair para mim, porque Eu estou na
mãe, e ela está em mim, e Nós em Deus.
Isto Eu queria que
compreendêsseis, todos vós, parentes segundo o mundo, amigos e filhos segundo o
sobrenatural. Tu e os outros, não sabeis quem é minha mãe. Mas, se o
soubésseis, não a criticaríeis em vosso coração por não saber ter-me subjugado
a ela, mas a veneraríeis como a amiga mais íntima de Deus, a poderosa que tudo
pode no coração do Eterno Pai, e sobre o Filho do seu coração. Certamente Eu
irei a Caná. Quero fazê-la feliz. Compreendereis melhor depois desta hora.
Jesus está imponente e persuasivo. Judas o olha atentamente.
Fica pensando. E diz:
– Eu também certamente irei Contigo, junto com estes, se me
quiseres… porque sinto que Tu dizes coisas justas. Perdoa a minha cegueira e a
dos meus irmãos. És muito mais santo do que nós!
– Não tenho rancor de quem não me
conhece. Não tenho rancor nem de quem me odeia. Mas sinto dor pelo mal que alguém
se faz a si mesmo, ... que tem naquela sacola?
– A veste que a mãe te manda. Amanhã há uma grande festa. Ela
pensa que o seu Jesus precise da veste para não fazer má figura entre os
convidados. Ela fiou, incansavelmente, das primeiras horas do dia até às
últimas, cada dia, para te preparar esta veste. Mas não terminou o manto.
Ficaram faltando as franjas. Ela ficou desolada por isso.
– Não é preciso. Eu vou com esta,
e aquela guardarei para Jerusalém. O Templo é ainda mais do que uma festa de
casamento.
– Ela ficará feliz.
– E vós, se quereis estar ao amanhecer no caminho de Caná,
precisais partir logo. A lua surge, e será boa a travessia –diz Pedro.
– Então, vamos. Vem, João. Eu te
levo comigo. Simão Pedro, Tiago e André, até logo. Eu vos espero na tarde de
sábado em Cafarnaum. Adeus, mulher. Paz a ti e à tua casa.
Jesus sai com Judas e João. Pedro os acompanha até à beira do
lago, e ajuda na manobra de partida do barco. Termina a visão.
Pg. 320 – 324
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52 – AS BODAS DE CANÁ. O FILHO
NÃO MAIS SUJEITO À MÃE, REALIZA A PEDIDO DELA O PRIMEIRO MILAGRE
Vejo uma casa. Uma característica casa oriental — um cubo
branco, mais largo do que alto, com raras aberturas — transposta por um
terraço, que serve de telhado, cercada por um pequeno muro de mais ou menos um
metro de altura e sombreada pela parreira de uma videira, que sobe até o alto e
estende os seus ramos além da metade deste ensolarado terraço. Uma escada
externa, ao longo da fachada, vai até uma porta que se abre a meia altura da
fachada. Em baixo, no térreo, há portas baixas e poucas, não mais do que duas
de cada lado, que dão para quartos baixos e escuros. A casa surge em meio a uma
espécie de eira, mais um espaço gramado do que uma eira, tendo ao centro um
poço. Ali há figueiras e macieiras. A casa tem a sua frente que dá para a rua,
mas não está junto à rua. Fica um pouco para dentro do terreno e um atalho,
pelo meio da grama, faz a ligação com a rua, que parece uma rua mestra.
Dir-se-ia que a casa está na periferia de Caná: casa cujos
donos são camponeses que vivem no meio do seu sitiozinho. O campo se estende
além da casa, com as suas distâncias verdejantes e plácidas. Faz um belo sol e
o céu está de um azul muito claro. Em princípio, não vejo outra coisa. É uma
casa solitária.
Depois, vejo duas mulheres com longas vestes e um manto, que
serve também de véu, irem pela rua e em seguida pelo atalho. Uma delas é mais
velha, terá seus cinquenta anos, veste-se de escuro, uma cor pardo-marrom, como
o da lã natural. A outra está com uma veste mais clara, de um amarelo claro com
um manto azul; parece ter uns trinta e cinco anos. É muito bonita, esbelta, e
tem um porte cheio de dignidade, mesmo sendo muito gentil e humilde. Quando ela
está mais perto, posso notar a cor pálida do seu rosto, os olhos azuis e os
cabelos loiros, que aparecem sob o véu que lhe cobre a fronte. Reconheço nela
Maria, mãe de Jesus. Quem é a outra, que é morena e mais velha, eu não sei.
Falam entre si, e ela sorri. Quando estão próximas da casa, alguém, certamente
encarregado de receber os que vão chegando, dá o aviso e vêm homens e mulheres
ao encontro das duas, todos com roupas de festa e fazendo grandes demonstrações
de alegria pela vinda delas, especialmente por Maria, mãe de Jesus.
A hora parece ser matutina, eu diria lá pelas nove, talvez
antes, porque o campo tem ainda aquele aspecto fresco das primeiras horas do
dia, por causa do orvalho que faz mais verde a relva e pelo ar, não ainda
embaçado pela poeira. A estação parece-me primaveril, porque os prados não
estão com a relva abrasada do verão, e os campos têm os trigos ainda novos e
sem espigas, tudo verde. As folhas da figueira e da macieira estão verdes e até
tenras ainda, assim como as da videira. Mas, não vejo flores na macieira e não
vejo frutos nem na macieira, nem na figueira, nem na videira. Sinal de que a
macieira já floriu, mas há pouco tempo e os seus frutos ainda não se veem.
Maria, muito festejada, ladeada por um idoso que parece ser o
dono da casa, sobe pela escada externa e entra em uma ampla sala, que parece
ocupar todo ou boa parte do andar de cima. Parece-me compreender que os cômodos
do térreo são os verdadeiros dormitórios, as despensas, os depósitos, as
adegas, e que este seja o ambiente reservado para ocasiões especiais, como
festas excepcionais, ou trabalhos que exijam muito espaço; ou também para
depósito de produtos agrícolas. Nas festas, retiram tudo o que ocupa o espaço e
enfeitam, como fizeram hoje, com ramos verdes, esteiras e mesas preparadas. No
centro está uma mesa suntuosa, sobre a qual há ânforas e pratos cheios de
frutas. Ao longo da parede da direita, em relação a mim que estou olhando, está
uma outra mesa preparada, mas de modo mais simples. Ao longo da parede da
esquerda, está uma espécie de longo aparador, sobre o qual há pratos com
queijos e outros alimentos que me parecem pães cozidos cobertos com mel e
doces. No chão, sempre junto a esta parede, há outras ânforas e três grandes
vasos em forma de bilha de cobre (mais ou menos). Eu os chamaria de jarras.
Maria escuta com benevolência tudo o que lhe dizem. Depois,
bem disposta, tira o manto e vai ajudar a terminar os preparativos da mesa. Eu
a vejo ir e vir, arrumando as cadeiras-leitos, endireitando as grinaldas de
flores, dando melhor aspecto às fruteiras, examinando se nas candeias não está
faltando óleo. Ela sorri e fala muito pouco e em voz baixa. Mas escuta muito e
com muita paciência.
Um grande barulho de instrumentos musicais (na verdade pouco
harmônicos) ouve-se na rua. Todos, menos Maria, correm lá fora. Vejo entrar a
noiva, toda ataviada e feliz, rodeada pelos parentes e amigos, ao lado do
noivo, que foi o primeiro a correr ao seu encontro.
4Neste ponto a visão tem uma mudança. Vejo, ao invés da casa,
uma aldeia. Não sei se é Caná ou outra aldeia vizinha. E vejo Jesus com João e
um outro, que me parece Judas Tadeu, mas sobre este segundo eu poderia estar me
enganando. Quanto a João, não há engano. Jesus está vestido de branco e com um
manto azul escuro. Ouvindo o barulho dos instrumentos, o companheiro de Jesus
pergunta qualquer coisa a um homem do povo e leva a informação a Jesus.
– Vamos fazer feliz minha mãe –diz então, Jesus, sorrindo. E se
encaminha através dos campos, com os dois companheiros, em direção da casa.
Esqueci de dizer que tenho a impressão de que Maria seja parente ou muito amiga
dos parentes do noivo, pois pode-se ver que está em confidência com eles.
Quando Jesus chega, conforme o costume, o que está de
sentinela avisa aos outros. O dono da casa, acompanhado por seu filho, que é o
noivo, e por Maria, desce ao encontro de Jesus e o saúda respeitosamente. Saúda
também os outros dois; o noivo faz o mesmo.
Mas o que me agrada é a saudação cheia de amor e de respeito
de Maria ao seu Filho, e vice-versa. Não são grandes expansões, mas é um olhar
especial que acompanha as palavras de saudação: “A paz esteja contigo”, e um
sorriso tal, que vale por cem abraços e cem beijos. O beijo treme nos lábios de
Maria, mas não chega a ser dado. Ela somente põe a sua mão branca e pequena
sobre o ombro de Jesus e toca de leve num caracol de sua longa cabeleira. É uma
carícia de namorada cheia de pudor.
Jesus sobe ao lado da mãe, seguido pelos discípulos e pelos
donos da casa, e entra na sala do banquete onde as mulheres estão atarefadas em
colocar os assentos e os pratos para os três hóspedes, inesperados, ao que me
parece. Eu diria que a vinda de Jesus era incerta e que a de seus companheiros
era absolutamente imprevista.
Ouço distintamente a voz cheia, viril e dulcíssima do Mestre,
dizer, ao entrar na sala:
– A paz esteja nesta casa, e a
bênção de Deus sobre todos vós.
É uma saudação coletiva a todos os presentes e cheia de
majestade. Jesus, com seu aspecto e sua estatura, domina todos os outros. É um
hóspede, fortuito, mas parece o rei do banquete, mais do que o esposo, mais do
que o dono da casa. Ainda que humilde e condescendente, é aquele que se impõe.
Jesus toma um lugar à mesa do centro, com o noivo, a noiva,
os parentes dos noivos e os amigos mais influentes. Os dois discípulos, por
respeito ao Mestre, são convidados a sentar-se à mesma mesa.
Jesus está com as costas viradas para a parede, onde estão as
grandes jarras e os aparadores. Observo uma coisa. Exceto as respectivas mães
dos esposos, e também Maria, nenhuma outra mulher está sentada àquela mesa.
Todas as mulheres estão na outra mesa, viradas para a parede, fazendo um
barulho como se fossem cem, e são servidas depois de terem sido servidos os
esposos e os hóspedes importantes. Jesus está perto do dono da casa e tem à sua
frente Maria, a qual está sentada ao lado da noiva.
O banquete começa. Eu vos asseguro que apetite não falta, nem
sede. Aqueles que pouco se sobressaem são Jesus e sua mãe, a qual, além disso,
fala muito pouco. Jesus fala um pouco mais. Mas, ainda que seja comedido em
suas palavras, não é, no seu escasso falar, nem carrancudo nem desdenhoso. É um
homem cortês, mas não um conversador. Quando é interrogado, responde; se alguém
fala com Ele, Ele se interessa, dá o seu parecer, mas depois se recolhe, como
alguém habituado a meditar. Sorri, não ri nunca. E, se ouve alguma brincadeira
muito leviana, faz como se não a tivesse ouvido. Maria se alimenta na
contemplação do seu Jesus, e assim também João, que está na ponta da mesa,
atento aos lábios do seu Mestre.
Maria nota que os serventes cochicham com o mordomo e que
este está embaraçado; então, ela percebe o que é que está acontecendo de
desagradável.
- Filho, ela fala baixinho, chamando a atenção de Jesus com
aquela palavra: - Filho, eles não têm mais vinho.
- Mulher, o que ainda há entre mim
e ti? Jesus, ao dizer
esta frase, sorria ainda mais docemente e Maria também sorri; fazem como duas
pessoas que sabem uma verdade que é para elas um alegre segredo ignorado por todos
os outros.
Diz Jesus:
Aquele "ainda", que
muitos tradutores omitem, é a chave da frase e a explica em seu verdadeiro
significado. Eu era o Filho sujeito à mãe até o momento em que a vontade do meu
Pai me mostrou que havia chegado a hora de ser o Mestre. Desde o momento em que
teve início a minha missão Eu não era mais o filho sujeito à mãe, mas o servo
de Deus. Estavam rompidos os laços morais para com a minha genitora. Estes
tinham sido mudados em outros mais altos e todos se haviam refugiado no espírito.
Aquele chamava sempre o nome de "mamãe" Maria, a minha santa. O amor
não teve parada, nem esfriamento; ao contrário, nunca ele foi tão perfeito como
quando, separado dela como por uma segunda filiação, ela me deu ao mundo para o
mundo, como Messias, como Evangelizador. Essa sua terceira, sublime e mística
maternidade se deu quando, na angústia do Gólgota, ela gerou-me à Cruz fazendo
de mim o Redentor do mundo.
"Que é que ainda há entre
mim e ti?" Antes, Eu era teu, unicamente teu. Tu me dava as ordens, Eu
obedecia. Eu te estava "sujeito". Agora Eu sou da minha missão.
Será que Eu não disse isto?
"Quem, tendo posto a mão no arado, vira-se para trás para saudar a quem
fica, não é apto para o Reino de Deus". Eu tinha posto a mão no arado para
abrir com a relha não as glebas, mas os corações para semear neles a palavra de
Deus. Eu teria levantado aquela mão, somente quando me tivessem arrancado de lá
para pregá-la na cruz e abrir com meu torturante prego, o coração do meu Pai,
fazendo sair o perdão para a humanidade.
Aquele "ainda",
geralmente esquecido, queria dizer o seguinte: "Tudo tens sido para mim, ó
mãe, enquanto Eu fui unicamente o Jesus de Maria de Nazaré, e tudo és em meu
Espírito; mas, desde que Eu sou o Messias esperado, sou de meu pai. Espera um
pouco ainda que, terminada a missão, serei de novo todo teu; ter-me-ás de novo
nos braços, como quando Eu era menino e ninguém te disputará mais este teu
Filho, considerado um opróbrio da humanidade, a qual te jogará os despojos
dele, para cobrir-te a ti também do opróbrio de ser a mãe de um condenado à
morte. E depois, me terás de novo, triunfante, depois me terás para sempre,
triunfante tu também, no Céu. Mas agora eu sou de todos os homens. Eu sou do
pai que a eles me enviou. Eis o que quer dizer aquele "ainda",
pequeno e tão denso de significado.”
Maria pede aos serventes: - Fazei aquilo que Ele vos disser.
Maria já tinha lido nos olhos sorridentes de seu Filho o
assentimento velado pelo grande ensinamento a todos os
"vocacionados". E Jesus ordena aos serventes
- Enchei as bilhas de água.
Vejo os serventes enchê-las com água trazida do poço (ouço o
ranger do sarilho, que leva para baixo e para cima o balde gotejante). Vejo o
mordomo, com olhos de grande espanto, servir-se daquele líquido, prová-lo com atos
de ainda maior espanto, saboreá-lo e falar ao dono da casa e ao noivo (eles
estavam perto).
Maria está ainda olhando para o Filho e sorrindo; depois, ao
receber um sorriso Dele, inclina a cabeça, enrubescendo levemente. Ela está
feliz.
Pela sala passam um murmúrio, as cabeças se voltam todas para
Jesus e Maria, alguns se levantam para vê-los melhor, outros vão ver as bilhas.
Faz-se um grande silêncio. Depois se ergue um coro de louvores a Jesus.
Mas Jesus se levanta e diz uma palavra: "Agradecei
a Maria" e, em
seguida, sai do banquete. Os discípulos o seguem. Já na porta, Ele repete:
- A paz esteja nesta casa e a
Bênção de Deus sobre vós;
e acrescenta:
-
Mãe, eu te saúdo.
Cessa a visão. Jesus me instrui assim:
Quando Eu disse aos discípulos:
"Vamos fazer feliz minha mãe", Eu tinha àquela frase um sentido mais
alto do que o que parecia. Não a felicidade de me ver, mas de ser ela a
iniciadora de minha atividade de fazer milagres e a primeira benfeitora da
humanidade. Lembrai-vos disso sempre. O meu primeiro milagre aconteceu por
causa de Maria. O primeiro. Sinal de que Maria é a chave dos milagres. Eu não
recuso nada à minha mãe, e pela sua oração antecipo também o tempo da graça. Eu
conheço minha mãe, a segunda em bondade depois de Deus. Eu sei que conceder-vos
uma graça é fazê-la feliz, porque ela é a Toda Amor. Eis porque Eu disse, Eu
que tudo sabia: "Vamos fazê-la feliz".
Além disso, Eu quis manifestar o
seu poder ao mundo, junto com o meu. Destinada a ser unida a Mim na carne -
pois nós fomos uma só carne: Eu nela, e ela ao redor de Mim, como as pétalas de
um lírio ao redor do pistilo perfumado e cheio de vida unida a Mim na dor,
porque estivemos sobre a cruz: Eu com a carne e ela com seu espírito, assim
como o lírio exala perfume com sua corola e com a essência extraída dela, era
justo que estivesse unida a Mim no poder que se mostra ao mundo.
Digo a voz é o que eu disse
àqueles convidados: "Agradecei a Maria. Foi por ela que tivestes o dom dos
milagres e as minhas graças, e especialmente as do perdão". Repousa em
paz. Nós estamos contigo.
Pg. 328-330
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53 – A EXPULSÃO DOS VENDEDORES DO
TEMPLO
24 de outubro de 1944.
Vejo Jesus que vai entrando no recinto do Templo, com Pedro,
André, João, Tiago, Filipe e Bartolomeu. Há uma grande multidão, tanto dentro,
como fora do Templo. Grupos de peregrinos chegam de todos os pontos da cidade.
Do alto da colina, sobre a qual está construído o Templo, veem-se as ruas da
cidade, estreitas e tortas, a fervilhar de gente. Parece que por entre o branco
monótono das casas tenha sido estendida uma fita movediça de mil cores. Sim. A
cidade tem o aspecto de um bizarro brinquedo, feito de fitas matizadas, entre
dois fios brancos, e todas convergentes até o ponto onde brilham as cúpulas da
Casa do Senhor.
Mas no interior há… uma verdadeira feira. Todo recolhimento
que havia no lugar santo se acabou. Uns correm, outros chamam, outros fazem
negócios com seus cordeiros, gritam e imprecam por causa do preço exorbitante,
enquanto outros empurram os pobres animais, que balem, para dentro dos recintos
(são divisões rudimentares, feitas com cordas ou com estacas, em cuja entrada
está o vendedor, ou o dono que seja, à espera dos compradores). Pauladas,
balidos, blasfêmias, reclamações, insultos aos empregados não solícitos nas
operações de ajuntamento e escolha dos animais e aos compradores que regateiam
os preços, ou que vão-se embora.
E maiores insultos àqueles que, previdentes, levaram o seu
cordeiro. Ao redor das bancas dos cambistas, outro vozerio. Compreende-se que o
Templo funcionava como… Bolsa e Bolsa negra; não sei se é sempre ou só neste
tempo da Páscoa. O valor das moedas não era fixo. Havia um valor legal,
certamente terá havido, mas os cambistas impunham um outro, apropriando-se de
um tanto, marcado arbitrariamente pelo câmbio das moedas. E eu vos asseguro que
eles não brincavam nessas operações de usura! Quanto mais alguém era pobre e
vinha de longe, mais era depenado.
Os velhos, mais que os jovens e os provenientes de fora da
Palestina, mais que os velhos. Os pobres velhinhos olhavam e tornavam a olhar
para o seu pecúlio ajuntado, Deus sabe com quanto trabalho, durante um ano
inteiro; agora eles o tiravam e o recolocavam junto ao peito cem vezes, indo de
um cambista a outro, e acabavam voltando ao primeiro que então se vingava da
inicial desistência deles aumentando o ágio do câmbio… e então, por entre
suspiros, as grandes moedas caíam das mãos de seus donos e passavam para as
garras do usurário sendo trocadas por moedas menores. Depois era outra tragédia
nas escolhas, nos cálculos e suspiros diante dos vendedores de cordeiros, os
quais, aos velhinhos já meio cegos, impingiam os cordeiros mais míseros.
Vejo voltar dois velhinhos, ele e ela empurrando um pobre
cordeirinho que deve ter sido achado defeituoso pelos sacrificadores. Pranto,
súplicas, maus tratos e palavrões se cruzam, sem que o vendedor se comova.
– Pelo que estais dispostos a gastar, ó galileus, é até muito
bonito o que eu vos dei. Ide embora! Ou dai-me mais cinco moedas para
receberdes um mais bonito.
– Em nome de Deus! Somos pobres e velhos! Queres impedir-nos
de fazer a Páscoa, que talvez seja a última para nós? Não te basta o que
quiseste cobrar por um pequeno animal?
– Saí do caminho, ó sujos! Está se aproximando de mim o velho
José. Ele me honra com a sua preferência. Deus esteja contigo! Vem, escolhe!
Entra no recinto aquele que é chamado o velho José, o de
Arimatéia, e pega um magnífico cordeiro. Ele passa, soberbo e pomposo em suas
vestes, sem olhar para os pobres que gemem à porta, aliás, na entrada do
recinto. Quase choca-se com eles, especialmente quando sai com o cordeiro gordo
que vai balindo.
Mas Jesus também já está perto. Também Ele já fez a sua
compra; Pedro, que provavelmente foi quem fez o negócio por Ele, vem puxando um
cordeiro pequeno. Pedro queria ir logo ao lugar onde se faz o sacrifício. Mas
Jesus se afasta dali indo para o seu lado direito, em direção aos dois
velhinhos assustados
que estão chorando, hesitantes, nos quais a multidão esbarra, e aos quais o
vendedor insulta.
Jesus, que é tão alto que as cabeças dos dois velhinhos ficam
à altura do seu coração, põe uma mão sobre o ombro da mulher e pergunta:
– Por que choras, mulher?
A velhinha se vira e vê este jovem alto, solene em sua bela
veste branca, com um manto também branco, tudo novo e limpo. Ela deve tomá-lo
por um doutor, tanto pelas vestes, como pelo aspecto; admirada, porque os
doutores e sacerdotes não fazem caso do povo nem protegem o povo contra a
avidez dos vendedores, ela diz a razão por que estão chorando.
Jesus se volta ao homem dos cordeiros:
– Troca este cordeiro para estes
fiéis. Ele não é digno do altar, como também não é digno que tu te aproveites
de dois velhinhos porque são fracos e indefesos.
– E Tu, quem és?
– Um justo.
– A tua fala e a dos teus companheiros mostram que és um
galileu. Pode haver algum justo na Galileia?
– Faz o que estou te dizendo, e
sejas justo.
– Ouvi! Ouvi o galileu defensor dos seus semelhantes! Ele
quer ensinara nós no Templo!
O homem ri e zomba imitando o sotaque dos galileus, que é o
sotaque judaico mais cantado e o mais rico de doçura, ao menos assim me parece.
Pessoas os rodeiam e outros vendedores e cambistas tomam a defesa de seu
companheiro contra Jesus.
Entre os presentes há dois ou três rabinos irônicos. Um deles
pergunta:
– Tu és doutor? (De modo, capaz de fazer até Jó perder a
paciência).
– Tu o disseste.
– O que é que ensinas?
– Ensino o seguinte: a fazer da
Casa de Deus casa de oração e não um lugar de usura e de comércio. Isto é o que
Eu ensino.
Jesus está terrível. Parece o arcanjo posto à porta do
Paraíso perdido. Não tem espada flamejante na mão, mas tem raios em seus olhos
e com eles fulmina os escarnecedores e os sacrílegos. Na mão não tem nada. Só a
sua santa ira. E com esta, caminhando rápido e com imponência por entre as
bancas, esparrama as moedas que estavam cuidadosamente empilhadas conforme os
seus valores; vira mesas e mesinhas; tudo vai caindo, com estrondo, ao chão,
entre um grande barulho de metais ricocheteando, de madeiras que se batem
percutindo e gritos de ira, de susto e de aprovação.
Depois, arrancando das mãos dos que cuidam dos animais, as
cordas com que eles prendiam os bois, as ovelhas e cordeiros em seus lugares,
faz com elas um açoite bem duro, cujos nós, que formam os laços corrediços, se
transformam em flagelos. Levanta-o, gira e abaixa, sem piedade. Sim, vos
asseguro: sem piedade. Aquela saraivada imprevista golpeia cabeças e costas. Os
fiéis se afastam, admirados da cena; os culpados são perseguidos até o muro
externo e põem-se a correr, deixando no chão o dinheiro e atrás de si os
animais grandes e pequenos, numa grande confusão de pernas, de chifres e de
asas; uns correm, outros voam indo embora; mugidos, balidos, arrulhos de pombos
e rolas, junto a risadas e gritos dos fiéis, que vão atrás dos usurários em
fuga, superam até o lamentoso coro dos cordeiros que certamente estão sendo
degolados em algum outro pátio. Chegam correndo os sacerdotes, com os rabinos e
os fariseus. Jesus está ainda no meio do pátio, de volta da sua perseguição. O
açoite está ainda em sua mão.
– Quem és tu? Como tomas a liberdade de fazer isso,
perturbando as cerimônias prescritas? De qual escola provéns? Nós não te conhecemos
nem sabemos quem és.
– Eu sou Aquele que posso. Tudo
Eu posso. Desmanchai este Templo que Eu o erguerei de novo para dar louvores a
Deus. Eu não perturbo a santidade da Casa de Deus e das cerimônias, mas vós a
perturbais, permitindo que sua morada se torne sede de usurários e vendedores.
Minha escola é a escola de Deus. A mesma que teve todo Israel pela boca do
Eterno que falava a Moisés. Vós não me conheceis? Me conhecereis. Não sabeis de
onde Eu venho? Vós o sabereis.
E, voltando-se para o povo, sem dar mais atenção aos
sacerdotes, alto na veste branca, com o manto aberto e flutuante nas costas,
com os braços abertos como um orador no ponto mais alto do seu discurso, ele
diz:
– Ouvi, ó vós de Israel! No
Deuteronômio, está dito: “Tu constituirás juízes e magistrados em todas as
portas… e eles julgarão o povo com justiça sem penderem para nenhum lado. Tu
não terás acepção de pessoas nem aceitarás presentes, porque os presentes cegam
os olhos dos sábios e alteram as palavras dos justos. Com justiça seguirás o
que for justo, a fim de que vivas e possuas a terra que o Senhor teu Deus te
tiver dado.” Ouvi, ó vós de Israel! No Deuteronômio está dito: “Os sacerdotes e
os levitas e todos aqueles da tribo de Levi não terão parte na herança com o
resto de Israel, porque devem viver dos sacrifícios ao Senhor e das ofertas que
a Ele são feitas; nada terão das posses dos seus irmãos, porque o Senhor é a
herança deles.
Ouvi, ó vós de Israel! No
Deuteronômio está dito: “Não emprestarás com juros a teu irmão, nem dinheiro
nem grãos, nem qualquer outra coisa. Poderás emprestar com juros ao
estrangeiro; ao teu irmão, ao invés, emprestarás sem juros aquilo de que ele
precisar. Isto disse o Senhor.
Agora estais vendo que sem
justiça para com o pobre é como se julga em Israel. Não é para aquele que é
justo, mas é para o forte que se inclinam; e ser pobre, ser povo, quer dizer
ser oprimido. Como pode o povo dizer: “Quem nos julga é justo”, se ele vê que
só os poderosos são respeitados e ouvidos, enquanto que o pobre não tem quem o
ouça? Como pode o povo respeitar o Senhor, se vê que não o respeitam aqueles
que mais deviam fazê-lo? É respeito ao Senhor a violação dos seus mandamentos?
Por que, então, os sacerdotes em Israel têm posses e aceitam presentes dos
publicanos e dos pecadores, os quais assim fazem para terem benévolos os
sacerdotes, assim como estes fazem para terem um abastado cofre?
Deus é a herança dos seus
sacerdotes. Para esses Ele, o Pai de Israel é o Pai que, mais do que nunca,
provê o alimento, como é justo. Mas não mais do que o justo. Ele não prometeu
aos seus servos do Santuário nem bolsas nem posses. Na eternidade terão o Céu
pela sua justiça, como o terão Moisés, Elias, Jacó e Abraão. Mas nesta terra
não devem ter senão a veste de linho e o diadema de ouro incorruptível: pureza
e caridade; e que o corpo seja servo do espírito, que é servo do verdadeiro
Deus, e não seja o corpo senhor do espírito e contra Deus.
Foi-me perguntado com que
autoridade Eu faço isto. E eles, com que autoridade profanam o mandamento de
Deus e permitem, à sombra dos muros sagrados, a usura contra os irmãos de
Israel que aqui vêm para obedecer à ordem divina? Foi-me perguntado de que
escola é que Eu venho e respondi: “Da escola de Deus.” Sim, Israel, Eu venho a
ti, e te reporto a esta escola santa e imutável.
Quem quer conhecer a Luz, a
Verdade, a Vida, quem quer ouvir de novo a Voz de Deus falando ao seu povo,
venha a mim. Vós seguistes Moisés, através dos desertos, ó vós de Israel.
Segui-me, que Eu vos levo, através de um deserto bem mais tristonho, ao
encontro da verdadeira Terra feliz. Por um mar aberto, ao comando de Deus, a
essa vos levo. Levantando o meu Sinal, de todo mal Eu vos curo.
A hora da Graça chegou. Os
Patriarcas a esperaram e morreram esperando-a. Predisseram-na os Profetas e
morreram nesta esperança. Sonharam com ela os justos e morreram confortados por
este sonho. Agora, ela surgiu. Vinde. “O Senhor vai julgar o seu povo e fazer
misericórdia aos seus servos”, como prometeu pela boca de Moisés.
O povo, apinhado ao redor de Jesus, ficou de boca aberta,
escutando-o. Depois, todos comentam as palavras do novo Rabi e fazem perguntas
aos seus companheiros. Jesus se encaminha para um outro pátio separado deste
por uma série de pórticos. Os amigos o seguem e a visão termina.
Pg. 331 – 336
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54 – O ENCONTRO COM JUDAS DE
KERIOT E COM TOMÉ. SIMÃO ZELOTE CURADO DA LEPRA
Jesus está junto aos seus discípulos. Tanto no outro dia,
como hoje, não vejo Judas Tadeu que também havia dito querer ir a Jerusalém com
Jesus. Devem ainda estar sendo celebradas as festas pascais, pois vê-se muita
gente pela cidade. Está anoitecendo e muitos se apressam em ir para as suas
casas.
Jesus também está indo para a casa onde está hospedado. Não é
a casa do Cenáculo, que fica mais na cidade, ainda que nas imediações desta. A
casa onde está Jesus hospedado é uma verdadeira casa de campo entre bastas
oliveiras. Da rústica pracinha, que está à sua frente, veem-se as árvores que
descem pelos declives ao longo da colina, detendo-se num lugar onde há um
pequeno córrego de poucas águas, que se vai pôr entre uma enseada que está
entre duas colinas pouco altas. Sobre uma das colinas está o Templo, sobre a
outra só oliveiras e mais oliveiras. Jesus está no começo do declive desta
branda colina, que sobe suavemente, na mansidão de suas árvores pacíficas.
– João, aí fora estão dois homens esperando o teu amigo –diz
um homem já de idade que deve ser o camponês ou o dono do olival. Diria que
João o conhece.
– Onde estão? Quem são?
– Não sei. Um deles certamente é judeu. O outro… eu não
saberia dizer.
Não perguntei a ele.
– Onde estão?
– Na cozinha, esperando e… e… sim… há também um outro que
está todo cheio de feridas… Eu o mandei esperar lá porque… não queria que ele
fosse um leproso… Diz ele que quer ver o Profeta que falou no Templo.
Jesus, que até aquele momento havia permanecido calado, diz:
– Vamos primeiro a esse. Diz aos
outros que venham, se quiserem. Falarei aqui no olival com eles.
E se dirige para o ponto indicado pelo homem.
– E nós? Que fazemos? –pergunta Pedro.
– Vinde, se quiserdes.
Um homem todo coberto está encostado ao pequeno muro rústico
que sustenta um outeiro, bem perto do limite do sítio. Deve ter subido ali por
um pequeno atalho que lá conduz costeando o córrego. Quando vê Jesus vir em sua
direção, grita:
– Para trás, para trás! Mas também piedade!
E descobre o seu tronco, deixando cair a veste. Se o rosto já
está coberto de crostas, o tronco é um bordado de chagas. Algumas já reduzidas
a buracos fundos, outras simplesmente como queimaduras vermelhas, outras
esbranquiçadas e lúcidas como se sobre elas tivesse um vidro branco.
– És leproso! Que queres de mim?
– Não me amaldiçoes! Não me apedrejes! Disseram-me que na
outra tarde Te manifestaste como Voz de Deus e Portador da Graça. Disseram-me
que Tu asseguraste que, erguendo o teu sinal, curas com ele todos os males.
Ergue-o sobre mim. Eu venho dos sepulcros… lá… Eu rastejei como uma serpente
por entre as sarças da beira do córrego para chegar até aqui sem ser visto.
Esperei que a tarde chegasse para poder vir, porque na penumbra vê-se menos
quem eu sou. Eu ousei… encontrei este, que é da casa e que é muito bom. Ele não
me matou. Somente me disse: “Espera junto ao muro.”
Tem piedade, Tu também!
Visto que Jesus se aproxima (sozinho, porque os seis
discípulos e o dono do lugar, com os dois desconhecidos, estão longe e mostram
claramente aversão) diz ainda:
– Não te adiantes mais! Não mais! Eu estou infeccionado!
Mas Jesus prossegue. Olha para ele com tanta piedade, que o
homem se põe a chorar, ajoelha-se com o rosto quase ao chão e geme, dizendo: –
O teu sinal! O teu sinal!
– Ele será elevado, quando chegar
a sua hora. Mas, a ti Eu digo: levanta-te! Sê curado. Eu quero. E sê tu o meu
sinal nesta cidade que precisa conhecer-me. Levanta-te. Eu te digo! E não
peques mais, em reconhecimento a Deus!
O homem se levanta devagar. Parece que ele emerge por entre
as ervas altas e floridas como de um lençol do túmulo… e está curado. Ele se
olha, aos últimos raios da luz do dia. Está mesmo curado. E grita:
– Eu estou limpo! Oh! Que é que devo fazer agora por Ti?
– Obedecer a Lei. Vai ao
sacerdote. Sê bom daqui em diante. Vai.
O homem faz um movimento para se jogar aos pés de Jesus, mas
ele se lembra de que ainda está impuro, segundo a Lei, e se detém. Mas ele
beija suas próprias mãos e manda o beijo a Jesus e chora de alegria. Os outros
estão imobilizados, como que petrificados. Jesus volta as costas ao curado e,
sorrindo, os faz voltarem a si.
– Amigos, não era mais que uma
lepra da carne. Mas vós vereis cair a lepra dos corações. Sois vós que me
procurais? –diz aos dois
desconhecidos–: Eis-me aqui. Quem sois?
– Nós Te ouvimos na outra tarde… no Templo. E Te procuramos
pela cidade. Um que se diz teu parente, nos disse que estavas aqui.
– Por que me estais procurando?
– Para seguir-te, se nos quiseres, porque Tu tens palavras de
verdade.
– Para seguir-me? Mas sabeis para
onde me dirijo?
– Não Mestre. Mas com certeza para a glória.
– Sim. Mas para uma glória que
não é da terra. Para uma glória que tem sua sede no Céu e que se conquista com
a virtude e o sacrifício. Por que quereis me seguir? –torna a perguntar.
– Para termos parte na tua glória.
– Segundo o Céu?
– Sim, segundo o Céu.
– Nem todos podem chegar ali.
Porque Mamon arma ciladas aos desejosos do Céu, mais do que aos outros. E só
quem sabe querer fortemente é quem resiste. Por que seguir-me se o seguir-me
quer dizer uma luta contínua com o inimigo que está em nós, com o mundo inimigo
e com o Inimigo, que é Satanás?
– Porque assim quer o nosso espírito, que ficou conquistado
por Ti. Tu és santo e poderoso. Nós queremos ser teus amigos.
– Amigos?
Jesus se cala e suspira. Depois, olha fixo àquele que sempre
vinha falando e que agora deixou cair o manto da cabeça apresentando-a toda
descoberta. É Judas de Keriot.
– Quem és tu, que falas melhor do
que um homem do povo?
– Sou Judas, de Simão. Sou natural de Keriot. Mas sou do
Templo (ou estou no Templo). Espero o Rei dos judeus; vivo sonhando com ele.
Rei te reconheci na palavra e Rei te vi no gesto. Toma-me Contigo.
– Tomar-te agora? Tão depressa?
Não.
– Por que, Mestre?
– Porque é melhor pesar-nos a nós
mesmos, antes de pegarmos caminhos muito íngremes.
– Não crês em minha sinceridade?
– Tu o disseste. Eu creio no teu
impulso. Não creio na tua constância. Pensa nisso, Judas. Agora Eu vou-me
embora, e voltarei para a festa de Pentecostes. Se estiveres no Templo, me
verás. Pesa-te a ti mesmo. E tu, quem és?
– Um outro que te viu. Queria estar contigo. Mas agora sinto
temor.
– Não. A presunção é uma ruína. O
temor pode ser um obstáculo, mas, se ele vem da humildade, pode até ajudar. Não
temas. Pensa, tu também, e, quando Eu vier…
– Mestre, tu és muito santo. Tenho medo de não ser digno. Não
de outra coisa. Porque sobre o meu amor eu não temo.
– Como te chamas?
– Tomé, chamado o Dídimo.
– Eu me lembrarei do teu nome.
Vai em paz.
Jesus se despede deles e se retira para a casa onde está
hospedado, para o jantar. Os seis, que já estão com Ele, querem saber de muitas
coisas.
– Por que, Mestre, fizeste diferença entre os dois? Porque
uma diferença houve! Os dois tinham o mesmo impulso… – pergunta João.
– Amigo, também o mesmo impulso
pode ter diversa substância e produzir efeito diferente. É verdade que os dois
têm o mesmo impulso. Mas um não é igual ao outro, quanto ao fim a que visam. E
aquele que parece o menos perfeito é o mais perfeito, porque não está seduzido
pela glória humana. Ele me ama, porque me ama.
– Eu também. – E eu também. – E eu. – E eu. – E eu. – E eu.
– Eu sei. Eu conheço quem sois.
– Então, somos perfeitos?
– Oh! Não! Mas, assim como Tomé,
vós também o sereis, se permanecerdes em vossa vontade de amor. Perfeitos?! Oh!
Meus amigos! E quem é perfeito, a não ser Deus?
– Tu o és.
– Em verdade vos digo que não sou
perfeito por Mim, se pensais que Eu sou um profeta. Nenhum homem é perfeito.
Mas perfeito Eu sou, porque Este que vos está falando é o Verbo do Pai. Ele é
parte de Deus, é o seu Pensamento, que se faz Palavra. Eu tenho a Perfeição em
mim. E deveis crer que Eu sou assim, se credes ser Eu o Verbo do Pai. Contudo
vós estais vendo, amigos. Eu quero ser chamado o Filho do homem porque aniquilo
a Mim mesmo, pondo em minhas costas todas as misérias do homem para levá-las
comigo, primeiro ao meu patíbulo e depois de tê-las levado, anulá-las, mas não
pôr as ter tido como minhas. Que peso, amigos! Mas, Eu o levo com alegria.
Levá-lo é a minha alegria porque sendo o Filho da humanidade, tornarei a
humanidade filha de Deus, como foi no primeiro dia.
Jesus fala docemente, sentado à pobre mesa, com as mãos que
gesticulam calmamente sobre a mesma, o rosto um pouco inclinado, iluminado de
alto a baixo pela luz de uma pequena candeia colocada sobre a mesa. Ele sorri
levemente, já Mestre na imponência e tão amigo no trato. Os discípulos o
escutam atentos.
Mestre, por que é que o teu primo, mesmo sabendo onde moras,
não veio?
– Ah! Meu Pedro! Tu serás uma das
minhas pedras, a primeira. Mas nem todas as pedras são fáceis de se usar. Já
viste os mármores do palácio pretório? Arrancados, com muito trabalho, do seio
das montanhas, agora fazem parte do Pretório. Por outro lado, olha aquelas
pedras, que estão brilhando lá longe à luz do luar, por entre as águas do
Cedron. Elas vieram por si mesmas para o leito do rio e se alguém as quiser,
elas logo se deixam levar. O meu primo é como as primeiras pedras da qual falo…
O seio do monte, a família, o disputa Comigo.
– Mas eu quero ser em tudo como as pedras do Cedron. Por Ti,
estou pronto a deixar tudo: casa, esposa, pesca, irmãos. Tudo, Rabi, por Ti.
– Eu sei, Pedro. Por isto Eu te
amo. Mas Judas também virá.
– Quem? Judas de Keriot? Não o levo muito em conta. É um belo
moço, mas… eu prefiro… prefiro a mim mesmo. Riem-se todos da piada de Pedro.
– Não há nada para rir. Quero dizer que prefiro um galileu
franco, rude, um pescador, mas sem fraude, a… homens da cidade que… não sei…
Mas o Mestre entende o que eu quero dizer.
– Sim, entendo. Mas não julgues.
Temos necessidade uns dos outros nesta terra e os bons estão misturados com os
maus, como as flores em um campo. A cicuta está ao lado da saudável malva.
Eu queria perguntar uma coisa….
– Qual, André?
– João me contou o milagre feito em Caná. Nós tínhamos muita
esperança de que Tu fizesses um deles em Cafarnaum… e Tu disseste que não
farias milagre, se antes não tivesses cumprido a Lei. Por que então o fizeste
em Caná? E por que não em tua pátria?
– Toda obediência à Lei é união
com Deus e, por isso, um aumento de nossa capacidade. O milagre é a prova da
união com Deus, da presença benévola e consciente de Deus. Por isso Eu quis
cumprir o meu dever de israelita antes de iniciar a série de prodígios.
– Mas Tu não estavas obrigado pela Lei.
– Por que? Como Filho de Deus,
não. Mas, como filho da Lei, sim. Israel, por enquanto, só me conhece como tal.
E, mesmo depois, quase todo Israel me conhecerá como tal, aliás, como menos
ainda. Mas Eu não quero dar escândalo a Israel e por isso obedeço a Lei.
– Tu és santo.
– A santidade não exclui a
obediência. Ao contrário, a aperfeiçoa. Além de tudo mais, é preciso dar o
exemplo. Que diríeis de um pai, de um irmão mais velho, de um mestre, de um
sacerdote, que não desse bom exemplo?
– E então, o caso de Caná?
– Em Caná, era a alegria que à
minha mãe devia ser dada. Caná é a antecipação que se deve à minha mãe. Ela é a
antecipadora da Graça. Aqui Eu presto honra à Cidade santa, fazendo dela
publicamente o lugar do início do meu poder de Messias. Mas lá, em Caná, Eu
prestava honra à santa de Deus, à toda santa. O mundo me tem por meio dela. É
justo que para ela seja feito o meu primeiro prodígio no mundo.
Batem à porta. É Tomé de novo. Ele entra e se lança aos pés
de Jesus.
– Mestre… eu não posso ficar esperando a tua volta. Deixa-me
ficar Contigo. Eu sou cheio de defeitos, mas tenho este amor, único, grande,
verdadeiro, o meu tesouro. Ele é teu, é para Ti. Deixa-me Mestre…
Jesus põe-lhe a mão sobre a cabeça.
– Fica, Dídimo. Segue-me. Felizes
aqueles que são sinceros e de vontade firme. Benditos sois vós. Para Mim sois
mais do que parentes, porque me sois filhos e irmãos, não segundo o sangue, que
morre, mas segundo a vontade de Deus e a vossa vontade espiritual. Agora Eu
digo que não tenho parente mais chegado do que aquele que faz a vontade de meu
Pai; e vós a fazeis, porque quereis o bem.
Assim termina a visão.
São 16:00 horas, e já caem sobre mim as sombras do mal-estar
que sinto que será violento, lógica consequência da penosa hora de ontem… Mas
também em 24 de Outubro estava muito mal. Tanto que, terminada a visão, escrita
com uma dor de cabeça própria de meningite, não tive coragem de acrescentar que
vi finalmente Jesus vestido como me aparece quando é todo para mim: de uma
suave veste de lã branca quase da cor marfim e com o manto igual. A veste que
trazia na sua primeira manifestação em Jerusalém como Messias.
Pg. 336 - 342
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55 – UM ENCARGO CONFIADO A TOMÉ
27 de outubro de 1944.
Esta manhã, voltando de um pesadíssimo sofrimento de muitas
horas, enquanto rezo esperando que chegue o dia, retomo a visão. Digo retomo,
porque estamos ainda no mesmo ambiente: a cozinha larga e baixa, escura em suas
paredes enfumaçadas, mal iluminada pela chama de uma candeia colocada sobre uma
mesa rústica, longa e estreita, à qual estão sentadas oito pessoas Jesus, os
seis discípulos, mais o dono da casa — quatro de cada lado.
Jesus ainda virado sobre o seu banco — por aqui não há outros
assentos, senão bancos sem espaldar com três pés, como é costume nas casas de
campo — está falando ainda com Tomé. A mão de Jesus desceu da cabeça de Tomé
para o ombro. Jesus diz:
– Levanta-te, amigo. Já jantaste?
– Não, Mestre. Andei poucos minutos com o outro que estava
comigo e depois o deixei e voltei atrás dizendo-lhe que eu queria falar com o
leproso curado…Mas eu falei assim porque pensava que ele certamente teria
recebido com desdém a ideia de aproximar-se de um impuro. E adivinhei. Mas eu
estava procurando era a Ti, não o leproso… Eu queria dizer-Te: “Toma-me
contigo!” Andei vagueando para baixo e para cima, pelo olival, até que um jovem
me perguntou o que é que eu estava fazendo. Ele deve ter pensado que eu era
alguém mal intencionado. Ele estava junto a uma pilastra, no lugar em que
começa o sítio. O dono da casa sorri.
– É o meu filho – explica ele, e depois acrescenta: -Ele fica
de guarda no lagar. Temos nas cavernas, sob o lagar, ainda quase toda a
colheita deste ano. Foi uma colheita muito boa. Deu-nos muito óleo. Nas épocas
em que se reúnem grandes multidões, sempre aparecem alguns malandros que
saqueiam os lugares sem guarda. Há oito anos, pela Parasceve, roubaram-nos
tudo. Desde então, nos revezamos cada noite, para fazermos uma boa guarda. A
mãe dele foi levar-lhe a janta.
– Pois bem, disse-me ele: “Que queres?”, e o disse em um tom
que, para salvar minhas costas das pauladas, expliquei rápido: “Estou
procurando o meu Mestre, que mora aqui.” E ele então me respondeu: “Se é
verdade o que estás dizendo, vai até à minha casa.” E me acompanhou até aqui.
Foi ele que bateu à porta, e só foi embora depois de ter ouvido as minhas
primeiras palavras.
– Moras longe daqui?
– Estou em um alojamento do outro lado da cidade, perto da
porta Oriental.
– Estás sozinho?
– Eu estava com os parentes. Mas eles foram à casa de outros
parentes, no caminho de Belém. Eu fiquei para Te procurar, noite e dia, até Te
encontrar.
Jesus sorri, e diz:
– Então, ninguém te espera?
– Não, Mestre.
– A estrada é longa, a noite é
escura, as patrulhas romanas estão rondando pela cidade. Eu te digo: se queres,
fica conosco.
– Oh! Mestre!
Tomé está feliz.
– Arranjai-lhe, vós, um lugar. E
dai alguma coisa ao irmão.
Do seu, Jesus dá o pedaço de queijo que estava à sua frente.
E explica a Tomé:
– Nós somos pobres, e a janta já
está quase no fim. Mas quem dá, tem bom coração.
E a João, sentado ao seu lado, ele diz: – Dá o
lugar ao amigo.
João se levanta logo e vai sentar-se junto ao canto da mesa,
perto do dono da casa.
– Assenta-te, Tomé. Come.
E depois diz a todos:
– Assim fareis sempre, amigos,
pela lei da caridade. O peregrino já está protegido pela Lei de Deus. Mas
agora, em meu nome, mais ainda o devereis amar. Quando alguém vos pedir um pão,
um gole de água, um abrigo em nome de Deus, deveis dá-lo neste mesmo nome. E
tereis de Deus a recompensa. Isto deveis fazer com todos. Também com os
inimigos. E esta é a Lei nova. Até agora vos tinha sido dito: “Amai aqueles que
vos amam, e odiai aos inimigos.” Eu vos digo: “Amai também aqueles que vos
odeiam.”
Oh! Se soubésseis como sereis
amados por Deus, se amardes como Eu vos digo! Portanto, quando alguém diz: “Eu
quero ser vosso companheiro a serviço do Senhor Deus verdadeiro, e seguir o seu
Cordeiro”, então ele deve ser para vós mais querido do que um irmão de sangue,
porque estareis unidos por um vínculo eterno: o vínculo do Cristo.
- Mas, e se depois chega um que não é sincero? E disser: “Eu
quero fazer isto ou aquilo”, é fácil. Mas nem sempre a palavra corresponde à
verdade – diz Pedro, um tanto irritado. Não sei o que há, mas ele não está com
o seu costumeiro humor jovial.
– Pedro, escuta. Tu falas com bom
senso e com justiça. Mas, vê bem: é melhor pecar pela bondade e pela confiança do
que pela desconfiança e pelo rigor. Se fizeres um benefício a um indigno, que
mal te acontecerá? Nenhum. Mas, ao contrário, o prêmio de Deus estará sempre
preparado para ti, enquanto que para ele haverá um desmerecimento, por ter
traído a tua confiança.
– Não acontece nenhum mal? As vezes quem é indigno não se
contenta só com a ingratidão, mas vai além, e chega também a prejudicar na
estima, nos bens e na própria vida.
– É verdade. Mas isso diminuiria
o teu merecimento? Não. Ainda que todos acreditassem nas calúnias, ainda que
ficasses mais pobre do que Jó, ainda que um homem cruel te tirasse a vida, que
é que seria mudado aos olhos de Deus? Nada. Aliás, haveria sim uma mudança. Mas
para o teu bem. Deus uniria aos méritos de tua bondade os méritos do teu martírio
intelectual, financeiro ou físico.
– Bem. Está bem! Então, será assim.
Pedro não fala mais. Ele está amuado e com a cabeça apoiada
na mão.
Jesus se volta para Tomé:
– Amigo, Eu te falei antes, lá no
olival: “Quando Eu voltar por aqui, se ainda quiseres, serás meu.” Agora Eu te
digo: “Estás disposto a fazer um favor a Jesus?”
– Sem dúvida.
– Mas, e se esse favor exigir de
ti um sacrifício?
– Servir a Ti não é nenhum sacrifício. Que queres?
– Eu queria te dizer… mas
poderias ter teus negócios, teus afetos…
– Nada, nada. Eu tenho a Ti! Fala.
– Escuta. Amanhã, com as
primeiras horas do dia, o leproso sairá dos sepulcros para encontrar quem vai
avisar ao sacerdote. Mas, antes disso, tu irás aos sepulcros. É uma caridade. E
dirás em alta voz: “Ó tu, que ontem foste limpo, vem para fora! Fui mandado a
ti por Jesus de Nazaré, o Messias de Israel, Aquele que te curou.” Faz que o
mundo dos “mortos e vivos” conheça o meu Nome e vibre de esperança, e quem à
esperança unir a fé, venha a mim, para que Eu o cure. É a primeira forma da
limpeza que Eu trago, da ressurreição, da qual Eu sou dono. Um dia Eu darei uma
limpeza bem mais profunda… Um dia os sepulcros selados deixarão escapar os
mortos verdadeiros, que aparecerão para se rirem com as órbitas de seus olhos vazios,
com as mandíbulas descobertas pelo júbilo longínquo, e entretanto sentido pelos
esqueletos, dos espíritos liberados do Limbo de espera. Eles aparecerão para se
rirem diante dessa sua libertação, e para vibrarem, sabendo a quem é que a
devem… Vai tu! Ele virá ao teu encontro. Tu farás o que vai te pedir que faças.
O ajudarás em tudo, como se fosse teu irmão. E lhe dirás também: “Quando
estiveres completamente purificado, iremos juntos pela estrada do rio, além de
Doco e de Efraim. Lá o Mestre Jesus te espera e me espera, para dizer-nos em
que é que o devemos servir.”
– Assim farei. E o outro?
– Quem? O Iscariotes?
– Sim, Mestre.
– Para ele persiste o meu
conselho. Deixa-o decidir por si e por longo tempo. Evita até de encontrá-lo.
– Estarei junto ao leproso. No vale dos sepulcros só os
imundos é que vagueiam ou os que têm contatos de piedade para com eles.
Pedro resmunga alguma coisa. Jesus ouve.
– Pedro, que tens? Ou estás
calado, ou resmungas. Pareces descontente. Por que?
– Eu estou descontente. Nós somos os primeiros, e Tu não
fazes um milagre para nós. Nós somos os primeiros, e Tu te sentas ao lado de um
estrangeiro. Nós somos os primeiros e Tu dás encargos a ele, e não a nós. Nós
somos os primeiros e… sim, é isso mesmo, e parece que somos os últimos. Por que
vais esperá-los no caminho do rio? Certamente para dar a eles alguma missão.
Por que a eles e não a nós?
Jesus olha para ele. Não está irado. Ao contrário, sorri,
como se sorri a um rapazinho. Levanta-se, vai lentamente até Pedro, põe-lhe a
mão sobre o ombro, e diz, sorrindo:
– Pedro! Pedro! És um grande
velho menino!
E a André, sentado perto do irmão, diz:
– Vai para o meu lugar.
Jesus assenta-se ao lado de Pedro, cingindo-o com o braço
pelas costas e lhe fala, segurando-o assim contra o seu ombro:
– Pedro, está te parecendo que Eu
cometo injustiça, mas não é injustiça o que faço. É, ao contrário, uma prova de
que sei o que valeis. Olha bem. Quem é que precisa de provas? Aquele que ainda
não está firme. Pois bem, Eu sabia que vós estáveis tão firmes Comigo, que não
senti necessidade de dar-vos provas do meu poder. Aqui em Jerusalém são
necessárias as provas, aqui onde o vício, a irreligião, as políticas e muitas
coisas do mundo ofuscam os espíritos a ponto de eles não poderem ver a Luz que
passa. Mas lá, sobre o nosso belo lago, tão puro sob um límpido céu, lá, entre
pessoas honestas e desejosas do bem, não são necessárias as provas. Ali tereis
os milagres. Derramarei sobre vós chuvas de graças. Mas, olha como vos tenho
estimado: Eu vos tomei Comigo sem exigir provas e sem achar necessidade de
vo-las dar, porque Eu sei quem sois. Queridos, tão queridos e tão fiéis a mim.
Pedro se acalma: – Perdoa-me, Jesus.
– Sim, Eu te perdoo, porque o teu
amuo é amor. Mas, não tenhas mais inveja, Simão de Jonas. Sabes o que é o
coração do teu Jesus? Já viste o mar, o verdadeiro mar? Sim? Pois bem, o meu
coração é bem mais vasto do que o grande mar. Nele há lugar para todos. Para
toda a humanidade. E o pequenino encontra lugar, como o maior dos grandes. O
pecador encontra amor, como o inocente. A eles Eu dou uma missão. Com toda a
certeza.
Queres proibir-me de dá-la? Eu é
que vos escolhi. Não fostes vós. Portanto, Eu sou livre para julgar como
empregar-vos. E, se a estes Eu os deixo aqui com uma missão — que pode também
ser uma prova, como pode ser uma misericórdia o lapso de tempo concedido ao
Iscariotes — podes tu reprovar-me? Sabes se para ti não estarei reservando uma
maior? E não é a mais bela aquela de ouvires Eu te dizer: “Tu virás Comigo?”
– É verdade, é verdade! Eu sou um animal! Perdão.
– Sim. Tens todo o perdão. Oh!
Pedro! Mas Eu vos peço a todos: não fiqueis mais discutindo sobre merecimentos
e postos. Eu teria podido nascer rei. Nasci pobre, em uma estrebaria. Teria
podido ser rico. Vivi do trabalho e agora da caridade. Contudo, crede-o,
amigos, não há ninguém maior aos olhos de Deus do que Eu. Do que Eu, que estou
aqui como servo do homem.
– Servo Tu? Nunca.
– Por que, Pedro?
– Porque eu é que serei o teu servo.
– Ainda que tu me servisses, como
uma mãe serve ao seu filhinho, Eu vim para servir ao homem. Para ele Eu serei o
Salvador. Que serviço existe igual a este?
– Oh! Mestre! Tu nos explicas tudo. E o que nos parecia
escuro, logo se torna claro.
– Estás contente agora, Pedro?
Então, deixa-me acabar de falar com Tomé. Estás certo de que reconhecerás o
leproso? Lá só ele é que está curado; mas poderia ele já ter partido com a luz
das estrelas, para encontrar algum viajante solícito. E pode ser que algum
outro, ansioso para entrar na cidade e ver seus parentes, se apresente no lugar
dele. Escuta bem como ele é. Eu estava perto dele e, no crepúsculo, ainda pude
vê-lo bem. Ele é alto e magro. É de cor escura, como um mestiço, tem os olhos
profundos e muito pretos, sob sobrancelhas brancas, cabelos brancos como o
linho e bastante encaracolados, nariz longo, achatado na ponta como o dos
líbios, lábios grossos, especialmente o inferior, e salientes. É tão oliváceo
que os lábios são um pouco tendentes ao violáceo. Na fronte traz uma cicatriz
antiga que lhe ficou e será a única mancha, agora que ficará limpo das crostas
e imundície.
– Então é um velho, se já está com a cabeça toda branca.
– Não Filipe. Parece, mas não é.
Foi a lepra que o fez ficar encanecido.
– Que há com ele? Terá um sangue mestiço?
– Talvez, Pedro. Tem uma
semelhança com os povos da África.
– Então será ele israelita?
– Disso saberemos depois. E se
ele não for?
– Ora, se não fosse, já teria ido embora. Já é muito ter
merecido ser curado.
– Não, Pedro. Ainda que seja
idólatra, Eu não o rejeitarei. Jesus veio para todos. E, na verdade, te digo
que os povos das trevas ultrapassarão os filhos do povo da Luz. Jesus suspira.
Depois se levanta. Dá graças ao Pai com um hino e abençoa. A visão cessa assim.
Pg. 342 – 348
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56 – SIMÃO ZELOTE E JUDAS TADEU
UNIDOS NA SORTE
28 de outubro de 1944.
Sois mesmo belas, ó margens do Jordão, assim como éreis no
tempo de Jesus! Eu as vejo e me deleito na vossa majestosa paz verde-azulada,
soante de águas e frondes com um tom doce como melodia. Estou andando por uma
estrada muito longa e também muito bem conservada. Deve ser uma estrada mestra,
ou melhor, militar, traçada pelos romanos para convergir as diversas regiões
com a capital. Perto dela desliza o Jordão, mas ela não passa exatamente ao
longo dele. Está separada do rio por uma zona silvestre, que parece cumprir a
finalidade de reforçar as beiras oferecendo alguma resistência às águas nos
tempos de cheia. Do outro lado da estrada os bosques continuam, de modo que a
rua parece um túnel natural, sobre o qual se entrelaçam os ramos frondosos. É
um bom lugar de descanso para os viajantes nestas regiões de sol ardente.
O rio, e naturalmente também a rua, têm, no ponto em que me
encontro, uma curva lenta, de modo que eu vejo a continuação da margem
frondosa, como se fosse uma muralha verde destinada a represar um açude de
águas tranquilas. Parece quase um lago de um parque senhoril. Mas a água não é
a água parada de um lago. Ela desliza, se bem que lentamente. E a prova disso é
o sussurro que ela faz contra os primeiros caniços, os mais audazes que
nasceram justamente ali em baixo no leito do rio, e a ondulação que têm as
longas fitas formadas por suas folhas, suspensas sobre a superfície da água e
movidas por ela. Há também um grupo de salgueiros com flexíveis ramos
pendentes, que confiaram as pontas de suas cabeleiras verdes ao rio que parece
penteá-las com a graça de uma carícia, estendendo-as suavemente ao fio da água
corrente.
Há silêncio e paz na hora matutina. Só os cantos, os chamados
dos pássaros, o sussurro das águas e frondes e um grande brilho do orvalho
sobre a erva verde, alta, que está entre as árvores; elas ainda não estão
endurecidas e amareladas pelo sol do verão, mas tenras e novas para nascerem,
depois da primaveril efusão de águas que vêm nutrir a terra, até à
profundidade, de umidade e de sucos vitais.
Três viajantes estão parados nesta volta da estrada bem no
meio da curva. Estão olhando para baixo e para cima, para o sul, onde está
Jerusalém e para o norte, onde fica a Samaria. Perscrutam entre a colunata das
árvores, para ver se chega alguém que estão esperando. São eles Tomé, Judas
Tadeu e o leproso curado. Estão conversando.
– Não estás vendo nada?
– Eu não.
– Nem eu.
– No entanto este aqui é o lugar.
– Tens certeza disso?
– Toda certeza, Simão. Um dos seis me disse enquanto o Mestre
se afastava entre as aclamações da multidão, depois do milagre de um aleijado
que pedia esmola, que foi curado junto à porta dos Peixes: “Nós agora vamos
para fora de Jerusalém. Espera-nos a cinco milhas entre Jericó e Doco, na curva
do rio, ao longo da rua arborizada.” É esta. Disse também:
“Lá nós estaremos dentro de três dias, ao romper do dia.” Já
é o terceiro dia, e a quarta vigília nos apanhou aqui.
– Ele virá? Talvez teria sido melhor segui-lo, a partir de
Jerusalém.
– Não podias ainda andar por entre a multidão, Simão.
– Se meu primo disse que vem até aqui, até aqui virá. Ele
cumpre sempre o que promete. É só esperar.
Tu sempre estiveste com Ele?
– Sempre. Desde quando Ele voltou a Nazaré foi para mim um
bom companheiro. Sempre estivemos juntos. Somos da mesma idade, sendo eu um
pouco mais velho. Além disso, dos meus irmãos eu era o preferido do pai Dele,
irmão de meu pai. Também a mãe me queria muito bem. Eu cresci mais com ela do
que com minha mãe.
– Ela te queria… Então agora não te quer mais o mesmo bem?
– Oh! Sim. Mas nós temos estado um pouco divididos desde que
Ele se fez profeta. Meus parentes não gostam disso.
– Quais parentes?
– Meu pai e os dois filhos mais velhos. O outro está
titubeante… Meu pai está muito velho e não tive coragem de irritá-lo. Mas
agora… agora, não mais. Agora eu vou onde o coração e a mente me levam. Vou a
Jesus. Creio que não ofendo a Lei fazendo assim. Mas já… se não fosse justo o
que eu quero fazer Jesus me diria. Eu farei o que Ele disser. É lícito a um pai
criar obstáculos a um filho no caminho do bem? Se eu sinto que ali está a
salvação, por que impedir-me de tê-la? Por que os pais, às vezes, são nossos
inimigos?
Simão suspira, como quem se lembra de coisas tristes e
inclina a cabeça, mas não fala.
É Tomé quem responde:
– Eu já superei esse obstáculo. Meu pai me ouviu e me
compreendeu. Ele me abençoou dizendo: “Vai. Que esta Páscoa seja para ti a
libertação da escravidão de uma expectativa. Feliz de ti que podes crer. Eu
espero. Mas, se for Ele mesmo, e ao segui-lo perceberes que é, vem dizer ao teu
velho pai: ‘Vem. Israel já tem o Esperado’.”
– És mais feliz do que eu. E dizer que nós temos vivido ao
seu lado! E não cremos, logo nós da família! E dizemos, ou melhor, eles dizem:
“Ele perdeu o juízo!”
Olhai, lá vem um grupo de pessoas – grita Simão –. É Ele, é
Ele!
Reconheço a sua cabeça loira! Oh! Vinde. Vamos correr!
E põem-se a caminhar em passos rápidos para o sul. Agora que
o alto do arco foi alcançado, as árvores escondem o resto da rua, de modo que
os dois grupos se encontram quase de frente quando menos esperam. Jesus parece
estar subindo do rio, porque está entre as árvores da margem.
– Mestre!
– Jesus!
– Senhor!
Os três gritos do discípulo, do primo e do curado ressoam
cheios de adoração e de festiva acolhida.
– Paz a vós!
Eis a bonita, inconfundível voz, cheia, sonora, tranquila,
expressiva, clara, viril, doce e incisiva:
Tu também estás aqui, meu primo
Judas?
Eles se abraçam. Judas chora.
– Por que este pranto?
– Oh! Jesus! Eu quero estar Contigo!
– Eu te esperei sempre. Por que
não vieste?
Judas inclina a cabeça e fica calado.
– Eles não quiseram! E agora?
– Jesus, eu… eu não posso obedecer a eles. Eu quero obedecer
somente a Ti.
– Mas Eu não te dei uma ordem.
– Não. Tu, não. Mas é a tua missão que nos dá ordem! É Aquele
que Te mandou que fala aqui, no meio do meu coração, e me diz: “Vai a Ele!” É
aquela que te gerou e que para mim tem sido uma mestra suave que, com seu olhar
de pomba, me diz, sem fazer uso de palavras: “Sê de Jesus!” Poderei eu não
fazer conta daquela voz excelsa que me perfura o coração? Desta oração de santa
que certamente me suplica para o meu bem? Só porque eu sou teu primo por parte
de José, não deverei Te conhecer por aquilo que és, enquanto o Batista Te
conheceu, aqui, nas margens deste rio, ele que nunca Te havia visto, e Te saudou
como o “Cordeiro de Deus? E eu, eu que cresci junto Contigo, eu que procurei
tornar-me bom Te imitando, eu que me tornei filho da Lei pelo merecimento de
tua mãe, e que dela aprendi, não os seiscentos e treze preceitos dos rabinos,
além da Escritura e das orações, porém a alma disso tudo, eu não deveria ser
capaz de nada?
– E o teu pai?
– Meu pai? Não lhe falta pão nem assistência, e depois… Tu me
dás o exemplo. Tu tiveste o pensamento no bem do povo, mais do que no pequeno
bem de Maria. E ela está sozinha. Diz-me, Tu, meu Mestre, não é lícito talvez,
sem faltar com o respeito, dizer a um pai: “Pai, eu te amo. Mas acima de ti
está Deus, e a Ele eu sigo”?
– Judas, meu parente e amigo, Eu
te digo: tu estás bem adiantado no caminho da Luz. Vem. É lícito falar ao pai
assim quando é Deus que chama. Não há nada acima de Deus. Até as leis do sangue
cessam, ou seja, sublimam-se, porque com as nossas lágrimas damos aos pais, às
mães, uma ajuda muito maior e por coisas mais eternas do que a jornada do
mundo. Conosco os conduzimos para o Céu e pelo mesmo caminho do sacrifício dos
afetos, os levamos para Deus. Portanto, fica, Judas. Eu te esperei e estou
feliz por reaver-te, amigo da minha vida nazarena.
Judas está comovido. Jesus se volta para Tomé:
– Obedeceste fielmente. É a
primeira virtude do discípulo.
– Eu vim para ser-te fiel.
– E o serás. Eu te digo. Vem, tu
que estás envergonhado na sombra. Não temas.
– Meu Senhor!
O ex-leproso está aos pés de Jesus.
– Levanta-te. Qual o teu nome?
– Simão.
– Qual a tua família?
– Senhor… era poderosa… eu também era poderoso… mas o ódio de
seitas e… erros da juventude estragaram o seu poder. Meu pai… Oh! Devo falar
contra ele que me custou lágrimas, e não para o céu. Tu o vês, já viste que
presente ele me deu!
– Ele era leproso?
– Não. Não era leproso, como eu também não. Mas era doente de
uma enfermidade de outro nome, que nós de Israel costumamos pôr junto com
outros diversos tipos de lepra. Ele… — naquele tempo a sua casta ainda
triunfava — e ele viveu e morreu prestigiado em sua casa. Eu… se Tu não me
tivesses salvado, iria morrer nos sepulcros.
– Tu és sozinho?
– Sozinho. Eu tenho um servo fiel que cuida de tudo o que me
resta. Mandei já um aviso a ele.
– E tua mãe?
– Ela… morreu.
O homem parece embaraçado. Jesus o observa atentamente:
– Simão, tu me disseste: “Que
devo fazer por Ti?” E agora Eu te respondo: “Segue-me”.
– Imediatamente, Senhor! Mas… mas eu… deixa que eu Te diga
uma coisa. Eu sou, eu era chamado “Zelote” pela casta, e “cananeu” por minha
mãe. Tu vês. Eu sou escuro. Em mim eu tenho sangue de escrava. Meu pai não
tinha filhos de sua mulher e me teve de uma escrava. A mulher dele, boa mulher,
me criou como filho e cuidou de mim em minhas muitas doenças até morrer.
– Aos olhos de Deus, não há
escravos ou libertos. Aos seus olhos só há uma escravidão: a do pecado. E Eu
vim para removê-la. Eu vos chamo a todos porque o Reino é de todos. Tens
cultura?
– Tenho. Eu tinha também o meu lugar entre os grandes. Isso,
enquanto o meu mal ficou escondido sob as roupas. Mas, quando subiu ao rosto…
meus inimigos aproveitaram-se de meu mal para me confinarem entre os “mortos.”
No entanto, como disse um médico de Cesaréia, romano, a quem eu fui consultar,
a minha não era verdadeira lepra, mas uma impigem hereditária, pelo que bastava
que eu não procriasse para não propagá-la. Posso eu não maldizer meu pai?
– Deves não maldizê-lo. Ele te
fez todos os males…
– Oh, sim. Dilapidador dos bens, vicioso, cruel, sem coração
nem afeto. Ele me negou a saúde, as carícias, a paz, me carimbou com um nome de
desprezo e com uma doença que é uma marca de opróbrio… De tudo ele se fez dono.
Também do futuro de seu filho. Tudo ele me tirou: até a alegria de ser pai.
– Por isso é que Eu te digo:
“Segue-me.” Ao meu lado, e seguindo-me, encontrarás Pai e filhos. Levanta o
olhar, Simão. Lá o verdadeiro Pai te está sorrindo. Olha pelos espaços da
terra, pelos continentes, pelas regiões. Há neles filhos e filhos, filhos de
alma para os sem filhos. Estão à tua espera e a espera de muitos outros como
tu. Sob o meu sinal não há mais abandonos. No meu sinal não há mais solidões
nem diferenças. É um sinal de amor. E amor dá. Vem, Simão, que não tiveste
filhos. Vem, Judas, que deixas teu pai por amor de Mim. Eu vos uno na sorte.
Ele está com os dois junto a si. Tem as mãos sobre os seus
ombros, como quem toma posse, como para impor um jugo comum. Depois, diz:
– Eu vos uno. Mas agora vos
separo. Tu, Simão, ficarás aqui, com Tomé. E prepararás com ele os caminhos da
minha volta. Daqui a não muito tempo Eu voltarei e quero que povos e povos me
esperem. Dizei aos doentes, e tu o podes dizer, que vai chegar Aquele que cura.
Dizei aos povos que esperam, que o Messias está entre o seu povo. Dizei aos
pecadores que já há quem perdoa a fim de dar a força para subir…
– Mas, seremos capazes disso?
– Sim. Basta que faleis assim:
“Ele já chegou. Ele vos está chamando. Ele vos espera. Ele vem trazer-vos a
graça. Ficai aqui prontos para vê-lo”; e às palavras, acrescentai a narração do
que já sabeis. E tu, Judas, meu primo, vem Comigo e com estes. Mas tu ficarás
em Nazaré.
– Por que, Jesus?
– Porque deves preparar-me o
caminho em minha pátria. Achas que é uma missão pequena? Na verdade, não há
nenhuma outra mais grave…
Jesus suspira.
– E eu conseguirei?
– Sim e não. Mas isso será
suficiente para justificar-nos.
– Justificar-nos de quê? E junto à quem?
– Junto a Deus. Junto à pátria.
Junto à família. Não poderão censurar-nos, porque temos oferecido o bem. E se a
pátria e a família desprezarem o que fazemos, não teremos culpa de sua
perdição.
– E nós?
– Vós, Pedro? Vós voltareis às
redes.
– Por que?
– Porque Eu vos instruirei
lentamente e virei buscar-vos quando vos achar preparados.
– Mas Te veremos, então?
– Com certeza. Eu virei a vós
frequentemente, ou vos farei chamar, quando Eu estiver em Cafarnaum. Agora,
saudai-vos, amigos, e vamos. Eu vos abençoo, a vós que ficais. Minha paz esteja
convosco. E termina a
visão.
Pg. 348 - 354
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59 – O ENDEMONINHADO CURADO NA
SINAGOGA DE CAFARNAUM
2 de novembro de 1944.
Vejo a sinagoga de Cafarnaum. Ela já está cheia pela multidão
que encontra-se em expectativa. Pessoas que estão à porta olham com frequência
para a praça ainda ensolarada, se bem que a tarde já vem chegando.
Finalmente, ouve-se um grito:
– Eis o Rabi.
As pessoas viram-se todas para a porta, os mais baixos se
levantam nas pontas dos pés, ou procuram lançar-se para a frente. Algumas
discussões, alguns empurrões, não obstante as repreensões partidas dos
encarregados da sinagoga e dos maiorais da cidade.
– A paz esteja sobre todos os que
procuram a Verdade!
Jesus está na entrada e saúda abençoando, com os braços
estendidos para a frente. A luz bem forte que há na praça cheia de sol faz com
que sua figura alta se destaque, aureolando-a de luz. Jesus tirou sua veste
branca ficando, como é o costume, com outra azul escura. Ele avança entre a
multidão, que se abre e se fecha ao redor Dele, como a onda ao redor de um
navio.
Eu estou doente, cura-me! –geme um jovem, que pelo aspecto,
me parece estar tuberculoso e que segura Jesus pela veste.
Jesus lhe põe a mão sobre a cabeça e diz:
– Confia. Deus te ouvirá. Deixa
agora que Eu fale ao povo, depois virei a ti.
O jovem o deixa ir e fica quieto.
– Que foi que Ele te disse? – pergunta-lhe uma mulher que
está com um menino nos braços.
– Disse-me que depois de ter falado ao povo virá a mim.
– Então, vai te curar?
– Não sei. Ele me disse: “Confia.” Eu espero.
– Que foi que Ele disse? Que foi que Ele disse?
A multidão quer saber. E a resposta de Jesus vai sendo
comentada entre o povo.
– Então, eu vou buscar o meu menino.
– E eu vou trazer aqui o meu velho pai.
– Oh! Se o Ageu quisesse vir! Eu vou tentar… mas ele não
virá.
Jesus chegou ao seu lugar. Saúda o chefe da sinagoga e é
saudado por ele. É um homenzinho baixo, gordo e de idade. Para falar a ele,
Jesus precisa inclinar-se. Parece uma palmeira que se curva sobre um arbusto
mais largo do que alto.
– Que queres que eu te dê? – pergunta o arqui-sinagogo.
– O que quiseres, ou melhor, o
que apanhares. O Espírito te guiará.
– Mas… estás preparado?
– Estou. Dá-me um qualquer.
Repito: O Espírito do Senhor guiará a escolha para o bem deste povo.
O arqui-sinagogo estende a mão sobre a pilha dos rolos, tira
um, abre-o, e para num certo ponto.
– Este – diz ele.
Jesus pega o rolo e lê o ponto indicado:
– Josué: “Levanta-te e santifica
o povo, e diz a eles: ‘Santificai-vos para amanhã, porque diz o Senhor Deus de
Israel, o anátema está no meio de vós, ó Israel; tu não poderás estar à frente
dos teus inimigos, enquanto não for tirado do meio de ti quem se tiver
contaminado com tal delito’.”
Ele para, enrola o volume, e o entrega de volta.
A multidão está muito atenta. Somente se ouve a voz de alguém
que murmura:
– Vamos ouvir hoje das boas contra os inimigos!
– É o Rei de Israel, o Prometido, que reúne o seu povo!
Jesus estende os braços em seu costumeiro gesto oratório. O
silêncio se torna completo.
– Quem veio para santificar-vos
se levantou. Ele saiu do segredo da casa onde se preparou para esta missão. Ele
se purificou para dar-vos exemplo de purificação. Tomou sua posição frente aos
poderosos do Templo e ao povo de Deus e agora está entre vós. Sou Eu. Não como
alguns entre vós pensam e esperam, com uma mente enevoada e com um fermento no
coração. Mais alto e maior é o Reino do qual Eu sou o futuro Rei e ao qual Eu
vos chamo.
Eu vos chamo, ó vós de Israel,
antes de qualquer outro povo, porque vós sois os que, nos pais dos pais,
tiveram a promessa desta hora e aliança com o Senhor Altíssimo. Mas não será
com multidões armadas nem com ferocidades sangrentas que este Reino vai ser
formado; e nele não entrarão os violentos, nem os prepotentes, nem os soberbos,
os iracundos, os invejosos, os luxuriosos, os avarentos, mas os bons, os
mansos, os continentes, os misericordiosos, os humildes, os que têm amor ao
próximo e a Deus, os pacientes.
Israel! Não é contra os inimigos
de fora que és chamado a combater. Mas contra os inimigos de dentro. Contra
aqueles que estão no coração de cada um de vós. No coração de dezenas e dezenas
de milhares de filhos teus. Tirai o anátema do pecado de todos os vossos
corações um por um, se quereis que amanhã Deus vos reúna e vos diga: “Povo meu,
para ti o Reino que não será mais derrotado, nem invadido, nem emboscado pelos
inimigos.”
Amanhã. Que amanhã é este? Dentro
de um ano ou de um mês? Oh! Não procureis. Não procureis, com uma sede doentia,
saber o que está para acontecer, usando para isso de meios que têm o sabor de
uma culpável feitiçaria. Deixai aos gentios o espírito pitônico. Deixai ao Deus
eterno o segredo do seu tempo. Vós de amanhã, o amanhã que surgirá depois desta
hora da tarde, e a que virá à noite, que surgirá com o canto do galo, vinde
purificar-vos na verdadeira penitência.
Arrependei-vos dos vossos pecados
para serdes perdoados e preparados para o Reino. Tirai de vós o anátema do
pecado. Cada um tem o seu. Cada um tem aquele que é contrário aos dez
mandamentos de salvação eterna. Examinai-vos cada um com sinceridade e
encontrareis o ponto em que errastes. Humildemente tende dele um arrependimento
sincero. Tende a vontade de arrepender-vos. Não só com palavras. De Deus não se
zomba e a Deus não se engana. Mas arrependei-vos com vontade firme, que vos
leve a mudar de vida, a entrar de novo na Lei do Senhor. O Reino dos Céus vos
espera. Amanhã.
Amanhã? Estais perguntando. Oh! É
sempre um amanhã solícito a hora de Deus, ainda que ela chegue ao fim de uma
vida longa como a dos Patriarcas. A eternidade não tem por medida de tempo o
correr lento da clepsidra. E aquelas medidas de tempo que vós chamais dias,
meses, anos, séculos, são palpitações do Espírito eterno, que vos mantêm vivos.
Mas, vós sois eternos em vosso espírito e deveis, para o vosso espírito, ter o
mesmo método de medição do tempo que o vosso Criador tem. Então, dizeis:
“Amanhã será o dia da minha morte.” Aliás, não morte para os fiéis. Mas repouso
de espera, à espera do Messias, que abrirá as portas do Céu.
E, em verdade, vos digo que,
entre os aqui presentes, só vinte e sete é que morrerão e deverão esperar. Os
outros estarão já julgados, antes da morte, e a morte será sua passagem para
Deus ou para Mamon, sem demora, porque o Messias já veio, está entre vós e vos
chama para dar-vos a Boa Nova, para instruir-vos na Verdade e para salvar-vos
no Céu.
Fazei penitência! O “amanhã” do
Reino dos Céus é iminente. Que ele vos encontre limpos, a fim de vos tornardes
possuidores do dia eterno. A paz esteja convosco.
Para contradizê-lo, levanta-se um empertigado e barbudo
israelita. Ele diz:
– Mestre, tudo o que dizes me parece em contraste com tudo o
que está dito no segundo livro dos Macabeus, glória de Israel. Lá está dito: “É
de fato sinal de grande benevolência não permitir aos pecadores que fiquem
andando por muito tempo atrás de seus caprichos, mas dar-lhes logo o castigo. O
Senhor não faz como as outras nações, que as espera com paciência, para
puni-las quando chegar o dia do Juízo, quando estiver cheia a medida dos
pecados.” Tu ao invés, falas como se o Altíssimo pudesse ser muito lento em
punir-nos, esperando-nos como os outros povos, no tempo do Juízo, quando
estiver cheia a medida dos pecados. Verdadeiramente os fatos te desmentem.
Israel está punido, como diz o histórico dos Macabeus. Mas, se fosse como
dizes, não há uma divergência entre a tua doutrina e a que está encerrada na
frase que eu te disse?
– Quem és, Eu não sei. Mas, seja
quem fores, Eu te respondo. Não há divergência na doutrina, mas no modo de
interpretar as palavras. Tu as interpretas segundo o modo humano. Eu, segundo
aquele do espírito. Tu, representante da maioria, vês tudo com referências ao
presente e ao transitório. Eu, representante de Deus, tudo explico, e aplico ao
que é eterno e sobrenatural. Javé vos feriu sim, no presente, na soberba e na
injustiça de ser um “povo”, segundo a terra. Mas, como vos tem amado e usado de
paciência para convosco, mais do que com todos os outros, concedendo-vos o
Salvador, o seu Messias, para que o escuteis, e vos salveis, antes da hora da
ira divina! Não quer mais que sejais pecadores. Mas, se no transitório Ele vos
feriu, vendo que a ferida não sara, mas ao contrário, torna sempre mais obtuso
o vosso espírito, eis que Ele vos manda, não punição, mas salvação. Vos manda
Aquele que vos cura e vos salva. Eu, que vos falo.
Não achas que estás sendo ousado ao professar-te
representante de Deus? Nenhum dos Profetas ousou tanto. E Tu… Quem és, Tu que
estás falando? E com ordem de quem falas?
– Os Profetas não podiam falar
deles mesmos o que Eu de mim mesmo falo. Quem sou Eu? Sou o Esperado, o
Prometido, o Redentor. Já ouviste aquele que o precede dizer: “Preparai o
caminho do Senhor. Eis que o Senhor Deus vem. Como um pastor apascentará o seu
rebanho, sendo também o Cordeiro da verdadeira Páscoa.” Entre vós estão aqueles
que ouviram do Precursor estas palavras, e viram o céu relampejar com uma luz
que descia em forma de pomba, e ouviram uma voz que falava, dizendo quem Eu
era. Por ordem de quem Eu falo? Daquele que é, e que me envia.
– Tu podes estar dizendo isto, mas podes também ser um
mentiroso, ou um iludido. As tuas palavras são santas, mas às vezes, Satanás tem
palavras enganosas, tingidas de santidade, para induzir em erro. Nós não te
conhecemos.
– Eu sou Jesus de José, da
estirpe de Davi, nascido em Belém Efrata, segundo as promessas, chamado
nazareno, porque minha casa é em Nazaré. Isto segundo o mundo. Segundo Deus,
sou o seu Enviado. Os meus discípulos sabem disso.
– Oh! Os teus discípulos! Eles podem falar o que quiserem e o
que Tu os mandas dizer.
– Um outro falará, um que não me
ama, e dirá quem Eu sou. Espera aí, que Eu vou chamar um dos que estão aqui presentes.
Jesus olha para a multidão, que está espantada com esta
discussão, irritada e dividida entre correntes opostas. Jesus olha para ela,
procurando alguém com seus olhos de safira, e depois chama com voz forte:
– Ageu, vem para a frente. Eu te ordeno.
Há um grande murmúrio entre a multidão, que se abre, para
deixar passar um homem, todo sacudido pelo tremor e sustentado por uma mulher.
– Conheces este homem?
– Sim. É o Ageu de Malaquias, aqui de Cafarnaum. É possuído
por um espírito mau, que o desatina em fúrias repentinas.
– Todos vós o conheceis?
A multidão grita: – Sim, sim.
– Poderá alguém aí dizer que ele
já esteve conversando Comigo, ainda que por poucos minutos?
A multidão grita: – Não, não, ele é quase um idiota, e não
sai nunca de casa, e nunca ninguém te viu lá.
– Mulher, traze-o aqui diante de
mim.
A mulher o empurra e o arrasta, enquanto o pobre homem treme
fortemente. O arqui-sinagogo adverte a Jesus:
– Estai atento! O demônio vai atormentá-lo… e então se
arroja, arranha e morde.
A multidão abre caminho, comprimindo-se contra as paredes.
Agora os dois estão frente a frente. É um momento de luta. Parece que o homem,
acostumado a ficar mudo, sente dificuldade para falar, e gane, mas depois sua
voz toma a forma de palavras:
– Que há entre nós e Ti, Jesus de Nazaré? Por que vieste
atormentar-nos? Por que vieste exterminar-nos, Tu, Senhor do Céu e da terra? Eu
sei quem és: o Santo de Deus. Ninguém, na carne, foi maior do que Tu, porque em
tua carne de homem está encerrado o Espírito do eterno Vencedor. Já me venceste
em…
– Cala-te! Sai deste homem. Eu te
ordeno!
O homem é tomado como que de um estranho paroxismo. Ele se
agita aos arrancos, como se alguém o estivesse maltratando com empurrões e
safanões, grita com uma voz desumana, espuma, em seguida é jogado ao chão, do
qual depois se levanta assombrado e curado.
Ouviste? Que respondes agora? –pergunta Jesus ao seu opositor.
O homem barbudo e empertigado encolhe os ombros e, vencido,
vai-se embora sem responder. O povo zomba dele e aplaude a Jesus.
– Silêncio. O lugar é sagrado! – diz Jesus, e depois ordena: Venha a
mim o jovem a quem prometi a ajuda de Deus.
Aproxima-se o doente. Jesus o acaricia: – Tiveste
fé! Sê curado. Vai em paz e sê justo.
O jovem dá um grito. Quem sabe o que estará sentindo? Ele se
prostra aos pés de Jesus e os beija, agradecendo: – Obrigado por mim e por
minha mãe!
Vêm outros doentes: um menino com as perninhas paralisadas.
Jesus o toma nos braços, o acaricia e o põe no chão… e o solta. E o menino não
cai, mas sai correndo ao encontro da mãe que, chorando, o recebe sobre o seu
coração e o bendiz com grande voz “o Santo de Israel.” Vem depois um velhinho
cego guiado pela filha. Também ele é curado com uma carícia feita sobre as
órbitas doentes.
A multidão se transforma num tumulto de bênçãos. Jesus se
afasta sorrindo e ainda que Ele seja alto, não conseguiria abrir caminho entre
a multidão se Pedro, Tiago, André e João não trabalhassem generosamente com os
seus cotovelos abrindo uma passagem do canto onde estão até Jesus e depois o
protegessem até à saída para a praça onde já não há mais sol. Assim termina a
visão.
Pg.364 - 371
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60 – CURA DA SOGRA DE SIMÃO PEDRO
3 de novembro de 1944.
Pedro fala a Jesus:
– Mestre, eu queria pedir-te que vás à minha casa. Não tive
coragem de dizer isso no sábado passado. Mas… queria que fosses.
– Em Betsaida?
– Não, aqui… na casa de minha mulher, quero dizer, a casa
nativa.
– Por que tens esse desejo,
Pedro?
– Ah! Por muitas razões… e, além disso, hoje me disseram que
minha sogra está doente. Se quisesses curá-la, talvez te…
– Acaba de falar, Simão.
– Eu queria dizer… se Tu te aproximasses, ela acabaria… sim,
em suma, Tu sabes, uma coisa é ouvir falar de alguém e outra é vê-lo e ouvi-lo
e, se essa pessoa depois fica sã, então.
– Então, também o ódio se acaba,
queres dizer.
– Não, ódio não. Mas Tu sabes… o povoado está dividido em
muitos pareceres e ela… não sabe a quem dar razão. Vai, Jesus.
– Eu vou. Vamos. Avisarás aos que
estão esperando que da tua casa falarei a eles.
Vão até uma casa baixa, mais baixa ainda do que a de Pedro em
Betsaida e ainda mais próxima ao lago. Está separada deste por uma pequena
faixa da margem e creio que nas borrascas as ondas venham a morrer contra as
paredes da casa que, se é baixa, é em compensação bem espaçosa, como se fosse
habitada por mais pessoas.
Na horta-pomar, que está à frente da casa, perto do lago,
nada mais há do que uma videira já velha e nodosa que se estende em uma rústica
parreira e uma velha figueira que os ventos do lago curvaram em direção à casa.
A fronde despenteada da árvore roça as paredes e bate contra as venejiadas das
janelinhas que estão fechadas para servirem de proteção contra o sol forte que
bate sobre a baixa casa. Nada mais há além desta figueira e desta videira e de
um poço raso com um muro esverdeado.
– Entra, Mestre.
Algumas mulheres estão na cozinha, umas ocupadas em consertar
as redes, outras em preparar a comida. Elas saúdam a Pedro e depois se inclinam
confusas diante de Jesus; entretanto, olham-no de soslaio, com curiosidade.
– A paz esteja nesta casa. Como
vai a doente?
– Fala, tu que és a nora mais velha –dizem três mulheres a
uma que está enxugando as mãos na barra da veste.
– A febre está forte, muito forte. Nós fizemos com que o
médico a visse, mas ele disse que ela está velha para sarar e que quando aquele
mal dos ossos chega ao coração e dá febre, especialmente naquela idade, o
doente morre. Ela não está comendo mais… Eu procuro fazer-lhe comidas boas,
mesmo agora, vê Simão? Eu lhe estava preparando aquela sopa de que ela gostava
tanto. Escolhi o peixe melhor que peguei com os cunhados. Mas acho que ela não
vai poder comer. E depois… está tão inquieta! E se lamenta, grita, chora,
pragueja…
– Tende paciência, como se fosse
vossa mãe e tereis merecimento diante de Deus. Levai-me a ela.
– Rabi… Rabi… não sei se ela irá querer te ver. Não quer ver
a ninguém. Eu nem tenho coragem de dizer-lhe: “Agora vou te trazer o Rabi.”
Jesus sorri sem perder a calma. Depois se vira para Pedro:
– Cabe a ti, Simão. Tu és homem,
e o mais velho dos genros, como me disseste. Vai.
Pedro faz uma careta muito significativa mas obedece. Ele
atravessa a cozinha, entra em um quarto; através da porta fechada atrás dele, eu
o ouço conversar com uma mulher. Depois, põe a cabeça e uma mão fora da porta e
diz:
– Vem, Mestre. Anda depressa!
E acrescenta, em voz mais baixa, só o tanto necessário para
ser entendido:
– Antes que ela mude de ideia.
Jesus atravessa rápido a cozinha e abre a porta toda. De pé,
à porta, Ele diz a sua doce e solene saudação:
– A paz esteja contigo.
Em seguida, entra, não obstante não tenha recebido resposta.
Vai para perto da enxerga sobre a qual está estendida uma pequena mulher toda
grisalha, descarnada e ofegante pela forte febre que lhe torna corado o rosto
abatido.
Jesus se inclina para o pequeno leito e sorrindo para a
velhinha, diz:
– Que estás sentindo?
– Eu estou morrendo!
– Não. Não estás morrendo. Podes
crer que Eu te posso curar?
– E por que irias fazer isso? Não me conheces.
– Por causa de Simão, que pediu a
mim… e também por causa de ti, para dar tempo à tua alma de ver e amar a Luz.
– Simão? Ele faria melhor em… Como Simão foi capaz de pensar
em mim?
– Porque ele é melhor do que pensas.
Eu o conheço e sei. Eu o conheço e estou contente por vir atendê-lo.
– E, então, tu me curarias? Não vou mais morrer?
– Não, mulher. Por enquanto não
morrerás. Podes crer em mim?
– Creio, creio. Basta-me não morrer!
Jesus sorri ainda. E a pega pela mão. A mão enrugada e de
veias inchadas desaparece na mão juvenil de Jesus que se endireita e toma
aquele aspecto de quando faz um milagre; exclama:
– Sê curada! Eu quero!
Levanta-te!
Solta-lhe a mão que recai sem que a velha se lamente,
enquanto que antes, mesmo tendo-a Jesus pegado com muita delicadeza, só de
tê-la movido já tinha sido causa de um lamento por parte da enferma. Houve um
breve tempo de silêncio. Depois a velha exclama com voz forte:
– Oh! Deus de nossos pais! Mas eu não tenho mais nada! Estou
curada!
Vinde! Vinde!
Acorrem as noras.
– Mas olhai! –dizia a velha–. Eu me movo, e não sinto mais
dor! E não tenho mais febre! Vede como estou com saúde. E o coração não se
parece mais com o martelo do ferreiro. Ah! Não vou mais morrer!
E não tem nenhuma palavra para o Senhor!
Mas Jesus não leva isso em consideração. Ele diz à mais velha
das noras:
– Vesti-a para que se levante.
Ela já pode levantar-se.
E vai-se encaminhando para sair. Simão, mortificado, se vira
para a sogra:
– O Mestre te curou. E não lhe dizes nada?
– Está certo! Não pensei nisso. Obrigada. Que posso fazer
para mostrar-te o meu agradecimento?
– Ser boa, muito boa. Porque o Eterno foi bom para contigo.
E, se não te for muito incômodo, deixa-me repousar hoje em tua casa. Percorri
nesta semana todos os povoados vizinhos e cheguei ao despertar desta manhã.
Estou cansado.
– Certo! Certo! Fica, sim, se assim te agrada.
Mas não existe muito entusiasmo em suas palavras. Jesus, com
Pedro, André, Tiago e João vai sentar-se no pomar.
– Mestre!
– Que há, meu Pedro?
– Eu estou mortificado.
Jesus faz um gesto, como se dissesse: “Deixa para lá.”
Depois, diz:
– Não é esta a primeira nem será
a última que não sinto um reconhecimento imediato. Mas Eu não peço
reconhecimento. Basta-me dar às almas o modo de se salvarem. Faço o meu dever.
A elas cabe fazer o delas.
– Ah! Então já houve outros assim? Onde?
– Simão curioso! Mas Eu quero te
contentar, embora não goste de curiosidades inúteis. Foi em Nazaré. Lembras-te
da mãe de Sara? Estava muito doente quando chegamos a Nazaré e nos disseram que
a menina estava chorando. Para não fazer dela, que é boa e dócil, uma órfã e
amanhã uma enteada, fui procurar a mulher… Eu queria curá-la. Mas, ainda não
tinha posto os pés na casa dela, quando o seu marido e um irmão me expulsaram,
dizendo: “Vai embora, vai embora! Não queremos aborrecimentos com a sinagoga.”
Para eles, para muitos, Eu já sou um rebelde… mas Eu a curei do mesmo jeito…
por causa de seus filhos. E à Sara, que estava na horta, Eu disse,
acariciando-a: “Eu curo tua mãe. Vai para casa. Não chores mais.” E a mulher
ficou curada no mesmo instante; a menina foi dizer isso a ela, e também ao pai
e ao tio… E foi castigada por ter falado Comigo. Eu sei, porque a menina veio
correndo atrás de Mim, quando Eu já ia deixando o povoado. Mas não importa.
– Eu faria com que ela ficasse doente de novo!
– Pedro!
Jesus está severo:
– É isso que Eu ensino a ti e aos
outros? Que foi que ouviste dos meus lábios desde a primeira vez que me
ouviste? De que é que Eu tenho sempre falado como primeira condição para serdes
meus verdadeiros discípulos?
– É verdade, Mestre. Eu sou um verdadeiro animal. Perdoa-me.
Mas, não posso suportar que não te amem!
– Ó Pedro, verás um desamor bem
maior! Quantas surpresas terás, Pedro! Há pessoas que o mundo chamado “santo”
despreza como publicanos, e que, ao invés, serão exemplos para o mundo, e um
exemplo não seguido por aqueles que as desprezam. Há gentios que estarão entre
os meus maiores fiéis. Há meretrizes que se tornam puras, por vontade e por
penitência. Pecadores que se emendam.
– Escuta, que se emende um pecador… ainda pode ser. Mas uma
meretriz e um publicano!
– Tu não acreditas?
– Eu não.
– Estás errado, Simão. Mas, eis
tua sogra que está vindo a nós.
– Mestre… eu te peço que te assentes à minha mesa.
– Obrigado, mulher. Deus te
recompense por isto. Entram
na cozinha e se assentam à mesa e a velha serve aos homens com grande
distribuição de peixe ensopado e assado.
– Não há mais do que isso – ela se desculpa. E, para não
perder o costume, diz a Pedro:
– Os teus cunhados fazem até demais, sozinhos como ficaram,
desde quando foste para Betsaida! E ao menos se prestasses a fazer mais rica a
minha filha… Mas ouço dizer que frequentemente estás ausente e que não vais
pescar.
– Eu sigo o Mestre. Estive com Ele em Jerusalém e aos sábados
estou com Ele. Não perco o tempo em farras.
– Mas não ganhas nada com isso. Farias melhor, já que queres
ser o servo do Profeta, que venhas para cá de novo. Pelo menos aquela pobre
criatura, que é a minha filha, enquanto tu ficas aí te fazendo de santo, terá
os parentes que lhe matem a fome.
– Mas, não te envergonhas de falar assim diante Dele que te
curou?
– Eu não o critico. Ele faz o seu trabalho. Eu critico é a
ti, que vives como um mandrião. Afinal, tu não serás nunca um profeta, nem um
sacerdote. És um ignorante e um pecador, és um bom para nada.
– Tens razão, porque Ele está aqui, senão…
– Simão, tua sogra te deu um
ótimo conselho. Podes pescar também aqui. Pescavas também antes em Cafarnaum,
pelo que ouço. Podes voltar até agora.
– E morar aqui de novo? Mas Mestre, Tu não…
– Bom, meu Pedro, se ficares aqui
estarás no barco sobre o lago, ou Comigo. Por isso, para ti que diferença há
entre estar ou não estar nesta casa?
Jesus pôs a mão sobre o ombro de Pedro e parece que a calma
de Jesus passa para Pedro que já estava fervendo.
– Tens razão. Sempre tens razão. É assim que eu vou fazer.
Mas… e estes? – e mostra João e Tiago, seus sócios.
– Não poderão vir eles também?
– Oh! O nosso pai, e principalmente a nossa mãe, estarão
sempre mais felizes, se souberem que estamos Contigo, do que com eles. Eles não
criarão obstáculos.
– Talvez também Zebedeu virá – diz Pedro.
– É mais que provável. E com eles outros. Viremos, Mestre.
Viremos sem falta.
Está aqui Jesus de Nazaré? –pergunta um menininho que aparece
à porta.
– Está sim. Entra.
Vem à frente um menino, que eu reconheço como um daqueles das
primeiras visões em Cafarnaum; justamente como aquele que, brincando por entre
os pés de Jesus, prometeu que seria bom… para comer o mel do Paraíso.
– Pequeno amigo, vem cá. – lhe diz Jesus.
O menino, um pouco amedrontado no meio de tanta gente que
está olhando para ele, se encoraja e corre para Jesus que o abraça, o põe sobre
os joelhos e lhe dá um pedacinho do seu peixe sobre uma fatiazinha de pão.
– Aqui está, Jesus. Isto é para Ti. Ainda hoje aquela pessoa
me disse:
“Hoje é sábado. Vai levar isto para o Rabi de Nazaré e diz ao
teu amigo que reze por mim.” Ela sabe que és o meu amigo! O menino ri feliz, e
come o seu pão com peixe.
– Muito bem, pequeno Tiago! Dirás
àquela pessoa que as minhas orações sobem ao Pai por ela.
– É para os pobres? – pergunta Pedro.
– Sim.
– Será o presente de costume? Vamos ver.
Jesus lhes entrega a bolsa. Pedro despeja as moedas e as
conta:
– Sempre a mesma grande importância! Mas, quem é essa pessoa?
Diz-me, menino! Quem é?
– Eu não o devo dizer, e não o direi.
– Que malcriado! Vamos, sê bom que eu te darei umas frutas.
– Eu não o direi nem se me insultares nem se me acariciares.
– Mas ouvi só que língua!
– O Tiago tem razão, Pedro. Ele mantém a palavra dada.
Deixa-o em paz.
– Tu, Mestre, sabes quem é essa pessoa?
Jesus não responde. Ele se entretém com o menino, a quem dá
outro pedacinho de peixe assado, já bem limpo das espinhas. Mas Pedro insiste e
Jesus precisa responder:
– Eu sei tudo, Simão.
– E nós, não o podemos saber?
– E tu, nunca vais ficar curado
deste teu defeito?
Jesus censura, mas sorri. E acrescenta:
– Logo o saberás. Porque como o
mal gosta de ficar oculto e nem sempre pode permanecer assim, o bem, ainda que
queira ficar oculto, para ter seu merecimento, um dia será descoberto para a
glória de Deus, cuja natureza brilha em um filho seu. A natureza de Deus é o
amor. E essa pessoa o compreendeu, porque ama o seu próximo. Vai, Tiago. Vai levar
àquela pessoa a minha bênção.
Assim termina a visão.
Pg. 371 – 377
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61 – JESUS FAZ O BEM AOS POBRES
DEPOIS DE TER CONTADO A PARÁBOLA DO CAVALO AMADO PELO REI
Jesus subiu a um monte de cestas e cordas que está à entrada
do pomar da casa da sogra de Pedro. O pomar está apinhado de gente. Também há
gente junto à margem do lago, uns sentados, outros sobre os barcos que foram
puxados para a terra. Parece que Ele já vinha falando por algum tempo, porque
seu discurso já vai bem adiantado. Eu o ouço:
– Certamente vós muitas vezes, em
vosso coração, já tereis pensado assim. Mas não é bem assim. O Senhor não
faltou à benignidade para com o seu povo, ainda que este tenha faltado à
fidelidade para com Ele mil e dez mil vezes. Ouvi esta parábola. Ela vos
ajudará a entender:
Um rei tinha muitos e esplêndidos
cavalos em suas estrebarias. Mas ele gostava de um deles com uma estima toda
especial. Antes de possuí-lo, o rei o tinha almejado muito; depois, tendo-o
adquirido, colocou-o num lugar delicioso, para onde ele se dirigia, com os
olhos e o coração, só para tornar a ver aquele seu predileto, sonhando fazer
dele um dia a maravilha do seu reino. E, quando o cavalo, rebelando-se contra
todos os comandos, havia desobedecido e fugido para outro patrão, o rei, ainda
que com dor, em seu rigor, tinha prometido ao rebelde o perdão, depois de tê-lo
castigado. E, fiel a isso, mesmo de longe, velava sobre o seu predileto,
mandando-lhe presentes e guardas que o conservassem com a lembrança do dono em
seu coração.
Mas o cavalo, ainda que sofrendo
por estar exilado do reino, não era constante, como o rei o era, em amar e
desejar o perdão completo. E, se em certos tempos era bom, em outros tempos era
mau; nem o bom era maior do que o mau. Pelo contrário. Contudo, o rei tinha
paciência; com censuras e carícias procurava fazer do seu cavalo mais querido
um dócil amigo. Quanto mais o tempo passava, mais o animal se mostrava rebelde.
Invocava o seu rei, chorava sob o chicote dos outros patrões, mas não queria
ser verdadeiramente do rei. Não tinha vontade de o ser. Esgotado, oprimido e
gemente, não era capaz de dizer: “Por culpa minha é que estou assim”, mas
acusava ao seu rei.
Este, depois de ter tentado de
tudo, recorreu a uma última prova. “Até agora, disse, eu mandei mensageiros e
amigos. Agora vou mandar o meu próprio filho. Ele tem o mesmo coração meu e
falará com o mesmo amor que eu, terá carícias e presentes semelhantes aos que
eu tinha; aliás, ainda mais doces, porque meu filho sou eu mesmo, mas sublimado
no amor.” E mandou o seu filho.
Esta é a parábola. Agora dizei-me
vós: Achais que o rei amava o seu animal preferido?
O povo responde a uma só voz:
– Infinitamente o amava.
– Podia o animal lamentar-se do
seu rei, por todo o mal que sofreu, por tê-lo abandonado?
– Não, não podia – responde a multidão.
– Respondei-me ainda ao seguinte:
aquele cavalo, segundo o vosso parecer, como terá recebido o filho do rei, que
ia para resgatá-lo, curá-lo e levá-lo novamente para o lugar de delícias?
– Com alegria, naturalmente, com reconhecimento e afeto.
– Mas, se o filho do rei tiver
dito ao cavalo: “Eu vim para isto e para fazer-te isto, mas tu precisas ser
bom, obediente, cheio de boa vontade e fiel a mim”, que achais que o cavalo
terá respondido?
– Oh! Não é preciso perguntar! Ele terá respondido que sabia
bem o que lhe custava ser expulso do reino e que queria ser como o filho do rei
dizia.
– Então, segundo vós, qual era o
dever daquele cavalo?
– Ser ainda melhor do que lhe estava sendo pedido, mais
afetuoso, mais dócil, para ser perdoado do mal passado, em reconhecimento pelos
bens obtidos.
– E se ele não tivesse feito
assim?
– Seria digno de uma morte, porque seria pior do que uma fera
selvagem.
– Amigos, vós julgastes bem. Mas
fazei também vós como quereríeis que o cavalo fizesse. Vós, homens, criaturas
prediletas do Rei dos Céus, Deus, meu Pai e vosso; vós a quem, depois dos
Profetas, foi mandado por Deus o seu próprio Filho, sede, oh! sede — eu vos
conjuro pelo vosso bem e porque vos amo como só um Deus pode amar, aquele Deus
que está em Mim para operar o milagre da Redenção — sede, ao menos, como vós
julgais que deve ser aquele animal. Ai daquele que rebaixa a si próprio, homem,
a um grau inferior ao do animal! Mas, se ainda podia haver desculpa para
aqueles que até o momento presente estavam pecando — porque muito tempo e muita
poeira do mundo já passaram, desde quando foi dada a Lei, e sobre esta se
pousou — agora já não podeis mais. Eu vim para trazer-vos de novo a palavra de
Deus. O Filho do homem está entre os homens para levá-los novamente a Deus.
Segui-me. Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida.
Ouve-se o murmúrio de costume por entre a multidão.
Jesus, então, ordena aos discípulos:
– Fazei que os pobres venham para
a frente. Para eles Eu tenho a rica oferta de alguém que a eles se recomenda
para obter o perdão de Deus. Vêm avante três velhinhos esfarrapados, dois cegos
e um encolhido; depois uma viúva com sete meninos macilentos.
Jesus os olha fixamente um por um, sorri para a viúva e
especialmente para os orfãozinhos. Antes diz a João:
– Que essas pessoas sejam
colocadas lá no pomar. Quero falar com elas.
Mas Ele se torna severo, com os olhos flamejantes, quando a
Ele se apresenta um dos velhinhos. Porém, não diz nada no momento. Jesus chama
Pedro e faz com que ele lhe dê a bolsa recebida pouco antes e uma outra cheia
de moedas menores, esmolas diversas recolhidas entre os bons. Despeja tudo
sobre o banco que está junto ao poço, conta e divide. Faz seis partes: uma
delas bem grande, toda com moedas de prata; cinco menores em dimensão, com
muito bronze e só uma ou outra moeda grande. Chama os pobrezinhos doentes e
lhes pergunta:
– Não tendes nada a dizer-me?
Os cegos se calam. Mas o encolhido diz:
– Que Aquele de quem vens te proteja.
E nada mais.
Jesus lhe põe a esmola na mão sã. O homem lhe diz:
– Que Deus te recompense. Mas, mais do que isto, eu de Ti
queria a cura.
– Tu não a pediste.
– Sou pobre, um verme que os grandes pisam, não ousava
esperar que Tu tivesses piedade de um mendigo.
– Eu sou a Piedade que se inclina
sobre toda miséria que clama por Mim. Não rejeito ninguém. Não peço mais do que
amor e fé, para dizer: “Eu vou te atender.”
– Oh! Meu Senhor! Eu creio! Eu te amo! Salva-me, então! Cura
o teu servo!
Jesus põe a mão sobre aquele dorso curvado e a faz deslizar
como que acariciando-o; diz então:
– Quero que sejas curado.
O homem se endireita, ágil e íntegro, com palavras de bênçãos
infinitas. Jesus dá a esmola aos cegos, e espera um momento para despedi-los, depois
os deixa ir. Chama os velhos. Dá ao primeiro uma esmola e o conforta ajudando-o
a pôr na cinta as moedas.
Jesus se interessa piedoso pelas desventuras do segundo, que
lhe conta a doença de uma filha:
– Só tenho essa! E agora ela está morrendo. Que será de mim?
Oh! Se Tu pudesses ir lá! Ela não pode vir, não se mantém em pé. Queria… Mas
não pode. Mestre, Senhor, Jesus, tem piedade de nós!
– Onde moras, pai?
– Em Corozaim. Pergunta por Isaque de Jonas, chamado o
Adulto. Irás mesmo? Não te vais esquecer da minha desventura? E curarás a minha
filha?
– Podes crer que Eu a possa
curar?
– Oh! Se eu creio! Por isso é que Te estou falando dela.
– Vai para casa, pai. Tua filha
estará à porta para te saudar.
– Mas ela está de cama e não pode levantar-se há três… Ah!
Compreendi! Oh! Obrigado, Rabi! Bendito és Tu e Aquele que Te enviou! Louvor a
Deus e ao seu Messias!
O velho vai chorando, coxeando, o mais rápido que pode. Mas
quando já está quase saindo do pomar, ele diz:
– Mestre, mas irás assim mesmo à minha pobre casa? Isaque Te
espera para beijar-te os pés, lavá-los com suas lágrimas e oferecer-te o pão do
amor. Vai Jesus, eu falarei de Ti aos da cidade.
– Irei. Vai em paz e sê feliz.
Vem para a frente o terceiro velhinho, que parece o mais
esfarrapado. Mas Jesus só tem agora o monte maior de moedas. E Ele chama em voz
alta:
– Mulher, vem com os teus
pequeninos.
A mulher, jovem e macilenta, vem para a frente, de cabeça
inclinada. Parece uma galinha choca, entre a sua triste ninhada.
– Desde quando és viúva, mulher?
– Faz três anos, na lua de Tisri.
– Quantos anos tens?
– Vinte e sete.
– São todos filhos teus?
– Sim, Mestre, e… e não tenho mais nada. Tudo se acabou… como
posso trabalhar, se ninguém me quer com todos estes pequeninos?
– Deus não abandona nem o verme
que Ele criou. Ele não te abandonará, mulher. Onde moras?
– Perto do lago, a três estádios fora de Betsaida. Ele me
disse que viesse… Meu marido morreu no lago, era pescador.
“Ele” é André, que ficou corado, e querendo desaparecer.
– Fizeste bem, André, em dizer à
mulher que viesse a mim.
André se anima e murmura:
– O homem era meu amigo, era bom, e morreu durante uma
tempestade, perdendo também seu barco.
– Toma mulher. Isto te ajudará
por muito tempo; depois virá outro sol no teu dia. Sê boa, educa na Lei os teus
filhos e não te faltará a ajuda de Deus. Eu te abençoo, a ti e aos teus
pequenos.
E os acaricia um por um com grande piedade. A mulher vai-se
com o seu tesouro apertado sobre o coração.
E a mim? –pergunta o velhinho que ficou por último.
Jesus olha para ele, e se cala.
– Nada para mim? Não és justo! A ela deu seis vezes mais do
que aos outros e a mim nada. Mas… e era mulher!
Jesus olha para ele e se cala.
– Olhai todos se está havendo justiça! Eu venho de longe,
porque me disseram que aqui se dava dinheiro; depois, estou vendo aqui quem
ganha demais e a mim não se dá nada. Um pobre velho que é doente! E quer que se
creia Nele!
– Velho, não te envergonhas de
mentir assim? Estás com a morte atrás de ti, e mentes; procuras roubar de quem
está com fome. Por que queres roubar dos irmãos a esmola que Eu recebi para
distribuir com justiça?
– Mas eu…
– Cala-te! Deverias já ter
compreendido pelo meu silêncio e pelo meu ato que Eu havia te conhecido; e, então,
seguir o meu exemplo de silêncio. Por que queres que Eu te envergonhe?
– Eu sou pobre.
– Não. Tu és um avarento e um
ladrão. Vives para o dinheiro e para a usura.
– Eu nunca emprestei com usura. Deus é minha testemunha.
– E isto não é usura, e da mais feroz,
roubar de quem tem verdadeiramente necessidade? Vai. Arrepende-te. Para que
Deus te perdoe.
– Eu te juro…
– Cala-te! Eu te ordeno. Foi
dito: “Não jurarás em falso.” Se Eu não tivesse respeito pelos teus cabelos
brancos, Eu daria uma busca em ti e em teu peito acharia uma bolsa cheia de
ouro, que é o teu coração. Vai-te embora.
Mas agora o velhinho, envergonhado, vendo-se descoberto em
seu segredo, vai-se embora sem que seja necessário o som de trovão que há na
voz de Jesus. A multidão o ameaça, o escarnece e o insulta como a um ladrão.
– Calai-vos! Se ele errou não
queirais vós também errar. Ele falta com a sinceridade, é um desonesto. Vós, se
o insultardes, faltais com a caridade. Ao irmão, que comete uma falta, não se
insulta. Cada um tem o seu pecado. Ninguém é perfeito, a não ser Deus. Eu
precisei envergonhá-lo, porque não é lícito ser ladrão e, menos ainda, ladrão
que rouba dos pobres. Mas só o Pai é que sabe quanto sofri por dever fazer
isso. Vós também sofrei com isso, ao verdes que um de Israel falta contra a Lei
procurando defraudar o pobre e a viúva. Não sejais cobiçosos. Que o vosso
tesouro seja a vossa alma, não o dinheiro. Não sejais perjuros. Que a vossa
linguagem seja sincera e honesta como as vossas ações. A vida não é eterna e a
hora da morte chega. Vivei de modo que na hora da morte a paz possa estar em
vosso espírito. A paz de quem viveu como um justo. Ide para as vossas casas.
Piedade, Senhor! Este meu filho é mudo, por causa de um
demônio que o maltrata.
– E este meu irmão é semelhante a um animal imundo: ele se
revolve na lama e come excrementos. E um espírito maligno o arrasta; ele, mesmo
sem querer, faz coisas imundas. Jesus se dirige para o grupo que o está
implorando. Ele ergue os braços e ordena:
– Sai deles. Deixai a Deus as suas
criaturas.
Entre gritos e barulho, os dois infelizes ficam curados. As
mulheres que os conduziam prostram-se dando louvores a Deus.
– Ide para as vossas casas e sede
reconhecidos a Deus. A paz esteja com todos. Ide.
A multidão vai-se, comentando os fatos. Os quatro discípulos
colocam-se ao redor do Mestre.
– Amigos, em verdade Eu vos digo
que em Israel estão todos os pecados, e os demônios aí fizeram sua morada. E
não são possessões só aquelas que tornam mudos os lábios e levam os homens a
viver como animais comendo sujeiras. Mas as mais verdadeiras e numerosas são
aquelas que tornam os corações mudos para a honestidade e para o amor, fazendo
deles um antro de vícios imundos. Oh! Meu Pai!
Jesus, abatido, se assenta.
– Estás cansado, Mestre?
– Cansado não, meu João. Mas
desolado pelo estado dos corações e pela pouca vontade de se emendarem. Eu vim…
mas o homem… o homem… oh! Meu Pai!
– Mestre, eu Te amo, nós todos Te amamos.
– Eu sei disso. Mas sois tão
poucos, e meu desejo de salvar é tão grande!
Jesus abraça João e mantém a cabeça dele sobre a sua. Está
triste. Pedro, André, Tiago, ao redor Dele, olham-no com amor e tristeza.
E a visão cessa assim.
Pg. 377 - 384
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62 – JESUS PROCURADO PELOS
DISCÍPULOS ENQUANTO REZA NA NOITE
Vejo Jesus sair, fazendo o menor barulho possível da casa de
Pedro em Cafarnaum. Compreende-se que Ele pernoitou lá para contentar o seu
Pedro. É ainda noite alta. O céu parece um bordado de estrelas. O lago reflete
apenas este brilho; mais que vê-lo, se adivinha este lago tranquilo que dorme
sob as estrelas, pelo suave sussurro das águas sobre o seu leito.
Jesus encosta novamente a porta, olha o céu, o lago, o
caminho. Pensa um pouco, e depois se encaminha, não ao longo do lago, mas em
direção ao povoado, percorrendo-o em parte, indo depois para o campo. Entra
nele, caminha, aprofundando-se ali; pega uma vereda que leva às primeiras
ondulações de um terreno plantado com oliveiras, se introduz nesta paz verde e
silenciosa e lá vai prostrar-se em oração.
É uma oração ardente! Ele reza de joelhos e, em seguida, como
que fortalecido, põe-se de pé e reza ainda, com o rosto erguido para o alto, um
rosto ainda mais espiritualizado pela nascente luz que vem de uma serena aurora
de verão. Reza agora sorrindo, enquanto que antes suspirava forte como se
estivesse sob o peso de algum grande sofrimento moral. Reza com os braços
abertos. Parece uma cruz viva, alta, angélica, de tão suave que é.
Parece abençoar todo o campo, o dia que nasce, as estrelas
que desaparecem, o lago que se revela.
Mestre! Procuramos tanto a Ti! Vimos a porta encostada pelo
lado de fora, quando voltamos da pesca e pensamos que tivesses saído. Mas não
te encontrávamos. Enfim, um camponês que estava enchendo suas cestas para
levá-las para a cidade foi quem nos informou. Nós estávamos te chamando:
“Jesus! Jesus!”, e ele nos disse: “Estais procurando o Rabi
que fala às multidões? Ele se foi por aquele caminho acima em direção ao monte.
Ele deve estar no olival do Miquéias, porque vai lá frequentemente. Eu já o vi
outras vezes.” Ele tinha razão. Por que saíste assim tão cedo, Mestre? Por que
não descansaste? Talvez a cama não estava cômoda.
– Não, Pedro. A cama estava
cômoda e o quarto muito bom. Mas Eu costumo fazer assim frequentemente para
soerguer o meu espírito e para unir-me ao Pai. A oração é uma força para si e
para os outros. Tudo se consegue com a oração. Se não a graça, que nem sempre o
Pai concede — e não se deve pensar que isto seja desamor, mas sempre crer que
isso é uma coisa querida por uma Ordem que rege as sortes de cada homem, cujo escopo
é o bem — certamente a oração dá paz e equilíbrio, para poder resistir a tantas
coisas que incomodam sem sair do caminho santo. É fácil, sabes, Pedro, ter a
mente ofuscada e o coração agitado pelas coisas que nos circundam! E com uma
mente ofuscada e um coração agitado, como pode-se ouvir a Deus?
– É verdade. Mas nós não sabemos rezar! Não sabemos dizer as
bonitas palavras que Tu dizes.
– Dizei aquelas que sabeis, como
as sabeis. Não são as palavras, mas os movimentos que as acompanham, que tornam
as orações agradáveis ao Pai.
– Nós gostaríamos de rezar como Tu rezas.
– Eu vos ensinarei a rezar
também. Eu vos ensinarei a mais santa das orações. Mas, para que ela não seja
uma fórmula vazia sobre os vossos lábios, Eu quero que o vosso coração tenha já
em si pelo menos um mínimo de santidade, de luz, de sabedoria. Por isso é que
Eu vos instruo. Depois Eu vos ensinarei a santa oração. Queríeis alguma coisa
de mim, vós que me andastes procurando?
– Não, Mestre. Mas há muitos que estão querendo muito de Ti.
Já chegou gente que veio de perto de Cafarnaum; eram pessoas pobres, doentes,
pessoas angustiadas, homens de boa vontade, com o desejo de se instruírem.
Nós lhes dissemos, visto que nos perguntavam de Ti: “O Mestre
está cansado e dormindo. Ide-vos embora. Voltai no próximo sábado.”
– Não, Simão. Isto não se diz.
Não existe só um dia para a piedade. Eu sou o Amor, a Luz, a Salvação todos os
dias da semana.
– Mas… até agora, falaste só aos sábados.
– Porque Eu era ainda
desconhecido. Mas, à medida que Eu for ficando conhecido, todos os dias serão
de efusão de Graça e de graças. Em verdade, Eu te digo que virá um tempo em que
nem o espaço de tempo, que é concedido a um pássaro para repousar sobre um ramo
e saciar-se de grãozinhos, será dado ao Filho do homem para o seu repouso e sua
alimentação.
– Mas assim ficarás doente! Nós não permitiremos isso. Tua
bondade não deve fazer-te infeliz.
– E tu achas que Eu possa me
tornar infeliz por isso? Oh! Mas se o mundo todo viesse a mim para me ouvir,
para chorar os seus pecados e as suas dores sobre o meu coração, para ser
curado na alma e no corpo, e Eu me consumisse em falar-lhe, em perdoá-lo, em
derramar sobre ele o meu poder, aí sim, então Eu seria muito feliz, Pedro, a
ponto de nem mais recordar com saudade do Céu, no qual Eu estava no Pai! De
onde eram esses que vieram a mim?
– De Corozaim, de Betsaida, de Cafarnaum; até de Tiberíades e
de Gergesa tinham vindo; e das centenas e centenas de pequenas cidades
espalhadas entre uma e outra.
– Ide a eles e dizei-lhes que estarei
em Corozaim, em Betsaida e nas cidades entre esta e aquela.
– Por que não em Cafarnaum?
– Porque Eu sou para todos e
todos me devem ter; e depois, lá está o velho Isaque que me espera. Não fique
ele desiludido em sua esperança.
– Tu nos esperas aqui, então?
– Não. Eu vou e vós ficais em
Cafarnaum para encaminhar as multidões para mim; depois Eu virei.
– Nós vamos ficar sozinhos? Pedro está preocupado.
– Não fiques preocupado. Que a
obediência te faça alegre e com ela tenhas a persuasão de seres a Mim um
discípulo útil. E contigo e, como tu, estes outros.
Pedro e André, com Tiago e João, se tranquilizam. Jesus os
abençoa, e se separam.
Assim termina a visão.
Pg. 384 – 386
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63 – O LEPROSO CURADO PERTO DE
COROZAIM
Com a precisão de uma fotografia perfeita, tenho diante de
minha vista espiritual, desde esta manhã, antes até da aurora, um pobre
leproso. Este é verdadeiramente um farrapo humano. Eu não saberia dizer que
idade ele pode ter, de tão devastado está pelo mal. Definhado, seminu, mostra o
seu corpo reduzido ao estado de uma múmia corroída, com as mãos e os pés
retorcidos, e já lhe faltando algumas partes, de tal modo que aquelas pobres
extremidades nem parecem mais ser de um corpo humano. As mãos, como garras e
retorcidas, mais parecem patas de algum monstro alado; os pés parecem quase
cascos de boi, de tão decepados e desfigurados.
E a cabeça, então! Eu creio que só alguém que tivesse ficado
insepulto e mumificado pelo sol e pelo vento é que poderia ter ficado com uma
cabeça semelhante a esta. Poucos fios de cabelo ainda lhe restam, espalhados
aqui e ali, agarrados a uma pele amarelenta e cheia de crostas, parecendo
poeira seca sobre uma caveira. Olhos apenas entreabertos e muito encovados,
lábios e nariz roídos pelo mal, mostrando já as cartilagens e as gengivas; as
orelhas são dois embrionários pavilhões em ruínas e sobre tudo isto, está uma
pele ressequida, amarela como certos caulins, sob a qual os ossos penetram. Parece
que recebeu a incumbência de reunir esses pobres ossos dentro do seu saco sujo,
todo cheio de remendos de cicatrizes ou dilacerações de feridas já apodrecidas.
Uma ruína!
Penso até em uma Morte que esteja vagante pela terra e
recoberta por uma pele mirrada sobre o esqueleto, envolvida em um manto sujo
todo em tiras e tendo na mão, não a foice, mas um bastão cheio de nós,
certamente arrancado de alguma árvore.
Ele está à porta de uma caverna afastada da estrada, uma
verdadeira espelunca, tão desmoronada que nem sei dizer se no princípio foi um
sepulcro, ou uma cabana de lenhadores, ou os restos de alguma casa demolida.
Ele olha para a estrada, que está a uns cento e poucos metros do seu antro, uma
estrada mestra poeirenta e ainda cheia de sol. A perder de vista, sol, poeira e
solidão reinam sobre a estrada. Muito mais acima, a noroeste, deve haver um
povoado, ou cidade. Vejo as primeiras casas. Estará à distância de pelo menos
um quilômetro.
O leproso olha e suspira. Depois, pega uma tigela quebrada,
enche-a com água de um córrego e bebe. Entra em um emaranhado de sarças, atrás
do antro, inclina-se, arranca do chão umas raízes selvagens. Volta ao córrego,
limpa-as da poeira mais grossa com a sua água escassa, e as come devagar,
levando-as até à boca com dificuldade por causa de suas mãos arruinadas.
As raízes devem estar duras como uns gravetos. Custa a
mastigá-las e muitas ele até cospe, sem as poder engolir embora procure
ajudar-se bebendo uns goles de água.
Onde estás, Abel? – grita uma voz.
O leproso estremece e tem algo sobre os lábios parecido com
um sorriso. Mas estão de tal modo reduzidos aqueles lábios, que é também
informe esta sombra de sorriso. Responde com uma voz estranha, estridente (me
faz pensar no grito de certos pássaros dos quais ignoro o nome exato):
– Estou aqui! Eu pensei que tu não viesses mais! Pensei que
tivesse te acontecido algum mal; fiquei triste. Se tu também me faltares, que
restará ao pobre Abel?
Ao dizer isso, ele caminha em direção à estrada até o ponto
em que, segundo a Lei, ele podia chegar e, por isso, a uma certa distância, ele
se detém. Pela estrada vem vindo um homem, quase correndo, de tão rápido que
vem.
– Mas és tu mesmo, Samuel? Oh! Se não és tu, a quem eu
espero, sejas lá quem fores, não me faças mal!
– Sou eu, Abel, sou eu mesmo. E são. Olha como eu corro.
Estou atrasado, eu sei. E já estava com pena de ti. Mas, quando souberes. Oh!
Tu ficarás feliz! E aqui te trago, não só os costumeiros pedaços de pão, mas um
pão inteiro, fresco e bom, todo para ti; trago também um bom peixe e um queijo.
Tudo para ti. Quero que faças festa, meu pobre amigo, para preparar-te para uma
festa maior.
– Mas, como é que estás assim tão rico? Eu não entendo…
– Agora vou te contar.
– E estás são. Nem pareces mais Tu!
- Então escuta. Eu soube que em Cafarnaum estava aquele Rabi
que é santo, e para lá fui.
– Para, para, eu estou infeccionado.
– Oh! Não tem importância! Não tenho mais medo de nada.
O homem, que outro não é senão aquele pobre encolhido curado
e ajudado por Jesus no pomar da sogra de Pedro, chegou de fato com o seu passo
rápido a poucos passos do leproso; falou, caminhando e rindo feliz.
Mas o leproso lhe diz ainda: – Para, em nome de Deus. Se
alguém te vê.
– Eu vou parar. Olha, vou colocar aqui as provisões. Come,
enquanto eu falo.
Ele põe sobre uma pedra grande um pequeno embrulho e o abre.
Depois, dá um passo atrás, enquanto o leproso avança e se atira sobre o
alimento inusitado.
– Oh! Quanto tempo faz que eu não comia assim! Como é bom! E
eu pensando que iria dormir com o estômago vazio. Não veio hoje um piedoso, nem
mesmo tu. Eu mastiguei algumas raízes.
– Pobre Abel! Eu estava pensando. Mas dizia: “Bom. Agora, ele
deve estar triste, mas depois ficará feliz!”
– Feliz, sim, por esta comida tão boa. Mas depois…
– Não! Serás feliz para sempre.
O leproso sacode a cabeça.
– Escuta, Abel. Se puderes ter fé, serás feliz.
– Mas fé em quem?
– No Rabi. No Rabi que me curou.
– Mas eu sou leproso e estou no fim! Como poderá me curar?
– Oh! Ele pode. É santo.
– Sim. Também Eliseu curou Naamã, o leproso eu sei. Mas eu. Eu
não posso ir ao Jordão.
– Tu serás curado, sem precisar de água. Escuta: este Rabi é
o Messias, entendes? O Messias! É o Filho de Deus. E cura todos aqueles que têm
fé.
Ele diz: “Eu quero”, e os demônios fogem, e os membros se
endireitam, e os olhos cegos veem.
– Oh! Se eu tivesse fé! Mas como posso ver o Messias?
– Eis-me aqui, eu vim para isso. Ele está lá, naquele
povoado. Sei onde estará nesta tarde. Se quiseres. Eu disse: “Eu falo a Abel, e
se Abel sente que tem fé o conduzo ao Mestre.”
– Estás louco, Samuel? Se eu me aproximar das casas, serei
apedrejado.
– Não nas casas. A tarde está para cair. Eu te levarei até
aquele pequeno bosque e depois irei chamar o Mestre. Eu te levarei.
– Vai, vai logo! Eu vou por mim mesmo até aquele ponto.
Caminharei no fosso, entre a sebe, mas tu vai, vai… Oh! vai, meu bom amigo! Se
soubesses o que é ter este mal e o que é esperar sarar! O leproso não pensa em
mais nada, nem em comer. Ele chora e gesticula, implorando ao amigo.
– Eu vou, e tu vais.
O ex-encolhido vai embora correndo.
Abel desce com dificuldade no fosso que costeia a estrada,
todo cheio de sarças que cresceram no fundo seco. Ali há apenas um fio de água
ao centro. A tarde desce enquanto o infeliz escorrega por entre as sarças,
sempre alerta se ouve qualquer passo. Duas vezes agacha-se no fundo: a
primeira, por causa de um cavaleiro que percorre a trote a estrada; a segunda,
por causa de três homens que vão levando cargas de feno para o povoado. Depois
ele prossegue. Mas Jesus e Samuel chegam antes dele ao pequeno bosque.
– Daqui a pouco ele estará aqui. Ele anda devagar por causa
das feridas. Tem paciência!
– Não tenho pressa.
– Tu o curarás?
– Ele tem fé?
– Oh! Ele estava morrendo de fome e estava vendo aquele
alimento depois de anos de abstinência; no entanto, depois de ter comido poucos
bocados, deixou tudo para correr aqui.
– Como tu o conheceste?
– Sabes… eu vivia de esmolas, depois da minha desventura,
percorrendo os caminhos, indo de um lugar para outro. Por aqui eu passava cada
sete dias quando conheci aquele pobrezinho… num dia em que, constrangido pela
fome, ele impeliu-se, sob um temporal, que teria posto em fuga até os lobos,
indo até o caminho que leva ao povoado, a procura de alguma coisa. Buscava
entre as imundícies, como um cão. Eu tinha pão seco no alforje, donativo de
pessoas boas; dividi ao meio com ele. Desde então, somos amigos e cada semana
eu o reabasteço. Com aquilo que tenho… se tenho muito, dou muito; se pouco,
pouco. Faço o que posso, como se fosse meu irmão. E é desde aquela tarde em que
me curaste, bendito sejas Tu, que eu venho pensando nele… e em Ti.
– Tu és bom, Samuel; por isso a
graça te visitou. Quem ama merece tudo de Deus. Mas eis ali qualquer coisa entre as ramagens.
– És tu, Abel?
– Sou eu.
– Vem. O Mestre está te esperando aqui, debaixo da nogueira.
O leproso emerge do fosso, sobe para a borda, atravessa-a e
entra pelo prado. Jesus, com as costas apoiadas em uma nogueira muito alta, o
espera.
– Mestre, Messias, Santo, tem piedade de mim!
E se lança todo entre a relva, aos pés de Jesus. Com o rosto
no chão, diz ainda:
– Ó meu Senhor! Se queres, podes limpar-me!
Depois, toma coragem para pôr-se de joelhos, estende os
braços esqueléticos, com aquelas mãos retorcidas e ergue o rosto ossudo e devastado.
As lágrimas descem das órbitas doentes para os lábios corroídos.
Jesus o olha com muita piedade. Olha para aquela sombra de
homem que o mal horrendo devora, que só uma verdadeira caridade pode suportar
perto de si de tão repugnante e mal cheiroso que ele está. Contudo, eis que
Jesus lhe estende uma mão, a sua sã e bonita mão direita, como que para
acariciar o pobrezinho.
Este, sem se levantar, afasta-se sobre seus calcanhares, e
grita:
– Não me toques! Tem piedade de Ti!
Mas Jesus dá um passo à frente. Solene, bom, suave, Ele pousa
os seus dedos sobre aquela cabeça carcomida pela lepra e diz, com voz baixa e
cheia de amor, mas imperiosa:
– Eu quero! Fica limpo!
A mão ainda permanece, por alguns minutos, sobre a pobre
cabeça.
– Levanta-te. Vai ao sacerdote.
Cumpre tudo o que a Lei prescreve. E não fales do que Eu te fiz: somente sê bom.
Não peques mais. Eu te abençoo.
– Oh! Senhor! Abel! Mas tu estás curado!
Samuel, que vê a metamorfose do amigo, grita de alegria.
– Sim. Está são. Ele o mereceu
por sua fé. Adeus. A paz esteja contigo.
– Mestre! Mestre! Mestre! Eu não te deixo! Não posso te
deixar.
– Faze tudo o que a Lei quer.
Depois nos veremos ainda. Pela segunda vez esteja sobre ti a minha bênção.
Jesus se põe a caminho, fazendo sinal a Samuel para que
fique. E os dois amigos choram de alegria, enquanto, à luz de um quarto de lua,
voltam à caverna para uma última parada naquele antro de desventura.
Assim cessa a visão.
Pg. 387 - 391
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73 – EM BELÉM NA CASA DE UM
CAMPONÊS E NA GRUTA DO NASCIMENTO
- Entrai, diz o Mestre levantando a pequena luz. Entrai.
Este é o quarto onde nasceu o Rei de Israel.
- Estás brincando, Mestre! Isto aqui é uma fétida caverna.
Ah! Eu aqui não fico mesmo! Tenho nojo de tudo isso. Este lugar é úmido, frio,
fétido, cheio de escorpiões, e talvez até de serpentes.
- Contudo, amigos, aqui, na noite
do dia 25, das Encênias, da Virgem nasceu Jesus Cristo, o Emanuel, o Verbo de
Deus feito Carne por amor do homem: Eu, que vos falo. Também naquele tempo,
como hoje, o mundo se fez surdo às vozes do Céu, que falavam aos corações... e
rejeitou a mãe... e aqui... Não, Judas, não desvies com desgosto o teu olhar
daquelas corujas esvoaçantes, daquelas lagartixas, daquelas teias de aranha, e
não soergas com repugnância a tua bonita veste bordada para que não se arraste
no chão, que está coberto de excrementos dos animais. Aquelas corujas são as
filhas das filhas daquelas que foram os primeiros brinquedos sacudidos diante dos
olhos do Menino, para o qual os anjos cantavam o “Glória” ouvido pelos
pastores, não embriagados, senão por uma alegria extática, uma verdadeira
alegria. Aquelas lagartixas, com sua cor de esmeralda, foram as primeiras cores
que passaram pelas pupilas de meus olhos, as primeiras, depois do candor do
rosto e das vestes de minha mãe. Aquelas teias de aranha foram dossel de meu
berço real. Este chão... oh! tu o podes pisar sem desprezo... Ele está coberto
de excrementos, mas está santificado pelos pés dela, a santa, a grande santa, a
pura, a inviolada, a puérpera deípara, aquela que deu à luz porque devia dar à
luz, deu à luz, porque Deus, não o homem, lhe mandou, e a fez ficar grávida de
si. Ela, a sem mácula, pisou neste chão. Tu o podes pisar. E, pela planta dos
teus pés, queira Deus que te suba ao coração a pureza por ela aqui derramada...
Simão está ajoelhado.
João vai diretamente à manjedoura, e chora com a cabeça nela apoiada. Judas
está estarrecido... Depois é vencido pela emoção e, sem mais pensar em sua
bonita veste, prostra-se no chão, segura a ponta da veste de Jesus, a beija e
bate no peito, dizendo:
- Oh! Misericórdia,
bom Mestre, da cegueira do teu servo! Minha soberba cai por terra... eu Te vejo
como és. Não o rei que eu pensava. Mas o Príncipe eterno, o Pai do século
futuro, o Rei da paz. Piedade, meu Senhor e meu Deus! Piedade!
- Sim. Toda a minha piedade!
Agora vamos dormir onde dormiu o Infante e a virgem, onde João tomou agora o
lugar da mãe em adoração, onde Simão está parecendo o meu pai adotivo. Ou, se
assim preferis, Eu vos falarei daquela noite...
- Oh! Sim, Mestre. Faze-nos conhecer o teu florescer!
- Para que seja uma pérola de luz
em nossos corações. E para que o possamos narrar ao mundo.
- E venerar tua mãe, não somente por ser mãe, mas por ser...
Oh! Por ser a virgem! Primeiro falou Judas, depois Simão e, por fim João, com um
rosto que está chorando e rindo, lá junto à manjedoura!
- Vinde
sobre o feno. Ouvi... e
Jesus narra como foi a noite do seu nascimento. “... estando a
mãe já perto do tempo de dar à luz, foi, por ordem de César Augusto, feito um
edito pelo delegado imperial Públio Sulpício Quirino, quando era governador da
Palestina Sêncio Saturnino. O édito era: que se fizesse o recenseamento de todos
os habitantes do Império. Aqueles que não fossem escravos deviam ir para os
seus lugares de origem, para se inscreverem nos registros do Império. José,
esposo da mãe, era da estirpe de Davi, e de Davi era a mãe. Obedecendo, por
isso, ao edito, deixaram Nazaré para virem até Belém, berço da estirpe real. O
tempo estava frio...”.
Jesus continua a
narração e tudo cessa neste ponto.
Pg. 442-444
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261.1
. 2 - VOLUME 2
91 –
PRIMEIRA LIÇÃO AOS DISCÍPIULOS NO OLIVAL PERTO DE NAZARÉ
Vejo Jesus com Pedro, André, João,
Tiago, Filipe, Tomé, Bartolomeu, Judas Tadeu, Simão e Judas Iscariotes, e o
pastor José sair da sua casa e ir fora de Nazaré. Mas nas imediações, sob umas
bastas oliveiras. Diz:
Vinde
ao meu redor. Nesses meses de presenças e ausências, Eu vos avaliei e vos
pesei. Pude conhecer-vos e também conhecer o mundo com a experiência de um
homem. Agora Eu decidi mandar-vos pelo mundo. Mas antes quero ensinar-vos, para
tornar-vos capazes de enfrentar o mundo com a doçura e a perspicácia, a calma e
a constância, com a consciência e o conhecimento da vossa missão. Este tempo de
um calor canicular, que impede qualquer longa peregrinação pela Palestina, será
usado por Mim para a vossa instrução e formação como discípulos. Como um
músico, Eu percebi o que em vós existe de dissonante, e venho pôr-vos em
consonância, para conseguirmos aquela harmonia celeste, que havereis de
transmitir ao mundo em meu nome. Detenho este filho (e mostra José), porque
delego à ele o encargo de levar as minhas palavras aos meus companheiros, a fim
de que também ali se forme um núcleo eficiente para ir anunciando-me, não só
com o anúncio da minha existência, mas com os pontos mais essenciais da minha
doutrina.
Em
primeiro lugar, Eu vos digo que é absolutamente necessário que haja entre vós a
mor e união. O que é que vós sois? Homens de todas as classes sociais, de todas
as idades, e de todos os lugares. Preferi escolher aqueles que estão virgens de
doutrinas e conhecimentos para que mais facilmente possa chegar até o íntimo
deles com a minha doutrina, e também por que – sendo vós destinados a
evangelizar os que estiverem na absoluta ignorância do verdadeiro Deus – quero
que, lembrando da primitiva ignorância de Deus por parte deles, não os trateis
com desprezo, mas com piedade os ensinareis, lembrando com quanta piedade Eu
vos ensinei.
Eu ouço
em vós uma objeção: “Nós não somos pagãos, ainda que não tenhamos uma cultura
intelectual.” Não. Vós não sois. Mas, não somente vós, e, sim, também aqueles
que entre vós representa os doutos e os ricos, estais envolvidos em uma
religião que, desnaturada por inúmeras razões, de religião só tem o nome. Em
verdade Eu vos digo que muitos são os que se gloriam de ser filhos da Lei. Mas
oitenta por cento deles não são mais do que idólatras, que fizeram uma confusão
da verdadeira, santa, eterna Lei do Deus de Abraão, Isaque e Jacó com os
nevoeiros de mil pequenas religiões humanas. Por isso, cuidando um do outro, tanto
vós, pescadores humildes e sem cultura, como vós que sois mercadores ou filhos
de mercadores, oficiais ou filhos de oficiais, ricos ou filhos de ricos, dizei:
“Somos todos iguais. Todos temos as mesmas fraquezas e todos precisamos dos
mesmos ensinamentos. Irmãos nos defeitos pessoais ou nacionais, devemos, de
agora em diante tornar-nos irmãos no conhecimento da Verdade e no esforço para
praticá-la.”
Eis,
Irmãos. Quero que assim vos chameis e que assim vos considereis. Vós sois como
uma só família. Quando é que uma família prospera e o mundo a admira? Quando é
unida e concorde. Se um filho se torna inimigo do outro, se um irmão prejudica
ao outro, poderá durar a prosperidade daquela família? Não. Em vão o pai de
família se esforça para trabalhar, para remover as dificuldades, para impor-se
ao mundo. Os seus esforços não terão êxito, porque os bens se desfazem, as
dificuldades aumentam, o mundo escarnece desse estado de briga sem fim que
despedaça corações e haveres, que unidos eram uma potência contra o mundo,
reduzindo-os a um montinho de pequenos, suscetíveis interesses contrários, de
que os inimigos da família se aproveitam para acelerar sua ruína. Que assim não
aconteça estre vós. Sede unidos. Amai-vos. Amai-vos para ajudar-vos. Amai-vos
para ensinar a amar.
Observai
também o que nos rodeia, nos ensina esta grande força. Olhai esta tribo de
formigas, que vão correndo todas para um mesmo lugar. Seguimo-la e
descobriremos a razão pela qual é inútil esta sua corrida para um determinado
ponto. Ei-la aqui. Esta pequena irmã delas descobriu com seus minúsculos
órgãos, que para nós são invisíveis, um grande tesouro debaixo desta folha
grande de agrião selvagem. É um pedaço de miolo de pão, que talvez tenha caída
de algum camponês, que aqui veio cuidar de suas oliveiras, ou de algum
viajante, que nesta sombra se pôs a comer o seu alimento, ou algum menino
brincando sobre a relva florida. Mas, como poderia sozinha arrastar para o
buraco este tesouro mil vezes maior do que ela? E eis que chamou uma de suas
irmãs, e lhe disse: “Presta atenção. Vai correndo dizer às nossas irmãs que
aqui há alimento para a tribo toda, e por muitos dias. Corre, antes que algum
pássaro descubra este tesouro, e chame os seus companheiros e o devorem.” E a
formiguinha saiu correndo, ofegante por causa da aspereza do terreno, indo para
cima e para baixo, por cascalhos e gravetos, até chegar ao formigueiro, para
dizer: “Vinde. Uma de nós vos está chamando. Ela encontrou comida para todas.
Mas sozinha não pode trazer até aqui. Vinde.” E, então, todas, mesmo aquelas
que já cansadas pelo trabalho do dia inteiro, descansavam pelas galerias do
buraco, todas saíram correndo, até as que estavam amontoando as provisões nas
celas de armazenagem.
Uma,
dez, cem, mil... Olhai... Pegam com suas garras, levantam, usando seus corpos
como de umas carretas, arrastam, firmando suas patinhas no chão. Esta cai... A
outra, ali, quase se machuca, porque a ponta do pão a espreme, de ricochete
entre a sua extremidade e uma pedra. Esta também, tão pequenina, uma jovenzinha
da tribo, para extenuada... mas, assim mesmo, olha, retomando o fôlego,
recomeça. Oh! Como são unidas! Olhai, agora o pedaço de pão está todo cingido
por elas, e vai, vai sendo levado, lentamente, mas vai. Seguimo-lo. Mais um
pouco, pequenas irmãs, mais um pouco e depois a vossa fadiga será recompensada.
Elas não aguentam mais. Mas não desistem. Descansam, e depois retornam. Eis que
chegaram ao formigueiro. E agora? Agora ao trabalho para cortar em migalhas o
grande miolo. Olhai que trabalho! Umas cortam, outras transportam. E chegaram
ao fim. Agora tudo está à salvo, e elas, felizes, desaparecem dentro daquela
fenda, pelas galerias abaixo. São formigas. Nada mais do que formigas. Contudo
são fortes porque são unidas. Meditai sobre isto. Tendes alguma pergunta a
fazer-me?
Pg. 79 – 81
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92 –
SEGUNDA LIÇÃO AOS DISCÍPULOS JUNTO À CASA DE NAZARÉ
Jesus instrui ainda os seus discípulos,
que levou para a sombra de uma enorme nogueira que do seu lugar se inclina,
sobranceira à horta de Maria, estendendo seus ramos sobre a própria horta. O
dia está borrascoso, e vem vindo um temporal. Talvez por isso Jesus não se
afastou muito da casa. Maria vai e vem, entre a casa e a horta, e, a cada vez
que o faz, levanta a cabeça e sorri para o seu Jesus, que está sentado sobre a
relva, junto ao tronco, e circundado pelos seus discípulos. Jesus diz:
“Ontem
Eu vos disse que tudo o que uma palavra imprudente havia provocado iria servir
como lição hoje. Eis a lição. Pensai bem, e que isto vos sirva de regra para
agir, pois nada do que está escondido ficará sempre assim. Ou será Deus que
tomará o cuidado de tornar conhecidas as obras de um filho seu através de seus
sinais milagrosos, ou através das palavras dos justos, que reconhecem os
méritos de um irmão. Ou, então, será Satanás que, pela boca de algum imprudente
– para não dizer mais nada – faz revelações sobre assuntos que os bons
preferiram silenciar, a fim de não incitar a falta de caridade, ou altera as
verdades de modo a criar confusão nos pensamentos. Por isso, chega sempre um
momento em que o que está oculto se torna conhecido.
Agora
tende isto sempre presente em vosso pensamento. Para que vos sirva de freio
contra o mal, sem aliás, a tentação de divulgar qual é o bem que estais
fazendo. Quantas vezes alguém age por bondade, verdadeira bondade, mas humana
bondade. E, sendo humana. Isto é, são sendo de perfeita intenção o seu agir,
deseja que seja conhecida pelos homens e espuma e se encoleriza ao ver que
continua ignorado, e estuda um meio de fazê-lo conhecido. Não amigos. Não é
assim. Fazei o bem, e entregai-o ao Senhor eterno. Oh! Ele saberá se for para o
vosso bem que assim seja, tornar o que fizestes conhecido também pelos homens.
Se ao invés, isso pudesse anular o vosso agir de justos, sob um transbordamento
de orgulhosa complacência, aí, então, o Pai o conserva secreto, reservando a si
de render a glória no Céu, o Pai de toda a Corte Celeste.
E quem
vê um ato ser praticado, nunca o julgue pelas aparências. Não acuseis nunca,
porque as ações dos homens podem ter as vezes aspectos feios e ocultar outros
motivos. Um pai, por exemplo, pode dizer ao filho preguiçoso e beberrão:
“Vai-te embora”, e isso poderá parecer uma dureza e uma negação dos deveres
paternos. Mas nem sempre é. Aquela sua palavra “Vai-te embora”, pode estar
temperada com um pranto bem amargo, mais do pai do que do filho, e é
acompanhado pelas palavras e pelo desejo de que elas se verifiquem: “Poderás
voltar, quando te arrependeres de tua preguiça.” É também justiça para os
outros filhos, porque impede que um beberrão gaste nos vícios o que é dos
outros, além do que é dele. Ao invés, será má, se aquela palavra for dita por
um pai que está em culpa diante de Deus e de seus filhos, porque no seu egoísmo
ele julga-se mais do que Deus e acha que tem o direito até sobre o espírito do
filho. Não, o espírito é de Deus, e nem Deus violenta a liberdade que o
espírito tem de doar-se, ou não. Para o mundo, os atos parecem iguais. Mas,
como é diferente um do outro! O primeiro é justiça, o segundo é arbitrário e
culpável. Por isso não julgueis nunca ninguém.
Ontem
Pedro disse a Judas: “Quem é que foi teu mestre?” Não o diga mais. Ninguém
acuse os outros do que vê em alguém ou nele. Os mestres tem uma mesma palavra
para todos os alunos, e dez se tornam maus? É porque cada um ajunta de sua
parte aquilo que tem no coração, e isso pesa para o lado do bem, ou para o lado
do mal. Como pode então, o mestre ser acusado de ter ensinado mal, se o bem que
ele ensina fica anulado pelo demasiado mal que reina em um coração? O primeiro
fator de êxito está em vós. O mestre trabalha o vosso eu. Mas, se vós sois não
suscetíveis ao desejo de melhorar, que é que o mestre pode fazer? Que sou Eu?
Em verdade vos digo que nunca haverá um mestre mais sábio, paciente e perfeito
do que Eu. No entanto, eis que, também a algum dos meus não faltará quem diga:
“Mas, que mestre ele teve?”
Não vos
excedais nunca em julgar, por motivos pessoais. Ontem Judas por um amor à sua
religião, mais do que era justo, julgou ver em Mim injustiça para com ela.
Frequentemente o homem se submete a esses elementos imponderáveis, que são o
amor à pátria, ou o amor a uma ideia, e se desvia como um alcione desorientado
de sua meta. A meta é Deus. É preciso ver tudo em Deus para se ver bem. Não
colocar-se a si mesmo ou outra coisa acima de Deus. E, se de fato alguém erra,
ó Pedro! Ó todos vós! Não sejais intransigentes. O erro que tanto vos irrita,
quando cometido por um de vós, não o tereis cometido vós mesmos também? Estais
seguros de que não? E, suposto que não o tenhais nunca cometido, que é que
resta fazer? Agradecer Deus e basta. E vigiar. Vigiar muito. Continuamente.
Para não cairdes amanhã naquilo que até hoje conseguistes evitar. Estais vendo?
Hoje o céu está escuro por causa da chuva de pedras que está para cair. E nós,
perscrutando o céu dissemos: “Não nos afastemos de casa.” Pois bem, se assim
sabemos julgar as coisas que, por mais perigosas que sejam são como um nada em
comparação com os perigos de perder a amizade de Deus pelo pecado, porque não
sabemos julgar onde pode estar o perigo para a alma.
Olhai,
eis ali a minha mãe. Podeis pensar que haja nela alguma tendência para o mal?
Pois bem, posto que o amor a impele a seguir-me, ela deixará sua casa, quando o
meu amor o quiser. Mas esta manhã ela, depois de me pedir outra vez – porque
ela, a minha Mestra me dizia: “Entre os teus discípulos esteja também tua mãe,
Filho. Eu quero aprender a tua doutrina”, ela que possui esta doutrina em seu
seio e, antes ainda, em seu espírito, por um dom dado por Deus à futura mãe do
seu Verbo encarnado – disse: “Contudo... Julga Tu se eu posso vir sem perder
minha união com Deus, sem que o que é do mundo, e que Tu dizes que tem fedores
penetrantes, possa vir corromper este meu coração, que foi, e é, e quer ser só
de Deus. Eu me examino, e, tanto quando sei, parece-me que o possa fazer,
porque, (e aqui, sem saber, deu-se o
mais alto louvor) porque não vejo diferença entre aquela minha cândida paz,
de quando eu era uma flor do Templo, e esta que tenho em mim, agora que à faz
mais de seis lustros que sou dona de casa. Mas eu sou uma serva indigna, que
mal conhece e pior ainda julga as coisas do espírito. Tu és o Verbo, a Sabedoria,
a Luz. E podes ser luz para a tua pobre mãe, que aceita ter que não te ver
mais, antes que deixar de ser grata ao Senhor.”
E Eu
tive que dizer-lhe, com um coração que tremia de admiração: “Mãe, Eu te digo:
Tu não serás corrompida pelo mundo. Mas o mundo será perfumado por ti.”
Minha
mãe, vós o estais ouvindo, soube ver os perigos de viver no meio do mundo, pois
havia perigos até para ela, até para ela. E vós homens, não o veríeis? Oh! Que
verdadeiramente Satanás está de atalaia. E somente os que vigiam haverão de
vencer. Os outros? Perguntais pelos outros? Aos outros aquilo que está escrito
será.”
- Que é que está escrito, Mestre?
“E Caim
saltou sobre Abel e o matou. E o Senhor disse a Caim: “Onde está o teu irmão?
Que fizeste dele? A voz do seu sangue está gritando a mim. Por isso serás
maldito sobre a terra que conheceu o sabor do sangue humano, pela mão de um
irmão que abriu as veias de seu irmão. E a terra, envenenada por esse sangue,
será para ti mais estéril do que uma mulher que a idade dessecou. E tu terás
que fugir procurando paz e pão. E não o encontrarás. O teu remorso te fará ver
sangue em cada flor e erva, nas águas e nos alimentos. O céu te parecerá de
sangue, e de sangue o mar, e do céu, da terra e do mar virão a ti três vozes: a
de Deus, a do Inocente e a do Demônio. E, para não ouvi-las, darás a morte a ti
mesmo.”
- Não é assim que diz o Gênesis,
observa Pedro.
“Não.
Não no Gênesis. Eu o digo. E não erro. Eu o digo aos novos Cains dos novos Abeis.
Àqueles que, por não vigiarem sobre si mesmos sobre o Inimigo, se tornarão uma
só coisa com ele.
- Mas entre nós não haverá desses, não é
verdade, Mestre?
“João,
quando o Véu do Templo for rasgado, uma grande verdade brilhará, escrita sobre
toda Sião.”
- Qual meu Senhor?
“Que os
filhos das trevas em vão estiveram em contato com a Luz. Lembra-te disto, João.
- Serei eu, Mestre um filho das trevas?
“Não.
Tu não. Mas lembra-te disto para explicar o Delito ao mundo.”
- Que delito Senhor, o de Caim?
“Não.
Aquele foi o primeiro acorde do hino de Satanás. Eu falo do Delito perfeito. Do
inconcebível Delito. Aquele que, para se compreender, precisa ser olhado
através do sol do divino Amor, e através da mente de Satanás. Porque só o Amor
perfeito e o perfeito ódio, só o infinito Bem e o infinito Mal é que podem
explicar tal Oferta e tal Pecado. Ouvistes? Parece que Satanás o está ouvindo.
Vamos, antes que a nuvem se rompa em raios e chuva de pedras.”
E descem correndo colina abaixo,
pulando dentro da horta de Maria, enquanto a tempestade arrebenta veemente.
Pg. 83 – 87
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93 –
TERCEIRA LIÇÃO AOS DISCÍPULOS NA HORTA DE NAZARÉ E UM CONFORTO AO JUDAS DE
ALFEU
Jesus diz: “Vamos
permanecer aqui unidos. Assim estará aqui também um novo discípulo. Vem, mãe.
Assentam-se uns sobre umas pedras,
outros sobre cadeiras, fazendo um círculo ao redor de Jesus, que está sentado
sobre um banco de pedra junto à casa, tendo a seu lado sua mãe e aos pés João,
que escolheu ficar no chão, contanto que possa estar perto. Jesus fala devagar
e com majestade como sempre.
“A que
compararei a formação apostólica? À natureza que nos circunda. Vós a estais
vendo. No inverno a terra parece morta. Mas dentro dela as sementes trabalham e
as linfas se nutrem de umidade, depositando-a nas frondes subterrâneas – assim
poderia chamar as raízes – para depois receber delas grande abundância para as
frondes superiores, quando chegar o tempo de florir. Vós também sois comparáveis
a esta terra invernal: nua, despojada, feia. Mas sobre vós passou o Semeador, e
jogou uma semente. Junto a vós passou o Cultivador, e fez o serviço de
ablaquear o solo ao redor de vosso tronco plantado na terra dura, e duro e
áspero como ela, a fim de que pudessem chegar às raízes os nutrimentos da
umidade das nuvens e do ar, e a fortificasse para produzir o futuro fruto. E
vós acolhestes tanto a semente, como a ablaqueação, porque em vós há boa
vontade de frutificar no sérvio de Deus.
Compararei
ainda a formação apostólica àquele temporal que golpeou e envergou as árvores,
e que parecia uma violência inútil. Mas olhai quanto bem ele fez. Hoje o ar
está mais puro, novo sem poeira e sem mormaço. O sol é o mesmo sol de ontem,
mas não tem mais aquele ardor que parecia febre, porque chega a nós através de
camadas purificadas e frescas. As ervas e as plantas se sentem aliviadas como
os homens, porque a limpeza e a serenidade são coisas que alegram. Até os
contrastes servem-nos para chegarmos a um mais exato conhecimento e a um
esclarecimento. De outro modo, seriam somente ruindade. E que são os
contrastes, senão os temporais que provocam as nuvens de diferentes espécies? E
essas nuvens não se acumulam pouco a pouco nos corações, com os seus maus
humores inúteis, com os pequenos ciúmes, com as fumosas soberbas? Depois vem o
vento da Graça e as une, para que descarreguem todos os seus maus humores, e
volte a serenidade.
A
formação apostólica é ainda semelhante ao trabalho que Pedro fazia esta manhã
par dar alegria à minha mãe: endireitar, amarrar, sustentar ou desatar,
conforme as tendências e as necessidades, para fazer de vós uns fortes a
serviço de Deus. Endireitar as ideias erradas, amarrar as prepotências carnais,
sustentar as fraquezas, cortar se for necessário as tendências, desatar as
escravidões e a timidez. Vós havereis de ser livres e fortes, como águias que,
deixando o pico onde nasceram, vão elevando cada vez mais o seu voo. O serviço
de Deus é o voo. O pico são as afeições.
Um de
vós hoje está triste, porque seu pai está à morte. E está a morte com o coração
fechado à Verdade e ao filho que a segue. Mais que fechado, hostil. Ainda não
lhe disse a palavra injusta: “Vai-te embora”, da qual vos falava ontem, se auto
proclamando mais do que Deus. Mas o seu coração fechado e os lábios selados não
são ainda capazes de dizer tampouco: “Segue a voz que te chama.” Não
pretenderiam, nem o filho, nem Eu que vos falo, ouvir dizer daqueles lábios:
“Vem, e contigo venha o Mestre, E bendito seja Deus por ter escolhido um dos
seus servos em minha casa, criando assim um parentesco mais excelso do que o do
sangue com o Verbo do Senhor.” Mas ao menos Eu, para o seu bem, e o filho, por
motivos ainda mais complexos, queríamos ouvir de sua boca palavras amistosas.
Mas,
que não chore este filho. Saiba que em Mim não há rancor nem desdém para com
seu pai. Mas somente compaixão. Eu vim e parei, mesmo sabendo da inutilidade da
parada, para que um dia este filho não me dissesse: “Oh! Por que não vieste?”
Vim para dar-lhe a persuasão de que tudo é inútil, quando um coração se fecha
no ódio. Vim também para confortar uma boa mulher que, por causa desta
desavença na família, sofre como se uma faca lhe estivesse cortando feixes e
fibras. Mas, tanto este filho, como esta boa mulher, estejam cientes de que Eu
não respondo a ódio com ódio. Eu respeito a honestidade do velho que crê e é
fiel, ainda que tenha uma fé desviada para aquilo que tem sido a sua religião
até agora.
Há
tantos desses em Israel. Por isso vos digo: Eu serei mais aceito pelos pagãos
do que pelos filhos de Abraão. A humanidade corrompeu a ideia do Salvador e
rebaixou sua realeza sobrenatural à uma pobre ideia de soberania humana. Eu
devo quebrar a dura casca do hebraísmo, penetrar, ferir para chegar ao fundo, e
levar até o ponto onde está a alma desse hebraísmo, a fecundação da nova Lei.
Oh! Como é verdade que Israel, tendo crescido ao redor do núcleo vital da Lei
do Sinai, tornou-se semelhante a um fruto monstruoso, com uma polpa formada por
camadas cada vez mais fibrosas e duras, protegidas em seu exterior por uma
casca resistente a qualquer penetração, até à expulsão do germe, quando o
Eterno julgar ter chegado o momento para criar a nova árvore da fé no Deus uno
e trino. Eu, a fim de permitir que a vontade de Deus se cumpra, e o hebraísmo
se transforme em cristianismo, preciso cortar, perfurar, penetrar, abrir
caminho até o núcleo e aquecê-lo com o meu amor para que esperte, se inche,
germine, cresça, cresça, cresça, torne-se a árvores poderosa do cristianismo, a
religião perfeita, eterna, divina. E em verdade vos digo que o hebraísmo
somente será perfurável por uma entre cem partes.
Por
isso não julgo condenado este israelita que não me quer e que não gostaria de
dar-me o seu filho. Por isso Eu digo ao filho: não chores pela carne e o sangue
que sofrem por se sentirem rejeitados pela carne e pelo sangue que os geraram.
Por isso digo: não chores nem mesmo pelo espírito. O teu sofrimento trabalha
mais do que outra coisa, a favor do teu espírito e do dele, deste teu pai que
não compreende e não vê. E digo também: não fiques inventando remorsos por
seres mais de Deus que do pai.
À todos
vós Eu digo: mais que do pai, que da mãe, que os irmãos, é Deus. Eu vim para
unir, não segundo a terra, a carne e o sangue, mas segundo o espírito e o Céu.
Por isso devo desunir as carnes e os sangues, para tomar comigo os espíritos
aptos para o Céu desde esta terra e torna-los servos do Céu. Por isso vim para
chamar os fortes, para fazê-los ainda mais fortes, porque de fortes é feito o
meu exército de mansos. Mansos para com os irmãos, fortes contra o próprio eu e
o eu do sangue familiar.
Não
chores, primo. A tua dor Eu te garanto, opera junto a Deus a favor do teu pai e
dos teus irmãos mais do que toda palavra, não só tua, mas também minha. A
palavra não entra onde o preconceito lhe opõe barreira, acredita nisso. Mas a
Graça entra. E o sacrifício é um imã que atrai a Graça.
Em
verdade vos digo que, quando Eu chamo para Deus, não existe outra obediência
mais alta do que esta. E é preciso pô-la em prática, sem nada de ficar parado,
fazendo cálculos de quanto e como irão reagir os outros ao vosso andar em
direção a Deus. Tampouco deve parar para sepultar o pai. E tereis um prêmio por
esse ato de heroísmo, um prêmio não somente para vós, mas também para aqueles
dos quais vos arranquei com um bramido do vosso coração, e cuja palavra muitas
vezes vos fere mais do que uma bofetada, porque vos acusa de serem filhos
ingratos e vos amaldiçoa, em seu egoísmo, como se fôsseis rebeldes. Não! Não
rebeldes. Santos. Os primeiros inimigos dos que foram chamados são os
familiares. Mas, entre um e outro amor, é preciso saber distinguir e amar
sobrenaturalmente. Ou seja, amar mais a Senhor do sobrenatural do que os servos
desse Senhor. Amar os parentes em Deus. E não mais do que a Deus.”
Jesus se cala e se levanta, indo para
perto do seu primo que, de cabeça baixa, a muito custo está contendo o pranto.
Jesus o acaricia.
“Judas...
Eu deixei a minha mãe para seguir a minha missão. Que isto tire de ti toda
dúvida sobre a honestidade do teu modo de agir. Se não tivesse sido um ato bom,
Eu o teria feito para com minha mãe, que não tem, além de tudo, outros depois
de mim?”
Judas passa a mão De Jesus sobre seu
próprio rosto, e anui com a cabeça. Mas não pode dizer mais nada.
“Vamos
nós dois sozinhos, como quando éramos meninos, e Alfeu achava que Eu era o mais
ajuizado dos meninos de Nazaré. Vamos levar ao velho estes belos cachos de uva
dourada. Que não fique pensando que me esqueci dele e que sou seu inimigo.
Também tua mãe e Tiago se alegrarão com isto. Eu lhes direi que amanhã estarei
em Cafarnaum e que seu filho é todo para ele. Sabes, os velhos são como os
meninos: ciumentos. E sempre desconfiados de estarem sendo esquecidos. É
preciso compadecer-se deles.
Jesus desapareceu, deixando na horta os
discípulos emudecidos diante da revelação de uma dor e de uma incompatibilidade
ente um pai e um filho por causa de Jesus. Maria acompanhou Jesus até a porta,
e agora torna a entrar suspirando de dó.
E tudo termina.
Pg. 89 – 92
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96 – JESUS RESPONDE A ACUSAÇÃO DE
TER CURADO EM DIA DE SÁBADO, A BELDADE DE COZAIM
Jesus está em Betsaida. Ele fala estando em pé no barco, que
o levou ali, e que está quase encalhando na areia da margem, amarrado a uma
estaca de um pequeno cais rudimentar. Muita gente sentada em semicírculo sobre
a areia, o escuta. Jesus começou há pouco, o seu discurso.
“... e aqui vejo que vós de
Cafarnaum também me amais, pois que me seguistes, deixando de lado os vossos
negócios e comodidades, contanto que pudésseis ouvir a palavra que vos ensina.
Sei também que, mais que deixar de lado os vossos negócios, tendo por esta
razão um prejuízo aos vossos bolsos, isso vos torna também objeto de zombarias,
podendo até vos acarretar prejuízos sociais. Sei que Simão, Eli, Urias e
Joaquim estão contra mim. Hoje estão contra, amanhã serão inimigos. E vos digo
– porque não engano a ninguém, nem quero enganar a vós, meus amigos fiéis –
que, para prejudicar-me, para fazer-me sofrer, para tentarem vencer-me
isolando-me, eles, os poderosos de Cafarnaum, usarão de todos os meios, tanto
de insinuações como de ameaças, de zombarias como de calúnias. O inimigo comum
usará de tudo para arrancar do Cristo as almas, e fazê-las presas suas. Eu vos
digo: quem perseverar será salvo, mas também vos digo: quem tiver mais amor à
vida e al bem-estar do que a salvação eterna, está livre para ir-se embora e
deixar-me, para ir ocupar-se desta pequena vida e de um bem-estar transitório.
Eu não seguro ninguém.
O homem é um ser livre. Eu vim
para livrar cada vez mais o homem. Para livrá-lo do pecado, e isso pelo
espírito. E das cadeias de uma religião deturpada, opressiva, que sufoca
debaixo de rios de cláusulas, de palavras e de preceitos, a verdadeira palavra
de Deus, que é pura, breve, luminosa, fácil, santa, perfeita. A minha vinda é
um crivo das consciências. Eu recolho o meu grão da eira, e o bato com a
doutrina do sacrifício, e o crivo com a peneira da sua mesma vontade. O
folhelho, a ervilhaca, o joio, voarão para fora leves e inúteis, cairão pesados
e nocivos e vão servir de alimento para os voláteis, pois no meu celeiro só
entrará o trigo escolhido, puro, sólido e bom. O trigo: os santos.
Um desafio existe há séculos
entre o Eterno e Satanás. Satanás, envaidecido pela primeira vitória sobre o
homem, disse a Deus: “As tuas criaturas serão minhas para sempre. Nada, nem
mesmo o castigo, nem a Lei que lhes queres dar, os fará capazes de ganhar o
Céu. E esta tua Morada da qual me expulsaste, expulsaste o único inteligente
entre as tuas criaturas, ficará vazia, inútil, triste como todas as coisas inúteis.”
E o Eterno respondeu ao Maldito:
“Isso ainda poderás fazer, enquanto o teu veneno for só para dominar o homem.
Mas Eu mandarei o meu Verbo, e a sua palavra neutralizará o teu veneno, sarando
os corações, e os curará da demência com que os manchaste ou endemoninhaste, e
eles voltarão a mim. Como ovelhas que, desviadas reencontram o Pastor, eles
voltarão ao meu Aprisco, e o Céu se povoará. Para eles o criei. E tu rangerás
teus horrorosos dentes, em tua raiva impotente, lá em teu horroroso reino, em
tua prisão e maldição, e sobre ti será tombada pelos anjos a pedra de Deus e
selada, e as trevas e o ódio ficarão contigo e com os teus, enquanto que a Luz
e o Amor, o canto e a bem-aventurança, a liberdade infinita, eterna e sublime
serão para os meus.”
E Mamon, com uma risada de
escárnio, assim jurou: “E sobre a minha Geena juro que eu virei quando for a
hora. Serei onipresente junto aos evangelizados, e veremos se o vencedor serei
eu ou se serás Tu.”
Sim, é certo que Satanás vos está
armando ciladas, para peneirar-vos. E Eu também vos estou rodeando para
peneirar-vos. Os contendedores são dois: Eu e ele. Vós estais no meio. O duelo
do Amor com o Ódio, da Sabedoria com a Ignorância, da Bondade com o Mal, está
acima de vós e ao vosso redor. Para desviar os golpes malvados sobre vós, Eu
basto. Eu me ponho entre a arma satânica e o vosso ser, e aceito ser ferido em
vosso lugar, porque vos amo. Mas os golpes que são dados em vosso interior, vós
deveis afastá-los com a vossa vontade, correndo para mim, pondo-vos no meu
Caminho, que é Verdade e Vida. Quem não estiver desejoso do Céu, não terá o
Céu. Quem não estiver apto para ser discípulo do Cristo, será como um folhelho
leve que o vento do mundo transporta consigo. Quem é inimigo do Cristo é uma
semente nociva que renascerá no reino satânico.
Eu sei porque vós de Cafarnaum
viestes. E, tanto tenho a consciência pura do pecado de que estou sendo
acusado, e em nome do qual inexistente pecado vindes murmurando atrás de Mim,
insinuando-vos que ouvir-me e seguir-me é cumplicidade com o pecador, que Eu
não tenho medo de tornar conhecida por estes de Betsaida a causa de tudo isso.
Entre vós, cidadãos de Betsaida,
há alguns anciãos que, por diversas razões, não se esqueceram da Beldade de
Corozaim. Há homens que pecaram com ela, há mulheres que por causa dela
choraram. Choraram e oh! Eu ainda não tinha chegado a dizer: “Amai a quem vos
prejudica!” – choraram, mas depois se alegraram, quando souberam que ela havia
sido mordida pela podridão, transpirada de suas entranhas impuras para o
exterior de seu corpo esplêndido, figura daquela lepra mais grave que lhe havia
corroído a alma de adúltera, homicida e meretriz. Adúltera setenta vezes sete,
e com qualquer um que tivesse nome de “homem”, e tivesse dinheiro. Homicida
sete vezes sete pelas suas concepções bastardas. Meretriz por vício, e não por
necessidade.
Oh! Eu vos compreendo mulheres
traídas! Compreendo a vossa alegria, quando vos disseram: “As carnes da Beldade
estão mais fétidas e desfeitas do que as de uma carniça que está num buraco a
beira de uma movimentada estrada e está sendo devorada pelos urubus e pelos
vermes. “Mas Eu vos digo: sabeis perdoar. Deus executou as vossas vinganças,
mas depois perdoou. Perdoai vós também. Eu a perdoei também em vosso nome,
porque sei que sois bondosas, ó mulheres de Betsaida que me estais saudando com
a vossa aclamação: “Bendito o Cordeiro de Deus! Bendito aquele que vem em nome
do Senhor!” Se Eu sou o Cordeiro, e como tal me conheceis, se venho entre vós,
Eu Cordeiro, vós deveis tornar-vos todas umas ovelhas mansas, até mesmo aquelas
que por causa de uma antiga, já bem antiga dor de esposa traída, está ainda com
aqueles instintos de uma fera que defende o seu ninho. Eu não poderia
permanecer entre vós, se fosseis umas hienas ou tigres, Eu que sou Cordeiro.
Aquele que vem no Nome do
santíssimo de Deus, para recolher justos e pecadores, e leva-los ao Céu, foi
também à arrependida, e lhe disse: “Sê limpa, vai e faz expiação”. Fiz isso em
dia de sábado. E é disto que me estão acusando. Acusação oficial. A segunda é
de haver-me aproximado de uma meretriz. Uma que foi meretriz. Agora não era
senão uma alma chorando por seu pecado.
Pois em, Eu vos digo: Eu o fiz e
farei. Trazei-me o Livro, escrutai-o, estudai-o, aprofundai-o. Encontrai, se
fordes capazes, um ponto que proíba ao médico de tratar de um doente, e um
levita de ocupar-se do altar, a um sacerdote de ouvir a um fiel, só porque é
sábado. E Eu, se encontrardes esse ponto e mostrardes a Mim, direi batendo no
peito: “Senhor, Eu pequei na tua presença e na dos homens. Não sou digno de
perdão. Mas, se Tu quiseres ser piedoso com o teu servo, Eu te bendirei
enquanto tiver em mim um sopro de vida.” Porque aquela alma estava doente. E os
que precisam dos médicos são os doentes. Era um altar profanado e tinha
necessidade de que um levita o purificasse. Era um fiel que ia chorar no Templo
verdadeiro do Deus verdadeiro, e tinha necessidade do sacerdote que lá o
introduzisse. Em verdade Eu vos digo que Eu sou o Médico, o Levita, o
Sacerdote. Em verdade vos digo que, se Eu não cumprir o meu dever, perdendo uma
só das almas, que sentem um veemente desejo de salvação, e não salvá-la, Deus
Pai me pedirá conta, e me punirá por essa alma perdida.
Eis o meu pecado segundo os
poderosos de Cafarnaum. Eu poderia ter esperado o dia depois do sábado para
fazer o que fiz. Sim. Mas, por que tardar outras vinte e quatro horas para
readmitir na paz de Deus um coração contrito? Naquele coração havia a humildade
verdadeira, a sinceridade crua, a dor perfeita. Eu li naquele coração. A lepra
ainda estava em seu corpo. Mas seu coração já estava curado, pelo bálsamo dos
anos de arrependimento, de lágrimas, de expiação. Aquele coração não tinha
necessidade, para aproximar-se de Deus, de outra coisa, além da minha
reconsagração, sem que aquela aproximação tornasse impura a aura santa que
circunda Deus. Eu fiz. Ela saiu do lago limpa também em suas carnes. Mas ainda
mais limpa no coração.
Quantos, oh! Quantos daqueles que
entraram nas águas do Jordão, para obedecerem às ordens do Precursor, não
saíram de lá limpos como ela! Porque o batismo deles não era ato voluntário,
desejado, sincero, de um espírito que queria preparar-se para a minha vinda.
Mas só uma forma para aparecerem perfeitos em santidade aos olhos do mundo. Por
isso, era hipocrisia e soberba. Duas culpas que aumentavam o cúmulo de culpas
pré-existentes em seus corações. O batismo de João é apenas um símbolo. Quer
dizer: “Limpai-vos da soberba humilhando-vos ao dizer-vos pecadores, das
luxúrias, lavando-vos das escórias delas.” Mas é a alma que vai ser batizada
com a vossa vontade, a fim de ficar limpa para o banquete de Deus. Não existe
culpa tão grande que não possa ser lavada, primeiro pelo arrependimento, depois
pela Graça, e finalmente pelo Salvador. Não há pecador tão grande, que não
possa levantar o rosto abatido e sorrir, diante de uma esperança de redenção.
Basta que ele renuncie completamente a culpa, seja heroico em resistir à
tentação, e sincero na vontade de renascer. Eu agora vos digo uma verdade que
aos meus inimigos pareceria uma blasfêmia. Mas vós sois meus amigos. Falo
especialmente a vós, meus discípulos já escolhidos, e depois a todos vós que
estais escutando. Vos digo: os anjos, espíritos puros e perfeitos, viventes na
Luz da Santíssima Trindade e nela jubilantes, em sua perfeição eles têm, e
reconhecem tê-la, uma inferioridade em relação a vós, homens distantes do Céu.
Eles tem a inferioridade de não poderem sacrificar-se, de não poderem sofrer
para cooperar na redenção do homem. E que vos parece? Deus não escolhe um de
seus anjos para dizer-lhe: “Sê o redentor da humanidade.” Mas escolhe o seu
Filho. E sabendo que, por incalculável que seja o Sacrifício e infinito o seu
poder, ainda falta – e é uma bondade paterna que não queria fazer diferença
entre o Filho do seu amor e os filhos do seu poder – para aquela soma de
merecimentos que deve contrapor-se à soma dos pecados, que de hora em hora a humanidade
acumula, eis que não toma outros anjos para completar a medida, a vós homens.
Vos diz: “Sofrei, sacrificar-vos, sede semelhantes ao meu Cordeiro. Sede
corredentores...” Oh! Eis: Eu vejo que cortes de anjos que, deixando por um
instante, em seu estase de adoração, de rodear em torno do Fulcro Trino,
ajoelham-se, virados para a Terra, e dizem: “Benditos sois vós, que podeis
sofrer com o Cristo e pelo Deus eterno, nosso e vosso!” Muitos não
compreenderão ainda esta grandeza. É superior demais ao homem. Mas quando a
hóstia for imolada, quando o Grão eterno ressurgir para nunca mais morrer,
depois de ter sido colhido, batido, despojado e sepultado nas entranhas do
solo, então virá o Iluminador super espiritual e iluminará os espíritos, até os
mais tardos, mas que permanecem fiéis ao Cristo Redentor, e então
compreendereis que não blasfemei, mas vos anunciei a mais alta dignidade do
homem, aquela de ser corredentor, mesmo se antes não era mais que um pecador.
Por enquanto, preparai-vos para essa dignidade com pureza de coração e de
intenções. Quanto mais puros fordes, mais compreendereis, Porque a impureza,
seja qual for, é sempre uma fumaça que turva a vista e entorpece o
entendimento. Sede puros. Começai a sê-lo pelo corpo, para passardes ao
espírito. Começai pelos cinco sentidos para passardes às sete paixões. Começai
pelos olhos, sentido este que é rei, e que abre o caminho à mais mordente e
complexa das fomes. Os olhos veem a carne da mulher e cobiçam a carne. Os olhos
veem a riqueza dos ricos e cobiçam o ouro. Os olhos veem a potência dos
governadores e cobiçam o poder. Conservai os olhos calmos, honestos, morigerados,
puros e tereis desejos calmos, honestos, morigerados e puros. Quanto mais puros
forem os vossos olhos, mais puro será o vosso coração. Sede vigilantes sobre os
vossos olhos, ávido descobridor dos pomos tentadores. Sede castos nos olhares
se quereis ser castos no corpo. Se tiverdes castidade na carne, tereis
castidade na riqueza e no poder. Tereis todas as castidades, e sereis amigos de
Deus. Não tenhais medo de ser escarnecidos por serdes castos. Tende medo
somente de ser inimigos de Deus. Um dia ouvi dizer: “Serás escarnecido pelo
mundo como mentiroso ou como eunuco, se deres sinal de não desejar mulher.” Em
verdade vos digo que Deus estabeleceu o casamento para elevar-vos a seus
imitadores na procriação e a seus ajudantes na obra de povoar os Céus. Mas
existe um estado mais alto, diante do qual se inclinam os anjos, ao verem a
sublimidade, mas sem poderem imitá-la. Um estado que, perfeito quando durou do
nascimento até a morte, não está porem fechado para aqueles que não são mais
virgens, mas extinguem sua fecundidade, seja masculina ou feminina, anulam sua
virilidade animal, para tornarem-se fecundos e viris só no espírito. É um
estado de eunuco sem imperfeição natural nem mutilação violenta ou voluntária.
É um estado que não os proíbe de se aproximarem do altar, mas ao contrário, nos
séculos futuros, por esses é que será rodeado e servido o altar. É um estado de
eunuco mais alto, aquele o qual faz de instrumento amputador a vontade de
pertencer somente a Deus e de conservar para Ele um corpo e um coração castos,
a fim de que possam ter eternamente o fulgor daquela candidez cara ao Cordeiro.
Falei para o povo, e para os eleitos entre o povo. Agora, antes de começar a
partir o pão e dividir o sal na casa de Filipe, eis que Eu vos abençoo a todos,
aos bons, como dando-lhes um prêmio, aos pecadores para infundir-lhes a coragem
de vir, àquele que veio para perdoar. A paz esteja com todos vós.”
Pg. 106 a 111
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------119 – OS
DISCURSOS DE ÁGUAS BELAS. EU SOU O SENHOR TEU DEUS. JESUS BATIZA COMO JOÃO
Diz Jesus:
“Uma alma voltou ao Senhor. Seja
bendita a sua onipotência, que arranca das espirais demoníacas as almas que Ele
criou, e as leva para o caminho dos Céus. Por que aquele alma se perdera?
Porque tinha perdido de vista a Lei. Está dito no Livro que o Senhor se
manifestou no Sinai em todo o seu terrível poder, para com ele dizer: “Eu sou
Deus. Esta é a minha vontade. E estes são os raios que Eu tenho preparados para
aqueles que forem rebeldes à vontade de Deus.” E, antes de falar, ordenou que
ninguém do povo subisse para contemplar Aquele que é, e que também os
sacerdotes se purificassem, antes de se aproximarem do limite marcado por Deus,
para que não fossem fulminados. Isto porque era tempo de justiça e de prova. Os
Céus estavam fechados, como por uma pedra, sobre o mistério do Céu e sobre a
ira de Deus, e somente as lâminas da Justiça dardejavam do Céu sobre os filhos
culpados. Mas agora não. Agora o Justo chegou para consumar toda a justiça, e
chegou o tempo no qual, sem raios e sem limites, a Palavra divina fala ao homem
para dar-lhe Graça e Vida.
A primeira palavra do Pai e
Senhor é esta: “Eu sou o Senhor teu
Deus.
Não existe um instante do dia em
que esta palavra não soe, e não seja escrita pela voz e pelo dedo de Deus.
Onde? Por toda parte. Tudo o proclama continuamente. Da erva à estrela, da água
ao fogo, da lã ao alimento, da luz às trevas, da saúde à doença, da riqueza à
pobreza. Tudo diz: “Eu sou o Senhor. Por Mim é que tens isto. Um pensamento meu
é que te dá isto, um outro o tira de ti, e não há força de exércitos, nem de
defesas que te possa preservar da minha vontade.” Grita na voz do vento, canta
no riso das águas, perfuma na fragrância da flor, incide-se no dorso das
montanhas e sussurra, fala, chama, grita nas consciências: “Eu sou o Senhor teu
Deus.”
Não vos esqueçais disto nunca!
Não fecheis os olhos, os ouvidos, não estranguleis a consciência, para não
ouvirdes esta palavra. De tal modo ela é, que chega o momento em que sobre a
parede da sala do banquete, ou sobre a onda agitada do mar, sobre os lábios
sorridentes de criança ou sobre o lividez do velho que está morrendo, sobre a
rosa fragrante ou sobre o fétido sepulcro, ela é escrita pelo dedo d fogo de
Deus. E assim chega o momento em que, entre a embriaguez do vinho e do prazer,
entre o turbilhão dos negócios, ou no repouso da noite, ou em um passeio
solitário, ela levanta a sua voz e diz: “Eu sou o Senhor teu Deus”, e não esta
carne que estás beijando ávido, e não o é este alimento que com voracidade
devoras, e não o é este ouro que avaramente acumulas, nem o é este leito sobre
o qual ficas preguiçoso. E não adianta o silêncio, nem o estar sós, nem o estar
dormindo, para fazê-la calar-se.
Eu sou o Senhor teu Deus, o
companheiro que não te abandona, o hóspede que não podes expulsar. És bom? Eis
que o hóspede e companheiro é um bom amigo. És mau e culpado? Eis que o hóspede
e companheiro se torna um Rei irado, e não te deixa em paz. Mas não te deixa,
não deixa, não deixa. Só aos condenados é concedido que se separem de Deus. Mas
a separação é um tormento insaciável e eterno.
Eu sou o Senhor teu Deus, e
acrescenta: “que
te tirei da terra do Egito, da casa da escravidão”. Oh! Que
verdade agora diz com propriedade! De qual Egito, e de que Egito Ele te tira,
para levar-te a Terra Prometida, que não é aqui neste lugar, mas no Céu! O
Reino eterno do Senhor, no qual não haverá mais fome nem sede, nem frio, nem
morte, mas que em tudo destilará alegria e paz, e de paz e alegria ficarão
saciados todos os espíritos.
Agora Ele vos tira da verdadeira
escravidão. Eis o Libertador. Sou Eu. Venho para quebrar vossas correntes. Todo
dominador humano um dia pode morrer e por sua morte podem ficar livres os povos
escravizados. Mas Satanás não morre. É eterno. E é o dominador, que vos colocou
em grilhões, para arrastar-vos para onde quer. O pecado está em vós. E o pecado
são as correntes com que Satanás vos prende. Eu venho quebrar estas correntes.
Em nome do Pai, Eu venho. E por desejo meu. Por isso, eis que se cumpre a
incompreendida promessa: “Eu te tirei do Egito e da escravidão.”
Agora, isto se está cumprindo
espiritualmente. O Senhor vosso Deus vos tira da terra do ídolo, que seduziu os
Progenitores, arranca-vos da escravidão da Culpa, reveste-vos de Graça,
admite-vos em seu Reino. Em verdade vos digo que aqueles que vierem a Mim,
poderão, com a doçura da voz paterna, ouvir o Altíssimo dizer em seus felizes
corações: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te atraio a Mim, livre e feliz.”
Vinde. Voltai para o Senhor o vosso coração e rosto, vossa oração e vontade. A
hora da Graça Chegou.
Pg.255-256
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120 – OS DISCURSOS DE ÁGUAS
BELAS. NÃO FARÁS DEUSES PARA TI EM MINHA PRESENÇA
Foi dito: “Não farás para ti deuses em minha presença. Não farás para ti nenhuma
escultura ou representação daquilo que está lá em cima no céu ou aqui em baixo
na terra, ou nas águas abaixo da terra. Não adorarás tais coisas, nem lhes
prestarás culto. Eu sou o Senhor teu Deus, forte e ciumento, que visito a
iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta gerações daqueles que
me odeiam, e faço misericórdia até a milésima daqueles que me amam e observam
os meus mandamentos.”
Vós já ouvistes como Deus é
onipresente, com o seu olhar e a sua voz. Na verdade, estamos sempre em sua
presença. Fechados dentro de um quarto, ou entre o público do Templo, estamos
igualmente na sua presença. Benfeitores escondidos, que até aos beneficiados
ocultamos o nosso rosto, ou assassinos, quando assaltamos o viajante em algum
desfiladeiro solitário e o trucidamos, igualmente estamos na sua presença. Em
sua presença está o rei no meio de sua corte, o soldado no campo de batalha, o levita
no interior do Templo, o sábio debruçado sobre os livros, o camponês sobre o
sulco, o mercador em seu balcão, a mãe inclinada sobre o berço, a esposa no
quarto nupcial, a virgem no segredo da morada paterna, o menino que estuda na
escola, o velho que se deita para morrer. Todos estão em sua presença, e todas
as ações do homem igualmente estão em sua presença.
Todas as ações do homem! Tremenda
palavra! E consoladora palavra! Tremenda, se as ações são de pecado,
consoladora se são ações de santidade. Saber que Deus vê é um freio para quem
quer fazer o mal e um conforto para quem quer fazer o bem. Deus vê que estou
fazendo o bem. Eu sei que ele não se esquece do que vê. Eu creio que ele premia
as boas ações. Por isso estou certo de que irei receber um prêmio por estas, e
sobre esta certeza descanso. Ela me dará uma vida serena e uma morte plácida,
porque na vida e na morte minha alma será consolada pelo raio da estrela da
amizade de Deus. Assim é que raciocina aquele que faz o bem.
Mas aquele que faz o mal, por que
não pensa que, entre as ações proibidas estão os cultos idolátricos? Por que
ele não diz: “Deus está vendo que, enquanto finjo estar prestando um culto
santo, estou adorando um deus ou deuses mentirosos, os quais levanto um altar
secreto aos homens, mas conhecido a Deus?” Que deuses são esses, poderíeis
dizer, se nem no Templo existe figura de Deus? Que rosto têm esses deuses, se
ao verdadeiro Deus nos foi impossível dar um rosto?
Sim, impossível dar-lhe um rosto,
porque o Perfeito e o Puríssimo não pode ser dignamente representado pelo
homem. Só o espírito pode entrever a sua incorpórea e sublime beleza, e ouvir a
sua voz, sentir a sua carícia, quando ele se infunde a um dos seus santos,
merecedor desses contatos divinos. Mas o olho, o ouvido, a mão do homem não
podem ver nem ouvir e portanto, repetir com o som sobre a cítara, com o macete
e o cinzel no mármore, aquilo que é o Senhor. Oh! Felicidade sem fim, quando os
espíritos dos justos, chegardes a ver a Deus! O primeiro olhar será a aurora da
felicidade que, pelos séculos dos séculos será vossa companheira.
Contudo, o que não nos foi
possível fazer pelo verdadeiro Deus, eis que o homem o faz pelos deuses
mentirosos. Um ergue um altar a mulher, outro ao ouro, outro ao poder, outro à
ciência, outro aos triunfos militares, um adora o homem poderoso, seu
semelhante por natureza e superior apenas em prepotência ou fortuna, outro
adora a si mesmo e diz: “Não há outros
iguais a mim.” Aí estão os deuses daqueles que são do povo de Deus.
Não vos admireis de que os pagãos
adorem animais, répteis e astros. Quantos répteis! Quantos animais! Quantos
astros apagados adorais em vossos corações! Os lábios pronunciam palavras de
mentira para adular, para possuir, para corromper. E não são estas as orações
dos idólatras secretos? Os corações planejam pensamentos de vingança, de
comércio ilícito, de prostituição. E não são estes os cultos aos deuses imundos
do prazer, da avidez, do mal?
Foi dito: “Não adorarás nada daquilo que não é o teu Deus verdadeiro, único,
eterno.”
Foi dito: “Eu sou o Deus forte e ciumento.”
Forte: Nenhuma
outra força é mais força que a Dele. O homem é livre para agir. Satanás é livre
para tentar. Mas quando Deus diz: “Basta”, o homem não pode mais agir mal e
Satanás não pode mais tentar. Rechaçado fica este em seu inferno e derribado
fica àquele em seu abuso de fazer o mal, porque há um limite para isso, além do
qual Deus não permite que se vá.
Ciumento: de quê?
De qual ciúme? Será o mesquinho ciúme dos homens pequenos? Não. O santo ciúme
de Deus por seus filhos, o justo ciúme, o amoroso ciúme. Ele vos criou. Ele vos
ama. Ele vos quer. Ele sabe o que vos prejudica. Conhece o que é que pode
separar-vos Dele. E é ciumento daquilo que se intromete entre o Pai e os
filhos, desviando-os do único amor que é salvação e paz: Deus! Compreendei este
sublime ciúme, que não é mesquinho, que não é cruel, nem carcerário. Mas que é
um amor infinito, que é uma infinita bondade, que é uma liberdade sem limites,
que se dá a uma criatura finita, por deseja-la na eternidade para si e em si, e
fazê-la partícipe de sua infinidade. Um pai bom não quer gozar sozinho de suas
riquezas. Mas quer que os filhos as gozem com ele. No fundo, foi mais para os
filhos do que para si que Ele as acumulou. Igualmente Deus. Mas pondo neste
amor e desejo a perfeição que há em todas as suas ações.
Não decepcioneis o Senhor. Ele
promete castigo aos culpados e aos filhos dos filhos culpados. E Deus nunca
mente em suas promessas. Mas não fiqueis abatidos, em vosso ânimo, ó filhos do
homem e de Deus. Ouvi, e exultai com esta outra promessa: “Eu uso de
misericórdia até à milésima geração daqueles que me amam e observam os meus
mandamentos. “Até a milésima geração dos bons. E até à milésima fraqueza dos
pobres filhos do homem, os quais caem, não por malícia, mas por irreflexão e
por ciladas de Satanás. Mais ainda eu vos digo, que Ele vos abre os braços se,
com o coração contrito e o rosto lavado pelo pranto, vós disserdes: “Pai, eu
pequei. Eu sei. Mas eu me humilho por isso e a Ti me confesso. Perdoa-me. O Teu
perdão será a minha força para voltar a viver a verdadeira vida.”
Não temais. Antes que vós
pecastes por fraqueza, Ele sabia que teríeis pecado. Mas seu coração só se
fecha, quando persistis no pecado, querendo pecar, fazendo de um certo pecado,
ou de muitos pecados os vossos deuses horrorosos. Abatei todos os ídolos, e dai
lugar ao Deus verdadeiro. Ele descerá com a sua glória para consagrar o vosso
coração, quando se vir sozinho em vós.
Dai a Deus a sua morada. Não em
templos de pedra, mas no coração dos homens é que ela está. Lavai a soleira
dela, livrai o seu interior de todo aparato inútil ou culposo. Somente Deus. Só
Ele. Ele é tudo! E em nada é inferior ao Paraíso o coração de um homem no qual
Deus esteja, o coração de um homem que cante o seu amor ao Hóspede divino.
Fazei de cada coração um Céu.
Iniciai a coabitação com o Excelso. Ela se aperfeiçoará em vosso eterno amanhã,
em poder e alegria. Mas aqui será tal, que superará o tremente espanto de
Abraão, Jacó e Moisés. Porque não será mais o encontro fulgurante e assustador
com o Poderoso, mas a permanência com o Pai e o Amigo que desce para dizer-vos:
“A minha alegria é estar entre os homens. Tu me fazes feliz. Obrigado filho.”
Pg. 260-263
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121 – OS DISCURSOS DE ÁGUAS
BELAS. NÃO PROFERIRÁS EM VÃO O MEU NOME. A VISITA DE MANANEN
Diz Jesus:
Foi dito: Não proferir em vão o meu Nome.”
Quando é que se profere em vão
esse Nome? Só quando se blasfema? Não. Também quando o proferimos, sem nos
tornarmos dignos de Deus. Poderá um filho dizer: “Eu amo a meu pai e o honro”,
se depois em tudo aquilo que o pai deseja dele, ele faz sempre o contrário? Não
é dizendo: “Pai, pai”, que se ama ao progenitor. Não é dizendo: “Deus, Deus”,
que se ama o Senhor.
Em Israel onde como anteontem Eu
expliquei, há tantos ídolos no segredo dos corações, existe também um louvor
hipócrita a Deus, louvor ao qual não correspondem as obras dos louvadores. Em
Israel há também uma tendência: que é a de achar tantos pecados nas coisas
exteriores, e não querer encontra-los no lugar em que realmente eles estão, que
é nas coisas interiores. Em Israel há ainda uma estulta soberba, um costume
anti-humano e antiespiritual: aquele de julgar que seja uma blasfêmia o Nome de
nosso Deus em lábios pagãos, e se chega até a proibir aos gentios que se
aproximem do Deus verdadeiro, julgando-se que isso seja um sacrilégio. Isto até
agora. A partir d agora, não será mais assim.
O Deus de Israel é o mesmo Deus
que criou todos os homens. Por que impedir que as criaturas sintam atração pelo
seu Criador? Pensais vós que os pagãos não sintam alguma coisa no fundo de seus
corações, qualquer coisa de insatisfação, que grita neles, e os agita, que os
leva a procurar? Que, é? Que é? É o Deus desconhecido. E pensais vós que, se um
pagão sente propensão pelo altar do Deus desconhecido, por aquele altar
incorpóreo que é a alma, na qual existe sempre uma lembrança do seu Criador,
pois é a alma que espera ser possuída pela glória de Deus, como o foi o
Tabernáculo erguido por Moisés, segundo a ordem recebida, e que chora, enquanto
essa posse não se realiza. Deus rejeita esse seu oferecimento, como se rejeita
uma profanação? E pensais que seja pecado aquele ato, suscitado por um honesto
desejo da alma que, despertada por apelos celestes, diz: “Eu vou”, ao Deus que
me diz: “Vem”, enquanto seja santidade o corrompido culto de um de Israel, que
oferece ao Templo aquilo que sobra de seus prazeres, e que vai à presença de
Deus e profere seu Nome Puríssimo, com uma alma e um corpo onde pupulam as
culpas com uma grande quantidade de vermes?
Não. Em verdade Eu vos digo que a
perfeição do sacrilégio está naquele israelita que, com a alma impura pronuncia
em vão o Nome de Deus. Esse Nome é pronunciado em vão, quando, e vós não sois
tolos, quando pelo estado de vossa alma, sabeis que o estais pronunciando
inutilmente. Oh! Eu estou vendo o rosto indignado de Deus, que se vira,
desgostoso, para o outro lado, quando um hipócrita o chama, quando um
impenitente o nomina! E fico horrorizado, até Eu que não mereço aquela ira
divina.
Leio em mais de um coração este
pensamento: “Mas então, com exceção dos pequeninos ninguém poderá chamar Deus,
porque tudo no homem é impureza e pecado”. Não. Não digais assim. É pelos
pecadores que aquele Nome há de ser invocado. É por aqueles que se sentem
estrangulados por Satanás e que querem livrar-se do pecado e do Sedutor. Eles
querem. Eis o que transforma o sacrilégio em um rito. Querer ficar curado.
Chamar o Poderoso para ser perdoados e para ser curados. Invocá-lo, para pôr em
fuga o Sedutor.
Foi dito no Gênesis que a
Serpente tentou Eva na hora em que o Senhor não estava passeando no Éden. Se
Deus tivesse estado no Éden, Satanás não teria podido estar lá. Se Eva tivesse
invocado a Deus, Satanás teria fugido. Tende sempre no coração este pensamento.
E, com sinceridade invocai o Senhor. Aquele Nome é Salvação.
Muitos de vós querem descer para
se purificarem. Mas purificai o vosso coração, incessantemente, escrevendo
sobre ele com amor a palavra: Deus. Nada de orações mentirosas. Nada de
práticas habituais. Mas com o coração, com o pensamento, com os atos, com todo
o vosso próprio ser, dizei aquele Nome: Deus. Dizei-o para não ficardes
sozinhos. Dizei-o para serdes sustentados. Dizei-o para serdes perdoados.
Compreendei o significado da
palavra do Deus do Sinai. “Em vão”, quer dizer a pronunciação da palavra:Deus,
mas sem mudança para o bem. E, nesse caso, é pecado. Mas ela não é “em vão”,
quando como a pulsação do sangue no coração, cada minuto do vosso dia. Cada
vossa ação honesta, cada necessidade, tentação, dor, traz de novo aos vossos
lábios a filial palavra de amor: “Vem meu Deus!” Então, em verdade não cometeis
pecado, ao proferirdes o Nome de Deus. Ide. A paz esteja convosco.
Pg. 269-271
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122 – OS DISCURSOS DE ÁGUAS
BELAS. HONRA O PAI E A MÃE. CURA DE UM HEBETADO
Diz Jesus:
Honra
o pai e a mãe, diz o decálogo.
Como é que se honram? Por que
devem ser honrados?
Honram-se com uma verdadeira
obediência, com um amor justo, com um respeito confiante, com um temor
reverencial, que não impede a confiança, mas ao mesmo tempo não nos faz tratar
os maiores como se fôssemos servos e inferiores. Devem ser honrados, porque
depois de Deus, os doadores da vida, e de todas as necessidades materiais da
vida, os primeiros mestres, os primeiros amigos do jovem ser que nasceu sobre a
terra, são o pai e a mãe.
Diz-se: “Deus te abençoe” ou
“obrigado” àquele que nos recolhe um objeto caído ou nos dá um pedaço de pão. E
a estes, que se cansam no trabalho para nos sustentar, para nos dar nossas
vestes e conservá-las limpas, a estes que se levantam para escrutarem o nosso
sono, que sacrificam seu repouso para cuidar de nossa saúde, que fazem de seus
colos um leito para as nossas mais dolorosas canseiras, não lhes haveremos de
dizer com amor: “Deus de abençoe”, “obrigado”?
São os nossos mestres. O mestre é
temido e respeitado. Mas ele toma conta de nós, quando já sabemos o
indispensável sobre o modo de comportar-nos, de alimentar-nos e de dizer as
coisas essenciais, e ele nos deixa, quando o mais árduo ensinamento da vida, ou
seja, “o viver” nos deve ainda ser ensinado. E são o pai e a mãe que nos
preparam à escola primeiro, à vida depois.
São nossos amigos. Mas que amigo
pode ser mais amigo do que um pai? E quem mais amiga do que uma mãe? Podeis
tremer diante deles? Podeis dizer: “Serei traído por ele, por ela?” Contudo,
eis o jovem tolo, e a moça, mais tola ainda, que se fazem amigos de estranhos,
e fecham seus corações ao pai e à mãe, e estragam suas mentes e corações com
relacionamentos que são imprudentes, quando não chegam a ser até culpáveis, a
ser causa de lágrimas paternas e maternas, que sulcam como se fossem gotas de
chumbo fundido nos corações dos pais. Aquelas lágrimas porém, Eu vo-lo digo,
não caem no chão nem no esquecimento. Deus as recolhe e as conta. O martírio de
um pai espezinhado receberá um prêmio do Senhor. Mas o ato do filho, que é o
suplício de um pai, tampouco será esquecido, mesmo quando o pai e a mãe, em seu
doloroso amor, suplicam piedade de Deus para o filho culpado.
Honra o pai e a mãe, se queres
viver longos dias sobre a terra, foi dito. E eternamente no Céu, Eu acrescento.
Pequeno demais seria o castigo de viver pouco aqui por ter faltado para com os
pais! O além não é uma fábula, e do lado de lá haverá prêmio ou castigo,
conforme o modo como tivermos vivido. Quem falta para com seus pais, falta para
com Deus, porque Deus deu para os pais um mandamento de amor, e quem não ama,
peca, Por isso, ele perde mais do que a vida material, perde a verdadeira vida
de que Eu vos falei, e vai ao encontro da morte, e até mesmo já está morto,
pois sua alma está fora da graça do Senhor, já está culpada do delito, visto
que fere o amor mais santo que há depois do de Deus, e já traz em si os germes
dos futuros adultérios, porque o filho mau se torna um pérfido esposo, já tem
em si os estímulos da perversão social, porque um filho mau já é o desabrochar
de um futuro ladrão, do truculento e violento assassino, do frio usuário, do
libertino sedutor, do gozador cínico, do repugnante traidor da pátria, dos
amigos, dos filhos, da esposa, de todos. E podereis ter estima e confiança em
quem foi capaz de trair o amor de uma mãe e de zombar dos cabelos brancos de um
pai?
Porém, ouvi ainda. Porém aos
deveres dos filhos corresponde um dever igual dos pais. Maldição ao filho
culpado, mas maldição também ao culpado pai. Fazei que os vossos filhos não vos
possam criticar, nem imitar no mal. Fazei-vos amar por um amor dado com justiça
e misericórdia. Deus é misericórdia. Os pais que acima de si só têm a Deus,
sejam misericordiosos. Sede exemplo e conforto para os filhos. Sede paz e guia.
Sede o primeiro amor de vossos filhos. Uma mãe é sempre a primeira imagem da
esposa que nós quereríamos. Um pai, para suas filhas jovenzinhas, tem o rosto
que elas sonham que seu esposo vai ter. Fazei que, sobretudo os filhos e as
filhas escolham com sábia mão os recíprocos consortes, pensando na mãe, no pai,
e desejando que o seu consorte tenha o que o pai ou a mãe tem: uma virtude
veraz.
Pg. 279-281
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125 – OS DISCURSOS DE ÁGUAS
BELAS. SANTIFICA A FESTA. O MENINO DAS PERNAS QUEBRADAS
Diz Jesus:
Foi dito: “Trabalha em um trabalho honesto e o sétimo dia tu dedicarás ao Senhor
e ao teu espírito”, Isto está dito no mandamento sobre o repouso sabático.
O homem não é mais do que Deus.
No entanto, Deus fez em seis dias a sua criação e no sétimo descansou. Como é
então, que o homem se permite não imitar o Pai e não obedece à sua ordem? É um
mandamento tolo? Não. Em verdade, é uma ordem salutar, seja na da carne,
naquela moral, como na do espírito.
O corpo cansado tem necessidade
do repouso, assim como a têm todos os seres criados. Repousa também o boi, que
é usado no campo, e nós o deixamos repousar para não perdê-lo; repousa o burro
que nos transporta, a ovelha que nos dá o cordeirinho e o leite. Repousa
também, e nós a deixamos repousar, a terra do campo, para que nos meses em que
ela fica sem a semente, se nutra e se sature dos sais que sobre ela caem do céu
ou que afloram do solo. Repousam ainda, se bem que não peçam para isso o nosso
beneplácito, os animais e as plantas, que obedecem a leis eternas sobre uma
reprodução sábia. Por que então o homem quer não imitar o Criador, que no
sétimo dia descansou e não também aos seres inferiores que, vegetais ou animais
que sejam, sem terem recebido outro mandamento, a não ser o instinto, sabem
regular-se por ele e a ele obedecer?
É uma ordem moral, além de
física. Por seis dias o homem lidou com todos e com tudo. Preso como um fio do
mecanismo do tear, andou para cima e para baixo, sem nunca poder dizer: “Agora
vou ocupar-me de mim mesmo e dos meus entes queridos. Sou o pai e hoje sou de
meus filhos, sou o esposo e hoje me dedico à minha esposa, sou o irmão e me
alegro com os irmãos, sou o filho e cuido da velhice de meus pais.”
É uma ordem espiritual. Santo é o
trabalho. Mais santo o amor. Santíssimo Deus. É preciso então recordarmo-nos de
dar ao menos um dos sete dias ao nosso bom e Santo Pai, que nos deu a vida e
no-la mantém. Por que haveremos de dar-lhe um tratamento menos do que o que se
deve a um pai, aos filhos, aos irmãos, à esposa, a até ao nosso próprio corpo?
Que o dia do Senhor seja dele! Oh! Como é doce estar abrigado, depois do
trabalho do dia, pela tarde, na casa cheia de afetos! Como é doce
reencontrá-la, depois da uma longa viagem! E por que não ir abrigar-se, depois
de seis dias de trabalho, na casa do Pai? Por que não ser como o filho, que
volta de uma viagem que durou seis dias e diz: “Eis-me aqui para passar o meu
dia de descanso contigo?”
Mas agora escutai, Eu disse: “Trabalha em um honesto trabalho.”
Vós sabeis que a nossa Lei ordena
o amor ao próximo. A honestidade do trabalho faz parte do amor ao próximo. Quem
é honesto em seu trabalho não rouba em seus negócios, não desfralda no
pagamento ao operário, não se aproveita dele de maneira culpável, lembra-se de
que o servo e o operário são uma carne e uma alma semelhantes a ele e não os
trata como uns pedaços de pedra sem vida, que é ilícito despedaçar e percutir
com o pé e com o ferro. Quem não faz assim não ama o próximo e peca por isso
aos olhos de Deus. Maldito é o seu ganho, mesmo quando dele tira uma oferta
para o Templo.
Oh! Que oferta mentirosa! E como
pode ter a coragem de ir coloca-la aos pés do Altar, quando dela estão pingando
as lágrimas e o sangue do inferior que foi explorado, ou tem nome de “furto”,
ou seja, de uma traição ao próximo, já que o ladrão é um traidor do seu
próximo? Não fica, acreditai-o, santificada a festa, se não for usada para
escrutar a si mesmo e empregada para melhorar a si mesmo e para reparar os
pecados cometidos nos seis dias. Eis a santificação da festa. Esta, e não uma
outra toda exterior, que não muda nem uma vírgula o vosso modo de pensar.
Deus quer obras vivas, não
simulacros de obras. É simulacro o falso obséquio à sua Lei. É simulacro a
santificação mentirosa do sábado, ou seja, o repouso para mostrar aos olhos dos
homens obediência ao mandamento, mas usando depois aquelas horas de ócio no
vício, na luxúria, na crápula, na cogitação sobre como explorar e prejudicar o
próximo na semana que vem. É simulacro a santificação do sábado, ou seja, o
repouso material que não se une ao trabalho íntimo, espiritual, santificante
por um reto exame de si, um humilde reconhecimento da própria miséria, um sério
propósito de fazer melhor na próxima semana.
Vós direis: “E se depois se torna
a cair em pecado?” Mas, que direis vós de um menino que, por ter caído, não
quisesse mais dar nem um passo, para não voltar a cair? Que é um tolo. Que não
deve-se envergonhar por estar sem firmeza no passo, porque todos nós fomos
assim, quando éramos pequenos e não foi por isso que nosso pai deixou de nos
amar. Quem é que não se lembra de como as nossas quedas fizeram chover sobre
nós uma chuva de beijos maternos e de carícias paternas? A mesma coisa faz o
Pai dulcíssimo, que está nos Céus. Ele se inclina sobre o seu pequenino que
chora no chão e lhe diz: “Não chores. Eu te levanto. Toma cuidado da outra vez.
Agora vem para os meus braços. Neles todo o teu mal passará e depois irás
embora mais forte, curado e feliz.” Isto é o que diz o nosso Pai que está nos
Céus. Isto é o que Eu vos digo.
Se conseguísseis ter fé no Pai,
tudo vos correria bem. Uma fé, prestai atenção. Como a de um pequeno. O pequeno
acha que tudo é possível. Não pergunta a si mesmo se, e como é que pode
acontecer uma coisa. Não mede a profundidade da coisa. Ele crê em quem lhe
inspira confiança e faz o que este lhe diz. Sede como os pequenos junto ao
Altíssimo. Como Ele ama a estes anjos dispersos, que são a beleza da terra!
Igualmente ama as almas que se fazem simples, boas, puras como é o menino.
Pg. 297-299
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126 – OS DISCURSOS DE ÁGUAS
BELAS. NÃO MATAR. MORTE DE DORAS
Diz Jesus:
Não
Matar, foi dito.
A qual dos dois grupos de
mandamentos pertence este? Ao segundo, direis vós? Estais certo disso? Eu vos
pergunto ainda: é um pecado que ofende a Deus ou ao atingido. Vós dizeis: Ao
atingido? Também disto tendes certeza? E vos pergunto ainda: será somente um
pecado de homicídio? Matando cometeis somente este único pecado? Este só,
dizeis vós? Ninguém tem dúvidas sobre isso?
...Ao medir uma culpa, é preciso
pensar nas circunstâncias que a precedem, preparam, justificam, explicam. Quem
eu feri? Que coisa eu feri? Onde eu feri? Com que meios eu feri? Por que eu
feri? Como eu feri? Quando eu feri? Isto deve-se perguntar, antes de
apresentar-se a Deus para pedir-lhe perdão, aquele que matou.
Quem eu feri?
Um homem. Eu digo: um homem. Não
estou pensando nem considerando se ele é rico ou pobre, se é livre ou escravo.
Para Mim não existem escravos oi poderosos. Existem somente homens criados por
um único, por isso todos são iguais. De fato, diante da majestade de Deus, é pó
até o mais poderoso monarca da terra. E aos seus e aos meus olhos, só existe
uma escravidão: a do pecado e, portanto de Satanás. A Lei antiga distingue os
livres dos escravos e tem a sutileza de distinguir entre o matar com um golpe,
e o matar deixando a vítima sobreviver um dia ou dois e, assim, se a mulher grávida
é levada à morte pelas pancadas, ou se foi morto somente o seu fruto. Mas isso
foi dito quando a luz da perfeição ainda estava longe. Agora ela está entre
vós, e diz: “Qualquer um que ferir de morte a um seu semelhante, peca”. E não
peca somente contra o homem, mas também contra Deus.
O que é o homem? O homem é a
criatura soberana que Deus criou para ser o rei da criação, criado a sua imagem
e semelhança, dando-lhe a semelhança segundo o espírito e a imagem, tirando
esta imagem do seu pensamento perfeito. Olhai para o ar, para a terra e para as
águas. Porventura vede algum animal, ou alguma planta, que por mais belos que
sejam cheguem a igualar o homem? O animal corre, come, bebe, dorme, gera,
trabalha, canta, voa, rasteja, sobe. Mas não fala. O homem também sabe correr e
saltar, e no salto é tão ágil que emula o pássaro, sabe nadar, e no nado é tão
veloz que parece um peixe, sabe rastejar e parece um réptil, sabe subir e
parece um macaco, sabe cantar e parece um pássaro. Sabe gerar e reproduzir-se,
mas além disso sabe falar.
E não digais: “Cada animal tem a
sua linguagem”. Sim. Um muge, o outro bale, outro zurra, outro chilreia, outro
gorjeia, mas do primeiro até o último bovino todos terão sempre o mesmo mugido,
e assim também o ovino balirá até o fim do mundo, e o burro zurrará como zurrou
o primeiro, e o pássaro sempre soltará o seu curto chilreio enquanto a cotovia
e o rouxinol farão ouvir o mesmo hino, ao sol a primeira, e à noite estrelada o
segundo, mesmo se for o último dia da terra, do mesmo modo como saudaram ao
primeiro sol e à primeira noite. O homem ao contrário, porque não tem apenas
uma garganta e uma língua, mas um complexo de nervos, que se concentram no
cérebro, sede da inteligência, sabe captar novas sensações, e pensar sobre
elas, e dar-lhes um nome.
Adão deu nome de cão ao animal
seu amigo e o de leão ao que lhe pareceu mais semelhante na juba basta,
encimando uma cara de pouca barba. Chamou de ovelha ao animal que o saudava
manso, e chamou de pássaro aquela flor de penas, que voava como a borboleta,
mas cantava docemente um canto que a borboleta não tem. E depois com o passar
dos séculos, os filhos de Adão foram criando sempre novos nomes, à medida que
foram conhecendo as obras de Deus nas criaturas ou que, pela centelha divina
que há no homem, não somente geraram filhos, mas criaram também coisas úteis ou
nocivas aos próprios filhos, conforme eles estavam com Deus ou contra Deus.
Estão com Deus os que criam ou
produzem coisas boas. Estão contra Deus os que criam coisas más, que prejudicam
ao próximo. Deus se vinga por seus filhos que foram torturados pelo mau gênio
humano.
O homem é portanto a criatura
predileta de Deus. Ainda que agora seja culpado, é sempre o que lhe é mais
caro. E o que testemunha isso é ter-lhe mandado o seu próprio Verbo, não um
anjo, não um arcanjo, não um querubim, não um serafim, mas o seu Verbo,
revestindo-o da carne humana, para salvar o homem. Não achou indigna Dele esta
veste, que tornava passível de sofrer e expiar Aquele que, por ser como Ele
puríssimo Espírito, não teria conseguido sofrer e expiar a culpa do homem.
O Pai me disse: “Serás homem, o
Homem. Eu havia feito um. Perfeito, como tudo o que Eu faço. Para ele estava
destinada uma vida doce, um dulcíssimo adormecer, um feliz despertar, uma
felicíssima permanência eterna no meu Paraíso celeste. Mas, Tu o sabes, nesse
Paraíso não pode entrar o que está contaminado, porque nele Eu-Nós, Uno e Trino
Deus, temos o trono. E diante dele, não pode haver senão santidade. Eu sou
aquele que sou. A minha Natureza divina, a nossa misteriosa essência, não pode
ser conhecida senão por aqueles que são sem mancha. Agora o homem em Adão e por
Adão está suo. Vai, limpa-o Eu quero. Tu serás, de agora em diante o Homem. O
Primogênito, porque serás o primeiro a entrar aqui com carne mortal livre do
pecado, com alma livre da culpa de origem. Aqueles que te precederam na terra,
e aqueles que virão depois de Ti terão vida pela sua morte de Redentor.” Não
podia morrer, senão alguém que houvesse nascido. Eu nasci e Eu morrerei.
O homem é a criatura predileta de
Deus, dizei-me: se um pai tem muitos filhos, mas um deles é o seu predileto, a
pupila de seus olhos, e este vem a ser morto, aquele pai não sofre mais do que
se tivesse sido morto um outro filho? Isto não deveria acontecer, por que o pai
deveria ser justo com todos os seus filhos. Mas acontece porque o homem é
imperfeito. Deus o pode fazer com justiça porque o homem é a única criatura
entre as outras, que tem em comum com o Pai Criador a alma espiritual, sinal
inegável da paternidade divina. Se a um pai se lhe mata o filho, ofende-se
somente ao filho? Não. Também ao pai. Na carne se ofende ao filho, no coração
ao pai. Em ambos se produz a ferida. Matando um homem, ofende-se somente o
homem? Não. Também a Deus. Na carne ao homem, no seu direito a Deus. Porque a
vida e a morte só por Ele podem ser dadas ou tiradas. Matar é fazer violência a
Deus e ao homem. Matar é penetrar no domínio de Deus. Matar é faltar ao
preceito de amor. Quem mata não ama a Deus, porque destrói uma de suas obras:
um homem. Quem mata não ama ao próximo, porque tira do próximo aquilo que o
matador quer para si: a vida.
E eis que respondo as duas
primeiras perguntas.
Onde eu feri?
Pode-se ferir pelo caminho, na
casa do agredido ou atraindo a vítima para a sua própria casa. Pode-se ferir um
ou outro órgão, causando sofrimento mais grave, e fazendo-se também dois
homicídios em um, se se fere uma mulher que tem o ventre grávido do seu fruto.
Pode-se ferir pelo caminho, sem
ter a intenção de fazê-lo. Um animal que nos toma a rédea da mão, pode matar a
quem vai passando. Mas então não há em nós premeditação, enquanto que se alguém
vai armado com um punhal, sob as hipócritas vestes de linho à casa do inimigo,
e, muitas vezes é inimigo o que tem a culpa de ser melhor, ou então o convida a
ir à sua casa, com sinais de honra e depois o estrangula e joga em um poço,
nesse caso houve premeditação e a culpa teve uma malícia completa, com
ferocidade e violência.
Se eu mato o fruto junto com a
mãe, eis que Deus me pedirá conta dos dois. Porque no ventre, que gera um novo
homem, segundo o mandamento de Deus, é sagrado, e sagrada é a pequena vida, que
nele está amadurecendo, à qual Deus deu uma alma.
Com que feri?
Em vão diz alguém: “Eu não queria
ferir”, quando andava armada com uma arma de qualidade. Na hora da ira, até as
mãos se tornam armas, sendo arma a pedra apanhada do chão, ou o galho arrancado
de uma árvore. Mas quem observa friamente o punhal ou o machado e, quando acha
que eles estão cegos, os afia, e depois os segura junto ao corpo, de modo que
não sejam vistos, mas possam ser brandidos com facilidade e vai até o rival
assim preparado, certamente não poderá dizer: Eu não tinha vontade de ferir”.
Quem prepara um veneno, colhendo ervas e frutos tóxicos e faz deles um pó ou
uma infusão e depois os oferece à vítima, como um tempero ou uma bebida,
certamente não pode dizer: “Eu não queria matar.”
E agora escutai vós ó mulheres,
caladas e impunes assassinas de tantas vidas. Também é matar, arrancar um fruto
que está crescendo no ventre, porque ele vem de uma semente culposa ou porque é
um embrião não desejado, um peso inútil para os vossos flancos e para a vossa
riqueza. Só tendes um modo de não sentir aquele peso: permanecendo castas. Não
unais o homicídio à luxúria, a violência à desobediência e não pensais que Deus
não vê, porque o homem não vê. Deus tudo vê e tudo se lembra. Lembrai-vos
disso, vós também.
Por que eu feri?
Oh! Quantos porquês! Pelo
repentino desequilíbrio que cria em vós uma emoção violenta, como é aquela de encontrar
o tálamo profanado, ou o ladrão em casa, ou o sórdido intento de violentar a
própria filha mocinha, ou pelo frio e meditado cálculo para livrar-se de uma
testemunha perigosa, por alguém que põe embaraços na carreira, por alguém cujo
posto ou cuja bolsa se deseja, estes são tantos e outros tantos porquês. E se
ainda Deus pode perdoar a quem, na febre da dor se torna um assassino, não
perdoa a quem se torna assassino pela avidez do poder ou de estima entre os
homens.
Agi sempre bem e não temereis o olhar
de ninguém, nem a palavra de ninguém. Contentai-vos com o que é vosso e não
desejareis o que é dos outros, a ponto de tornar-vos assassinos para terdes o
que é do próximo.
Como eu feri?
Desfechando outros golpes, além e
depois do primeiro, que foi irrefletido? Às vezes o homem não pode refrear-se.
Porque Satanás o atira ao mal, como o fundibulário atira a pedra. Mas, que
diríeis de uma pedra que, depois de ter acertado no alvo, voltasse por si mesma
para a funda, para ser lançada de novo e tornar a golpear? Vós diríeis que,
depois do primeiro golpe, desse um segundo, um terceiro, um décimo, sem que a
sua ferocidade se amansasse. Porque a ira se apaga e cai em si, logo depois do
primeiro ímpeto, se esse ímpeto tem origem em algum motivo ainda justificável.
Enquanto que a ferocidade aumenta, quanto mais a vítima vai sendo ferida, no
verdadeiro assassino, ou seja, em Satanás, que não tem, não pode ter piedade do
irmão, porque sendo Satanás é ódio.
Quando eu feri?
No primeiro impulso? Depois que
este passou? Fingindo perdão, enquanto o rancor ia fermentando sempre mais?
Terei esperado talvez muitos anos para ferir, para dar uma dupla dor, matando o
pai através dos filhos?
Vós estais vendo que matando, se
peca contra o primeiro e o segundo grupo dos mandamentos. Porque vos arrogais o
direito de Deus e porque conculcais o próximo. Portanto, pecado contra Deus e
contra o próximo. E fazeis, não apenas um pecado de homicídio. Fazeis também um
pecado de ira, de violência, de soberba, de desobediência, de sacrilégio e, ás
vezes, se matais para roubar um posto ou uma bolsa de cobiça. Nem Eu apenas
vo-lo digo, mas vo-lo explicarei melhor em outro dia, nem se peca por homicídio
somente com a arma e o veneno, mas também com a calúnia. Meditai.
Pg. 300-306
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127 – OS DISCURSOS DE ÁGUAS
BELAS. NÃO TENTARÁS AO SENHOR TEU DEUS. TESTEMUNHO DO BATISTA
Diz Jesus:
“Não
tentarás ao Senhor teu Deus”, foi dito.
Muitas vezes se esquece este
mandamento. Tenta-se a Deus, quando se quer impor a Ele a nossa vontade.
Tenta-se a Deus quando imprudentemente, se age contra as regras da Lei, que é
santa e perfeita no seu lado espiritual, o principal, se ocupa e se preocupa
também com a carne que Deus criou. Tenta-se a Deus, quando tendo sido perdoados
por Ele, torna-se a pecar. Tenta-se a Deus quando, beneficiados por Ele
transforma-se em prejuízo os benefícios recebidos para que fossem um bem para
nós e nos fizessem lembrar de Deus. Com Deus não se brinca e de Deus não se
zomba. E isto acontece muitas vezes. Pg. 312
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128 – OS DISCURSOS DE ÁGUAS
BELAS. NÃO DESEJAR A MULHER DO PRÓXIMO. O JOVEM LUXURIOSO
Diz Jesus:
“Não
desejar a mulher do próximo. Não cometer adultério.”
“Não desejar a mulher do próximo”
está unido à “Não cometer adultério”. Porque o desejo precede sempre a ação. O
homem é fraco demais para poder desejar, sem que depois chegue a consumar o seu
desejo. E, que é sumamente triste, é que o homem não sabe fazer a mesma coisa
nos desejos justos. Nas coisas más, se deseja e depois se realiza. Nas coisas
boas, se deseja e depois se detém, se é que não se retrocede.
Como disse a ele, digo a todos
vós, porque o pecado de desejo está tão espalhado, como a grama, que por si
mesma se propaga. Sois vós umas crianças, para não saberdes que aquela tentação
é venenosa e deve ser evitada? “Fui tentado”. Aí está uma antiga palavra! Mas,
assim como é também um antigo exemplo, deveria o homem lembrar-se das
consequências disso e saber dizer: “Não.” Em nossa história não faltam exemplos
de castos que assim se conservaram, não obstante todas as seduções do sexo e as
ameaças dos violentos. É a tentação um mal? Não o é. É obra do Maligno. Mas se
transforma em glória para aquele que a vence.
O marido que vai para os outros
amores é um assassino da esposa, dos filhos e de si mesmo. Aquele que entra na
morada alheia para cometer adultério, é um ladrão, e dos mais vis. É semelhante
ao cuco que, sem despesa, goza do ninho alheio. Aquele que solapa a boa-fé do
amigo é um falsário, porque testemunha uma amizade que na realidade não tem.
Aquele que age assim, desonra a si mesmo e ao seus pais. Pode então ter Deus
consigo?
Fiz o milagre para aquela pobre
mãe. Mas a luxúria me dá tanta repugnância, que contra ela fico revoltado. Vós
gritastes por medo e por horror da lepra. Eu, com minha alma, gritei por horror
da luxúria. Todas as misérias estão ao redor de Mim e para todas Eu sou o
Salvador. Mas prefiro tocar em um morto, um justo já em decomposição em sua
carne, que foi honesta e já está em paz com o seu espírito, a aproximar-se
daquele que tem cheiro de luxúria. Sou o Salvador, mas sou o Inocente.
Lembrem-se disso todos aqueles que vem e que falam de Mim, imputando à minha
personalidade os fermentos da deles.
Compreendo que vós queríeis outra
coisa de mim. Mas Eu não posso. A ruína de uma juventude, que mal se formou e
já está destruída pela libidinagem, turbou-me mais do que se tivesse tocado na
morte. Vamos aos doentes. Não podendo, por causa do nojo que me está sufocando,
ser a Palavra, serei a Saúde dos que esperam em mim.
A paz esteja convosco.
Pg. 317-318
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130 – OS DISCURSOS DE ÁGUAS
BELAS. NÃO DIRÁS FALSO TESTEMUNHO. O PEQUENO ASRAEL
Diz Jesus:
“Não
dirás falso testemunho”, foi dito.
Que existe de mais nauseante do
que um mentiroso? Não se pode dizer que ele concentra crueldade com impureza?
Sim, pode. O mentiroso, falo do mentiroso em coisas graves, é cruel. Ele mata
uma estima com sua língua. Portanto, não é diferente do assassino. Aliás, digo:
é mais do que um assassino. Este mata somente no corpo. O mentiroso mata também
o bom nome, a lembrança de um homem, Por isso, é duas vezes assassino. É o
assassino impune, porque não derrama sangue, mas fere a honra, tanto do
caluniado, como de toda a sua família. E não me estou referindo nem ao caso de
alguém que, jurando falso, mande um outro à morte. Sobre este já estão
acumulados os carvões da Geena. Mas estou falando só de alguém que, com
palavras mentirosas, insinua e persuade a outros em desfavor de um inocente.
Por que faz isso? Ou por um ódio sem razão, ou pela avidez de ter o que o outro
possui. Ou então, por medo.
ÓDIO: Tem ódio só quem é amigo de
Satanás. O bom não odeia nunca, por nenhuma razão. Mesmo desprezado, mesmo
prejudicado, ele perdoa. Não odeia nunca. O ódio é o testemunho que uma alma
perdida dá de si mesma, e o testemunho mais belo que é dado ao inocente. Porque
o ódio é a revolta do mal contra o bem. Não se perdoa a quem é bom.
AVIDEZ: “Ele tem o que eu não
tenho. Eu quero o que ele tem. Mas somente com espalhar uma desestima contra
ele, eu posso chegar ao lugar dele. E eu vou fazer isso. Minto? Que importa?
Roubo? Que importa? Posso arruinar uma família inteira? Que importa?”
Entre tantas perguntas que o
astuto mentiroso faz a si mesmo, ele se esquece, quer esquecer-se de uma
pergunta. É esta: “E se eu fosse desmascarado?” Esta ele não faz a si mesmo,
porque, dominado pelo orgulho e pela avidez, está como se tivesse os olhos
vendados. Não vê o perigo. É ainda como um ébrio. Está embriagado pelo vinho
satânico e não pensa que Deus é mais forte do que Satanás e se encarrega de
fazer a vingança pelo caluniado. O mentiroso entregou-se à mentira e,
estultamente confia na sua proteção.
MEDO: Muitas vezes alguém calunia
para tirar a culpa de si mesmo. É a forma mais comum da mentira. O mal já foi
feito. Teme-se que ele seja descoberto e reconhecido como obra nossa. Então,
usando e abusando da estima que ainda se tem junto aos outros, eis que se
inverte o fato, e daquilo que nós fizemos, atribuímos a culpa a um outro, do
qual teme-se só a honestidade. Também se faz isso, porque o outro, às vezes,
pode ter sido, sem querer, testemunha de alguma má ação nossa, e, então,
queremos colocar-nos a seguro contra algum testemunho dele. Acusam-no, para que
se torne malvisto onde, se ele falar ninguém creia nele.
Mas procedei bem! Procedei bem! E
desta mentira nunca tereis necessidade. Não pensais, quando estais mentindo,
que vós estais impondo a vós mesmos um pesado jugo? Ele consiste em vossa
sujeição ao demônio, no medo contínuo de um desmentido e na necessidade de
ficar sempre se lembrando da mentira dita, com os fatos e os particulares com
que foi dita, mesmo depois de anos, sem cair em contradição. É um trabalho de
galeote. E se isso ainda servisse para o Céu! Mas só serve para preparar-vos um
lugar no inferno!
Sede sinceros. É tão bela a boca
do homem que não conhece mentira! Será pobre, será rústico, será desconhecido?
Antes, o é? Sim. Mas sempre é um rei. Porque é um sincero. E a sinceridade é
régia mais do que o ouro e do que um diadema, e eleva o homem acima das
multidões, mais do que um trono, e forma uma corte de bons, mais do quanto pode
ter um monarca. Segurança e tranquilidade é o que dá a vizinhança com um homem
sincero. Ao passo que é um incômodo a amizade com um homem não sincero. Só a
vizinhança dela já é um incômodo. Quem mente, não pensa que – porque bem depressa
a mentira se descobre de mil modos – depois ele é sempre considerado suspeito?
Como se poderia aceitar mais o que ele diz? Até quando diz a verdade – e os que
ouvem querem crer – no fundo ficam sempre com uma dúvida: “Não estará mentindo
agora também?”
Vós direis: “Mas onde está o
testemunho falso?” Toda mentira é um falso testemunho. Não somente a mentira
legal.
Sede simples como simples é Deus
e o menino. Sede verídicos em todos os momentos de vossa vida. Quereis ter boa
reputação? Sede bons de verdade. Ainda que um maledicente quisesse falar mal de
vós, cem bons diriam: “Não. Não é verdade. Ele é bom. Suas obras falam por
ele.”
Em um livro sapiencial está
escrito: “O homem apóstata procede com perversidade em seus lábios... em seu
coração perverso prepara o mal e em todo tempo vive semeando discórdias.” Deis
coisas o Senhor abomina e a sétima é por Ele execrada: os olhos soberbos, a
língua mentirosa, as mãos que derramaram sangue inocente, o coração que medita
desígnios iníquos, os pés que correm apressados para o mal, a falsa testemunha
que profere mentiras, e aquele que semeia discórdia entre os irmãos. Pelos
pecados da língua a ruína se aproxima do homem mau. Quem mente é uma testemunha
fraudulenta. Os lábios verídicos não mudam nunca, mas é testemunho de um
momento quem trama linguagem de fraude. As palavras do murmurador parecem
simples, mas elas penetram até as entranhas. O inimigo se reconhece em seu
falar, quando prepara a traição. Quando fala com voz baixa, não confieis nele,
porque no coração ele traz sete malícias. Ele com dissimulação esconde o seu
ódio, mas a sua malícia será revelada. Quem cava um buraco cairá nele e a pedra
cairá em cima de quem a vai rolando.
Velho como o mundo, é o pecado da
mentira e sem mudança é o pensamento do sábio a seu respeito, como sem mudança
é o juízo de Deus sobre quem é mentiroso. Eu digo: “Tende sempre a mesma
linguagem. O sim seja sempre sim, e o não seja sempre não, mesmo diante dos
poderosos e dos tiranos. E grande mérito tereis por isso no Céu.”
Eu vos digo: Tende a
espontaneidade da criança que, por instinto vai atrás de quem é bom, sem
procurar outra coisa que não seja a bondade. Ela diz o que a sua própria
bondade a faz pensar, sem calcular se está falando demais, podendo ser por isso
repreendida.
Ide em paz. Que a verdade se
torne vossa amiga.
Pg. 330-332
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131 – OS DISCURSOS DE ÁGUAS
BELAS. NÃO ROUBAR E NÃO DESEJAR AS COISAS ALHEIAS. O PECADO DE HERODES
Diz Jesus:
“Não
roubar e não desejar as coisas alheias.”
Deus dá a cada um o necessário.
Isto é a verdade. O que é necessário ao homem? O luxo? Um grande número de
servos? As terras cujos campos não se podem contar? Os banquetes que começam
com o pôr-do-sol e terminam com o romper da aurora? Não. Necessário para um
homem é um teto, um pão, uma veste. O indispensável para viver.
Olhai ao redor de vós. Quem são
os mais alegres e os mais sãos? Quem é que goza de uma velhice sadia e serena?
Os gozadores? Não. Aqueles que honestamente vivem, trabalham e desejam. Esses
não têm o veneno da luxúria e permanecem fortes. Não têm o veneno das crápulas
e permanecem ágeis. Não tem o veneno da invejas e permanecem alegres. Enquanto
que aquele que deseja ter sempre mais, mata sua paz e não goza, mas envelhece
precocemente, queimando pela inveja ou pelo abuso.
Poderia unir o mandamento do “não
roubar” àquele do “Não desejar o que é dos outros?” Porque, de fato, o desejo
excessivo impele ao furto. Não há mais do que um rápido passo deste para
aquele. É ilícito todo deseja? Não digo isto. O pai de família que, trabalhando
no campo ou na oficina, deseja tirar daí o pão para os seus filhos, na verdade
não peca. Ao contrário, está cumprindo o seu dever de pai. Mas aquele que, em
vez disso, não deseja outra coisa senão gozar mais, e se apropria do que é dos
outros, para conseguir gozar mais, esse peca. A inveja! Porque o que é o desejo
das coisas alheias, senão avareza e inveja? A inveja separa de Deus, meus
filhos, e une a Satanás.
Não pensais que o primeiro que
desejou o que era dos outros foi Lúcifer? Era o mais belo dos arcanjos e gozava
de Deus. Teria devido ficar contente com isso. Invejou a Deus, quis ser Deus e
tornou-se o demônio, O primeiro demônio.
Segundo exemplo: Adão e Eva tudo
tiveram, gozavam do paraíso terrestre, gozavam da amizade de Deus, felizes com
os dons da graça que Deus lhes havia dado. Teriam devido contentar-se com isso.
Invejaram a Deus em seu conhecimento do bem e do mal e foram expulsos do Éden,
tornando-se os proscritos malvistos a Deus. Foram os primeiros pecadores.
Terceiro exemplo: Caim invejou Abel por sua amizade com o Senhor. E tornou-se o
primeiro assassino. Maria, irmã de Arão e Moisés, invejou o irmão e tornou-se a
primeira leprosa da história de Israel.
Poderia passo a passo,
conduzir-vos por toda a vida do povo de Deus, e veríeis que o desejo imoderado
fez de quem o teve, um pecador, da nação um castigo. Porque os pecados dos
particulares se acumulam e provocam os castigos das nações, assim como grãozinhos
e mais grãozinhos de areia, acumulados em séculos e séculos, provocam um
desmoronamento, que submerge as cidades com os que moram delas.
Muitas vezes vos tenho citado
como exemplo os pequenos, porque são simples e confiantes. Hoje Eu vos digo:
Imitai os pássaros, em sua liberdade, quanto aos desejos.
Olhai. Agora é inverno. Há pouco
alimento nos pomares. Mas eles se preocupam em acumulá-lo no verão? Não. Eles
confiam no Senhor. Sabem que um vermezinho, um pequeno grão, uma migalha, uma
aranhazinha, uma pequena mosca em cima d`água, sempre conseguirão pegar para o
seu papinho. Sabem que uma chaminé quente, ou um floco de lã sempre haverá para
aí se refugiarem no inverno, como sabem que, quando chegar o tempo que vão
precisar de feno para os seus ninhos, e mais alimento por causa dos filhotes,
haverá feno bastante nos prados e sucoso alimento nos pomares e nos sulcos, e
de muitos insetos estarão cheios o ar e a terra. E cantam baixinho: “Obrigado ó
Criador, por tudo o que nos dais e nos darás”, prontos a louvar a Deus com suas
gargantas, quando, na época dos amores desfritarão da esposa e se verão
multiplicados na prole.
Haverá criatura mais alegre que o
pássaro? Contudo, que é a sua inteligência, em comparação àquela humana? Uma
lasquinha de sílex em relação a uma montanha. Mas vos ensina. Em verdade Eu vos
digo que possuem a alegria do pássaro aquele que vive sem desejos impuros. Ele
confia em Deus e sente que Deus é Pai. Ele sorri ao dia que surge e à noite que
desce, porque sabe que o sol é seu amigo e que a noite é sua nutriz. Ele olha
sem rancor para os homens e não teme as suas vinganças, porque não os prejudica
de nenhum modo. Ele não receia pela sua saúde, nem pelo seu sono, porque sabe
que uma vida honesta mantém longe as doenças e dá um doce descanso. Finalmente,
ele não teme a morte, porque sabe que, tendo agido bem, só pode receber o
sorriso de Deus.
O rei também morre. O rico também
morre. Não é o cetro que afasta a morte, nem o dinheiro do rico que compra a
imortalidade. Como diante do Rei dos reis e do Senhor dos Senhores, são uma
coisa risível as coroas e as moedas, mas só tem valor uma vida vivida na Lei!
Pg. 333-335
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141 – INDO PARA ARIMATÉIA COM OS
DISCÍPULOS E COM JOSÉ DE EMAÚS
“Senhor, que faremos com este?", pergunta Pedro a Jesus,
indicando o homem chamado José, que os segue, desde que deixaram Emaus e que
agora está ouvindo os dois filhos de Alfeu, que se ocupam particularmente dele.
"Eu já disse. Ele vai
conosco até a Galileia".
"E depois?"
"Depois... ele fica conosco.
Verás que assim vai acontecer". "Vai ser discípulo, ele também? Depois daquele fato que
sucedeu com ele?".
"És fariseu, tu
também?".
"Eu não! Mas... parece-me que os fariseus estão de olhos
nele; até demais... ".
"E se eles o veem conosco,
vão dar-nos aborrecimentos. Tu quer dizer isto. E então, pelo medo de sermos
perturbados, deveriam deixar um filho de Abraão entregue à desolação? Não,
Simão Pedra. Ele é uma alma que se pode perder ou se pode salvar, conforme o
modo como for tratada a sua grande ferida".
"Mas os teus discípulos já não somos nós?".
Jesus olha para Pedro e sorri amavelmente. Depois diz: "Um
dia há muitos meses, Eu te disse: "Muitos outros ainda virão...". O
campo é vasto, muito vasto. Os trabalhadores serão sempre insuficientes por
causa da vastidão do campo... e também porque muitos farão como Jonas: morrerão
na aspereza do trabalho. Mas vós sereis sempre os meus prediletos", termina Jesus, puxando para perto de
si o per turbado Pedro que, com esta promessa, se tranquiliza.
"Então ele vai conosco?".
"Sim. Até que se fortaleça o
seu coração, que está envenenado de tanto ódio que teve que suportar. Está
intoxicado".
Tiago e João, junto com André, alcançam também o Mestre e
escutam. "Vós não podeis avaliar o mal imenso que um homem pode
fazer a outro com a sua intransigência hostil. Eu vos peço que vos recordeis de
que o vosso Mestre sempre foi muito benigno para com os enfermos espirituais.
Vós pensais que os meus maiores milagres e minha principal virtude sejam
manifestador nas curas dos corpos. Não, amigos... Sim, vinde aqui também vós,
que estais na frente e vós que estais atrás de mim. O caminho é largo e podemos
andar por ele em grupo". Todos se apertam Junto a Jesus, que prossegue: "As
minhas principais obras, as que mais testemunham a minha natureza e a minha
missão, que são olhadas com alegria pelo meu Pai, são as curas dos corações,
sejam elas curas de um ou mais vícios capitais, sejam desolações que abalam
aqueles que se persuadiram de que estão sendo punidos por Deus, abandonados por
Deus. Uma alma que perdeu esta certeza da ajuda de Deus, que é ela ainda? É
como uma trepadeira mirrada, que se arrasta no pó, não podendo mais agarrar-se
à ideia que era a sua força e a sua alegria. Viver sem esperança é um horror. A
vida, em suas asperezas, é bela, somente porque recebe estes raios de Sol
divino. Esta vida tem como meta aquele Sol. É tétrico o dia humano, molhado
pelo pranto, marcado pelo sangue? Sim. Mas depois teremos o Sol. Não haverá
mais dor, não mais separações, não mais asperezas, não mais ódios, não mais
misérias e solidões nem névoas opressoras. Mas luminosidade e canto, serenidade
e paz, mas Deus. Deus: o Sol eterno! Olhai como fica triste a terra, quando há
um eclipse. Se o homem tivesse que dizer: "O sol morreu", não lhe
pareceria estar sempre vivendo em um escuro hipogeu murado, sepultado, morto,
antes de morrer? Mas o homem sabe que, além daquele astro, que esconde o sol e
lança um ar fúnebre sobre o mundo, existe sempre o alegre sol de Deus. Assim é
o pensamento da união com Deus, durante toda a vida. Os homens ferem, roubam,
caluniam? Mas Deus cura, restitui, justifica. E com uma medida bem cheia. Os
homens dizem: "Deus te rejeitou"? Mas a alma tranquila pensa, deve
pensar: "Deus é justo e é bom. Ele vê as causas e é benigno. E o é ainda
mais do que o pode ser o mais benigno dos homens. Ele o é em grau infinito. Por
isso, não, Ele não me rejeitará, se, inclinando o rosto choroso sobre o seu
seio, eu lhe disser: 'Pai, só tenho a Ti. Teu filho está aflito e abatido.
Dá-me a tua paz.
Agora Eu, o Enviado por Deus
recolho aqueles que o homem perturbou, ou que Satanás arrastou e os salvo. Eis
a minha obra. Esta é verdadeiramente minha. O milagre sobre o corpo é o poder
divino. A redenção dos espíritos é obra de Jesus Cristo, o Salvador e Redentor.
Eu penso, e não erro, que os que achavam em Mim a sua reabilitação aos olhos de
Deus e aos olhos deles, serão os meus discípulos fiéis, aqueles que com maior
força poderão levar as turbas para Deus, dizendo: “Vós sois pecadores? Eu
também. Estais aviltados? Eu também. Estais desesperados? Eu também. Contudo,
estais vendo? Da minha miséria espiritual o Messias teve piedade e quis que eu fosse
seu sacerdote, porque Ele é a misericórdia e que que disso o mundo se persuada.
E ninguém está mais apto para persuadir do que aquele que a experimentou em si
mesmo.”
Agora Eu, aos meus amigos e aos
meus adoradores desde que nasci, portanto, a vós e aos pastores, uno estes.
Antes, os uno aos pastores, aos curados, àqueles que, sem especial escolha,
como foi a de vós doze, colocaram-se no meu caminho e seguiram por ele até à
morte. Perto de Arimatéia está Isaque, quem me pediu isso foi o nosso amigo José.
Eu tomarei comigo o Isaque para que se uma a Timoneo, quando ele chegar. Se
creres que em mim há paz e meta para toda uma vida, poderás unir-te a eles.
Eles serão para ti bons irmãos.”
Pg. 398-400
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142 –
COM OS DOZE INDO PARA SAMARIA
21 de
abril de 1945.
Jesus está com os seus doze. O lugar
continua montanhoso, mas sendo a estrada suficientemente cômoda, todos estão em
grupo e falando entre eles.
"Porém, agora que estamos sós,
podemos dize-lo: por que tanto ciúme entre dois grupos?", diz Filipe.
"Ciúme? Não é nada mais do que
soberba", rebate Judas do Alfeu.
"Não. Eu digo que é só um pretexto
para justificar, de qualquer modo, a injusta conduta deles para com o Mestre.
Sob o véu de um zelo para com o Batista, consegue-se afastá-lo sem desagradar
demais a multidão", diz Simão.
"Eu os desmascararia".
"Nós, Pedro, faríamos tantas
coisas que Ele não faz".
"Por que não as faz?".
"Porque sabe que é bom não
fazê-las. Nós não temos mais do que procurar segui-lo. Não nos cabe guiá-lo. E
é necessário dar-nos por felizes com isso. E um grande alívio ter só que
obedecer...".
"Disseste
bem, Simão", diz Jesus que, na frente,
parecia ir pensativo.
"Disseste
bem. Obedecer é mais fácil do que dar ordens. Não parece. Mas é assim.
Certamente isto é fácil quando o espírito é bom. Como é difícil mandar quando o
espírito é reto. Porque se um espírito não é reto, dá ordens insensatas e mais
do que insensatos. Então é fácil dar ordens. Mas... quanto torna-se mais
difícil obedecer! Quando alguém tem a responsabilidade de ser o primeiro de um
lugar ou de uma reunião de pessoas, deve ter sempre presente a caridade e a
justiça, a prudência e a humildade, a temperança e a paciência, a firmeza, mas
sem teimosia. Oh! É difícil! Vós, por enquanto, não tendes senão que obedecer.
A Deus e ao vosso Mestre. Tu, e não somente tu, perguntas a ti mesmo por que é
que Eu faço ou não faço algumas coisas, te perguntas por que Deus permite ou
não permite tais coisas. Vê Pedro, e vós todos, meus amigos. Um dos segredos do
perfeito fiel está em não arvorar-se nunca em inquirido de Deus. "Por que
fazes isto?", pergunta alguém mal formado, ao seu Deus. E parece ter ele
posto as vestes de um adulto sábio diante de um menininho da escola, para
dizer-lhe: "Isto não se faz. É uma tolice. É um erro". Quem mais do
que Deus? Agora vós estais vendo como, sob o pretexto de um zelo por João. Eu
fui expulso. E estais escandalizados com isso. E quereríeis que Eu ratificasse
o erro, tomando uma atitude polêmica com os defensores desta causa. Não. Isto
não se dará nunca. Ouvistes o que diz o Batista pela boca dos seus discípulos:
"É preciso que Ele cresça e que eu diminua". Nada de lamentações nem
de apegos à própria posição. O santo não se apega a essas coisas. Ele trabalha,
não pelo número dos "próprios" fiéis. Ele não tem fiéis próprios. Mas
trabalha para aumentar os fiéis a Deus. Somente Deus tem o direito de ter
fiéis. Por isso, assim como Eu não fico amargurado porque, por boa ou por mil
fé, alguns continuem como discípulos do Batista, também ele não só aflige, pois
o ouvistes, que alguns discípulos seus venham a Mim. Ele nem dá importância a
estas pequenezas numéricas. Ele olha para o Céu. E Eu olho para o Céu. Não
estejais, portanto, a discutir entre vós se é justo ou injusto que os judeus me
acusem de tomar discípulos ao Batista, se é justo ou injusto que se deixe que
continuem a dizei isso. Essas são brigas de mulheres faladeiras ao redor de uma
fonte. Os santos se ajudam, se dão e permutam entre si os espíritos com alegre
facilidade, sorrindo à ideia de trabalhar para o Senhor. Eu batizei, ou melhor,
vos mandei batizar, porque, tão pesado está o espírito agora, que é preciso
apresentar-lhe formas materiais de piedade, formas materiais de milagre, formas
materiais de escolas. Por causa desse peso espiritual, deverei recorrer ao
auxílio de substâncias materiais, quando quiser fazer de vós operadores de
milagres. Mas, crede que não estará no óleo, como não na água, como não em
outras cerimônias, a prova da santidade. Está para chegar o tempo no qual uma
coisa impalpável, invisível, inconcebível para os materialistas, será rainha, a
rainha "que voltou", poderosa e santa de todas as coisas santas e em
todas as coisas santas. Por ela o homem se tornará o "filho de Deus"
e operará o que Deus opera, porque terá Deus consigo. A Graça. Eis a rainha que
volta. Então o batismo será sacramento. Então o homem falará e compreenderá a
linguagem de Deus e dará vida e Vida, dará poder de ciência e de poder,
então... oh! então! Mas ainda estais imaturos para saberdes o que a Graça vos
concederá. Eu vos peço, ajudai a sua vinda com a vossa contínua obra de
formação de vós mesmos e deixai as coisas inúteis dos mesquinhos... Eis ali os
confins da Samaria. Achais vós que faria bem em ir falar por lá?".
"Oh!". Estão todos mais ou menos escandalizados. "Em verdade,
vos digo que os samaritanos estão em toda parte, e se Eu não devesse falar onde
há um samaritano, não deveria mais falar em lugar nenhum. Portanto, vinde. Não
procurarei falar, mas não desprezarei a ocasião de falar de Deus, se isso me
for pedido. Um ano terminou. Começa o segundo. Ele está a cavaleiro entre o
princípio e o fim. No princípio ainda predominava o Mestre. Agora, eis que se
revela o Salvador. O fim terá o rosto do Redentor. Vamos. O rio vai crescendo,
quanto mais se aproxima da foz. Eu também aumento as obras de misericórdia,
porque a foz já está perto.”
"Vamos para algum grande rio, para
lá da Galileia? Talvez para o Nilo? Ou para o Eufrates?", cochicham
alguns.
"Talvez vamos para o meio dos
gentios...", respondem outros.
"Não
fiqueis falando entre vós. Vamos para a Minha foz. Ou seja, para o cumprimento
de minha missão. Estai bem atentos, porque depois Eu vos deixarei e vós
devereis continuar em meu nome".
Pg. 401 – 403
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143 - A SAMARITANA
FOTINAI
22 de abril de 1945
“Eu vou
parar aqui. Vós, ide à cidade e comprai o que é preciso para a refeição. Aqui
comeremos".
"Vamos todos?".
"Sim,
João. É bom que andeis em grupo".
"E Tu? Ficas sozinho... Eles são
samaritanos...".
"Não
serão os piores entre os inimigos do Cristo. Ide, ide. Eu fico rezando,
enquanto vos espero. Rezando por vós e por eles".
Os discípulos lá se vão, a contragosto
e por três ou quatro vezes se viram para olhar Jesus, que sentou-se em um
murinho baixo, exposto ao sol e que está perto da beira baixa e larga de um
poço. Um poço grande, quase uma cisterna, de tão largo. No verão, deve ser
sombreado por grandes árvores, que agora estão despidas. A água não se vê, mas
o terreno, perto do poço, mostra claros sinais das águas que foram tiradas,
pelas pequenas poças e círculos deixados pelas bilhas molhadas. Jesus
assentou-se e está meditando, em sua posição de costume com os cotovelos
apoiados nos joelhos, as mãos juntas para a frente o corpo levemente dobrado e
a cabeça curvada para o chão. Depois sente o belo solzinho aquece-lo e deixa
cair o manto da cabeça e dos ombros, segurando-o, porém, no regaço. Levanta a
cabeça para sorrir diante de um bando de pardais briguentos, que estão disputando
um grande miolo de pão, perdido por alguém junto ao poço. Mas os pardais fogem
com a chegada inesperada de uma mulher que vem ao poço com uma ânfora vazia com
uma asa segura pela mão esquerda, enquanto com a direita afasta, num gesto de
surpresa, o véu, para ver quem é o homem que ali está sentado. Jesus sorri para
esta mulher de seus trinta e cinco a quarenta anos, alta, de traços fortemente
marcados, mas belos. Um tipo que diríamos ser quase espanhol, por causa de sua
cor de um pálido oliváceo, de lábios muito vermelhos e bastante túmidos, os
olhos desmesuradamente grandes e pretos sob sobrancelhas cerradas, e as tranças
escuras, que transparecem por baixo do véu fino. Também as formas, tendentes ao
formoso, tem um acentuado tipo oriental, til uma leve moleza, como a das
mulheres árabes. Está vestida com um vestido de listras multicores, bem justo
na cintura, esticado nos flancos e no peito gorduchos, caindo depois em uma
espécie de orla ondulante, até o chão. Tem muitos anéis e pulseiras nas mãos
gorduchas e morenas e nos pulsos que aparecem na parte inferior das mangas de
linho. No pescoço um pesado colar, do qual pendem umas medalhas, eu diria uns
amuletos, porque são de todas as formas. Pesados brincos descem-lhe até o
pescoço e brilham sob o véu.
"A
paz esteja contigo, mulher. Podes dar-me de beber? Caminhei muito e tenho
sede".
"Mas não és Tu judeu? E pedes de
beber a mim, samaritana' Então, que foi que aconteceu? Teremos nós sido
reabilitados, ou vós vos dais por vencidos? Certamente algum grande acontecimento
sucedeu, se um judeu está falando educadamente com uma samaritana. Porém eu
deveria dizer-te: "Não te dou nada, para punir em Ti todas as afrontas
que, através dos séculos, os judeus nos têm feito"".
"Disseste
bem. Um grande acontecimento sucedeu. E por ele muitas coisas se mudaram e mais
se mudarão. Deus deu um grande dom ao mundo e por ele muitas coisas se mudaram.
Se tu conhecesses dom de Deus e quem é Aquele que te está dizendo: "Dá-me
de beber", talvez tu mesma lhe terias pedido de beber, e Ele te teria dado
água viva".
"A água viva está nos lençóis
subterrâneos. Este poço a tem. Mas é nosso". A mulher é zombeteira e
prepotente.
"A
água é de Deus. Como a bondade é de Deus. Como a vida é de Deus. Tudo é de um
único Deus, mulher. E todos os homens vêm de Deus, tanto os samaritanos, como
os judeus. Este poço não é o do Jacó? E Jacó não é a cabeça de nossa estirpe?
Portanto, se um erro nos separou, isso não muda a nossa origem".
"Erro nosso, não é?",
pergunta agressiva a mulher.
"Nem
nosso, nem vosso. Erro de alguém que havia perdido de vista a caridade e a
justiça. Eu não te ofendo, nem ofendo a tua raça. Por que queres ser
ofensiva?".
"És o primeiro judeu que ouço
falar assim. Os outros... Mas, quanto ao poço, sim, é o poço de Jacó e tem uma
água tão abundante e clara, que nós de Sicar o preferimos às outras fontes. Mas
ele é muito fundo. Tu não tens ânfora nem odre. Como, pois, poderias tirar para
mim água viva? Serás mais do que Jacó, o nosso santo patriarca, que achou este abundante
lençol de água para ele, para os seus filhos e seus rebanhos e no-lo deixou
como lembrança e presente dele?".
"Tu
o disseste. Mas quem bebe desta água, ainda terá sede. Eu, ao invés, tenho uma
água que, quem a beber, não sentirá mais sede. Mas é só minha. E Eu a darei a
quem me pedir. E, em verdade te digo que quem tiver a água que Eu lhe der,
ficará para sempre coberto de orvalho e não terá mais sede, porque a minha água
se tornará nele nascente certa e eterna".
"Como? Eu não entendo. És um mago?
Como pode um homem se transformar num poço? O camelo bebe e faz sua reserva de
água no amplo ventre. Mas depois a consome e não lhe dura a vida inteira. E Tu
dizes que a tua água dura para a vida toda?".
"E
mais ainda: ela jorrará até a vida eterna. Estará em quem a bebe, jorrando até
a vida eterna e dará frutos de vida eterna. Porque é uma fonte de
salvação".
"Dá-me dessa água, se é verdade
que a possais. Eu me canso por ter que vir até aqui. Eu a terei e não terei
mais sede, e não ficarei nunca doente, nem velha".
“Só
disto é que te cansas? Não será de outra coisa? Só sentes necessidade de
apanhar água para beber e para o teu pobre corpo? Pensa nisso. Existe alguma
coisa que é mais do que o corpo. E é a alma. Jacó não deu a si mesmo e aos seus
somente a água do poço. Mas se preocupou em dar a si mesmo e aos outros a
santidade, que é a água de Deus.”
"Vós nos chamais de pagãos... Se
for verdade isso que dizeis, nós não podemos ser santos...". A mulher
perdeu o tom petulante e irônico e está submissa e levemente confusa.
"Um
pagão também pode ser virtuoso. E Deus, que é justo, o premiará pelo bem feito.
Não será um prêmio completo, mas Eu te digo, entre um fiel com culpa grave e um
pagão sem culpa, Deus olha com menos rigor o pagão. E, por que vós, sabendo que
sois assim, não vindes ao verdadeiro Deus? Como te chamas?".
"Fotinai".
"Pois
bem. Responde-me, Fotinai. Tu sentes por não poderes aspirar à santidade,
porque és pagã, como tu dizes, porque estás nas névoas de um antigo erro, como
Eu digo?".
"Sim. Eu o sinto".
"E
por que então, não vives pelo menos como uma pagã virtuosa?".
"Senhor! ... ".
"Sim.
Podes negá-lo? Vai chamar o teu marido... e volta aqui com ele".
"Eu não tenho marido...". A
confusão da mulher aumenta.
"Disseste
bem. Não tens marido. Tiveste cinco homens e agora tens um contigo, que não é
teu marido. Era necessário isto? Tua religião também não aconselha a
impudicícia. Vós também tendes o Decálogo. Por que então, Fotinai, tu vives
assim? Não te sentes cansada dessa fadiga de seres a carne para tantos e não a
mulher honesta de um só? Não ficas com medo da tua velhice quando te
encontrarás sozinha com as tuas lembranças? Com as saudades? Com os medos' Sim,
com estes também. Medo de Deus e dos fantasmas. Onde estão os teus filhos?".
A mulher abaixa totalmente a cabeça e
não fala.
"Não
os tens nesta terra. Mas as suas pequenas almas, às quais tu impediste de
conhecer a luz do dia, te censuram. Sempre, Joias... belos vestidos... casa
rica... mesa farta... Sim. Mas um vazio e lágrimas e miséria interior. És uma
desamparada, Fotinai. E somente com um arrependimento sincero, através do
perdão de Deus e, por consequência, do perdão de teus filhos, podes tornar-te
rica".
"Senhor, eu vejo que és um
profeta. E tenho vergonha...".
"E
do Pai, que está no Céus, tu não tinhas vergonha, quando praticavas o mal? Não
chores por estares aviltada diante do Homem... Vem aqui, Fotinai. Perto de Mim.
Eu te falarei de Deus. Talvez não o conhecias bem. E por isso, certamente por
isso, tu errastes tanto. Se tivesses conhecido bem o verdadeiro Deus, não
estarias aviltada assim. Ele te teria falado e amparado...".
"Senhor, os nossos pais adoravam
neste monte. Vós dizeis que só em Jerusalém é que se deve adorar. Mas Tu o
dizes: Deus é um só. Ajuda-me a ver onde e como devo fazer...".
"Mulher,
crê em Mim. Dentro em pouco chegará a hora na qual nem no monte de Samaria, nem
em Jerusalém será adorado o Pai. Vós adorais Aquele a quem não conheceis. Nós
adoramos Aquele a quem conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Eu te
lembro os Profetas. Mas vem a hora, aliás, já começou, na qual os verdadeiros
adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, não mais com o rito antigo,
mas com o novo rito, no qual não haverá sacrifícios e hóstias de animais consumidos
pelo fogo. Mas o sacrifício eterno da Hóstia imaculada, queimada pelo Fogo da
Caridade. Culto espiritual do Reino espiritual. E será compreendido por aqueles
que saberão adorar em espírito e em verdade. Deus é Espírito. Aqueles que o
adoram devem adorá-lo espiritualmente".
"Tu tens santas palavras. Eu sei,
porque alguma coisa nós também sabemos, que o Messias está para chegar, Aquele
que é também chamado "o Cristo". Quando Ele vier, nos ensinará todas
as coisas. Aqui perto está também aquele que dizem ser o seu Precursor. Muitos
vão ouvi-lo. Mas ele é tão severo! Tu és bom, e as pobres almas não têm medo de
Ti. Penso que o Cristo será bom. Dão-lhe o nome de Rei da paz. Tardará muito
para vir?".
"Eu
te disse que o tempo Dele já chegou".
"Como o sabes? És porventura seu
discípulo? O Precursor tem muitos discípulos. O Cristo também os terá".
"Eu,
que te estou falando, sou o Cristo Jesus".
"Tu! Oh!". A mulher, que se
havia assentado perto de Jesus, levantou-se e quer fugir.
"Por
que queres fugir, mulher?"
"Porque tenho horror de ficar
perto de Ti. Tu és santo."
"Sou
o Salvador. Cheguei até aqui - não era necessário - porque sabia que a tua alma
estava cansada de andar errante. Tu te enjoaste do teu alimento... Vim para
dar-te um alimento novo e que te tirará as náuseas e o cansaço. Eis os meus
discípulos que já estão voltando com o meu pão. Mas Eu já estou nutrido, por te
ter dado as migalhas iniciais para a tua redenção".
Os discípulos olham de soslaio, meio
dissimuladamente, para a mulher, mas nenhum fala nada. A mulher se afasta dali,
sem mais pensar na água nem na ânfora. "Eis, Mestre", diz Pedro.
"Eles nos trataram bem. Aqui estão o queijo, o pão fresco, as azeitonas e
as maçãs. Pega o que quiseres. Aquela mulher fez bem em deixar a ânfora. Faremos
mais depressa do que com as nossas pequenas bolsas. Beberemos e as encheremos.
Sem ter que pedir mais nada aos samaritanos. Nem de irmos às fontes deles. Não
comes? Eu quis trazer peixe para Ti, mas não achei. Talvez gostasses mais.
Estás cansado e pálido".
"Eu
tenho um alimento que vós não conheceis. Comerei dele. Com ele me restaurarei
bem". Os discípulos se olham
interrogativamente. Jesus responde a essas perguntas mudas.
"Meu
alimento é fazer a vontade Daquele que me enviou e levar a bom termo a obra que
Ele deseja que Eu realize. Quando um semeador lança a somente, pode, por acaso,
dizer que já fez tudo, que já está garantida a colheita? Realmente, não. Quanto
tem ainda que fazer para poder dizer: "Eis o meu trabalho
terminado!". E, enquanto não chega àquela hora, não pode descansar. Olhai
para estes pequenas campos, sob o alegre sol da hora sexta. Faz apenas um mês,
até menos de um mês, a terra estava nua e escura, por ser molhada pelas chuvas.
Agora, olhai. Hastes e hastes de trigo, que mal acabam de aparecer, de um verde
muito tênue, exposto à plena luz, ainda parece mais claro, fazendo que a terra
fique como coberta de um fino véu branquejante. Esta é a futura colheita e vós,
vendo-a, dizeis: "Daqui a quatro meses, vai ser a colheita. Os semeadores
irão contratar os ceifeiros, porque, se um só é suficiente para semear o seu
campo, muitos são necessários para ceifá-lo. E ambos estão contentes. Tanto o
que semeou um saquinho de trigo, e agora precisa preparar os celeiros para
recebê-lo, como aquele que, em poucos dias, ganha com que viver por algum
mês". Também no campo espiritual, aqueles que vão ceifar o que Eu semeei
se alegrarão Comigo e como Eu, porque Eu lhes darei o meu salário e o fruto
devido. Dar-lhes-ei com que viver no meu Reino eterno. Vós não tereis que fazer
outra coisa, senão ceifar. O trabalho mais duro, Eu já fiz. Contudo vos digo:
"Vinde, ceifai no meu campo. Eu fico contente, se vos carregardes com os
manípulos do meu trigo. Quando todo o meu trigo, que Eu houver semeado incansavelmente
por toda parte, for por vós colhido, então se terá cumprido a vontade de Deus e
Eu me sentarei para o banquete da Jerusalém celeste". Eis que chegam os
samaritanos com a Fotinai. Usai de caridade para com eles. São almas que vêm a
Deus".
Pg. 403 – 408
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144 – OS SAMARITANOS CONVIDAM JESUS EM SICAR
23 de abril de 1945.
Vêm ao redor de Jesus um grupo de
notáveis samaritanos, guiados pela Fotinai.
"Deus esteja Contigo, Rabi. Esta
mulher nos disse que és um profeta e que não te indignas por falar conosco. Nós
te pedimos que fiques conosco e que não nos negues a tua palavra, porque, se é
verdade que estamos separados de Judá, também não está dito que todo Judá seja
santo e que o pecado todo esteja em Samaria. Também entre nós há quem é
justo".
"Eu
também disse a esta mulher este conceito. Eu não me imponho, mas também não
rejeito a quem me procura".
"Tu és justo. A mulher nos disse
que Tu és o Cristo. É verdade? Responde-nos em nome de Deus".
"Eu
o sou. Os tempos messiânicos chegaram. Israel está sendo reunido por seu Rei. E
não somente Israel".
"Mas Tu serás para aqueles que...
que não estão em erro, como nós estamos", observa um imponente ancião.
"Homem,
Eu vejo em ti o chefe de todos estes e também em ti vejo uma honesta busca da
Verdade. Agora escuta, tu que és instruído nas leituras sagradas. A Mim foi
dito aquilo que o Espírito disse a Ezequiel, quando lhe deu a missão profética:
"Filho do homem, Eu te envio aos filhos de Israel, aos povos rebeldes que
se afastaram de Mim... São filhos que têm uma face dura e um coração indomável.
Pode ser que eles se ponham a ouvir-te e depois não façam conta das tuas
palavras, que minhas são, porque é uma casa rebelde, mas ao menos saberão que
no meio deles há um profeta. Tu, portanto, não tenhas medo deles, que não te
espantem os seus discursos, porque eles são incrédulos e subversivos... Conta a
eles as minhas palavras, tanto se eles te derem ouvidos ou não. Tu, faz o que
Eu te digo, escuta o que Eu te digo, para que não sejas rebelde como eles. Por
isso, coma qualquer que seja o alimento que Eu te oferecer". E Eu vim. Não
me iludo, nem tenho a pretensão de ser acolhido como um triunfador. Mas, visto
que a vontade de Deus é o meu mel, eis que Eu a cumpro e, se quiserdes, vos
direi as palavras que o Espírito colocou em Mim".
"Como pode ter o Eterno pensado em
nós?".
"Porque
Ele é Amor, filhos".
"Os rabis de Judá não dizem
assim".
"Mas
é assim que vos diz o Messias do Senhor".
"Está dito que o Messias nasceria
de uma virgem de Judá. Tu, de quem é como nasceste?".
"Nasci
em Belém Efrata, de Maria da estirpe de Davi, por obra de uma concepção
espiritual. Queirais crê-lo". A bela voz de Jesus ressoa com um som claro
de alegre triunfo, ao proclamar a virgindade da Mãe.”
"O teu rosto brilha com uma grande
luz. Não. Tu não podes estar mentindo. Os filhos das trevas têm um rosto tenebroso
e olhos turbados. Tu és luminoso; límpidos como uma manhã de abril são os teus
olhos, e a tua palavra é boa. Entra em Sicar, eu te peço, e ensina aos filhos
deste povo. Depois poderás ir... e nós nos lembraremos da Estrela que riscou o
nosso céu...".
"E
por que não a seguiríeis?".
"Como queres que o
possamos?". Vão conversando, enquanto se dirigem para a cidade. "Nós
somos os separados. Ao menos assim se diz. Mas já nascemos nesta fé e não
sabemos se é justo deixá-la. Além disso... sim, Contigo podemos falar, eu
sinto. Além disso, também nós temos olhos para ver e cérebro para pensar.
Quando em viagens ou negócios passamos pelas vossas terras, nem tudo o que nós
vemos é santo, a ponto de persuadir-nos de que Deus está convosco de Judá, nem
convosco da Galileia".
"Em
verdade te digo que do falo de não vos ter persuadido nem reconduzido a Deus,
não com as ofensas e as maldições, mas com o exemplo e a caridade, será feita
imputação ao resto de Israel".
"Quanta sabedoria há em Ti! Estais
ouvindo?". Todos concordam com um murmúrio de admiração. Enquanto isso,
alcançaram a cidade e muitas outras pessoas se achegam, enquanto vão-se
dirigindo para uma casa.
"Escuta, Rabi. Tu, que és sábio e
bom, resolve uma dúvida nossa. Muito do nosso futuro pode depender disso. Tu,
que és o Messias, restaurador, portanto, do reino de Davi, deves ter alegria em
unir de novo este membro disperso ao corpo do Estado. Não é verdade?".
"Não
tanto de reunir as partes separadas do que é caduco, quanto de reconduzir a
Deus todos os espíritos, Eu cuido e sinto alegria, quando restauro a Verdade em
um coração. Mas, diz-me qual é a tua dúvida?".
"Os nossos pais pecaram. Desde
então, as almas de Samaria são malvistas por Deus. Por isso, que vantagem
teremos, se seguirmos o Bem? Para sempre seremos uns leprosos aos olhos de
Deus".
"A
vossa é a eterna saudade, o perene descontentamento de todos os cismáticos. Mas
te respondo ainda com Ezequiel: "Todas as almas são minhas", diz o
Senhor. Tanto a do pai, como a do filho. Mas só morrerá a alma que tem pecado.
Se um homem for justo, se não for idólatra, se não fornicar, se não roubar nem
praticar a usura, se tiver misericórdia para com a carne e o espírito dos
outros, esse será justo aos meus olhos e viverá a verdadeira vida. E ainda. Se
um justo tiver um filho rebelde, por acaso esse filho terá a vida, porque o pai
era justo? Não terá. E ainda. Se o filho de um pecador for um justo, morrerá
como o pai, por ser filho dele? Não. Vivo estará com a vida eterna, porque foi
justo. Não seria justiça, se um levasse o pecado do outro. A alma que pecou,
morrerá. A que não pecou, não morrerá. E, se quem pecou se arrepende e vem para
a Justiça, eis que ele também terá verdadeira vida. O Senhor Deus, único
Senhor, diz: "Eu não quero a morte do pecador, mas que ele se converta e
tenha a Vida". Para isso Ele me enviou, ó filhos errantes! Para que
tenhais a verdadeira vida. Eu sou a Vida. Quem crê em Mim e Naquele que me
enviou, terá a vida eterna, ainda que até agora tenha sido pecador".
"Eis-nos à minha casa, Mestre. Não
sentes horror de entrar nela?".
"Só
tenho horror do pecado".
"Então vem, e para um pouco.
Partiremos juntos o pão e depois, se não te for incomodo, Tu partirás para nós
a palavra de Deus. Tem um outro sabor essa palavra, dita por Ti... e nós temos
aqui um tormento: o de não nos sentirmos seguros de estarmos no certo."
"Tudo
se acalmaria se tivésseis coragem de ir abertamente à Verdade. Deus fale em
vós, ó cidadãos. Logo desce a tarde. Mas amanhã, à hora terceira, Eu vos
falarei longamente, se o quiserdes. Ide com a Misericórdia perto de vós".
Pg. 409 – 411
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145 – O
PRIMEIRO DIA EM SICAR
Diz Jesus:
“Eu
ouvi a muitos de vós, e em todos senti que há uma dor secreta, uma pena, da
qual talvez nem vós deis conta, e que vos faz chorar em vossos corações. Há
séculos que ela vem se acumulando e nem as razões que vós dizeis, nem as
injúrias que se vos fazem, conseguem desfazê-la. Ao contrário, sempre mais
endurece e pesa como a neve que se transforma em gelo.
Eu não
sou um de vós e não sou tampouco um dos que vos acusam. Eu sou Justiça e
Sabedoria. E, para a solução do vosso caso, vos cito ainda Ezequiel. Ele,
profeticamente, fala de Samaria e de Jerusalém, chamando-as de filhas de um
seio e dando-lhes os nomes de Oola e Ooliba.
A
primeira a cair em idolatria foi a primeira, chamada Oola, porque já privada da
ajuda espiritual, que lhe provinha de sua união com o Pai dos Céus. A união com
Deus sempre é salvação. Trocou a verdadeira riqueza, o verdadeiro poder, a
verdadeira sabedoria, pela pobre riqueza, poder e sabedoria de alguém que era
inferior a Deus, ainda mais do que ela, e foi seduzida a tal ponto, que
tornou-se escrava do modo de viver desse alguém que a havia seduzido. Para ser
forte, tornou-se fraca. Para ser maior, tornou-se menor. Por ser imprudente
enlouqueceu. Quando alguém imprudentemente se contamina com alguma infecção, só
pode livrar-se dela com muito trabalho. Vós direis: “Tornou-se menor? Não. Nós
fomos grandes.” Grandes, sim, mas como? A que preço? Vós o sabeis. Quantas,
mesmo estre as mulheres, conquistam a riqueza pelo preço tremendo de sua honra!
Conquistam uma coisa que pode acabar. E perdem uma coisa que nunca tem fim.
Ooliba,
vendo que a loucura de Oola lhe tinha trazido riqueza, quis imitá-la e
enlouqueceu mais do que Oola, e com culpa dobrada, porque ela tinha consigo o
verdadeiro Deus e não deveria nunca ter desprezado a força, que de tal união
lhe provinha. Por isso lhe veio uma dura e tremenda punição, e maior virá à
duplamente louca e fornicadora Ooliba. Deus lhe virará as costas. Já o está
fazendo, para ir àqueles que não são de Judá. E não se poderá acusar a Deus de
ser injusto, porque Ele não se impõe. Abre a todos os seus braços, a todos
convida, mas se alguém diz: “Vai-te embora”, Ele se vai. Vai em busca de amor,
vai levar seus convites a outros, até encontrar quem lhe diga: “Eu vou.” Por
isso eu vos digo que podeis ter alivio em vosso tormento, e deveis tê-lo se
pensardes nisto.
Oola,
cai em ti mesma! Deus te está chamando. A sabedoria do homem está em saber
reconhecer as próprias faltas, a sabedoria do espírito está em amar ao Deus
verdadeiro e à sua Verdade. Não fiqueis olhando nem para Ooliba, nem para a
Fenícia, nem para o Egito, nem para a Grécia. Olhai para Deus. Aquela é a
Pátria de todos os espíritos retos: o Céu. Não existem muitas leis. Mas uma só:
a de Deus. Por esse código, tem-se a Vida. Não digais: "Pecamos", mas
dizei: "Não queremos pecar mais". Que Deus ainda vos ame, nisto de
ter-vos mandado o seu Verbo par dizer-vos: "Vinde", tendes a prova.
Vinde, vos digo. Sois injuriados e proscritos? E por quem? Por seres
semelhantes a vós. Mas Deus é mais do que eles, e Ele vos diz:
"Vinde". Um dia chegará em que vos jubilareis por não terdes estado
no Templo... Com a mente vos jubilareis por isso. Mas ainda mais se jubilarão
os espíritos, porque sobre os retos de coração, espalhados pela Samaria, já
terá descido o perdão de Deus. Preparai a chegada dele. Vinde ao Salvador
universal, ó filhos de Deus que perdestes o Caminho ".
"Mas, pelo menos alguns, nós iremos. São
os do outro lado que não nos querem".
"E
ainda como sacerdote e profeta Eu vos digo: "Eu pegarei a madeira de José,
que está na mão de Efraim, com as tribos de Israel a ele unidas e as ajuntarei
com a madeira de Judá, fazendo de tudo uma só madeira...". Sim. Não ao
Templo. A Mim, vinde. Eu não rejeito. Eu sou aquele que é chamado o Rei que
domina sobre todos. O Rei dos reis sou Eu. Eu vos purificarei a todos, ó povos
que quereis ser purificados. Eu vos reunirei, ó rebanhos sem pastor, ou com
pastores que se fazem ídolos, porque Eu sou o bom Pastor. Eu vos darei um
tabernáculo único e o colocarei no meio dos meus fiéis. Esse tabernáculo será
fonte de vida, pão de vida, será luz, será salvação, proteção, sabedoria. Tudo
será, porque será o Vivente dado em alimento aos mortos para torná-los vivos,
será o Deus que se derrama com a sua santidade para santificar. Isto Eu sou e
serei. O tempo do ódio, da incompreensão, do temor, está superado. Vinde! Povo
de Israel! Povo separado! Povo aflito! Povo distante! Povo querido, tanto,
infinitamente querido, porque doente, porque enfraquecido, porque esvaído em
sangue por uma flecha que te abriu as veias da alma e dela fez fugir a união
vital com o teu Deus, vem! Vem ao seio do qual nasceste, vem ao peito do qual
te veio a vida. Doçura e calor ainda há aqui para ti. Sempre. Vem! Vem à Vida e
à Salvação".
Pg. 413 – 415
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146 – O SEGUNDO DIA EM SICAR E
DESPEDIDA DOS SAMARITANOS
Diz Jesus:
“Filhos de Israel, rezai,
chorando comigo, vosso Salvador. Que minha voz sustente as vossas e penetre,
pois ela o pode, até o trono de Deus. Quem reza com o Cristo, Filho do Pai, é
ouvido por Deus, Pai do Filho. Rezemos a antiga e justa oração de Baruque:
"E agora, Senhor Onipotente,
ó Deus de Israel, todas as almas angustiadas, todos os espíritos cheios de ansiedade
clamam por Ti. Escuta-os, Senhor, e tem piedade. Tu és um Deus misericordioso,
tem piedade de nós, porque pecamos diante de Ti. Tu, desde a eternidade, estás
sentado e nós deveremos perecer para sempre? Senhor Omnipotente, Deus de
Israel, escuta a oração dos mortos de Israel e dos seus filhos, os quais
pecaram diante de Ti. Eles não deram ouvidos à voz do Senhor seu Deus e em nós
pegavam os males deles. Não te lembres da iniquidade de nossos pais, mas
recorda-te do teu poder e do teu Nome. Para que nós invoquemos esse Nome e nos
convertamos da iniquidade de nossos pais, tem piedade".
Rezai assim e convertei-vos
verdadeiramente, voltando-se à verdadeira sabedoria, que é a de Deus e que se
encontra no Livro dos mandamentos de Deus e na Lei que dura para sempre e que
agora Eu, Messias de Deus, vim trazer de novo, em sua forma simples e
inalterável, para os pobres do mundo, anunciando-lhes a boa nova da era da
Redenção, do Perdão, do Amor, da Paz. Quem crer nesta Palavra, alcançará a vida
eterna.
Eu vos deixo, ó cidadãos de
Sicar, que fostes bons para com o Messias de Deus. Eu vos deixo com a minha
paz.”
Pg.417
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147 – CURA DE UMA MULHER DE SICAR
E CONVERSAO DE FOTINAI
Jesus caminha sozinho, passando rente a uma sebe de cactáceas
que, zombando de todas as outras árvores despidas, brilham ao sol com suas
pazinhas gordas e espinhosas, sobre as quais ficou ainda um ou outro fruto ao
qual o tempo deu uma cor vermelho tijolo e sobre as quais já vêm sorrindo
alguma precoce flor, com seu amarelo pincelado de cinabre. Atrás, os apóstolos
cochicham entre eles, e não me parece que estejam fazendo propriamente elogios
ao Mestre. O qual, em certo momento, vira-se de repente e diz:
"Quem olha para os ventos,
não semeia e quem fica olhando para as nuvens, nunca irá fazer a
colheita". É um provérbio antigo. Mas Eu o sigo. E vós estais vendo que,
onde tínheis medo de encontrar ventos contrários e nem queríeis parar, Eu
encontrei terreno e modo de semear. E não obstante as "vossas" nuvens
que, seja-vos dito, não é bom que as fiqueis mostrando onde a Misericórdia quer
mostrar o seu sol, estou certo de já ter feito uma colheita".
"No entanto, ninguém te pediu um milagre. É uma fé muito
estranha a que eles têm em Ti!"
"E crês tu, Tomé, que só o
pedido de um milagre já prove que há fé? Estás enganado. É tudo ao contrário.
Quem quer um milagre para poder crer, é sinal de que, sem o milagre, que é uma
prova palpável, ele não acreditaria. Ao invés, aquele que diz: "Eu
creio", só pela palavra de outrem, mostra a máxima fé".
"De modo, então,
que os samaritanos são melhores do que nós!".
"Não digo isto. Mas na
condição em que estão de rebaixamento espiritual, mostraram uma capacidade de
entender a Deus muito superior à dos fiéis da Palestina. Encontrareis isso
muitas vezes em vossa vida, e Eu vos peço, recordai-vos também deste episódio
para saberdes controlar-vos, sem preconceitos para com as almas que virão à fé
no Cristo".
... Aquele de vós que queria um
pedido de milagre, para persuadir-se de que os habitantes de Sicar ceem em Mim,
agora vai ser contentado. Aquele homem certamente nos segue por algum motivo.
Paremos aqui.”
De fato, um homem vem avante. Parece estar encurvado sob o
peso de um grande fardo que ele traz equilibrando nas costas. Vê que o grupo
para e para também.
- Ele quer nos atacar. Parou porque viu que nós percebemos a
presença dele. Ah! São Samaritanos.
-Tem certeza disso, Pedro?
- Oh! Toda certeza.
- Então parai aqui, Eu vou ao encontro dele.
- Não faças isso, Senhor! Se vais, eu vou também.
- Então vem.
Jesus se dirige para o homem. Pedro vai caminhando aos pulos
ao lado de Jesus, curioso e ao mesmo tempo hostil. Quando estão a poucos metros
do homem, Jesus lhe diz:
Que queres homem? Quem procuras?
- A Ti.
- E porque não me procuraste na
cidade?
- Não ousava. Se me tivesses rejeitado na presença de todos,
eu teria ficado muito magoado e envergonhado.
- Podias ter-me chamado logo que
eu estivesse sozinho com os meus.
- Eu esperava alcançar-te, quando estivesse sozinho, como
aconteceu com Fotinai. Eu também tenho um grande motivo para ficar sozinho
Contigo...”
- Que queres? Que é que estás
trazendo nas costas com tanta dificuldade?
- É a minha mulher. Um espírito tomou posse dela e fez dela
um corpo morto e uma inteligência que se apagou. Tenho que dar-lhe comida na
boca, venti-la e transportá-la, como se faz com uma criança. Ela ficou assim de
repente, sem ficar doente. Chamam-lhe “A endemonunhada”. Sofro tanto com ela,
me dá trabalho. E despesas. Olha.
O homem põe no chão o seu fardo de carnes inertes, envolvidas
em um manto, como se fosse um saco, e descobre um rosto de mulher ainda nova,
mas que, se não tivesse respirando, poder-se-ia dizer que estava morta. Olhos
fechados, boca entreaberta. O rosto de alguém que expirou. Jesus se inclina
sobre a infeliz, que está deitada no chão, olha para ela, olha para o homem: “Crês tu
que Eu possa? Por que é que crês?
- Porque Tu és o Cristo.
- Mas tu não viste nada que o
prove.
- Eu ouvi a tua palavra. Ela basta.
- Pedro, estás ouvindo? Que dizes
que Eu tenha que fazer agora, diante de uma fé tão boa?
- Mas... Mestre... Tu... Eu... Mas, faz Tu, em suma. Pedro
ficou muito embaraçado.
- Sim. Eu faço. Homem, olha. Jesus pega pela mão a mulher e
ordena: - Sai dela. Eu quero.
A mulher, até então inerte, tem uma horrível convulsão,
primeiro muda e depois com gritos e lamentos, que terminam com um grande grito,
durante o qual ela abre os olhos, que até aquele momento tinham estado
fechados, arregalando-os, como alguém que desperta de um sono de pesadelo. Depois
se acalma e um pouco atordoada olha ao redor de si, fixando os olhos primeiro
em Jesus, o desconhecido, que lhe sorri. Olha a poeira do caminho em que stá
deitada, uma moita de erva que nasceu na beira do caminho e sobre a qual estão
as cabecinhas brancas e vermelhas dos botões das margaridinhas, ali colocadas
como pérolas, que estão para abrir-se numa auréola. Olha para a sebe de
cactáceas, para o céu tão azul, e depois vira os olhos e vê o seu homem... o
seu homem, que a olha ansioso e a escruta em todos os seus movimentos. Ela
sorri, e depois, na completa liberdade que volta, em um pulo põe-se de pé e vai
refugiar-se sobre o peito do marida que a acaricia e abraça chorando.
... Jesus fala: Não é preciso que te lembres do
dia de ontem. Lembra-te sempre do dia de hoje. E sê boa. Adeus. Sede bons e
Deus estará convosco.
Pg. 418
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148 – JESUS VISITA O BATISTA
PERTO DE HINON
Uma clara noite de luar, tão clara, que o terreno se revela
em todos os seus particulares e os campos com o trigo nascido há poucos dias,
parecem tapetes de uma felpa verde prateada, listrados pelas fitas escuras dos
caminhos e vigiados pelos troncos das árvores todos brancos do lado da lua e
todos pretos do lado do poente. Jesus caminha tranquilo e sozinho. Vai muito
rápido, até encontrar um curso d'água, que desce borbulhante em direção à
planície no sentido noroeste. Sobe por ele até um lugar solitário perto de uma
encosta cheia de árvores. Faz uma volta ainda, subindo por um atalho, e chega a
um abrigo natural, num dos lados da colina.
Entra e se inclina sobre alguém que está deitado, e que mal
pode ser visto ao clarão do luar, que ilumina o caminho, mas não penetra na
caverna. Jesus o chama: "João".
O homem desperta e se assenta, ainda ofuscado pelo sono. Mas
logo dá-se conta de Quem é que o está chamando e num pulo põe-se de pé, para
depois prostrar-se por terra, dizendo:
"Como é que veio a mim o meu Senhor?".
"Para contentar o teu
coração e o meu. Tu me queria ver, João. Eis-me. Levanta-te. Vamos sair para a
luz do luar e sentar-nos na pedra que está junto à caverna para
conversarmos".
João obedece, levanta-se e sai. Mas quando Jesus sentou-se,
ele em sua pele de ovelha, que mal lhe cobre o corpo magríssimo, põe-se de
joelhos diante do Cristo, joga para trás seus cabelos longos e descompostos,
que lhe estavam caindo sobre os olhos, para ver melhor o Filho de Deus. O
contraste é muito forte. Jesus é pálido e loiro, de cabelos macios e penteados,
com uma barba curta por baixo do rosto, e o outro é uma verdadeira touceira de
pelos muito pretos dos quais apenas aparecem dois olhos encovados, eu diria
febris, de tanto que brilham em sua cor negra de azeviche.
"Vim para dizer-te: obrigado.
Tu tens cumprido e estás cumprindo, com a perfeição da Graça que há em ti, a
tua missão de meu Precursor. Quando chegar a hora, entrarás a meu lado no Céu,
porque tudo terás merecido de Deus. Mas, naquela espera, já estarás na paz do
Senhor, meu amigo dileto".
"Bem depressa entrarei na paz. Meu Mestre e Deus,
abençoa o teu servo para fortalecê-lo na última prova. Eu não ignoro que ela já
está próxima e que ainda tenho que dar um testemunho: o sangue. E Tu, mais ainda
do que eu, não ignoras que está para chegar a minha hora. A tua vinda foi a
misericordiosa bondade do teu coração de Deus que a quis, para fortalecer o
último mártir de Israel e o primeiro mártir dos tempos novos. Mas diz-me uma
coisa: terei que esperar muito a tua vinda?".
"Não, João. Não muito mais
do que o tempo que decorreu do teu ao meu nascimento".
"Seja bendito o Altíssimo por isso. Jesus... posso
dizer-te assim?".
"Tu o podes, tanto pelo
sangue, como pela santidade. Aquele Nome, que os pecadores também dizem, pode
ser dito pelo santo de Israel. Para eles é salvação, para ti seja doçura. Que
queres de Jesus, teu Mestre e primo?".
"Eu vou morrer. Mas como um pai se preocupa com seus
filhos, eu me preocupo com os meus discípulos. Os meus discípulos... Tu és
Mestre e sabes como para com eles é vivo em nós o amor. A única pena que eu
tenho ao morrer é o temor de que eles se percam, como ovelhas sem pastor.
Recolhe-os, Tu. Eu te entrego os três que já são teus e que me foram perfeitos
discípulos, à espera de Ti. Neles, e especialmente em Matias, está realmente
presente a Sabedoria. Outros tenho. E a Ti virão. Mas a estes, deixa que eu os
confie a Ti pessoalmente. São os três mais queridos". "
E Eu também os considero
queridos. Vai tranquilo, João. Eles não se perderão. Nem estes nem os outros
que tens, verdadeiros discípulos. Eu recolho a tua herança e a velarei como o
tesouro mais caro, vindo de perfeito amigo meu e servo do Senhor". João se prostra por terra e, o que parece impossível
em tão austero personagem, chora com fortes soluços de alegria espiritual.
Jesus pousa a mão sobre a cabeça dele. "O teu pranto, que é de
alegria e humildade é o eco de um canto longínquo, ao som do qual o teu pequeno
coração pulou de júbilo. São, aquele canto e este pranto, o mesmo hino de louvor
ao Eterno que fez grandes coisas, Ele que é poderoso, nos espíritos humildes.
Também minha Mãe está para entoar de novo o seu canto, já cantado então. Mas
depois, também para Ela virá a maior glória, como para ti, depois do martírio.
Eu te trago também as saudações Dela. Todas as despedidas e todos os confortos.
Tu o mereces. Aqui não há mais do que a mão do Filho do homem, que está sobre a
tua cabeça, mas, do Céu aberto, desce a Luz e o Amor a abençoar-te, João".
"Eu não mereço tanto. Eu sou o teu servo".
"Tu és o meu João. Naquele
dia, junto ao Jordão, Eu era o Messias que se manifestava; aqui agora é o primo
e o Deus, que te quer dar o viático do seu amor de Deus e de parente.
Levanta-te, João. Demos um ao outro o beijo de adeus".
"Não mereço tanto... Eu sempre o desejei durante toda a
vida. Mas não ouso fazer este ato sobre Ti. Tu és o meu Deus".
"Sou o teu Jesus. Adeus. A
minha alma estará perto da tua até à paz. E vive e morre em paz quanto aos teus
discípulos. Não posso dar-te senão isto agora. Mas no Céu te darei o cêntuplo,
porque achaste graça aos olhos de Deus".
Jesus o levantou e o abraçou, beijando-o nas faces e sendo
por ele beijado. Depois João se ajoelha ainda e Jesus lhe impõe as mãos sobre a
cabeça e reza com os olhos voltados para o céu. Parece que o está consagrando.
É majestoso. O silêncio se prolonga assim por algum tempo. Depois Jesus se
despede com sua doce saudação:
"A minha paz esteja sempre
contigo", e retoma
o caminho por onde veio.
Pg. 422-425
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------149 – A VISITA AO BATISTA É MOTIVO DE ENSINAMENTOS AOS
DISCÍPULOS
28 de abril de 1945.
“Senhor, por que não tomas um descanso,
de noite? Esta noite, Eu me levantei e não te vi. O teu lugar estava
vazio", diz Simão Zelote.
"Por
que estavas me procurando, Simão?".
"Para ceder-te o meu manto. Temia
que Tu estivesses com frio na noite, que estava serena, mas muito fresca".
"E
tu, não estavas com frio?"
"Eu me habituei, em muitos anos de
miséria, a ficar mal coberto, mal nutrido e mal alojado... Aquele vale dos
mortos! Que horror! Neste momento não seria oportuno. Mas numa outra vez que
tivermos que ir para Jerusalém, pois certamente teremos que ir, vai, meu
Senhor, para os lados daqueles lugares de morte. Lá há tantos infelizes, e a
miséria corporal não é a mais grave... O que mais rói lá e consome é o
desespero. Não achas, meu Senhor, que existe dureza demais para com os leprosos?"
É o Iscariotes quem responde, antes até
de Jesus, ao Zelote, que perora em favor dos seus antigos companheiros. O
Iscariotes diz: "E quereria, então, deixá-los no meio do povo? Pior para
eles, se são leprosos! "
"Não nos faltaria nada mais do que
isto, para fazer dos hebreus uns mártires. Até a lepra, tendo o seu espaço nas
ruas, junto com as milícias e outras coisas!", exclama Pedro.
"Parece-me que seja uma medida de justa prudência conservá-los
separados", observa Tiago do Alfeu.
"Sim. Mas haveria de ser praticada
com piedade. Tu não sabes o que é ser leproso. Não podes falar. Se é justo ter
cuidado com os nossos corpos, por que não temos a mesma justiça para com as
almas dos leprosos? Quem fala a eles de Deus? E só Deus sabe quanto eles têm necessidade
de pensar em Deus e em uma paz, naquela sua atroz desolação! "
"Simão,
tens razão. Eu irei a eles. Porque é justo e para ensinar-vos esta
misericórdia. Até agora, tenho curado os leprosos encontrados por acaso. Até
este momento, ou seja, até o dia em que fui expulso de Judá, Eu me dirigi aos
grandes de Judá, como aos mais afastados e necessitados de serem redimidos para
serem auxiliares do Redentor. Mas agora, convicto da inutilidade dessa minha
tentativa, Eu os abandono. Não aos grandes, mas aos mínimos, às misérias de
Israel é que Eu vou. E entre elas estarão os leprosos do vale dos mortos. Não
decepcionarei a fé que têm em mim este evangelizador pelo leproso
reconhecido".
"Como sabes, Senhor, que eu fiz
isso?"
"Como
sei o que pensam de mim amigos ou inimigos, cujos corações perscruto".
"Misericórdia! Mas Tu sabes mesmo
tudo de nós, Mestre?", grita Pedro.
"Sim.
Também que tu, e não tu somente, querias afastar a Fotinai. Mas não sabes que
não te é lícito afastar uma alma do bem? Não sabes que para penetrar numa
cidade é preciso ser de uma piedade toda doce, até para com aqueles que a
sociedade, que não é santa, por que não está identificada com Deus, chama e
julga indignos de piedade? Mas não te perturbes por Eu saber estas coisas. Tem,
sim, pena de que o teu coração tenha movimentos, que Deus não aprova e es
força-te para não tê-los mais. Eu vo-lo disse. O primeiro ano terminou. No ano
novo, Eu progredirei, e com novas formas, pelo meu caminho. Vós deveis no
segundo ano também progredir. Se assim não fosse, seria inútil que Eu me
cansasse a evangelizar e a super-evangelizar-vos, meus futuros
sacerdotes".
"Tinhas ido rezar, Mestre? Tu nos
havias prometido ensinar-nos as tuas orações. Irás fazê-lo neste ano?".
"Eu
o farei. Mas quero ensinar-vos a serdes bons. A bondade já é oração. Mas Eu o
farei, João".
"E também à fazer milagres, nos
ensinarás neste ano?", pergunta Iscariotes.
"O
milagre não se ensina. Não é um jogo de prestidigitador. O milagre vem de Deus.
Consegue-o quem tem graça junto a Deus. Se aprenderdes a ser bons, tereis graça
e conseguireis milagres".
Mas Tu nunca respondes a nossa
pergunta. Perguntou-se o Simão, perguntou-se o João, e nunca nos dizes aonde
foste esta noite. Sair assim sozinho, numa terra pagã, pode ser perigoso".
"Fui
fazer feliz uma alma reta e, como era um moribundo, fui receber a sua
herança".
"Sim? Era muita?"
"Muita,
Pedro, e de muito valor. Era o fruto do trabalho de um verdadeiro justo".
"Mas... eu não vi nada mais na tua
sacola. Serão talvez joias que trazes no peito?".
"Sim.
São joias muito queridas ao meu coração".
"Mostra-no-las, Senhor!"
"Eu
as receberei, quando aquele moribundo morrer. Por ora, servem a ele, e a mim,
deixando-as onde estão".
"Ele as pôs a juros?"
"Mas,
pensas tu que o que tem valor é só o dinheiro? Esta é a coisa mais inútil e
suja que há sobre a terra. E só serve para a matéria, para os delitos e o
inferno. Raramente o homem o usa para o bem".
"Então... se não é dinheiro, o que
é?"
"Três
discípulos formados por um santo".
"Estiveste com o Batista? Oh! Mas
por que?"
"Por
que? Vós me tendes sempre; e todos vós valeis menos do que uma só unha do
Profeta. Não era justo que Eu fosse levar ao santo de Israel a bênção de Deus
para fortalecê-lo para o martírio?"
"Mas se é santo... não precisa de
fortificação. Age por si mesmo!"
"Um
dia chegará em que os "meus" santos serão levados aos juízes e à
morte. Serão Santos, estarão na graça de Deus, serão confortados pela fé, pela
esperança e pela caridade. Contudo, Eu já estou ouvindo o grito deles, o grito
de seus espíritos: "Senhor, ajuda-nos nesta hora!". Só com a minha
ajuda é que os meus santos serão fortes nas perseguições".
"Mas... estes não seremos nós, não
é? Porque eu não tenho mesmo a capacidade de sofrer".
"É
verdade. Tu não tens a capacidade de sofrer. Mas tu, Bartolomeu, ainda não
foste balizado".
"Eu o fui sim".
"Com
a água. Mas falta-te ainda um outro batismo. Só depois é que saberás
sofrer".
"Eu já estou velho".
"E
quando muito mais velho, serás mais forte do que um jovem".
"Mas Tu nos ajudarás do mesmo modo,
não é verdade?"
"Eu
estarei sempre convosco".
"Procurarei habituar-me a
sofrer", diz Bartolomeu.
"Eu rezarei sempre, desde agora,
para receber esta graça de Ti", diz Tiago do Alfeu.
"Eu estou velho e não peço senão
poder ir à tua frente e entrar Contigo na paz", diz Simão Zelote.
"Eu... nem sei o que quereria: Se
ir à tua frente ou estar perto de Ti para morrer Contigo", diz Judas do
Alfeu.
"Eu ficarei pesaroso, se
sobreviver a Ti. Mas me consolarei pregando o teu nome aos povos",
professa Iscariotes.
"Eu penso como o teu primo",
diz Tomé.
"Eu, ao invés, como Simão, o
Zelote", diz Tiago do Zebedeu.
"E
tu, Filipe?"
"Mas... eu digo que não quero nem
pensar nisso. O Eterno me dará o que for melhor". "Oh! Calai-vos!
Parece que o Mestre vai morrer logo! Não me façais pensar em sua morte! ",
exclama André.
"Disseste bem, meu irmão. Estás
jovem e são, Jesus. Terás que sepultar-nos todos, pois somos mais velhos do que
Tu".
"E
se me matassem?"
"Que isso não te aconteça nunca.
Mas eu te vingarei".
"Como?
Com vinganças de sangue?"
"Eh! Até com elas, se me dás licença.
Mas, se não a deres, irei destruir, com a minha profissão de fé entre os povos
as acusações lançadas contra Ti. O mundo te amará, porque serei incansável em
pregar o teu Nome", termina Pedro.
"É
verdade. Assim será. E tu, João? E tu, Mateus?"
"Eu devo sofrer e esperar ter, com
muito sofrimento, lavado o meu espírito", diz Mateus. "E eu... eu não
sei. Gostaria de morrer logo, para não te ver sofrer. Gostaria de estar ao teu
lado, para consolar-te na agonia. Gostaria de viver por longo tempo para servir-te
por longo tempo. Gostaria de morrer Contigo para entrar Contigo no Céu. De tudo
isso eu gostaria, porque te amo. E penso que eu, o menor de meus irmãos,
poderei tudo isso, se eu souber amar-te com perfeição. Jesus, aumenta em mim o
teu amor!", diz João.
"Quererás dizer: "Aumenta o
meu amor", comenta Iscariotes. "Porque somos nós que devemos amar
sempre mais."
"Não. Eu digo: "Aumenta o teu
amor". Porque nós mais amaremos quanto mais Ele nos queimará com seu
amor". Jesus atrai para perto de si o puro e apaixonado João e o beija na
fronte, dizendo depois: "Revelaste um mistério de Deus sobre a santificação dos
corações. Deus se derrama sobre os justos, e, quanto mais eles se entreguem ao
seu amor, mais Ele o aumenta e cresce a santidade. É este o misterioso e
inefável modo de operar de Deus e dos espíritos. Cumpre-se nos silêncios
místicos e a sua potência, indescritível com palavras humanas, cria
indescritíveis obras-primas de santidade. Não é um erro, mas é uma palavra
sábia esta de pedir que Deus aumente o seu amor em um coração".
Pg. 625 -429
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151 – EM CANÁ NA CASA DE SUSANA,
QUE SE TORNARÁ DISCÍPULA. O OFICIAL DO REI
Talvez Jesus se tenha dirigido para o lago. O certo é que
chega a Caná, e vai até a casa de Susana. Com Ele vão os seus primos. Enquanto
estão naquela casa, onde tomam descanso e refeição, e enquanto, ouvido como
sempre deveria sê-lo, por seus parentes ou amigos de Caná, Jesus ensina com
simplicidade àquelas boas pessoas e consola os sofrimentos do esposo de Susana
- que parece enferma, porque não está presente e ouço falar insistentemente do
seu sofrimento - entra um homem bem vestido e se prostra aos pés de Jesus.
"Quem és? Que queres?". Enquanto o homem ainda suspira e
chora, o dono da casa puxa Jesus pela orla da veste e lhe sussurra: "É um
oficial do Tetrarca. Não confies muito nele". "Fala,
pois. Que queres de mim?"
"Mestre, eu soube que tinhas voltado. Eu te esperava,
como se espera a Deus. Vai depressa a Cafarnaum. O meu filho está de cama, tão
doente, que as suas horas estão contadas. Eu vi o teu discípulo João. Por ele
eu soube que tinhas vindo aqui. Vai, vai logo, antes que seja tarde
demais".
"Como? Tu que és servo do
perseguidor do santo de Israel, podes crer em mim? Vós não credes no Precursor
do Messias. Como, então, podeis crer no Messias?"
"É verdade. Estamos no pecado de incredulidade e de
crueldade. Mas tem piedade de um pai! Eu conheço Cusa. E vi a Joana. Antes e
depois do milagre. E acreditei em Ti".
"Sim! Sois uma geração tão
incrédula e perversa, que, sem sinais e prodígios, não acreditais. Falta-vos a
primeira qualidade necessária para obter o milagre".
"É verdade. Tudo isso é verdade! Mas Tu estás vendo...
Eu creio em Ti agora e te peço: vai, vai logo a Cafarnaum. Eu providenciarei
para Ti um barco em Tiberíades, a fim de que possas ir mais rápido. Mas vai,
antes que meu menino morra!" e chora desoladamente.
"Eu não vou, por enquanto.
Mas tu, vai para Cafarnaum. A partir deste momento, o teu filho está curado e
vivo".
"Deus te abençoe, meu Senhor. Eu creio. Mas, como quero
que toda a minha família te preste uma homenagem, vai depois à minha casa em
Cafarnaum".
"Irei. Adeus. A paz esteja
contigo".
O homem sai com pressa e ouve-se, pouco depois, o trotar de
um cavalo. "Mas aquele menino ficou mesmo bom?", pergunta o esposo de
Susana.
"E tu és capaz de crer que
Eu esteja mentindo?"
"Não, Senhor. Mas Tu estás aqui e o menino está
lá".
"Para o meu espírito não há
barreiras, nem distancias".
"Oh! Meu Senhor, que transformaste a água em vinho no
meu casamento, transforma então o meu pranto em sorriso. Cura a minha
Susana".
"Que me darás em troca
disso?"
"A soma que quiseres".
"Eu não sujo o que é santo
com o sangue de Mamon. Pergunto ao teu espírito o que ele me dará".
"Até a mim mesmo, se quiseres".
"E se Eu te pedisse, sem palavras,
um grande sacrifício?"
"Meu Senhor, eu te peço a saúde corporal de minha esposa
e a santificação de todos nós. Creio que para obter isso, não posso achar nada
grande demais...".
"Tu estás angustiado por
causa de tua mulher. Mas, se Eu a fizesse voltar à vida, conquistando-a para
sempre como discípula, que dirias tu?"
"Eu diria... que Tu tens o direito de fazer isso... e
que... eu imitarei a Abraão na prontidão ao sacrifício".
"Disseste bem. Ouvi todos:
aproxima-se o tempo do meu sacrifício. Como uma água ele corre veloz, sem
parar, até à foz. Eu preciso cumprir tudo o que devo cumprir. A dureza humana
me vem fechando muitos campos de missão. Minha Mãe e Maria de Alfeu irão
Comigo, quando Eu for para longe, por entre as populações que não me amam
ainda, ou que não me amarão nunca. Minha sabedoria sabe que as mulheres poderão
ajudar o Mestre nesse campo fechado. Eu vim para redimir a mulher também e, no
século futuro, em meu tempo, ver-se-ão mulheres, semelhantes a sacerdotisas,
servindo ao Senhor e aos servos de Deus. Eu escolhi os meus discípulos. Mas,
para escolher as mulheres, que não estão livres, Eu devo pedir isso aos pais e aos
maridos. Queres tu fazer isso?"
"Senhor... eu amo a Susana. E até agora, a tenho amado
mais como carne do que como espírito. Mas com os teus ensinamentos, já alguma
coisa se mudou em mim, e olho para minha mulher como alma, além do que como
corpo. A alma é de Deus e Tu és o Messias, Filho de Deus. Não te posso
contestar o teu direito sobre o que é de Deus. Se Susana quiser seguir-te, eu
não lhe criarei dificuldades. Somente te peço, opera o milagre de curá-la em
sua carne e a mim nos meus sentidos."
"Susana está curada. Dentro
de poucas horas, ela virá dizer-te a sua alegria. Deixa que a alma dela siga o
seu impulso, sem falar nada do que Eu disse agora. Verás como a alma dela virá
espontaneamente a mim, assim como a chama tem a tendência de subir. Nem por
isso morrerá o seu amor de esposa. Mas se elevará ao mais alto grau, que é
aquele de amar-se com a melhor parte: com o espírito".
"Susana te pertence, Senhor. Ela ia morrer, e
lentamente, com fortes dores. E, uma vez que estivesse morta de falo, a teria perdido
nesta terra. Sendo como Tu dizes, eu a terei ainda ao meu lado para conduzir-me
consigo pelos teus caminhos. Deus deu-a para mim e Deus a tira de mim. Que o
Altíssimo seja bendito, quando dá e quando retém".
Pg. 431-433
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152 – MARIA SALOMÉ É ACOLHIDA
COMO DISCÍPULA
Jesus está em uma casa que compreendo ser a de Tiago e João,
pelo que estão dizendo os que nela se encontram. Com Jesus, além dos dois
apóstolos, estão Pedro e André, Simão Zelote, Iscariotes e Mateus. Os outros
não os vejo. Tiago e João estão felizes. Vão e vêm entre a mãe deles e Jesus,
como umas borboletas que não sabem qual a flor que hão de preferir, entre duas
igualmente amadas, e Maria Salomé acaricia os seus dois rapagões, a cada vez
que dela se aproximam, toda contente, enquanto Jesus sorri. Devem ter acabado
de tomar a refeição, porque a mesa ainda está posta. Mas os dois querem que
Jesus coma uns cachos de uva branca, tida em conserva pela mãe e que deve ser
doce como o mel. O que é que eles não dariam a Jesus! Mas Salomé quer dar e
receber alguma coisa que seja mais do que uvas e carícias. E depois de ter
parado um pouco, pensativa, olhando para Jesus e olhando para Zebedeu, decide.
Vai ao Mestre, que está sentado com as costas apoiadas na mesa e ajoelha-se
diante Dele.
"Que queres, mulher?"
"Mestre, Tu decidiste que tua Mãe e a mãe de Tiago e
Judas vão Contigo e também Susana vai, e certamente também a grande Joana de
Cusa irá. Todas as mulheres que te veneram irão. Se uma qualquer for eu
quereria ir também. Leva-me, Jesus. Eu te servirei com amor".
"Tu
tens que cuidar do Zebedeu. Não o amas mais?"
"Oh! Se o amo! Mas eu amo mais a Ti. Oh! Não quero dizer
que te amo como homem. Tenho sessenta anos e há quase quarenta que estou
casada, e nunca vi outro homem, que não fosse o meu. Louca, agora que sou uma
velha, não vou ficar. Nem, porém, pela velhice, morre o meu amor pelo meu
Zebedeu. Mas Tu... Eu não sei falar. Sou uma pobre mulher. Falo como sei. E é
isto, ao Zebedeu eu amo com tudo o que era antes. Mas a Ti eu amo com tudo
aquilo que soubeste fazer vir em mim com as tuas palavras e com as que me foram
ditas pelo Tiago e pelo João. E é uma coisa bem diferente... mas tão
bela".
"Não será tão bela como o
amor de um ótimo esposo".
"Oh! Não. O é
muito mais! Oh! Não o leves a mal, Zebedeu! Eu te amo ainda com toda mim mesma.
Mas a Ele eu amo com alguma coisa que é ainda Maria, mas que não é mais Maria,
a pobre Maria tua esposa, mas é mais do que isto... Oh! eu nem sei
explicar!". Jesus sorri para a mulher, que não quer ofender ao marido, mas
não pode calar-se, diante do seu grande e novo amor. Também o Zebedeu sorri
gravemente, aproximando-se da mulher que, continuando de joelhos, vira-se sobre
si mesma para olhar, ao esposo e a Jesus alternadamente.
"Mas sabes, Maria, que terás
que deixar a tua casa? Tu, que aqui cuidas de tantas coisas! Os teus pombos...
as tuas flores... e essa videira que produz aquela uva doce de que tanto te
orgulhas, e as tuas colmeias, as mais famosas do povoado... e não mais aquele
tear, no qual fizeste tantos tecidos e tanta lã para os teus queridos. E os
netinhos? Como farás, sem os teus pequenas netos?"
"Oh! Mas meu
Senhor! Que queres que sejam as paredes, os pombos, as flores, a videira, as
colmeias, o tear? Tudo isso são coisas boas, queridas, mas tão pequenas,
comparadas a Ti e ao amor a Ti?! Os netinhos... é, sim. Será uma pena não poder
fazê-los dormir no colo e ouvir que me estão chamando... mas Tu és mais! Oh! se
és mais do que todas as coisas de que falaste! E, se elas, mesmo tomadas todas
juntas, e por minha fraqueza, fossem tão queridas como Tu, ou mais do que
seguir-te e servir-te, eu, chorando, as lançaria de lado com lágrimas de
mulher, para seguir-te com o sorriso da minha alma. Leva-me, Mestre. Dizei isto a Ele, vós, João
e Tiago... e tu, meu esposo. Sede bons. Ajudai-me, vós todos! ".
"Tudo bem. Irás tu também
com as outras. Eu quis fazer-te meditar bem sobre o passado e o presente, sobre
o que vais deixar e sobre o que vais assumir. Mas vem, Salomé. Já estás madura
para entrar na minha família".
"Oh! Madura! Eu sou menos que uma criança! Mas Tu me
perdoarás os erros e me segurarás pela mão. Tu... Porque, grosseira como eu
sou, de tua Mãe e da Joana eu terei muita vergonha. De todos eu terei vergonha.
Menos de Ti. Porque Tu és o Bom e tudo compreendes, de tudo tens dó, tudo
perdoa".
Pg. 433-435
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154 –
JESUS EM CESARÉIA MARÍTIMA FALA AOS GALEOTES. AS CANSEIRAS DO APOSTOADO
Jesus está no centro de uma praça ampla
e muito bonita, que continua em uma estrada larga, quase um prolongamento da
praça, até a beira do mar. Uma galera deve ter deixado, há pouco, o porto e se
dirige para o alto mar, sob o impulso do vento e dos remos. Uma outra está
precisando fazer as manobras para entrar no porto, pois as velas são arriadas e
os remos são usados só de um lado, para que o barco possa ir tomando a posição
mais conveniente. Da praça não se vê o porto. Mas deve estar perto. Aos lados
da praça estão alinhadas grandes casas com seus muros característicos e que
quase não têm aberturas. Não há lojas.
“Aonde vamos agora? Tu quiseste vir
aqui em vez de ir para o lado oriental e aqui é lugar de pagãos. Quem queres
que te fique ouvindo?”, censura Pedro.
“Vamos
lá, naquele canto virado para o mar. Lá eu falarei.”
“Às ondas?”
“As
ondas também foram criadas por Deus.”
Eles vão. Agora estão justamente no
canto e veem o porto, no qual entra lentamente a galera vista antes e que está
atracando em seu lugar. Alguns marinheiros estão descansando ao longo do cais.
Um ou outro vendedor de frutas se arrisca a ir até o navio romano para vender
suas mercadorias. E nada mais. Jesus com as costas apoiadas num muro, parece
estar mesmo falando às ondas. Os apóstolos pouco satisfeitos com aquela
situação, estão ao redor dele, uns de pé, outros sentados aqui e ali, em umas
pedras, esperando que elas lhes sirvam de banco.
"Tolo
é o homem que vendo-se poderoso, são, feliz, diz: "De que mais é que eu
preciso? E de quem? De ninguém. Nada me falta, eu me basto; por isso, as leis
ou decretos de Deus, ou de moral, para mim não existem. A minha lei é a de
fazer o que eu posso, sem pensar se isso é bem ou mal para os outros".
Um vendedor, ouvindo aquela voz sonora,
vira-se e vai em direção de Jesus, que continua: "Assim fala o homem e
assim fala a mulher sem sabedoria e sem fé. Mas, se com isto mostra que tem
alguma força, mais ou menos poderosa, igualmente denuncia ter um parentesco com
o Mal".
Alguns homens descem da galera e de outros
barcos e se dirigem para Jesus.
"O
homem mostra, não com palavras, mas com fatos, que tem um parentesco com Deus e
com a virtude, quando reflete que a vida é mais mutável do que a onda do mar,
que agora está plácida e amanhã está furiosa. Igualmente o bem-estar e o poder
de hoje pode amanhã ser miséria e impotência. E que fará então, o homem privado
da união com Deus? Quantos naquela galera foram um dia alegres e poderosos, e
agora são escravos e considerados réus! Réus, por isso duas vezes escravos: da
lei humana, que inutilmente é escarnecida, porque ela existe e pune os seus
transgressores e de Satanás, que para sempre se apodera do culpado que não
consegue odiar a sua culpa".
“Salve, Mestre! Como é que estás aqui?
Não me conheces?”
“Deus
venha a ti, Públio Quintiliano. Estás vendo? Eu vim.”
“E justamente aqui no bairro romano. Eu
não esperava mais verte. Mas tenho prazer em ouvir-te.”
“Eu
também. Naquela galera há muitos que trabalham com os remos?”
“Há muitos. A maior parte são
prisioneiros de guerra. Eles te interessam?”
“Eu
gostaria de ir para perto daquele navio.”
“Vem. Sai daí, vós”, ordena aos poucos
que se aproximaram e que se afastam logo, resmungando impropérios.
“Podes
deixá-los. Estou acostumado a ser apertado entre o povo.”
“Até aqui eu posso. Não além. A galera
é militar.”
“Para
mim basta. Deus te recompense.”
Jesus recomeça a falar, enquanto o
romano parece estar montando guarda a seu lado, todo esplêndido em sua veste.
Fostes
feitos escravos por um doloroso acontecimento, ou seja, escravos uma só vez.
Escravos enquanto dura a vida. Mas cada lágrima que cai nas correntes que vos
prendem, cada golpe que desce, escrevendo uma nova dor em vossas carnes,
suaviza o peso das algemas, embeleza o que não morre, abre, enfim, a porta da
paz de Deus, que é amigo dos seus pobres filhos infelizes e que lhes dará tanta
alegria, quanto receberem aqui de dor.
Das amuradas da galera aparecem
alguns homens da tripulação, que estão escutando. Os galeotes, naturalmente, não
aparecem. Mas com certeza estão ouvindo chegar até eles, por todos os buracos
das cavilhas, a voz potente de Jesus, que se espalha pelo ar tranquilo desta
hora de maré baixa.
Eu
quero dizer a estes infelizes que Deus ama, que sejam resignados em sua dor, e
que não a considerem mais do que uma chama que bem depressa vai derreter as
correntes da galera e da vida, consumando em um desejo de Deus este pobre dia
que é a vida, dia escuro, borrascoso, cheio de medos e de privações, para
entrar no dia de Deus, luminoso, sereno, sem medos nem langores. Na grande paz,
na infinita liberdade do Paraíso, vós entrareis, ó mártires de uma penosa
sorte, contanto que saibais ser bons em vosso sofrimento e aspireis por Deus.
Públio Quintiliano volta com outros
soldados, e atrás dele vem uma liteira transportada por escravos e para a qual
os soldados procuram achar lugar.
Quem é
Deus? Eu falo a gentios que não sabem quem é Deus. Falo a filhos de povos
subjugados que não sabem quem é Deus. Em vossas florestas, ó Gauleses, ó
Íberos, ó Trácios, ó Germanos, ó Celtas, tendes uma aparência de Deus. A alma,
espontaneamente, se inclina para a adoração, porque se lembra do Céu. Mas não
sabeis encontrar o verdadeiro Deus que colocou uma alma em vossos corpos, uma
alma igual a que temos nós de Israel, igual a dos romanos poderosos que vos
subjugaram, uma alma que tem os mesmos deveres e os mesmos direitos para o Bem
e à qual o Bem, ou seja, o verdadeiro Deus, será fiel. Sede também vós fiéis ao
Bem. O deus ou os deuses que até aqui adorastes, aprendendo o nome dele ou
deles nos joelhos maternos; o deus que agora talvez nem penseis mais, porque
dele não vos veio nenhum conforto em vossos sofrimentos, e que talvez chegueis
a odiar e maldizer no desespero de vossa jornada, não é o Deus verdadeiro. O
Deus verdadeiro é Amor e Piedade. Eram assim, por acaso, os vossos deuses? Não.
Eles também eram dureza, crueldade, mentira, hipocrisia, vício, ladroagem. E
agora eles vos deixaram sem aquele mínimo de conforto, que é a esperança de ser
amados e a certeza de um descanso, depois de tanto sofrer. Assim é, porque os
vossos deuses não existem. Mas Deus, o Deus verdadeiro, que é Amor e Piedade, e
o qual Eu vos afirmo que existe com certeza, é Aquele que fez os céus, os
mares, os montes, as florestas, as plantas, as flores, os animais, o homem. É
Aquele que ao homem vitorioso inculca a piedade e o amor, como Ele é, para os
pobres da terra. Ó poderosos, ó patrões, pensai que viestes todos de uma única
árvore. Não vos enfureçais contra aqueles que, por uma desventura, foram parar
em vossas mãos, e sede humanos até para com aqueles que, por algum delito, tiveram
que ir para o banco da galera. Muitas vezes o homem peca. Ninguém deixa de ter
culpas, mais ou menos secretas. Se pensásseis nisto, seríeis muito bons para
com os irmãos que, menos afortunados do que vós, foram punidos por culpas, que
vós também tendes cometido, ficando impunes. A justiça humana é uma coisa tão
incerta no julgar, que ai de nós se a divina fosse assim. Há réus que não
parecem sê-lo e há inocentes que são julgados como réus. Não vamos perguntar o
porquê. Isto seria acusação muito forte contra o homem injusto e cheio de ódio
para com o seu semelhante! Há réus que o são de verdade, mas que foram levados
ao delito por forças poderosas que, em parte, os livram da culpa. Por isso,
vós, que estais colocados na direção das galeras, sede humanos. Acima da
justiça humana, há uma Justiça divina, bem mais alta. É a Justiça do Deus
verdadeiro, do Criador tanto do rei, como do escravo, da rocha, como do grão de
areia. Ele olha para vós, tanto para vós do remo, como para vós, prepostos à
tripulação, e ai de vós se fordes cruéis sem razão. Eu, Jesus Cristo, o Messias
do Deus verdadeiro, vo-lo asseguro: Ele, à vossa morte, vos amarrará a uma
galera eterna, entregando o açoite manchado de sangue aos demônios, e sereis
torturados e golpeados, como vós torturasses. Porque, se é lei humana que o réu
seja punido, é preciso que na punição não se passe da medida. Sabei
recordar-vos disso. O poderoso de hoje pode ser o miserável de amanhã. Só Deus
é eterno. Eu queria mudar vosso coração e queria, sobretudo, destruir as
correntes, entregar-vos à liberdade e à pátria que perdestes. Mas, irmãos
galeotes, que não estais vendo o meu rosto, e dos quais Eu não ignoro o coração
com todas as suas feridas, pela liberdade e a pátria deste mundo que Eu não vos
posso dar, ó pobres homens escravos dos poderosos, Eu vos darei uma liberdade
mais alta e uma Pátria. Por vós Eu me tornei prisioneiro e sem pátria, por vós
darei a Mim mesmo em resgate, por vós, também por vós, que não sois o opróbrio
da terra, como sois chamados, mas sim, a vergonha do homem que esquece a
medida, no rigor da guerra e da justiça, Eu farei uma nova lei sobre a terra e
uma doce morada no Céu.
Lembrai-vos do meu Nome, ó filhos de Deus, que
estais chorando. E o nome do Amigo. Dizei esse nome em vossos sofrimentos.
Ficai seguros de que, se me amardes, me tereis, mesmo se nesta terra não nos
virmos mais. Eu sou Jesus Cristo, o Salvador, o vosso Amigo. Em nome do
verdadeiro Deus Eu vos conforto. Que venha logo a paz sobre vós.
Pg. 437 – 441
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155 –
CURA DA PEQUENA ROMANA EM CESARÉIA
Uma mulher alta e formosa chama o Lúcio e ele deixa Jesus,
gritando: "É a mamãe!", e a mulher ele grita:
"Tenho um amigo grande, sabes? É um Mestre!”
A mulher não se afasta com o filho, ao contrário, vai até
Jesus e lhe pergunta: "Salve! Não és Tu o homem da Galileia, que ontem
falou no porto?".
"Sou Eu".
"Espera-me aqui, então. Eu volto logo", e se vai
com o seu pequeno. Entrementes, os outros apóstolos lambem chegaram, todos, com
exceção de Mateus e de João, e perguntam:
"Quem é ela?". "É uma romana, penso eu",
responde Simão e os outros "Que é que ela queria?".
"Ela disse que a esperasse
aqui. Logo saberemos".
Algumas pessoas, neste
meio tempo, foram chegando perto e curiosas esperam. A mulher volta com outros
romanos. "Então, Tu és o Mestre?", pergunta um, que parece ser servo
de alguma casa senhoril. E, tendo obtido a confirmação, pergunta:
"Sentirias repugnância em curar uma filha pequena de uma amiga de Cláudia?
A menina está à morte, porque se sente sufocada e nem o médico sabe de que é
que ela está morrendo. Ontem à tarde estava boa. Esta manhã em agonia".
"Vamos.” Dão uns poucos passos por um caminho
que vai em direção ao lugar em que estiveram ontem e chegam ao portão, todo
aberto, de uma casa que parece habitada por romanos.
"Espera um momento". O homem entra depressa e logo
depois torna a aparecer, dizendo: "Vem". Mas antes ainda que Jesus
pudesse entrar, sai de lá uma jovem de aspecto senhoril, mas em condições mais
que visíveis de uma grande aflição. Tem nos braços uma pequenina criatura de
poucos meses, quase inerte, lívida como alguém que se está sufocando. Eu diria
que estava com uma difteria mortal e já em seus últimos momentos de vida. A
mulher se refugia no peito de Jesus, como um náufrago que se apega a um
rochedo. O seu pranto é tal, que não a deixa falar. Jesus pega a criaturinha,
que está com pequenas movimentos convulsivos, com as mãozinhas cor de cera e as
unhas já roxas e a levanta. A cabecinha dela cai para trás, sem força. A mãe,
sem soberba de romana diante do hebreu, deixou-se cair na poeira aos pés de
Jesus e soluça, com o rosto erguido, os cabelos meio soltos, os braços
estendidos tocando na veste e no manto de Jesus. Atrás dela e ao redor, os
romanos da casa e as hebreias da cidade estão olhando. Jesus molha o seu dedo
indicador direito em sua saliva e o põe na boquinha anelante, introduzindo-o
para baixo. A menina se debate e torna-se mais escura ainda. A mãe grita:
"Não! Não!" e parece alguém que se contorce sob uma lamina que a
traspassa. As pessoas suspendem a respiração. Mas o dedo de Jesus sai de lá
envolvido por uma pelota de membranas purulentas e a menina não mais se debate e,
depois de uma pequena ameaça de choro, se acalma, com um sorriso inocente,
agitando as mãozinhas e movendo os lábios como um passarinho que pipila,
batendo as pequenas asas, à espera de que se lhe dê comida.
"Toma, mulher. Dá-lhe o
leite. Ela está curada". A mãe está de tal modo atordoada, que pega a pequenina e estando como
está, na poeira, beija-a e a acaricia, dá-lhe o peito e, como uma louca, se
esquece de tudo que não seja a sua pequenina. Um romano pergunta a Jesus:
"Mas como foi que pudeste? Eu sou o médico do Procônsul e sou douto.
Procurei remover o obstáculo. Mas ele estava em baixo, muito em baixo! E Tu,
assim”.
"Tu és douto. Mas contigo
não está o Deus verdadeiro. Que Ele seja bendito por isso! Adeus". E Jesus põe-se em movimento, como
querendo sair dali. Mas eis que um
pequeno grupo de israelitas se sente na necessidade de intervir.
"Como foi que te permitiste aproximar-te dos
estrangeiros? Eles são corruptos, são impuros, e todos os que se aproximam
deles ficam como eles". Jesus os olha - são três - fixo, severo e depois
fala:
"Não és tu o Ageu? O homem
de Azoto, que veio aqui no mês de Tisri passado procurar fazer negócios com o
mercador, que tem seu posto nos alicerces da fonte velha? E tu, não és o José
de Ramá, que vieste até aqui para consultar o médico romano, e tu bem sabes,
como Eu sei, o porquê? E então? Não vos sentis impuros?".
"Um médico nunca é estrangeiro. Ele cura o corpo, e o
corpo é igual para todos".
"A alma o é, com maior razão
do que o corpo. Afinal, que foi que Eu curei? O corpo inocente de um pequenino
e, por este meio, espero curar as almas não inocentes dos estrangeiros. Como
médico e como Messias, posso, portanto, aproximar-me seja lá de quem for".
"Não o podes".
"Não, Ageu? E tu, por que
tratas com o mercador romano?".
"Não me aproximo dele, senão com a mercadoria e o
dinheiro".
"E, uma vez que não tocas na
sua carne, mas somente aquilo que foi tocado pela sua mão, achas que não te
contaminas. Oh! Como sois cegos e cruéis! Ouvi, todos. Justamente no livro do
Profeta do qual esse traz o nome, está escrito: “Apresenta aos sacerdotes esta
questão sobre a Lei: “Se um homem leva uma carne santificada na dobra de sua
veste e com ela toca depois no vinho ou nas comidas, no pão, ou no óleo ou
outros alimentos, ficarão eles santificados? E os sacerdotes responderam:
'Não'. Então Ageu disse: “Se alguém, que ficou imundo por ter tocado em um
morto, tocar em uma destas coisas, ficará ela contaminada?” E os sacerdotes
responderam: “Sim". Por esta astuciosa, mentirosa e incoerente maneira de
agir, vós impedis e condenais o Bem e só aceitais o que vos traz vantagens.
Então cessa o desprezo, a repugnância, a náusea. Vós discernis, desde que não
vos traga prejuízo pessoal, se uma coisa é imunda ou torna impuro, e se aquela
outra não o é. E como podeis, bocas mentirosas, professar que, se aquilo que é
santificado por ter tocado numa carne ou coisa santa, não santifica aquilo que
toca, aquilo que tocou coisa imunda possa tornar imundo aquilo que toca? Não
compreendeis que vos estais desmentindo a vós mesmos, ó mentirosos ministros de
uma Lei de Verdade, ó aproveitadores da mesma, que a torceis como uma corda,
conforme achais que podeis tirar dela alguma vantagem, ó fariseus hipócritas
que, sob um pretexto religioso, quereis desafogar o vosso rancor humano,
completa mente humano, ó profanadores do que é de Deus, ó insultadores e
inimigos do Mensageiro de Deus?
Em verdade, em verdade Eu vos
digo que todos os vossos atos, todas as vossas conclusões, todos os vossos
movimentos, têm como motivo um completo mecanismo de astúcia, ao qual servem de
rodas e de molas, de pesos e tirantes, os vossos egoísmos, as vossas paixões,
as vossas insinceridades, os vossos ódios, as vossas sedes de dominar, as
vossas invejas. Que vergonha! Avarentos, tremebundos, rancorosos, vós viveis
com o medo orgulhoso de que alguém vos supere, mesmo quando não são da vossa
casta. E mereceis, então, ser como aquele do qual tendes medo e raiva! Vós,
como diz Ageu, que, de um montão de vinte alqueires fazeis um de dez, e de
cinquenta barris fazeis vinte, embolsando a vantagem da diferença, enquanto, e
pelo exemplo a ser dado ao homem, e pelo amor a ser prestado a Deus, deveríeis
ao monte dos alqueires e ao monte dos barris, não tirar, mas acrescentar, do
vosso bolso, em favor de quem tem fome, e mereceis ser esterilizados pelo vento
abrasador, pela ferrugem e pelo granizo em todas as obras de vossas mãos. Quem
são entre vós os que vêm a mim? Estes, estes que para vós são esterco e
imundície, estas supremas ignorâncias, que nem sabem que há um verdadeiro Deus,
eles vêm a Quem traz presente este Deus, nas palavras e nas obras. Mas vós, mas
vós! Vós vos fizestes um nicho, e aí estais. Áridos, frios como ídolos à espera
dos incensos e adorações. E, visto que vos credes uns deuses, parece-vos inútil
pensar no verdadeiro Deus, assim como deve ser pensado, e vos parece perigoso
que outros, que não sois vós, ousem fazer o que vós não ousais. Vós não podeis,
na verdade, ousá-lo, porque sois uns ídolos. E porque sois servos do ídolo.
Mas, quem ousa, pode, porque não ele, mas Deus opera nele.
Ide! Ide dizer a quem vos enviou
atrás de meus calcanhares, que Eu desprezo os mercadores, que acham não ser
contaminação vender as mercadorias, ou a pátria, ou o Templo àqueles de quem
recebem dinheiro. Dizei a esses que Eu sinto repugnância dos brutos, que só têm
o culto da própria carne e do próprio sangue e pela cura destes não acham ser
contaminação aproximarem-se de um médico estrangeiro. Ide dizer que a medida é
igual e que não há duas medidas. Ide dizer que Eu, o Messias, o Justo, o
Conselheiro, o Admirável, Aquele que terá sobre si o Espírito do Senhor com
seus sete dons, Aquele que não julgará pelo que aos olhos parece ser, mas pelo
que é segredo de corações, Aquele que não condenará pelo que ouve com os ouvidos,
mas pelas vozes espirituais que ouvirá no interior de cada homem, Aquele que
tomará a defesa dos humildes e julgará os pobres com justiça, Aquele que Eu
sou, porque isto Eu sou, já estou julgando e punindo os que sobre a terra são
somente terra, e o sopro da minha respiração, fará morrer o ímpio e exterminará
o seu covil, enquanto que haverá Vida e Luz, Liberdade e Paz para aqueles que,
desejosos de justiça e de fé, virão ao meu monte santo, para se saciarem da
Ciência do Senhor.
Isto é Isaías, não é verdade ó
meu povo! Todo ele vem de Adão, e Adão vem de meu Pai. Todo ele, pois, é obra
do Pai e a todos tenho o dever de reunir ao Pai. E Eu os conduzo a Ti, ó Pai
santo, eterno, poderoso. Eu os conduzo a Ti estes filhos errantes, depois de
havê-los reunido, chamando-os com palavras de amor, reunindo-os sob a minha
vara de pastor, parecida com a que Moisés levantou contra as serpentes
mortíferas, para que Tu tenhas o teu Reino e o teu povo. Nem faço distinções,
porque no fundo de cada vivente Eu vejo um ponto que brilha mais do que o fogo:
a alma, uma centelha de Ti, ó eterno Esplendor. Ó meu eterno desejo! Ó minha
incansável vontade! Isto Eu quero. Com isto Eu me queimo. Uma terra que cante,
toda, o teu Nome. Uma humanidade que te chame Pai. Uma redenção que salve a
todos. Uma vontade fortificada que faça todos obedientes à tua vontade. Um
triunfo eterno, que encha o Paraíso com um hosana sem fim... Oh! Multidão dos
Céus! Aí está. Eu vejo o sorriso de Deus, e este é o prêmio contra todas as
durezas humanas".
Os três fugiram, sob a saraivada de reprovações. Os outros
todos, romanos ou hebreus, ficaram de boca aberta. A mulher romana, com a
pequenina, saciada de leite que dorme tranquila no colo materno, ficou lá onde
estava, quase aos pés de Jesus, e chora de alegria materna e de comoção
espiritual. Muitos estão chorando, por causa da arrasadora conclusão de Jesus
que, em seu êxtase, parece flamejar. E Jesus, abaixando o olhar e o espírito do
Céu para a terra, vê a multidão, vê a mãe e, ao passar, depois de um gesto de
adeus a todos, toca de leve com a mão a jovem romana, como que a abençoá-la por
sua fé. E vai-se embora com os seus, enquanto o povo, ainda assombrado, fica
onde está.
Pg. 446-450
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159 –
DISCURSO EM GERGESA. A RESPOSTA SOBRE O JEJUM AOS DISCÍPULOS DO BATISTA
"Vós
dizeis: "Não te abandonaremos nunca, porque abandonar-te seria abandonar a
Deus". Mas, ó povo de Gergesa, lembra-te de que nada é mais mutável do que
o pensamento humano. Eu sou convicto que neste momento realmente vós estais
tendo este pensamento. A minha palavra e o milagre que aconteceu vos
entusiasmaram neste sentido e, neste momento estais sendo sinceros em tudo o
que estais dizendo. Mas Eu vos recordo um episódio, poderia citar mil deles
antigos e novos. Vou citar-vos somente este. Josué, servo do Senhor, antes de
morrer, reuniu ao seu redor todas as tribos com os seus chefes, príncipes,
juízes e magistrados e lhes falou, na presença do Senhor, lembrando-lhes todos
os benefícios e prodígios feitos pelo Senhor, através do seu servo. E depois de
ter enumerado todas essas coisas, convidou-os a repudiarem todo deus, que não
fosse o Senhor, ou pelo menos a serem sinceros em sua fé, escolhendo com
sinceridade, ou o verdadeiro Deus, ou os deuses da Mesopotâmia e dos Amorreus,
de modo que houvesse uma nítida separação entre os filhos de Abraão e os
paganizantes. Sempre é melhor um erro com convicção do que uma hipócrita
profissão e mistura de fés, que é uma afronta a Deus e uma morte aos espíritos.
E nada é mais fácil e comum do que essa mistura. A aparência é boa; debaixo
dela está a substância não boa. Ainda agora, filhos. Ainda agora. Aqueles fiéis
que misturam a observância da Lei com o que a Lei proíbe, aqueles infelizes,
que vacilam como bêbados entre a fidelidade à Lei e o interesse de negócios e
compromissos com os que estão fora da Lei e dos quais esperam alguma vantagem,
aqueles sacerdotes, ou escribas, ou fariseus, que não fazem mais do serviço de
Deus a meta de suas vidas, mas sim, uma astuta política para triunfar sobre os
outros e ter todo o poder, sobre os outros mais honestos, porque são servos não
de Deus, mas de um poder que eles sabem que é forte e precioso aos seus
propósitos, não são senão hipócritas, que misturaram o nosso Deus com os deuses
estrangeiros.
O povo
respondeu a Josué: "Nunca aconteça que nós abandonemos o verdadeiro Deus
para servir a deuses estrangeiros". Josué disse a eles o que Eu acabei de
vos dizer sobre o santo ciúme do Pai, em sua vontade de ser amado com
exclusividade por nós com todo o nosso ser, e de sua justiça em punir os que
são mentirosos.
Punir! Deus pode punir, como pode premiar. Não
é preciso que se tenha morrido para se receber um prêmio ou um castigo. Olha,
povo hebreu, se Deus, depois de haver-te dado tanto, livrando-te dos Faraós,
levando-te a salvo através do deserto e das ciladas dos inimigos, permitindo
que te tornasses uma grande e temida nação, rica de glórias não te puniu depois
nem uma, nem duas, nem dez vezes pelas tuas culpas! Olha o que te tornaste
agora! E Eu, que vejo te precipitar na mais sacrílega das idolatrias, vejo
também em que abismo estás para precipitar-te, por este teu perseverar sempre nas
mesmas culpas. E Eu te chamo a atenção por isso, ó povo, que és duas vezes meu,
por ser Eu o Redentor e por ter nascido de ti. Não é ódio, não é rancor, não é
intransigência. É de amor este meu chamado, ainda que seja severo.
Josué
então disse: "Vós sois testemunhas disto: vós escolhestes o Senhor",
e todos responderam: "Sim". E Josué, sábio, além de destemido,
sabendo quanto é fraca a vontade do homem, escreveu no Livro todas as palavras
da Lei e da aliança e as colocou no Templo e também neste santuário do Senhor,
que está em Siquém, em que naquela ocasião se guardava o Tabernáculo, colocou
uma grande pedra como testemunha, dizendo: "Esta pedra, que ouviu as
vossas palavras ao Senhor, ficará aqui como testemunha, para que não possais
negar e mentir ao Senhor vosso Deus". Uma pedra, por maior e mais dura que
seja, sempre pode ser pulverizada pelo homem, por um raio ou pela erosão das
águas e do tempo. Mas Eu sou a Pedra angular e eterna. E não posso sofrer
destruição. Não mintais a esta Pedra viva. Não a ameis só porque faz prodígios.
Amai-a porque por Ela chegareis ao Céu. Eu gostaria que fôsseis mais
espirituais, mais fiéis ao Senhor. Não digo a mim. Eu não sou outra coisa,
senão a Voz do Pai. Se me espezinhardes, ferireis Aquele que me enviou. Eu sou
o Meio. Ele é Tudo. Recolhei de Mim e conservai em vós tudo o que é santo, para
que possais ir a este Deus. Não ameis o Homem, amai o Messias do Senhor, não
pelos milagres que faz, mas porque quer fazer em vós o milagre íntimo e sublime
da vossa santificação".
Está quase na soleira quando é barrado
por um grupo de homens anciãos, que o saúdam com respeito, dizendo:
"Podemos fazer-te uma pergunta, Senhor? Somos discípulos de João e como
ele sempre fala de Ti, e também porque chegou até nós a fama dos teus prodígios,
tivemos vontade de conhecer-te. Agora, depois de te termos ouvido, surgiu
diante de nós uma pergunta que te queremos fazer".
"Dizei
qual é. Se sois discípulos de João, já deveis estar no caminho da
santidade".
"Tu disseste, quando estavas falando das
idolatrias comuns entre os fiéis, que há pessoas entre nós que fazem comércio
entre a Lei e os que estão fora da Lei. Porém, Tu também és amigo deles.
Sabemos que não desprezas os romanos. E então?".
"Não o nego. Mas podeis vós dizer que o
faço para obter alguma vantagem? Podeis dizer que os acaricio, para conseguir
deles, ainda que seja só uma proteção?".
"Não, Mestre. E disso estamos mais
do que certos. Mas o mundo não é composto só por nós, que só queremos crer no
mal que vemos e não naquilo que nos é apontado como mal. Agora, diz-nos quais
as razões que tornam plausível o aproximar-se aos gentios. Diz, para ser uma
norma para nós e para tua defesa, se alguém te caluniar em nossa
presença".
"É
um mal, que se façam contatos, quando isso é feito com intenções humanas. Não é
mal, quando nos aproximamos deles para levá-los ao Senhor nosso Deus. Eu faço
assim. Se vós fôsseis pagãos, poderia demorar-me para explicar como todos os
homens vêm de um único Deus. Mas vós sois hebreus e discípulos de João. Por isso,
sois a flor dos hebreus, e não precisais de que Eu vos explique isso. Podeis,
portanto, compreender e crer que é meu dever, sendo Eu o Verbo de Deus, levar a
sua palavra a todos os homens, filhos do Pai universal".
"Mas eles não são filhos, porque
são pagãos".
"Pela
Graça, eles não o são. Pela fé errada, eles não o são. É verdade. Mas, enquanto
Eu não vos tiver redimido, o homem, ainda que seja hebreu, terá perdido a
Graça, estará privado dela, porque a Mancha de origem será um impedimento para
que os raios inefáveis da Graça desçam até os corações. Contudo, pela criação,
o homem é sempre filho de Adão, primeiro antepassado de toda a humanidade, vêm
tanto os hebreus como os romanos, e Adão é filho do Pai que lhe deu sua
semelhança espiritual".
"É verdade. Uma outra pergunta,
Mestre. Por que os discípulos de João fazem grandes jejuns e os teus não? Não
queremos dizer que Tu não devas comer. Também o profeta Daniel foi santo aos
olhos de Deus, ainda que tenha sido um dos grandes na corte da Babilônia, e Tu
és mais do que ele. Mas eles...".
Muitas
vezes uma coisa, que não se consegue com rigorismo, consegue-se com alguma
cordialidade. Há pessoas que nunca viriam ao Mestre, e o Mestre deve ir a elas.
Outros há, que viriam ao Mestre, mas se envergonham de ir no meio da multidão.
Também a esses o Mestre deve ir. E, desde que eles me digam: "Vem ser meu
hóspede, para que eu possa conhecer-te", Eu vou, tendo em mente não o gozo
da mesa opulenta e das conversas às vezes tão penosas para Mim, mas ainda e
sempre, o interesse de Deus. Isto quanto a mim. E, visto que frequentemente ao
menos uma das almas, de que Eu me aproximo, se converte, e cada conversão é
como uma festa de núpcias para a minha alma, uma grande festa da qual tomam
parte todos os anjos do Céu e que é abençoada pelo eterno Deus, assim os meus
discípulos, os amigos de Mim-Esposo, jubilam-se com o Esposo e Amigo.
Quereríeis ver os amigos de luto, enquanto Eu jubilo? Enquanto Eu estou com
eles? Mas tempo virá em que não me terão mais. E então, farão um grande
jejum. Para tempos novos, métodos novos.
Até ontem, com o Batista eram as cinzas da Penitência. Hoje, neste meu hoje, é
o doce maná da Redenção, da Misericórdia, do Amor. Não poderiam aqueles métodos
estar enxertados no meu, como também o meu não poderia ter sido usado então,
apenas ontem. Porque ainda a Misericórdia não existia na terra. Agora existe.
Não mais o Profeta, mas o Messias está na terra, ao qual tudo foi deferido por
Deus. A cada tempo as coisas que lhe sejam úteis. Ninguém cose um pedaço de
pano novo em uma veste velha, porque de outro modo, especialmente ao lavá-la, o
pano novo encolhe e arrebenta a veste velha e o rasgão se torna ainda maior.
Igualmente ninguém põe vinho novo em odres velhos, porque, se assim fizer, o
vinho arrebenta os odres, incapazes de suportar a efervescência do vinho novo,
o qual se derrama fora dos odres que arrebentaram. Mas o vinho velho, que já
passou por todas as suas mudanças, é colocado em odres velhos, e o novo em
novos. Porque uma força há de ser enfrentada por outra igual. Assim é agora. A
força da nova doutrina aconselha métodos novos para difundi-la. E Eu, que sei
disso, faço uso deles.
"Obrigado, Senhor. Agora estamos
contentes. Reza por nós. Nós somos uns odres velhos. Poderíamos resistir à tua
força?".
"Sim.
Porque o Batista vos preparou e porque as orações dele, com as minhas, vos
tornarão capazes de tudo. Ide com a minha paz, e dizei ao João que Eu o
abençoo".
"Mas... no teu parecer, é melhor
para nós estarmos com o Batista ou Contigo?".
"Enquanto
ainda há vinho velho, bebam dele se agrada ao paladar acostumado ao seu sabor.
Depois... como a água podre, que está por toda parte, vos dará nojo, então
passareis a gostar do vinho novo."
"Achas que o Batista vai ser preso
de novo?".
"Com
certeza. Eu já mandei a ele um aviso. Ide, ide. Alegrai-vos com o vosso João,
enquanto podeis e fazei-o feliz. Depois, amareis a mim. E isso também vos será
Venoso... porque ninguém, depois de acostumado com o vinho velho, vai querer
logo o vinho novo. Ele diz: "O velho era melhor". E, de fato, Eu
terei sabores especiais, que vos parecerão ásperos. Mas apreciareis, dia por
dia, o sabor vital. Adeus, amigos. Deus esteja convosco".
Pg. 467 – 471
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261.1
. 3 - VOLUME 3
165 – A ELEIÇÃO DOS DOZE
APÓSTOLOS
“E agora vamos despertar estes
outros meus filhos",
diz Jesus, e vai descendo, pois a sua caverna está mais no alto, e vai entrando
em uma por uma das grutas, e chamando pelos nomes os doze adormecidos. Simão,
Bartolomeu, Filipe, Tiago e André respondem, imediatamente. Mateus, Pedro e
Tomé tardam um pouco a responder, enquanto que Judas Tadeu já vai indo ao
encontro de Jesus, já bem desperto e pronto, logo que o vê chegar a sua
soleira. O outro primo, e com ele Iscariotes e João, estão ainda dormindo
pesadamente, a ponto de Jesus precisar sacudi-los em suas camas de folhas, até
que acordem. João, o último que foi chamado, está dormindo tão profundamente,
que nem reconhece quem é que o está chamando, e por entre as névoas do sono, já
meio interrompido, diz em voz baixa:
“Sim, mamãe. Eu já vou..."
Mas depois vira-se para o outro lado. Jesus sorri, assenta-se
sobre o tosco enxergão, feito com folhas apanhadas pelo bosque, inclina-se e
beija na face seu João, que só então abre os olhos, e fica pasmado ao ver Jesus
ali. Num instante, ele se assenta, e diz:
"Estas precisando de mim? Aqui estou."
"Não. Eu te despertei, como
a todos os outros. Mas tu pensaste “que Eu era a tua mãe. E, então, Eu te
beijei, para fazer como fazem as mamães." João, seminu,
com sua túnica curta, pois usou a túnica longa e a capa para servirem de
coberta, agarra-se ao pescoço de Jesus, e esconde sua cabeça entre o ombro e a
face dele, dizendo:
"Oh! Bem que Tu és mais do que a mamãe! Deixei-a por
causa de Ti. Mas a Ti eu não deixaria por causa dela. Ela me deu a luz para
este mundo. Mas, Tu me das à luz para o Céu. Eu sei! "
"Que é que sabes mais do que
os outros?"
"Aquilo que o Senhor me disse nesta caverna. Vê, eu
nunca fui a Ti, e acho que os companheiros devem ter dito que o que eu fazia
era indiferença e soberba. Mas o que pensam eles, não me importa. Sei que Tu
sabes a Verdade. Eu não vinha a Jesus Cristo, o Filho de Deus Encarnado, mas,
sim, ao que Tu és no seio do Fogo, que é o Amor Eterno da Trindade Santíssima,
a sua Natureza, a sua Essência, a sua Verdadeira Essência - oh! eu nem sei
dizer tudo o que já pude compreender nesta sombria e escura gruta, que para mim
se tornou tão cheia de luzes, nesta fria caverna na qual fui queimado por um
logo que não se vê, mas que desceu até as profundezas do meu ser, e as
incendiou, como em um doce martírio, aqui neste antro silencioso, mas que cantou
para mim as verdades celestes — mas o que Tu és, a segunda Pessoa do inefável
mistério, que é Deus, no qual eu penetro, porque o próprio Deus aspirou-me e eu
o tive sempre comigo. E, todos os meus desejos, todos os meus prantos, todos os
meus pedidos, derramei-os sobre o teu seio divino, o Verbo de Deus! E nunca
houve palavra, entre as muitas que de Ti ouvi, vasta, como aquela que me
disseste aqui, Tu, Deus Filho, Tu, Deus como o Pai; Tu, Deus como Espírito
Santo; Tu, que és o centro da Trindade. Oh! talvez eu esteja blasfemando! mas,
assim me parece, porque, se não fosses o Amor do Pai e o Amor ao Pai, então
ficaria faltando o Amor, o Divino Amor, e a Divindade já não seria trina, pois
lhe faltaria o mais conveniente dos atributos de Deus: o seu amor! Oh! Tenho
tantas coisas aqui, mas que são como a água que borbulha contra uma barragem, e
não pode sair... parece-me estar para morrer tão violento e sublime é o
tumulto, que desceu-me ao coração desde que Te compreendi... mas por nada do
mundo quereria ficar livre dele. Faz-me morrer deste amor, meu doce
Jesus."
João sorri e chora, todo ofegante, inflamado do seu amor,
abandonado sobre o peito de Jesus, como se aquela chama o tivesse fatigado, E
Jesus o acaricia, ardendo de amor, por sua vez. João volta a si, debaixo de uma
onda de humildade, que o faz suplicar: “Não digas aos outros o que eu Te disse.
Certamente eles também terão sabido viver de Deus, como eu vivi nestes dias.
Mas, põe sobre o meu segredo a pedra do silêncio."
"Fica tranquilo, João.
Ninguém ficara sabendo de tuas núpcias com o Amor. Vai vestir-te, e vem cá.
Devemos partir." Jesus vai saindo pela trilha na qual já estão
os outros. Os rostos deles já estão com um aspecto mais venerável, mais
recolhido. Os mais velhos parecem uns patriarcas, os jovens tem um ar de
madureza, de jovens dignos de respeito, que a juventude antes escondia. O
Iscariotes olha para Jesus com um tímido sorriso, com um rosto marcado pelo
choro. Jesus, ao passar, o acaricia. Pedro... nada fala. E está tão estranho em
sua pessoa, que só isso já causa mais admiração do que qualquer outra mudança.
Ele olha atentamente para Jesus, mas com uma dignidade nova, que parece tornar
mais ampla a sua fronte já um pouco calva, e seus olhos estão mais severos,
quando até então haviam sido um continuo lampejar de chistes. Jesus o chama
para perto de Si, e lá o conserva, enquanto espera João que, finalmente, vem
vindo com um rosto, que eu não sei dizer se está mais pálido ou mais corado,
mas certamente aceso por um fogo que não chega a mudar a cor, mas que se
manifesta presente. Todos olham para ele.
"Vem cá, João, perto aqui de
mim. E tu também, André, e tu, Tiago de Zebedeu. Depois tu, Simão, e tu,
Bartolomeu, Filipe, vós, meus irmãos, e Mateus. Judas de Simão, aqui na minha
frente. Tomé, vem cá. Sentai-vos. Eu preciso falar-vos.” Eles se assentam,
tranquilos como meninos, todos um pouco absortos em seu mundo interior, e
também atentos a Jesus, como nunca o foram antes. Sabeis o que Eu vos fiz?
Todos vós o sabeis. Vossa alma já o disse à vossa razão. Mas a alma, que nestes
dias foi rainha, ensinou à nossa razão duas grandes virtudes: a humildade e o
silêncio, que é filho da humildade e da prudência, que são as filhas da
caridade." Há apenas oito dias, que teríeis vindo proclamar as vossas bravuras
e vossos conhecimentos, como uns bravos meninos, que querem assustar e superar
seu rival. Agora estais calados. Estais transformados de meninos em
adolescentes, e já sabeis que esta proclamação poderia mortificar o
companheiro, que talvez tivesse sido menos beneficiado por Deus, e não dizeis
nada. Além disso, sois ainda como umas meninas, que já não são impúberes.
Nasceu em vós o santo pudor pela metamorfose, que vos revelou o mistério
nupcial das almas com Deus. Estas cavernas, no primeiro dia vos pareciam frias,
hostis, repelentes... agora, vós as olhais como perfumadas e luminosas câmaras
nupciais. Nelas conhecestes a Deus. Antes, tínheis ouvido falar nele. Mas não o
conhecíeis na intimidade, que faz de dois um só. Entre vós há homens que há muitos
anos estão casados, outros que não tiveram mais que umas ilusórias relações com
mulheres, e alguns, por causas diferentes, se conservam castos. Mas os castos
sabem agora o que é o amor perfeito, assim como o sabem os casados. Posso até
dizer que ninguém sabe o que é o amor perfeito, a não ser o que não conhece
nenhum apetite carnal. Porque Deus se revela aos virgens em toda a sua
plenitude e pelo prazer de entregar-se a quem é puro, pois reencontrando parte
de Si, Puríssimo, na criatura limpa de toda luxúria, e para compensá-la de tudo
o que ela nega a si mesma por amor dele. Em verdade Eu vos digo que, pelo amor
que Eu vos tenho e pela Sabedoria que possuo, se não tivesse o dever de
realizar a obra do Pai, gostaria de reter-vos aqui, e ficar convosco, isolados,
tendo a certeza de que assim Eu faria de vós, e com todo o cuidado, uns grandes
santos, sem mais nenhum extravio, sem defecções, sem quedas, frouxidões e
regressos. Mas Eu não posso. Eu devo andar para a frente. E vós deveis andar. O
mundo nos espera. O mundo profanado e profanador, que tem necessidade de
mestres e de redentores. Eu vos quis fazer conhecer a Deus, para que o amásseis
bem mais do que o mundo que, com todos os seus afetos, não vale um só sorriso
de Deus. Eu quis que pudésseis meditar sobre o que é o mundo e sobre o que é
Deus, para fazer-vos desejar o melhor. Neste momento vós não estais desejando
outra coisa senão Deus. Oh! Se Eu pudesse fixar-vos nesta hora, neste desejo!
Mas o mundo nos está esperando. E nós iremos ao mundo que espera. Pela santa
Caridade que, como enviou-me ao mundo, assim também vos envia, por ordem minha,
ao mundo. Mas Eu vos suplico! Como pérola no escrínio, guardai fechado o
tesouro destes dias em que vos conservasses, vos cuidastes, vos erguestes, vos
revestistes, vos desposastes com Deus no vosso coração e, como as pedras do
testemunho, erguidas pelos Patriarcas para lembrança das alianças com Deus,
conservai e guardai estas preciosas lembranças em vossos corações.
A partir de hoje, já não sois
mais os discípulos prediletos, mas os apóstolos, os chefes da minha Igreja. De
vós hão de vir nos séculos dos séculos todas as hierarquias dela, e vós sereis
chamados mestres, tendo como vosso Mestre a Deus em seu tríplice poder,
sabedoria e caridade. Eu não vos escolhi por serdes os mais merecedores. Mas
por um complexo de causas que não é necessário que conheçais agora. Eu vos
escolhi para ocupardes o lugar dos pastores, que foram os meus discípulos,
desde quando eu dava os meus primeiros vagidos. Por que foi que Eu fiz assim?
Porque era bom que assim se fizesse. Entre vós há galileus e judeus, doutos e
indoutos, ricos e pobres. Isto para o mundo, para que não se diga que Eu
preferi uma categoria só. E vós não gastareis para tudo o que é preciso fazer.
Nem agora, nem depois. Nem todos vós estareis lembrados de um ponto do Livro.
Dele Eu vos farei lembrar. No segundo livro dos Paralipômenos, no capitulo 29,
está narrado que Ezequias, rei de Judá, fez purificar o Templo e, depois que
ficou purificado, fez que se oferecesse um sacrifício pelo pecado, pelo reino,
pelo Santuário e por Judá, depois do que tiveram início as ofertas de cada um.
Mas, como os Sacerdotes não eram suficientes para as imolações, foram chamados,
para ajudar os levitas, que eram consagrados com um rito mais breve que os
sacerdotes. Isto é o que Eu farei. Vós
sois sacerdotes, preparados com muito cuidado por Mim, Pontífice Eterno. Mas
não sois suficientes para o trabalho, que sempre irá sendo mais vasto, da
imolação de cada um ao Senhor seu Deus. Por isso, Eu associo a vós os
discípulos, que permanecerão como tais, os que nos ficam esperando ao pé do
monte, os que já estão mais acima, os que estão espalhados pela terra de Israel
e os que depois estarão espalhados por todas as partes do mundo. A eles serão dadas
tarefas iguais, porque a missão é uma só, mas a classificação deles aos olhos
do mundo será diferente. Não será assim aos olhos de Deus, junto ao qual está a
justiça, de tal modo que um discípulo desconhecido, que os apóstolos e coirmãos
nem sabem que existe, mas que vive santamente levando Deus às almas, será maior
do que um grande apóstolo muito conhecido, mas que de apóstolo só tem o nome,
pois que ele desce de sua dignidade de apóstolo para se entregar a objetivos
humanos. Tarefa de apóstolos e de discípulos há de ser sempre a dos sacerdotes
e levitas de Ezequias: promover o culto, derrubar as idolatrias, purificar os
corações e os lugares, pregar o Senhor e sua palavra. Tarefa mais santa não há
sobre a Terra. Nem haverá dignidade mais alta do que a vossa. Mas por isso é
que Eu vos disse: "Ouvi-vos, examinai-vos". Ai do apóstolo que cai!
Consigo ele arrasta muitos discípulos, e eles arrastam um número ainda maior de
fiéis, e a ruína irá sempre crescendo, como uma avalancha que despenca, ou como
um círculo que vai-se estendendo pela superfície do lago, por causa de um
continuado atirar de pedras num mesmo ponto.
Sereis todos perfeitos? Não. O
espírito de hoje continuará? Não. O mundo jogará os seus tentáculos para
destroçar as vossas almas. Vitória do mundo por cinco partes, filho de Satanás
por outras três, servo indiferente para com Deus nas outras duas, é a de apagar
a luz nos corações dos santos. Defendei-vos de vós mesmos contra vós, contra o
mundo, contra a carne e o demônio. Mas sobretudo defendei-vos de vós mesmos.
Ide à defesa, ó filhos, contra a soberba, a sensualidade, o fingimento, a
tibieza, a modorra espiritual e a avareza! Quando o eu inferior fala, e começa
a choramingar, falando de pretensas crueldades de que esteja sendo vítima,
fazei-o calar, dizendo: "Por um momento de provação que eu te dou, estou
preparando para ti, e para sempre, um banquete com aquele êxtase que tivemos na
caverna do monte no fim da Lua de Shebat."
Vamos. Vamos ao encontro dos
outros que, em grande número, estão esperando a minha ida. Depois eu irei, por
algumas poucas horas, a Tiberíades, e vós, pregando sobre Mim, me ireis esperar
ao pé do monte que fica na estrada que vai de Tiberíades para o mar. Eu estarei
lá e subirei para pregar. Tomai bolsas e capas. A parada terminou, e a eleição
está feita."
Pg. 34-39
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166 – OS MILAGRES APÓS A ELEIÇÃO
APOSTÓLICA. PRIMEIRA PREGAÇÃO DE SIMÃO, O ZELOTE E DE JOÃO
João, que ficou o tempo todo escutando de cabeça inclinada e
sorrindo para si mesmo, levanta um rosto iluminado, e toma a palavra.
“Meus irmãos! Só de pensar em subir já dá vertigem. É
verdade. Mas, quem vos está dizendo que é preciso procurar atingir as alturas
diretamente? Isto não só os pequenos, mas nem os adultos o podem fazer. Somente
os anjos podem projetar-se no azul, porque eles estão livres de todo peso da
matéria. Isso, entre os homens, só os heróis da santidade o podem fazer. Nós
temos alguém, que ainda está vivo neste mundo tão envilecido, que sabe ser
herói de santidade como aqueles antigos de que Israel se gloria, quando os
Patriarcas eram amigos de Deus, e a palavra do Código eterno era a única, mas
era obedecida por toda criatura integra.
João, o Precursor, ensina como é que se atinge as alturas
diretamente. E João é um homem. Mas a Graça que o fogo de Deus lhe comunicou,
purificando-o desde o ventre de sua mãe, do mesmo modo que foi purificado pelo
Serafim o lábio do Profeta a fim de que ele pudesse preceder ao Messias, sem
deixar o fedor da culpa original sobre o caminho real do Cristo, deu a João
asas de anjo, e a penitência as fez crescer, abolindo, ao mesmo tempo, aquele
peso de humanidade que a sua natureza de nascido de mulher havia conservado
nele. É daí que João, de sua caverna onde prega a penitência, e do seu corpo no
qual arde o espírito desposado com a Graça, daí é que ele se projeta, e pode
lançar-se a si mesmo até ao ápice do arco, além do qual está Deus, o Altíssimo
Senhor nosso Deus, e pode, dominando os séculos passados, o dia presente e o
tempo futuro, anunciar com voz de Profeta e com olhos de águia, capazes de
fixar o Sol eterno, e de reconhecê-lo: “Eis o Cordeiro de Deus, o que tira os
pecados do mundo” e morrer, depois desse seu canto sublime, que será usado, não
só no tempo limitado, mas no tempo sem fim, na Jerusalém para sempre eterna e
feliz, para aclamar a Segunda Pessoa, para invocá-la sobre as misérias humanas,
para cantar-lhe hosanas nos fulgores eternos.
Mas o Cordeiro de Deus, o Dulcíssimo Cordeiro, que deixou a
sua luminosa morada dos Céus, nos quais Ele é fogo de Deus em abraço de fogo
oh! Eterna geração do Pai que concebe com o Pensamento ilimitado e santíssimo o
seu Verbo, e o absorve, produzindo uma fusão de amor que cria o Espírito de
Amor, no qual se concentra o Poder e a Sabedoria! – mas o Cordeiro de Deus, que
deixou a sua puríssima e incorpórea forma, para encerrar sua pureza infinita,
sua santidade, sua natureza divina em carne mortal, sabe que nós não somos os
purificados pela Graça, ainda não o somos, e sabe que não poderíamos, como a
águia que é João, projetar-nos ás alturas, ao cume onde está Deus Uno e Trino.
Nós somos esses pequenos passarinhos dos telhados e da rua, somos as andorinhas
que tocam no azul, mas vivem comendo insetos; somos as cotovias, que querem
cantar para imitar os anjos, mas que, diante do canto deles, o nosso é um
frêmito desafinado de cigarra de verão. Isto, o Doce Cordeiro de Deus, que veio
tirar os pecados do mundo, sabe muito bem. Porque, se não é mais o Espírito
Infinito dos Céus, tendo-se limitado a Si mesmo pela carne mortal, a sua
infinidade não fica diminuída por isso, e tudo sabe, ficando sempre infinita a
sua sabedoria. E eis que agora, Ele está nos ensinando o seu caminho.
O caminho do amor. Ele é o Amor que, por misericórdia para
convosco se faz carne. Eis que agora este Amor misericordioso cria para nós um
caminho por onde até os pequeninos podem subir. E Ele, não por sua necessidade,
mas para no-lo ensinar, o percorre como o primeiro à nossa frente. Ele nem
teria necessidade de abrir as asas para voar, e já estaria intimamente unido ao
Pai. O seu espírito, eu vo-lo garanto, está encerrado aqui, nesta pobre terra,
mas está sempre com o Pai, porque Deus tudo pode, e Ele é Deus. Mas Ele vai à
frente, deixando atrás de si os aromas de sua santidade, o ouro e o fogo do seu
amor. Observai o seu caminho. Oh! Como chega até ao ápice do arco! Mas, como é
tranquilo e seguro! Não vai em linha reta, vai numa espiral. É mais comprido, e
o sacrifício dele, sacrifício de amor misericordioso, se revela nesse
comprimento, sobre o qual Ele se detém a Si mesmo, por amor de nós que somos
fracos. Mais comprido, mas mais adaptado à nossa miséria.
A subida para o Amor, para Deus, é simples, como simples é o
Amor. Mas é profunda, porque Deus é um abismo, que diria inatingível, se Ele
não se tivesse abaixado para fazer-se atingível, para sentir-se beijar pelas
almas por Ele enamoradas. É comprido o caminho simples do Amor, porque o
Abismo, que é Deus, não tem fundo, e tanto alguém pode subir, quanto quiser.
Mas o Abismo Admirável chama o nosso abismo miserável. Chama com as suas luzes
e diz: “Vinde a Mim!” Oh! O convite de Deus! Convite de Pai! Ouvi! Ouvi! Dos
Céus deixados abertos, porque Cristo escancarou as portas dele, colocando, para
conservá-las assim, os anjos da Misericórdia e do Perdão, para que, na
expectativa da Graça, descessem deles pelo menos as luzes, os perfumes, os
cantos e orvalhos, próprios para seduzir santamente os corações dos homens, e
de lá estão chegando até nós palavras suavíssimas.
É a voz de Deus que fala. E a voz diz: “A vossa meninice? Mas
é a vossa melhor moeda! Eu quereria que todos vós vos tornásseis pequenos, para
terdes em vós a humanidade, a sinceridade e o amor dos pequenos, o confiante
amor dos pequenos para com o Pai. Sereis incapazes? Mas esta é a minha glória!
Oh! Vinde. Eu nem vos peço que vós, por vós mesmos, tireis a prova do som das
pedras boas e más. Mas dai-as a Mim! Eu as escolherei, e vós reconstruireis.
Será uma subida para a perfeição? Oh! Não meus pequenos filhos. Aqui com a mão
na mão do meu Filho, vosso irmão, agora e assim, ao lado dele, subi...” Subir!
Ir a Ti, Eterno Amor! Tomar a tua semelhança, isto é o Amor! Amar! Ai está o
segredo! Amar! Dar-se! Aniquilar-se, fundir-se. A carne, a dor, não é nada. E o
tempo? Não é nada. Até o pecado se torna um nada, se eu o dissolvo no teu fogo,
ó Deus! Só o Amor é tudo. O Amor! O Amor que nos deu o Verbo encarnado nos dará
todo perdão. E amar é uma coisa que ninguém sabe melhor do que os pequenos. E
ninguém é mais amado do que um pequeno. Ó tu, que eu não conheço, mas que
queres conhecer o Bem para distingui-lo do Mal, para teres o azul, o Sol
celeste, tudo o que é alegria sobrenatural, ama, e o terás. Ama o Cristo,
Morrerás na vida, mas ressuscitarás no espírito. Com um espírito novo, sem
teres mais necessidade de fazer uso de pedras, serás por toda a eternidade um
fogo que não morre. Sua chama sobe.
Ela não precisa de degraus nem de asas para subir. Livra o
teu eu de toda construção, põe em ti o amor. Inflamar-te-ás. Deixa que isso
aconteça sem restrições. Excita, pelo contrário, a chama, dando-lhe para
alimentá-la, todo o eu passado de paixões, de saber. Na chama se destruirá o
que for menos bom, e o que é metal nobre se tornará puro. Joga-te ó irmão, no
amor ativo e jubiloso da Trindade. Compreenderás isso que agora te parece
incompreensível, porque compreenderás a Deus, que é compreensível somente por
aqueles que se entregam sem medida ao seu fogo sacrificador. Fixar-te-ás
finalmente em Deus, em um abraço de chama, rezando por mim, o pequeno de
Cristo, que ousou falar-te de Amor.”
Estão todos estupefatos, os apóstolos, os discípulos e os
fiéis. O interpelado está pálido, enquanto que João está cor de púrpura, não
tanto pelo cansaço, como pelo amor.
Enfim, Estêvão dá um grito: “Bendito sejas tu! Mas, diz-me
quem és?”
E João vai dizendo em voz baixa, e curvando-se como que para
adorar aquele de quem fala: “Eu sou João. Em mim estás vendo o menor de todos entre
os servos do Senhor!”
- Mas quem foi o teu mestre, antes desta hora?
-Alguém, que Deus não seja, pois eu recebi o leite espiritual
de João, pré-santificado de Deus, e como o pão de Cristo, o Verbo de Deus, e
bebo fogo de Deus, que ne vem dos Céus. Glória seja ao Senhor.
- Ah! Mais eu não vos deixo mais. Nem a ti, nem a este não
deixo a ninguém. Tomai-me convosco.
- “Quando... Oh! Mas aqui está Pedro, que entre nós é o
chefe”, e João segura o atordoado Pedro, e o proclama assim “o primeiro.”
E Pedro se reencontra a si mesmo: “Filho, para uma grande
missão, é necessária uma severa reflexão. Este é o anjo entre nós, e acende.
Mas é preciso saber se a chama em vós será duradoura. Mede-te a ti mesmo.
Depois vem ao Senhor. Nós te abriremos o coração como a um irmão caríssimo. Por
enquanto, se queres conhecer melhor a nossa vida, fica. Os rebanhos de Cristo
podem crescer sem medida, para serem escolhidos entre os perfeitos e os
imperfeitos, os verdadeiros cordeiros separados dos falsos carneiros.” E, com
isto, chega ao fim a primeira manifestação apostólica.
Pg. 45-48
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167 – O ENCONTRO COM AS ROMANAS
NO JARDIM DE JOANA DE CUSA
Jesus, com a ajuda de um barqueiro, que o acolheu em seu
barquinho, desembarca pela prancha do jardim de Cusa. Um Jardineiro já o viu e
vai ao seu encontro para abrir-lhe a cancela, que barra aos estranhos o
ingresso na propriedade ao lado do lago, - uma cancela alta e forte que, no
entanto, fica escondida por uma sebe, muito viçosa e alta de toureiros e buxos,
do lado externo, de onde se vai para o lago, e de rosas de todas as cores do
lado interno para quem vai para a casa. As esplêndidas roseiras ornam com
flores as copas bronzeadas dos toureiros e dos buxos, insinuam-se pelo meio das
ramagens, atravessam e aparecem do outro lado, ou então, ultrapassam
completamente a barreira verde, e fazem cair suas comas floridas para além da
sebe. Só num ponto, na altura duma alameda, apresenta-se nua, e é ali que se
abre para dar passagem a quem vem do lago e a quem para lá vai.
"A paz para esta casa e para
ti! Joana. Onde está a tua patroa?" "Está lá com suas amigas. Vou já chamá-la. Há três dias
que estão Te esperando, por medo de chegarem atrasadas." "Jesus
sorri. O criado vai correndo chamar Joana Enquanto isso, Jesus vai caminhando
lentamente para o lugar que lhe foi mostrado pelo criado, vai admirando o
belíssimo jardim, poder-se-ia dizer o belíssimo roseiral, que Cusa mandou
formar para sua mulher. São rosas de todas as cores, tamanhos e formas,
plantadas nesta enseada bem resguardada do lago, e que já estão sorrindo,
precoces e esplêndidas. Há também pés de outras flores.
Mas estes ainda não floriram, e sua presença é pouco notada,
diante da quantidade das roseiras. Joana
vem chegando. Ela nem pôs no chão um pequeno cesto com rosas até a metade, nem
deixou a tesoura que ia levando para colhê-las, e assim vai correndo, com os
braços estendidos, ágil e gentil em sua rica veste de lã leve de um cor-de-rosa
muito claro, cujos frisos estão presos por um arranjo de broches e fivelas em
filigrana de prata, sobre os quais brilham umas pálidas granadas. Por cima de
seus cabelos negros e ondulados, um diadema em forma de mitra, também de prata
e com granadas, está segurando um véu de linho muito ligeiro, também ele
cor-de-rosa, que recai para trás deixando descobertas as pequenas Grelhas, das
quais pendem pesados brincos parecidos com o diadema, e o rosto risonho, o
pescoço delicado, sobre cuja raiz brilha um colar trabalhado com a mesma arte
com que o foram todos os outros adornos preciosos.
Ela deixa cair o seu cesto diante dos pés de Jesus, e se
ajoelha, por entre as rosas espalhadas, para beijar-lhe a veste. "A
paz esteja contigo, Joana. Eu vim." "E eu estou feliz. Elas também vieram. Oh! Agora me
parece ter feito mal com isso. Como fareis para entender-vos? Elas são pagãs
mesmo! "Joana está um pouco agitada. Jesus sorri, e põe-lhe a mão sobre a
cabeça: "Não
tenhas medo. Nós nos entenderemos muito bem. E tu agiste muito bem, ao fazeres
isto. O encontro produzirá muitas flores de bem, como o teu jardim produz de
rosas. Apanha agora estas pobres rosas, que deixaste cair, e vamos ao encontro
das tuas amigas."
"Oh! Rosas, nós temos bastantes! Eu tratava delas para passar o tempo e,
além disso, porque as minhas amigas são assim... assim... voluptuosas. Gostam
das flores, como se fossem... não sei..."
"Mas Eu também gosto de
flores! Estás vendo como já encontramos um assunto para nos entendermos Eu e
elas? Vamos! Vamos apanhar estas esplêndidas rosas...", e Jesus se inclina, para dar o
exemplo.
"Tu, não. Tu não, Senhor! Mas, se o queres mesmo... já
está feito." Vão caminhando até um
quiosque, que é formado por um entrelaçamento multicor de roseiras. Da soleira
dele, três romanas estão espreitando: Plautina, Valéria e Lídia. A primeira e a
última estão perplexas, enquanto Valéria sai correndo para fora, e se inclina,
dizendo: "Salve, ó Salvador da minha pequena Fausta!" "Paz
e luz a ti e as tuas amigas."
As amigas se inclinam sem dizerem nada. Plautina, já a
conhecemos. Alta, imponente, com uns belos olhos negros, um pouco dominadores,
por baixo de uma fronte lisa e muito alva, um nariz reto, perfeito, a boca um
pouco saliente, mas bem feita, um queixo arredondado e distinto, que me faz
lembrar de certas estátuas, muito belas, de imperatrizes romanas. Pesados anéis
reluzem em suas belas mãos e grandes braceletes de ouro circundam seus braços,
torneados como os das estátuas nas alturas dos pulsos e dos cotovelos, que
expõem à luz um branco rosado, liso e perfeito, fora das mangas curtas e
drapejadas. Lídia, por sua vez, é loura, mais delicada e mais nova. Sua beleza
não é imponente como a de Plautina, mas tem toda a graça de uma juventude
feminina ainda um pouco agreste. E, uma vez que estamos diante de um tema
pagão, eu poderia dizer que, se Plautina parece a estátua de uma imperatriz,
Lídia poderia ser uma Diana, ou uma ninfa de aspecto pudico e gentil. Valeria,
agora que não está naquele desespero em que a vimos em Cesaréia, aparece em sua
beleza de jovem mãe, em suas formas um pouco avolumadas, mas ainda bastante
juvenis, com aqueles olhos tranquilos da mãe feliz por poder nutrir e ver
crescer, com o seu leite, o seu filhinho. De cor róseo-acastanhada, ela tem um
sorriso comedido, mas muito agradável. Tenho a impressão de que sejam damas de
grau inferior ao de Plautina, pois até em seu modo de olhá-la, já a veneram com
a uma rainha.
"Estáveis cuidando das
flores? Continuai, continuai. Poderemos ir falando, mesmo enquanto ides
colhendo estas esplêndidas obras do Criador, que são as flores, e enquanto as
dispondes com aquela habilidade em que Roma é mestra, ao preparar com elas
esses vasos tão zelos em que se lhes prolonga a vida, que é tão breve. Se
ficamos admirados, ao olharmos para este botão, que mal começa a abrir o
sorriso de suas pétalas de um amarelo rosado, como poderíamos deixar de ficar
tristes, ao vê-lo morrer? Mas, oh! como ficariam pasmados os judeus, se me
ouvissem dizer isso! Contudo, é porque, até na natureza das flores, sentimos
alguma coisa de vida. E ver o fim delas nos causa dó. Entretanto, a planta é
mais sábia do que nós. Ela sabe que, de cada ferida de um dos seus talos
cortados, nasce um novo broto, que produzirá uma nova rosa. E aí está o porque
é que nossa mente deve recolher este ensinamento, e fazer do amor um pouco
sensual pela flor, um estímulo para pensar em coisas mais altas.
"Que coisas, Mestre?", pergunta Plautina, que o
está escutando atentamente, seduzida pelo pensamento elegante do Mestre hebreu.
"Estas. Que, assim como a
planta não morre, enquanto a sua raiz está nutrida pelo solo, se não morre,
quando morrem os seus talos. Sim a humanidade não morre, quando termina a vida
terrena de um ser. Mas sempre ela solta novas flores. E, um pensamento ainda
tais alto, e próprio para fazermos bendizer o Criador - enquanto na flor, desde
que tenha morrido, já não mais revive, e isso para nós uma tristeza, o homem,
por mais adormecido que esteja em seu último sono, não está morto, mas vivo,
com uma vida ainda mais brilhante, recebendo, em sua parte melhor, a vida
eterna e o esplendor do Criador que o formou.
Por isso, Valéria, se a tua menina tivesse morrido, não terias perdido
as carícias dela. Sobre a tua alma teria sempre descido o beijo da tua filha,
separada de ti, mas não esquecida do teu amor. Estás vendo como é doce ter uma
fé na vida eterna? Onde está agora a tua pequenina?"
"Naquele berço coberto. Eu não me separei dela nunca
antes, porque o amor para com o marido e pela filha eram as duas metas de minha
vida. Mas agora que sei o que é vê-la morrer, não a deixo nem por um
instante." Jesus se dirige para uma cadeira sobre a qual está colocada uma
coisa como um bercinho de madeira, todo coberto por uma rica colcha. Ele a
descobre, e olha a pequenina adormecida, que o ar, que está soprando sobre ela
um pouco mais vivo, acaba por despertar. Seus olhinhos se abrem espantados, e um
sorriso de anjo faz descerrar-se a boquinha, enquanto as mãozinhas, antes
fechadas, se abrem, desejosas de agarrar os cabelos ondulados de Jesus, e um
chilrar de passarinho assinala a formação de um discurso no pensamento dela.
Enfim, solta a grande e universal palavra: "Mamãe!"
"Pega-a, pega-a", diz Jesus, que se afasta para deixar
que Valéria possa inclinar-se sobre o berço.
"Mas ela vai te aborrecer! Eu vou chamar uma escrava e
mandar que a leve pelo jardim."
"Aborrecer? Oh! Não. As
crianças nunca aborrecem. São sempre minhas amigas."
"Tens filhos ou sobrinhos, Mestre?", pergunta
Plautina, que está observando os sorrisos com que Jesus está provocando a
pequenina para fazê-la sorrir.
"Não tenho filhos nem
sobrinhos. Mas amo as crianças, como amo as flores. Porque elas são puras e sem
malícia. Eu até te peço, dá-me, ó mulher, a tua pequenina. Apertar contra o
coração um pequeno anjo é tão doce para mim." E Jesus se assenta com a pequenina,
que fica olhando para Ele, e lhe vai despenteando a barba, e depois acha melhor
fazer isso com as franjas do manto dele e com o cordão da túnica, aos quais ela
dedica um longo e misterioso discurso. Plautina diz: "A nossa boa e sábia
amiga, uma das poucas que não nos despreza, nem sente corromper-se em nossa companhia,
ela deve ter-te dito que tínhamos o desejo de ver-te e ouvir-te para termos uma
ideia do que realmente és. Porque Roma não crê em fábulas... Por que estás
sorrindo, Mestre?
"Depois Eu te direi.
Continua."
"Porque Roma não crê em fábulas, e quer julgar com
ciência e consciência, antes de condenar ou exaltar. O teu povo tanto te
exalta, como te calunia, na mesma medida. As tuas obras levariam a exaltar-te.
Mas as palavras de muitos entre os hebreus levariam a tomar-te por nada menos
do que um delinquente. As tuas palavras são solenes sábias, como as de um
filósofo. Roma tem muito amor às doutrinas filosóficas e... devo dizê-lo, os
nossos filósofos atuais não tem uma doutrina que satisfaça, mesmo porque o modo
de vida deles não corresponde ao que eles ensinam." "Eles não podem
ter um modo de vida que corresponda à sua doutrina. "Porque eles são
pagãos, não é?"
"Não. Porque são
ateus."
"Ateus? Eles tem os seus deuses."
"Nem aqueles eles tem mais,
mulher. Eu te faço lembrar dos antigos filósofos, os maiores. Eram pagãos, eles
também, mas, não obstante isso, olha que elevação de vida houve entre eles!
Estava misturada com o erro, porque o homem é levado a errar. Mas, quando eles
viram diante dos maiores mistérios: a vida e a morte, quando estiveram
colocados diante do dilema da Honestidade ou da Desonestidade, da Virtude ou do
Vicio, do Heroísmo ou da Covardia, e pensaram que, se se inclinassem para o
mal, isso seria um mal para a pátria e para os cidadãos, aí eles, com uma
vontade de gigantes, jogaram para longe deles as garras dos maus pólipos e,
livres e santos, souberam querer o Bem, a qualquer custo. Este Bem que outro
não é, a não ser Deus."
"Dizem que Tu és Deus. É verdade?"
"Eu sou o Filho do Deus
Verdadeiro, feito carne, sem deixar de ser Deus." "Mas, que é Deus? Deve ser o
maior dos mestres, se for como Tu."
"Deus é muito mais do que um
mestre. Não limiteis a ideia sublime da Divindade, até dar-lhe uma limitação de
sabedoria."
"A sabedoria é uma divindade. Nós temos Minerva. É a
deusa do saber."
"Vós tendes também Vênus,
deusa do prazer. Podereis admitir que um deus, isto é, um ser superior aos
mortais, tenha elevado até à perfeição tudo o que há de mais feio entre os
mortais? Podereis pensar que alguém, que é eterno, tenha para sempre as
pequenas, mesquinhas e vis delicias dos que só têm uma hora de tempo? E que
delas faça a meta de sua vida? Não pensais que sujo há de ser esse céu, que vos
chamais de Olimpo, e onde estão fermentando os sucos mais azedos da humanidade?
Se olhais para o vosso céu, que é que vedes? Luxurias, delitos, ódios, guerras,
furtos, bebedeiras, trapaças, vinganças. Quando quereis celebrar as festas de
vossos deuses, que é que fazeis? Orgias. Qual o culto que prestais a eles? Onde
está a verdadeira castidade das consagradas a festa? Sobre que código divino se
apoiam, para julgar, os vossos pontífices? Que palavras podem ler no voo dos
pássaros ou no estrondo do trovão os vossos Augures? E as sangrentas vísceras
dos animais sacrificados, que resposta podem dar aos vossos arúspices? Tu
disseste: "Roma não crê em fábulas." E, então, por que é que crê que
doze pobres homens, levando um porco ao redor dos campos, com uma ovelha e um touro
e, tendo-os imolado, possam tornar propícia a Ceres, se vós tendes inúmeras
divindades, uma odiando a outra, e acreditando vós nas vinganças delas? Não.
Deus é uma coisa bem diferente. Ele e Eterno, é Único e Espiritual." "Mas Tu dizes que és Deus, e és
carne." "Há ainda um altar sem deus, na pátria dos deuses. A
sabedoria humana o dedicou ao Deus desconhecido. Porque os sábios, os
verdadeiros filósofos, entreviram que havia alguma coisa, além do cenário
historiado, criado por aquelas eternas crianças que são os homens, cujos
espíritos estão enfaixados pelas vendas do erro. Se agora estes sábios que
intuíram haver algo além do cenário mentiroso, alguma coisa de verdadeiramente
sublime e divino, que fez tudo que existe, e do qual vem tudo que há de bom no
mundo, quiseram um altar para o Deus desconhecido, que eles pressentiam ser o
Verdadeiro Deus, como podeis dar o nome de deuses aos que deuses não são, e
dizer que sabeis o que na realidade não sabeis? Procurai, pois, saber o que é
Deus, para poderdes conhecê-Lo e honrá-Lo. Deus é Aquele que do seu pensamento
fez tudo do nada. Será que vos deixais persuadir e satisfazer só com a fábula
das pedras que se transformaram em homens? Em verdade há homens mais duros e
malvados do que a pedra, e há pedras que são mais úteis do que o homem. Mas,
para ti, não é mais doce, Valéria, ao olhares para esta tua pequenina, e pensar
assim: "É uma vontade viva de Deus, por Ele criada e formada, por Ele
dotada de uma segunda vida que não morre, de modo que eu a terei ainda, a minha
pequena Fausta, e por toda a eternidade, se eu crer no Deus Verdadeiro",
em vez de dizer: "Estas carnes rosadas, estes cabelos mais finos do que
fios de uma teia aranha, será que tudo isso vem de uma pedra?" Ou se
haverá de dizer: "Eu sou em tudo semelhante à loba ou à fêmea do cavalo, e
brutalmente me acasalo, brutalmente gero, brutalmente crio, e esta filha é
fruto do meu instinto bruto, é um bruto como eu, e amanhã, quando ela morrer,
quando eu também morrer, seremos duas carniças, que vão-se desfazendo com fedor,
e que nunca mais se verão? Dize-me! O teu coração de mãe que é que acharia
destas duas razões?"
"Certamente que a segunda, não, Senhor! Se eu tivesse
sabido que Fausta não era uma coisa que pudesse ser desfeita para sempre, a
minha dor, em sua agonia, teria sido menos impiedosa. Porque eu teria dito:
"Eu perdi uma pérola. Mas ela ainda existe. E eu a encontrarei de
novo."
"Tu o disseste. Quando eu
vim ao vosso encontro, a vossa amiga se disse que se admirava da vossa paixão
pelas flores. E tinha medo de que isso pudesse me desagradar. Mas Eu lhe
garanti que não, e lhe disse: "Eu também gosto de flores e, por causa
disso, vamos entender-nos muito bem." Mas quero levar-vos a amar as
flores, como levo Valéria a amar a sua filha, da qual, estou certo de que ela
vai cuidar com muito mais cuidado, agora que ela sabe que a filha tem uma alma,
que é uma pequena parte de Deus, encerrada na carne que a mamãe lhe deu, uma
pequena parte que não morre e que a mãe encontrará no céu, se crer no
Verdadeiro Deus. Assim, também vós. Olhai esta rosa tão linda. A púrpura, que
embeleza a veste do imperador é menos esplêndida do que uma destas pétalas, que
não só é alegria para os olhos, por sua cor, mas também, para o lato, por sua
maciez e do olfato, pelo seu perfume. E olhai esta também, e esta outra, e mais
esta. A primeira parece sangue que jorrou de um coração, a segunda a neve que
acabou de cair, a terceira é ouro pálido, a última perece ter sido feita com
esta doce face infantil, que ai do colo está sorrindo para Mim. E, ainda: a
primeira está rígida sobre o seu grosso pedúnculo quase sem espinhos,
fortemente vermelho no meio da folhagem, como se tivesse sido borrifado de
sangue; a segunda tem loucos ramos com espinhos e umas folhas opacas e pálidas
ao longo do pedúnculo; a terceira é flexível como um junco e tem umas folhas
pequenas e brilhantes, como se fossem de uma cera verde; e a última parece
cercar o caminho contra qualquer assalto à sua rosada carola, lá tão coberta
que está de espinhos. Parece uma lima com arestas pontiagudos. Pensai agora.
Quem fez isto? Como? Quando? Onde? E este lugar, que é que era, na noite dos
tempos? Não era nada. Era uma agitação informe de vários elementos. Alguém
(Deus) disse: "Eu quero", e os elementos se separaram um do outro,
unindo-se por famílias. Outra vez soaram as palavras "Eu Altero”, e os
elementos se coordenaram um com o outro, como a água por entre terras; ou um
sobre o outro, como o ar e a luz sobre o planeta que estava criado. Ainda um
"Eu quero", e apareceram as plantas. Depois vieram as estrelas,
depois os animais e, finalmente o homem. E, para que o homem sentisse prazer,
como com encantadores brinquedos dados ao seu predileto, Deus lhe deu as
flores, os astros, e, finalmente lhe deu a alegria de procriar não aquilo que
morre, mas aquilo que sobrevive à morte, pelo dom de Deus que é a alma. Estas
rosas são outras tantas vontades do Pai. Seu infinito poder se manifesta em uma
infinidade de belezas. Não me é fácil dizê-lo, porque o assunto vai chocar-se
contra o bronze maciço das vossas crenças. Mas Eu espero que, como este é o
nosso primeiro encontro, já nos tenhamos entendido um pouco. Que a vossa alma
se debruce sobre tudo o que Eu vos disse. Tereis perguntas a fazer? Fazei-as.
Estou aqui para esclarecê-las. A ignorância não é uma vergonha. Vergonha é
persistir na ignorância, quando há alguém que possa esclarecer as
dúvidas."
E Jesus, como se fosse o mais experiente dos papais, sai do
quiosque, segurando pela mão a pequenina, que já está dando seus primeiros
passinhos, e que quer ir até um repuxo, que está esguichando ao sol. As
mulheres ficam onde estão, conversando umas com as outras. Joana, indecisa
entre dois desejos, está ainda na porta do quiosque. Finalmente, Lídia se
decide, e atrás dela vão as outras, indo até Jesus, que lá está rindo, porque a
menina quer pegar o pequeno arco íris que o sol está formando com a água, e não
consegue pegar nada mais do que a luz. Mas ela insiste, com todo o seu pipilar
de um pintinho, que vem saindo dos seus labiozinhos cor-de-rosa.
"Mestre... eu não compreendi porque é que disseste que
os nossos mestres não podem ter formas de vida boas, visto que são ateus. Eles
creem no Olimpo. Mas creem."
"Eles não têm nada mais que
uma exterioridade em sua crença. Enquanto eles verdadeiramente creram, como os
verdadeiros sábios creram naquele Desconhecido de que Eu te falei, naquele Deus
que satisfazia as suas almas, mesmo sem ter nome, e mesmo sem perceberem o que
estavam querendo, enquanto tiveram voltado o seu pensamento para este Ser, muito
superior, muito superior aos pobres deuses cheios de humanidade, e de baixa
humanidade de, que o paganismo criou, eles necessariamente, tiveram, um pouco,
o reflexo de Deus. A alma é um espelho que reflete e um eco que responde.
"Reflete o quê, Mestre?"
"A Deus."
"Eis uma grande palavra!"
"É uma grande verdade."
Valéria, que está seduzida pelo pensamento da imortalidade,
pergunta: "Mestre, explica-me onde está a alma de minha menina. Eu
beijarei o lugar como um sacrário e o adorarei, porque é um lugar de
Deus."
"A alma! É como esta luz que
a tua Faustina está querendo segurar, mas não pode, porque ela é incorpórea.
Mas ela existe. Eu, tu e tuas amigas a vemos. Igualmente a alma é visível em
tudo aquilo que diferencia o homem do bruto. Quando a tua pequena te disser os
seus primeiros pensamentos, pensa bem que aquela inteligência é a alma dela que
se revela. Quando ela te amar, não com o instinto, mas com razão, pensa bem que
aquele amor é a sua alma. Quando ela crescer, bela ao teu lado, não somente no corpo,
mas na virtude, pensa bem que aquela beleza é a sua alma. E não adores a alma,
mas a Deus que a criou, a Deus que de toda alma boa quer fazer para Si um
trono." "Mas,
onde fica essa coisa incorpórea e sublime: no coração? no cérebro? "Fica
nesse todo que é o homem. Ela contém, e é contida. Quando ela vos deixa, sois
cadáveres. Quando ela é morta, pelo delito do homem contra si mesmo, estais
condenados, separados de Deus para sempre."
"Portanto, Tu admites que o filósofo que disse que somos
"imortais" tinha razão, ainda que ele fosse pagão?" - pergunta
Plautina.
"Eu não o admito, mas faço
mais do que isso. Digo que isso é até um artigo de fé. A imortalidade da alma,
isto é, a imortalidade da parte superior do homem é o mistério mais certo e
mais consolador para quem crê. É ele que nos dá a certeza de onde é que viemos,
de para onde vamos, de quem é que somos nós, e nos tira o amargor de todas as
separações."
Plautina fica pensando profundamente. Jesus a fica observando
e se cala. Depois, pergunta: "E Tu, tens uma alma assim?" Jesus
responde: "Com toda a certeza."
"Mas, Tu és, ou não és Deus?"
"Sou Deus. Eu já te disse.
Mas agora assumi natureza de homem. E sabes por que motivo? Porque só com este
meu sacrifício é que Eu podia resolver os problemas, que para a vossa razão são
insuperáveis, depois de ter derrubado o erro, livrando o pensamento, podia
livrar também a alma de uma escravidão que, por enquanto, não te posso
explicar. Para isso encerrei a Sabedoria em um corpo, a Santidade em um corpo.
Eu espalho a Sabedoria como uma semente sobre o terreno, e com o pé feri aos
ventos, e a Santidade como que saindo de uma preciosa ânfora quebrada,
escorrerá sobre o mundo, na hora da Graça, e santificará os homens. E, então o
Deus Desconhecido ficará conhecido. "Mas Tu já és conhecido. Quem puser em dúvida o teu
poder e a tua sabedoria, é mau ou mentiroso.” "Conhecido,
Eu sou. Mas estamos apenas na aurora. O meio-dia é que vai ser cheio do
conhecimento de Mim." "Qual será o teu meio-dia? Um triunfo? Eu o verei?" "Na
verdade, será um triunfo. E tu estarás lá. Porque em ti há náuseas daquilo que
sabes, e apetite do que não sabes. Tua alma tem fome. "
"É verdade. Tenho fome da verdade "
"Eu sou a Verdade. "
"Entrega-te, então a esta esfaimada "
"Basta que venhas à minha
mesa. A minha palavra é pão de verdade. "
Mas, que dirão os nossos deuses, se os abandonamos? Não se
vingarão de nós? - pergunta Lídia aterrorizada.
"Mulher, já viste uma manhã
nevoada? Os prados desaparecem, debaixo de um vapor que os esconde. Depois vem
o sol, e o vapor se dissolve, e os prados aparecerá, e mais belos. Assim são os
vossos deuses, uma névoa do pobre pensamento humano que, não conhecendo a Deus
e tendo necessidade de crer, porque a fé é o estado permanente e necessário do
homem, criou para si mesmo esse Olimpo, uma verdadeira fábula sem fundamento.
Assim os vossos deuses, ao nascer do sol, à chegada do Deus Verdadeiro, se
dissolverão em vossos corações, sem poderem fazer mal a ninguém. Porque eles
não existem.
"Vai ser preciso ouvir-te ainda... muito... Estamos
completamente diante do desconhecido. O que Tu dizes é novo."
"Mas te repugna? Não podes
aceitá-lo?"
Plautina responde com firmeza. "Não. Agora me sinto mais
orgulhosa do pouquinho que já sei, e que César não sabe nada, além do meu
nome."
"E, então, persevera. Eu vos
deixo com a minha paz."
"Mas, como? Não ficas aqui, meu Senhor?" Joana está
desolada.
"Não fico. Tenho muito que
fazer."
"Oh! Eu te queria falar do meu sofrimento!" Jesus
se põe a caminho, depois das saudações das romanas, mas se vira e diz: "Vem
até a barca. E me irás dizendo os teus problemas."
Joana vai indo com Ele. E diz: "Cusa está querendo
mandar-me por algum tempo para Jerusalém, e eu estou sofrendo por isso. Ele
quer fazer isso, porque não quer que eu fique mais afastada, já que agora estou
sã..."
"Tu também estás criando em
ti umas névoas inúteis! " Jesus já está com o pé sobre a barca. "Se pensasses que assim
poderás hospedar-me e acompanhar-me com mais facilidade, irias ficar contente,
e até dirias: "Foi a Bondade que pensou nisso".
"Oh! é verdade, meu Senhor. Eu nem tinha pensado
nisso."
"Pensa, então! Obedece, como
uma mulher de valor. A obediência te dará o prêmio de ter-me contigo na próxima
Páscoa, e a honra de ajudar-me a evangelizar as tuas amigas. A paz esteja
sempre contigo! "
A barca se afasta, e tudo termina.
Pg. 49-59
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169 – PRIMEIRO DISCURSO DA
MONTANHA. A MISSÃO DOS APÓSTOLOS E DOS DISCÍPULOS
Jesus vai indo sozinho, e andando
ligeiro, por uma estrada mestra. Vai indo na direção de um monte, que é bom que
se explique como é, porque, com um gráfico, creio que não conseguirei. O
gráfico é assim: Portanto, este monte, que se ergue perto da estrada mestra,
que ai do lago para o oeste, depois de um certo trecho, tem o seu começo
propriamente dito com uma elevação pequena e suave, que se vai prolongando até
grande distância. Aí ela está em um planalto, do qual se pode ver todo o lago
com a cidade de Tiberíades para o sul, e as outras, menos belas, que vão
aparecendo do lado norte. Depois, o monte começa a ter uma nova elevação, e
vai-se erguendo de modo bem acentuado, até terminar num pico, para depois
abaixar-se de novo para formar um outro pico semelhante, tomando assim a forma
curiosa de uma sela. Jesus começa a subida para o planalto por uma vereda ainda
bastante aprazível, e chega a um pequeno lugarejo, cujos habitantes com certeza
cultivam esse pequeno altiplano onde o trigo já está começando a soltar
espigas. Jesus travessa o povoado, depois continua a andar por entre os campos
e os prados, todos cobertos de flores e de frutos, carregados com a futura
colheita. O dia está sereno e mostra todas as belezas na natureza
circunvizinha. Além da montanha solitária, para a qual Jesus se dirige, vê-se,
ao norte, o cume imponente do Hermon, cuja sumidade parece uma enorme pérola,
posta sobre uma base de esmeraldas, de tão alto que é aquele pico, encapuzado
de neve, enquanto a encosta se mostra verde, por causa dos bosques que a
cobrem. Para além do lago, entre este e o Hermon, a planície verde onde fica o
lago Meron, que daqui não se pode ver, há outros montes para os lados de
Tiberíades, da parte ocidental e após o lago, mais montes que se esboçam lá ao
longe e outras planícies suaves. Ao sul, além da estrada mestra, estou vendo
umas colinas, que eu acho escondem Nazaré. Quanto mais se sobe, mais a vista se
espraia. Daqui não vejo o que há para os lados do ocidente, porque o monte lá à
frente está como uma parede. O primeiro que Jesus encontra é o Apóstolo Filipe,
que parece ter sido colocado ali de sentinela.
"Como, Mestre? Tu estás aqui? Nós
te esperávamos na estrada. Eu estou aqui a esperar os companheiros, que foram
procurar leite com os pastares que pastoreiam por estas alturas. Lá em baixo,
na estrada, está Simão com Judas de Simão, e com eles estão Isaque e... oh! aí
vêm eles. Vinde! Vinde! O Mestre está aqui!" Os Apóstolos, que vinham
descendo com frascos e odres, põem-se a correr, e os mais jovens, naturalmente,
chegam primeiro. A festa que fazem ao Mestre é comovente. Finalmente, estão
todos reunidos e, enquanto Jesus está sorrindo, todos querem falar para
contar...
"Nós te esperávamos na
estrada!"
"Tínhamos pensado que nem virias
hoje."
"Há muita gente, sabes?"
"Oh! Mas nós estávamos muito
embaraçador, porque ai estão escribas e alguns discípulos de Gamaliel."
"Mas, sim Senhor! Tu nos deixaste
justamente no bom momento! E nunca tive tanto medo como naquela hora. Não me
faças mais uma brincadeira dessas! Pedro se lamenta, e Jesus sorri, e pergunta:
"Mas
aconteceu-vos alguma coisa de mal?"
"Oh! Não! Pelo contrário...Oh! Meu
Mestre! Mas, não sabes que João tomou a palavra? Parecia até que eras Tu que
falavas nele. Eu... nós estávamos embasbacados... Este rapaz que, há um ano, só
era capaz de jogar a rede...oh! " Pedro ainda está admirado, e sacode o
sorridente João, que fica calado. "Vede bem se é possível que este
rapazinho tenha, com esta boca sorridente, dito aquelas palavras! Parecia
Salomão."
"Também Simão falou bem, meu
Senhor! Ele portou-se mesmo como o "chefe", diz João. "Claro!
Ele me pegou, e me pôs lá... Dizem que eu falei bem. Que seja. Eu não sei...
porque, entre o espanto pelas palavras de João e o medo de falar no meio de
tanta gente, e obrigar-te a fazer uma triste figura, eu estava desorientado...
"
"De
obrigar-me a fazer? A mim? Mas, se eras tu que estavas falando, a triste figura
tu é que a terias feito, Simão,"
provoca-o Jesus. "Oh! Por mim... Não me importava comigo mesmo. Eu não
queria é que escarnecessem de Ti, como de um tolo, por haveres tomado um idiota
para ser teu apóstolo." Jesus está radiante de alegria por causa da
humildade e do amor de Pedro. Mas pergunta somente isto: "E
os outros?"
"O Zelotes também falou bem. Mas
ele... já se sabe. Mas este aqui é que foi a surpresa! Pois agora, desde que
estivemos naquela oração, o rapaz parece estar sempre com a alma no Céu. "
"É verdade. É verdade."
Todos confirmam as palavras de Pedro. E
depois continuam a contar. "E, sabes de uma coisa? Entre os discípulos
agora há dois que, segundo o parecer de Judas de Simão, são muito importantes.
Judas está sempre muito ocupado. E natural. Ele conhece muitos daqueles que
estão no alto e sabe lidar com eles. E gosta de falar... E fala bem. Mas o povo
prefere ouvir Simão, e aos teus irmãos e, sobretudo, a este rapaz. Ontem ainda,
um homem me disse: "Como fala bem este jovem - era de Judas que estava
falando -, mas eu te prefiro a ele." Oh! Coitado! Preferir logo a mim, que
só sei dizer quatro palavras! Mas, por que é que vieste por aqui? O lugar
combinado para o nosso encontro era lá na estrada, e lá nós ficamos."
"Porque
eu sabia que vos teria encontrado aqui. Agora escutai. Descei e ide dizer aos
outros que venham. Também aos discípulos conhecidos. E que o povo não venha
hoje. Quero falar somente a vós.”
"Então, é melhor deixar tudo para
a tarde. Quando o sol já se está pondo, o povo costuma espalhar-se pelas aldeias
vizinhas, e volta na manhã seguinte, para te ficar esperando. Se não... quem
vai poder deter esse povo?"
"Está
bem. Fazei, então, assim. Eu vos ficarei esperando lá no cume. As noites já não
estão frias. Poderemos dormir até ao ar livre."
"Onde quiseres, Mestre. Basta que
estejas conosco." Os discípulos se afastam, e Jesus começa de novo a subir
até o cume, que é aquele já visto na visão do ano passado, no fim do Sermão da
Montanha, no primeiro encontro com a Madalena. O panorama vai-se tornando ainda
mais amplo, à medida que vai ficando mais iluminado pelo pôr-do-sol que está
começando. Jesus se assenta sobre uma pedra e se recolhe em meditação. E fica
assim, até que o barulho dos passos na vereda começam a fazê-lo perceber que os
apóstolos já estão de volta. A tarde já chegou. Mas, naquela altitude, o sol
ainda continua a extrair odores de todas as ervas e pequenas flores. Os lírios
selvagens têm um cheiro forte, e os altos pedúnculos dos narcisos estão
projetando para fora as suas estrelas e seus botões, como se quisessem atrair
as orvalhadas. Jesus se põe de pé, e saúda com a sua saudação de costume: “A paz
esteja convosco.”
Muitos são os discípulos que vão subindo com os apóstolos.
Isaque vai à frente deles, com o seu sorriso de asceta brilhando em seu rosto
delgado. Todos se ajuntam ao redor de Jesus, que agora está saudando, de um
modo particular, a Judas Iscariotes e a Simão, o Zelotes.
“Quis que viésseis todos comigo,
para estar algumas horas convosco e para falar-vos a vós somente. Tenho algumas
coisas para dizer-vos, a fim de preparar-vos sempre melhor para a missão. Vamos
tomar a refeição, e depois falaremos. Assim, durante o nosso sono, nossas almas
continuarão a saborear a doutrina."
Terminam a ceia frugal e depois
se ajuntam em círculo ao redor de Jesus, que se assentou em uma grande pedra.
São eles mais ou menos uma centena, talvez até mais, somando os discípulos e os
apóstolos. ..."Eu vos quis aqui, assim em particular, porque vós sois os
meus amigos. Eu vos chamei, depois da primeira prova feita pelos doze, tanto
para ampliar o círculo dos meus discípulos ativos, como também para ouvir de
vós as primeiras reações por serdes dirigidos pelos que Eu vos dou como meus
continuadores. Sei que tudo andou bem. Eu apoiava com minha oração as almas dos
apóstolos, que saíram da oração com uma nova força na mente e no coração.
Uma força que não procede de
estudo humano, mas do abandono completo em Deus. Os que mais deram são os que
mais se esqueceram de si mesmos. E esquecerem-se de si mesmos é uma coisa
difícil. O homem é feito de recordações. E as que falam mais alto são as
recordações do próprio eu. É preciso fazer distinção entre o “eu” e o “eu”. Há
o “eu” espiritual, dado pela alma que se recorda de Deus e de sua origem de
Deus, e há o “eu” inferior, da carne, que se recorda de mil exigências, que
tudo abraçam, ou de si mesma, ou das paixões, e que, visto serem tantas as
vozes a ponto de formar um coro e, que vencem a voz do espírito, que recorda
sua nobreza de filho de Deus, se o espírito não for bem robusto. Por isso,
menos do que por essa recordação santa, que seria necessário estimular sempre
mais, e conservar viva e forte, por isso, para serem perfeitos como discípulos,
e preciso que saibam esquecer-se de si mesmos, de todas as suas recordações,
exigências e medrosas reflexões do eu humano. Nesta primeira prova, entre os
meus doze, os que mais deram foram os que mais se esqueceram de si mesmos.
Esquecidos, não só do seu passado, mas também de sua limitada personalidade.
São os que não se recordaram mais do que eram, e de tal modo se uniram a Deus,
a ponto de não terem medo. Medo de nada.
Para que a severidade de alguns?
Porque eles se recordaram dos seus escrúpulos habituais, de suas considerações
habituais, de suas habituais prevenções. Por que o laconismo de outros? Porque
eles se lembraram de suas incapacidades doutrinárias, e ficaram com medo de
fazer triste figura ou de fazer que eu a fizesse.
Por que ainda as vistosas exibições de outros?
Porque eles se lembraram de suas habituais soberbas, de seus desejos de se
mostrarem, de serem aplaudidos, de sobressaírem, de serem "alguma
coisa". E enfim, porque o repentino desejo de revelar-se de outros, com
uma oratória rabínico, firme, persuasivo, triunfal? Porque eles, e só eles,
assim como os que até agora foram humildes e procuravam passar sem serem
observados, mas que, no momento certo, souberam, de repente, assumir a
dignidade do primado que lhes foi conferida, e que eles nunca quiseram exercer,
por temor de estarem presumindo demais, souberam lembrar-se de Deus. As
primeiras três categorias lembraram-se do eu inferior. A outra, a quarta, do eu
superior, e não tiveram medo. Sentiam que Deus estava com elas, que Deus estava
nelas, e não temeram. Oh! Santa audácia de quem está com Deus!
Agora, pois, escutai, vós e vós, apóstolos e
discípulos. Vós, apóstolos, já ouvistes estes conceitos. Mas agora os
entendereis, mais em profundidade. Vós, discípulos, não os ouvistes ainda, ou
deles tereis ouvido só fragmentos. E precisais esculpi-los no coração. Porque
Eu sempre precisarei de vós, uma vez que, cada vez mais, vai crescendo rebanho
de Cristo. Porque o mundo sempre vos atacará, crescendo nele os lobos contra mim,
e contra o meu rebanho. E Eu quero pôr em vossas mãos as armas para a defesa da
Doutrina e do meu rebanho. O que basta para o rebanho não é suficiente para
vós, pequenos pastores. Se é compreensível que as ovelhas cometam erros, ao comerem
ervas que fazem o sangue ficar amargo, ou loucos os seus desejos, não se pode
compreender que vós cometais os mesmos erros, levando muitos rebanhos para a
sua perdição. Porque, pensai bem, onde houver um pastor ídolo que só cuida de
si mesmo, as ovelhas morrem envenenadas ou assaltadas pelos lobos. Vós sois o sal da terra e a luz do mundo.
Mas, se deixásseis de cumprir vossa missão, tornar-vos-íeis um sal insípido e
inútil. Nada poderia restituir-vos sabor, uma vez que Deus não pode dar-vo-lo,
visto que, tendo-o vós recebido como um dom de Deus, vós lhe tirastes o gosto,
lavando-o com as águas insípidas e sujas da humanidade, adoçando-o com o
corrompido dulçor da sensualidade, misturando ao puro sal de Deus os detritos
da soberba, da avareza, da gula, da luxúria, da ira, da preguiça, de modo que
sobra apenas um grãozinho de sal para cada sete vezes sete grãozinhos de cada
um dos vícios. O vosso sal já não é mais do que uma mistura de pedras, onde
desaparece o pobre grãozinho perdido, de pedras que estalam debaixo do dente,
deixam na boca um gosto de terra, e fazem que a comida fique repugnante e
desagradável. Nem mesmo para outros usos inferiores ele serve, pois seria
nocivo até para qualquer outro uso humano, um saber mergulhado nos sete vícios.
E aí o sal já não serve mais, senão tara ser jogado fora, e pisado pelos pés
descuidados do povo.
Quantas, quantas pessoas vão
poder pisar assim nos homens de Deus! Porque estes, que foram chamados, terão
permitido que o povo descuidado neles pisasse, porque eles não são mais a
substância à qual se pede socorro, por ter ela um sabor de coisas escolhidas,
de coisas do céu, mas serão apenas uns detritos. Vós sois a luz do mundo. Vós
sois como este cume, que foi o último a deixar de receber o sol, e é o primeiro
a pratear-se com a lua. Quem está colocado no alto, brilha, e é visto, porque
até o olho mais desatento para, de vez em quando, nas alturas. Eu diria que o
olho material, que se costuma dizer que é o espelho da alma, reflete a
aspiração da alma, uma aspiração muitas vezes inadvertida, mas sempre viva,
enquanto o homem não for um demônio, a aspiração do alto, do alto, onde a razão
instintivamente coloca o Altíssimo. E, procurando os Céus, ele ergue, pelo
menos alguma vez na vida, os olhos para as alturas. Eu vos peço que vos
recordeis do que nós todos fazemos, desde a nossa meninice, quando entramos em
Jerusalém. Por onde é que correm os nossos olhares? Pelo monte Mória, coroado
pelo triunfo do mármore e do ouro do Templo. E quando no recinto? Pelas cúpulas
preciosas que resplandecem ao sol. Tudo o que é belo no sagrado recinto, tudo o
que há espalhado pelos seus átrios, pelos seus pórticos e pátios! Mas os
olhares correm depois lá para cima. Ainda vos peço que vos recordeis de quando
se está a caminho. Para onde se dirigem os nossos olhares, como que para nos
esquecermos das grandes distancias do caminho, da monotonia, do cansaço, do
calor ou da lama? Dirigimo-los para os cumes, por pequenas que sejam, e até
distantes. E, com que alivio os vemos aparecer, quando estamos em uma planície
chata e uniforme! Aqui há lama? Lá há esplendor. Aqui há mormaço? Lá há
frescor. Aqui há uma limitação para o nosso olhar. Lá há a amplidão. Basta
olhar para eles, e o dia já nos parece menos quente, a lama menos pegajosa, e
menos triste o caminhar. Por isso, se uma cidade brilha no alto de um monte, aí
já não há olhos que não a admirem. Dir-se-ia que até um lugarejo fique
embelezado quando colocado, como se fosse aéreo, no cume de uma montanha. E é
por isso que na verdadeira e nas falsas religiões, sempre que tenha sido
possível, os templos foram construídos em lugares altos e, se um monte ou
colina não havia por ali, fez-se para eles um pedestal de pedras,
construindo-se para isso, com o trabalho dos braços, uma elevação para sobre ela
colocar o templo. Por que se faz assim? Porque se quer que o templo seja visto,
para atrair, com a vista dele, o pensamento para Deus. Igualmente Eu disse que
vós sois uma luz.
Quem acende uma luz à tarde em
sua casa, onde é que a coloca? No buraco por debaixo do forno? Na gruta que
serve de adega? Ou fechada dentro de uma caixa-banco? Ou, talvez, só
simplesmente a abafamos sob o alqueire?
Não. Porque, se assim fizéssemos, teria sido inútil acendê-la. Mas
coloca-se a luz no alto de uma mísula, ou se põe pendurada a um gancho, para
que assim do alto alumie o quarto todo e a todos os que estão dentro dele. Mas,
justamente porque o que está sendo posto no alto tem a incumbência de fazer-nos
lembrar de Deus e de produzir luz, por isso deve estar à altura da tarefa que
recebeu para cumprir. Vós deveis lembrar-vos do Verdadeiro Deus. Tomai, pois,
cuidado para não terdes em vós o paganismo de sete formas. Do contrário, vos
tornaríeis como uns altos lugares profanos, com pequenas bosques consagrados a
este ou àquele deus, e arrastaríeis em vosso paganismo àqueles que vos
consideram templos de Deus. Vós deveis levar convosco a luz de Deus. Uma
torcida suja, uma torcida não nutrida com azeite, produz fumaça, e não luz,
solta mau cheiro, e não claridade. Uma luz escondida atrás de um quarto sujo
não cria a beleza esplendida, não cria o fúlgido jogo da luz sobre a
transparência do mineral mas definha atrás do véu da fumaça escura que torna
opaco o diamantífero anteparo. A luz de Deus brilha onde existe vontade diligente
de polir diariamente das escórias que o próprio trabalho vai produzindo com os
seus contatos, reações e desilusões.
A luz de Deus brilha, onde a torcida está
mergulhada em um abundante liquido formado pela oração e a caridade. A luz de
Deus, então se multiplica em infinitos esplendores, tantos, quantas são as
perfeições de Deus, cada uma das quais suscita no santo uma virtude
heroicamente praticada, se o servo de Deus conservar limpo o cristal inatacável
de sua alma, longe da fumaça escura de toda paixão fumarenta e má. Cristal
inatacável! Inatacável! Somente Deus tem o direito e o poder de riscar este
cristal e de escrever nele com o diamante de sua vontade o seu Santíssimo Nome.
Então, esse Nome se torna um ornamento, que provoca uma mais viva cintilação de
sobrenaturais belezas, sobre o cristal puríssimo. Mas, se o estulto servo do
Senhor perde o controle de si mesmo e a vista de sua missão, que é toda e
unicamente sobrenatural, e deixa que risquem nele falsos ornamentas, que são
mais uns arranhões do que incisões, misteriosas e satânicas cifras, feitas
pelas garras cheias de fogo de Satanás, então, já não resplende mais bela e
sempre integra a lâmpada admirável, mas se quebra e se arruína, e ainda sufoca
sua chama sob os detritos do cristal quebrado, ou, se não se quebra, formará um
emaranhado de sinais de inequívoca natureza, nos quais a fuligem se deposita, e
neles penetra, e os estraga.
"Ai, três vezes ai dos pastores que
perdem a caridade, que se recusam a subir cada dia para elevar o rebanho, que está
esperando sua subida para subir. Eu os golpearei, derrubando-os do seu lugar, e
apagando até o fim a sua fumaça. Ai, três vezes ai dos mestres que rejeitam a
Sabedoria, para se saturarem de uma ciência quase sempre contrária, sempre
cheia de soberba, talvez até satânica, porque os faz homens, enquanto que - ou
vi bem e lembrai-vos disso, enquanto que, se o destino de todo homem e
tornar-se semelhante a Deus, com a santificação que faz do homem um filho de
Deus. O mestre, o sacerdote deveria ter, desde as da terra, esse aspecto, e só
este, de filho de Deus. "Deveria ter" o aspecto de criatura toda alma
e perfeição. "Deveria ter", para conduzir para Deus os seus
discípulos.
Maldição para os mestres de
doutrina sobrenatural, que se tornam uns ídolos de um saber humano. Ai, sete
vezes ai dos que morreram espiritualmente entre os meus sacerdotes, os quais
com a sua insipidez, com o seu torpor de uma carne meio morta, com seu sono
cheio de alucinações e aparições de tudo o que há, menos do Deus Uno e Trino; cheios
de cálculos de tudo o que há, menos do desejo sobre-humano de aumentar as
riquezas dos corações e de Deus, passam a vida em coisas humanas, mesquinhas,
entorpecidos, arrastando através de suas águas mortas aqueles que os
acompanham, considerando-os "vida". Maldição de Deus para os
corruptores do meu pequeno e amado rebanho. Não aqueles que perecem por vossa
negligência, ó servos, maus cumpridores das ordens do Senhor, mas sim a vós,
vós de todas as horas e de todos os tempos e por todas as circunstâncias e por
todas as consequências, Eu vos pedirei contas e exigirei vossa punição.
Recordai-vos destas palavras. E agora ide. Eu vou subir para o cume. E vós ide
dormir. Amanhã, para o rebanho, o Pastor vai abrir a entrada para as pastagens
da Verdade.”
Pg. 73-78
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170 – SEGUNDO DISCURSO DA
MONTANHA. O DOM DA GRAÇA E AS BEM-AVENTURANÇAS
Jesus está falando aos apóstolos, e vai colocando cada um deles
em seu lugar, para dirigirem a multidão e cuidar dela, pois o povo vem subindo
desde as primeiras horas da manhã, com seus doentes trazidos nos braços ou em
padiolas, enquanto outros vêm arrastando-se em suas muletas. No meio do povo
estão Estêvão e Herma. O ar está limpo e um pouquinho frio, mas o sol vai
temperando logo essa pequena aspereza, mas sem incomodar. Algumas pessoas se
assentam sobre pedras pequenas e grandes, que estão espalhadas pelo pequeno
vale, que fica entre dois cumes, enquanto outras continuam esperando que o sol
enxugue a erva coberta de orvalho, para se assentarem no chão. É muita gente,
vindo de todas as regiões da Palestina, e de todas as condições. Os apóstolos
somem no meio da multidão, mas, como abelhas que vão e vem dos prados pata a
colmeia, de vez em quando voltam até o Mestre, para darem notícias, para
fazerem perguntas, ou pelo prazer de serem olhados de perto pelo Mestre. Jesus
sobe um pouco mais acima do prado, que está no fundo do pequeno vale, e,
encostando-se a um paredão da montanha começa a falar:
"Muitos me tem perguntado,
durante todos estes anos de pregação: "Mas, tu, que te dizes o Filho de
Deus, dize-nos o que é o Céu, o que é o Reino, e que é Deus. Porque sobre tudo
isso nós temos ideias confusas. Nós sabemos que existe o Céu, com Deus e com os
Anjos. Mas de lá nunca veio ninguém para dizer-nos como ele é, e assim ele fica
fechado aos justos." Perguntaram-me também o que é o Reino e o que é Deus.
Eu me tenho esforçado para explicar-vos o que é o Reino e o que é Deus. Digo
que me tenho esforçado, não porque me fosse difícil explicá-lo, mas porque é
difícil, por um complexo de coisas, fazer-vos aceitar a verdade que se choca,
no que diz respeito ao Reino, contra todo um edifício de ideias que vieram, com
o correr dos séculos, e, no que diz respeito a Deus, pela sublimidade de sua
Natureza. Outros ainda, me perguntaram: "Está bem. Isto é o Reino, e isto
é Deus. Mas como conquistar-se este e aquele?" Também isso Eu procurei
explicar-vos, incansavelmente, a saber, qual o verdadeiro espírito da Lei do
Sinai. Quem consegue possuir aquele espírito, consegue possuir o Céu. Mas, para
explicar-vos a Lei do Sinai, é preciso fazer ouvir o tom forte do Legislador e
do seu Profeta, os quais, se prometem bênçãos aos observantes da Lei, ameaçam
com tremendas penas e maldições aos desobedientes. A Epifania do Sinai foi
terrível, isso se reflete em toda a Lei, se reflete em todos os séculos, se reflete
em todos os espíritos. Mas Deus não é apenas Legislador. Deus é Pai. E um Pai
de imensa bondade. Talvez, e mesmo sem talvez, os vossos espíritos,
enfraquecidos pelo pecado original, pelas paixões, pelos muitos egoísmos vossos
e dos outros, fazendo com que os dos outros vos tornem espíritos irritados, e
os vossos vos tornem espíritos fechados, não podem elevar-se à contemplação das
infinitas perfeições de Deus e, menos ainda do que à de qualquer outra, à de
sua bondade, porque esta é a virtude que, junto com o amor, é a que menos
aparece nos mortais.
A bondade! Oh! É doce ser bons,
sem ódio, sem invejas, sem soberbas! Ter olhos que só olham para amar, e mãos
que se estendem em gesto de amor, e lábios que não preferem senão palavras de
amor, e coração, coração principalmente, que cheio somente de amor, leva os
olhos, as mãos e os lábios a fazerem atos de amor! Os mais doutos entre vós
sabem de que dons Deus tinha enriquecido Adão para ele mesmo e para os seus
descendentes. Até os mais ignorantes entre os filhos de Israel sabem que em nós
está o espírito. Só os pobres pagãos não sabem disso, que nós temos esse
hospede real, este sopro vital, esta luz celeste, que santifica e vivifica o
nosso corpo. Mas os mais doutos sabem quais os dons que haviam sido dados ao
homem, ao espírito do homem. Deus não fez menores doações ao espírito do que à
carne e ao sangue da criatura por Ele feita com um pouco de lama e com o seu
hálito. E como deu os dons naturais de beleza e integridade, de inteligência e
de vontade, de capacidade de amar-se e de amar, assim deu também os dons
morais, com a sujeição dos sentidos a razão, de modo que, na liberdade e no
domínio de si mesmo e da própria vontade, de que Deus havia dotado Adão, não se
insinuava o malvado cativeiro dos sentidos e das paixões, mas livre era o
amar-se, livre o querer, livre o prazer na justiça, sem aquilo que vos torna
escravos, fazendo-vos sentir o mordente deste veneno que Satanás espalhou e que
vomita, levando-vos para fora do álveo límpido para os campos lamacentos, para
os brejos podres, onde fermentam as febres das sensualidades carnais e morais.
Porque, ficai sabendo que é sensualidade até a concupiscência por pensamento.
Eles tiveram dons sobrenaturais, isto é, a Graça santificante, o destino
superior, a visão de Deus.
A Graça santificante: é a vida da alma. É o
que há de mais espiritual colocado em nossa alma espiritual. A Graça nos faz
filhos de Deus, porque nos preserva da morte do pecado, e, quem não está morto,
"vive" na casa do Pai: o Paraíso; no meu Reino o Céu.
Que é essa Graça que santifica,
que dá Vida e Reino? Oh! Não useis de muitas palavras! A Graça é Amor. Portanto
a Graça é Deus. É Deus, que admirando-se a Si mesmo na criatura criada
perfeita, se ama, se contempla, se deseja, dá a Si mesmo o que é seu, para
multiplicar isso que tem, e tornar-se feliz com essa multiplicação, e para
amar-se por quantos são outros Ele mesmo. Oh! Filhos! Não priveis a Deus desse
seu direito. Não roubeis de Deus essa sua posse! Não decepcioneis a Deus nesse
seu desejo! Pensai que Ele age por amor. Ainda que vós não o fôsseis, Ele seria
sempre Infinito, e não ficaria diminuído o seu poder. Mas Ele, ainda que seja
completo em sua medida infinita, incomensurável, quer, não para Si e em Si, não
o poderia porque é já o Infinito, mas pela Criação, sua criatura, Ele quer
aumentar o amor por tudo que essa Criação contém de criaturas, por isso vos dá
a Graça: o Amor, para que vós, em vós, o leveis a perfeição dos santos, e
derrameis este tesouro, tirado do tesouro que Deus vos deu com a sua Graça e
aumentado com todas as vossas obras santas, com toda a vossa vida heroica e
santos, no oceano infinito onde Deus está no Céu.
Ó divinos, divinos, divinos
mananciais do Amor! Vós existis, e ao vosso ser não é dada a morte, porque sois
eternos como Deus, sendo deus. Vós existireis, e ao vosso ser não se dará fim,
porque, imortais como os santos espíritos, que vos nutriram, abundantemente,
voltando eles para vós enriquecidos com seus próprios méritos. Vós viveis e
nutris, vós viveis e enriqueceis, vós viveis e formais aquela coisa santíssima
que é a Comunhão dos espíritos, de Deus, Espírito Perfeitíssimo, até o do
pequenino que acaba de nascer e suga pela primeira vez o leite materno. Não me
critiqueis em vossos corações, ó homens doutos! Não digais: "Esse ai está
doido, Esse ai é mentiroso! Porque como um doido ele está falando da Graça em
nós, que estamos privados dela pela culpa. E ele mente, dizendo que já somos
uma só coisa com Deus." Sim, a culpa existe; sim, a separação também
existe. Mas, diante do poder do Redentor, a Culpa, separação cruel que se fez
entre o Pai e seus filhos, cairá por terra, como muralha, sacudida pelo novo
Sansão. Eu já a agarrei e a estou sacudindo, e ela já se está aluindo, e
Satanás está tremendo de raiva, e de impotência, não podendo fazer muda contra
o meu poder, e sentindo que lhe são arrebatadas tantas presas, e que vai-se
tornando mais difícil arrastar o homem para o pecado. Porque, quando Eu vos
tiver, por meio de Mim, levado ao meu Pai, e quando, ao filtrar-se o meu
Sangue, e pela minha dor, fordes ficando limpos e fortes, tornar-se-á em vós
viva, ativa e poderosa a Graça e vos sereis os triunfadores, se o quiserdes.
Deus não vos força, nem quanto ao
pensamento, nem quanto à vossa santificação. Vós sois livres. Mas Deus vos dá
forças. Ele vos dá a liberdade, mesmo no império de Satanás. Deveis escolher:
ou submeter-vos ao jugo infernal, ou pôr asas de anjos em vossas almas. Tudo
depende de vós, na companhia de Mim, vosso irmão, para guiar-vos e
alimentar-vos com a comida imortal. Como
se pode conquistar a Deus e ao seu Reino por outro caminho mais suave do que o
do Sinai?", assim vós dizeis. Não há outro caminho. O caminho é aquele.
Contudo, devemos olhar para ele, não através da cor da ameaça, e, sim, através
da cor do amor. Nós dizemos: "Ai de mim, se eu não fizer isto!", e
continuar tremendo, esperando o pecado, pensando que somos incapazes de deixar
de pecar. Mas, digamos:
"Feliz de mim, se eu fizer
isto!", e, com um impulso de sobrenatural alegria, jubilosos lancemo-nos
nos braços desta felicidade, que nasce da observância da Lei, como corola de
rosa nascida duma moita de espinhos.
"Feliz
de mim, se eu for pobre de espírito, porque, então, o Reino dos Céus
é meu! Feliz de mim, se eu for manso, porque herdarei a Terra! Feliz de mim, se
eu for capaz de chorar sem revolta, porque serei consolado! Feliz de mim, se
mais do que do pão e do vinho para saciar a fome, eu tiver fome e sede de
justiça. A Justiça me saciará!
Feliz
de mim, se eu for misericordioso, porque será usada para comigo a
divina misericórdia! Feliz de mim, se eu for puro de coração, porque Deus se
inclinará para o meu coração puro, e eu o verei!
Feliz
de mim, se eu tiver um espírito de paz, porque por Deus serei chamado
seu filho, porque na paz está o amor, e Deus é Amor que ama a quem é semelhante
a Ele!
Feliz
de mim se, por fidelidade à justiça, eu for perseguido, porque,
para compensar-me das perseguições terrenas, Deus, meu Pai, me dará o Reino dos
Céus.
Feliz
de mim, se eu for ultrajado, e mentirosamente for acusado, por saber ser teu
filho, ó Deus! Disso me deve provir, não desolação, mas alegria,
porque isso me iguala aos teus melhores servos, os Profetas, perseguidos por
essa mesma razão; e com os quais eu creio firmemente que hei de compartilhar a
mesma grande recompensa, eterna, no Céu, que é meu. Olhemos assim para o
caminho da salvação. Através da alegria os santos.
"Feliz
de mim, se eu for pobre de espírito". Oh! riquezas, brasas de Satanás, a quantos
delírios levais! Nos ricos e nos pobres. O rico que vive para o seu ouro: o
ídolo infame do seu espírito arruinado. O pobre que vive do ódio ao rico!
Porque o rico tem o ouro e, ainda que não cometa materialmente homicídio, lança
suas maldições sobre os ricos, desejando-lhes toda espécie de males. Não basta
deixar de fazer o mal, é necessário também não desejar fazê-lo. Quem diz
maldições rogando pragas e desejando a morte, não é muito diferente de quem
mata materialmente, porque nele existe o desejo de ver morrer aquele a quem ele
odeia. Em verdade, Eu vos digo que o desejo outra coisa não é senão um ato
retido, como alguém que já foi concebido no ventre, mas ainda não foi expelido
para fora. O desejo mau envenena e corrompe, porque dura mais tempo do que o
aio violento e vai mais ao fundo do que o próprio ato. O pobre de espírito, se
for rico, não peca por causa do ouro, mas, com o seu ouro, faz a sua
santificação, pois o transforma em amor. Amado e bendito, ele é semelhante
àquelas fontes, que dão vida nos desertos, e que se doam, com generosidade,
alegres por poderem dourar-se para acalmar os desesperas. Se é pobre, está
contente com a sua pobreza, e come o seu pão adoçado pela alegria de saber-se
livre dos ardores do ouro, e dorme o seu sono, livre de pesadelos, e, se
levanta descansado, para o seu tranquilo trabalho, que lhe parece sempre leve,
quando e feito sem avidez e sem inveja. As coisas que tornam um homem rico são
o ouro, entre as coisas materiais e os afetos, entre as coisas morais. Pela
palavra ouro compreendem-se não só as moedas, mas também as casas, os campos,
as joias, os móveis, os rebanhos, tudo, afinal, que faz a vida materialmente
rica. Nas afeições: os laços do sangue e do casamento, as amizades, as riquezas
intelectuais, os cargos públicos. Como estais vendo, se para aquela primeira
categoria o pobre pode dizer: "Oh! Quanto a mim, basta que eu não tenha
inveja de quem possui, e já estou em meu lugar, porque eu sou pobre, e por isso
aqui necessariamente colocado", com a segunda categoria também o pobre tem
que tomar cuidado, porque pode, até o mais miserável dos homens, tornar-se
pecaminosamente rico em espírito. Todo aquele que se afeiçoa imoderadamente a
alguma coisa, peca. Vós direis: "Mas, então, devemos odiar o bem que Deus
nos deu? Se assim for, por que é que Ele
manda amar o pai, a mãe, a esposa, os filhos, e diz: "Amarás ao teu
próximo como a ti mesmo"? Fazei aqui uma distinção. Devemos amar ao pai, à
mãe, à esposa, e ao próximo, mas na medida que Deus deu: "como a nós
mesmos". Enquanto que Deus deve ser amado sobre todas as coisas e com todo
o nosso ser. Não temos que amar a Deus como amamos aos mais queridos dos nossos
próximos, à mãe, porque nos amamentou, à esposa, porque dorme sobre o nosso
peito e criado os filhos: mas, sim, amar a Deus com todo o nosso ser: isto é,
com toda a capacidade de amar que existe no homem: amor de filho, amor de
esposo, amor de amigo e oh! não vos escandalizeis! com amor de pai. Sim, porque
pelos interesses de Deus devemos ter os mesmos cuidados que um pai tem para com
os seus filhos, e para os quais guarda com amor os bens e os faz aumentar, e se
ocupa e se preocupa com o seu crescimento físico e cultural e com o seu bom
êxito nos negócios do mundo. O amor não é um mal, nem deve tornar-se um mal. As
graças que Deus nos concede não são um mal, nem devem tornar-se um mal. Elas
são amor. Por amor nos foram dadas. É preciso usar com amor destas riquezas que
Deus nos concede, tanto em afetos, como em bens. E, somente quem não faz delas
os seus ídolos mas meio para servir em santidade a Deus, é que mostra não ter
um apego pecaminoso a elas. Procura, pois, a Santa pobreza do espírito, que se
despoja de tudo, para ficar mais livre, a fim de conquistar a Deus Santo, que é
a Suprema Riqueza: conquistar a Deus quer dizer ter o Reino dos Céus.
"Feliz
serei eu se for manso". Isto pode parecer estar em
contraste com os exemplos que vemos na vida de cada dia. Os que não são mansos
é que parecem triunfar nas famílias, nas cidades, nas nações. Mas, será mesmo
um verdadeiro triunfo o deles? Não. É o medo que está conservando aparentemente
inclinados os subjugados pelo déspota, mas esse medo não é mais do que um véu
colocado sobre a efervescência da revolta contra o tirano. Os que são iracundos
e prepotentes não possuem os corações nem de seus familiares, nem dos
concidadãos, nem de seus súditos. Não conquistam as inteligências e os
espíritos para as suas doutrinas aqueles que são mestres do: "Eu disse, e
está dito!" Eles criam apenas autodidatas, que vivem buscando e rebuscando
uma chave capaz de abrir as portas fechadas de uma sabedoria e de uma ciência,
que eles percebem que deve existir, e que é justamente a oposta à que lhes está
sendo imposta. Não estão levando almas para Deus aqueles sacerdotes que não se
entregam à conquista dos espíritos com uma doçura cheia de paciência, humilde,
amorosa, mas que mais parecem ser uns guerreiros armados, que se lançam a um
assalto feroz, pelo modo como avançam com impetuosidade e intransigência contra
as almas... Oh! pobres almas! Se elas fossem santas, não teriam necessidade de
vós, ó sacerdotes, para chegarem à luz. Pois já a teriam consigo. Se fossem
justos, não teriam necessidade de vós juízes para serem contidos pelo freio da
justiça, pois já a teriam em si. Se fossem sãos, não precisariam de quem os
curasse. Por isso sede mansos. Não façais que as almas fujam, espavoridas. Mas,
atraí-as com amor. Porque a mansidão é amor, assim como a pobreza de espírito
também o é. Se assim fordes, conquistareis a Terra, e levareis para Deus este
lugar, que antes era de Satanás, porque a vossa mansidão, que, além de ser
amor, é também humildade, terá vencido o ódio e a soberba, matando nos ânimos o
rei abjeto da soberba e do ódio, e então, o mundo será vosso, isto é, de Deus,
pois vós sereis justos, ao reconhecerdes a Deus como Senhor Absoluto das
criação, ao qual há de ser dado todo louvor, e entregue tudo o que é seu.
"Feliz
serei eu, se souber chorar sem revoltar-me." A dor está sobre a terra. E a dor arranca
lágrimas ao homem. Antes não existia a dor. Mas o homem a colocou sobre a terra
e, por uma depravação de sua inteligência, esforça-se por descobrir o modo de
aumentá-la sempre, e de todos os modos. Além das doenças e das desventuras
provindas de raios, de tempestades, de avalanchas, de terremotos, eis que o
homem, para sofrer, mas principalmente para fazer sofrer, pois gostaríamos
somente que os outros sofressem, e não nós, dos meios estudados por nós para
fazer sofrer eis, então, que o homem inventa armas mortíferas sempre mais
tremendas e durezas morais cada vez mais astuciosas. Quantas lágrimas o homem
faz outro homem derramar, por instigação do seu rei oculto, que é Satanás! Pois
bem. Em verdade, Eu vos digo que essas lágrimas não são uma diminuição, mas uma
perfeição para o homem. O homem é um menino descuidado, é um despreocupado
superficial, é alguém nascido de uma inteligência tardia, enquanto o pranto não
o tornar adulto, reflexivo e inteligente. Somente os que choram, ou que já
choraram, é que sabem amar e compreender. Amar os irmãos que também choram,
compreendê-los em suas dores, ajudá-los com sua bondade, que já sabe por
experiência quanto se sofre estando sozinho no pranto. E sabem amar a Deus
porque compreenderam que fora de Deus tudo é dor, porque compreenderam que a
dor se mitiga, se for chorada sobre o coração de Deus, porque chegaram a
compreender que o choro resignado, e que não quebranto a fé, que não torna
árida a oração, que não conhece o que é revolta, muda de natureza,
transformando-se de dor em consolação. Sim. Os que choram amando o Senhor,
serão consolados.
"Feliz
serei eu, se tiver fome e sede de justiça." Desde o
momento em que nasce, até o momento em que morre, o homem se inclina avidamente
para o alimento. Ele abre a boca, quando nasce, para agarrar o bico do peito,
abre os lábios para engolir algum sustento, numa aflição de agonia. Trabalha
para se alimentar. Ele faz da terra um enorme mamilo, do qual suga insaciável
para aquilo que morre. Mas, que é o homem? Um animal? Não, é um filho de Deus.
Ele está aqui no exílio por poucos ou por muitos anos. Mas sua vida não termina
com a mudança da sua morada. Existe uma vida na vida, assim como em uma noz
existe o miolo. Não é a casca que é a noz, mas é o miolo, que está dentro dela
é que é a noz. Se semeardes uma casca de noz, não nasce nada. Mas, se semeardes
a casca com sua polpa, nascerá uma grande árvore. Assim é o homem. Não é a
carne que se torna imortal, mas é a alma. E ela é nutrida para alcançar a
imortalidade, à qual, por amor, ela depois levará a carne, na feliz
ressurreição. Alimento da alma é a Sabedoria, é a Justiça. Como um liquido e um
alimento, elas são absorvidas e fortalecem a alma, e quanto mais se prova
delas, mais cresce a santa avidez de possuir a Sabedoria e de conhecer a
Justiça. Contudo, há de chegar um dia no qual a alma, insaciável nesta santa
fome, ficara saciada. Chegará esse dia. Deus se dará ao seu filho e o apertará
diretamente ao seu seio, e o filho nascido para o Paraíso se saciará da Mãe
admirável, que é o próprio Deus, e já não saberá mais o que é fome, mas
repousará feliz sobre o seio divino. Nenhuma ciência humana iguala esta ciência
divina. A curiosidade da mente pode ser satisfeita, mas a necessidade do
espírito, não. Pelo contrário, na diversidade dos sabores, o espírito até sente
desgosto, vira a boca para longe do amargo mamilo, preferindo passar fome a
encher-se com um alimento, que não tenha vindo de Deus. Não tenhais medo, ó
sequiosos, ó famintos de Deus! Sejais fiéis e sereis saciados por Aquele que
vos ama.
"Feliz
serei eu, se for misericordioso". Quem é entre os homens o que
pode dizer: "Eu não preciso de misericórdia"? Ninguém. Pois bem, se
até na Antiga Lei está dito: "Olho por olho e dente por dente" por
que se não há de poder dizer na Nova assim: "Quem for misericordioso,
encontrará misericórdia"? Todos precisam de perdão. Pois bem! Não é a
fórmula e a forma de um rito, figuras externas concedidos por causa da opaca
mentalidade humana, não são elas que obtém o perdão. Mas é o rito interno do
Amor, isto é, o rito da misericórdia. Porque, se foi imposto o sacrifício de um
bode ou de um cordeiro e a oferta de algumas moedas, isto foi feito porque na
base ele todo mal ainda se encontram duas raízes: a avidez e a soberba. A
avidez é punida com a despesa para a aquisição da oferta; e a soberba com a
evidente confissão daquele rito: "Eu celebro este sacrifício, porque
pequei." Também se fez isso para percorrer os tempos e os sinais dos
tempos e, no sangue que se espalha, está a figura do Sangue que vai ser
derramado para cancelar os pecados dos homens. Feliz, pois, daquele que sabe
ser misericordioso para com os esfaimados, para com os nus, para com os que não
tem casa, para com os miseráveis de misérias ainda maiores, que são as de
possuir maus caracteres, que fazem sofrer a quem os tem e aos que com eles
convivem. Tende misericórdia. Perdoai, compadecei-vos, socorrei, instruí,
amparai. Não vos fecheis em uma torre de cristal, dizendo: "Eu sou puro, e
não desço ao meio dos pecadores."
Não digais: "Eu sou rico e
feliz e não quero ouvir falar das misérias dos outros." Tomai cuidado,
porque, mais depressa do que a fumaça, que se dissipa no ar por algum forte
vento, pode desvanecer-se também a vossa riqueza, a vossa saúde, o vosso
bem-estar familiar. E lembrai-vos de que o cristal serve de lente, e aquilo
que, misturando-vos com a multidão, podia passar inobservado, se vos colocardes
numa torre de cristal, sozinhos, separados, recebendo luz de todos os lados, já
o não podeis conservar escondido. Misericórdia também para levar a termo um
sacrifício de expiação secreto e continuo para com ele obter misericórdia.
"Feliz
de mim, se eu for puro de coração."
Deus é pureza. O Paraíso é um Reino de Pureza. Nada de impuro pode
entrar no Céu, onde está Deus. Por isso, se fordes impuros, não podereis entrar
no Reino de Deus. Mas. Oh! Que alegria! É uma alegria antecipada, que o Pai
concede aos filhos! Quem é puro já tem, desde esta terra, um começo do Céu,
porque Deus se inclina para o puro, e o homem daqui da terra já vê o seu Deus.
Ele não conhece o sabor dos amores humanos, mas experimenta, até ao êxtase, o
sabor do amor divino, podendo dizer: "Eu estou contigo, e Tu estás em Mim,
por isso eu te possuo e conheço como esposo amabilíssimo de minha alma."
E, crede-o, quem possui a Deus, tem também em si mesmo mudanças substanciais
inexplicáveis, pelas quais ele se torna santo, sábio, forte, e sobre seus lábios
florescem palavras, e seus raios assumem poderes, que não são, não, da
criatura, mas de Deus que vive nela.
Que é a vida daquele que vê a
Deus? É felicidade. E quereríeis privar-vos de tão grande dom, por causa de
fétidas impurezas?
"Feliz
eu serei, se tiver um espírito de paz." A paz é uma das
características de Deus. Deus não está senão na paz. Porque a paz é amor,
enquanto que a guerra é ódio. Satanás é ódio. Deus é paz. Não pode alguém se
dizer filho de Deus, e nem pode Deus dizer que é seu filho um homem, se este
tiver um espírito irascível, sempre pronto a desencadear tempestades. E não
somente isso. Também não pode dizer-se filho de Deus quem, ainda que ele não
seja propriamente um desencadeador de tempestades, contudo, não contribui em
nada, com a grande paz que tem, para acalmar as tempestades levantadas por
outros. Quem é pacífico, difunde a paz, mesmo sem falar nada. Senhor de si, e
ouso dizer até senhor de Deus, ele o leva como uma lâmpada leva a sua luz, como
um turíbulo que vai soltando os seus perfumes, como um odre que transporta o
seu líquido, e brilha a luz por entre as névoas fumegantes dos rancores, e
purifica-se o ar dos miasmas das invejas, e se acalmam as ondas enfurecidas das
contendas, por meio deste óleo suave, que é o espírito de paz, que emana dos
filhos de Deus. Fazei por onde possam os homens chamar-vos por este nome.
"Feliz
de mim, se eu for perseguido por amor da Justiça." O homem
é tão endemoninhado que odeia o bem onde quer que ele se encontrei, que odeia a
quem é bom, como se, por ser bom, mesmo que esteja calado, o esteja acusando e
censurando. De falo a bondade de alguém faz com que apareça ainda mais preta a
maldade do malvado. De falo, a fé de quem verdadeiramente crê, faz que apareça
mais viva a hipocrisia do que só finge crer. E, na verdade, não pode deixar de
ser odiado pelos injustos quem, com seu modo de viver, é uma testemunha
constante da justiça. E, então, acontece que o mau se enfurece contra os amigos
da justiça. Também aqui acontece como nas guerras. O homem progride na arte
satânica de perseguir, muito mais do que progride na arte santa de amar. Mas,
só pode perseguir quem tem vida curta. Pois o eterno, que existe no homem,
escapa da armadilha, e até, pela perseguição, adquire uma vitalidade ainda mais
vigorosa. A vida foge daquelas feridas que abrem as veias ou pelos sofrimentos
que vão consumindo o perseguido. Mas o sangue faz a púrpura do futuro rei e os
sofrimentos são como outros tantos degraus para subir aos tronos que o Pai
preparou para os seus mártires, para os quais estão preparados os tronos régios
do Reino dos Céus.
"Feliz
eu serei, se for ultrajado e caluniado." Fazei somente que vosso
nome possa ser escrito nos livros do Céu, nos quais não estão marcados os
nomes, conforme as mentiras humanas, ao louvar aos que menos merecem louvor.
Mas neles, com justiça e amor, estão escritas as obras dos bons, para dar-lhes
o prêmio prometido aos benditos por Deus. Antes de nosso tempo, foram
caluniados e ultrajados os Profetas. Mas, quando forem abertas as portas dos Céus,
eles entrarão na Cidade de Deus, com a imponência de reis, e, diante deles, se
inclinarão os Anjos, cantando cheios de alegria. E vós também, sim, e vós
também, ultrajados e caluniados por terdes sido de Deus, tereis o triunfo no
Céu e, quando o tempo terminar e completo estará o Paraíso, então, sim, todas
as lágrimas serão por vós bem estimadas, porque por elas é que tereis
conquistado esta glória eterna, que Eu, em nome do Pai, vos prometo.
Ide. Amanhã eu vos falarei ainda.
Fiquem aqui agora somente os doentes para que Eu os socorra em seus
sofrimentos. A paz esteja convosco, e a meditação sobre a salvação, através do
amor, vos encaminhe pela estrada, cujo fim é o Céu."
Pg.78-89
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171 – TERCEIRO SERMÃO DA
MONTANHA. OS CONSELHOS EVANGÉLICOS QUE APERFEIÇOAM A LEI
Continua o sermão da Montanha. O lugar e a hora são sempre os
mesmos. O povo aumentou ainda mais. A um canto, ao lado de uma trilha, como se
estivesse querendo ouvir, mas sem excitar as repugnâncias da multidão, está um
romano. Eu o distingo pela veste curta e a capa diferente. Lá estão ainda
Estêvão e Herma. Jesus vai vagarosamente para o seu lugar, a fim de começar a
falar de novo.
“Por tudo o que vos disse ontem,
não deveis ficar pensando que Eu tenha vindo abolir a Lei. Não. Somente, visto
que Eu sou Homem, e compreendo as fraquezas do homem, o que Eu quis foi
encorajar-vos a segui-la, dirigindo os vossos olhares espirituais, não para o
abismo escuro, mas para o abismo luminoso. Porque, se o medo do castigo pode
fazer alguém deter-se, três em dez vezes, a certeza de um prêmio o faz arremessar-se
para a frente sete em dez vezes. Por onde se vê que a confiança faz mais do que
o medo. E Eu quero que tenhais uma confiança plena, firme, para que possais
fazer não sete em dez partes de bem, mas dez em dez, para conquistardes este
prêmio santíssimo que é o Céu.
Eu não mudo nem um i da Lei. E
quem foi que a deu, por entre raios no Sinai? O Altíssimo. Quem é o Altíssimo?
O Deus Uno e Trino. E de onde foi que Ele a tirou? Do seu pensamento. E, como foi
que a deu? Com sua palavra. Por que foi que a deu? Pelo seu Amor. Vede, pois
que a Trindade estava presente. E o Verbo, obediente como sempre ao Pensamento
e ao Amor, falou pelo Pensamento e pelo Amor.
Poderia Eu desmentir-me a Mim
mesmo? Não poderia. Mas Eu posso, já que tudo posso, completar a Lei, torná-la
divinamente completa, não como fizeram ficar os homens que, durante os séculos,
não a tornaram completa, mas indecifrável, impossível de ser cumprida,
sobretudo leis e preceitos, preceitos e leis, tudo tirado do pensamento deles,
conforme as vantagens deles, e jogando todo esse entulho para apedrejar e
sufocar, para soterrar e esterilizar a Lei Santíssima, que foi dada por Deus.
Poderá uma planta sobreviver, se estiver sempre mergulhada em avalanchas, em
escombros e inundações? Não. A planta morre. A Lei está morta em muitos
corações, sufocada debaixo das avalanchas de exageradas superestruturas. Eu vim
para tirá-las todas e, tendo desenterrado a Lei, tendo ressuscitado a Lei, eis
que agora Eu faço dela não mais lei, mas Rainha.
As rainhas promulgam as leis. As
leis são obras das rainhas, mas não são mais do que as rainhas. Eu, ao
contrário, faço da Lei a rainha: Eu a completo, a coroo, colocando no seu ápice
a grinalda dos conselhos evangélicos. Primeiro era a ordem. Agora é mais que a
ordem. Antes era o necessário. Agora é mais do que o necessário. Agora ela é a
perfeição. Quem a desposa, assim como Eu vo-la dou, no mesmo instante se torna
rei, porque alcançou o que há de perfeito, porque não se tornou só obediente,
mas heroico, isto é, santo, sendo a santidade a soma das virtudes levadas até o
ápice, o ponto mais alto que possa ser atingido por uma criatura, heroicamente
amadas e servidas com um completo desapego de tudo o que é apetite ou reflexão
humana, seja lá o que for. Eu poderia dizer que o santo é aquele para o qual o
amor e o desejo servem de obstáculo para qualquer outra vista, que não seja
Deus. Não distraído por outras vistas inferiores, ele tem as pupilas do coração
firmes no Esplendor Santíssimo que é Deus, e no qual ele vê, pois que tudo é em
Deus, a agitação dos irmãos que, suplicantes, lhe estendem as mãos. E, sem
afastar o olhar de Deus, o santo se inclina para atender aos irmãos que lhe
suplicam. Contra a carne, contra as riquezas, contra as comodidades, ele ergue
o seu ideal: servir. Fica pobre o santo? Fica diminuído? Não. Ele chegou a
possuir a sabedoria e a riqueza verdadeiras. Por isso, possui tudo. E não sente
cansaço, porque, se é verdade que ele é um produtor contínuo, também é verdade
que ele é nutrido continuamente. Porque, se é verdade que ele compreende a dor
do mundo, também é verdade que ele se alimenta com a alegria do Céu. De Deus
ele se nutre, em Deus ele se alegra. Ele é a criatura que compreendeu o sentido
da vida.
Como estais vendo, Eu não mudo,
nem mutilo a Lei, como também não a corrompo com as superposições de
fermentantes teorias humanas. Mas Eu a completo. Ela é o que é, e assim será
até o último dia, sem que dela se mude uma só palavra, ou se tire um só
preceito. Ela está coroada pela perfeição. Para ter-se a salvação, basta
aceitá-la como foi dada. Para ter uma imediata união com Deus, é preciso
vivê-la, como Eu a aconselho. Mas, visto que os heróis são uma exceção, Eu
falarei para as almas comuns, para a massa de almas, para que não se diga que,
por querer a perfeição, Eu faço que fique desconhecido o necessário. Mas, de
tudo o que Eu digo, guardai bem isto: quem se permite violar um só entre os
menores destes mandamentos será considerado o menor no Reino dos Céus. E aquele
que levar outros a violá-los será considerado o menor pelo que ele fez e por
causa daqueles que ele tiver levado à violação. Ao passo que aquele que, com
sua vida e suas obras, ainda mais do que com as palavras, tiver persuadido
outros a obedecerem, este será grande no Reino dos Céus, e sua grandeza irá
aumentando por cada um daqueles que ele tiver levado a obedecer e assim
santificar-se.
Eu sei que o que estou para
dizer-vos será desagradável para muitos. Mas Eu não posso mentir, ainda que a
verdade que Eu estou para dizer me crie inimigos.
Em verdade, Eu vos digo que, se a
vossa justiça não se criar de novo, e não se separar completamente da pobre e
injustamente chamada justiça, que vos foi ensinada pelos escribas e fariseus;
que pensam que são justos quando aumentam as fórmulas, mas sem procurar uma
mudança substancial em seu espírito, não entrareis no Reino.
Guardai-vos dos falsos profetas e
dos ensinadores do erro. Eles vem a vós com veste de cordeiro, mas são uns
lobos ferozes. Vêm vestidos de santidade, mas são uns zombadores de Deus, pois
dizem que amam a verdade, mas se nutrem com a mentira. Observai-os bem, antes
de acompanhá-los.
O homem tem uma língua, e com ela
pode falar, tem olhos, e com eles olha, tem mãos, e com elas faz sinais. Mas
ele tem uma outra coisa, que dá testemunhos mais verdadeiros de quem ele é: são
os seus atos. O que é que quereis vós que seja um par de mãos juntas em oração,
se com elas depois o homem se entrega ao roubo e a fornicação? O que é que
valem dois olhos que, querendo passar por inspirados, viram-se para todos os
lados, se, quando passou da hora daquela comédia, eles sabem fixar-se, bem
cobiçosos, sobre uma mulher, ou sobre o inimigo, no primeiro caso para a
luxúria, e no outro para o homicídio? O que quereis que seja uma língua, que
sabe assobiar uma mentirosa canção de louvores, e seduzir com suas palavrinhas
melosas, enquanto por detrás de vós ela vos calunia, e é ainda capaz de jurar
falso, contanto que vos possa fazer passar por uma pessoa desprezível? Que é a
língua, que faz longas orações hipócritas, e depois sai dali rapidamente, para
ir arrasar a boa fama do próximo, ou seduzir a boa-fé dele? Dá náusea. Dão
náusea aqueles olhos e aquelas mãos mentirosas. Mas os atos do homem, seus
verdadeiros atos, isto é, o seu modo de comportar-se em família, no comércio,
no trato com o próximo e com os seus criados, esses podem dar dele este
testemunho: “Este é um servo de Deus”. Porque as ações santas são o fruto de
uma verdadeira religião.
Uma árvore boa não dá frutos
maus, e uma árvore má não dá frutos bons. Estas moitas de espinho, por acaso
poderão dar-vos uvas saborosas? E aqueles cardos, ainda mais espinhosos,
poderão dar-vos um dia figos maduros e tenros? Não, porque em verdade, poucas e
ásperas frutinhas colhereis das primeiras, e um fruto que não se pode comer é o
que virá daquelas flores, pois mesmo estando elas agora em flor, já estão
cercadas de espinhos. O homem que não é justo, poderá ele talvez incutir
respeito com sua aparência, mas só com ela. Também aquele pé de cardo parece
feito de penas, parece um floco de finos fios de prata, que o orvalho recobriu,
fazendo que pareçam estar cheios de diamantes. Mas, se, distraidamente,
tocardes nele, vereis que não se trata de nenhum floco, mas de um monte de
espinhos, que ferem o homem, fazem mal ás ovelhas e, por isso, os pastores os
arrancam de seus pastos, e os jogam no fogo que eles acendem de noite, a fim de
que nem as sementes escapem. É uma medida justa e previdente. Eu não vos digo:
“Matai os falsos profetas e os fiéis hipócritas.” Antes vos digo: “Deixai isso
para Deus.” Eu vos digo: “Estai atentos, afastai-vos deles para não vos
envenenardes com os seus sucos.”
Como Deus há de ser amado, Eu
vo-lo disse ontem. Eu insisto em dizer como é que há de ser amado o próximo.
Noutros tempos se dizia: “Amarás
o teu amigo e odiarás o teu inimigo.” Não. Não é assim. Isto era bom naqueles
tempos em que o homem não tinha o conforto do sorriso de Deus. Mas agora
chegaram os tempos novos, nos quais Deus ama tanto o homem, que lhe manda o seu
Verbo para redimi-lo. Agora o Verbo está falando, E é a Graça que já se está
difundindo. Depois, o Verbo consumará o sacrifício de paz e de redenção, e a
Graça não só se difundirá, mas será dada a todos os espíritos que creem no
Cristo. Por isso é preciso elevar à perfeição o amor ao próximo, a tal ponto
que já não se faça diferença entre o amigo e o inimigo.
Estais sendo caluniados? Amai e
perdoai. Recebestes agressões ou pancadas? Amai e oferecei a outra face a quem
vos esbofeteia, e pensai que é melhor que a ira se desafogue em vós, que a
sabeis suportar, do que em algum outro, que iria vingar-se da afronta. Fostes
roubados? Não fiqueis pensando: “Este meu próximo é um cobiçoso”, mas pensai
com caridade: “Este meu pobre irmão é um necessitado”, e dói-lhe até a túnica,
se já vos tirou a capa. Assim fareis que fique impossível para ele cometer um
duplo furto, pois não terá mais necessidade de espoliar outro da túnica. Vós
dizeis: “Mas poderia ser um vício, e não uma necessidade.” Está bem, mas dai
assim mesmo. Deus vos recompensará por isso, e o que for injusto será
castigado. Mas muitas vezes, e isso relembra tudo o que Eu disse ontem sobre a
mansidão, vendo-se tratado assim, o vício cai do coração do pecador, e ele se
redime, chegando até a reparar o seu furto com a entrega do que roubou.
Sede generosos com aqueles que,
mais honestos, em vez de roubar-vos, vos pedem o que precisam. Se os ricos
fossem realmente pobres de espírito, como vos ensinei ontem, não haveria essas
lamentáveis desigualdades sociais, causas de tantas desventuras humanas e
sobre-humanas. Pensai sempre: “Mas se eu estivesse na necessidade, como é que
eu receberia a recusa de uma ajuda?” E agi de acordo com a resposta do vosso
eu. Fazei aos outros o que gostaríeis que vos fosse feito, e não façais aos
outros o que não gostaríeis que vos fosse feito.
Antiga é aquela palavra: “Olho
por olho, dente por dente”, palavra que não está nos dez mandamentos, mas que
foi colocada depois, porque o homem privado da Graça é uma fera tal, que só
pode compreender a vingança. Mas aquela palavra antiga está anulada por esta
palavra nova: “Ama quem te odeia, reza por quem te persegue, perdoa a quem te
calunia, fala bem de quem fala mal de ti, faze o bem a quem te prejudica, sê
paciente com o briguento, condescendente com quem te aborrece, ajuda de boa
vontade a quem recorre a ti, e não uses de usura com ele, não vivas criticando
nem julgando os outros.” Vós não sabeis em que condições são praticadas suas
ações pelos homens. Em toda espécie de socorro sede generosos, sede
misericordiosos. Quanto mais derdes mais vos será dado, e uma medida bem cheia
e calcada será despejada por Deus no seio de quem for generoso. Deus, não só
vos dará conforme tiverdes dado, mas mais, muito mais. Procurai amar e
fazer-vos amar. As brigas acabam custando muito mais do que entrar em
entendimento amigável. E viver em amizade é como um mel, que deixa por muito
tempo o seu gosto na língua.
Amai! Amai! Amai amigos e
inimigos, para serdes semelhantes ao vosso Pai, que faz chover sobre os bons e
sobre os maus, e faz descer a luz do sol sobre justos e injustos, reservando-se
o direito de dar sol e orvalhadas eternas, e fogo e saraivadas infernais, no
dia em que os bons vão ser separados como espigas escolhidas, por entre os
feixes da colheita. Não basta amar aos que vos amam, e dos quais esperais uma
retribuição. Isso não tem merecimento, é uma alegria, a até os homens honestos
por natureza o sabem fazer. Os próprios publicanos e pagãos o fazem. Mas vós
amais como Deus ama, amais por respeito a Deus, que é o Criador também dos que
são vossos inimigos, ou para vós pouco amáveis. Eu quero em vós a perfeição do
amor, e por isso Eu vos digo: “Sede perfeitos, como perfeito é vosso Pai, que
está nos Céus.”
Tão grande é o preceito do amor
para com o próximo e do aperfeiçoamento do amor para com o próximo, que Eu não
vos digo mais como se dizia: “Não matar”, porque aquele que mata será condenado
pelos homens. Mas Eu vos digo: “Não vos ireis”, porque um juízo mais alto que o
dos homens, está acima de vós, e leva em conta também as ações imateriais. Quem
tiver insultado o irmão, será condenado pelo Sinédrio. Mas quem o tiver tratado
de doido, e portanto o tiver prejudicado, será condenado por Deus. É inútil
fazer ofertas ao altar, se antes não se fez no interior do coração o sacrifício
dos próprios rancores, por causa de Deus, e não se cumpriu o rito santíssimo de
saber perdoar. Por isso, quando estiveres para fazer uma oferta a Deus, se tu
te lembrares de que tens uma falta contra teu irmão, ou de que ainda estás
guardando rancor por uma falta dele, deixa a tua oferta aí, diante do altar,
faze primeiro a imolação do teu amor próprio, reconcilia-te com teu irmão, e
depois vem para diante do altar, e agora, mas só agora é que o teu sacrifício
será santo. Um bom acordo é sempre o melhor que se pode fazer. O juízo dos
homens é sempre incerto, e quem, com teimosia, se aventura a crer nele, poderia
perder a causa, devendo pagar ao adversário até a última moeda, ou ir apodrecer
na cadeia.
Em tudo levantai o olhar para
Deus. Perguntai a vós mesmos: “Terei eu o direito de fazer o que Deus não faz
comigo?” Porque Deus não é tão inexorável e obstinado como vós sois. Ai de vós,
se Ele o fosse! Ninguém se salvaria. Que esta reflexão vos leve a ter
sentimentos de mansidão, de humildade, de piedade. E, então, não vos faltará da
parte de Deus, nesta vida e na outra, a recompensa.
Aqui, diante de mim, está também
um que me odeia, e que não tem coragem para dizer-me: "Cura-me!",
porque ele sabe que eu conheço os seus pensamentos. Mas Eu digo: "Que se faça
o que estás querendo. E, assim como te estão caindo as escamas dos olhos, que
caiam também do teu coração o rancor e as trevas. Ide todos com a minha paz.
Amanhã vos falarei de novo.”
Pag. 89 a 95
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172 – QUARTO SERMÃO DA MONTANHA.
O JURAMENTO, A ORAÇÃO, O JEJUM. O VELHO ISMAEL E SARA
Continua o sermão da montanha. No mesmo lugar na mesma hora.
A multidão, menos o romano, é a mesma, talvez até com mais gente, porque muitos
dos que estão lá se colocaram no começo das trilhas, que vão para o pequeno
vale.
Jesus fala:
"Um dos erros mais
encontrados no homem é a falta de honestidade até para consigo mesmo. E, dado
que o homem seja dificilmente sincero e honesto, ele por si mesmo quis criar
para si um freio, para ser obrigado a ir pelo caminho que ele escolheu. É um
freio que, afinal, ele, como um cavalo indomável, acaba deixando de lado, para
mudar o andar conforme o seu gosto, ou para o abandonar completamente, fazendo
como lhe parece mais cômodo, sem ficar pensando que pode estar recebendo a
desaprovação de Deus, dos homens e de sua própria consciência. Esse freio se
chama juramento. Mas entre pessoas honestas não é necessário o juramento, e por
isso não foi Deus quem vo-lo ensinou. Ao contrário, Ele até vos mandou dizer:
"Não levantar falso testemunho," sem acrescentar mais nada. Porque o
homem deveria ser sincero, sem necessidade de mais nada, além da fidelidade à
sua palavra. Quando no Deuteronômio se fala dos votos e mesmo dos votos que são
uma coisa que sai de um coração que se julga esteja unido a Deus, e os votos são
por necessidade ou por reconhecimento, ainda assim, lá está escrito: "Uma
vez que uma palavra saiu dos teus lábios, tu a deves sustentar, fazendo tudo o
que prometeste ao Senhor teu Deus, tudo o que por tua vontade, e por tua boca
disseste" Sempre se fala de palavra dada, bastando tal palavra. Aquele que
sente a necessidade de jurar, é porque já não confia em si mesmo e no que os
outros já estão pensando a respeito dele. E, quem faz que outro jure, mostra,
com essa exigência, que desconfia da sinceridade e honestidade daquele que
jura. Como estais vendo, esse hábito de jurar é uma consequência da
desonestidade moral do homem. E é uma vergonha para o homem. E uma dupla
vergonha, porque o homem não é fiel nem mesmo a essa coisa vergonhosa, que é
ter que jurar, e, zombando de Deus com a mesma facilidade com que zomba do
próximo, chega até a jurar falso, com toda a facilidade e tranquilidade. Poderá
haver criatura mais abjeta do que um perjuro? Ele, usando frequentemente de uma
fórmula sagrada, e chamando assim a Deus para ser seu cúmplice e fiador, ou
usando os nomes dos seus entes mais queridos: do pai, da mãe, da mulher, dos
filhos, dos seus mortos, da sua própria vida e de seus órgãos mais preciosos,
tudo isso é invocado em apoio de sua palavra mentirosa e induz o próximo a
prestar-lhe fé. E assim o consegue enganar. Ele é um sacrílego, um ladrão, um
traidor, um homicida. De quem? Ora, de Deus. Porque ele vai misturando a
Verdade com a infâmia de sua mentira, e zomba dele, dizendo: "Fere-me,
desmente-me, se puderes. Tu estás ai, eu estou aqui, e me rio." Oh! Se
estais rindo, continuai a rir, ó mentirosos e zombadores! Mas haverá um momento
em que não rireis mais, e será quando Aquele, a quem todo poder foi dado, vos
aparecerá, terrível em sua majestade, e somente com o seu aparecimento
aterrorizar-vos-á, e só com os seus olhares vos fulminará, antes, antes ainda
que sua voz vos precipite em vosso destino eterno, marcando-vos com a sua
maldição. Ele é um ladrão, porque se apropria de uma estima que não merece. O
próximo, impressionado pelo juramento dele, se lhe entrega, e a serpente se
adorna com isso, fingindo ser o que não é. Ele é um traidor, porque com
juramento promete uma coisa que pretende não cumprir. É um homicida, porque ou
mata a honra do seu semelhante, tirando-lhe, com o falso juramento, a estima do
próximo, ou mata a sua alma, porque o perjuro é um pecador abjeto aos olhos de
Deus, olhos que, mesmo quando outro olho não vê a verdade, eles a estão vendo.
Deus não pode ser enganado, nem com palavras falsas, nem com ações hipócritas.
Ele vê. Nem por um instante perde de vista nenhum dos homens. E não existe
fortaleza tão bem munida, nem cantina que seja tão profunda, que nela seu olhar
não consiga penetrar. E até no interior de vós, nessa fortaleza que cada homem
tem ao redor do seu coração, até ai Deus penetra. E Ele vos julga, não pelo que
jurais, mas pelo que fazeis. Por isso,
Eu, depois de vos ter dado uma ordem, quando o juramento foi colocado em maior
evidência, como um meio para pôr-se um freio à mentira e à facilidade de faltar
com a palavra dada, vou agora substituir aquela ordem por outra: Já não digo,
como diziam os antigos: "Não jures falso, mas guarda os teus
juramentos", mas Eu vos digo: "Não jureis nunca" nem pelo Céu,
que é o trono de Deus, nem pela terra, que é o escabelo de seus pés, nem por
Jerusalém e o seu Templo, que são a cidade do grande rei e a Casa do Senhor,
nosso Deus. Não jureis nem pelos túmulos dos antepassados, nem por suas almas.
Os túmulos estão cheios das partes inferiores do homem, partes que os animais
também têm, e as almas, deixai-as em suas moradas. Fazei que não sofram, nem,
se horrorizem, se são almas de justos que já estão no conhecimento antecipado
de Deus. E, ainda que seja um conhecimento antecipado, um conhecimento parcial,
pois que, até o momento da Redenção, não possuirão ainda a Deus na plenitude de
seus esplendores, não podem deixar de sofrer, ao verem que sois pecadores, E,
se justos eles não são, não aumenteis o seu tormento por terem-se lembrado, com
o vosso pecado, do pecado deles. Deixai, deixai os santos mortos em paz; e os
mortos não santos, em suas penas. Não tireis nada aos primeiros, nem
acrescenteis nada aos segundos. Por que apelar para os mortos? Eles já não
podem falar. O mortos santos não podem, porque a caridade lho proíbe; deveriam
vos desmentir vezes sem conta. Os condenados também não, porque o Inferno não
abre as suas portas, e os condenados não abrem suas bocas, a não ser para
maldizer. E a voz de todos fica sufocada pelo ódio de Satanás e dos satanases,
pois os condenados são satanases.
Não jureis nem pela cabeça do pai, nem pela da
mãe, nem pela da esposa e dos filhos inocentes. Não tendes direito de fazer
isso. Serão eles, por acaso, uma moeda ou uma mercadoria? Serão eles como uma
assinatura, ao fim de um documento? Eles são mais e são menos do que estas
coisas. São sangue e carne do teu sangue, ó homem, mas são também criaturas
livres, e tu não podes usar delas como de um aval para o teu juramento falso. E
são eles menos do que uma firma tua, porque tu és inteligente, livre e adulto,
e não um incapaz ou um pequenino, que não sabe o que faz e que, por isso,
precisa ser representado pelos pais. Tu és tu: um homem dotado de razão e, por
isso, és responsável por tuas ações, e deves agir por ti mesmo, dando como aval
para tuas ações e para tuas palavras a tua honestidade e a tua sinceridade, a
estima que soubeste fazer nascer em teu próximo, e não a sinceridade dos
parentes e a estima que souberam fazer nascer nos outros por eles.
Serão responsáveis os pais pelos
filhos? Sim, mas somente enquanto eles estão na menoridade. Depois cada um é
responsável por si mesmo. Nem sempre de justos nascem justos, e nem sempre uma
mulher santa é casada com um homem santo. Por que, então, usar como base de garantia
a justiça de quem está em vossa companhia? Igualmente, de um pecador podem
nascer filhos santos e, enquanto são inocentes, todos são santos. Por que,
então, buscar a ajuda de alguém que seja puro para aprovar um vosso ato impuro,
como é o vosso juramento, que depois de feito pretendeis violar? Não jureis,
nem mesmo pela vossa cabeça, pelos vossos olhos, vossa língua e vossas mãos.
Não tendes direito a isso. Tudo quanto tendes é de Deus. Vós não sois mais que
uns guardiões provisórios, os banqueiros dos tesouros morais ou materiais que
Deus vos concedeu. Por que, então, usar do que não é vosso? Podeis pôr mais um
fio de cabelo em vossa cabeça, ou mudar a cor de vossos cabelos? E, se não
podeis fazer isso, por que é que usais, então, a vossa vista, a palavra, a
liberdade de vossos membros para dar força a um vosso juramento? Não desafieis
a Deus. Ele poderia pegar-vos em vossa palavra, e fazer ficarem secos os vossos
olhos, assim como pode fazer ficarem secas as vossas árvores frutíferas, ou
arrebatar-vos os vossos filhos, como pode arrancar as vossas casas, a fim de
que vos lembreis de que Ele é o Senhor e de que vós sois os seus súbditos, e
que é um maldito aquele que se faz ídolo de si mesmo, a ponto de julgar-se mais
do que Deus, desafiando-o com suas mentiras.
O vosso falar seja sim, sim; e não, não. Nada além disso. O que se diz
além disso e sugerido pelo Maligno, para depois rir-se de vós, que, não podendo
lembrar-vos de tudo o que dissestes, cais em mentiras e sois feitos objetos de
zombarias, e passais a ser conhecidos como mentirosos. Sinceridade, meus
filhos. Tanto nas palavras, como na oração. Não façais como os hipócritas que,
quando oram, gostam de ficar nas sinagogas, ou nos cantos das praças, para
serem vistos pelos homens, e elogiados como homens piedosos e justos, enquanto
depois, no interior das famílias, são culpados diante de Deus e diante do
próximo. Não refletis que isso é como um juramento falso? Porque quereis vos
afirmar o que não é verdade, com a intenção de conquistar uma estima, que não
mereceis? A oração hipócrita tem a intenção de dizer: "Em verdade, eu sou
santo. Eu juro diante dos olhos dos que me estão vendo, e que não podem mentir,
quando disserem que me viram orando." Como um véu estendido sobre a
maldade latente, a oração feita com tais intenções se torna uma verdadeira
blasfêmia.
Deixai que Deus vos proclame
santos, e fazei que toda a vossa vida proclame, em lugar de vós: "Este é
um servo de Deus." Mas vós, mas vós, por amor a vós mesmos, calai-vos. Não
façais de vossa língua, movida por vossa soberba, um objeto de escândalo para
os olhos dos anjos. Melhor seria que vos tornásseis mudos, naquele mesmo
instante, se é que não tendes força para dominar o orgulho e a vossa língua,
vos auto proclamando justos e agradáveis a Deus. Deixai para os soberbos e os
falsos esta pobre glória. Deixai para os soberbos e os falsos essa efêmera
recompensa. Pobre recompensa! Mas ela é como eles a querem, e outra recompensa
não terão, porque mais de uma recompensa não se pode ter. Ou a verdadeira
glória, a do Céu, que é eterna e justa. Ou a não verdadeira, a da terra, que só
dura o que dura a vida de um homem, e até menos, e que depois, sendo injusta,
vai ser cobrada, depois desta vida, e vai ser paga com uma bem humilhante
punição.
Ouvi como deveis orar, com os
lábios e com o trabalho, com todo o vosso ser, pelo impulso do coração que ama,
sim, a Deus, e o sente como pai, mas que sempre lembra quem é o Criador, e quem
é a criatura, e se põe com um amor reverencial sempre na presença de Deus, tanto
quando ora, como quando está fazendo seus negócios, tanto quando está andando,
como quando está descansando, tanto quando ganha, como quando está distribuindo
os seus bens. Por impulso do coração, Eu disse. É esta a qualidade primeira e
essencial. Porque tudo vem do coração, e como for o coração assim será a mente,
assim será a palavra, o olhar e a ação.
O homem justo tira do seu coração
de justo o bem e, quanto mais tira, mais acha para tirar, porque o bem que foi
feito cria um novo bem, assim como o sangue que se renova na circulação pelas
veias, e volta ao coração enriquecido com sempre novos elementos apanhados com
o oxigênio que absorveu e com o suco dos alimentos que assimilou. Enquanto
isso, o homem perverso, do seu coração tenebroso, cheio de fraudes e venenos,
não pode tirar senão fraudes e venenos, que sempre mais vão aumentando,
fortalecidos pelas culpas que se vão acumulando, assim como no homem bom vão-se
acumulando as bênçãos de Deus. Podeis, pois, acreditar que a exuberância do
coração é que transborda dos lábios e se manifesta nas ações.
Fazei que vosso coração seja
humilde e puro, amoroso, confiante, sincero. Amai a Deus com amor pudico que
uma virgem tem para com o seu esposo. Em verdade, eu vos digo que todas as
almas são como umas virgens desposadas ao Eterno Amor, a Deus nosso Senhor;
esta terra é o tempo do noivado, tempo no qual o anjo, dado para a guarda de
todo homem, é o paraninfo espiritual e todas as horas e todas as contingências
da vida são outras tantas servas, que preparam o enxoval das núpcias. A hora da
morte é a hora em que se completam as núpcias, e ai vem o conhecimento, o
abraço, a fusão e, com s veste de uma verdadeira esposa, a alma pode levantar o
seu véu e lançar-se nos braços do seu Deus, sem que, por amar assim ao seu
esposo, possa induzir outros a escândalo. Mas, por enquanto, ó almas ainda
sacrificadas no laço do noivado com Deus, quando quiserdes falar com o esposo,
ponde-vos na paz da vossa morada, e acima de tudo na paz da vossa morada
interior, e falai, - anjo de carne ladeado pelo Anjo da Guarda, - falai ao Rei
dos Anjos.
Falai ao vosso Pai no segredo do
vosso coração e do vosso quarto interior. Deixai fora tudo o que é do mundo, o
desejo de quererdes ser vistos e o de edificar, e os escrúpulos das longas orações
cheias de palavras monótonas, cheias de tibieza e pálidas em amor.
Por caridade! Livrai-vos das
medidas no orar. Na verdade, há alguns que perdem horas em um monólogo, que
eles vão repetindo, apenas com os lábios, e que não passa de um solilóquio, pois
nem o Anjo da Guarda o ouve, de tão grande que é o rumor vazio para o qual ele
procura achar remédio, aprofundando-se, por sua vez, em uma ardente oração em
favor do seu ignorante protegido. Em verdade, há alguns que não fariam uso
diferente daquelas horas, nem que Deus lhes aparecesse, e lhes dissesse: “A
salvação do mundo depende de que tu abandones esta linguagem sem vida, e vás,
simplesmente, buscar água em um poço e derramar essa água no solo, por amor de
Mim e dos teus semelhantes.” Em verdade, há alguns que acham que é mais
importante o seu monólogo do que o ato delicado de quem acolhe um visitante ou
socorre um necessitado. São almas que caíram na idolatria da oração.
A oração é um ato de amor. E amar
é coisa que se pratica, tanto quando se ora, como quando se faz pão; tanto
meditando, como prestando assistência a um enfermo; tanto fazendo uma
peregrinação ao Templo, como cuidando das necessidades da família; tanto
sacrificando um cordeiro, como sacrificando até os nossos desejos de
recolhimento junto ao Senhor. Basta que nos impregnemos completamente a nós
mesmos e as nossas ações com o amor. Não tenhais medo! O Pai está vendo. O Pai
compreende. Ele está ouvindo. Ele concede. Quantas graças são concedidas por
apenas um só e perfeito suspiro de amor! Quanta abundância por um sacrifício
íntimo, mas feito com amor. Não sejais como os pagãos. Deus não precisa que lhe
digais o que Ele deve fazer, porque daquilo vós estais necessitando. Isto os
pagãos podem dizer aos seus ídolos, que não os podem atender. Não vós a Deus,
ao Deus, o verdadeiro Deus espiritual, que não é somente Deus e Rei, mas é
vosso Pai, e sabe, antes mesmo que lho peçais, de que é que estais precisando.
Pedi, e vos será dado, procurai e
achareis, batei, e se vos abrirá. Porque quem pede, recebe; quem procura, acha
e será aberta a porta a quem nela toca. Quando um vosso filhinho vos estende a
mãozinha e diz: “Meu pai, estou com fome”, será que lhe dareis uma pedra? Será
que lhe dareis uma cobra, quando ele vos pede um peixe? Não, mas vós lhe dais
pão e peixe, e além disso, o acariciais e abençoais, porque para o pai é um
prazer alimentar o seu filho, e vê-lo feliz em seu sorriso. Se, pois, vós que
tendes o coração imperfeito, sabeis dar presentes bons aos vossos filhos, por
um amor natural, que até os animais têm para com as suas crias, quanto mais o
vosso Pai que está nos Céus concederá àqueles que lhas pedirem as coisas boas e
necessárias para a sua vida. Não tenhais medo de pedir, e não tenhais medo de
ficar sem receber!
Mas, Eu vos quero pôr em guarda
contra um erro muito comum, - mas não façais como os fracos na fé e no amor, os
pagãos da verdadeira religião, - porque mesmo entre os que têm fé há pagãos,
cuja pobre religião é um emaranhado de superstições e de fé, um edifício
arruinado pela metade, no qual se infiltraram as ervas parasitas de todas as
espécies, a ponto dele se encher de gretas, e ir-se destruindo, e eles
enfraquecidos e pagãos, percebem que sua fé está morrendo, se não forem
atendidos.
Vós pedis. E achais que é justo
pedir. De fato, para aquele momento não deixaria de ser justa aquela graça. Mas
é que a vida não termina naquele momento. E o que é bom hoje, pode não ser
amanhã. Disso vós não sabeis, porque vós só conheceis o presente, e isso é
também uma graça de Deus. Mas Deus, conhece também o futuro. E muitas vezes,
para poupar-vos um sofrimento maior, deixa de atender uma vossa oração. No meu
ano de vida pública, mais de uma vez ouvi que os corações gemiam: “Quanto eu
sofri, quando Deus não me ouviu.” Mas agora Eu digo: “Foi bom assim, porque
aquela graça me teria impedido de chegar a esta hora de Deus.” A outros Eu ouvi
dizer, ou dizerem de Mim: “Por que Senhor, não me ouves? A todos ouves, e a mim
não?” E Eu, mesmo sentindo a dor de ver que sofriam, precisei dizer: “Eu não
posso.” Pois se os atendesse, isso seria pôr um estorvo à frente deles, no voo
em que estavam para a vida perfeita.
Também o Pai as vezes diz: “Não
posso”. Não porque não possa fazê-lo imediatamente. Mas porque não o quer
fazer, em vista das consequências futuras. Ouvi: Um menino está doente das
vísceras. A mãe chama o médico, e o médico lhe diz: “Para que ele fique bom, é
preciso que faça um jejum absoluto.” O menino chora, grita, suplica, parece
extremamente debilitado. A mãe, sempre compadecida, une os seus lamentos ao do
filho. Acha que o médico é muito rigoroso, ao falar daquela proibição total de
alimento. Mas o médico continua intransigente. E, afinal, ele diz: “Mulher, eu
sei e tu não sabes. Queres que o teu filho morra, ou que eu o salve?” A mãe diz
em alta voz: “Eu quero que ele viva!” Então, diz-lhe o médico: “Eu não posso
permitir que ele tome alimento. Pois ele morreria.”
Também o Pai, as vezes, diz
assim. Vós, ó mães compadecidas do vosso eu, não quereis vê-lo sofrer por lhe
ter sido negada uma graça. Mas Deus diz: “Eu não posso. Seria isso o teu mal.”
Mas chegará o dia ou virá a eternidade, na qual chega-se a dizer: “Obrigado,
meu Deus por não terdes dado ouvidos à minha tolice.”
Tudo Eu disse sobre a oração,
digo-o também sobre o jejum. Quando jejuardes, não fiqueis com aquele ar
triste, como costumam ficar os hipócritas, que sabem desfigurar o próprio
rosto, a fim de que o mundo fique sabendo e acreditando, ainda que não seja
verdade, que eles estão jejuando. Também esses já receberam, com o louvor do
mundo, a sua recompensa, e outra não terão. Mas, vós, quando jejuardes, tomai
um ar alegre, lavai bem o vosso rosto, para que ele apareça vistoso e liso,
ungi bossa barba e perfumai vossos cabelos, tende entre os lábios o sorriso dos
que estão bem nutridos. Oh! Pois na verdade, não há alimento que nutra tanto
como o amor! E, quem jejua com espírito de amor, de amor se nutre! Em verdade
vos digo que, ainda que o mundo vos chame de “vaidosos” ou “publicanos”, o vosso
Pai está vendo o vosso heroico segredo, e dele vos dará uma dupla recompensa:
uma pelo jejum, e a outra, pelo sacrifício de não procurar ser louvados por
causa dele.
E agora, ide dar comida ao vosso
corpo, depois de terdes nutrido a vossa alma. Aqueles dois pobrezinhos fiquem
conosco. Eles serão os hóspedes benditos, que darão sabor ao nosso pão. A paz
esteja convosco. "
E os dois pobrezinhos ficam. São uma mulher muito magra e um
velho já bem velho. Mas eles não estão juntos. Estavam ali por acaso, reunidos
com os outros, e tinham ficado em um canto, deprimidos, estendendo inutilmente
suas mãos aos que passavam diante deles. Jesus vai diretamente a eles, que não
têm coragem de ir para a frente, e os toma pelas mãos, levando-os para o centro
do grupo dos discípulos, para debaixo de uma tenda que Pedro ergueu num canto,
e sob a qual eles talvez possam abrigar-se de noite e fazer suas reuniões nas
horas mais quentes do dia. É um galpão coberto de folhagem e de... capas.
..."Aqui está o pai, e aqui está uma
irmã. Trazei tudo o que temos. Enquanto vamos tomar a nossa refeição, ouviremos
a história deles".
E, pessoalmente, Jesus vai servindo aos dois, que estão envergonhados, e vai
escutando as lamentações de suas narrações. O velho tinha ficado sozinho,
depois que a filha foi-se embora para longe com seu marido e esqueceu-se de seu
pai. A velha também ficou sozinha, depois que a febre matou seu marido, e ela
também ficou doente. "O mundo nos despreza, porque somos pobres", diz
o velho. Eu vivo pedindo esmolas para ir ajuntando e ter com que fazer a
Páscoa. Estou com oitenta anos. Sempre eu fiz a Páscoa, e esta pode ser a
última vez. Mas não quero ir para o seio de Abraão com nenhum remorso. E, como
eu perdoo à minha filha, assim espero ser perdoado. E quero fazer a minha
Páscoa."
"Longo é o caminho,
pai." "Mais
longo é o do Céu, se faltar quanto ao rito."
"Andas sozinho? E se te
sentires mal pelo caminho?"
"O Anjo de Deus me fechará os olhos." Jesus o
acaricia na cabeça trêmula e branca, e pergunta à mulher: "E
tu?" "Eu vou
procurando trabalho. Se eu fosse bem alimentada, ficaria curada dessas febres.
E, se ficasse curada, poderia trabalhar até nos trigais. "
"Crês que só o alimento te
curaria?"
"Não. Temos também a Ti... Mas eu sou uma pobre coisa, uma coisa pobre
demais para poder pedir piedade."
"E se Eu te curasse, que
quererias depois?"
"Nada mais. Já teria tido muito mais do que eu pudesse
esperar."
Jesus sorri, e lhe dá um pedaço de pão molhado em um pouco de
água e vinagre, que serve de bebida. A mulher o come sem falar, e Jesus continua
a sorrir. A refeição termina logo. Era tão frugal! Apóstolos e discípulos vão à
procura de sombra pelas encostas, por entre as moitas. Jesus fica no galpão. O
velho encostou na parede forrada de erva e, cansado, pega no sono. Pouco
depois, a mulher, que também se havia afastado para procurar uma sombra, para
lá descansar, vem vindo para Jesus, que lhe sorri para encorajá-la. Ela vem com
timidez e, mesmo assim vem alegre, até chegar perto da tenda. Depois senta-se
vencida pela alegria e dá os últimos passos com rapidez, deixando-se cair de
bruços, com um grito meio sufocado:
"Tu me curaste! Bendito! É a hora do grande calafrio e
eu não o tenho mais. Oh!" e beija os pés de Jesus. "Tens
certeza de que estás curada? Eu não te falei isto. Pode ter sido um acaso."
"Oh! Não! Agora compreendo o teu sorriso, quando me
deste aquele pão. O teu poder penetrou em mim com aquele pedaço. Eu nada tenho
para dar-te em troca, a não ser o meu coração. Manda à tua serva, Senhor, e ela
te obedecerá até à morte."
"Sim. Estás vendo aquele
velho? Está sozinho e é um justo. Tu tinhas um marido, e a morte o levou. Ele
tinha uma filha, e o egoísmo lha tirou. Ele está pior do que tu. Mas não diz
imprecações. E não é justo que fique vivendo sozinho em suas últimas horas. Sê
tu para ele uma filha."
"Sim, meu Senhor."
"Mas, olha bem, que isto
significa trabalhar por dois.
"Agora eu estou forte, e o farei."
“Vai, então, até lá, à beira daquele barranco, e
dize ao homem, que está descansando lá, aquele que está vestido de cinzento, que
venha até mim. "
A mulher vai sem demora, e volta com Simão, o Zelotes.
"Vem cá, Simão. Preciso
falar-te. E tu, fica esperando aí, mulher."
Jesus se afasta a alguns metros dali. "Achas
que Lázaro teria dificuldades em receber mais uma empregada?"
"Lázaro? Mas eu acho que ele nem sabe quantos são os
seus empregados! Um a mais, um a menos! Mas quem é?"
"Aquela mulher. Eu a curei e..."
"Basta, Mestre. Se Tu a curaste, é sinal de que a amas.
E o que amas para ele é sagrado. Podes deixar comigo, que eu respondo em lugar
dele.
"É verdade. O que Eu amo é
sagrado para Lázaro. Tu disseste bem. E por isso Lázaro se tornará santo,
porque, amando o que Eu amo, amará a perfeição. Eu quero pôr aquele velho na
companhia daquela mulher, e fazer que aquele patriarca faça com alegria a sua
última Páscoa. Eu quero muito bem aos velhos santos e, se lhes posso dar um
passamento sereno, fico feliz."
"Tu queres bem também as crianças...
"Sim, e aos doentes..."
"E aos que estão chorando..."
"E aos que estão sozinhos...
"
"Oh! Mestre meu! Mas, não percebes que queres bem a
todos? Até aos teus inimigos?"
“Eu não percebo isso, Simão. Amar
é a minha natureza. Olha, o
Patriarca está acordando. Vamos dizer-lhe que ele fará a sua Páscoa com uma
filha perto dele, e sem sentir mais falta de pão."
Eles voltam à tenda, onde a mulher os estão esperando, e vão
os três até o velho, que está sentado e amarrando as sandálias. "Que
estás fazendo, pai?"
"Vou descer para o vale. Espero encontrar abrigo para a
noite. Amanhã vou pedir esmola pela estrada, e depois descendo, sempre
descendo, dentro de um mês, se eu não morrer, estarei no Templo.
"Não. "
"Não devo ir? Por que?"
"Porque o bom Deus não quer.
Não irás sozinho. Esta aqui irá contigo. Ela te levará para onde Eu disser, e
sereis acolhidos, por amor de mim. Farás a tua Páscoa, mas sem te cansares. A
tua cruz, já a levaste, pai. Deixa-a agora. E recolhe-te em ação de graças ao
bom Deus. "
"Mas, por que? Mas, por que? Eu... eu não mereço tudo
isso... Tu... uma filha... E mais do que se me desses vinte anos... E para onde,
para onde é que me envias?" O velho está chorando por detrás da moita de
sua grande barba.
"Irás para a casa de Lázaro
de Teófilo. Não sei se o conheces."
"Oh! Eu sou dos confins da Síria, e me lembro de
Teófilo. Mas... mas... Oh! Filho bendito de Deus, deixa que eu te
abençoe!" E Jesus, sentado como está na relva, bem na frente do velho, de
fato se curva para deixar que o velho, todo solene, lhe imponha as mãos sobre a
cabeça, trovejando, com sua voz cavernosa de ancião, as palavras da antiga
bênção: "O Senhor te abençoe e te guarde. O Senhor te mostre a sua face e
tenha misericórdia de ti. O Senhor volte o seu rosto para ti e te dê a sua paz.
"
E Jesus, Simão e a mulher respondem juntos: "E
assim seja."
Pg. 96-107
173 – QUINTO SEMÃO DA MONTANHA. O
USO DAS RIQUEZAS, A ESMOLA, A CONFIANÇA EM DEUS
O mesmo Sermão da Montanha. A multidão vai aumentando sempre,
à medida que vão passando os dias. Há homens, mulheres, velhos, crianças, ricos
e pobres. Está sempre presente o casal Estêvão-Herma, por enquanto não ainda
unido e misturado com os velhos discípulos capitaneados por Isaque. E ainda
está ai o novo casal, que se formou ontem: o velhinho e a mulher. Eles estão
bem na frente, perto do seu Consolador, e os seus rostos estão muito mais
aliviados do que ontem. O velho, como que para compensar-se dos muitos meses ou
anos em que ficou deixado pela filha, já pôs sua mão rugosa sobre os joelhos da
mulher, e esta Ihe acaricia, por aquela necessidade inata da mulher moralmente
sadia, de tomar atitudes maternais. Jesus passa por perto deles, para subir ao
seu rústico púlpito, e, ao passar, acaricia a cabeça do velhinho, que olha para
ele como se já o visse vestido como Deus. Pedro diz qualquer coisa a Jesus, e
este lhe faz um sinal, como se estivesse dizendo: "Não tem
importância." Mas eu não compreendo o que é que o apóstolo está dizendo.
Ele está perto de Jesus, ao qual vêm unir-se depois também Judas Tadeu e
Mateus. Os outros estão espalhados pelo meio da multidão.
“A paz esteja com todos vós! Ontem
Eu falei da oração, do juramento, do jejum. Hoje quero instruir-vos sobre
outras perfeições. Elas também são oração, confiança, sinceridade, amor,
religião. A primeira, de que hoje falo é sobre o justo uso das riquezas, a
serem transformadas pela boa vontade do servo fiel em outros tantos tesouros no
Céu. Os tesouros da terra não duram. Mas os tesouros do Céu são eternos. Tendes
em vós amor ao que é vosso? Ficais tristes por terdes que morrer, e de não
poderdes mais cuidar de vossos bens, e de terdes que deixá-los? E, então,
transportai-os para o Céu!
Vós dizeis: "No Céu não entra o que é da
terra, e Tu nos ensinas que o dinheiro é a coisa mais suja da terra. Como,
então poderemos transportá-lo para o Céu?" Não. Não podeis transportar as
moedas, que são coisas materiais, para o Reino, onde tudo é espiritual. Mas
podeis levar convosco o fruto das moedas. Quando dais a um banqueiro o vosso
ouro, para que é que lho entregais? Para que o faça produzir frutos. Certamente
não quereis privar-vos dele, nem mesmo momentaneamente, nem quereis que o
banqueiro vo-lo entregue tal qual o recebeu. Mas vós quereis que sobre dez
talentos ele vos entregue dez mais um, ou até mais. E, se assim for, ficais
felizes, e falais bem do banqueiro. Se não for assim, vós dizeis: "Ele e
um homem honesto, mas é um tolo." E, se acontecer que, em vez de dez mais
um, ele vos entregue nove, dizendo: "Eu perdi o resto", vos o
denunciais, e o pondes na cadeia. O que é o fruto do dinheiro? Por acaso o banqueiro
semeia o vosso dinheiro, ou o rega, para fazê-lo crescer? Não. O fruto provem
de um acertado manejo dos negócios, de tal modo que, por meio de hipotecas, ou
empréstimos a juros, o dinheiro vá aumentando do ágio justamente pedido pelo
favor do ouro que foi emprestado. Não é assim? Pois bem.
Então ouvi: Deus vos dá riquezas
terrenas. A alguns dá muitas, a outros dá somente as de que eles precisam para
viver, e vos diz: "Agora é contigo. Eu tas dei. Usa delas como de um meio
para chegares a um fim como o meu amor o deseja para o teu bem. Eu as confio a
ti. Mas não para que delas faças um mal. Pela estima que tenho por ti, por
reconheceres os meus dons, faze que frutifiquem para a verdadeira Pátria os
teus bens. E aí está o método para se chegar a esse fim. Não queirais acumular
os vossos tesouros na terra, vivendo por eles, sendo cruéis por causa deles,
sendo malditos pelo próximo e por Deus por causa deles. Não vale a pena. Eles
estão sempre sem segurança aqui em baixo. Os ladrões sempre podem roubar-vos. O
fogo pode destruir vossas casas. As doenças nas plantas e nos rebanhos podem
acabar com o vosso gado e com os vossos pomares. Quantas coisas perseguem os
vossos bens. Ainda que eles sejam imóveis e inatacáveis, como as casas e o
ouro, podem ainda estar sujeitos a se estragarem em sua natureza, como todos os
seres que vivem, os vegetais e os animais. E, por mais que sejam estofos
preciosos, estão sujeitos à desvalorização.
Um raio que cai nas casas, o fogo
e a água. Os ladrões, a ferrugem, a seca, os roedores, os insetos nas lavouras;
a vertigem dos cavalos, as febres, o desconjuntamentos das pernas e a peste dos
animais, tinhas e os camundongos nos tecidos preciosos e nos móveis de
estimação; a erosão produzida pela oxidação nas vasilhas, nos lustres e grades
artísticas; tudo, tudo está sujeito a estragar-se. Mas, se vós, de todos estes
bens terrenos fazeis um bem sobrenatural, logo ele fica a salvo de todos os
estragos do tempo, dos homens e das intempéries. Fazei para vós bolsas no Céu,
lá onde não entram os ladrões, e onde não acontecem desventuras. Trabalhai com
o amor misericordioso para com todas as misérias da terra. Acariciai, sim, as
vossas moedas, e até beijai-as, se quiserdes, alegrar-vos com as colheitas que
melhoram, com os vinhedos carregados de cachos, com as Oliveiras que se
inclinam sob o peso de numerosíssimas azeitonas, com as ovelhas de seios
fecundos e mamas cheias. Fazei tudo isso. Mas, não de um modo estéril, não de
um modo humano. Fazei-o com amor e admiração, com gozo e com um cálculo
sobrenatural. "Obrigado, meu Deus, por estas moedas, colheitas, plantas,
por estas ovelhas, por estes negócios. Obrigado, ovelhas, plantas, prados,
negócios, que me servis tão bem. Sede benditos todos, porque por tua bondade, ó
Eterno, e por vossa bondade, ó coisas, e que eu posso fazer tanto bem a quem
tem fome, a quem está nu, a quem não tem casa, a quem está doente, sozinho.
No ano passado eu fiz por dez.
Neste ano, porque, ainda que eu tenha dado muito em esmolas, tenho mais
dinheiro e mais gordas foram as minhas colheitas e mais numerosos os meus
rebanhos, eu, então darei duas, três vezes o que eu dei no ano passado. Porque
todos, até os privados de seus próprios bens, participem da minha alegria, e
possam gozar e bendizer comigo a Ti, Senhor Eterno." Esta é a oração do
justo. A oração que unida à ação, transporta os vossos bens para o Céu, e, não
só vo-los conserva para sempre, mas vos faz encontrá-los, aumentados pelos
frutos santos do amor. Tende o vosso tesouro no Céu, para que lá tenhais o
vosso coração acima e além do perigo, que não somente o ouro, as casas os
campos e os rebanhos possam passar por desventuras, mas que o vosso coração
seja insidiado e despojado, ou queimado e morto pelo espírito do mundo. Se
assim fizerdes, tereis o vosso tesouro em vosso coração, porque tereis a Deus
em vós, até o dia feliz no qual estareis nele. Mas, para não diminuir o fruto
da caridade, tomai cuidado para que sejais caridosos, com um espírito
sobrenatural. Como Eu disse da oração e do jejum, assim digo da beneficência e
de todas as outras boas obras que possais fazer.
Conservai o bem que fazeis longe
da violação pela sensualidade do mundo, conservai-o virgem dos louvores
humanos. Não profaneis a rosa perfumada da vossa caridade e das vossas boas
obras, - verdadeiro turíbulo de perfumes agradáveis ao Senhor. O que profana o
bem e o espírito de soberba, o desejo de serdes vistos fazendo o bem e a
procura de elogios. A rosa da caridade fica, então, babada e corroída pelas
grandes lesmas viscosas do orgulho satisfeito, e no turíbulo caem palhas
fedorentas da liteira na qual o soberbo se pavoneia, como um animal bem
alimentado. Oh! Aquelas beneficências feitas só para dar que falar! Pois
melhor, melhor mesmo, teria sido não fazê-las! Quem não as faz, peca por dureza
de coração. E quem as faz, querendo que seja conhecida a importância que deu e
o nome de quem a recebeu, está pedindo a esmola de um louvor, e peca por
soberba, tornando conhecida a sua oferta, e é o mesmo que dizer: "Estais
vendo quanto eu posso?"; peca por falta de caridade, porque humilha o
beneficiado, tornando conhecido o seu nome; e peca por avareza espiritual,
querendo acumular elogios humanos... que são palhas. Palhas, nada mais do que
palhas.
Fazei que vos louve Deus com os seus anjos.
Vós, quando derdes esmola, não fiqueis tocando a trombeta em vossa frente, para
chamar a atenção dos que estão passando e para serdes elogiados, como os
hipócritas que querem ser aplaudidos pelos homens e por isso só dão esmolas
onde possam ser vistos por muitos. Também estes já receberam a sua recompensa,
e não receberão outra de Deus. Que vós não incorrais na mesma culpa e na mesma
presunção.
Mas, quando derdes esmola, que não saiba a
vossa mão esquerda o que a direita está fazendo, porque escondida e discreta há
de ser a vossa esmola, e, depois esquecei-vos dela. Não fiqueis a olhar
repetidamente para vós mesmos, depois de terdes feito aquele ato, inchando-vos
com ele, como faz o sapo, que fica se olhando nas águas do brejo, com seus
olhos anuviados, e que, vendo refletidos na água parada as nuvens, as árvores e
o carro parado perto da margem, e, vendo-se tão pequeno, diante de todas
aquelas coisas maiores do que ele, começa a encher-se de ar, até estourar.
Também a caridade que fizestes não é nada, em comparação com a infinita Caridade
de Deus e, se quiserdes tornar-vos semelhante a Ele e tornar grande a vossa
pequena caridade, e maior, para igualar a dele, ir-vos-íeis enchendo do vento
do orgulho, e acabaríeis perecendo. Esquecei-vos disso. Até do ato em si mesmo,
esquecei-vos. Estarvos-a sempre presente uma luz, uma voz, um mel, e vos
tornará luminoso o dia, doce e feliz o dia. Porque aquela luz será o sorriso de
Deus, aquele mel será a paz espiritual, que também é Deus, e aquela voz é a voz
de Deus-Pai que vos dirá: "Obrigado". Ele vê o mal oculto e vê o bem
escondido, e vos dará a recompensa.
... Perdoai, como Eu perdoo.
Porque, se perdoardes aos homens as suas faltas, também o vosso Pai do Céu vos
perdoará os vossos pecados. Mas, se guardardes rancor e não perdoardes aos
homens, também o vosso Pai não vos perdoará as vossas faltas. E todos precisam
do perdão.
Eu vos estava dizendo que Deus
vos dará recompensa, mesmo se vós não lhe pedirdes um prêmio pelo bem que
fizestes. Mas vós não façais o bem para terdes recompensa, para terdes uma
fiança no dia de amanhã. Vós não façais o bem sob medida nem retidos pelo medo,
dizendo: "E depois, ainda sobrará para mim? E, se não sobrar, quem é que
me ajudará? Será que encontrarei quem faça por mim o que estou fazendo pelo
outro? E, quando eu não tiver mais nada para dar, serei ainda amado?"
Olhai bem: Eu tenho amigos
poderosos entre os ricos, e amigos entre os miseráveis da terra. E, em verdade,
Eu vos digo que não são os amigos poderosos os mais amados. Eu vou a eles, não
por amor a Mim, ou por ser uma vantagem para Mim. Mas, sim, porque deles eu
posso receber muito para quem não tem nada. Eu sou pobre. Não possuo nada.
Gostaria de ter todos os tesouros do mundo e transformá-los em pães para quem
está com fome, em casas para quem está sem casa, em roupas para quem está nu,
em remédios para quem está doente. Vós me direis: "Mas Tu podes
curar". Sim. Isto e outras coisas Eu posso. Mas nem sempre há fé nos
outros, e Eu não posso fazer o que faria e quereria fazer, se encontrasse nos
corações alguma fé em Mim. Eu quereria fazer o bem também a esses que não têm
fé. E, visto que eles não pedem o milagre ao Filho do homem, eu quereria, de
homem para homem, prestar-lhes socorro. Mas Eu não tenho nada. Por isso,
estendo a mão a quem tem e peço: "Faze-me uma caridade, em nome de
Deus" Aí está porque é que tenho muitos amigos lá no alto.
Amanhã, quando Eu não estiver mais na terra,
aí ainda estarão os pobres, e Eu já não estarei aí nem para realizar milagres
para quem tem fé, nem para dar esmolas e assim levá-los à fé. Mas, então, os
meus amigos ricos terão aprendido, pois estiveram em contato comigo, como é que
se faz a beneficência, e os meus apóstolos terão, também pelo contato que
tiveram comigo, aprendido a pedir esmolas por amor dos irmãos. E assim os pobres
serão sempre socorridos. Pois bem. Ontem Eu, de um que não tem nada, recebi
mais do que tudo que me foi dado por todos aqueles que têm. É um amigo tão
pobre como Eu. Ele me deu uma coisa que não se compra com nenhuma moeda, e que
me fez feliz, fazendo-me lembrar das horas serenas de minha meninice e
juventude, quando, cada tarde, sobre minha cabeça se impunham as mãos do Justo,
e Eu ia descansar com sua bênção, que ficava guardando o meu sono. Ontem este
meu amigo pobre me fez um rei com a sua bênção. Vede que isto que ele me deu
nenhum dos meus amigos ricos nunca me deu. Por isso, não tenhais medo. Mesmo se
não tiverdes mais o poder do dinheiro, contanto que tenhais amor e santidade,
podereis fazer o bem a quem é pobre e está cansado ou aflito. E por isso vos digo: não fiqueis preocupados
demais, por medo de terdes pouco. Vós tereis sempre o necessário. Não sejais
preocupados demais, pensando no futuro. Ninguém sabe quanto de futuro tem ainda
à sua frente. Não fiqueis pensando no que havereis de comer para sustentar-vos
na vida, nem com que vos vestireis para conservar fluente o vosso corpo. A vida
do vosso espírito é bem mais preciosa do que o ventre e os membros, vale muito
mais do que o alimento e as vestes. E o vosso Pai sabe disso. Que vós também o saibais.
Olhai as aves do céu: não
semeiam, nem colhem, nem ajuntam em celeiros e, no entanto, não morrem de fome,
porque o Pai dos Céus as nutre. Vós, homens, criaturas prediletas do Pai,
valeis muito mais do que elas. Quem de vós, com toda a sua inteligência, será
capaz de aumentar um côvado em vossa altura? Se não conseguis aumentar a vossa
altura nem um palmo, como podeis pensar em mudar as vossas condições futuras,
aumentando as vossas riquezas, para garantir para vós uma longa e próspera
velhice? Podeis dizer à morte: "Tu só me virás buscar, quando eu
quiser"? Não o podeis. Para que então, viverdes preocupados com o amanhã?
E, por que ficardes tristes por medo de ficar sem com que vestir-vos?
Olhai como crescem os lírios do
campo: eles não sofrem cansaço, não fiam, não vão aos vendedores de tecidos
fazer suas compras. E, no entanto, Eu vos asseguro que nem mesmo Salomão, com
toda a sua glória, nunca se vestiu como um deles. Ora, se Deus veste assim a
erva, que hoje existe, e amanhã já vai servir para aquecer o forno, ou para a
pastagem do rebanho, e termina sempre virando cinzas, ou esterco, quanto mais
não proverá Ele para vós, que sois seus filhos?
Não sejais pessoas de pouca fé. Não vos
angustieis, porque o futuro é incerto, nem fiqueis dizendo: "Quando eu
ficar velho, o que é que vou comer? O que é que vou beber? Com que me vou
vestir?" Deixai essas preocupações para os pagãos, que não tem a sublime
certeza da paternidade divina. Vós a tendes e sabeis que o Pai conhece as
vossas necessidades, e vos ama. Confiai, pois, nele. Procurai primeiro as
coisas verdadeiramente necessárias: a fé, a bondade, a caridade, a humildade, a
misericórdia, a pureza, a justiça, a mansidão, as três e as quatro virtudes
principais, e todas, todas as outras também, de modo que possais ser amigos de
Deus e ter direito ao seu Reino. Eu vos asseguro que tudo mais vos será dado de
acréscimo, sem que vós o pesais. Não há rico mais rico do que o santo e seguro
mais seguro do que ele. Deus está com o santo. E o santo está com Deus. Para o
seu corpo ele não pede e Deus o provê do necessário. Mas ele trabalha para o
seu espírito, e a ele Deus se dá a Si Mesmo aqui neste mundo, e lhe dá o
Paraíso depois desta vida. Não fiqueis sofrendo por uma coisa que não merece o
vosso sofrimento. Afligi-vos, sim, por serdes imperfeitos, mas não por terdes
poucos bens terrenos. Não vos preocupeis com o dia de amanhã. O dia de amanhã
pensará por si mesmo, e vós pensareis nele quando já o estiverdes vivendo. Por
que pensar nele desde hoje? A vida já não está bem cheia das lembranças tristes
de ontem e dos pensamentos desagradáveis de hoje, para sentirdes ainda
necessidade de viver com o pesadelo de ficar pensando como será o dia de
amanhã? Deixai para cada dia os seus problemas! Existirão sempre mais sofrimentos,
do que nós quereríamos nesta vida, sem que fiquemos precisando aumentar os
sofrimentos presentes com o pensamento dos futuros! Dizei sempre a grande
palavra de Deus: "Hoje". Sede seus filhos, feitos à sua semelhança.
Dizei, pois com Ele: "Hoje".
E hoje Eu vos dou a minha benção. Que ela vos
acompanhe até o começo do novo hoje, isto é, do amanhã, e então Eu vos darei de
novo a paz em nome de Deus.
Pg. 107-115
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174 – SEXTO SERMÃO DA MONTANHA. A
ESCOLHA ENTRE O BEM E O MAL, O ADULTÉRIO, O DIVÓRCIO. CHEGADA INOPORTUNA DE
MARIA DE MAGDALA.
25 de maio de 1943.
Em uma radiosa alvorada, com um ar mais
límpido que de costume, através do qual parece que as distancias se aproximam,
ou que as coisas estejam sendo vistas através de uma lente ocular, que torna
nítidos até os menores detalhes, o povo se prepara para ouvir o Mestre. De dia
para dia a natureza vai-se mostrando mais bela e se revestindo da rica veste da
primavera, que na Palestina me parece ser entre março e abril, porque, depois
desse tempo, a natureza começa ter o aspecto do verão, com os grãos já maduros e
as folhas já crescidas e formadas. Agora há flores por toda parte. Do alto do
monte que por sua vez, já se revestiu de flores, até nos pontos menos aptos
para florescer, vê-se a planície, onde as ondas dos trigais ainda se dobram aos
soprar do vento, o qual lhes dá o movimento de um vagalhão verde, tingido
superficialmente por um ouro pálido nas pontas das espigas, que vão produzir
seus grãos por entre as arestas espinhosas. Acima deste ondular de messes ao
vento suave, estão de pé, em sua veste de pétalas - e mais se parecem com
enormes pincéis de pó de arroz, ou então com bolinhas de gaze branca, de um
róseo muito tênue, e um róseo mais carregado, vermelho vivo - as árvores
frutíferas, e, recolhidas em suas vestes de penitentes ascéticas, as oliveiras rezam,
e sua oração vai transformando em um cair de neve, por enquanto ainda incerto,
de umas florzinhas brancas. O Hermon é um alabastro róseo em seu cume, que o
Sol beija, e do alabastro descem dois fios de diamantes - daqui parecem fios –
dos quais o Sol tira um cintilar quase irreal, e depois vão-se enfurnar por
baixo das galerias verdes dos bosques e já não se vê mais nada que o vale, onde
formam cursos d água que, certamente, vão ao lago Meron, daqui invisível,
saindo dele com as belas águas do Jordão, para depois lançarem-se novamente no
safira claro do Mar da Galileia, que é um contínuo tremular de escamas
preciosas para as quais o Sol serve de engaste e de chama. Parece que os
veleiros, que vão deslizando por sobre este espelho tranquilo e magnífico, com
sua moldura de jardins e campinas maravilhosas, estejam sendo guiados pelas
nuvenzinhas leves, que lá vão navegando no outro mar do céu. Verdadeiramente
todo o criado ri neste dia de primavera e a esta hora da manhã. E o povo aflui,
aflui sem parar. Vem subindo de todos os lados: velhos, sãos, doentes,
crianças, esposos, que pensam em iniciar as suas vidas com as bênçãos da
Palavra de Deus, mendigos, pessoas que estão bem, que chamam os apóstolos para
dar-lhes suas ofertas para aqueles que nada tem e parecem que se confessam,
pois procuram um lugar escondido para fazê-lo. Tomé apanhou um dos sacos de
viagem deles, e despeja nele tranquilamente todo esse tesouro de moedas, como
se fosse comida para os frangos, vai levar tudo para perto da pedra sobre a qual
Jesus está falando, e dá uma de suas alegres risadas, dizendo: "Alegra-te,
Mestre! Hoje há para todos!" Jesus sorri, e diz:
"E
vamos começar logo, a fim de que os que estão tristes fiquem logo alegres. Tu e
teus companheiros separai os doentes e os pobres e trazei-os aqui para a
frente.”
Isto acontece em um tempo relativamente
curto, pois é preciso verificar quais são os diversos casos, e duraria muito
tempo, sem a ajuda de Tomé que, com a sua voz potente, de pé, de cima de uma
pedra para poder ser visto, grita: "Todos aqueles que tem sofrimento no
corpo fiquem à minha direita, lá onde há sombra." O Iscariotes o imita,
também ele dotado de uma voz não comum em potência e beleza que, por sua vez,
grita: "E todos os que acham que tem direito à esmola, venham aqui, em
torno a mim. E cuidai bem de não mentir, porque os olhos do Mestre leem nos
corações." A multidão põe-se em movimento, para dividir-se assim em três
partes: os que estão doentes, os que são pobres e os que somente de sejam a
doutrina. Mas, entre estes últimos, primeiro dois e depois três, parecem ter
necessidade de alguma coisa, que não é a saúde nem o dinheiro mas que é mais
necessária do que estas coisas. Uma mulher e dois homens. Olham, olham para os
apóstolos e não ousam falar. Passa Simão, o Zelotes, com seu aspecto severo;
passa Pedro, muito atarefado e vai conversando com uns dez moleques, aos quais
promete dar umas azeitonas, se eles procederem bem até o fim ou então uma surra
se ficarem fazendo barulho enquanto o Mestre estiver falando; passa Bartolomeu,
já ancião e muito sério; passa Mateus com Filipe, que vão levando nos braços um
aleijado que teria tido um trabalho muito grande para atravessar a multidão
compacta; passam os primos do Senhor amparando um mendigo quase cego e uma pobrezinha
já com muitos anos, que chora enquanto vai contando a Tiago todos os seus
males; passa Tiago de Zebedeu com uma pobre menina nos braços, certamente
doente e que ele tomou da mãe, que o segue aflita, para impedir que a multidão
lhe faça mal nela. Os últimos a passar são os que eu poderia chamar de
indivisíveis", André e João, porque se João, em sua serena natureza de
menino santo, vai junto com todos os companheiros, André, pelo seu grande
acanhamento, prefere andar com seu antigo companheiro de pesca e de fé em João
Batista. Estes dois tinham ficado perto do começo das duas trilhas principais,
para irem encaminhando a multidão para os seus lugares. Mas agora, pelo monte,
não se veem mais peregrinos por aqueles caminhos cheios de pedras, e os dois se
reúnem para ir ao Mestre com as últimas ofertas recebidas. Jesus está inclinado
sobre os doentes, e os hosanas da multidão vão festejando cada milagre. A
mulher, que parece estar sofrendo muito, ousa puxar João pela veste, enquanto
ele está conversando com André e sorrindo. Ele se inclina e pergunta: "Que
queres, mulher?"
"Desejaria falar com o
Mestre..."
"Tens alguma doença? Pobre não
és..."
"Não tenho doença e não sou pobre.
Mas estou precisando dele porque existem doenças sem febre e misérias sem
pobreza. E a minha... a minha...", e chora.
"Escuta, André. Esta mulher tem um
sofrimento em seu coração e desejaria ir dizê-lo ao Mestre. Como faremos?"
André olha para a mulher, e diz: "Certamente é alguma coisa que causa dor
ao dar-se a conhecer..." A mulher faz com a cabeça o sinal de que sim.
Então, André continua: "Não chores... João, procura levá-la atrás do nossa
tenda. Eu levarei o Mestre até lá." E João, com seu sorriso, pede que
abram caminho para ele poder passar, enquanto André vai a direção oposta, para
Jesus. Mas aqueles movimentos deles são observados por dois homens aflitos, e
um fez parar João e outro André e, pouco depois, já tanto um como o outro estão
juntos com João e com a mulher detrás do tapume de ramos que está servindo como
parede para a tenda. André alcança
Jesus, no momento em que este está curando um aleijado, que está levantando as
muletas como dois troféus, ágil como um bailarina, apregoando a sua bênção.
André sussurra: "Mestre, lá atrás do nossa tenda, há três que estão
chorando. Mas o mal deles é do coração, e não pode ser conhecido por
outros..."
"Está
bem. Tenho ainda esta menina e esta mulher. Depois irei. Vai dizer-lhes que
tenham fé.” André lá se vai, enquanto Jesus se
inclina sobre a menina, que a mãe tomou de novo no colo.
"Como
te chamas?", pergunta-lhe Jesus.
"Maria."
"E
Eu, como me chamo?"
"Jesus", responde a menina.
"E
quem sou Eu?"
"O Messias do Senhor, que veio
para fazer o bem aos corpos e as almas. "
"Quem
te disse isto?"
"A mamãe e o papal, que esperam em
Ti pela minha vida. "
"Vive
e se boa." A menina, que penso fosse
doente da espinha, porque, mesmo já estando com sete anos ou mais, não se movia
senão com as mãos, e estava toda apertada em grossas e duras faixas, das axilas
até os quadris - elas se podem ver, porque a mãe abriu o vestidinho da menina
para mostrá-las -, fica ainda assim como estava há alguns minutos, depois tem
um sobressalto, e desliza do colo materno para o chão, e corre até Jesus, que
está curando a mulher, cujo caso não compreendo o que é. Os doentes já foram
todos atendidos, e são eles que gritam com mais força no meio daquela multidão
que aplaude ao "Filho de Davi, glória de Deus e nossa. " Jesus vai
agora para a tenda. Judas de Keriot grita: "Mestre, e estes?"
Jesus se vira, e diz: "Esperem
onde estão. Eles também serão consolados", e
vai, com passos rápidos, para detrás do tapume, para o lugar onde estão, com
André e João, os sofredores. "Primeiro, a mulher. Vem comigo por entre estas sobes.
Fala sem medo."
"Senhor, meu marido me abandonou
por uma prostituta. Eu tenho cinco filhos, e o último está com dois anos...
Minha dor é grande... penso nos filhos... Não sei se ele os quererá, ou se os
deixará comigo. Os filhos homens, pelo menos o primeiro, quererá que fique com
ele... e eu, que o dei a luz, não poderei mais ter a alegria de vê-lo? E, que
ficarão eles pensando do pai e de mim? De um dos dois eles hão de pensar mal. E
eu não gostaria que eles ficassem julgando o seu pai..."
"Não
chores. Eu sou o Senhor da Vida e da Morte. Teu marido não se casará com aquela
mulher. Vai em paz, e continua a ser boa."
"Mas... não o vais matar? Oh!
Senhor, eu o amo!"
Jesus sorri: "Eu
não matarei ninguém. Mas haverá quem faça o seu trabalho. Fica sabendo que o
demónio não é mais que Deus. Retornando à tua cidade, saberás que alguém matou
a criatura maldosa, e de tal modo, que o teu marido compreenderá o que estava
fazendo e te amará com um renovado amor."
A mulher beija-lhe a mão, que Jesus pôs
sobre sua cabeça, e vai-se. Vem vindo um dos dois homens. Eu tenho uma filha,
Senhor. Infelizmente, ela foi a Tiberíades com umas amigas e foi como se ela
houvesse aspirado um veneno. Voltou para casa como uma ébria. Agora quer ir-se
embora com um grego... e depois... Mas, por que me nasceu esta filha? Sua mãe
está de dor e talvez morrerá... Eu... somente as tuas palavras, que eu ouvi no
inverno passado é que ainda me impedem de matá-la. Mas, eu te confesso, o meu
coração já a amaldiçoou."
"Não.
Deus, que é Pai, não amaldiçoa senão um pecado completo e obstinado. Que queres
de mim?"
"Que tu a faças cair em si."
"Eu
não a conheço, e ela certamente não vem a Mim.”
"Mas Tu podes mudar o coração dela
também de longe! Sabes quem me manda a Ti? Joana de Cusa. Estava partindo para
Jerusalém, quando eu fui ao seu palácio para perguntar se lhe conhecido esse
grego infame. Eu pensava que ela não o conhecesse, porque é boa, ainda que more
em Tiberiades, mas, como Cusa lida com os pagãos... Não o conhece. Mas me
disse: "Vai a Jesus. Ele, estando bem longe de mim, fez voltar a mim o meu
espírito e me curou da minha tuberculose com aquele gesto. Ele curará também o
coração da tua filha. Eu rezarei e tu, tem fé." Eu a tenho. Tu estás
vendo. Tem piedade, Mestre.
"Tua
filha, nesta tarde, irá chorar sobre os joelhos de sua mãe, pedindo perdão. E
tu também, sê bom, como a mãe: perdoa. O passado morreu."
"Sim, Mestre. Como Tu queres, e
que sejas bendito." Ele se vira para ir-se embora... mas depois volta a
trás: "Perdoa, Mestre, mas estou com muito medo... A luxúria é um
verdadeiro demônio! Dá-me um fio da tua veste. Eu o colocarei no travesseiro de
minha filha. Enquanto ela estiver dormindo, o demônio não a tentará."
Jesus sorri, e sacode a cabeça... mas
atende ao homem, dizendo-lhe: "É para que fiques tranquilo. Mas podes crer que,
quando Deus diz: "Eu quero", o diabo vai-se embora, sem que seja
preciso mais nada. Quer dizer que terás isto como uma lembrança de mim", e lhe dá um pequeno floco de suas franjas. Vem o
terceiro homem: "Mestre, meu pai morreu. Mas nós pensávamos que ele
possuísse riquezas em dinheiro. Mas nada disso encontramos. Isso ainda seria um
mal menor, porque entre nós irmãos não nos falta o pão. Mas eu, sendo o
primogênito, morava com meu pai. Agora os outros dois irmãos estão me acusando
de ter feito desaparecer as moedas e querem mover uma ação contra mim, como se
eu fosse um ladrão. Tu estás vendo o meu coração. Eu não roubei nem um vintém.
Meu pai guardava seu dinheiro em um cofre, dentro de uma caixinha de ferro.
Quando ele morreu, abrimos a caixinha e nela nada havia. Então eles disseram:
"Esta noite, enquanto estávamos dormindo, tu a apanhaste". Não é
verdade. Ajuda-me a manter a paz e a estima entre nós."
Jesus olha para ele, fitando-o bem, e
sorri. "Por que estás sorrindo, Mestre?"
"Porque
o culpado foi o teu pai, uma culpa de criança quando esconde o seu brinquedo,
por medo de que o apanhem."
"Mas ele não era avarento. Podes
crer. Ele fazia o bem."
"Eu
sei... Mas já estava muito velho... São doenças dos velhos. Ele queria
conservar o dinheiro para vós e vos pôs em choque, por causa de um amor
exagerado. Mas a caixinha está enterrada aos pés da escada da adega. Eu te digo
isto, para que fiques sabendo que Eu sei. Enquanto Eu estou te falando, por um
mero acaso, o teu irmão menor estava batendo no chão, com raiva, e fez que a
caixa vibrasse e a descobriram, ficando eles confusos e arrependidos por te
terem acusado. Volta para casa tranquilo e sê bom para com eles. Não lhes diga
nada pela falta de estima deles para contigo."
"Não, Senhor. Eu nem irei agora.
Eu estou aqui para te ouvir. Irei amanhã. "
"E
se ficarem com o teu dinheiro?"
"Tu dizes que não devemos ser
avarentos. E eu não quero ser. Basta-me que haja paz entre nós. Afinal, eu nem
sabia quanto dinheiro havia na caixinha e não ficarei aflito com nenhuma
notícia que me derem, mesmo que seja diferente da verdade. Penso até que aquele
dinheiro podia estar perdido... Como eu teria vivido antes, viverei agora, se
eles me negarem o que é meu. Basta que não me chamem de ladrão."
"Estás
já bem adiantado no caminho de Deus. Segue assim, e a paz esteja contigo." Este também vai-se embora contente. Jesus se volta para a multidão, para
os pobrezinhos, e distribui, segundo as suas próprias medidas, as esmolas.
Agora todos estão contentes, e Jesus pode falar.
"A paz esteja convosco. Quando
Eu vos explico os caminhos do Senhor é para que os sigais. Poderíeis vós, ao
mesmo tempo, ir pelo caminho que desce à direita e pelo caminho que desce à
esquerda? Não poderíeis. Porque, se tomais um, deveis deixar o outro. Mas,
mesmo que se tratasse de dois caminhos próximos um do outro, poderíeis insistir
em caminhar sempre com um pé em um deles e o outro no outro, mas acabaríeis
cansando-vos ou errando, ainda que se tratasse de uma aposta. Contudo, entre o
caminho de Deus e o de Satanás existe uma grande distância, que sempre vai-se
tornando cada vez maior, justamente como aqueles dois caminhos que vêm
desembocar aqui, mas que, a cada passo que vão descendo para o vale, vão
ficando sempre mais longe um do outro, porque um vai para Cafarnaum e o outro
para Ptolomaida.
A vida é assim, desliza lá do
alto, entre o passado e o futuro, entre o mal e o bem. No centro está o homem,
com a sua vontade e o seu livre arbítrio. Nas extremidades, de um lado está
Deus e o seu Céu; do outro, está Satanás e o seu Inferno. O homem pode
escolher. Ninguém o obriga. Não se diga: "Mas Satanás tenta", como
desculpa para as descidas pelo caminho de baixo. Também Deus tenta, com o seu
amor que é bem forte; com as suas palavras, que são bem santas; com as suas
promessas, que são bem sedutoras! Por que, então, deixar-se tentar só por um
dos dois e logo por aquele que nenhum merecimento tem para ser escutado? As
palavras, as promessas, o amor de Deus não serão suficientes para neutralizar o
veneno de Satanás? Olhai bem como isto depõe contra vós. Quando alguém è física
e fortemente são, não está imune aos contágios, mas ainda os supera com
facilidade. Contudo, se alguém já está doente e, portanto, enfraquecido,
perecerá quase com certeza, se alguma nova infecção lhe sobrevier e, ainda que
ele sobreviva a ela, estará mais doente do que antes, porque não tem, em seu
sangue, a força para destruir os germes infecciosos, de um modo completo. O
mesmo se diga para a parte superior. Se alguém é moral e espiritualmente são e
forte, crede, no entanto, que ele não está isento de ser tentado, mas o mal não
criará raízes nele. Quando eu ouço alguém me dizer: "Eu me aproximei disto
e daquilo, eu li isto e aquilo, eu procurei convencer este e aquele do bem,
mas, na verdade, o mal que estava na mente e no coração deles, o mal que estava
naquele livro penetrou em mim", Eu concluo: "Isso demonstra que em ti
já tinhas preparado o terreno favorável para aquela penetração. Isso demonstra
que és um fraco, sem energia moral e espiritual. Porque até de nossos inimigos
devemos tirar algum bem. Observando os erros deles, devemos aprender a não cair
nos mesmos.
O homem inteligente não se torna
logo joguete da primeira doutrina que ouve. O homem saturado de uma doutrina
não pode logo arranjar em si mesmo lugar para outras. Isto explica as
dificuldades que se encontram para procurar persuadir os que estão convictos de
outras doutrinas a seguirem a verdadeira Doutrina. Mas se tu me dizes que mudas
de pensamento, ao menor soprar do vento, Eu vejo que estás cheio de vazio, tens
a tua fortaleza espiritual cheia de fendas, os diques do teu pensamento estão
arrombados em mil pontos e por eles estão saindo as águas boas e entrando as
contaminadas, e tu ficas tão pasmado e apático, que nem te dás conta do que
está acontecendo. Nem tomas providências. És um infeliz. Por isso, saibais dos
dois caminhos escolher o bom e prosseguir sobre ele, resistindo, resistindo,
resistindo aos aliciamentos da sensualidade, do mundo, da ciência e do demônio.
A meia fé, os comprometimentos, os pactos entre dois que são contrários um ao
outro, deixai-os para os homens do mundo. Não deviam existir nem mesmo entre
eles, se os homens fossem honestos. Mas vós, pelo menos vós, o homens de Deus,
não os tenhais. Nem com Deus, nem com Mamon podeis tê-los. Não os tenhais,
porém, nem convosco mesmos, porque eles não teriam valor. As vossas ações
mescladas do que é bom com o que não é bom, não teriam nenhum valor. As que são
completamente boas viriam a ser depois anuladas pelas não boas. As más vos
levariam diretamente aos braços do inimigo. Não as façais, pois. Mas, sede
leais no vosso serviço. Ninguém pode servir a dois senhores que pensem
diferentemente. Ou amará a um para odiar o outro, ou vice-versa. Não podeis ser
igualmente de Deus e de Mamon. O espírito de Deus não pode conciliar-se com o
espírito do mundo. Um sobe, o outro desce. Um santifica, o outro corrompe.
E, se estais corrompidos, como
podereis agir com pureza? A sensualidade se acende nos corrompidos e, atrás da
sensualidade, as outras fomes. Vós já sabeis como Eva se corrompeu, e depois
Adão, por meio dela. Satanás beijou os olhos da mulher e os seduziu assim, de
modo que toda a aparência, até então pura, tomou nela uma aparência impura e
passou a despertar estranhas curiosidades. Em seguida, Satanás beijou-lhe os
ouvidos e os fez ficar abertos a palavras de uma ciência até então
desconhecida: a dele. Também a mente de Eva quis conhecer o que não era
necessário. Depois, Satanás, aos olhos e à mente despertados para o Mal,
mostrou o que antes não tinham visto nem compreendido, e tudo em Eva foi despertado
e corrompido e a Mulher, indo ao Homem, revelou-lhe o seu segredo e persuadiu a
Adão a que provasse do novo fruto, tão belo de ver-se e que até agora listava
proibido. E o beijou com a boca e as pupilas nas quais já estava a desordem de
Satanás. E a corrupção penetrou em Adão que viu, e através dos olhos, desejou o
que era proibido e o mordeu com a companheira caindo da grande altura em que
estava na lama.
Quando alguém está corrompido, arrasta o outro
para a corrupção, a não ser que este seja um santo no verdadeiro sentido da
palavra. Atentos com os vossos olhares, homens. Tanto com os olhares dos olhos
como os da mente. Eles, uma vez corrompidos, não podem deixar de corromper o
resto. Os olhos são a luz do corpo. Luz do coração é o teu pensamento. Mas, se
os teus olhos não forem puros, porque, pela sujeição dos órgãos ao pensamento,
os sentidos se corrompem por um pensamento corrompido, tudo em ti ficará
ofuscado, e névoas sedutoras criarão em ti fantasmas impuros. Tudo é puro em
quem tem pensamentos puros, que formam olhares puros; e a luz de Deus desce
como senhora onde não há obstáculos postos pelos sentidos. Mas se, por má
vontade, tu educaste os teus olhos para uma avisto desordenada, tudo em ti se
tornará trevas. Inutilmente tu olharas até para as coisas mais santas. No
escuro, elas não serão mais do que trevas, e tu farás obras das trevas.
Por isso, filhos de Deus, guardai a vós mesmos
contra vós mesmos. Vigiai-vos atentamente contra todas as tentações. Que
sejamos tentados não é um mal. O atleta se prepara para a vitória pela luta.
Mós o mal é ser vencidos por ter sido despreparados e desatentos. Eu sei que
tudo serve para tentar. Eu sei que a defesa enerva. Eu sei que a luta cansa.
Mas eia! Pensai no que podeis adquirir com estas coisas! E quereis vós, por uma
hora de prazer, seja lá de que qualidade for, perder uma eternidade de paz? Que
é que vos deixa o prazer da carne, do ouro e do pensamento? Nada. Que é que
adquiris, repudiando-os? Tudo. Eu falo a pecadores, porque o homem é pecador.
Pois bem, dizei-me a verdade: depois de terdes satisfeito a sensualidade ou o
orgulho, ou a avareza, vos sentistes mais viçosos, mais contentes, mais
seguros? Na hora que vem depois daquela satisfação, e que é sempre uma hora de
reflexão, tereis mesmo, sinceramente, vos sentido felizes? Eu não provei esse
pão da sensualidade. Mas Eu respondo por vós: "Não. Antes: paixão,
descontentamento, incerteza, náusea, medo, inquietação. Eis ai o que foi o suco
espremido da hora passada. "
Mas Eu vos peço. Enquanto digo:
"Nunca façais isto", também vos digo: "Não sejais inexoráveis
com os que erram. Recordai-vos que sois todos irmãos, feitos de uma carne e de
uma alma. Pensai que muitas são as causas pelas quais alguém é induzido a
pecar. Sede misericordiosos para com os pecadores e com bondade levantai-os e
conduzi-os a Deus, mostrando que o caminho por eles percorrido é cheio de
perigos pela carne, pela mente e pelo espírito. Fazei isto, é por isto
recebereis grande prêmio. Porque o Pai que está nos Céus é misericordioso com
os bons e sabe dar o cêntuplo por um.
"Eu disse que deveis ser
fiéis a Lei, humildes, misericordiosos, que deveis amar não só os irmãos pelo
sangue, mas também a quem é irmão somente por ter nascido do homem como vós. Eu
vos disse que o perdão é mais útil do que o rancor, que a compaixão é melhor do
que a inexorabilidade. Mas agora Eu vos digo que não se deve condenar se não
somos isentos daquele pecado que estamos sendo levados a condenar. Não façais
como os escribas e os fariseus, que são severos para com todos, mas não consigo
mesmos, quando chamam de impuro ao que é externo e só pode contaminar
exteriormente, mas depois acolhem no mais profundo do seio, no coração, a
impureza. Deus não está com os impuros. Porque a impureza corrompe o que é
propriedade de Deus: as almas, e especialmente as almas dos pequenos, que são
os anjos espalhados pela terra. Ai daqueles que arrancam as asas deles com uma
crueldade de feras demoníacas e derrubam estas flores do Céu na lama,
fazendo-as conhecer o sabor da matéria! Ai deles! Melhor seria que morressem
queimados por um raio, do que cometerem um pecado destes!
Ai de vós, ricos e gozadores!
Porque é justamente entre vós que fermenta a maior impureza, para a qual servem
de cama e travesseiro o ócio e o dinheiro! Agora vós estais fartos. O alimento
das concupiscências vos está chegando até a garganta e vos sufoca. Mas havereis
de ter fome. Uma fome tremenda, insaciável e sem atenuação e para sempre. Agora
estais ricos. Quanto bem podereis fazer com vossa riqueza! Mas com ela fazeis
grande mal a vós mesmos e aos outros.
Havereis de conhecer uma pobreza atroz, durante um dia que não terá fim.
Agora estais rindo. Pensais que sois uns triunfadores. Mas as vossas lágrimas
encherão os tanques da Geena, que não cessarão de encher-se.
Onde é que se aninha o adultério?
Onde há corrupção das mocinhas? Há quem tenha até duas ou três camas para o
desregramento, além da sua própria de esposo, e sobre elas vai derramar o seu
dinheiro e o vigor de um corpo que Deus lhe deu, cheio de saúde, a fim de que
ele possa trabalhar pela sua família e não fique se esgotando em sujas uniões,
que o colocam abaixo de um animal imundo?
Já ouvistes o que foi dito:"
Não cometas adultério". Mas Eu vos digo que quem tiver olhado para uma
mulher desejando-a, e também a que olhar para um homem desejando-o, ainda que
fique só nesse desejo, já cometeu adultério em seu coração.
Nenhuma razão justifica a
fornicação. Nenhuma. Nem o abandono e o repúdio por parte do marido. Nem a
compaixão para com a repudiada. Vós tendes uma só alma. Quando ela está unida a
uma outra por um pacto de fidelidade seja-lhe fiel. Porque senão, o belo corpo
pelo qual pecais irá convosco, ó almas impuras, para as chamas intermináveis.
Antes mutilá-lo do que matá-lo para sempre, condenando-o. Voltai atrás, ó
homens, ó ricos, ó latrinas dos vermes do vício! Voltai, homens, para que não
causais repugnância ao Céu.
Maria que a princípio estava escutando com um rosto cheio de
sedução e de ironia, dando de vez em quando até umas risadinhas de zombaria, ao
fim do discurso está com o rosto sombrio de tanta raiva. Compreende que sem
olhar para ela, é a ela que Ele está falando. Sua ira se torna cada vez mais
torva e rebelde e, por fim, ela não resiste. Envolve-se, despeitada, no seu véu
e, acompanhada pelos olhares da multidão que zomba dela e pela voz de Jesus que
a persegue, põe-se a correr pela encosta abaixo, deixando pedaços de suas
vestes por entre os cardos e as moitas de roseiras caninas que estão à beira do
caminho, e se ri de raiva e de escárnio.
Não vejo mais nada. Mas Jesus diz: “Verás
ainda.”
Jesus recomeça: “Vós estais irritados com o que
aconteceu. Já há dois dias que o nosso refúgio, que está bem alto e acima da
lama, vem sendo perturbado pelo silvo de Satanás. Já aqui não é mais um refúgio
e nós o vamos deixar. Mas Eu quero terminar para vós este código do que é
"mais perfeito", ainda aqui nesta amplidão cheia de luzes e
horizontes. Aqui realmente Deus aparece em sua majestade de Criador e, vendo as
suas maravilhas, podemos chegar a crer firmemente que Ele é que é o Senhor e
não Satanás. O Maligno não poderia criar nem um caule de erva. Mas Deus tudo
pode. Que isso seja um conforto para vós. Mas agora estais todos ao Sol. E isso
vos faz mal. Espalhai-vos, então, pelas encostas. Por lá há sombra e frescor.
Tomai agora a vossa refeição, se o quiserdes. Eu vou falar-vos sobre o mesmo
assunto. Muitos motivos fizeram que o tempo se prolongasse. Mas não vos
aborreçais com isto. Aqui estais com Deus."
A
multidão grita: "Sim, sim. Contigo.", e vai para a sombra das moitas
espalhadas por todo o lado oriental, de tal modo que a parede e as ramagens
formam também um abrigo contra o Sol, que já está muito quente. Enquanto isso,
Jesus manda Pedro desmontar sua tenda.
"Mas... vamos embora mesmo?"
"Sim."
"Por que ela veio?"
"Sim.
Mas não o contes a ninguém, especialmente Zelote. Ele ficaria aflito por causa
de Lázaro. Eu não posso permitir que a palavra de Deus seja feita objeto de
escárnio dos pagãos.”
"Entendo, entendo..."
"Então
entenderás também uma outra coisa."
"Qual é, Mestre?"
"A
necessidade de calar em certos casos. Eu confio em ti. Tu me és tão querido,
mas és também tão impulsivo, que costumas sair com umas observações
irritantes."
"Compreendo... Não queres por
causa do Lázaro e de Simão."
"E
por outros também."
"Pensas que estarão aqui hoje?"
"Hoje,
amanhã, depois de amanhã e sempre. Sempre será necessário vigiar a
impulsividade de meu Simão de Jonas. Vai, vai fazer o que te mandei."
Pedro lá se vai, chamando os
companheiros para ajudá-lo. Iscariotes ficou a um canto pensativo. Jesus o chama.
Chama três vezes, porque ele não está ouvindo. Finalmente, se vira:
"Precisas de mim Mestre?", pergunta.
“Sim.
Vai tu também tomar a tua refeição e ajudar os companheiros.”
" Eu não estou com fome. Nem Tu
estás."
“Nem
Eu. Mas por motivos apostos. Estás perturbado, Judas?"
"Não, Mestre. Estou cansado."
"Agora
vamos para o lago e depois para a Judéia, Judas. E também à casa de tua mãe. Eu
te prometi."
Judas se reanima. "Irás mesmo
comigo sozinho?
"Mas
isto é certo. Procura querer-me bem, Judas. Eu desejaria que o meu amor
estivesse em ti, a ponto de te preservar de todo mal.”
"Mestre... eu sou um homem. Não
sou anjo. Tenho momentos de cansaço. Será pecado ter necessidade de
dormir?"
"Não,
cantante que durmas sobre o meu peito. Olha o povo como está feliz, e como é
alegre a paisagem por aqui. Mas deve estar muito bonita também a Judéia, agora
na primavera."
"Belíssima, Mestre, somente que
lá, sobre as montanhas, que são mais altas que as daqui, a primavera chega mais
tarde. Mas lá há flores belíssimas. Os pomares são um esplendor. O meu, que é o
cuidado especial da mamãe, é um dos mais belos. E, quando ela vai andando por
ele, com os pombos correndo atrás dela para ganharem grãos, podes crer que só o
ver isto já nos faz ficar sereno o coração."
"Eu
creio. Se minha Mãe não estiver cansada demais, Eu gostaria de levá-la à casa
da tua. Elas iriam gostar uma da outra, porque as duas são boas."
Judas, seduzido por esta ideia, fica
sereno e, esquecendo-se de "não estar com fome e de estar cansado', corre
até os companheiros, rindo de alegria e, como ele é alto, vai desatando os nós
mais altos sem se cansar, e comendo o seu pão com azeitonas, alegre como um
menino. Jesus olha para ele com compaixão e depois se encaminha para onde estão
os apóstolos. Aqui está o pão, Mestre. E um ovo. Eu o pedi àquele rico lá
vestido de vermelho. Eu lhe disse: "Tu estás ouvindo, e estás feliz Ele
está falando e está esgotado. Dá-me um dos teus ovinhos. Ele fará mais bem a
Ele do que a ti."
"Mas,
Pedro!"
"Não, Senhor! Estás pálido como um
menino agarrado a um peito vazio e estás ficando magro como um peixe depois de
seus amores. Deixa que eu o faça. Não quero ter reprovações a fazer-me. Agora,
eu vou colocá-lo nesta cinza quente, feita com os gravetos que eu queimei e Tu,
bebe-o. Mas, sabes que são... quantos dias são? Certamente são semanas que não
se come senão pão e azeitonas e um pouco de leite de figo! Que regime alimentar
é esse? E Tu comes menos que os outros e falas mais que todos. Aqui está o ovo.
Bebe-o morno, que faz bem."
Jesus obedece, e vendo que Pedro está
comendo só pão, pergunta-Ihe: "E tu? As azeitonas?"
"Sss! Elas me vão servir depois.
Eu as prometi."
"A
quem?"
"A uns meninos. Mas, se eles não
ficarem em silêncio até o fim, eu como as azeitonas, e dou a eles os caroços,
isto é, uns tapas."
"Mas,
muito bonito!"
"Eh! Eu não os darei nunca. Mas,
se não se fizer assim! Eu mesmo levei tantos deles, que, se tivessem que dar-me
tantos, quantos eu merecia pelas minhas molecagens, eu teria que levar dez
vezes mais. Mas fazem bem. Eu sou assim, porque os levei. " Riem todos da
sinceridade do apóstolo. "Mestre, eu quereria dizer-te que hoje é
sexta-feira, e que esse povo... não sei se vai poder achar comida em tempo para
amanhã, ou alcançar suas casas," diz Bartolomeu.
"É verdade. É sexta-feira",
dizem muitos deles.
"Não
importa. Deus proverá. Mas nós o diremos a eles."
Jesus se levanta, e vai para o seu novo
lugar, pelo meio da multidão espalhada por entre as moitas.
"A
primeira coisa que Eu vos lembro e que hoje é sexta-feira. Agora Eu vos digo
que quem achar que não vai poder chegar a tempo em suas casas, e não for capaz
de chegar a crer que Deus dará amanhã alimento aos seus filhos, esse poderá
retirar-se já, de modo que o pôr do Sol não o apanhe no caminho." Do meio da multidão levantam-se umas cinquenta pessoas.
Todos os demais permanecem onde estão. Jesus sorri, e começa a falar.
“Vós ouvistes que foi dito antigamente: "Não
cometas adultério." Alguém entre vós já me ouviu em outros lugares, sabe
que muitas vezes Eu tenho falado sobre este pecado. Porque, vede bem, para Mim
é um pecado feito não só por um, mas por duas ou três pessoas. Eu me explico. O
adúltero peca por si, peca pela sua cúmplice, peca levando a Mulher a pecar ou
o marido traído, o qual, ou a qual, podem chegar desespero ou ao delito. Isto
se diga para o pecado consumado.
Mas Eu digo mais. Eu digo:
"Não só o pecado consumado, mas o desejo de consumá-lo, já e pecado."
Que é o adultério? Ele consiste em desejar febrilmente aquele que não é nosso
ou aquela que não é nossa. Começa-se a pecar pelo desejo, continua-se pela
sedução, completa-se pela persuasão, e coroa-se com o ato. Como se começa?
Geralmente por um olhar impuro. E isto se une a tudo o que Eu disse antes. Os
olhos impuros veem o que está escondido aos puros é pelos olhos é que a sede
entra nas gargantas, a fome no corpo e a febre no sangue. Sede, fome e febre
carnais. Tem início o delírio. Se o outro, o que está sendo olhado é honesto,
eis que o delirante fica sozinho, revolvendo-se sobre os seus carvões ardentes,
ou então chega a denegrir por vingança. Se o olhado também é desonesto, então
ele corresponde aos olhares e ai já começa a descida para o pecado. Por isso,
Eu vos digo: "Quem olhou para uma mulher com o desejo dela, já cometeu o
adultério com ela, porque em seu pensamento já cometeu o ato do seu
desejo."
Em vez de fazer isso, se o teu
olho direito for para ti ocasião de escândalo, arranca-o, e joga-o para longe
de ti. E melhor para ti que fiques sem um olho, do que te precipitares nas
trevas infernais para sempre. E se a tua mão direita pecou, amputa-a e joga-a
fora. Melhor para ti e estares sem um membro do que seres com todos os membros
no inferno. É verdade que está dito que os aleijados não podem servir a Deus no
Templo. Mas, na outra vida, os aleijados de nascença que sejam santos, ou os
aleijados por virtude, se tornarão mais belos do que os anjos, e servirão a
Deus, amando-o na alegria do Céu.
Também foi-vos dito: "Quem
quer que seja que mande embora sua mulher dê-lhe o libelo do divórcio".
Mas isto está reprovado. Isto não vem de Deus. Deus disse a Adão: "Esta é
a companheira que fiz para ti. Crescei e multiplicai-vos sobre a terra,
enchei-a e tornai-a sujeita a vós." E Adão, cheio de uma inteligência superior,
porque o pecado ainda não tinha ofuscado a sua razão, pois esta havia sido
criada perfeita por Deus, exclamou: "Eis que finalmente aqui está o osso
dos meus ossos e a carne de minha carne. Esta vai chamar-se Virago, isto é,
outro eu, porque foi tirada do homem. Por isso o homem deixará seu pai e sua
mãe, e os dois se tornarão uma só carne. "E, em um muito grande esplendor
de luzes, a Eterna Luz aprovou com um sorriso a palavra de Adão, que se tornou
a primeira e irrevogável lei.
Agora, se pela dureza sempre
crescente do homem, o homem legislador teve que estabelecer um novo código; se,
pela volubilidade sempre crescente do homem, ele teve que pôr-lhe um freio,
dizendo: "Mas, se a repudiaste, não a podes mais tomar contigo", isto
não revoga a primeira e genuína lei, que nasceu no Paraíso Terrestre, e foi
aprovada por Deus. Eu vos digo: "Quem quer que seja que mande embora a
própria mulher, a não ser em caso de provada fornicação, a expõe ao
adultério." Porque, de fato, que é que vai fazer, em noventa por cento dos
casos, a mulher repudiada? Ela irá casar-se de novo. E quais as consequências
disso? Oh! Sobre isso, quanto haveria para se dizer! Não sabeis que podeis
provocar até incestos involuntários com este modo de proceder? Quantas lágrimas
já se derramaram por causa de luxúria! Sim. Luxúria. Não tem outro nome. Sede
sinceros. Tudo se pode superar, quando o espírito é reto. Mas tudo serve de
motivo para satisfazer-se a sensualidade, quando o espírito é luxurioso: a
frigidez feminina, a lentidão dela, a incapacidade no que se refere aos
serviços da casa, a língua desenfreada, o amor ao luxo, tudo isso se suporta, e
até as doenças, até a irascibilidade, quando os dois se amam santamente. Mas,
visto que, depois de algum tempo já não se amam mais como no primeiro dia, aí,
então, começou a achar impossível o que é mais que possível, e se joga uma
pobre mulher na rua, a caminho da perdição.
Comete adultério quem a rejeita.
Comete adultério quem se casa com ela, depois do repúdio. Somente a morte pode
dissolver o matrimônio. Recordai-vos disso. E, se fizestes uma escolha infeliz,
arcai com as consequências dela, como quem tem que levar uma cruz, sendo dois
infelizes, mas santos, e sem criar mais infelicidade nos filhos, pois eles,
inocentes, são os que mais sofrem nessas tristes situações. O amor aos filhos
deveria fazer-vos meditar cem vezes e até mais, mesmo caso da morte de um dos
cônjuges. Oh! Se soubésseis contentar-vos com tudo o que tendes tido, quando
Deus vos disse: "Basta isto!" Se soubésseis vós, viúvos, e vós,
viúvas, ver na morte não uma diminuição, mas uma elevação à perfeição de
procriadores! Ser mãe para a mãe falecida! Ser pai até para o pai falecido! Ser
duas almas em uma só, recolher o amor pelos filhos sobre os lábios gelados de
um moribundo, e dizer: "Vai em paz, sem preocupação por aqueles que de ti
vieram. Eu continuarei a amá-los, por ti e por mim, a amá-los duas vezes, serei
para eles pai e mãe, e a infelicidade dos órfãos já não pesará sobre eles, e
nem mesmo sentirão o inato ciúme do filho o cônjuge que se casou de novo, por
aquele ou por aquela que vem ralar o lugar sagrado da mãe ou do pai, que por
Deus foram chamados para outra morada".
Filhos, minhas palavras estão
chegando ao fim, como está chegando ao fim este dia que já declina com Sol para
o lado do ocidente. Desta reunião no monte quero que vos lembreis das palavras
que aqui vos foram ditas. Esculpi-as em vossos corações. Tornai a lê-las
seguidamente. Que elas vos sirvam sempre de guia. E sobretudo sede bons com
quem é fraco. Não julgueis para não serdes julgados. Recordai-vos de que
poderia chegar o momento no qual Deus vos fizesse lembrar: "Assim tu
julgaste. Por isso sabias que isso era mal. Com conhecimento do que fazias,
cometeste o pecado. Cumpre agora a tua pena.” A caridade já é uma absolvição.
Tende a caridade em vós para com todos e sobre tudo. Se Deus vos dá tantos
auxílios para que vos conserveis retos, não vos enchais de orgulho por isso.
Mas procurai subir, porque longa é a escada da perfeição e estendei a mão aos
cansados, aos ignorantes, aos que são presas de súbitas desilusões. Por que
ficar observando com tanta atenção o cisão no olho do teu irmão, se não
procuras tirar antes a trave que está no teu? Como podes dizer ao teu próximo:
"Deixa que eu tire do teu olho esse cisão, enquanto a trave que está no
teu te faz cego? Não sejas hipócrita, filho: tira primeiro a trave que está no
teu olho e, depois, poderás tirar o cisão do olho do teu irmão, sem que o leses
gravemente. Assim como não deveis cometer faltas de caridade, não tenhais
também a imprudência. Eu vos disse: "Estendei vossas mãos aos cansados,
aos ignorantes, àqueles que são presas de imprevistas desilusões." Mas, se
é caridade instruir os ignorantes, animar os cansados, dar novas asas àqueles
que, por muitas causas, as quebraram e imprudência revelar as verdades eternas
aos que estão infeccionados pelo satanismo, os quais se apropriam delas para se
fingirem de profetas, para se insinuarem entre os simples, para corromper,
falsificar e sujar sacrilegamente as coisas de Deus.
Respeito absoluto, saber falar e saber
calar-se, saber refletir e saber agir, aí estão as virtudes do verdadeiro
discípulo para fazer prosélitos e servir a Deus. Vós tendes uma razão e, se
usais dela com justiça, Deus vos dará todas as suas luzes, para guiar ainda
melhor a vossa razão. Pensai que as verdades eternas são semelhantes a pérolas
e nunca se viu jogar pérolas aos porcos, que preferem as bolotas e a lavagem
mal cheirosa às pérolas preciosas, e até as esmagariam sem dó com os seus pés,
para depois com a fúria de quem foi ludibriado, virarem-se contra vós para
despedaçar-vos. Não deis as coisas santas aos cães. Isto serve para agora e
para depois. Muitas coisas Eu vos disse, meus filhos. Escutai as minhas
palavras; quem as escuta e as põe em prática é comparável a um homem que
refletiu, quando queria construir uma casa e escolheu um lugar rochoso.
Certamente ele se cansou para construir as bases. Teve que trabalhar com
picareta e buril, teve que calejar suas mãos e cansar os seus rins. Mas depois
ele pôde passar argamassa de cal nas fendas da rocha e ir colocando os tijolos
e fechando com eles as paredes, formando como que uma fortaleza, e a casa foi
crescendo tanto, sólida como um monte. Vieram as intempéries, os aguaceiros. As
chuvas fizeram transbordar os rios, assobiaram os ventos, as ondas bateram na
casa, mas ela resistiu a tudo. Assim é aquele que tem uma fé bem fundada. Mas,
ao contrário, quem ouve com superficialidade e não se esforça para gravar em
seu coração as minhas palavras, porque sabe que isso exige trabalho, que é
preciso passar pela dor extirpar muitas coisas, esse tal é semelhante a quem
por preguiça e estultícia constrói sua casa sobre a areia.
Nem ainda bem chegou a tempestade, a casa,
rapidamente construída, rapidamente cai, e o estulto fica olhando desolado para
os escombros dela e para a ruína do seu capital. Mas aqui há mais do que uma
ruína, porque esta ainda pode ser reparada com despesas e trabalho. Aqui, tendo
vindo abaixo o edifício mal construído de um espírito, não se tem mais nada
para construí-lo de novo. Na outra vida não se edifica. Ai de quem lá se
apresentar com escombros! Terminei.
Agora, vou descer para o lago e vos abençoo em nome de Deus Uno e Trino. A
minha paz esteja convosco."
Pg. 115-135
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176 – NO DESCANSO DO SÁBADO O
ÚLTIMO SERMÃO DA MONTANHA. AMAR A VONTADE DE DEUS
1° de junho de 1945.
Jesus naquela noite tornou a subir para
a montanha e afastou-se um pouco, de sorte que, ao romper da aurora, já podia
ser visto de pé no alto de um barranco. Pedro, que o vê, o mostra aos seus
companheiros e eles sobem ao encontro dele.
"Mestre, por que não vieste
conosco?" Perguntam alguns.
"Eu
tinha necessidade de rezar."
"Mas tens também tanta necessidade
de repousar."
"Meus
amigos, de noite uma voz veio do Céu pedindo oração pelos bons e pelos maus e
também por mim mesmo."
"Por que? Tens necessidade
disso?"
"Como
os outros. A minha força se nutre de oração e a minha alegria de fazer o que o
meu Pai quer. O Pai me falou de dois nomes de pessoas e de uma dor para mim.
Estas três coisas têm muita necessidade de oração."
Jesus está muito triste e olha para os
seus com uns olhos que parecem estar pedindo uma coisa ou fazendo uma pergunta.
Seus olhos pousam sobre este e aquele, mas, enfim, pousam sobre Judas
Iscariotes e sobre ele param. O apóstolo nota isso, e pergunta: "Por que olhas
assim para mim?"
"Eu
não te via. Meus olhos estavam vendo outra coisa..."
"Que é?"
"É
a natureza do discípulo. Todo o bem e todo o mal que um discípulo pode fazer a
seu Mestre. Eu estava pensando nos discípulos nos Profetas e nos de João.
Pensava também nos meus próprios. E rezava por João, pelos discípulos e por mim..."
"Estás triste e cansado esta
manhã, Mestre. Conta as tuas aflições a quem Te ama", lhe diz Tiago de
Zebedeu.
"Sim, conta-o, e, se houver alguma
coisa que possamos fazer para aliviar-te, nós o faremos", diz-lhe Judas,
seu primo. Pedro está falando com Bartolomeu e Filipe, mas eu não entendo o que
eles estão dizendo.
Jesus responde: "Que
sejais bons. Esforçai-vos para serdes bons e fieis. Este é o meu alivio. Não há
nenhum outro, Pedro. Entendeste? Deixa de lado as suspeitas. Procurai querer-me
bem e querer-vos bem, não vos deixeis seduzir pelos que me odeiam, procurai
principalmente querer bem à vontade de Deus."
"Eh! Mas, se tudo vem dela, também
os nossos erros dela virão", exclama Tomé com ar de filósofo.
"Achas
que e assim? Mas não é assim. Mas muita gente já se levantou, e está olhando
para cá. Vamos descer. E vamos santificar o dia santo com a palavra de
Deus."
Descem, enquanto os adormecidos vão
acordando em número cada vez maior. As crianças, alegres como passarinhos, já estão tagarelando,
correndo e saltando por entre os campos, tomando um bom banho de orvalho, o que
provoca um ou outro pescoção, acompanhado do consequente choro. Depois as
crianças correm até Jesus, que as acaricia, e com isso Ele reencontra o seu
sorriso, como se reproduzisse em si aquelas alegrias inocentes. Uma menina quer
colocar na cintura dele um ramalhete de flores, que ela apanhou nos prados,
“porque sua veste fica mais bonita assim”, diz ela, e Jesus a deixa fazer isso,
apesar dos Apóstolos estarem resmungando e por isso Jesus diz: “Mas
ficai contentes porque elas me amam! E o amor das crianças tira as tristezas do
meu coração.”
Ao mesmo tempo, chegam, e vêm vindo no meio dos peregrinos
Jesus, que havia descido da montanha, e o escriba João que vem de sua casa com
muitos empregados trazendo cestas de pão, outros trazendo azeitonas, pequenos
queijos e um cordeirinho, ou cabritinho, assado especialmente para o Mestre.
Tudo é colocado aos pés dele, que cuida de distribuí-los, dando a cada um, um
pão, um pedaço de queijo e um punhado de azeitonas. Mas, uma mãe, que traz
ainda ao peito um menino gorducho, que está rindo com os seus dentinhos novos,
Ele dá com o pão um pedaço de cordeiro assado, e o mesmo faz com outros dois ou
três, que parecem estar necessitados de um alimento especial.
“Mas isso é para Ti”, diz o escriba.
“Eu irei saboreá-lo, não duvides.
Mas vê... se Eu sei que a tua bondade é para muitos, em Mim aumenta o sabor”.
A distribuição termina, e o povo já está partindo o pão e
reservando uma parte dele para as outras horas. Também Jesus bebe um pouco do
leite que o escriba quis encher para Ele uma taça preciosa, ao tirar o leite de
um frasquinho que é trazido por um dos servos (parece um bilha).
“Mas, Tu me deves contentar, dando-me a alegria de ouvir-te”,
diz João, o escriba, que foi saudado por Hermes com grande respeito, e com
respeito ainda maior por Estevão.
“Não irei negar-te isso. Vem cá
para a frente”, e Jesus,
tendo-se encostado no monte, começa a falar.
“A vontade de Deus nos deteve
neste lugar, porque ir para adiante, depois da caminhada que já fizemos, teria
sido uma violação dos preceitos e motivo de escândalo. E que isto não aconteça
nunca, enquanto a Nova Aliança não for escrita. É justo santificar as festas e
louvar o Senhor nos lugares de oração. Mas todo o criado pode ser lugar de
oração, desde que as criaturas saibam fazê-lo com sua elevação para o Pai. A
Arca de Noé, à deriva sobre as águas, foi lugar de oração, o lugar de oração
para Jonas foi o ventre da baleia. Foi lugar de oração a casa do Faraó,
enquanto José nela morou, e a tenda de Holofermes para a casta Judite. E não
era tão consagrado ao Senhor o lugar corrompido onde vivia como escravo o
Profeta Daniel, consagrado por causa as santidade do servo que santificava
aquele lugar, a ponto de merecer as altas profecias sobre o Cristo e o
Anticristo, chaves dos tempos de agora e dos últimos tempos? Com maior razão,
santo é este lugar que, por suas cores, pelos seus perfumes, pela pureza do seu
ar, pela riqueza de seus trigais e pelas pérolas de suas orvalhadas, fala de
Deus Pai e Criador, e diz: “Eu creio. E vós também credes, porque nós damos
testemunho de Deus.” Seja ele para nós a sinagoga, neste sábado e nele leiamos
as páginas sobre as corolas e as espigas, tendo como lâmpada sagrada o sol.
Eu vos falei de Daniel.
Disse-vos: “Seja este lugar a nossa sinagoga”. Isto nos faz lembrar do jubiloso
“bendizei” dos três santos jovens entre as chamas da fornalha: “Céus e águas,
orvalhos e geadas, gelos e neves, fogos e cores, luzes e trevas, relâmpagos e
nuvens, montes e colinas, todas as coisas germinadas, passarinhos, peixes e
feras, louvai e bendizei o Senhor, juntos com os homens de coração humilde e
santo”. Este é um resumo do cântico santo que tanto ensina aos humildes e
santos. Podemos rezar e podemos merecer o Céu em qualquer lugar. Nós o
merecemos, quando fazemos a vontade do Pai.
Quando este dia começou,
fizeram-me observar que, se tudo vem da vontade de Deus, também os erros dos
homens são queridos por Ele. Isto é um erro e um erro muito difundido. Haverá
um pai que possa querer que seu filho se torne condenável? Não pode. O que
vemos, até nas famílias, são alguns filhos que se tornaram condenáveis, mesmo
tendo eles um pai justo, que lhes mostra o bem que se deve fazer e o mal do
qual se deve fugir. E ninguém que seja reto, acusa aquele pai de ter incitado o
filho para o mal.
Deus é Pai, os homens são os
filhos. Deus mostra o bem e diz: “Eis que eu te ponho nesta contingência para o
teu bem”, ou também quando o Maligno e os homens seus servos procuram
infelicidade para o homem, Deus diz: “Eis que nesta hora penosa tu ages assim,
e, assim fazendo, este mal vai servir para um eterno bem.” Vos aconselha. Mas
não vos força. E então se alguém, mesmo sabendo qual é a vontade de Deus,
prefere fazer tudo ao contrário, pode-se dizer que esse oposto é que é a
vontade de Deus? Não se pode.
Amai a vontade de Deus. Amai-a
mais do que a vossa e segui-a contra as seduções e potências das forças do
mundo, da carne e do demônio. Também essas coisas têm aas suas vontades. Mas em
verdade Eu vos digo que é bem infeliz quem a elas se apega. Vós me chamais de
Messias e Senhor. Vós dizeis que me amais e me cantais hosanas. Vós me seguis,
e isso parece amor. Mas, em verdade, Eu vos digo que nem todos entre vós
entrarão comigo no Reino dos Céus. Mesmo entre os meus mais antigos e próximos
discípulos, haverá aqueles que ali não entrarão, porque muitos farão a sua vontade,
e a vontade da carne, do mundo e do demônio, mas não a do meu Pai. Não quem me
diz: “Senhor! Senhor!” entrará no Reino dos Céus, mas os que fazem a vontade de
meu Pai. Somente esses entrarão no Reino de Deus.
Dia virá no qual Eu, que vos
estou falando, depois de ter sido Pastor, serei Juiz. Que não vos iluda o
aspecto atual. Agora meu cajado reúne as almas dispersas e é doce para vos
convidar a vir ás pastagens da Verdade. Então o cajado será substituído pelo
cetro do Juiz Rei, e bem outro vai ser o meu poder. Não com doçura, mas com uma
justiça inexorável, é que Eu irei separar as ovelhas apascentadas pela Verdade
das que misturaram a Verdade com o erro, ou nutriram-se somente com o erro. Uma
primeira vez e depois ainda uma outra Eu farei isso. E ai daqueles, entre a
primeira e a segunda aparição diante do Juiz, não se tiverem purificado, pois
não poderão mais purificar-se dos seus venenos. A terceira categoria não se
purificará. Pena alguma conseguiria purificá-la. Ela quis somente o erro e que
no erro fique.
E mesmo entre estes, ainda haverá
quem gema dizendo: “Mas como Senhor? Nós não profetizamos em teu nome, em teu
nome não expulsamos os demônios, em teu nome não fizemos muitos prodígios?” E
Eu, naquele momento, com toda a clareza, lhes direi: “Sim, vós ousastes
revestir-vos com o meu Nome a fim de parecerdes ser quem não éreis. Quisestes
fazer passar o vosso satanismo, como se estivésseis vivendo vossa vida em
Jesus. Mas os frutos de vossas obras vos acusa. Onde estão os que vós
salvastes? As vossas profecias, onde foi que se cumpriram? Os vossos
exorcismos, a que conclusão chegaram? Os vossos prodígios, que cúmplices
tiveram? Oh! bem que tem poder o meu inimigo! Mas não é maior do que o meu. Ele
vos ajudou, mas foi para fazerdes maior presa e, por vosso trabalho, o círculo
dos pervertidos pela heresia cresceu muito. Sim, vós fizestes prodígios. E até
aparentemente, maiores do que os dos verdadeiros servos de Deus, os quais não
são estriões para fazerem as multidões ficarem embasbacadas, mas têm uma humildade
e uma obediência que fizeram ficar maravilhados os anjos. Estes, os meus
verdadeiros servos, com suas imolações, não criam fantasmas, mas os destroem
nos corações, estes, os meus verdadeiros servos, não se impõem aos homens, mas
mostram Deus às almas dos homens. Eles não fazem mais que a vontade do Pai, e
levam os outros a cumpri-la, assim como a onda impele e atrai a onda que a
precede e a que a segue, sem precisar colocar-se em um trono, para dizer a
elas: “Prestai atenção!” Eles, os meus verdadeiros servos, fazem o que Eu digo,
sem pensar senão em fazê-lo e as suas obras têm um sinal meu, uma paz
inconfundível, de humildade e ordem. Por isso, Eu posso dizer-vos: estes são os
meus servos, a vós, Eu não vos conheço. Ide-vos embora, para longe de Mim, vós
todos praticantes de iniquidades.
Isso será o que direi, então. E
será esta uma palavra terrível! Tomai cuidado para que não a mereçais, e vinde
pelo caminho seguro, ainda que difícil, da obediência, para alcançardes a
glória do Reino dos Céus. Agora, gozai do vosso repouso do sábado, louvando a
Deus com todo o vosso ser. A paz esteja com todos vós.”
E Jesus abençoa a multidão, antes que ela se disperse, à
procura de sombra, falando um grupo com o outro, e comentando as palavras que
ouviram. Ao lado de Jesus ficam os apóstolos e o escriba João, que não fala,
mas está meditando profundamente e estudando a Jesus em todos os seus atos.
E o ciclo da montanha termina aqui.
Pg. 141 a 145
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177 – CURA DO SERVO DO CENTURIÃO
Vindo das campinas, Jesus entra em
Cafarnaum. Estão com Ele somente os doze, ou melhor, os onze apóstolos, porque
não está João. As saudações costumeiras do povo são de uma gama muito variada
em suas expressões, desde aquelas que guardam toda a simplicidade das crianças,
aquelas um pouco tímidas das mulheres, aquela extasiada dos miraculados até
aquelas dos curiosos ou irónicos. Há delas para todos os gostos. E Jesus
responde a todos, conforme é saudado: com carícias às crianças; bênçãos às
mulheres; sorrisos aos miraculados e com respeito profundo pelos outros. Mas
desta vez àquela série une-se a saudação do centurião do lugar, creio. Ele o
saúda com o seu "Salve, Mestre", ao qual Jesus responde com o seu "Que
Deus venha a ti." O romano prossegue, enquanto a
multidão se aproxima curiosa de ver como vai ser aquele encontro: "Fazem
muitos dias que Te espero. Tu não me reconheces entre os ouvintes do monte. Eu
estava vestido como civil. Não me perguntas porque vim?"
"Não
te pergunto isto. Que queres de mim?"
"A ordem é seguir aqueles que
promovem ajuntamentos de pessoas, porque muitas vezes Roma teve que
arrepender-se por ter dado licença para reuniões, que eram só de aparência honesta.
Mas, depois de ver e ouvir, fiquei pensando em Ti como um... como um. Tenho um
servo doente, Senhor. Ele jaz em minha casa, no seu leito, paralisado por uma
doença nos ossos e sofre terrivelmente. Os nossos médicos não o curam. Os
vossos, que convidei a vir porque são males que vem dos ares corrompidos destas
regiões, e vós as sabeis curar com as ervas do solo febriculoso da praia onde
estagnam as águas antes de serem bebidas pelas areias do mar, se recusaram a
vir. E sofro por ele, porque se trata de um servo fiel."
"Eu
irei e o curarei.”
"Não, Senhor. Não peço que faças
tanto. Eu sou um pagão, sujeira para vós. Se os médicos hebreus temem
contaminar-se ao pôr os pés em minha casa, com mais razão é contaminação para
Ti, que és divino. Eu não sou digno de que Tu entres sob o meu teto. Mas se Tu
dizes daqui mesmo uma só palavra o meu servo ficará são, porque Tu comandas a
tudo o que existe. Ora se eu, que sou um homem colocado sob tantas autoridades
das quais a primeira é Cesar, pelo qual devo fazer, pensar e agir como me é
mandado, por minha vez posso mandar sobre os soldados que estão sob as minhas
ordens e se digo a um "Vai" e a outro "Vem", e ao meu servo
"Faça isto", um vai onde mandei, o outro vem porque chamo e o terceiro
faz aquilo que digo, Tu que és quem és, serás logo obedecido pela doença, e ela
irá embora. "
"A
doença não é um homem...", objeta-lhe Jesus.
"Tu também não és um homem, mas és
o Homem. Podes, portanto, dar ordens até aos elementos e às febres, pois tudo
está sujeito ao teu poder." Alguns dos maiorais de Cafarnaum levam Jesus
para um lado, e lhe dizem: "Ele é um romano, mas Tu, ajuda-o, pois é um
homem de bem, e ele nos respeita e ajuda. Basta dizer que ele próprio construiu
a nossa sinagoga e manda seus soldados que não fiquem zombando de nós aos
sábados. Faze, pois, este favor a ele, por amor à tua cidade, para que ele não
fique decepcionado e irritado, e o seu amor não se transforme em ódio contra
nós."
E Jesus, tendo ouvido a estes e aquele
vira-se, sorrindo, para o centurião, e diz: "Vai indo à frente, que Eu vou
depois."
Mas o centurião torna a dizer:
"Não, Senhor, eu já disse: grande honra para mim seria que Tu entrasses
sob o meu feto, mas eu não mereço tudo isso. Dize somente uma palavra, e o meu
servo ficará curado. "
"Assim
seja. Vai com fé. Neste mesmo instante a febre o está deixando e a vida está
voltando aos seus membros. Faze que também à tua alma venha a vida. Vai."
O centurião faz a saudação militar,
depois se inclina, e vai. Jesus o vê ir embora e depois dirige-se aos presentes
e diz: "Em
verdade, Eu vos digo que não encontrei uma fé tão grande em Israel! Oh! É mesmo
verdade! “O povo, que ia caminhando nas trevas, viu uma grande luz. Sobre os
que moravam na escura região da morte, a luz resplandeceu", e ainda: "O
Messias, tendo erguido sua bandeira sobre as nações, as irá reunir!" Oh!
Meu Reino! Verdadeiramente, elas afluirão para ti em um número incalculável!
Muito mais que todos os camelos de Madiã e de Efa e os transportadores do ouro
e incenso de Sabá, mais numerosos do que todos os rebanhos de Cedar, e os
carneiros de Nabaiot, numerosos serão aqueles que hão de vir a ti e o meu
coração se dilatará de alegria, quando Eu vir que estão vindo a mim os povos do
mar e as potências das nações. As ilhas me estão esperando para me adorar e os
filhos dos estrangeiros é que construirão as paredes de minha Igreja, cujas
portas estarão sempre abertas para acolher os reis e a força das nações e para
santificá-las em mim. Isto, que Isaías viu, certamente vai-se cumprir. Eu vos
digo que muitos virão do Oriente e do Ocidente para sentarem-se com Abraão,
Isaac e Jacó no Reino dos Céus, enquanto que os filhos do Reino serão lançados
nas trevas lá fora, onde haverá choro e ranger de dentes."
"Então, será que estás
profetizando que os pagãos serão iguais aos filhos de Abraão?"
"Iguais,
não, superiores. Não vos desgosteis com isso, isso vai ser por culpa vossa. Não
Eu, mas os Profetas o dizem, e os sinais já o confirmam. Agora, alguém de vós
vá até a casa do centurião, para verificar como de lato o servo dele está
curado, pois a fé do romano o merecia. Vamos. Talvez em casa haja doentes
esperando a minha ida até lá." E Jesus
com os apóstolos e mais um ou outro vão indo a casa em que Ele tem ficado nos
dias em que está em Cafarnaum, pois a maior parte do povo, com um grande
vozerio, se dirige precipitadamente para a casa do centurião.
Pg. 145 – 147
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179 – A
PARÁBOLA DO SEMEADOR. EM COROZAIM COM O NOVO DISCÍPULO ELIAS
Diz-me Jesus, mostrando-me a correnteza
do Jordão, ou melhor, a entrada do Jordão no lago de Tiberíades, no ponto em
que se estende a cidade de Betsaida sobre a beira direita do rio para quem está
virado para o norte: "Agora a cidade não parece mais estar à beira do lago,
mas um pouco para dentro, no interior. E isso desorienta os estudiosos. A
explicação deve procurar-se no assoreamento do lago por este lado, devido ao
terriço e aos desmoronamentos aí depositados pelo rio durante vinte séculos e
os aluviões que desceram das colinas de Betsaida. Antes, a cidade era
justamente na desembocadura do rio no lago, e até as barcas mais pequenas, nas
estações das águas abundantes, iam rio acima por um bom trecho, quase até a
altura de Corozaim, e o rio propriamente dito servia de porto e de abrigo em
ambas as margens para as barcas de Betsaida, nos dias em que havia alguma
tempestade no lago. Isto não é para ti, a quem pouco importa, mas para os
doutores difíceis. E agora, adiante.”
As barcas dos Apóstolos, tendo transposto
o breve trajeto do lago, que separa Cafarnaum de Betsaida, atracaram na cidade.
Mas outras barcas as acompanharam e muitas pessoas descem delas, para se
reunirem logo aos de Betsaida, que vieram para saudar o Mestre, que está agora
entrando na casa de Pedro, onde está de novo a mulher, que eu suponho que tenha
preferido a solidão a ficar ouvindo as continuas queixas da mãe contra seu
marido. O povo, do lado de fora, reclama em altas vozes a presença do Mestre e
isto faz que Pedro fique não pouco inquieto, e ele sobe ao terraço e de lá
arenga aos cidadãos, ou menos, dizendo-lhes que é preciso ter respeito e
educação. Pois ele, o seu Mestre, quereria tê-lo para si com alegria e paz
agora que está na casa dele e pelo contrário, não está achando tempo nem para
oferecer-lhe um copo d'água com mel, dentre as muitas coisas que ele mandou a
mulher trazer, e fica resmungando. Jesus, sorrindo, olha para ele, e sacode a
cabeça, dizendo: "Parece que tu não me vês nunca, e que é uma coisa
extraordinária estarmos juntos."
"Mas, é isso mesmo! Quando nós
vamos por esse mundo afora, acaso somos eu e Tu? Nem por sonho! Entre mim e Ti
há todo um mundo com os seus doentes, com os seus aflitos, os seus ouvintes, os
seus curiosos, os seus caluniadores, seus inimigos e nós dois nunca somos eu e
Tu. Mas aqui Tu estás comigo, na minha casa e eles deveriam compreender
isso." Está realmente inquieto.
"Mas
Eu não vejo diferença, Simão. O meu amor é o mesmo, a minha palavra é a mesma.
Que Eu a diga em particular ou que a diga para todos, não é a mesma coisa? Pedro confessa, então, qual o seu grande desgosto: "É
que eu sou um grande ignorante, um grande distraído. Quando Tu falas em uma
praça, em uma montanha, no meio daquele povão todo, eu não sei porque, entendo
tudo, mas depois não me lembro de mais nada. Eu disse isso também aos meus
companheiros e eles me deram razão. Os outros, quero dizer, as pessoas do povo
que Te ouvem, Te entendem e se recordam do que disseste. Quantas vezes temos
ouvido alguém dizer: "Eu não fiz mais isto, porque Tu disseste que não era
para fazer" ou então: "Eu vim, porque uma vez Te ouvi dizer tal
coisa, e aquilo me despertou a consciência." Mas nós... Não sei não! É
como a água corrente, que passa, e não para. As margens não a detém mais,
porque aquela água passou. Vem outra água, sim, sempre outra, e sempre tanta.
Mas passa, passa, passa... E eu fico pensando, com terror que, se for como Tu
dizes, isto é, que chegará o momento em que Tu não estarás mais aqui para
fazeres como o rio e... e eu... Que haverei de dar eu a quem tiver sede, se não
guardo nem uma gota do muito que me dás?" Os outros também apoiam as
lamentações de Pedro, queixando-se de que não retém mais nada de tudo o que
ouviram, quando bem que eles quereriam lembrar-se de tudo, para poderem
responder a muitos que lhes fazem perguntas. Jesus apenas sorri e responde: "Mas
não é assim que me parece. Pois o povo está muito contente também com
vocês..."
"Oh! Sim! Pelo que nós fazemos!
Abrir-te caminho, dar cotoveladas para isso, transportar os doentes, recolher
as esmolas, e dizer: "Sim, o Mestre é aquele!" Grande coisa, na
verdade!"
"Não
te faças mais feio do que és, Simão."
"Eu não me faço mais feio. Eu me
conheço.
"É
esta a mais difícil das sabedorias. Mas Eu quero tirar de ti esse grande medo.
Quando Eu tiver falado, e vós não tiverdes podido compreender tudo, e reter
tudo, perguntai, sem medo de me estardes aborrecendo ou importunando. Temos
sempre nossas horas a sós. Nessas horas, abri-me os vossos corações. Eu dou
tantas coisas a tanta gente. Que é que Eu não haveria de dar a vós, que Eu amo
de tal modo, que nem Deus poderia amar mais? Tu falaste das ondas que vão e das
quais nada mais fica na praia. Chegará o dia no qual perceberás que cada uma
daquelas ondas deixou na beira da praia uma semente e que cada somente se
tornou uma árvore. Tu terás diante de ti flores e plantas para todos os casos,
e ficarás espantado contigo mesmo, e dirás: "Mas, que foi que o Senhor me
fez?", porque, quando chegar esse tempo, já estarás livre da escravidão do
pecado, e as tuas virtudes atuais se terão aperfeiçoado até atingirem uma
grande altura."
"Tu o estás dizendo, Senhor, e eu
fico tranquilo com estas tuas palavras. "
"Agora,
vamos a quem nos está esperando. Vinde. A paz esteja contigo, mulher. Vou ser
teu hóspede esta tarde."
Saem todos, e Jesus vai-se dirigindo
para o lago, a fim de não ficar esmagado pela multidão. Pedro está manobrando
com cuidado, para afastar a barca até alguns metros da beira, de modo que a voz
de Jesus possa ser ouvida por todos e que haja um espaço entre Ele e os
ouvintes.
"De Cafarnaum até aqui, Eu
vim pensando que palavras vos iria dizer. E encontrei quais eram as mais
adequadas, ao relembrar os fatos desta manhã. Vós vistes os três homens que
vieram a mim. Um veio espontaneamente, outro, porque foi por mim convidado, e o
terceiro, porque entusiasmou-se de repente. E vistes também que daqueles três
Eu fiquei só com dois. Porque será? Teria Eu visto um traidor no terceiro? Em
verdade, não. Mas vi nele alguém ainda despreparado. Pelas aparências, o que
parecia mais despreparado era esse, que agora está aqui ao meu lado, pois antes
estava com a intenção de ir sepultar o seu pai. Mas é que o mais despreparado
era o terceiro. Este era tão preparado que mesmo sem saber, soube fazer um
sacrifício bem heroico. O heroísmo em seguir a Deus é sempre uma prova de uma
forte preparação espiritual. Isto é o que explica alguns fatos surpreendentes,
que acontecem ao redor de mim. Os mais preparados para receber Cristo, seja
qual for a sua casta ou cultura, costumam vir a mim com uma prontidão e uma fé
absolutas. Os menos preparados ficam observando-me, como se Eu fosse um homem
que foge do que é costumeiro ou então me ficam estudando com desconfiança e
curiosidade, ou ainda, me atacam e me denegrecem, acusando-me de várias coisas.
As diversas atitudes tomadas estão na proporção da falta de preparação dos
espíritos. No povo eleito deveriam encontrar-se por toda parte espíritos
prontos para receber este Messias, em cuja espera consumiram-se em desejos os
Patriarcas e os Profetas, este Messias, que finalmente veio, precedido e
acompanhado por todos os sinais que estavam profetizados, este Messias, cuja
figura espiritual se delineia sempre mais clara, por meio dos milagres visíveis
sobre os membros e os elementos e os milagres invisíveis, realizados sobre as
consciências dos que se convertem e sobre os pagãos que se voltam para o
Verdadeiro Deus. Mas assim não é. Pois a prontidão em seguir o Messias é
fortemente obstaculizada, justamente entre os filhos deste povo, e é doloroso
dizer-se, o é tanto mais, quanto mais se sobe por entre as classes mais altas
deste mesmo povo. Eu não digo isto para vos escandalizar. Mas sim, para
induzir-vos a rezar e a refletir. Por que acontece isso? Por que os pagãos e os
pecadores procuram andar mais pelo meu caminho? Por que eles acolhem mais o que
Eu digo, e os outros não? E porque os filhos de Israel estão ancorados, como
ostras que produzem pérolas, no lugar em que nasceram?
Porque estão saturados,
empanturrados, obesos com a sabedoria deles, e não sabem abrir caminho para a
minha, jogando fora o supérfluo, para darem lugar ao necessário. Os outros não
tem esta escravidão. São eles pobres pagãos, ou pobres pecadores, ainda
desancorados como barcos à deriva, são pobres que não possuem tesouros
próprios, mas somente fardos de erros ou de pecados, dos quais se despojam com
alegria logo que conseguem compreender o que é a Boa Nova, e sentem nesta um
mel fortificante bem diferente da insípida mixórdia dos seus pecados. Ouvi, e
talvez podereis compreender melhor como podem haver frutos diferentes de uma
mesma obra.
Um
semeador saiu para semear. Seus campos eram muitos e de qualidades diferentes.
Havia alguns, que ele tinha herdado de seu pai e sobre os quais havia deixado
proliferar plantas espinhosas. Outros haviam sido adquiridos por ele, e ele os
comprara do jeito em que estavam, de um dono negligente, e tais como eram os
deixou. Outros ainda, haviam sido entrecortados por estradas, pois o homem era
um grande comodista e não queria andar muito para ir de um lugar para outro.
Enfim, havia alguns, os mais próximos da casa, dos quais ele tomava cuidado, só
para que dessem um aspecto agradável à frente da casa. Estes estavam bem limpos
de pedregulhos, de espinhos, da grama e assim por diante. O homem, pois, tomou
o seu saco de grãos para ir semear grãos da melhor qualidade, e começou a
semeadura. A semente caiu no terreno bom, fofo, arado, limpo e adubado dos
campos próximos à casa. Caiu também nos campos entrecortados por caminhos e
trilhas, que os parcelava levando, além disso, a sujeira da poeira árida para
cima da terra fértil. Outras sementes caíram sobre os campos, onde a inépcia do
homem tinha deixado que crescessem as plantas espinhosas. Agora o arado as
havia revirado, e nem parecia que elas estivessem mais ali, mas elas estavam,
porque somente o fogo é que é a radical destruição das ervas más, impedindo-as
de nascer. As últimas sementes caíram nos campos comprados ultimamente, e que
ele tinha deixado como estavam, sem destorroá-los em profundidade, sem
limpá-los de todas as pedras afundadas na terra e fazendo com ela um pavimento
duro no qual não conseguiam agarrar-se as tenras raízes. Depois, tendo semeado
todas as sementes, voltou para casa, e disse: "Agora está tudo bem. É só
esperar as colheita."
E assim se alegrava quando, com o
correr dos meses, podia já ver, à frente de sua casa, o trigo que ia germinando
e crescendo... Oh! Crescia como um tapete macio e já ia soltando espigas...
Parecia um mar, lourecendo e batendo espigas contra espigas, cantando hosanas
ao sol.
O homem dizia: "Como este
campo devem estar todos os outros. Preparemos as foices e os celeiros. Quanto
pão! Quanto ouro!" E estava feliz. Cortou o trigo dos campos mais
próximos, depois passou aos que herdou do pai, mas ele os tinha deixado virar
mato. E o homem ficou muito aborrecido. Todos os grãos haviam nascido, porque
os campos eram bons e a terra adubada pelo pai estava gorda e fértil. Mas sua
fertilidade tinha sido boa também para as plantas espinhosas, que ficaram
cobertas pela terra, reviradas com ela, mas não esterilizadas. Elas tinham
renascido e formado um verdadeiro forro de ramagens cheias de espinhos, através
das quais o trigo não tinha podido passar para cima, a não ser com uma espiga
aqui, outra acolá, e morreu quase todo sufocado. O homem disse: "Eu fui
negligente com este campo. Mas nos outros não havia espinheiros, e deverão
estar melhores. Passou então aos campos recentemente adquiridos. Lá seu espanto
cresceu, até transformar-se em tristeza. Finas e já ressecadas, as folhas do
trigo estavam espalhadas por toda parte, como feno seco. Feno seco! Mas, como?
Como foi isso? Gemia o homem. E, no entanto, aqui não há espinhos! E, além
disso, a somente do trigo era a mesma.
E aqui também ela tinha nascido,
e o trigal estava tão viçoso, que dava alegria vê-lo! Pode-se ver ainda como
suas folhas estavam bem formadas e grande número. Por que será que aqui o trigo
todo morreu sem produzir espigas?" E, com grande tristeza, pôs-se a cavar
o solo, para ver se encontrava ninhos de toupeiras, ou outras pragas. Insetos e
roedores, não havia. Mas, que quantidade de pedras! Um verdadeiro pedregal! Os
campos estavam literalmente calcetados com escamas de pedras, e a pouca terra
que as cobria era um engano. Oh! Se tivesse afundado mais o arado, enquanto era
tempo! Oh! Se ele tivesse feito escavações, antes de aceitar aqueles campos e
de comprá-los como se fossem bons! Oh! Pelo menos, depois daquele erro de
adquirir o que era oferecido, sem ter-se informado da boa qualidade deles, se
ele os tivesse feito ficar bons, à custa do cansaço de seus rins! Mas agora já
era tarde e inúteis eram quaisquer queixumes. O homem se pôs de pé, arrasado, e
dali se foi para os campos entrecortados por pequenas caminhos, feitos para sua
comodidade... E rasgou suas vestes de tristeza. Aqui não havia nada.
Absolutamente nada... A terra escura do campo estava coberta por uma ligeira
camada de pó branco... O homem se agachou no chão, e gemia dizendo: "Mas,
por que? Aqui não há espinhos, nem pedras, pois estes campos antes já eram
nossos. Meu avô, meu pai, eu, sempre os possuímos e, por anos e anos, os fomos
tornando férteis. Neles eu abri estradas, terei tirado alguma terra do campo,
mas isso não é o que o terá feito ficar estéril assim." Ainda estava ele
chorando, quando recebeu, para sua tristeza, a resposta, dada por um cerrado
bando de passarinhos, que estavam chegando esfomeados, vindos dos caminhos para
o campo e dos campos para os caminhos para procurarem continuamente sementes de
trigo, e mais e mais sementes... O campo havia-se transformado numa rede de
pequenos caminhos, em cujas beiras o trigo semeado tinha caído, e havia atraído
muitos passarinhos, e estes, primeiro comeram os grãos na estrada e depois os
plantados no campo, até o ultimo grão. Desse modo, a semente, igual para todos
os campos, não havia produzido cem por um, noutro sessenta, noutro trinta e
noutro nada.
Quem tem ouvidos para ouvir,
ouça. A semente é a Palavra: é igual para todos. O lugar onde cai a somente são
os vossos corações. Cada um aplique a si a parábola e compreenda. A paz esteja
convosco."
Pg. 153-156
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180
– DEBATE NA COZINHA DE PEDRO EM BETSAIDA. EXPLICAÇÃO DA PARÁBOLA DO SEMEADOR.
NOTÍCIA DA SEGUNDA PRISÃO DO BATISTA
Eis-nos de novo na cozinha de Pedro. A
ceia deve ter sido abundante, porque os pratos com os restos de peixe e de
carne, de queijos, de frutas secas ou, pelo menos murchas, e de fogaças de mel,
estão amontoados sobre uma espécie de aparador que nos lembra um pouco as
nossas masseiras toscanos, e as ânforas com os cálices estão ainda espalhados
por sobre a mesa. A mulher de Pedro deve ter feito milagres, para fazer ficar
contente o marido, e deve ter trabalhado o dia inteiro. Agora, cansada mas
alegre, ela está lá em seu cantinho, ouvindo o que o seu homem diz e o que
dizem os outros. Ela está olhando para o seu Simão, que para ela deve ser um
grande homem, ainda que um pouco exigente, e, quando agora o ouve falar com
palavras novas naquela boca que antes só falava de barcas, de redes, de peixes
e de dinheiro, ela chega até a ter um pestanejar, como se estivesse deslumbrada
por um excesso de luz. Pedro, seja pela alegria de ter Jesus à sua mesa, ou por
causa da abundante ceia que foi servida, está mesmo bem disposto esta tarde, e até
já se revela nele o futuro Pedro pregando às multidões. Não sei qual foi a
observação que foi feita por um companheiro e que deu origem àquela resposta
escultural de Pedro, quando disse: "Acontecerá com eles como com os
construtores da torre de Babel. A soberba deles provocará o desabamento de suas
teorias, e ficarão esmagados. "
André objeta a seu irmão: "Mas
Deus é misericórdia. Impedirá o desabamento para dar tempo ao
arrependimento."
"Nem penses nisso. Como coroamento
da soberba deles, porão em prática calúnia e perseguição. Oh! Eu já estou vendo
perseguição sobre nós para dispersar-nos como testemunhas detestáveis. E, visto
que estarão atacando, com insídias, a Verdade, Deus tomará a Si fazer a
vingança e eles perecerão".
"E nós teremos forças para
resistir?", pergunta Tomé.
"Aí está... por mim mesmo, eu não
teria. Mas confio nele", e mostra Jesus, que está escutando calado, com a
cabeça um pouco inclinada, como para conservar escondidas as expressões do seu
rosto.
"Eu penso que Deus não nos dará
provas superiores às nossas forças" diz Mateus.
"Ou, pelo menos, aumentará as
nossas forças, em proporção com as provas", termina Tiago de Alfeu.
"Ele já o está fazendo. Eu era rico e poderoso. Se Deus não tivesse
querido me conservar para algum fim seu, eu teria perecido no desespero, quando
eu era perseguido e leproso. Eu me teria enfurecido contra mim próprio... Mas,
ao contrário, sobre o meu desabamento completo desceu uma riqueza nova, que eu
nunca antes tinha possuído: a riqueza de uma persuasão: "Deus existe!"
Primeiro, Deus... Sim, eu tinha fé, eu era um fiel israelita. Mas era uma fé de
formalismo. E me parecia que o prêmio da mesma fosse sempre inferior às minhas
virtudes. Eu me permiti até discutir com Deus, porque me julgava ainda alguma
coisa sobre a terra. Simão Pedro tem razão. Eu também estava construindo uma
torre de Babel com louvares a mim mesmo e com as satisfações do meu eu. Quando
tudo desabou em cima de mim, e eu me tornei um verme esmagado pelo peso de toda
esta inutilidade humana, aí eu não discuti mais com Deus, mas comigo mesmo, com
este louco eu mesmo, e acabei por demoli-lo. E, quanto mais eu fazia isso,
abrindo a estrada para o que eu penso que era Deus imanente em nosso ser de
criaturas terrestres, aí eu adquiria uma força, uma riqueza nova. A certeza de
que eu não estava só e de que Deus velava pelo homem vencido pelo homem e pelo
mal."
"Segundo o teu modo de ver, que é
que pensas que é Deus, quando dizes: "o Deus imanente em nosso ser de
criaturas terrestres"? Que queres dizer? Eu não te compreendo, e dizer
isso me parece uma heresia. Deus é aquele que nós conhecemos através da Lei e
dos Profetas. Não existe outro", diz, um tanto severo, Judas Iscariotes.
"Se João estivesse aqui, ele te
explicaria melhor do que eu. Mas eu vou falar-te como sei. Deus é aquele que
conhecemos através da Lei e dos Profetas. É verdade. Mas, em que o conhecemos?
Como?" Judas de Alfeu dispara: "Pouco e mal. Ainda que o conhecessem
os Profetas, que sobre ele escreveram para nós. Nós temos de Deus uma ideia
confusa que transpira dos escombros de todo, um montão acumulado pelas
seitas...".
"Seitas? Mas de que estás falando?
Nós não temos seitas. Nós somos filhos da Lei. Todos.", diz Iscariotes,
indignado e agressivo.
"Os filhos das leis. Não da Lei.
Há uma pequena diferença. Do singular para o plural. Mas na realidade: nós
somos filhos daquilo que criamos, e não daquilo que Deus nos deu", rebate
Tadeu.
"As leis nasceram da Lei",
diz Iscariotes.
"Também as doenças nascem de nosso
corpo, e não me quererás dizer que elas sejam coisas boas", replica Tadeu.
"Mas, deixai-me saber que é que é
o Deus imanente do Simão Zelotes." O Iscariotes, não tendo podido rebater
à observação de Judas de Alfeu, procura levar a questão para o ponto de
partida. Simão Zelotes diz: "Os nossos sentidos sempre precisam de um
termo para compreenderem uma ideia. Cada um de nós, falo de nós que cremos, crê
por força de fé no Altíssimo, Senhor e Criador, Deus Eterno que está no Céu.
Mas todos os seres também precisam desta fé nua, virgem, incorpórea, que é
suficiente para o os anjos, que veem e amam a Deus espiritualmente,
compartilhando com Ele a natureza espiritual, e tendo a capacidade de verem a
Deus. Mas nós precisamos criar para nós uma figura de Deus, figura essa que é
feita das qualidades essenciais que damos a Deus, para podermos dar, então, um
nome à sua perfeição absoluta, infinita. Quanto mais a alma se concentra, mais
consegue chegar à exatidão no conhecimento de Deus. Eis aqui o que eu digo: o
Deus imanente. Eu não sou um filósofo. Talvez tenha usado mal a palavra. Mas,
em resumo, para mim o Deus imanente é o sentir, perceber Deus em nosso
espírito, senti-lo e percebe-lo, já não mais como uma ideia abstrata, mas como
uma real presença, doadora de uma fortaleza e de uma paz nova."
"Está bem. Mas como é que o
sentias? Que diferença há entre sentir pela fé e sentir pela imanência?",
pergunta, um pouco irónico, Iscariotes.
"Deus é segurança, rapaz. Quando
tu o sentes, como diz Simão com aquela palavra que eu não entendo literalmente,
mas cujo sentido eu entendo - e podes crer que o nosso mal é entender somente a
letra, e não o espírito das palavras de Deus - quer dizer que consegues captar,
não só o conceito da majestade terrível, mas da paternidade dulcíssima de Deus.
Quer dizer que percebes o seguinte quando todo o mundo te julgasse e condenasse
com injustiça. Um só, Ele, o Eterno que é Pai, não te julga, mas te absolve e
consola. Quer dizer que sentes que, quando o mundo todo te odiasse, tu sentirias
em ti um amor maior do que o mundo todo. Quer dizer que, mesmo estando
segregado em um cárcere, ou em um deserto, sentirias sempre que Um te fala, e
te diz: 'Se santo, para que sejas como o teu Pai.' Quer dizer que pelo amor
para com este Deus Pai, que finalmente chega-se a sentir tal, se aceita, se
trabalha, se pega ou se deixa, sem medidas humanas, pensando somente em pagar
amor com amor, em copiar o mais possível a Deus com suas próprias ações",
diz Pedro.
"Tu es um soberbo! Copiar a Deus!
Isso não te é permitido", sentencia Iscariotes.
"Não é soberba. O amor leva à
obediência. Copiar a Deus me parece um modo de obedecer-lhe, pois Deus diz que
nos fez à sua imagem e semelhança", replica Pedro.
"Ele nos fez. Nós não devemos ir
acima disso."
"Mas és um infeliz se pensas
assim, caro rapaz. Tu te esqueces de que nós somos decaídos e que Deus quer
recolocar-nos no ponto em que estávamos."
Jesus toma a palavra: "Mais
ainda, Pedro, Judas e vós todos. Mais ainda. A perfeição de Adão era ainda
suscetível de um aumento, por meio do amor que o teria levado a ser a imagem
sempre mais exata do seu Criador. Adão, sem a mancha do pecado, teria sido como
um limpidíssimo espelho de Deus. Por isso, Eu digo: Sede perfeitos, como perfeito
é o Pai que está nos Céus. Como o Pai. Portanto, como Deus. Pedro falou muito
bem. E muito bem também Simão. Eu vos peço que vos recordeis das palavras deles
e as apliqueis às vossas almas." A mulher
de Pedro quase que desmaia pela alegria por ouvir que seu marido está sendo
elogiado. Ela chora, atrás do seu véu, tranquila e feliz. Pedro parece que está
para ter um ataque de apoplexia, de tão vermelho que ficou. Ele fica calado por
uns momentos, e depois diz: "Está bem. Então, dá-me o prémio. A parábola
de hoje cedo..." Os outros também se unem a Pedro, dizendo: "É
verdade. Tu no-lo prometeste. As parábolas servem bem para fazer-nos compreender as comparações. Mas
nós achamos que elas têm um sentido superior ao das comparações. Por que falas
em parábolas?
“Porque a eles não foi concedido
entender mais do que o que eu explico. A vós foi concedido muito mais, porque
vós, meus apóstolos, deveis conhecer o mistério; e por isso vos é concedido
entender os mistérios do Reino dos Céus. Por isso, Eu vos digo:
"Perguntai, quando não entenderdes o sentido de uma parábola."
Vós dais tudo, e tudo vos é dado,
para que, por vossa vez, possais dar tudo. Vós dais tudo a Deus: afetos, tempo,
interesses, liberdade, vida. E tudo Deus vos dá para compensar-vos e tornar-vos
capazes de dar tudo em nome de Deus a quem vem depois de vós.
Assim, a quem deu, será dado, e
com abundância. Mas a quem não deu, ou só parcialmente, ou não deu nada, até o
que ele tem ainda lhe será tirado. "Eu lhes falo em parábolas para que
vendo, vejam apenas o que a vontade deles de aderirem a Deus os faz ver. E para
que ouvindo, sempre, por aquela mesma vontade de adesão, ouçam e compreendam.
Vós estais vendo! Muitos ouvem a minha palavra, mas poucos aderem a Deus. Seus
espíritos estão mancos da boa vontade. Neles se cumpre a profecia de Isaias:
"Ouvireis com os ouvidos, e não entendereis; olhareis com os olhos, e não
vereis." Porque este povo tem um coração insensível, são duros de ouvidos,
e têm os olhos fechados para não verem e não ouvirem, para não entenderem com o
coração e não se converterem, a fim de que Eu os cure. Mas vós sois felizes por
vossos olhos que veem e pelos vossos ouvidos que ouvem e pela vossa boa
vontade!
Em verdade Eu vos digo que muitos
Profetas e muitos Justos desejaram ver o que estais vendo, e não viram, e ouvir
o que estais ouvindo, e não ouviram. Eles se consumiram no desejo de
compreender o mistério das palavras, mas, ao apagar-se a luz das profecias, eis
que as palavras ficaram como carvões apagados até para o santo que as tinha
recebido. Somente Deus revela a Si mesmo. Quando a sua luz se retrai, tendo
atingido a sua meta, que era a de fazer brilhar a luz do mistério, a
incapacidade de entender enfaixa a real verdade da palavra recebida como as
faixas de uma múmia. Por isso é que Eu te disse hoje cedo: "Um dia virá em
que encontrarás tudo o que Eu te dei." Agora, não podes reter tudo na
memória. Mas depois a luz virá sobre ti, e não só por um instante, mas por um
inseparável conúbio do Espírito Santo com o teu, pelo qual se tornará infalível
o teu ensinamento no que se refere ao Reino de Deus. E, assim como em ti,
também nos teus sucessores, se viverem de Deus como de um único pão.
Agora, ouvi o sentido da
parábola.
Temos quatro espécies de campos:
os férteis, os espinhosos, os pedregosos e os cheios de trilhas. E temos também
quatro espécies de espíritos. Temos os espíritos honestos, os espíritos de boa
vontade, preparados por ela e pelos bons trabalhos de um apóstolo, de um
"verdadeiro" apóstolo; por que há apóstolos que tem o nome, mas não o
espírito de apóstolos, e estes são mais mortíferos para as vontades em
formação, do que os passarinhos, os espinhos e as pedras. Eles fazem uma tal desordem
com as suas intransigências, com as suas pressas, com as suas censuras, com
suas ameaças, que afastam para sempre de Deus. Outros são o oposto com uma
regra contínua de benignidades intempestivas, fazem murchar as sementes em um
terreno frouxo demais. Com sua desvirilização, desvirilizam as almas de que
cuidam. Mas fiquemos com os verdadeiros apóstolos, isto é, com os de Deus.
Esses são paternais, misericordiosos, e, ao mesmo tempo, fortes como é o seu
Senhor. Pois bem. Os espíritos preparados por estes e pela sua própria boa
vontade, são comparáveis aos campos férteis, limpos de pedras e espinhos, sem
grama e joio, e neles prospera a palavra de Deus, e toda palavra - uma semente
- cria haste e espiga, dando aqui cem, ali sessenta e mais uns trinta por
cento. Entre estes que Me seguem, haverá destes? Certamente. E serão santos.
Entre eles haverá pessoas de todas as castas e de todos os lugares, e até
pagãos há, e que darão cem por cento pela sua boa vontade, unicamente por ela,
ou então, pela deles e a de um apóstolo ou discípulo que os prepara. Os campos
espinhosos são aqueles nos quais o descuido deixou penetrar os espinhosos
enredos dos interesses pessoais, que sufocam a boa somente. É preciso que se
vigie sempre, sempre, sempre. Não digas nunca: "Oh! Eu já estou formado,
semeado, e por isso, posso ficar tranquilo, que hei de dar semente de vida
eterna." É preciso que se vigie: a luta entre o Bem e o Mal é continua.
Já tereis observado uma tribo de
formigas que quer fazer seu ninho em uma casa? Agora elas estão em cima do
fogão. A mulher não deixa mais as comidas lá, mas as coloca na mesa; e elas,
então, farejam o ar, e vão dar um assalto à mesa. A mulher põe as comidas no
guarda-comida, e elas, pelo buraco da fechadura, passam para dentro do
guarda-comida. A mulher pendura no forro as suas provisões, e elas fazem um
comprido trilho ao longo das paredes e dos sarrafos, descem pela corda e comem.
A mulher as queima, escalda, envenena. Depois disso fica sossegada, pensando
ter acabado com elas. Oh! Se não se vigia, que surpresa! Aí vêm vindo as
últimas que nasceram, e vamos começar tudo de novo. Assim é, enquanto se vive.
É preciso que se vigie para extirpar as plantas daninhas, logo que germinam.
Caso contrário, elas formam uma coberta de espinheiros e sufocam o trigo. Os
cuidados com as coisas do mundo e o engano das riquezas criam o enredo, sufocam
a planta da semente de Deus, e não deixam que ela produza espiga.
Eis agora os campos cheios de
pedras. Quantos deles haverá em Israel! São aqueles que pertencem aos "filhos
das leis", como disse o meu irmão Judas com muita exatidão. Neles não está
a pedra única do Testemunho, não está a Pedra da Lei. Neles há o pedregal das
pequenas, pobres e humanas leis criadas pelos homens. São tantas, que o peso
delas transforma em cacos a Pedra da Lei. E uma ruína que impede qualquer
enraizamento de semente. A raiz não é mais nutrida. Não há terra. Não há seiva.
A água a faz murchar, porque está sobre um pavimento de seixos, o Sol enche de
forte calor aqueles seixos, e queima as plantinhas. São os espíritos dos
substituidores da simples doutrina de Deus por suas complicadas doutrinas
humanas. Eles até que recebem com alegria a minha palavra. No momento ficam
emocionados e seduzidos por ela. Mas depois... Precisa um esforço heroico para
aplainar e limpar o campo, a alma e a mente de todo aquele pedregal de
retóricos. Só assim a semente criaria raiz e se tornaria uma planta vigorosa.
Mas assim como está... não produz nada. Basta um simples medo de represálias
humanas. Basta esta reflexão: "E depois? Que me farão por isso os homens
poderosos?" E a pobre semente, não nutrida, fica agonizante. Basta que
todo aquele pedregal comece a agitar-se com seu som vazio de centenas e
centenas de preceitos, que tomaram o lugar do Preceito, para que logo o homem
pereça junto com a semente recebida... Israel está cheio desses. Isto vem
explicar-nos como é a vida. Deus é uma coisa que está na razão inversa da
potência humana.
Como últimos, estão os campos
cheios de trilhas, de poeira e desnudos. São os campos dos mundanos, dos
egoístas. A comodidade é a lei deles, e o prazer é o seu fim. Nada de
canseiras, mas dormir, rir, comer... O espírito do mundo reina sobre estes. A
poeira do mundanismo cobre o terreno deles, que se torna, então, um terriço. Os
passarinhos, ou seja, as dissipações, precipitam-se sobre os mil caminhos
abertos para tornar mais fácil a vida. O espírito do mundo, isto é, o Maligno,
bica e destrói todas as sementes que caem neste terreno, pois ele está aberto a
todas as sensualidades e leviandades. Entendestes?
Pg. 163-166
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181 – A PARÁBOLA DO TRIGO E DO
JOIO
Mas as pessoas já estão se reunindo no pequeno jardim da casa
do Elias, e estão reclamando a palavra do Mestre. E, ainda que Jesus não esteja
muito disposto a fazê-lo, entristecido como está por causa da prisão do Batista
e pelo modo como ela foi feita, contudo Ele se dá por vencido e, à sombra das
árvores, começa a falar.
“Ainda neste belo tempo dos
trigais que estão soltando espigas, Eu vos quero propor uma parábola, tomada
dos grãos. Ouvi-a:
O Reino dos Céus é semelhante a
um homem que semeou boa semente em seu campo. Mas, enquanto o homem e sés
empregados dormiam, veio um inimigo dele, espalhou sementes de joio nos sulcos
e foi-se embora. A princípio ninguém percebeu nada. Veio o inverno com as
chuvas e as geadas, veio o fim do mês de Tebet, e as sementes germinaram. Era
um verdor de grandes folhas tenras, que mal vinham despertando. Em sua infância
inocente, pareciam todas iguais. Veio o mês de Shebat, depois o de Adar, e as
plantas se formaram, e começaram a mostrar suas espigas. Aí é que se viu que
aquele verdor não era só do trigo, mas também do joio, que estava bem enroscado,
com seus tentáculos, fininhos e pegajosos, nas hastes do trigo.
Ao verem isso, os empregados
foram à casa do patrão e lhe disseram: “Senhor, que semente foi que semeaste?
Não foi uma semente escolhida, separada de quaisquer outras sementes, que não
fossem as do trigo?”
“Certamente que foi. Eu escolhi
os grãos todos iguais em suas formas. E, se houvesse outras sementes, eu as
teria visto.”
“E, como é, então, que nasceu
tanto joio no meio do trigo.”
O Patrão pensou, depois disse:
“Algum inimigo meu fez isso para prejudicar-me.”
E os empregados ainda lhe
perguntaram: “Não queres que nós vamos por entre os sulcos e, com paciência,
apanharemos as espigas do joio e arrancaremos. Manda que iremos fazer.”
Mas o patrão lhes respondeu:
“Não. Vós poderíeis ao fazer o que dizeis, arrancar junto o trigo e, quase com
certeza, ofenderíeis as espigas ainda tenras. Deixai, pois que um e outro
fiquem juntos até o fim da colheita. Naquela ocasião, eu direi aos ceifadores:
“Passai a foice em tudo junto; depois, antes de amarrar os feixes, agora que a
secura do tempo tornou quebradiças as hastes do joio e que, ao mesmo tempo já
estão bem formadas e duras as espigas, agora sim, separai o joio do trigo, e
fazei com ele uns feixes à parte. E vós os queimareis depois, e eles vão servir
de adubo para o solo. Ao mesmo tempo, vós levareis o trigo puro para os
celeiros, e ele vai servir para se fazer um pão muito bom, e para humilhar o
inimigo, que só terá ganhado isto: ficar abjeto aos olhos de Deus pelo seu
ódio.”
Agora, refleti entre vós como
frequentemente acontece, e como é grande a semeadura do Inimigo em vossos
corações. E compreendei como é preciso vigiar, com paciência e constância, para
fazer que seja pouco o joio que se misture ao trigo escolhido. A sorte do joio
é ser queimado. Quereis vós ser queimados, ou tornar-vos cidadãos do Reino?
Pois bem. Que saibais sê-lo. O bom Deus dá a Palavra. O Inimigo está vigiando
para torná-la nociva, por que a farinha de trigo misturada com a farinha de
joio dá um pão amargo e que faz mal ao estômago. Que saibais com boa vontade,
se houver joio em vossa alma, separá-lo para jogá-lo fora, a fim de que não
sejais indignos de Deus.
Ide meus filhos. A paz esteja
convosco.”
As pessoas vão-se afastando lentamente. No pequeno jardim
ficaram os oito apóstolos com Elias, seu irmão, a mãe e o velho Isaac, que
sente sua alma alimentar-se, quando olha para seu Salvador.
“Vinde ao redor de mim, e ouvi.
Eu vos explico o sentido completo da parábola, que tem ainda dois aspectos.
Além daquele de que Eu falei à multidão. Em um sentido universal, a parábola
tem esta aplicação: o campo é o mundo. A semente boa são os filhos do Reino de
Deus, semeados por Deus sobre o mundo, à espera de chegarem ao seu limite,
quando serão cortados pela Falcífera, e levados ao Dono do mundo, para que os
coloque de novo em seus celeiros. O joio são os filhos do Maligno, espalhados,
por sua vez, pelo campo de Deus, com a intenção de causar tristeza ao Dono do
mundo e de estragar as espigas de Deus. O Inimigo de Deus o semeou de
propósito, por meio de um sortilégio, porque o diabo verdadeiramente desnatura
o homem, até fazer dele uma criatura sua, e esta semeia, para levar para fora
do caminho a outros, que ele não foi capaz de tornar seus escravos de outro
modo. A colheita, ou melhor, a formação dos feixes e o transporte dos mesmos
até os celeiros é o fim do mundo. E os que fazem essa tarefa são os anjos. A
eles foi mandado que reúnam as criaturas cortadas, e separem o trigo do joio e,
como na parábola este é queimado, assim serão queimados no fogo eterno os
condenados, no Juízo Final.
O Filho do homem mandará que
sejam tirados do seu Reino todos os causadores de escândalos e de iniquidades.
Porque então o Reino será no Céu e na terra, e entre os cidadãos do Reino na
terra estarão misturados muitos filhos do Inimigo. Estes atingirão, como foi
dito também pelos Profetas, a perfeição do escândalo e da abominação em todos
os ministérios da terra, e darão grandes aborrecimentos aos filhos do espírito.
No Reino de Deus, nos Céus, já terão sido expulsos os corruptos, porque a
corrupção não entra no Céu. Agora, pois, os anjos do Senhor, impunhando a foice
por entre as fileiras da última colheita, cortarão e separarão o trigo do joio,
e jogarão este na fornalha ardente, onde há choro e ranger de dentes, mas
levando consigo os justos, o trigo escolhido, para a Jerusalém Eterna, onde
eles brilharão como sóis no Reino de meu e vosso Pai.
Isto no sentido universal. Mas
para vós há um outro ainda, e vem responder às perguntas que, especialmente como
ontem à tarde, costumais fazer. Vós estáveis perguntando a vós mesmos: “Mas,
então, no meio do grupo dos discípulos pode existir traidores?”, e tremeis de
horror e de medo em vossos corações. Eles podem existir. Disso Eu estou certo.
O semeador espalha a boa semente.
Neste caso, mais do que espalhar, poder-se-ia dizer que ele “colhe”. Porque o
Mestre, que seja Eu ou que tenha sido o Batista, havia escolhido os seus
discípulos. Como foi que houve extraviados? Não, mas pelo contrário, eu falei
mal quando chamei os discípulos de sementes. Vós poderíeis entender-me mal. Eu
vou chamá-los, então de “campo”. Tantos discípulos, tantos campos escolhidos
pelo Mestre para formarem a área do Reino de Deus, os bens de Deus. Com esses o
Mestre se afadiga, para cultivá-los, a fim de que produzam cem por cento. Ele
toma todos os cuidados. Todos. Com paciência. Com amor. Com sabedoria. Com
canseiras. Com constância. Ele olha também as tendências más deles. A aridez e
a cobiça deles. Vê as teimosias e fraquezas deles. Mas, fica esperando, espera
sempre, e fortalece a sua esperança com a oração e a penitência, porque os quer
levar a perfeição.
Mas os campos estão abertos. Não
são um jardim fechado, cercado por muros como uma fortaleza, do qual só o
mestre é o dono, e no qual só ele pode penetrar. Estão abertos. Colocados no
centro do mundo, no meio do mundo e todos podem aproximar-se deles, todos podem
entrar neles. Todos e tudo. Oh! Oh! Mas não é só o joio que é a semeadura. O
joio: este poderia ser o símbolo da leviandade amarga do espírito do mundo. Mas
aí nascem, lançados pelo inimigo, todas as outras sementes. Aí estão as
urtigas. Aí as tiriricas. Aí as cuscutas. Aí os cipós-chumbo. Aí, enfim as
cicutas e os tóxicos. Por que? Por que? Que são eles?
As urtigas: são os espíritos
irritantes, indomáveis, que ferem, por uma superabundância de venenos, e causam
tanto mal-estar.
As tiriricas significam os
parasitas que esgotam o mestre, pois só sabem rastejar e sugar, aproveitando-se
do trabalho dele e prejudicando aos cheios de vontade, que certamente colheriam
maiores frutos, se seu mestre não fosse perturbado e distraído pelos cuidados
que dele exigem as tiriricas.
Os cipós-chumbo, inertes, que só
se levantam do chão, aproveitando-se do trabalho dos outros.
As cuscutas são um tormento no
caminho, já difícil, do mestre, e um tormento para os discípulos que o
acompanham. Elas se agarram a nós, espetam, ferem, arranham, só causam
desconfiança e sofrimento.
Os tóxicos: são os delinquentes
que estão entre os discípulos, aqueles que chegam a trair e a apagar a vida,
como a cicuta e outras ervas venenosas. Por acaso, já tereis visto como elas
são bonitas com as suas florzinhas, que depois se transformam em bolinhas
brancas, vermelhas ou roxo azuladas? Quem diria que aquela corola estrelada,
cândida ou levemente rosada, com seu coraçãozinho de ouro, quem haveria de
dizer que aqueles corais de todas as formas, tão parecidos com aquelas
frutinhas que são a delícia dos passarinhos e das crianças, sejam capazes de,
quando maduras, dar a morte? Ninguém. Mas os inocentes aí caem. Creem que todos
são bons como eles... colhem os frutos, comem e morrem.
Acham que todos são bons como
eles! Oh! que verdade que sublima o mestre e condena o seu traidor! Como? A
bondade não desarma? Não torna inofensivo o querer mal? Não. Não torna mais
assim, porque o homem que tombou como presa do Inimigo, tornou-se insensível a
tudo o que é superior. E tudo o que é superior muda de aspecto para ele. A
bondade é vista como uma fraqueza, em que é permitido pisar, e refina sua má
vontade, refina o desejo de degolar, como em uma fera, só com o sentir cheiro
de sangue. Também o mestre é sempre um inocente, e deixa que seu traidor o
envenene, porque não quer, e não deixa os outros pensar que um homem seja capaz
de dar a morte a quem é inocente.
Dos discípulos, que são os campos
do mestre, é que vêm os inimigos. E são muitos. O primeiro é Satanás. Os outros
são os servos dele, isto é, os homens, as paixões, o mundo e a carne. Aí está o
discípulo mais fácil de ser atingido por eles, porque ele não está
completamente ao lado do Mestre, mas está em cima do muro, entre o Mestre e o
mundo. Ele não sabe, não quer separar-se completamente das coisas do mundo, da
carne, das paixões e do demônio, para estar completamente com quem o leva para
Deus. Sobre ele o mundo e a carne, as paixões e o demônio espalham suas
sementes. O ouro, o poder, a mulher, o orgulho, um medo de ser mal julgado pelo
mundo e um espírito de utilitarismo. “Os grandes é que são os mais fortes. E
por isso eu os sirvo, para tê-los como amigos.” E se tornam delinquentes e
condenados por causa de coisas tão mesquinhas!
Por que o Mestre, que está vendo
a imperfeição do discípulo, ainda que não queira render-se a este pensamento:
“Este vai ser o meu matador”, não o elimina imediatamente do meio dos
discípulos? Isto vós perguntais porque é inútil fazer isso. Se o fizesse não
impediria que ele continuasse seu inimigo e agora dupla e prontamente seu
inimigo, pela raiva ou pela dor de ter sido descoberto, ou por ser expulso.
Dor. Sim. Porque às vezes o mau discípulo não percebe que o é. É tão sutil a
obra do demônio, que ele nem a percebe. Ele fica endemoninhado, sem nem
suspeitar de que está sendo submetido a essa operação. Raiva. Sim. Raiva por
estar sendo conhecido pelo que realmente é, quando ele não está inconsciente do
trabalho de Satanás, e de seus adeptos: são os homens que tentam o fraco em
suas fraquezas, para tirar do mundo o santo, que, só por sua santidade,
comparada ás maldades deles, já os ofende. E, então, o santo ora e se abandona
a Deus. “O que Tu permites se faça, seja feito”, diz ele. Somente acrescenta
esta cláusula: “Contanto que sirva para o teu fim.” O santo sabe que virá a
hora em que serão expulsos de suas colheitas os joios daninhos. Por quem? Pelo
mesmo Deus, que não permite nada além do que é útil para o triunfo de sua
vontade de amor.”
“Mas, se Tu admites que sempre é Satanás e os adeptos dele,
parece que a responsabilidade do discípulo diminua”, diz Mateus.
“Nem penses nisso. Se o Mal
existe, existe também o bem. E existe no homem o discernimento e, com ele a
liberdade.”
“Tu dizes que Deus não permite nada além de tudo que é útil
para o triunfo de sua vontade de amor. Portanto, também esse erro é útil, se
Ele o permite, e serve para um triunfo da vontade divina”, diz Iscariotes.
“E tu argumentas, como Mateus,
que isto justifica o delito do discípulo. Deus havia criado o leão sem
ferocidade e a serpente sem veneno. Agora, um é feroz e a outra venenosa. Mas
Deus os separou do homem por isso. Medita sobre isso e tira as conclusões.
Vamos para casa. O sol já está forte demais. Parece que vem aí o começo de um
temporal. E vós estais cansados por causa de uma noite sem dormir.”
“A casa tem uma sala alta, bem ampla e fresca. Nela podereis
repousar”, diz Elias.
Pg. 171 a 176
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207- NA GRUTA DE BELÉM A MÂE
RELEMBRA O NASCIMENTO DE JESUS
Prosseguem a estrada, através do fresco vale que vai na
direção leste-oeste. Depois se dirigem levemente para o norte, a fim de
costearem uma colina, que vem aparecendo à frente e alcançam assim o caminho
que de Jerusalém vai para Belém, justamente perto do cubo encimado por uma
pequena cúpula redonda, que é a da tumba de Raquel. Todos se aproximam dela
para rezar com reverência.
“Foi aqui que paramos eu e José... Está tudo igual ao que era
naquele tempo. Só a estação é que era diferente. Era aquele um dos dias frios
do mês de Casleu. Havia chovido e as estradas tinham ficado alagadas. Depois,
veio um vento gelado, pois talvez de noite tivesse caído geada. As estradas
estavam duras, mas todas com sulcos feitos pelos carros e pelas multidões, e
eram como um mar cheio de buracos e o meu burrinho se fatigava muito...”
“E tu não minha Mãe?”
“Oh! Eu Te tinha comigo!”, e olha para Ele com um rosto tão
feliz que comove. Depois toma de novo a palavra: “A tarde já vinha chegando e
José estava muito preocupado... Vinha levantando-se um vento cada vez mais forte,
um vento que cortava... As pessoas se apressavam a caminho de Belém, esbarrando
umas nas outras, e muitos diziam palavras injuriosas ao meu burrinho, porque
ele ia muito devagar, procurando os lugares onde podia pôr os cascos. Mas é que
ele parecia que soubesse que havia Tu... e que estavas dormindo o teu último
sono no berço do meu seio. Fazia frio... Mas o que eu sentia era um forte
calor. Eu percebia que vinhas vindo.
Que vinhas vindo? Poderias dizer:
Eu lá estava minha Mãe, com nove meses.
“Sim. Mas agora era como se estivesse vindo dos Céus. Os Céus
se abaixavam, se abaixavam sobre mim e eu via os esplendores deles... Eu via
incendiar-se a Divindade, em sua alegria pelo teu próximo nascimento e aqueles
fogos me penetravam, me incendiavam também, me levavam para fora de mim
mesma... de tudo... Frio... vento... pessoas... nada! Eu só via a Deus... De
vez em quando, com esforço, eu conseguia fazer voltar o meu espírito por sobre
a Terra, e sorria para José, que tinha medo de que o frio e a fadiga me fizessem
mal, e ia guiando o burrinho com cuidado para que ele não tropeçasse, e me
envolvia de novo na coberta, para que não me resfriasse...Mas nada podia
acontecer. As sacudidas, eu nem percebia. Parecia-me estar andando por um
caminho estrelado, por entre nuvens cândidas e sendo sustentada por anjos... E
eu sorria... Primeiro para Ti... Eu olhava para Ti, através da barreira da
carne e estavas dormindo com os punhozinhos fechados em teu leitozinho de rosas
vivas, meu botão de lírio... Depois, sorria para o esposo, que estava tão
aflito, tão aflito, para encorajá-lo. Depois para as pessoas, que ainda não
sabiam estarem já respirando na aura do Salvador.
Paramos junto à tumba de Raquel para dar um pouco de descanso
ao burrinho e para comer um pouco de pão com azeitonas, que eram as nossas
provisões de pobres. Mas eu não tinha fome. Era alimentada pela minha alegria.
Pusemo-nos de novo a caminho. Vinde, vou mostrar-vos onde encontramos o pastor.
Não tenhais medo de que eu me engane. Eu revivo àquela hora e encontro de novo
cada lugar, porque vejo tudo através de uma grande luz angélica. Talvez a
multidão angélica esteja de novo aqui, invisível aos olhos dos corpos, mas
visível para as almas, com seu luminoso candor e tudo se revela, tudo é
mostrado. Eles não podem enganar-se, e me vão conduzindo... para alegria minha
e para alegria vossa. Aí está, daquele campo para este, veio Elias com suas
ovelhas e José foi pedir-lhe leite para mim. E ali, naquele prado, nós paramos,
enquanto ele tirava o leite quente e restaurador, e dava seus conselhos a José.
Vinde, vinde. Ali está, ali está o caminho do último pequeno
vale antes de Belém. Fomos por este, porque a estrada principal, nas
proximidades da cidade, estava numa grande confusão de pessoas e cavalgaduras.
Eis Belém! Oh! A querida terra de meus pais, que me deste o
primeiro beijo de meu Filho! Tu te abriste, boa e fragrante, como o pão do qual
tens o nome, para dar o Pão Verdadeiro ao mundo que está morrendo de fome! Tu
me abraçaste como uma mãe, tu, na qual ficou o amor materno de Raquel, terra
Santa da Belém Davídica, primeiro Templo do Salvador, a Estrela da Manhã,
nascida de Jacó, a fim de mostrar a rota dos Céus a toda a humanidade. Olhai
para ele e vede como está bela nesta primavera. Mas, mesmo então, ainda que os
campos e os vinhedos estivessem despojados, ela estava bela! Um leve véu de
geada voltava a brilhar, a tremuluzir sobre os galhos nus, e eles se tornavam
como que polvilhados com diamantes, como se estivessem enrolados em um
impalpável véu do Paraíso. Cada casa soltava fumaça por sua chaminé, pois a
hora da ceia estava próxima. E a fumaça subindo pela encosta até o perímetro,
mostrava a cidade, ela também coberta com um véu. Tudo era casto, recolhido à
espera de... de Ti, de Ti Filho. A terra percebia que estavas vindo. E até os
belenitas Te teriam percebido, porque maus eles não são, por mais que não o
acrediteis. Eles não podiam hospedar-nos. Nas casas de Belém se comprimiam,
arrogantes como sempre, surdos e soberbos, aqueles que ainda hoje o são. e esses
tais não poderiam perceber a tua presença. Quantos fariseus, saduceus,
herodianos, escribas, essênios lá havia! Oh! O serem eles uns obcecados agora,
é coisa que já vem de terem sido duros de coração então. Eles fecharam o
coração ao amor para com sua pobre irmã naquela tarde... e permaneceram, e
permanecem nas trevas. Eles rejeitaram a Deus, desde então, rejeitando o amor
ao próximo.
Vinde. Vamos à gruta. Entrar na cidade é inútil. Os maiores
amigos do meu Menino já não estão mais lá. Fica a natureza amiga, com suas
pedras, com o seu rio e sua lenha para fazer fogo. A natureza que percebeu a
vinda do seu Senhor... Então, vinde sem temor. Vai-se por aqui... Lá estão os
escombros da Torre de Davi. Oh! Querida por mim mais do que um palácio.
Benditas ruínas! Bendito rio! Bendito ramos, para que pudéssemos achar lenha e
fazer fogo!”
Maria desce, ligeira para a gruta, atravessa o pequeno rio
por uma pinguela que serve de ponte. Corre pelo descampado que está diante dos
escombros, cai de joelhos na entrada da gruta, inclina-se e beija o chão.
Acompanham-na todos os outros. Estão comovidos.
... Maria torna a levantar-se, e entra dizendo: “Tudo, tudo
como naquele tempo! Só que naquele tempo era noite. José fez fogo quando
entrei. Então, só então, descendo do burrinho é que eu senti como estava
cansada e gelada. Um boi me saudou e eu fui até ele para sentir um pouco de
calor e para descansar sobre o feno. Aqui onde estou, José espalhou mais feno,
para fazer-me uma cama e o enxugou para mim, como para Ti meu Filho, diante das
chamas do fogo aceso naquele canto... pois José era bom como um pai, em seu
amor de esposo-anjo. E, segurando-nos pelas mãos, como dois irmãos perdidos no
escuro da noite, comemos nosso pão e queijo. Depois, ele foi avivar o fogo,
tirando o seu capote para tapar a abertura. Na verdade, desceu um véu diante da
glória de Deus, que descia dos Céus, e eras Tu, meu Jesus... e eu fiquei sobre
o feno, AL calor dos dois animais, envolvida em meu manto e com a capa de lã. Ó
meu querido esposo! Naquela hora de ânsia e de temor na qual eu estava sozinha,
diante do mistério da primeira maternidade, que é plena do desconhecido para
uma mulher, e para mim, naquela única maternidade, plena também de mistério,
como teria sido o de ver o Filho de Deus saindo da carne mortal, ele, José, foi
para mim como uma mãe, foi um anjo... foi o meu conforto... então e sempre.
Depois veio o silêncio e o sono que envolveram a José, para
que ele não visse aquilo que era para mim o beijo diário de Deus. E para mim,
depois de um intervalo para as necessidades humanas, sobrevêm-me as ondas
desmesuradas de um êxtase, vindas do mar do Paraíso e que me elevaram de novo
para cima das cristas luminosas, cada vez mais altas, levando-me para cima,
mais para cima consigo, para um oceano de luz, de luz, de alegria, de paz, de
amor, até que me encontrei perdida no mar de Deus, do seio de Deus. Uma voz
veio ainda da terra: “Estás dormindo, Maria?” Oh! Ela vinha de tão longe!
Parecia mais um eco, uma lembrança da terra! E tão fraca que a alma não se
agita, e nem sei com que palavras respondi enquanto subo, vou subindo ainda por
este abismo de fogo, de felicidade infinita, de uma precognição de Deus... até
Ele... Oh! Mas és Tu que nasceste, ou sou eu que nasci dos trinos fulgores,
naquela noite? Fui eu que Te dei, ou foste Tu que me deste o sopro da vida? Eu
não sei.
Depois a descida, de um coro a outro coro, de um astro a
outro astro, de um estrato a outro estrato, doce, lenta, feliz, tão plácida
como uma flor levada para o alto por uma águia e depois solta no ar e vai
descendo lentamente nas asas do ar, tornando-se mais bela por uma gota de chuva
que brilha como uma pedra preciosa, por um pedacinho de arco-íris arrebatado ao
céu, esse reencontra no torrão natal. É o meu dilema: Tu! Tu sobre o meu
coração.
Sentada aqui, depois de ter-te adorado de joelhos, eu te
amei. Finalmente, Te pude amar sem as barreiras da carne, e daqui eu me movi
para levar-te ao amor daquele que, como eu, era digno de estar entre os
primeiros a amar-te. E aqui, entre duas rústicas colunas, eu te ofereci ao Pai.
E foi aqui que descansaste, pela primeira vez, sobre o coração de José. Depois,
eu te enfaixei e, juntos nós te colocamos aqui. Eu te balançava, enquanto José
enxugava o feno ao fogo e o conservava quente, para depois pô-lo sobre o teu
peito e, em seguida, ficávamos te adorando nós dois, assim inclinados sobre Ti
como agora, bebendo a Tua respiração, olhando até que aniquilamento do amor
pode conduzir, chorando as lágrimas que certamente no Céu se choram pela
alegria inexaurível de ver sempre a Deus.”
Naquela sua revogação, Maria ia e vinha, mostrando os
lugares, ardente em seu amor, com um brilho de lágrimas em seus olhos azuis e
um sorriso de alegria em sua boca, inclinando-se de verdade sobre o seu Jesus,
que agora está ali sentado sobre uma pedra grande, enquanto Ela vai-se
lembrando de tudo e o beija por entre os cabelos, chorando e adorando-o.
“E depois os pastores que entravam aqui para adorar, com seu
bom coração e com grande suspiro da terra, que aqui com eles entrava, com
aquele odor de humanidade, de rebanhos e de feno. Fora e por toda parte, os
anjos para adorar-te com seu amor, os cantos deles que a criatura humana é
incapaz de repetir, e com o amor dos Céus, com aquele ar de Céu que entrava com
eles, traziam junto com seus fulgores. Foi o teu nascimento bendito!”
Maria ajoelhou-se ao lado do Filho, e está chorando de
emoção, com a cabeça inclinada sobre os joelhos dele. Ninguém, por algum tempo
teve a coragem de falar. Mais ou menos emocionados, os presentes olham ao
redor, uns para os outros, como se, por entre as teias de aranha e as pedras
escabrosas, eles esperassem ir vendo pintada a cena que havia sido descrita.
Maria recobra a coragem e diz: “Eis. Eu falei do
infinitamente simples e infinitamente grande nascimento do meu Filho. Com meu
coração de mulher, mas não com a sabedoria de mestre. Outra coisa não há,
porque foi a coisa maior da Terra, escondida por debaixo das mais comuns aparências.”
Mas, e o dia seguinte? E depois dele? Perguntam muitos, entre
os quais as duas Marias.
“No dia seguinte? Oh! Muito simples! Fui a mãe que dá o leite
ao seu menino, que o lava e enfaixa, como fazem todas as outras mães. Eu
esquentava a água buscada no rio, sobre o fogo que era aceso ali fora, a fim de
que a fumaça não fizesse aqueles dois olhinhos azuis chorar, depois, no canto
mais abrigado da gruta, em uma velha gamela eu lavava o meu Filho e o enrolava
em panos frescos. Depois eu ia ao rio lavar os paninhos e os estendia ao sol.
Em seguida, alegria das alegrias, eu punha Jesus ao peito e Ele sugava,
tornando-se mais corado e feliz. No primeiro dia, à hora do maior calor, fui
sentar-me ali fora para vê-lo bem. Aqui a luz não entra direta, mas se filtra e
as chamas dão as coisas uma aparência esquisita. Eu fui lá para fora, ao sol, e
olhei para o Verbo Encarnado. Foi então que a Mãe conheceu o Filho, a Serva de
Deus ao seu Senhor. Ai eu fui mulher e adoradora. Depois a casa de Ana, aqueles
dias junto ao teu berço, os teus primeiros passos, a primeira palavra. Mas isso
foi depois, a seu tempo. E nada, nada foi igual à hora do teu nascimento. Só ao
retorno para Deus reencontrarei aquela plenitude.”
Pg. 341 a 346
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209 – A FECUNDIDADE DA DOR NO
SERMÃO DE JESUS PERTO DA CASA DE ELISA EM BETSUR
“A paz esteja convosco. Ontem Eu
ouvi falar de dois infelizes. Um ainda na aurora da vida e o outro no fim, duas
almas que choravam na desolação. Eu chorei com elas em meu coração, vendo
quanta dor existe nesta terra e como só Deus pode aliviá-la. Deus! Só o
conhecimento exata de Deus, de sua grande e infinita bondade, da sua constante
presença, das suas promessas. Eu vi como o homem pode ser torturado pelo homem
e como pode ser atropelado pela morte com desolações. Nas quais trabalha
Satanás, para aumentar a dor e para produzir ruínas. Eu disse então a Mim
mesmo: “Não devem os filhos de Deus sofrer com esta tortura das torturas. Demos
o conhecimento de Deus a quem não o tem, demo-lo de novo a quem o esqueceu,
envolvido nas tempestades da dor.” Mas Eu vi também que, por Mim só, Eu não
basto mais para satisfazer às infinitas necessidades dos irmãos. E decidi chamar
a muitos, em número cada vez maior, a fim de que todos os que têm necessidade
do conforto do conhecimento de Deus o possam ter.
Estes doze são os primeiros. Como
meus seguidores, são capazes de conduzir a mim e, por isso, ao conforto todos
aqueles que estão encurvados sob os pesos de dores grandes demais. Em verdade,
Eu vo-lo digo: “Vinde a mim todos os que estais angustiados, desgostosos, com o
coração ferido, cansados, e Eu compartilharei da vossa dor e vos darei paz.
Vinde, por meio dos meus apóstolos, por meio dos meus discípulos e discípulas,
que cada dia aumentam com novos voluntários. Encontrareis o consolo em vossas
dores, companhia em vossas solidões, o amor dos irmãos para fazer-vos esquecer
o ódio do mundo, encontrareis como mais alto do que todos, como mais consolador
do que todos, como o companheiro perfeito: o amor de Deus.
Não duvidareis de mais nada. E
nunca mais direis: “Para mim tudo acabou!” Mas direis: “Tudo para mim está
começando, num mundo sobrenatural, que abole as distâncias e acaba com as
separações”, e pelo qual os filhos órfãos serão reunidos aos seus pais, levados
ao seio de Abraão, e os pais e as mães, as esposas e os viúvos, reencontrarão
os filhos perdidos, e o consorte perdido.
Nesta terra da Judéia, aqui perto
de Belém de Noemi, Eu vos lembro que o amor alivia a dor e traz alegria. Olhai
vós que estais chorando, para a desolação de Noemi, depois que sua casa ficou
sem homens. Ouvi suas palavras de desconsoladas despedidas a órfã e a Rute:
“Voltai daqui para a casa de vossa mãe. Que o Senhor use de misericórdia
convosco, como vós usastes para com aqueles que morreram e para comigo...” Ouvi
as suas cansadas insistências. Já não esperava mais nada da vida aquela que,
tempos atrás, era a bela Noemi, e que agora era a trágica Noemi, esmagada pela
dor, só esperava voltar aos lugares em que tinha sido feliz no tempo de sua
juventude, entre o amor do marido e os beijos dos filhos, para lá morrer. Ela
dizia: “Ide, ide. É inútil ficar comigo... Eu estou como morta... Minha vida já
não é mais aqui, e sim lá na outra vida, onde eles estão. Não sacrifiqueis mais
a vossa juventude ao lado de uma coisa que está morrendo. Porque realmente eu
sou “uma coisa”. Tudo me é indiferente. Deus me tomou tudo. Eu sou uma
angústia. E faria a vossa angústia, e está me pesaria no coração. E o Senhor me
pediria contas. Ele, que tanto já me feriu, porque ter-vos vivas junto de mim
já morta, seria um egoísmo meu. Portanto, ide para vossas mães...”
Mas Rute ficou para consolar
aquela dolorosa velhice. Rute havia compreendido que há dores sempre maiores do
que a nossa, e que sua dor de jovem viúva era menor do que da mulher que havia
perdido, além do marido, os dois filhos; assim como a dor do menino órfão, que
se vê obrigado a viver pedindo esmolas, sem receber nunca mais as carícias, e
nunca mais os bons conselhos, é bem maior do que a da mãe privada dos filhos;
assim como a dor de quem, por um complexo de motivos, chega a ter ódio do
gênero humano, e vê em cada homem um inimigo, que ele deve temer e do qual se
defender é ainda maior do que as outra dores, porque envolve, não somente a
carne, o sangue e a mente, mas até o espírito com os seus deveres e direitos
sobrenaturais, e o leva a perder-se. Quantas mães sem filhos, e filhos sem mãe
há neste mundo! Quantas viúvas sem prole existem, para terem piedade das
velhices solitárias! Quantos há, que ficaram privados de seus amores, para se
dedicarem totalmente aos infelizes, segundo a necessidade que sentem de amor,
combatendo assim o ódio, dando-se a si, dando sempre amor à Humanidade infeliz,
que está sempre mais sofrendo, porque está sempre odiando.
A dor é cruz, mas também é asa. O
luto despoja, mas é para revestir. Levantai-vos vós que estais chorando! Abri
os olhos, saí de vossos pesadelos, saí das trevas, dos egoísmos! Olhai... O
mundo é como uma terra árida e inculta, onde se chora e se morre. E ele grita:
“Acudi-me!” O mundo grita pela boca dos órfãos, dos doentes, dos que estão
sozinhos, dos que não sabem o que fazer, e pelas bocas daqueles que uma traição
ou uma crueldade tornaram prisioneiros do rancor. Ide a estes que estão
gritando. Esquecei-vos entre os esquecidos. Fazei a cura entre os doentes!
Esperai entre os desesperados. O mundo está aberto ás vontades de servir a Deus
no próximo e de se conquistar o Céu: a união com Deus e a reunião com aqueles
pelos quais choramos. Aqui é o campo das competições. Lá está o triunfo.
Vinde. Imitai Rute, estando ao
lado de todas as dores. Dizei, vós também: “Eu estarei convosco até á morte.” E
se vos responderem estas desventuras que se julgam incuráveis: “Não me chameis
Noemi, mas chamai-me Mara, porque Deus me cumulou de amarguras”, persisti. E
Eu, em verdade, vos digo que um dia, pela vossa persistência nessas desventuras
ainda exclamarão: “Seja bendito o Senhor, que tirou minha amargura, minha
desolação, minha solidão, por obra de uma criatura, que soube fazer sua dor
produzir frutos bons. Deus a abençoe para sempre, porque ela foi a minha
salvadora.”
O ato bom de Rute para com Noemi,
pensai nisso, deu ao mundo o Messias, porque de Davi, filho de Isaí, filho de
Obed veio o Messias, como Obed de Booz, Booz de Salmon, Salmon de Naasson,
Naasson de Aminadab de Aram, Aram de Esron, Esron de Farés, e eles vieram para
povoar os campos de Belém, preparando os antepassados do Senhor. Todo ato bom
dá origens a grandes coisas nas quais vós nem pensais. O esforço de alguém
contra o seu egoísmo, pode provocar uma tal onda de amor, que é capaz de subir,
subir conservando em sua pureza aquele que a provocou, até o ponto de levá-lo
ao pé do altar, ao coração de Deus. Deus vos dê a paz.”
Pg. 363 a368
212 – UMA ONDA DE AMOR POR JESUS,
QUANDO ELE EM JUTA FALA NA CASINHA DE ISAAC
“...Mas não tenhais dúvida disso.
Como diz Jeremias, eles reconhecerão, pelas provações, como é doloroso e amargo
terem abandonado o Senhor. Por certos delitos meus amigos, não há salitre nem
potassa, que consigam tirar a nódoa que eles deixam, nem mesmo o fogo do
inferno é capaz de tirar aquela nódoa. Ela é indelével.
Também aqui é necessário
reconhecer a justiça das Palavras de Jeremias. Realmente, os nossos grandes de
Israel parecem as jumentas selvagens das quais fala o Profeta, Acostumados com
o deserto de seus corações, porque, podeis crer, enquanto alguém estiver com
Deus, ainda que seja pobre como Jó, ainda que esteja sozinho, ainda que esteja
nu, nunca está sozinho, nunca é pobre, nunca está despojado, nunca é um
deserto. Mas eles tiraram Deus dos seus corações, e, por isso se acham num
árido deserto. Como as jumentas selvagens, que farejam no vento o cheiro dos
machos, que aqui no caso, pela libidinagem deles, tem o nome de poder ou
dinheiro, além da luxúria verdadeira e propriamente dita, a acompanham aquele
cheiro, até chegarem ao delito. Sim. Eles o acompanham, e ainda mais o
acompanharão. Eles não sabem que estão, não com os pés, mas com o coração
exposto ás flechas de Deus, que vingará o seu delito. Como, então, não haverão
de ficar confusos o rei e os príncipes, os sacerdotes e os escribas que, na
verdade disseram e dizem aquilo que nada é, ou, pior ainda, aquilo que é o
pecado: “Tu és meu pai. Tu me geraste!”
Em verdade, em verdade, Eu vos
digo que Moisés quebrou com ira as tábuas da Lei, ao ver o povo na idolatria e,
depois de subir de novo ao monte, orou, adorou e conseguiu. E isto, há muitos
séculos. Mas ainda não acabou, nem acabará. Ao contrário, cresce como fermento
posto na farinha a idolatria no coração dos homens. Agora, quase cada um dos
homens tem seu próprio bezerro de ouro. A Terra é um matagal de ídolos, porque
cada coração virou um altar e dificilmente se encontra Deus sobre ele. Quem não
tem uma paixão maligna tem outra, quem não tem uma concupiscência tem uma outra
com outro nome. Quem não é todo pelo ouro é todo por alguma posição, quem não é
todo pela carne é todo pelo egoísmo. Quantos “eu” transformados em bezerros de
ouro, não são adorados nos corações! Virá por isso um dia, em que eles,
golpeados clamarão ao Senhor e ouvirão dele esta resposta: “Vira-te para os
teus deuses. Eu não te conheço.”
Eu não te conheço. Terrível é
esta palavra quando dita por Deus a um homem. Deus criou o homem como uma raça,
e conhece cada homem em particular. Quando, pois, Ele diz: “Eu não te conheço”,
isto é sinal de que Ele apagou com a força de sua vontade, aquele homem de sua
lembrança. Eu não te conheço! Será Deus severo demais por proferir este
veredicto? Não. O homem gritou ao Céu: “Eu não te conheço!”, e o Céu respondeu
ao homem: “Eu não te conheço”, com a fidelidade de um eco. E meditai, o homem é
obrigado a conhecer a Deus por um dever de gratidão e por respeito para com a
sua própria inteligência.
Por
gratidão: Deus criou o homem, dando-lhe o dom inefável da vida e
provendo-o do dom superinefável da graça. Perdida está por própria culpa, o
homem ouve que lhe é feita uma grande promessa: “Eu te darei de novo a graça”.
É Deus que foi ofendido que fala assim ao seu ofensor, como se fosse Ele, Deus,
o culpado, obrigado a dar uma reparação. E Deus mantém a promessa. Eis que aqui
estou para dar de novo a Graça ao homem. Deus não se limita a dar o sobrenatural,
mas faz descer até nós sua Essência Espiritual, a fim de prover ás grosseiras
necessidades da carne e do sangue do homem, dá-lhe o calor do sol, o refrigério
da água, os grãos dos cereais, as videiras, as árvores de todas as espécies, os
animais de todas as espécies. Assim p homem recebeu de Deus todos os meios para
conservar a vida. Deus é o seu benfeitor. É preciso que lhe sejamos
reconhecidos e lhe mostremos isso, esforçando-nos por conhecê-lo.
Por
respeito para com nossa própria razão. O mentecapto e o idiota não são
gratos para com quem cuida deles, porque não compreendem os cuidados em seu
verdadeiro valor, e há quem os lava ou lhes põe a comida na boca, a quem os
guia ou os põe na cama, aquém os vigia para que não se exponham aos perigos. Eles
ainda lhes tem ódio, porque, bestiais como são por causa de sua doença, acham
ainda que aqueles cuidados são torturas. O homem que está em falta contra Deus
é alguém que se desonra a si mesmo, a um ser dotado de razão. Só os idiotas e
os doidos é que não conseguem distinguir o seu pai de um estranho, o benfeitor
de um inimigo. Mas o homem inteligente conhece o seu pai e o seu benfeitor e se
compraz em conhecê-lo sempre melhor, mesmo naquelas coisas que ele ignora,
porque aconteceram antes que ele nascesse ou que recebesses os benefícios do
pai ou do benfeitor. Assim deve-se fazer também com o Senhor, a fim de
mostrar-lhe que somos inteligentes, e não brutos. Mas muitos em Israel são
semelhantes a estes doidos que não reconhecem o seu pai e o seu benfeitor.
Jeremias pergunta a si mesmo:
“Poderá, acaso, a virgem esquecer-se de seus ornamentos e uma esposa do seu
cinto?” Oh! Sim. Israel está constituído por estas virgens, por essas esposas
impudicas, que se esquecem dos seus ornamentos honestos e da cintura para
usarem ouropéis, como as meretrizes. E isso se encontra em medida sempre maior,
quanto mais se sobe até as classes que deveriam ser as mestras do povo. E a
reprovação de Deus, com sua irritação e o seu pranto, lhes é dirigida. “Por que
te esforças em mostrar tua boa conduta, e procurar amor, tu, que ao contrário,
ensinas as malícias e os teus modos de fazer, e fizeste que se encontrassem nas
abas das vestes, o sangue dos pobres e dos inocentes?”
Amigos, a distância é um bem e é
um mal. Estar muito longe dos lugares, onde com facilidade Eu falo é um mal,
porque vos impede de ouvir as palavras da Vida. E vós vos queixais disso. Pois
é verdade. Mas é um bem, porque vos conserva afastados dos lugares em que
fermenta o pecado, onde ferve a corrupção, onde as ciladas sibilam, tramando
contra Mim, estorvando-me em minha obra e insinuando dúvidas e mentiras nos
corações a respeito de Mim. Mas Eu prefiro que estejais longe a que estejais
corrompidos. Eu proverei á vossa formação. Vós estais vendo que Deus proveu,
antes que nós nos conhecêssemos e, por isso, nos amássemos. Eu já era
conhecido, antes que nós nunca nos tivéssemos visto. Isaac foi o vosso
anunciador. Eu vou mandar muitos Isaques para dizer-vos as minhas palavras. E
ficai sabendo também que Deus pode falar em toda parte a sós com o espírito do
homem e fazê-lo crescer em sua doutrina.
Não tenhais medo de que, por
estardes sozinhos, isso vos possa fazer cair em erros. Não. Se não quiserdes,
não sereis infiéis ao Senhor e ao seu Cristo. Afinal, quem de verdade não pode
ficar longe do Messias, fique sabendo que o Messias lhe abre o coração e os
braços, e lhe diz: “Vem.” Vinde, vós que quereis vir. Permanecei, vós, que
quereis ficar. Mas, pregai o Cristo, tanto uns como os outros, com uma vida
honesta. Pregai contra a desonestidade, que se aninha em muitos corações.
Pregai isto contra a leviandade dos muitíssimos que não sabem permanecer fiéis
e que se esquecem dos seus ornamentos e cintos das almas chamadas para as
núpcias com Cristo. Vós me dissestes felizes: “Desde quando Tu vieste, nós não
tivemos mais doenças nem mortos. A Tua benção nos protegeu.” Sim grande coisa é
a saúde. Mas, fazei que a minha vinda de agora vos faça a todos sãos de
espírito, e sempre e em tudo. Para isso, Eu vos abençoo e vos dou a minha paz,
a vós e aos vossos filhos, aos campos, ás casas, ás messes, aos rebanhos, ás
árvores frutíferas. Servi-vos de tudo isso com santidade, não vivendo para
essas coisas, mas por meio delas, dando o supérfluo a quem não tem e adquirindo
a medida calcada das bênçãos do Pai, e um lugar no Céu. Ide. Eu fico para
rezar...”
Pg. 386 a 389
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217 – AS ESPIGAS APANHADAS NO DIA
DE SÁBADO
Ainda estão no mesmo lugar, mas o sol está menos implacável,
porque o fim do dia se aproxima.
“Precisamos andar para chegarmos
àquela casa”, diz Jesus.
E lá se vão. Afinal, chegam à casa. Pedem pão e alguma coisa
para restaurarem as forças. Mas o feitor os rechaça duramente.
“Raça de filisteus! Víboras! São sempre os mesmos! Nasceram
daquele tronco e dão frutos venenosos”, resmungam os discípulos, esfomeados e
cansados. “Que vos seja dado o que nos dais.”
“Mas, porque faltais com a
caridade? Não estamos mais no tempo do talião. Vinde para a frente. Ainda não é
noite e não estais morrendo de fome. Um pouco de sacrifício, para que estas
almas cheguem a ter fome de mim”, anima-os Jesus.
Os discípulos, porém, eu acho que mais por despeito, do que
por uma fome insuportável, entram por um campo adentro e põem-se a colher
espigas e as debulham com as palmas das mãos, e começam a come-las.
“São boas, Mestre”, grita Pedro. “Não vais apanhar delas?
Além disso, elas tem um duplo sabor... Eu quereria comer um campo inteiro cheio
delas.”
“Tens razão. Assim eles se arrependeriam de não nos terem
dado pão”, dizem os outros, e vão caminhando pelo meio das espigas e comendo à
vontade. Jesus vai caminhando sozinho pela estrada poeirenta. Uns cinco ou seis
metros atrás, estão Zelotes com Bartolomeu e vão falando um com o outro.
Em uma encruzilhada, onde uma estrada secundária atravessa a
estrada mestra, lá está, parado naquele ponto, um grupo de carrancudos
fariseus, que certamente estão de volta das funções do sábado, das quais eles
participam no lugarejo que se vê lá no fundo desta estrada secundária, um lugar
largo e plano, como se fosse um grande animal escondido em sua toca. Jesus os
vê, olha para eles, manso e sorridente, e os saúda: “A paz
esteja convosco!”
Em vez de responder a saudação, um dos fariseus lhe pergunta
com arrogância: “Quem és?”
“Jesus de Nazaré.”
“Estais vendo que é ele?”, diz um dos outros. Nesse meio
tempo Natanael e Simão se aproximam do Mestre, enquanto os outros, caminhando
por entre os sulcos, vêm vindo para o caminho. Estão ainda mastigando e com as
conchas das mãos cheias de grãos de trigo. O fariseu que falou primeiro, talvez
o mais poderoso, volta a falar com Jesus, que parou na expectativa de ouvir o
resto: “Ah! Então és o famoso Jesus de Nazaré? Como foi que chegaste até aqui?”
“Porque aqui também há almas para
salvar.”
“Para isso bastamos nós. Nós sabemos salvar as nossas e
sabemos salvar as dos que dependem de nós.”
“Se é assim, fazeis bem. Mas Eu
fui enviado para evangelizar e salvar.”
“Enviado! Enviado! E quem é que prova isso? Certamente que
não o provam as tuas obras.”
“Por que é que dizes isto? Não te
importas com a tua vida?”
“Ah! Agora, sim. Tu és aquele que dá a morte àqueles que não
te adoram. Queres então matar toda classe sacerdotal, a dos fariseus, e dos
escribas e muitas outras, porque não te adoram e não te adorarão nunca. Nunca,
compreendes? Nunca nós os eleitos de Israel, haveremos de adorar-te. E também
não te amaremos.”
“Eu não vos forço a me amar, e
vos digo: “Adorai a Deus”, porque...”
“Isto é, a Ti, porque tu és Deus, não é? Mas nós não somos os
piolhentos populares galileus, nem os tolos da Judéia, que andam atrás de Ti,
esquecendo-se dos nossos Rabis...”
“Não te preocupes homem. Eu não
peço nada. Eu cumpro a minha missão, ensino a amar a Deus, e torno sempre a
repetir o Decálogo, porque ele está por demais esquecido e, pior ainda, está
sendo mal aplicado. Eu quero dar a vida, a Vida Eterna. Eu não desejo para
ninguém a morte corporal nem muito menos a morte espiritual. A Vida que Eu te perguntava
se não te importavas em perder, era a da tua alma, porque Eu amo a tua alma,
mesmo quando ela não me ama. E fico angustiado, ao ver que tu a matas, quando
ofendes o Senhor, desprezando o Messias.”
O fariseu parece ter sido invadido por uma convulsão, pelo
tanto que está agitado, ele descompõe suas vestes, desfia as franjas, tira o
turbante, desgrenha os cabelos, e grita: “Ouvi! Ouvi! A mim, a Jônatas de
Uziel, descendente direto de Simão, o justo, a mim é que se vem dizer uma coisa
destas! Eu, ofender o Senhor! Não sei que, me segura, que eu não te amaldiçoe,
mas...”
“É o medo quem te segura. Mas,
faze o que queres. Por isso não é que não irás ser reduzido a cinzas. A seu
tempo o serás e me invocarás, então. Mas, entre mim e ti, haverá então, um
pequeno rio vermelho: o meu sangue.
“Está bem. Mas enquanto isso, Tu que te dizes santo, por que
é que permites certas coisas? Tu, que te dizes Mestre, por que é que não
instrui os teus apóstolos antes dos outros? Olha para eles, ali atrás de Ti...
Olha para eles, que estão ainda com o instrumento de pecado nas mãos! Não os
estas vendo? Eles apanharam espigas e hoje é sábado. Apanharam espigas que não
eram deles. Violaram o sábado e ainda roubaram.
“Nós estamos com fome. Nós pedimos ao lugar aonde chegamos
ontem à tarde, que nos dessem alojamento e comida. Mas eles nos rechaçaram.
Somente uma velhinha nos deu do seu pão e um punhado de azeitonas. Que Deus lhe
dê cem vezes mais, porque ela nos deu tudo o que tinha, pedindo somente uma
benção. Caminhamos uma milha, depois paramos, como é de Lei, e bebemos a água
de um rio. Em seguida, quando chegou o pôr do sol, fomos àquela casa... Fomos
expulsos de lá. Estás vendo que em nós havia vontade de obedecer a Lei”,
responde Pedro.
“Mas não o fizestes. No sábado não é lícito fazer trabalho
manual e nunca é permitido apanhar o que é dos outros. Eu e os meus amigos
ficamos escandalizados com isso.”
“Mas Eu, não. Não lestes como
Davi, em Nob, apanhou os pães sagrados da Preposição, para alimentar-se a si e
aos seus? Os pães estavam consagrados a Deus em sua casa, reservados, por uma
ordem eterna aos sacerdotes. Está dito: “Pertencerão a Aarão e a seus filhos,
que os comerão no lugar santo, porque são uma coisa santíssima.” No entanto,
Davi os apanhou para si e para os seus companheiros porque estavam com fome.
Agora, pois, se o santo rei entrou na casa de Deus e comeu os pães da
Preposição num sábado, ele a quem não era permitido comer deles e contudo isso
não lhe foi imputado como pecado, porque Deus continuou, mesmo depois disso, a
trata-lo como seu querido, como podes tu dizer que nós somos pecadores, se
colhemos no terreno de Deus as espigas que cresceram e amadureceram por vontade
Dele, as espigas que pertencem também aos passarinhos, e tu negas que delas se
possam alimentar os homens, filhos de Pai?”, pergunta Jesus.
“Eles pediram aqueles pães. Não
os apanharam sem pedir. E isso muda o aspecto da coisa.”
“Além disso, não é verdade que Deus não imputou aquilo a Davi
como pecado. Deus o golpeou duramente.”
“Mas não foi por isso. Pela
luxúria, pelo recenseamento, e não por...”, responde Tadeu.
“Oh! Basta. Não é permitido, e não é permitido! Não tendes o
direito de fazê-lo e não o fareis. Ide-vos embora! Não vos queremos em nossas
terras, Não precisamos de vós.”
“Nós iremos embora”, diz Jesus, não permitindo aos seus
discípulos retrucar.
“E para sempre recordai-o! Que nunca mais Jonatas de Uziel te
encontre em sua frente. Fora!”
“Sim. Fora. Contudo, ainda nos
encontraremos. E, então, será Jonatas quem me quererá ver, para repetir a
condenação e para livrar para sempre de Mim o mundo. Mas, então, será o Céu que
te dirá: “Não te é permitido fazer isso.” E aquele “não te é permitido” te
soará no coração como o ressoar de uma buzina durante toda a vida, e além da
vida. Assim como nos dias de sábado, os sacerdotes no Templo violam o repouso
sabático e não cometem pecado, assim nós, sevos do Senhor podemos, uma vez que
o homem nos nega amor, buscar amor e socorro no Pai Santíssimo, sem com isto
cometer faltas. Aqui está alguém que é muito maior do que o Templo, e pode
apanhar o que quiser de tudo que houver na natureza, porque Deus tudo fez para
servir de escabelo para sua Palavra. E Eu, não só apanho, como dou. Assim as
espigas do Pai, colocadas nesta imensa mesa que é a Terra, como a Palavra, Eu
apanho e dou. Aos bons, como os maus. Porque eu sou a misericórdia. Mas vós não
sabeis o que é misericórdia. Se soubésseis o que quer dizer esse meu “ser
Misericórdia”, compreenderíeis também que Eu não quero mais do que ela. Se vós
soubésseis o que é misericórdia, não teríeis condenado os inocentes. Mas vós
não sabeis. Vós não sabeis nem mesmo que Eu não vou condeno, vós não sabeis que
Eu vos perdoarei e que até pedirei perdão ao Pai por vós. Porque Eu quero a
misericórdia e não o castigo. Mas vós não sabeis. Não quereis saber. É este um
pecado maior do que aquele que me atribuis e que dizeis que estes inocentes
cometeram. Afinal, ficai sabendo que o sábado foi feito para o homem e não o
homem para o sábado, e que o Filho do homem é dono até do sábado. Adeus...”
E Jesus se vira para os discípulos: “Vinde.
Vamos procurar uma cama entre as areias, que já estão perto. Sempre teremos
como companheiras as estrelas, e nos dará sustento o orvalho. Deus proverá, Ele
que mandou o maná para Israel, alimentara a nós também, a nós pobres, mas fiéis
a Ele.”
E Jesus deixa assim no ar o grupo odiento, e lá se vai com
seus discípulos, enquanto a tarde vai chegando com as suas primeiras sombras
violáceas... Encontraram finalmente uma sebe de figueiras da Índia, em cuja
copa, arrepiada com suas pazinhas agressivas, estão figos, começando a ficar
maduros. Mas tudo é bom para quem está com fome. Em ferindo-se, os discípulos
vão colhendo os mais maduros, e vão andando, até que os campos terminam em umas
dunas arenosas, Ouve-se lá ao longe um rumor do mar.
“Permaneçamos aqui. A areia está
fofa e quente. Amanhã, entraremos em Ascalon”, Diz Jesus e todos caem cansados aos pés de uma alta
duna.
pgs.413 a 417
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261.1
. 4 - VOLUME 4
229 – DISCURSO AOS CIDADÃOS DE
BETSAIDA SOBRE O GESTO DE CARIDADE DE SIMÃO PEDRO
Diz Jesus:
“Vós aprovais a bondade de Simão
para com o órfão. Os que são bons entre vós. Mas somente o julgamento dos bons
é que tem valor. Os que não são bons não são ouvidos em seus julgamentos sempre
impregnados de veneno e de mentiras. Então vós, que sois bons, deveis aprovar
também a minha bondade para ir aliviar um pai e uma mãe. E não façais que a
vossa aprovação fique estéril, mas antes, vos leve a imitá-la. Quanto bem pode
vir de um ato bom, é o que dizem as páginas da Escritura. Lembremo-nos de
Tobias. Ele mereceu que o arcanjo protegesse o seu Tobiazinho, e que lhe
ensinasse com que devolver a visão ao pai. Mas quanta caridade, e sem
pensamento de utilidade, havia cumprido o justo Tobias, não obstante as
desaprovações da mulher e os perigos para sua vida. E lembrai-vos das palavras
do Arcanjo: “Boa coisa é a oração com o jejum, e a esmola vale mais do que
montes de tesouros em ouro, porque a esmola livra da morte, purifica os
pecados, faz achar a misericórdia e a vida eterna... Quando tu oravas, por
entre lágrimas, e ias sepultar os mortos... eu apresentei as tuas orações ao
Senhor.”
O meu Simão, em verdade Eu vos
digo, superará de muito as virtudes do velho Tobias. Ele ficará para vós como
um tutor das vossas almas na minha Vida, quando Eu me tiver ido embora. E agora
ele inicia a sua paternidade de alma, para ser amanhã um pai santo de todas as
almas fiéis a Mim. Portanto, não fiqueis murmurando. E, se um dia, como um
passarinho caído do ninho, encontrardes em vosso caminho um órfão, recolhei-o.
Não é o bocado, que se reparte
com o órfão, que vai empobrecer a mesa dos verdadeiros filhos. Pelo contrário,
ele traz para a casa as bênçãos de Deus. Fazei isso, porque Deus é o Pai dos
filhos órfãos, e vo-los apresenta Ele mesmo, para que os ajudeis, refazendo
para eles o ninho que foi desfeito pela morte. E fazei-o, porque assim ensina
Lei dada por Deus a Moisés, que é o nosso próprio legislador, visto que, numa
terra inimiga e idólatra, encontrou, em sua fraqueza de criança, um coração
compassivo, que se inclinou para ele e o salvou da morte, arrebatando-o dela
para fora das águas, para fora das perseguições, porque Deus havia determinado
que Israel tivesse um dia o seu libertador. Um ato de piedade obteve para
Israel o seu chefe.
As repercussões de um ato bom são
como as ondas do som, que se espalham até muito longe do ponto de onde foram emitidas,
ou, se vos agrada, como ondas de vento, que consigo levam para muito longe as
sementes raptadas ás glebas férteis. Ide, agora.
A paz esteja convosco.”
Pg. 16-17
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230 – CURA DA HEMORROÍSSA E
RESSURREIÇÃO DA FILHA DE JAIRO
Apareceu-me, enquanto eu estava rezando, muito cansada e
atormentada, e por isso estava mesmo nas piores condições para pensar por mim
mesma em tais coisas. Mas meu cansaço físico e mental e meu tormento
desapareceram logo que me apareceu o meu Jesus, e escrevo. Jesus vai indo por
uma estrada ensolarada e poeirenta, que se estende pela beira do lago. Ele toma
o rumo do povoado, para onde acorreram muitas pessoas, que o estavam esperando
com certeza, e que vão-se aglomerando ao redor dele, por mais que os apóstolos
se esforcem, com os braços e os ombros, para abrir-lhe caminho, e levantem a
voz para induzi a multidão para deixar um pouco de espaço. Mas Jesus não fica inquieto
no meio de tanta confusão. Mais alto do que todas as cabeças dos que o rodeiam,
Ele olha, com um doce sorriso, a multidão que se aperta junto a Ele, responde
ás saudações, acaricia algumas crianças, que conseguem penetrar através daquele
muro compacto de adultos e vão até perto dele, põe a mão sobre as cabeças dos
pequeninos, que as mães levantam acima das cabeças dos presentes, para que Ele
os toque. E, enquanto isso, Jesus vai caminhando. Vai devagar, cheio de
paciência, no meio daquela vozearia, e recebendo de todos os lados os esbarros
que aborreceriam a qualquer um.
Uma voz de homem grita: “Abri caminho, abri caminho.” É uma
voz cansada e que deve ser conhecida por muitos, e respeitada como de uma
pessoa influente, porque o povo logo abriu caminho, com muito trabalho, porque
vão pisando uns nos outros, e deixa passar um homem que está na casa dos seus
cinquenta, coberto com uma veste longa e caída, com uma espécie de lenço branco
ao redor da cabeça e que, pelos lados, desce ao longo do rosto e do pescoço.
Tendo chegado à frente de Jesus, ele se prostra aos pés dele, e diz: “Oh!
Mestre, por que estiveste longe tanto tempo? A minha filha está muito doente.
Ninguém pode curá-la. Tu és a minha esperança e a da mãe dela. Vem, Mestre. Eu
te estava esperando com uma grande angústia. Vem, vem logo. A minha filha única
está morrendo...”, e ele chora.
Jesus põe a mão sobre a cabeça do homem que está chorando,
sobre aquela cabeça inclinada e sacudida pelos soluços, e lhe responde: “Não
chores. Tem fé. A tua filha viverá. Vamos a ela. Levanta-te! Vamos!”
Estas duas últimas palavras foram ditas como uma ordem.
Antes, falou o Consolador. Agora é o Dominador que fala. E eles se põem a
caminho. Jesus tem a seu lado o pai que chora, e o segura pela mão. Quando
algum soluço mais forte sacode o pobre homem, vejo que Jesus olha para ele, e
lhe aperta a mão. Jesus não faz outra coisa, mas quanta força torna a fluir em
uma alma, quando ela se sente tratada assim por Jesus! Antes, no lugar onde
está o pai, estava Tiago. Mas Jesus o fez ceder seu lugar ao pobre pai. Pedro
está do outro lado. João vai ao lado de Pedro e com ele está procurando formar
uma barreira à frente da multidão, como estão fazendo Tiago e Iscariotes do
outro lado, atrás do pai que vai chorando.
Os outros apóstolos vão, uns na frente e outros atrás de
Jesus. Mas precisa-se de outro! Especialmente os três de atrás, entre os quais
vejo Mateus, não estão conseguindo deter aquela muralha viva. Quando, porém,
eles começam a resmungar um pouco demais, e se põe a dirigir algum pequeno
insulto à multidão indiscreta, Jesus vira a cabeça e diz com doçura: “Deixai
que o façam, estes meus pequeninos!”
Em certo momento porém, Ele se vira de repente, até soltando
a mão do pai, e para. Aí Ele se vira, não somente com a cabeça, mas com todo o
corpo. Fica, então parecendo mais alto, porque tomou a atitude de um rei. Com
um rosto e um olhar severos, inquiridores, Ele perscruta a multidão. Seus olhos
lampejam, não por dureza, mas cheios de majestade: “Quem foi
que tocou em mim?”,
pergunta Ele. Ninguém lhe responde.
“Quem foi que me tocou? Repito.”, insiste Jesus.
“Mestre”, respondem-lhe os discípulos, “não estás vendo como
a multidão esbarra em Ti por todos os lados? Todos estão tocando em Ti, apesar
de todos os nossos esforços.”
“Eu pergunto quem foi que me
tocou para conseguir um milagre. Eu percebi o poder de um milagre saindo de mim,
porque um coração o estava invocando com fé. Onde está esse coração?”
Os olhos de Jesus se inclinam duas ou três vezes, enquanto
Ele fala, para o lado de uma mulherzinha, já na casa dos seus quarenta anos,
muito pobremente vestida e muito emagrecida no rosto, a qual está fazendo
esforço para sumir no meio do povo e para ser engolida pela multidão.
Aqueles olhares devem estar incidindo sobre ela, e
queimando-a. Mas, afinal, ela compreende que não pode escapar, e vem para a
frente, joga-se-lhe aos pés, quase com o rosto por terra, com as mãos
estendidas, mas sem ousar tocar em Jesus. “Perdão! Sou eu. Eu estava doente. Há
doze anos que eu estava doente. Evitada por todos. Meu marido me abandonou.
Gastei todos os meus haveres para não ser considerada uma vergonha, e para
poder viver como todos vivem. Mas ninguém foi capaz de curar-me. Estás vendo,
Mestre? Eu estou velha, antes do tempo. A força saiu de mim com aquele meu
fluxo incurável, e com ela lá se foi também a minha paz. Disseram-me que Tu és
bom. Quem o disse foi um que foi curado por Ti da sua lepra e que, por ter sido
durante muitos anos evitado por todos, não teve nojo de mim. Eu não tive
coragem de dizer isso antes. Perdão! Pensei que, logo que tivesse tocado em Ti,
ficaria curada. Mas eu não te fiz ficar impuro. Eu apenas rocei pela aba de tua
veste, no ponto em que ela ia se arrastando pelo chão, sobre as sujeiras do
chão... Eu também sou uma sujeira... Mas estou curada, e que Tu sejas bendito!
No momento em que toquei na tua veste, o meu mal cessou. Agora tornei-me como
todas. Já não serei evitada por todos. Meu marido, os meus filhos, os parentes
poderão ficar perto de mim, e eu poderei acariciá-los. Vou poder ser útil a
minha casa. Obrigada, Jesus, bom Mestre. Que tu sejas bendito para sempre!”
Jesus olha para ela com uma grande bondade. E lhe sorri. E
lhe diz: “Vai em paz, minha filha. A tua fé te salvou. Fica curada para
sempre. Se boa e feliz. Vai!”
Enquanto fala ainda, chega um homem, eu diria que é um
criado, o qual se dirige ao pai que, durante todo aquele tempo, se manteve em
sua respeitosa e atormentada espera, como se estivesse em cima de brasas. “Tua
filha morreu. Inútil importunar mais o Mestre. O espírito dela a deixou, e as
mulheres já se estão lamentando. A mãe é que te mandou dizer isso, e te pede
que vás logo.”
O pobre pai solta um grande gemido. Ele leva as mãos à fronte
e a aperta, comprimindo os olhos e inclinando-se, como se fosse golpeado.
Jesus, que parece não dever ver nem ouvir nada, atento como Ele está em ouvir e
responder à mulher, pelo contrário, o que Ele faz é virar-se para o pobre pai e
pôr as mãos sobre suas costas arqueadas.
“Homem! Te repito: tem fé. Não
temas. A tua menina viverá. Vamos a ela.”
E se encaminha, segurando apertado contra a si o homem
aniquilado. A multidão, diante daquela dor e da graça pouco antes concedida, para
e fica aterrorizada. Depois, se reparte em grupos, e deixa que caminhem
livremente Jesus e os seus, e se põe a acompanhar, como uma sombra, a graça que
passa. Andam assim cerca de cem metros, talvez mais, eu não sou calculadora,
depois vão entrando cada vez mais para o centro do povoado. Uma aglomeração de
pessoas está na frente de uma casa de condição civil, comentando todos em voz
alta e estridente o que aconteceu, ao responderem aos gritos, ainda mais
estridentes, que estão saindo da porta escancarada. São gritos finos, agudos,
em uma nota monocórdica, e que parecem dirigidos por uma voz ainda mais aguda,
que faz o solo, e à qual respondem, primeiro um grupo de vozes mais finas, e
depois um outro de vozes mais cheias. É um barulhão capaz de matar até a quem
está bem de saúde. Jesus ordena aos seus que se detenham diante da porta de
saída, e chama consigo Pedro, João e Tiago.
Entra com eles em
casa, levando sempre seguro por um braço, o pai, que está chorando. Parece
estar querendo infundir-lhe a certeza de que Ele ali está para fazê-lo feliz,
com aquele aperto. As carpideiras (eu as chamaria urradoras), ao verem o chefe
da casa e o Mestre, aumentam a intensidade da gritaria, batem as mãos, percutem
os tamborins e os triângulos, e, ao som desta... música, emitem suas
lamentações.
“Calai-vos”, diz Jesus. “Não é
preciso chorar. A menina não está morta, mas dorme.” As mulheres soltam gritos ainda mais
fortes, e algumas rolam por terra, arrancam os cabelos, ou melhor, fazem como
se os arrancassem, para mostrarem que a menina está morta mesmo. Os tocadores
de flautas e os amigos tocam no braço do dono da casa, diante daquela ilusão na
qual está Jesus. Mas o Senhor repete um “Calai-vos”, em um tom tão enérgico, que a
gritaria, se não cessa, se transforma em murmúrio. E Ele passa além. Entra em
um quartinho. Sobre uma cama está estendida a menina morta. Magra, muito pálida, ela está vestida e com
os cabelos negros ajeitados com cuidado. A mãe está chorando perto do pequeno
leito, do lado direito, e beijando a mãozinha cor de cera da morta. Jesus... como
Ele está bonito agora! Poucas vezes o terei visto assim. Jesus se aproxima
solícito. Parece deslizar sobre o pavimento, em voo, tanto se apressa àquele
pequeno leito. Os três apóstolos ficam junto à porta, que eles fecharam aos
olhares dos curiosos. O pai fica parado aos pés do leito. Jesus vai para o lado
esquerdo do pequeno leito, estende a mão esquerda e, com ela, pega a mãozinha,
já abandonada, da morta. Ele pegou a mão esquerda. Eu vi bem. Assim é a
esquerda, tanto a de Jesus, como a da menina. Jesus levanta o braço direito,
levando a mão aberta até à altura dos ombros, e depois a abaixa, com um gesto
de quem jura ou comanda.
E diz: “Menina.
Eu te ordeno. Levanta-te!”
É um instante em que todos, menos Jesus e a morta, ficam
suspensos. Os apóstolos espicham os pescoços para verem melhor. O pai e a mãe
olham, com olhos cheios de aflição, para sua filha. É apenas um instante.
Depois, um suspiro começa a levantar o peito da morta. Uma leve cor vem subindo
pelo rostinho cor de cera, e tirando dele a lividez da morte. Um sorriso já se
vem esboçando nos labiozinhos pálidos, antes mesmo que os olhos se abram, como
se a menina estivesse tendo um bonito sonho. Jesus continua a segurar a mão
dela com sua mão. A menina já vai abrindo docemente os olhos, gira-os ao redor
de si, como se estivesse despertando. Vê por primeiro o rosto de Jesus, que a
está fitando com seus esplêndidos olhos, e lhe sorri, com uma bondade
encorajadora, e continua a lhe sorrir. “Levanta-te”, repete-lhe Jesus. E afasta com a mão
os aparatos fúnebres, que estavam espalhados sobre o pequeno leito e dos lados
(flores, velas etc., etc.) e a ajuda a descer e a dar os primeiros passos,
segurando-a sempre pela mão.
“Dai-lhe de comer agora”, ordena Ele.
“Ela está curada. Deus vo-la
restitui. Agradecei-lhe. E não conteis a ninguém isto que aconteceu. Vós sabeis
o que havia acontecido com ela. Vós acreditastes e merecestes o milagre. Os
outros não tiveram fé. É inútil procurar persuadi-los. A quem não crê no
milagre, Deus não se mostra. E tu, menina, sê boa. Adeus. A paz esteja nesta
casa.”
E Jesus sai, tornando a fechar a porta atrás de Si. E cessa a
visão. Eu lhe direi que os dois pontos
em que ela mais me trouxe alegria foram aqueles em que Jesus procura na
multidão quem foi que tocou nele e, sobretudo, quando Ele, de pé junto à morta,
a pega pela mão e lhe ordena que se levante. A paz, a segurança penetraram em
mim. Não é possível que um Compassivo igual a Ele, e um Poderoso como Ele, não
possa ter compaixão de nós e vencer o mal que nos faz morrer. Jesus, por
enquanto, não comenta, e nada diz sobre outras coisas.
Pg. 18-22
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233 – PARÁBOLA DA OVELHINHA
TRESMALHADA OUVIDA TAMBÉM POR MARIA DE MAGDALA
Jesus fala às multidões. Tendo subido à margem arborizada de
uma pequena torrente, Ele está falando a muitas pessoas, espalhadas pelo campo,
onde o trigo acabou de ser ceifado, e mostra ainda o aspecto triste dos
restolhos queimados. Já chegou a tarde. O crepúsculo vem descendo, mas a lua
também já vem subindo. É uma bela e clara tarde de um começo de verão. Alguns
rebanhos estão voltando para o redil, e o din-don das campainhas já se mistura com
o forte cantar dos grilos ou da cigarras, em um contínuo cri, cri, cri. Jesus
busca o assunto nas manadas que vão passando. Ele diz:
“O vosso Pai é como um pastor
cuidadoso. Como faz o bom pastor? Ele procura pastos bons para as suas
ovelhinhas, e as pastoreia onde não há cicutas nem tóxicos, mas trevos de bom
sabor, poejos aromáticos e amargos e saudáveis agriões. Procura os lugares onde
junto com o alimento haja também algum pequeno regato de águas frescas e
limpas, haja também algum pequeno regato de águas frescas e limpas, haja sombra
de árvores e, onde não encontre cobras pelo meio do verdor das ervas. Ele não
procura de preferência as pastagens mais viçosas, porque sabe que nelas é fácil
encontrar a cilada das serpentes e das ervas nocivas, mas prefere as pastagens
da montanha, onde as orvalhadas conservam sempre limpas e frescas as pequenas
ervas, enquanto o sol as mantém sempre limpas de répteis, lá onde o ar está
sempre em movimento e é bom, e não pesado e insalubre como o ar da planície.
O bom pastor observa uma por uma
as suas ovelhas. Trata delas quando estão doentes e nelas faz curativos quando
estão feridas. A que ficaria doente por estar comendo demais ele grita com ela,
e as outras que pegariam alguma doença por ficarem muito tempo em lugares
encharcados ou muito isolados, ele as chama para irem para outro lugar. E se
uma está sem apetite e não come, ele procura para ela ervas ligeiramente ácidas
e aromáticas capazes de despertar-lhes o apetite e lhes dá com sua mão,
conversando com ela como com pessoa amiga.
Assim é que faz o bom Pai que
está nos Céus, com os seus filhos errantes na terra. Seu amor é a vara que os
reúne e a voz que guia, e as pastagens são a Sua Lei e Seu redil é o Céu.
Mas acontece que uma ovelhinha se
afastou Dele. Quanto Ele a amava! Ela era nova, pura, cândida como uma nuvem em
céu de Abril. O pastor olhava para ela com muito amor, pensando em quanto bem
Ele podia fazer a ela e quanto amor dela podia receber.
Mas ela o abandona. Havia passado
por ali um tentador ao longo da estrada que vai margeando a pastagem. Ele não
vinha vestido de um modo austero, mas com uma veste de mil cores. Não vinha com
cinturão de couro, com um machado e uma faca pendurados, mas sim com um
cinturão de ouro, tendo pendurado nele guizos de prata, de sons melodiosos como
a voz do rouxinol e ampolas de perfumes que inebriam. Não trazia um bordão como
os bons pastores para reunir e defender as ovelhas e que, quando não basta o
bordão estão prontos a defende-las com o machado e a faca e até com a sua vida.
Mas aquele tentador que havia passado tinha nas mãos um turíbulo brilhante por
suas pedras preciosas, das quais subia fumaça que é de mau cheiro e perfume ao
mesmo tempo, mas que atordoa tanto como as joias, que são lapidadas sim mas
totalmente falsas. Ele estava deslumbrante. E ia cantando e deixando cair
punhados de um sal que brilhava sobre a terra escura.
Noventa e nove ovelhas pararam. A
centésima, a mais nova e querida dá um pulo e desaparece indo atrás do
tentador. O Pastor bem que a chama. Mas ela não volta. E lá vai mais rápida do
que o vento, para alcançar aquele que passou e, para ter forças para correr ela
experimentou daquele sal. E quando ela ia descendo por dentro dela, a queimou.
Então um delírio estranho fez que ela procurasse águas profundas e verdes em
matas escuras. E nas matas indo atrás do tentador, ela vai-se entranhando sobe
e desce e cai...uma, duas, três vezes. E uma duas três vezes ela sente ao redor
do seu pescoço o abraço viscoso dos répteis, e querendo beber, bebe daquelas águas
impuras. E querendo alimentar-se morde ervas que têm o brilho de uma baba
repugnante.
Que faz entretanto o bom
pastor? Ele fecha em lugar seguro as
outras noventa e nove e depois põe-se a caminho e não para de andar enquanto
não encontra os rastros da que se perdeu. E como não volta ela a ele, que está
confiando aos ventos as palavras com que a chama, ele continua ir em busca da
perdida. E chega a vê-la lá ao longe estonteada por entre as espirais dos
répteis e já tão tonta que nem sente mais saudade do rosto que a ama. Até ainda
zomba dele. E ele a torna a olhar, culpada por haver penetrado como uma ladra
em casa alheia, tão culpada que nem tem mais coragem de olhar para ele. Contudo
o pastor não se cansa, e vai. Procura-a, procura-a e a acompanha seguindo seus
rastros. Vai chorando sobre os sinais deixados por ela, são flocos de lã.
Traços de alma, traços de sangue, delitos diversos, sinais bem diferentes,
sujeiras, provas de sua luxúria. Ele vai indo até que a alcança.
Ah! Eu te encontrei querida, eu
te alcancei. Que caminhada eu fiz por causa de ti. Para tornar-te e levar-te
para o redil. Não inclines tua fronte aviltada. O teu pecado está sepultado em
meu coração. Ninguém a não ser eu que te amo ficará sabendo disso. Eu te
defenderei das críticas dos outros, eu te cobrirei com a minha pessoa, para
servir-te de escudo contra as pedras dos acusadores. Vem está ferida? Oh!
Mostra-me as tuas feridas. Eu as conheço. Mas eu quero que tu as mostres, com a
confiança que tinhas quando eras pura, e olhavas para mim, teu pastor e Deus
com os olhos inocentes. Aqui estão elas. Todas elas têm um nome. Como são
profundas! Como te foram feitas estas tão profundas que chegam ao fundo do
coração? Foi o tentador eu sei. É ele que
não usa bordão nem machado mas que fere ainda mais fundo com a sua mordida
envenenada, e, atrás dela, continuam ferindo as joias falsas do seu turíbulo,
aquelas que te seduziram com seu brilho, e que eram os enxofres do inferno,
trazidos à luz para queimar-te o coração. Olha quantas feridas! Quanta lã
rasgada, quanto sangue, quanta sarça.
Ó pobre pequena alma iludida. Mas
dize-me, se eu te perdoo me amarás ainda? Se eu te estendo os braços tu virás
para cá? Mas dize-me, tens sede de amor?
E então! Vem, e nasce de novo.
Volta para as pastagens santas. Chora. O teu com o meu pranto lavam as manchas
deixadas pelo teu coração, e eu para alimentar-te visto que tu estás consumida
pelo mal, que te queimou, abro o meu peito, abro minhas veias e te digo: Alimenta-te,
mas vive!
Vem que Eu te tomo nos braços.
Iremos mais bem dispostos ás pastagens santas e seguras. Tudo haverás de
esquecer desta hora de desespero. E as tuas noventa e nove irmãs se alegrarão
pela tua volta, porque Eu te digo, a minha ovelhinha tresmalhada que eu fui
procurar, tendo que andar até longe e que eu afinal alcancei, que eu salvei,
pois maior festa se faz entre os bons por um tresmalhado que volta do que por
noventa e nove justos que jamais se afastaram do redil.”
Jesus nenhuma vez se virou para olhar para o caminho, que
está atrás dele, e pelo qual acaba de chegar por entre as penumbras da tarde.
Maria de Magdala, ainda elegantíssima, mas vestida muito mais simplesmente,
coberta com um véu escuro, que uniformiza os seu gestos e suas formas. Mas,
quando Jesus fala: “Eu te encontrei. Querida”, Maria põe as mãos debaixo do véu
e chora baixo, mas continuamente. As pessoas não a veem, porque ela está para
além do barranco, que fica à beira da estrada. Quem a vê é somente a lua, que
já vai alta, e o Espírito de Jesus... O qual me diz: “O comentário
está na visão. Mas eu falarei dele ainda. Agora repousa, porque é tarde. Eu te
abençoo, Maria fiel.”
Pg. 35-38
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234 – COMENTÁRIO DE TRÊS
EPISODIOS SOBRE A CONVERSÃO DE MARIA DE MAGDALA
Diz Jesus:
“Desde janeiro, desde quando Eu
te fiz ver a ceia na casa de Simão, o leproso, tu, e quem te guia, desejastes
conhecer mais sobre Maria de Magdala e que palavras Eu tive para ela. Sete meses
depois, Eu vos descubro estas páginas do passado, para contentar-vos e para dar
uma norma aqueles que devem saber inclinar-se sobre estas leprosas da alma, e
uma palavra que conceda a essas infelizes, que se sufocam em seu sepulcro de
vícios, ao tentarem sair dele. Deus é
bom. Ele é bom com todos. Ele não mede com medidas humanas. Não faz diferença entre pecado e pecado
mortal. O pecado o entristece, seja ele qual for. O arrependimento o faz ficar
alegre e pronto para perdoar. A resistência a graça o torna inexoravelmente
severo, porque a Justiça não pode perdoar ao impenitente, que morre assim mesmo
com todos os auxílios que tiver recebido para que se convertesse. Mas, nas
conversões que falharam, se não a metade, pelo menos quatro décimos têm como causa
primeira o descuido dos que estão á frente do trabalho de conversão, por um
zelo mal entendido e mentiroso que, como um toldo descido sobre um real egoísmo
e orgulho, pelos quais ficam eles tranquilos em seu próprio abrigo, sem
descerem para o meio da lama, a fim de arrancar dela um coração. “Eu sou puro.
Eu sou digno de respeito. Não vou aos lugares onde há corrupção moral, nem onde
me podem faltar com a reverencia.” Mas quem fala assim não leu o Evangelho
naquele ponto onde está dito que o Filho de Deus veio para converter os
publicanos e as meretrizes, além das pessoas honestas que assim o eram, ainda
que somente segundo a Lei Antiga? Não pensará esse tal que o orgulho é uma
impureza da mente, e que a falta de caridade é uma impureza do coração? Ficarás
vilipendiado? Eu já o fui antes, e mais do que tu, e Eu era o Filho de Deus.
Deverás andar com tuas vestes sobre as imundícies? E Eu, não toquei com as
minhas mãos esta imundície, para pô-la de pé e dizer-lhe: “Caminha por este
novo caminho”? Não vos lembrais do que foi que Eu disse aos vossos primeiros
predecessores? “Em qualquer cidade ou vila em que entrardes, informai-vos sobre
quem há nela que o mereça, e ficai na casa dele.” Isto para que o mundo não
fique murmurando. O mundo que é fácil demais para ver o mal em todas as coisas.
Mas Eu acrescentei: “Ao entrardes
nas casas, ”casas” Eu disse, e não “casa”, saudai-as dizendo: “Paz à esta casa”. Se a
casa for digna, a paz virá sobre ela e, se não for digna, voltará para vós.”
Isto é para ensinar-vos que, enquanto não houver uma prova certa de
impenitência, deveis ter para com todos um mesmo coração. E Eu completei o
ensinamento, dizendo: “E, se algum não vos recebe e não escuta as vossas
palavras, ao sairdes daquelas casas e daquelas cidades, sacudi a poeira que
ficou pegada á sola de vossos pés.” A fornicação nos bons, pelos quais a
Bondade é constantemente amada, faz que eles sejam como um dado de vidro liso,
e ela não é mais do que pó. Um pó que, basta que o sacudamos, ou que sopremos
sobre ele, para que ele voe, sem deixar nenhuma lesão. Sede verdadeiramente
bons. Formal um só bloco, com a Bondade 39 eterna no centro. E nenhuma
corrupção será capaz de subir para vos sujar, a não ser nas solas de vossos
pés, pois estão apoiados no chão. A alma fica muito ao alto. A alma de quem é
bom e de quem faz uma coisa só com Deus. A alma está no Céu. Até lá não chegam
nem a poeira nem a lama, nem mesmo quando esta é jogada com ódio contra o
espírito do apóstolo. A carne pode ferir-vos. Ferir-vos, quer dizer, materialmente,
moralmente, perseguindo-vos, porque o Mal odeia o Bem, ou ofendendo-vos. E que
tem isso? Também Eu não fui ofendido? Não fui ferido? Mas será que aqueles
golpes ou aquelas palavras obscenas ficaram gravadas em meu Espírito? Será que
o perturbaram? Não. Será como um cuspo lançado contra um espelho, ou como uma
pedra jogada contra a polpa suculenta de uma fruta: deslizam sem conseguirem
penetrar, ou penetram, mas somente na superfície, sem ferirem o germe que está
dentro do caroço, e, pelo contrário, até o ajudam a nascer, porque é mais fácil
sair para fora de uma massa já meio aberta, do que de uma completamente
fechada. É morrendo que o grão germina e que o apóstolo produz. Morrendo
materialmente ás vezes, morrendo quase diariamente, num sentido metafórico,
porque com isso fica mais do que machucado o eu do homem. E isso não é morte: é
Vida. Triunfa o espírito sobre a morte da humanidade. Vinda a Mim por um capricho de ociosa, que
não sabe como encher suas horas de ócio, os seus ouvidos atordoados pelas
mentirosas gentilezas de quem a acarinhava com hinos à sensualidade, para poder
tê-la como escrava, aos seus ouvidos ressoou a voz límpida e severa da Verdade.
Da Verdade que não tem medo de ser escarnecida e incompreendida e que fala suas
palavras olhando para Deus. E, como um coro de sinos em festa, todas as vozes
se fundiram na Palavra. São as vozes usadas para ressoarem nos Céus, no azul
livre do ar, propagando-se por vales e colinas, planícies e lagos, para fazer
lembradas as glórias do Senhor e suas festividades. Não vos lembrais do repicar
festivo dos sinos em festa, que nos tempos de paz tornava tão alegre o dia
dedicado ao Senhor? O sino maior dava com seu badalo que suscitava o som, o
primeiro toque em nome da Lei divina. Ele dizia: “Eu estou falando em nome de
Deus, Juiz e Rei.” E depois os sinos menores arpejavam: “que é bom,
misericordioso e paciente”, até que chegou a vez do sino mais sonoro, com sua
voz de anjo, dizer: “cujo amor o leva a perdoar e a compadecer-se, para vos
ensinar que o perdão é mais útil do que o rancor, e que é melhor ter compaixão
do que ser inexorável. Vinde a quem perdoa. Tende fé em quem se
compadece”. Eu também, depois de ter
feito que seja lembrada a Lei, que foi pisada pela pecadora, fiz cantar a
esperança do perdão. Como uma faixa verde e azul de seda, eu a sacudi por entre
as tintas pretas, para que aí ela colocasse as suas reconfortantes palavras. O
perdão! Ele é uma orvalhada sobre o ardor em que está o culpado. A orvalhada
não é o granizo que fere, como uma flecha, que golpeia, ricocheteia e depois
vai-se, sem penetrar, matando a flor. O orvalho desce de um modo tão leve, que
a flor, ainda que seja muito delicada, não o sente pousar-se sobre suas pétalas
de seda. Mas depois ela bebe o frescor dele e se restaura. O orvalho vai pousar
também junto ás raízes, sobre a gleba esturricada, e vai até além... E uma
umidade de lágrimas, e um pranto das estrelas, amoroso pranto das nutrizes
sobre os filhos que têm sede e que desce, esse mesmo, restaurador, junto com o leite
gostoso e fecundo. Oh! Os mistérios dos elementos que trabalham par a ele,
mesmo quando o homem toma o seu descanso, ou quando peca! O perdão é como este
orvalho. Ele traz consigo, não somente a limpeza, mas os sucos vitais,
arrebatados, não dos outros elementos, mas das lareiras divinas. Depois, após a
promessa de perdão, eis a Sabedoria que fala, e diz o que é ou não é lícito, e
nos chama e sacode. Não o faz por dureza. Mas pela solicitude materna de
salvar. Quantas vezes a vossa pederneira se faz ainda mais impenetrável e
agressiva para com a Caridade que sobre vós se inclina! Quantas vezes a evitais,
quando Ela vos quer falar! Quantas vezes não zombais dela! Quantas vezes a
odiais! Se a Caridade usasse para convosco dos modos de que usais para com Ela,
o que seria de vossas almas?! Mas, vede como é o contrário. Ela é a Incansável
Caminhante, que vem á procura de vós. Ela vem procurar-vos, mesmo quando vos
entocais em vossas nojentas tocas. Por
que Eu quis ir àquela casa? Por que não operei nela o milagre? Para ensinar aos
apóstolos como agir, desafiando os preconceitos e as críticas para cumprir um
dever tão alto, que está acima dessas coisinhas do mundo. Por que Eu disse a
Judas aquelas palavras? Os apóstolos eram muito homens. Todos os cristãos são
muito homens, até os santos da terra o são, ainda que de maneira menor.
Todo bom Pastor leva suas ovelhas
a bons pastos. Alguma coisa de humano persiste até nos perfeitos. Mas os
apóstolos ainda não eram perfeitos. Os pensamentos deles estavam cheios do que
é humano. Eu os levava para o alto. Mas o peso da humanidade deles os puxava
para baixo. Para fazer que eles descessem sempre menos. Eu devia colocar no
caminho da subida algumas coisas próprias para parar a descida, de modo tal,
que, indo de encontro a elas, eles parassem, meditassem e repousassem, para
depois subirem mais, até além do limite de antes. Coisas que fossem de primeira
qualidade, a fim de persuadi-los de que Eu era Deus. Por exemplo, a
introspecção das almas, a vitória sobre os elementos, os milagres, a
transfiguração, a ressurreição e a ubiquidade. Eu estive na estrada de Emaús,
enquanto estava no Cenáculo e, a hora daquelas duas presenças, verificadas
pelos apóstolos e discípulos, foi uma das razões que mais os impressionou,
soltando-os de seus laços e dirigindo-os para os caminhos de Cristo. Mais do
que para Judas, que já incubava em si o plano da morte, Eu falei para os outros
onze. Que Eu era Deus, era o que Eu necessariamente devia fazer brilhar diante
dos olhos deles, não por orgulho, mas por necessidade de sua formação. Eu era
Deus e Mestre. Aquelas minhas palavras diziam que Eu era isto. Eu me revelo com
uma faculdade extra-humana, e ensino uma perfeição: não ter discursos maus, nem
mesmo com o nosso interior. Pois que Deus está vendo e Deus deve ver um
interior puro, para poder nele descer e aí fazer sua morada. Por que não operei
o milagre naquela casa? Para fazer que todos compreendessem que a presença de
Deus exige um ambiente puro. Pelo respeito à sua excelsa majestade.
Para falar sem a palavra nos lábios, mas com
uma palavra ainda mais profunda, ao espírito da pecadora, e dizer-lhe: “Estás
vendo, infeliz? Estás tão suja, que tudo ao redor de ti fica sujo. Tão sujo,
que aí Deus não pode operar. Tu estás suja mais do que estes. Porque tu repetes
a culpa de Eva e ofereces o fruto aos Adãos, tentando-os, afastando-os do
Dever. Tu, ministra de Satanás”. Por que não quero que seja chamada “Satanás”
pela mãe angustiada? Por que nenhuma razão justifica o insulto e o ódio. A
primeira necessidade, a primeira condição para termos Deus conosco é não termos
rancor e sabermos perdoar. A segunda necessidade é sabermos reconhecer que
também nós, ou quem é nosso, é culpado. Não vejamos somente a culpa dos outros.
A terceira necessidade é sabermos conservar-nos gratos e fiéis, depois de
termos recebido graças, e fazendo o que é justo para com o Eterno. Infelizes
daqueles que, depois de receberem a graça, ficam piores do que cães, pois já
não se lembram do seu Benfeitor, enquanto que o animal se lembra dele! Eu não disse uma palavra á Madalena. Como se
ela fosse uma estátua, Eu a olhei por um instante, e depois a deixei. Voltei
para os “vivos”, que Eu queria salvar. A ela, uma matéria morta como e mais do
que um mármore esculpido, Eu a envolvi com uma indiferença aparente. Mas Eu não
disse nem uma palavra, nem fiz ato algum que não tivesse como alvo principal a
sua pobre alma, que Eu queria redimir. E a última palavra: “Eu não insulto. Não
insultes. Reza pelos pecadores. E Nada mais”, é como uma grinalda de flores que
se terminou, e tal palavra vai juntar-se com a primeira palavra, que foi dita
lá sobre o monte: “O perdão é mais útil do que o rancor, e a compaixão do que a
inexorabilidade.” E a fecharam, á pobre infeliz, em um círculo aveludado, fresco,
perfumado pela bondade, fazendo-a perceber como servir a Deus é diferente
daquela feroz escravidão a Satanás, e como é suave o perfume celeste, em
comparação com o fedor da culpa, e como é repousante ser amados santamente, em
comparação com ser possuídos satanicamente. Vede como o Senhor usa de medidas
em seu querer. Ele não exige conversões fulminantes. Não pretende ter de um
coração o absoluto. Sabe esperar. E sabe contentar-se. E, enquanto espera que a
perdida encontre de novo o caminho, que a louca encontre a razão, Ele se
contenta com tudo o que lhe puder dar a mãe transtornada pela dor. Eu não lhe
pergunto mais do que isto: “Podes perdoar?” Quantas outras coisas Eu teria tido
que perguntar-lhe, para torná-la digna do milagre, se Eu tivesse que julgar
conforme as medidas humanas. Mas Eu meço divinamente as vossas forças. Aquela
pobre mãe transtornada já estaria fazendo muito, se conseguisse perdoar. E Eu
lhe pergunto somente isto, naquela hora. Depois, entregando-lhe o filho, lhe
digo: “Sê santa, e faze santa a tua casa”. Mas, enquanto o espasmo a
transtorna, não lhe peço senão o perdão para a culpada. Não se pode exigir tudo
de quem, pouco antes, estava no nada das trevas. Aquela mãe viria depois á luz
total, e com ela a esposa e os meninos. No momento, aos seus olhos, cegos de
tanto chorar, era preciso que se fizesse chegar o primeiro crepúsculo da luz: o
perdão, que é a aurora do dia de Deus.
Nos presentes, só um - não estou contando Judas, pois falo dos cidadãos
lá acolhidos e não dos meus discípulos - só um não teria vindo à Luz. Estes
malogros estão juntos com as vitórias do apostolado. Há sempre alguém por quem
o apóstolo se afadiga em vão. Mas essas derrotas não o devem fazer perder o
alento. O apóstolo não deve pretender conseguir tudo. Contra ele há forças
adversas, que têm muitos nomes, e que, como tentáculos de polvos, pegam de novo
a presa, que ele lhes havia arrebatado. O merecimento do apóstolo permanece
igual. Infeliz do apóstolo que diz: “Eu sei que lá não poderei converter, e por
isso, não vou. Esse é um apóstolo de bem pouco valor. É preciso ir, mesmo que
entre mil só um se salve. Sua jornada apostólica será frutuosa com aquele
homem, como se fossem mil. Porque ele terá feito tudo o que podia, e Deus lhe
dá o prêmio por isso. É preciso também pensar que onde o apóstolo não pode
conseguir conversões, por que os que precisam da conversão estão por demais
seguros pelas garras do demônio e, quando as forças do apóstolo são inferiores
ao esforço que delas se requer, nesse caso Deus pode intervir. E, então? Quem é
mais do que Deus?
Outra coisa que deve
absolutamente praticar o apóstolo é o amor. Amor manifesto. Não somente o amor
secreto, que existe no coração dos irmãos. Aquele basta para os bons irmãos.
Mas o apóstolo é operário de Deus, e não deve limitar-se a rezar: deve agir.
Aja com amor. Com grande amor. O rigor paralisa o trabalho do apóstolo e o
movimento das almas para a Luz. Não rigor, mas amor. O amor é a veste de
amianto, que torna uma pessoa inatacável pelas labaredas das paixões. O amor é
a saturação de essências preservadoras, que impedem que a podridão
humano-satânica penetre em nós. Para se conquistar uma alma, é preciso saber
amá-la. Para se conquistar uma alma é preciso levá-la a amar. Amar o Bem,
repudiando os seus próprios pobres amores de pecado. Eu queria a alma de Maria.
E, como para ti, pequeno João, Eu não me limitei a falar de minha cátedra de
Mestre. Eu desci a procurá-la pelos caminhos do pecado. Eu a acompanhei e
persegui com o meu amor. Doce perseguição! Entrei, Eu-Pureza onde estava
ela-impureza. Não tive medo de escândalo, nem para Mim, nem para os outros.
Escândalo em Mim não podia entrar, porque Eu era Misericórdia. E esta chora,
sim, sobre as culpas, mas não fica escandalizada por elas. Infeliz do pastor
que se escandaliza, e atrás deste para vento, se entrincheira para abandonar
uma alma! Não sabeis que as almas são mais dispostas do que os corpos a
ressurgir e que a palavra piedosa e amorosa, que diz: “Minha irmã, levanta-te
para o teu bem”, opera muitas vezes o milagre?
Eu não tinha medo do escândalo
dos outros. Diante dos olhos de Deus, o que Eu fazia estava justificado. Diante
dos olhos dos bons estava compreendido. O olho mau no qual fermenta malícia,
evaporando-se de um interior corrompido, não tem valor. Ele acha culpa até em
Deus. Não vê ninguém perfeito, a não ser ele mesmo. Por isso, Eu não o curava.
As três fases da salvação de uma alma são:
Ser
tanto mais íntegros, quanto possível, para poder falar sem o temor de ficar
obrigados ao silêncio:
Falar a toda uma multidão, de tal
modo que a nossa palavra apostólica, dita ás turbas que se aglomeram ao redor
da barca apostólica, vá fazendo círculos como a onda, atingindo sempre pontos
mais distantes, até chegar á beira lamacenta, onde estão estendidos aqueles que
se estancaram na lama, e não se preocupam com o conhecimento da Verdade. Este é
o primeiro trabalho, para romper a crosta da gleba dura e prepará-la para
receber a semente. Isto é o mais difícil para quem o faz e para quem o recebe,
porque a palavra deve, como um vômer cortante, ferir para abrir. E na verdade
Eu vos digo que o coração do apóstolo bom se fere e derrama seu sangue, pela
dor de ter que ferir para abrir. Mas também esta dor é fecunda. Com o sangue e
o pranto do apóstolo, torna-se fértil a gleba inculta.
Segunda
qualidade: Operar também naquele lugar em que alguém, menos compenetrado
de sua missão, dela teria fugido. Sacrificar-se no esforço de arrancar a
cizânia, a tiririca e os espinheiros para pôr a nu o terreno arado a fim de
fazer brilhar sobre eles, como o Sol, o poder de Deus e sua bondade e, ao mesmo
tempo, trabalhando como juiz e como médico, ser severo, sem deixar de ser
compassivo, saber parar numa pausa de espera para dar tempo às almas de superar
a crise, meditar, decidir.
Terceiro
ponto: Não só com a alma que no silêncio se arrependeu, chorando e
pensando nos seus erros, ousa vir timidamente, temerosa de ser expulsa, até
chegar ao apóstolo, que o apóstolo tenha um coração maior do que o mar, um
coração mais doce de que um coração de mãe, mais enamorado que um coração de
esposo, e o abra todo, para fazer que fluam dele ondas de ternura. Se tivésseis
Deus em vós, Deus que é Caridade, encontraríeis facilmente as palavras de
caridade a serem ditas ás almas. Deus falará em vós e por vós e, como o mel que
escorre de um favo e bálsamo que flui de uma ampola, o amor chegará até os
lábios ressequidos e enfastiados, chegará aos espíritos feridos, e será alívio
e remédio. Fazei que os pecadores vos amem, ó vós, doutores das almas. Fazei
que sintam o sabor da Caridade celeste e se rendam a Ela, cheios do desejo de
não procurarem nunca mais outro alimento. Fazei que sintam na vossa doçura um
tal alívio, que o procurem para todas as suas feridas. É preciso que a vossa
caridade expulse para longe deles todo o temor, porque, como diz a epístola que
leste hoje: “O temor supõe o castigo, e quem teme, não está perfeito na
caridade.”
Mas não o está também aquele que
faz temer. Não digais: “Que foi que eu fiz?” Não digais: “Vai-te embora” Não
digais: “Tu não podes gostar do amor bom.” Mas, dizei assim, dizei-o em meu
nome: “Ama, e eu te perdoo.” Dizei “Vem, os braços de Jesus estão abertos.”
Dizei: “Prova deste Pão angélico e desta Palavra, e esquece-te do piche do
inferno e das zombarias de Satanás.”
Fazei-vos como animais de carga
para suportar as fraquezas dos outros. O apóstolo há de suportar as suas e as
dos outros. E, enquanto estiverdes vindo a Mim, trazendo nos ombros as ovelhas
feridas, tranquilizai a estas errantes, e dizei-lhes: “Tudo está esquecido, a partir
deste instante.” Dizei: “Não tenhas medo do Salvador. Ele veio do Céu para ti,
precisamente para ti. Eu não sou mais do que uma ponte para levar-te a Ele, que
te está esperando, do outro lado do rio da absolvição penitencial, para
conduzir-te ás suas pastagens santas, cujos princípios estão aqui nesta terra,
mas continuam depois, com uma beleza eterna que nutre e faz feliz nos Céus. “
Eis o comentário. A vós pouco
interessa, a vós, ó ovelhas fiéis ao Bom Pastor. Mas, se a ti, ó pequena
esposa, trouxe um aumento de confiança, para o Padre haverá ainda mais luz, na
sua luz de juiz, e para muitos será um estímulo para irem ao Bem. Mas será uma
orvalhada que penetra e que nutre, da qual Eu falei, e que faz reviverem as
flores que estavam murchas. Levantai vossas cabeças. O Céu está acima. Vai em
paz, Maria. O Senhor está contigo.”
Pg. 38-46
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236 – A CEIA NA CASA DE SIMÃO, O
FARISEU, E O PERDÃO A MARIA DE MAGDALA
... Não está presente mulher nenhuma. Todos estão
conversando, e o dono da casa, de vez em quando, se vira, com afetada condescendência
e com evidente indignação, para Jesus. Está claro que ele quer se mostrar a
todos os presentes que ele está prestando a Jesus uma grande honra, ao tê-lo
convidado a vir à sua rica casa, convidando a Ele, que é um pobre profeta,
julgado até por alguns um pouco exaltado... Vejo que Jesus lhe responde com
cortesia, pacatamente. Ele sorri, com aquele seu leve sorriso, a quem o
interroga, sorri com um sorriso luminoso a quem lhe fala, ou que somente fica
olhando para Ele, como João. Vejo que se
levanta o rico toldo, que cobre o vão da porta, e que entra uma mulher ainda jovem,
muito bonita, ricamente vestida e cuidadosamente penteada. Sua cabeleira, loura
e abundante, faz-lhe na cabeça um fino ornato de cachos entrelaçados com arte.
Parece trazer na cabeça um elmo de ouro todo em relevos, pois a cabeleira
brilha, e é farta. Tem uma veste que, se eu a comparasse com a que sempre vemos
na Virgem Maria, diria que é muito excêntrica e complicada. Fivelas nos ombros,
joias para segurar os frisados no alto do peito, pequenas correntes de ouro
para contornar o próprio peito, cintura com broches de ouro e pedras preciosas.
Uma veste procaz, que põe em relevo as linhas de um corpo muito bem feito. Na
cabeça, ela tem um véu tão fino, que não cobre nada. Tudo para pôr em destaque
a sua afetação, e basta. Nos pés tem umas sandálias muito ricas, com fivelas de
ouro, feitas com pele vermelha e com laços trançados nos tornozelos.
Todos, menos Jesus, se viram, olhando para ela. João a
observa por um instante, depois se volta para Jesus. Os outros fixam nela os
olhos, com aparentes e malignos desejos. Mas a mulher não olha para eles, por
nenhum motivo, nem se incomoda com o murmúrio que ela despertou com sua
entrada, nem pelo piscar de olhos de todos os presentes, menos de Jesus e de
seu discípulo. Jesus aparenta não estar percebendo nada. E continua a falar,
terminando a conversação que havia começado com o dono da casa. A mulher vai
para o lado de Jesus, e se ajoelha perto dos pés do Mestre. Ela põe no chão um
pequeno vaso, em forma de ânfora muito bojuda, tira o véu da cabeça, corta a
ponta do alfinete precioso que o conservava preso aos cabelos, tira dos dedos
os anéis, e coloca tudo sobre o sofá-cama, perto dos pés de Jesus, depois toma
entre as suas duas mãos os pés, primeiro o direito, depois o esquerdo, tira
deles as sandálias e as coloca no chão, em seguida beija, no meio de uma grande
explosão de pranto, aqueles pés, e os apoia contra a sua fronte e os acaricia,
enquanto suas lágrimas caem como uma chuva, que brilha à luz do lampadário e
rega a pele daqueles pés adoráveis.
Jesus volta lentamente a cabeça, e seu olhar azul escuro vai pousar, por
um instante, naquela cabeça inclinada. É um olhar que absolve.
Depois, torna a olhar para o centro. Deixa-a livre em seu
desabafo. Mas os outros, não. Eles estão zombando dela, piscando os olhos e
ridicularizando-a. E o fariseu põe-se, então, sentado, por um momento, para
poder ver melhor, e está com um olhar cheio de desejos e, ao mesmo tempo,
aborrecido, irônico. Cheio de desejos da mulher. Esse sentimento dele é
evidente. E aborrecido ele está, porque ela entrou lá, tomando tanta liberdade,
que até poderia fazer os outros pensarem que aquela mulher é alguma hóspede que
frequenta sempre a sua casa. E é um olhar irônico, quando dirigido a Jesus...
Mas a mulher não percebe nada. Ela continua a chorar muito, mas sem gritar. São
grandes lágrimas, e um ou outro soluço.
Depois, ela se despenteia, tirando os grampos de ouro, que
prendiam o complicado penteado, vai pôr também esses grampos perto dos anéis e
do alfinete. As madeixas de ouro rolam pelas costas abaixo. Ela as segura com
as duas mãos, leva-as para cima de seu peito, e as passa sobre os pés molhados
de Jesus, até vê-los enxutos. Em seguida, mergulha os dedos no pequeno vaso,
tira dele uma pomada amarelo escura e muito cheirosa. É um perfume entre o do
lírio e o da angélica, e que se espalha por toda a sala. A mulher continua a
mergulhar os dedos no pequeno vaso e, sem ter mãos a medir, vai passando e
espalmando a pomada, beijando os pés e acariciando-os. Jesus, de vez em quando
olha para ela com grande e amorosa piedade. João que se virou, espantado,
quando ouviu aquele pranto, não sabe mais apartar seus olhares do grupo, de
Jesus e da mulher. Olha, alternativamente, para um e para a outra. O rosto do
fariseu se torna cada vez mais carrancudo. Ouço aqui as conhecidas palavras do
Evangelho e as ouço acompanhadas por um tom e um olhar, que fazem ao velho
irado abaixar a cabeça. Ouço as palavras de absolvição à mulher, que lá se vai,
deixando aos pés de Jesus as suas joias. Ela enrolou o véu ao redor da cabeça,
colocando nele do melhor modo que pôde, sua cabeleira despenteada. Jesus, ao
dizer-lhe: “Vai em paz”, põe-lhe a mão sobre a cabeça inclinada, por um instante. Mas com um
gesto de grande bondade.
Agora Jesus me diz:
“O que fez inclinar a cabeça ao
fariseu e aos seus companheiros, e que não está relatado no Evangelho, são as
palavras que o meu espírito, através do meu olhar, dardejaram e cravaram
naquela alma árida e cobiçosa. Eu respondi muito mais do que tudo o que foi
dito, porque nada para Mim estava escondido dos pensamentos dos homens. E ele
me compreendeu na linguagem do que Eu não disse, que era ainda mais carregada
de reprovação, do que pudessem ter sido as minhas palavras. Eu lhe disse: “Não.
Não fiques fazendo insinuações más para justificares a ti mesmo, diante de ti
mesmo. Eu não tenho a tua libidinagem. Esta mulher não veio a mim por uma
atração de sensualidade. Eu não sou como tu, nem como os teus semelhantes. Ela
vem a Mim, porque o meu olhar e a minha palavra, que por acaso ela ouviu,
iluminaram sua alma, na qual a luxúria havia criado a treva. E vem, porque quer
vencer a sensualidade, compreende, pobre criatura, que sozinha nunca o
conseguirá. Em Mim ela ama o espírito, nada mais do que o espírito, que ela
percebe ser sobrenaturalmente bom. Depois de tantos males, que recebeu de vós
todos, que desfrutastes de suas fraquezas com os vossos vícios, dando-lhe em
troca, depois, as chicotadas do vosso desprezo, ela vem a Mim, porque percebe
que encontrou o Bem, a Alegria, a Paz, inutilmente procuradas em meio as pompas
do mundo. Cura-te desta tua lepra da alma, ó fariseu hipócrita, saiba olhar as
coisas com justiça. Depõe a soberba da mente e a luxúria da carne. Estas são
lepras bem mais fétidas do que as de vossa pessoa. Desta última o meu toque vos
pode curar, porque para isso me invocais, mas da lepra do espírito não, porque
desta vós não quereis ficar curado porque vos agrada. Esta mulher o quer. E eis
que eu a purifico, eis que Eu a livro das correntes da sua escravidão. A
pecadora morreu. Ela está lá, naqueles ornatos que ela tem vergonha de me
oferecer, para que eu os santifique usando-os para as minhas necessidades e as
dos meus discípulos, para os pobres, que Eu socorro com o que sobra dos outros,
porque Eu, o Senhor do Universo, não possuo nada, agora que Eu sou o Salvador
do homem. Ela está lá, naquele perfume derramado a meus pés, aviltado como os
seus cabelos, colocados sobre aquela parte do meu corpo, que tu descuidou de
refrescar com a água do teu poço, depois de Eu ter feito uma grande caminhada
para vir trazer luz também a ti. A pecadora morreu. E renasceu Maria, tornada
bela como menina pudica pela sua viva dor e pelo seu reto amor. Se lavou em seu
pranto. Em verdade Eu te digo, ó fariseu, que, entre este que me ama em sua
juventude pura e esta que me ama em sua sincera conversão, com um coração que
renasceu para a Graça, Eu não faço diferença, e ao Puro como á arrependida Eu
os encarrego de compreenderem o meu pensamento, como nenhuma outra pessoa, e de
prestarem ao meu corpo as últimas honras e a primeira saudação, quando Eu tiver
ressuscitado”
Eis o que Eu queria dizer com o
meu olhar ao fariseu. Mas a ti Eu faço
observar uma outra coisa: para tua alegria e para alegria de muitos. Também em
Betânia Maria repete aquele gesto que assinalou a aurora de sua redenção. Há
gestos pessoais que se repetem, e denunciam uma pessoa como sendo parte de seu
estilo próprio. Gestos inconfundíveis. Mas, como era justo, em Betânia seu
gesto foi menos aviltado e mais confidencial, em sua respeitosa adoração. Muito
caminhou Maria desde aquela aurora de sua redenção. Muito. O amor a arrebatou
como vento rápido para o alto e para a frente. O amor a fez arder como um
incêndio destruindo nela a carne impura e fazendo que dominasse nela um
espírito purificado. E Maria, diferente em sua renovada dignidade de mulher
como diferente em suas vestes, agora simples como as de minha Mãe, em sua
maneira de arranjar-se, no olhar, em sua compostura, na palavra agora nova,
contém um novo modo de honrar-me com o mesmo gesto. Ela pega o último de seus
vasos de perfume, conservado para Mim, e o espalha em meus pés, sem pranto, mas
com um olhar que o amor e a segurança de estar perdoada e libertada faz feliz,
e sobre minha cabeça. Maria agora pode bem ungir-me e tocar em minha cabeça.
O arrependimento e o amor a
purificaram com o fogo dos serafins, e ela é um serafim. Dize isto a ti mesma, minha pequena “voz”,
dize-o às almas. Vai, dize-o ás almas que não ousam vir a mim, porque se sentem
culpadas. Muito, muito, muito é perdoado a quem muito ama. A quem muito me ama.
Vos não sabeis, ó pobres almas, como o Salvador vos ama! Não tenhais medo de mim.
Vinde. Com confiança. Com coragem. Eu vos abro o coração e os braços.
Recordai-o sempre: “Eu não faço diferença entre aquele que me ama com sua
pureza íntegra e aquele que me ama na sincera contrição de um coração renascido
pela Graça. Eu sou o Salvador. Recordai-o sempre. Vai em paz. Eu te abençoo.”
Pg. 50-54
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------237 – O
PEDIDO DE OPERÁRIOS PARA A MESE E A PARÁBOLA DO TESOURO ESCONDIDO NO CAMPO.
MARTA TEME AINDA PELA IRMÃ MARIA
Diz Jesus:
Ouvi: Um homem, tendo ido a um
campo apanhar terriço para a sua pequena horta, ao escavar com muito esforço a
terra dura, encontrou, por baixo de algumas camadas da terra, um filão de metal
precioso. Que faz então aquele homem? Recobre com a terra a descoberta feita, não
lhe importa trabalhar mais ainda, porque a descoberta merece bem a fadiga.
Depois, ele vai para casa, conta as riquezas que tem em dinheiro e em outras
coisas, e estas últimas ele vende, para ter em mãos muito dinheiro. Em seguida,
ele vai ao dono do campo e lhe diz:
“O teu campo me agrada. Quanto
queres para vender-me?”
“Mas eu não o estou vendendo”,
diz o outro. Então o homem oferece-lhe somas cada vez maiores e completamente
fora de qualquer proporção com o valor do campo, e termina seduzindo o dono dele,
o qual fica pensando: “Este homem é um louco! Mas, desde que ele o é, eu vou
tirar vantagem disso. Eu vou pegar a soma que ele me está oferecendo. Não estou
praticando usura, porque é ele quem a quer dar. Com ela, eu comprarei, pelo
menos, outros três campos, e mais bonitos”, e faz a venda, convencido de ter
feito um esplêndido negócio. Mas, ao contrário, o outro é que faz um esplêndido
negócio, porque ele se priva de bens que podem ser levados pelo ladrão, ou ser
perdidos, ou gastos, e procura obter um tesouro que, além de ser verdadeiro e
natural, é inesgotável. Vale, pois, a pena, sacrificar tudo o que ele tem, para
fazer essa aquisição, ficando ele, por enquanto, só com a posse do campo, mas
na realidade passando a possuir para sempre aquele tesouro encerrado nele.
Vós Já entendestes o negócio. Fazei, então
como o homem da parábola. Deixai as riquezas efêmeras, para possuirdes o Reino
dos Céus, vendei-as aos estultos do mundo, cedei-as a eles, aceitai até que se
riam de vós por isso que, aos olhos do mundo, pode parecer um modo tolo de
negociar. Fazei assim, sempre assim, e o vosso Pai, que está nos Céus, com
muita alegria vos dará um dia o vosso lugar no Reino.
Voltai para as vossas casas,
antes que chegue o sábado e, durante o dia do Senhor, pensai na parábola do
tesouro, que é o Reino dos Céus. A paz esteja convosco.”
Pg. 61
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
239 – A PARÁBOLA DOS PEIXES, A
PARÁBOLA DA PEROLA E O TESOURO DOS ENSINAMENTOS ANTIGOS E NOVOS
Jesus começa a falar:
“Uns pescadores saíram para o
lago e jogaram sua rede ao mar. Depois do tempo necessário, puxaram a rede para
bordo. Com muito trabalho eles iam assim fazendo a sua pesca, por ordem do
patrão, que os havia encarregado de abastecer sua cidade de peixes de boa
qualidade, dizendo-lhes assim: “Mas os peixes que fazem mal e os de qualidade
inferior, não deveis nem levá-los para terra. Jogai-os de novo no mar. Outros
pescadores os pescarão e, como eles são pescadores de um outro patrão, levarão
os peixes para a cidade dele, para que lá se coma o que faz mal e o que faz
ficar sempre mais feia a cidade do meu inimigo. Na minha cidade, que é bela,
ilustre e santa, não há de entrar nada de mal.
Puxada, pois, para bordo a rede,
os pescadores começaram o trabalho da separação. Os peixes eram muitos, de
aspecto, tamanho e core diversos. Havia alguns muitos bonitos, mas cuja carne
era cheia de espinhas, ou de sabor desagradável, ou que tinham o bucho cheio de
lodo, de vermes ou de ervas podres, que aumentavam o mau gosto de suas carnes.
Outros eram de aparência feia, com um focinho que mais parecia a carranca de um
delinquente ou de um monstro visto em um pesadelo. Mas os pescadores sabiam que
a carne deles era especial. Outros, porque eram sem importância, passaram
despercebidos. Os pescadores trabalhavam, trabalhavam. As cestas já estavam
cheias de peixes especiais então, e na rede estavam os peixes insignificantes.
“Já basta. As cestas estão
cheias. Vamos jogar todo o resto no mar”, disseram muitos pescadores. Mas um
pescador, que até aí pouco tinha falado, enquanto os outros falavam bem ou mal
de cada peixe que lhes chegava às mãos, ficou a rebuscar na rede e, por entre a
miuçalha sem importância, descobriu ainda dois ou três peixes, que ele foi
colocar por cima de todos os outros, nas cestas.
“Mas, que é que estás fazendo”,
perguntaram-lhe os outros. “As cestas já estão cheias e bonitas. Tu as queres
estragar, pondo por cima delas, e atravessado, esse pobre peixe aí! Parece até
que tu o queiras premiar como mais bonito!”.
“Deixai-me agir. Eu conheço esta
raça de peixes e sei o seu rendimento e que prazer dão.”
Esta é a parábola, que termina
com a bênção do patrão ao pescador paciente, esperto e silencioso, que soube
separar, no grande montão, quais eram os melhores peixes. Agora escutai a
aplicação da parábola. O patrão da cidade bonita, ilustre e santa é o Senhor. A
cidade é o Reino dos Céus. Os pescadores são os meus apóstolos. Os peixes do
mar são a humanidade, na qual estão presentes todas as categorias de pessoas.
Os peixes bons são os santos. O patrão da cidade feia é Satanás. A cidade feia
é o Inferno. Os pescadores dele são o mundo, a carne, as paixões más,
encarnados nos servos de Satanás, sejam espirituais, isto é, demônios, sejam os
homens que corrompem aos seus semelhantes. Os peixes maus são a humanidade que
não é digna do Reino dos Céus: são os condenados. Entre os pescadores de almas
para a Cidade de Deus, sempre haverá os que imitarão aquela capacidade cheia de
paciência do pescador que sabe perseverar na procura, precisamente nas diversas
camadas da humanidade, onde os outros seus companheiros, mais impacientes,
apanharam somente as coisas boas que apareceram à primeira vista. E
infelizmente haverá também pescadores que, enquanto aquele trabalho de
separação exigia atenção e silêncio, para ouvir as vozes das almas e as
indicações sobrenaturais, não verão os peixes bons e os perderão. E haverá
também os que por demasiada intransigência, repelem as almas que não são
perfeitas em suas aparências exteriores, mas que são ótimas em tudo mais. Que
vos importa, se um dos peixes que pegardes para mim, mostrar sinais de lutas
passadas, apresentando mutilações resultantes de tantas causas, se depois elas
não prejudicam ao seu espírito? Que vos importa, se um desses, para livrar-se
do Inimigo, feriu-se, e se apresenta com essas feridas, se o seu interior
mostra a sua clara vontade de ser de Deus? Almas provadas, almas garantidas.
Mais do que aquelas, que são como crianças salvaguardadas por meio de faixas,
do berço ou da mãe, e que dormem saciadas e boas, ou que sorriem tranquilas,
mas podendo mais tarde, com o uso da razão, com a idade e com as vicissitudes
da vida que vão aumentando, dar até dolorosas surpresas de desvios morais.
Eu vos recordo a palavra do filho
pródigo. Outras delas ouvireis ainda, porque Eu sempre estudarei para difundir
em vos um discernimento reto: quanto ao modo de avaliar as consciências e de
escolher a maneira como guiá-las, que são singulares, e cada uma delas tem o
seu modo especial de sentir e de reagir às tentações e aos ensinamentos. Não
penseis que seja fácil o discernimento dos espíritos. É tudo o contrário.
Precisa-se ter um olho espiritual, completamente iluminado pela luz divina, precisa-se
ter uma inteligência que tenha infusa em si a Sabedoria divina, precisa-se
possuir as virtudes em grau heroico e, como primeira entre todas, a caridade.
Precisa-se ter a capacidade para concentrar-se na meditação, porque a alma é
como um texto obscuro, que há de ser lido e meditado. Precisa-se ter união
contínua com Deus, esquecendo-nos de todos os interesses egoístas. Viver pelas
almas e por Deus. Superar as prevenções, os ressentimentos, as antipatias. Ser
doces como pais, férreos como guerreiros. Doces para aconselhar e encorajar. E
férreos para dizer: “Isto não é permitido, não o faças. Ou, então: Isto é bom
que se faça, e tu o farás”. Porque, pensai bem nisto, muitas almas serão
jogadas nos tanques infernais. Mas não serão somente almas de pecadores. Também
almas de pescadores evangélicos lá haverá: são as daqueles que faltaram com o
seu ministério, contribuindo para a perdição de muitos espíritos.
Chegará o dia, o último dia da
terra e o primeiro da Jerusalém perfeita e eterna, no qual os anjos, como os
pescadores da parábola, separarão os justos dos maus, para que à ordem
inexorável do Juiz, os bons vão para o Céu e os maus para o fogo eterno. Então
é que se tornará conhecida a verdade a respeito dos pescadores e dos pescados,
cairão por terra as hipocrisias, e aparecerá o povo de Deus como é, com os seus
chefes e os salvos pelos seus chefes. Veremos, então, que muitos entre os mais
sem importância pelo seu exterior, ou os maltratados em seu exterior, estarão
nos esplendores do Céu e que os pescadores calmos e pacientes serão os que mais
terão feito, brilhando agora com suas pedras preciosas, que serão tantas,
quantos forem os seus salvos. A parábola foi contada e explicada.
“É meu irmão? Oh! Mas...” Pedro olha para ele, e depois para
Madalena.
“Não, Simão, por ela eu não tenho merecimento. Foi o Mestre
sozinho que o fez.” Diz sincero, André.
“Mas, os outros pescadores, os de Satanás, ficam eles, então
com as sobras?” Pergunta Felipe.
“Eles tentam pegar os melhores,
os espíritos capazes de maior prodígio de Graça e usam desses homens para
conseguí-lo, além das suas tentações. Ainda há muitos neste mundo que, por um prato de
lentilhas, renunciam à primogenitura.”
“Mestre, outro dia Tu nos dizias que muitos são os que se
deixam seduzir pelas coisas do mundo. Seriam também eles dos que pescam para
Satanás?” pergunta Tiago de Alfeu.
“Sim, meu irmão. Naquela parábola
o homem se deixou seduzir pelo muito dinheiro, que lhe podia dar muitos
prazeres, perdendo o direito ao Tesouro do Reino. Mas, na verdade, Eu vos digo
que sobre cem homens só um terço sabe resistir à tentação do ouro, ou a outras
seduções e desse terço só a metade é que sabe fazê-lo de uma maneira heroica.
O mundo morre asfixiado pelo
agravamento voluntariamente aceito dos laços do pecado. Vale mais estar
despojado de tudo, do que ter riquezas irrisórias e ilusórias. Procurai saber
fazer como fazem os sábios joalheiros, os quais, tendo ficado sabendo que em
certo lugar foi pescada uma pérola raríssima, não se preocupam mais em ter ou
não ter tantas pequeninas alegrias em seus cofres, mas se despojam de tudo,
para conseguirem aquela pérola maravilhosa.”
“E, então, por que Tu mesmo pões diferenças nas missões que
dás aos que te acompanham e dizes que nós temos que considerar as missões como
dons de Deus? Então, seria necessário renunciar também a elas, porque elas são
como migalhas, em comparação com o Reino dos Céus.”, diz Bartolomeu. “
Migalhas, não. Elas são meios.
Migalhas elas seriam, ou melhor ainda, seriam ciscos de palha suja, se tornassem-se
uma meta humana na vida. Aqueles que trabalham para terem uma posição, ainda
que santa, com a finalidade de conseguirem vantagens humanas, fazem de sua
posição um cisão, uma palha suja. Mas fazei de vossa missão uma obediente
aceitação, um dever cumprido com alegria, um holocausto total e, então, a
transformareis em uma pérola raríssima. A missão é um holocausto, se for
cumprida sem reservas, é um martírio e uma glória. A missão pinga lágrimas,
suor, sangue, mas forma uma coisa de eterna realeza.”
“Tu sabes de fato
responder a tudo!”
“Mas, me tereis compreendido?
Compreendeis o que Eu digo, mas com comparações que Eu vou buscar nas coisas de
cada dia, iluminadas, porém, por uma luz sobrenatural, que delas tira
explicações para coisas eternas?”
“Sim, Mestre.”
“Lembrai-vos, então do método
para instruir as turbas. Porque este é um dos segredos dos escribas e dos
rabis. Em verdade Eu vos digo que qualquer um de vós, instruído na Sabedoria de
possuir o Reino dos Céus, é semelhante a um pai de família, que tira para fora
do seu tesouro o que serve para a família, usando coisas antigas ou coisas
novas, mas todas com o único fito de procurar o bem-estar de seus próprios
filhos. A chuva cessou. Deixemos em paz as mulheres, e vamos ao velho Tobias,
que está para abrir os seus olhos espirituais para as auroras do além. A paz
esteja convosco, mulheres.
Pg.73-76
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241 – VOCAÇÃO DA FILHA DE FILIPE.
CHEGADA A MAGDALA E A PARÁBOLA DA DRAGMA PERDIDA
Jesus começa a falar:
“Uma mulher tinha dez dracmas em
sua bolsa. Mas, tendo feito um movimento, a bolsa caiu-lhe do seio e se abriu,
e as moedas saíram rolando pelo chão. Ela as recolheu, com a ajuda das vizinhas
que estavam presentes e contou as moedas. Eram nove. Não puderam encontrar a
décima. Visto que a tarde já vinha chegando, e começava a escurecer, a mulher
acendeu a candeia, e a colocou no chão. Depois pegou a vassoura e começou a
varrer com muita atenção para ver se a moeda havia rolado para longe do lugar
onde caiu. Mas não havia meio de achar a dracma. Então, as amigas foram-se
embora, já cansada de tanto procurar.
Aí a mulher teve a ideia de mover
do lugar a caixa-banco, o armário e o pesado cofre. Tirou com cuidado as
ânforas e jarros, que estavam colocados numa cavidade, ao pé da parede. Mas não
se achava a dracma. Então, a mulher se pôs de gatinhas e foi procurar no monte
do lixo varrido e ajuntado perto da porta da casa, para ver se a dracma teria
rolado para fora da casa, indo misturar-se com as folhas rejeitadas das
verduras. E lá, afinal, acabou achando a dracma, toda suja, quase coberta, foi
lavá-la, e a enxugou. Ela estava mais bonita agora, do que antes. E a mulher
foi mostrá-la ás vizinhas, que ela chamou de novo, em alta voz, e que se haviam
retirado, depois de a terem ajudado nas primeiras buscas, dizendo: Ei-la aqui!
Estais vendo? Vos me estáveis aconselhando a não me cansar mais. Mas eu
resisti, e encontrei a dracma, que eu tinha perdido. Alegrai-vos, pois, comigo,
que ainda não tive a dor de perder nem um só dos meus tesouros.”
Também o vosso Mestre, e com Ele
os seus apóstolos, faz como a mulher da parábola. Ele sabe que um movimento
pode fazer cair um tesouro. Cada alma é um tesouro e Satanás, que é invejoso de
Deus, provoca os maus movimentos para fazer cair as pobres almas. Há alguns
que, ao caírem, param perto da bolsa, isto é, afastam-se pouco da Lei de Deus,
que recolhe as almas na guarda dos mandamentos. E há os que vão parar mais
longe, isto é, afastam-se mais ainda de Deus e de sua Lei. Enfim, há os que
saem rodando até o lixo, até ás sujeiras, á lama. E lá acabariam perecendo, ao
serem queimados nos fogos eternos, assim como as imundícies costumam ser
queimadas em lugares apropriados.
O Mestre sabe disso, e procura
incansavelmente as moedas perdidas. Ele as procura em todos os lugares, com
amor. Elas são os seus tesouros. Ele não se cansa, nem sente nojo de nada. Mas
Ele as busca, rebusca, move as coisas de seus lugares, varre, até encontrar. E,
uma vez encontrada, lava a alma encontrada com o seu perdão e chama os amigos,
todo o Paraíso e todos os bons da terra, e lhe diz: “regozijai-vos comigo,
porque encontrei o que se tinha perdido e está agora mais bonito do que antes,
porque o meu perdão o tornou novo.”
Em verdade Eu vos digo, que se
faz muita festa no Céu, alegram-se os anjos de Deus e os bons da terra por um
pecador que se converte.
Em verdade, Eu vos digo que não
há coisa mais bela do que as lágrimas do arrependimento.
Em verdade Eu vos digo que só os
demônios é que não sabem, não podem alegrar-se por esta conversão, que é um
triunfo de Deus.
E também vos digo que o modo como
um homem acolhe a conversão de um pecador é a medida de sua bondade e de sua
união com Deus.
A paz esteja convosco.
Pg. 84-86
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242 – DISCURSO SOBRE A VERDADE AO
ROMANO CRISPO, ÚNICO OUVINTE DE JESUS EM TIBERÍADES
Diz Jesus:
Muitos são os que procuram a
verdade, durante toda a vida, sem chegarem a encontrá-la. Ficam parecendo
loucos, que querem ver mesmo tendo uma corrente de bronze sobre os olhos, e
ficam apalpando, de um modo convulsivo, e de tal maneira, que sempre vão-se
afastando da Verdade, ou então a escondem, despejando sobre ela coisas que a
procura deles vai removendo de sua frente, ou faz sair para fora dali. Não lhes
pode acontecer senão assim, porque vão procurar a verdade onde ela não pode
estar.
Para encontrar a Verdade, é
preciso unir a inteligência com o amor e olhar as coisas, não somente com olhos
sábios, mas também com olhos bons. Porque vale mais a bondade do que a
sabedoria. Aquele que ama, sempre consegue achar um caminho para chegar à
verdade.
Amar não quer dizer gozar de uma
carne, ou pela carne. Isso não é amor. É sensualidade. Amor é o afeto de um
espírito a outro espírito, de uma parte superior a outra parte inferior, pelo
qual na companheira não se há de ver uma escrava, mas a geradora dos filhos, só
isto, ou seja, a metade, que forma com o homem um todo, que é capaz de criar
uma vida, e mais vidas, e até a companheira que é mãe, irmã e filha do homem, que
é mais fraco do que um recém-nascido e mais forte que um leão, conforme os
casos, e que como mãe, irmã, filha, e amada com um respeito confiante e
protetor. O que não for como estou dizendo, não é amor. É vício. Não leva para
o alto, mas para baixo. Não para a luz, mas para as trevas. Não para as
estrelas, mas para a lama. Amar a mulher, para saber amar ao próximo. Amar ao
próximo para saber amar a Deus.
Então se terá encontrado o
caminho da Verdade. A Verdade está aqui, ó homens que a estais procurando. A
Verdade é Deus. A chave para compreender o que é preciso saber está aqui.
A doutrina que é sem defeito, é a
de Deus somente. Como pode o homem achar resposta para suas perguntas, se ele
não tiver Deus para responder? Quem é que pode revelar os mistérios do
universo, para falar, por enquanto, só e simplesmente deles, senão o Criador
Supremo que fez o universo? Como compreender esse prodígio vivo que é o homem,
esse ser em que se une a perfeição animal com a perfeição imortal, que é a
alma, pela qual somos deuses, se tivermos em nós viva a alma, isto é, livre
daquelas culpas que aviltaram até um bruto, e que o homem comete e ainda se
vangloria de cometer?
Eu vos digo as palavras de Jó, ó
procuradores da verdade: “Interroga os jumentos, e eles te instruirão, os
passarinhos, e eles te mostrarão. Fala a terra, e ela te responderá, aos peixes,
e eles te farão saber.”
Sim, a terra, esta terra
verdejante e florida, estas frutas que entumecem nas árvores, estes passarinhos
que criam seus filhotes, estas correntes de vento, que distribuem as nuvens
pelo céu, este sol que não se esquece de nascer desde séculos e milênios, tudo
fala de Deus, tudo explica Deus, tudo revela e desvela Deus. Se a ciência não
se apoia em Deus, torna-se erro, e não mais nos eleva, mas avilta. O saber não
é corrupção, mas religião. Quem sobe por Deus, não cai, porque sente a própria
dignidade e porque crê no seu futuro eterno.
Mas é preciso procurar o Deus
real. Não os fantasmas, que deuses não são, mas simplesmente delírios de homens
ainda envolvidos nas faixas da ignorância espiritual, pela qual não há nem
sombra de sabedoria em suas religiões, nem sombra de verdade em suas crenças.
Qualquer idade é boa para nos
tornarmos sábios. E é ainda em Jó que está escrito: “Ao chegar à tarde, te
surgirá uma espécie de luz do meio dia e, quando pensares que estás acabado,
surgirás como a estrela da manhã. Estarás cheio de confiança pela segurança do que
te aguarda.”
Basta a boa vontade de achar a
verdade e mais cedo ou mais tarde, ela se deixará encontrar. Mas, uma vez que
tenha sido achada, ai de quem não a seguir e ficar imitando os cabeçudos de
Israel que, tendo já nas mãos o fio condutor para encontrarem a Deus, isto é,
todas as coisas que de Mim foram ditas no Livro, não querem render-se à
Verdade, e a odeiam, acumulando em suas inteligências e em seus corações, os
entulhos do ódio e das fórmulas e não sabem que, por causa do peso demais, a
terra se abrirá debaixo dos pés deles, que acham que seus pés são pés de
triunfadores, mas que não são mais do que pés de escravos dos formalismos, do
ódio, dos egoísmos, e que eles serão engolidos, precipitando-se no lugar para
onde vão os culpados conscientes de um paganismo mais culpável ainda do que o
dos povos que, por si mesmos, arranjaram para si uma religião, que lhes sirva
de norma para regularem suas vidas.
Mas é que Eu, assim como não
rejeito aos que se arrependem entre os filhos de Israel, assim também não
rejeito nem mesmo a estes idólatras, que creem naquilo que lhes foi dado para
crer, mas que dentro de si, em seu interior, gemem dizendo: “Dai-nos a
Verdade!” Tenho dito.
Pg.92-94
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244 – JOÃO REPETE O DISCURSO DE
JESUS SOBRE A CRIAÇÃO E SOBRE OS POVOS QUE ESPERAM A LUZ
Diz João:
E Ele disse: Eis a página infinita sobre a qual as águas
correntes vêm escrever a palavra “Creio”. Pensai no caos do Universo, antes que
o Criador quisesse ordenar os elementos e estabelecer entre eles a maravilhosa
sociedade que deu aos homens a terra e tudo o que ela contém, e ao firmamento
os astros e os planetas. Nada de tudo isto existia antes. Nem como um caos
informe, nem como coisa já feita em ordem. E Deus a fez. Portanto, Ele fez
primeiro os elementos. Pois eles são necessários, ainda que as vezes nos
pareçam nocivos. Mas pensai bem e sempre. Não há nenhuma pequena gota de
orvalho que não tenha a sua boa razão de ser. Não há inseto, por pequeno e
molesto que seja, que não tenha a sua boa razão de ser. E assim também não
existe montanha, por mais monstruosa que seja, vomitando de suas vísceras fogo
e pedras incandescentes, que não tenha sua boa razão de ser. Não existe ciclone
sem motivo. E não há passando das coisas para as pessoas, não há acontecimento,
não há pranto, não há alegria, não há nascimento, não há morte, não há
esterilidade ou maternidade fecunda, não há longo convívio nem rápida viuvez,
não há desventuras de misérias e doenças, como também não há prosperidade de
meios e de saúde que não tenha a sua boa razão de ser, ainda que assim não
pareça à miopia e soberba do homem, que vê e julga com todas as cataratas e com
todas as névoas que acompanham as coisas imperfeitas. Mas o Olho de Deus, mas o
Pensamento sem limitações de Deus, vê e sabe. O segredo para se viver imunes
dessas dúvidas estéreis, que nos põem nervosos e nos exaurem, que envenenam os
nossos dias na Terra, está em saber crer que Deus tudo faz por amor e não na
estulta intenção de atormentar por atormentar.
Deus havia criado os anjos. E uma parte deles por não terem
querido acreditar que já estava bom o nível de glória em que Deus os havia
colocado, se haviam rebelado e, com seus espíritos queimados pela falta de fé
em seu Senhor, haviam tentado assaltar o trono inacessível de Deus. As
harmoniosas razões dos anjos que tinham fé, eles haviam oposto a sua
discordância, o pensamento injusto e pessimista, e esse pessimismo que é falta
de fé, os tinha transformado de espíritos de luz, como haviam sido feitos em
espíritos das trevas.
Vivam para sempre aqueles que no Céu como na terra, sabem
fundamentar seus pensamentos em um pressuposto cheio de luz. Nunca se enganarão
completamente, ainda que os fatos os estivessem desmentindo. Não se enganarão,
pelo menos no que se refere aos seus espíritos, os quais continuarão a crer, e
esperar, a amar acima de tudo a Deus e depois ao próximo, permanecendo por isso
com Deus pelos séculos dos séculos.
O Paraíso já tinha libertado desses orgulhosos pessimistas,
os quais viam como escuras até as mais luminosas obras de Deus, assim como na
terra os pessimistas veem escuras até as ações mais sinceras e brilhantes do
homem, ou por quererem viver separados em uma torre de marfim, ou por se crerem
os únicos perfeitos, eles se auto condenam a uma prisão escura, que termina nas
trevas do reino inferior, o reino da negação. Porque o pessimismo é negação.
Deus, pois, fez o conjunto dos seres criados. E , como, para
compreender o mistério glorioso de Nosso Ser Uno e Trino, é necessário saber
crer e ver que, desde o princípio, o Verbo existia, e estava junto de Deus,
unidos pelo Amor perfeitíssimo, que só podem expandir dois, que são Deus sendo
Um, assim igualmente para se ver o conjunto dos seres criados como ele é, é
necessário olhá-lo com os olhos da fé, porque no seu ser, assim como um filho
traz em si o indelével reflexo do Pai, assim o conjunto dos seres criados tem
em si o indelével reflexo do seu Criador. Veremos que também aqui no princípio
foi o céu e a terra, depois foi a luz, comparável ao amor. Porque a luz é
alegria, como o é também o amor. E a luz é a atmosfera do Paraíso. E o Ser
incorpóreo que é Deus, é Luz, e é o Pai de toda luz intelectiva, afetiva,
material, espiritual, assim no céu como na Terra.
No princípio foi o céu e a terra, e por eles foi dada a luz,
e pela luz todas as coisas foram feitas. E como no Céu altíssimo foram
separados os espíritos de luz dos espíritos das trevas, assim no conjunto dos
seres criados, foram separadas as trevas da luz, e foram feitos o dia e a noite
e o primeiro dia, conjunto de seres criados, foi com sua manhã e sua tarde, com
seu meio dia e sua meia noite. E quando o sorriso de Deus, a luz, voltou depois
da noite, eis que a mão de Deus, a sua poderosa vontade se estendeu sobre a
Terra informe e vazia, se estendeu por sobre o céu, onde vagavam as águas, um
dos elementos já libertados do caos, e quis que o firmamento separasse o
vaguear desordenado das águas entre o céu e a terra, para houvesse um véu dos
fulgores do paraíso, medida às águas superiores, para que sobre a agitação dos
metais e dos átomos, não caíssem dilúvios sobre a Terra, arrancando e desregrando
as coisas que Deus reunia.
A ordem estava estabelecida no céu. E a ordem se fez sobre a
Terra, pela ordem que Deus deu as águas espalhadas pela terra. E o mar se fez.
Ei-lo. Sobre ele como sobre o firmamento, está escrito: “Deus existe”. Seja
qual for a intelectualidade de um homem e a sua fé ou a sua falta de fé, diante
desta página, na qual brilha uma partícula da infinitude que é Deus, na qual
está testemunhado o seu poder, porque nenhum poder humano e nenhum assentamento
natural de elementos podem repetir, nem mesmo na menor medida, um prodígio
igual, o homem é obrigado a crer. A crer não só no poder, mas na bondade do
Senhor, que por este mar dá alimento e estradas ao homem, dá sais salutíferos,
dá moderação para o sol e espaço para os ventos, dá sementes a terra, uma
distante da outra, dá vozes às tempestades, para que eles chamem de novo essa
formiga, que é o homem em comparação com o infinito que é seu Pai, e dá-lhe
meios para elevar-se contemplando mais altas visões, em mais altas esferas.
Três são as coisas que mais falam de Deus na criação que é
todo testemunho dele: A luz, o firmamento e o mar. A ordem astral e metereológica, reflexo da
ordem Divina, a luz que só um Deus podia fazer, o mar, a potência que só Deus
depois de tê-lo criado podia por dentro de firme limites, dando-lhe movimento e
voz, sem que por isso como um turbulento elemento de desordem, ele cause
prejuízo à terra que o suporta em sua superfície.” Penetrai o mistério da luz, que nunca
se consome. Levantai o olhar para o firmamento, onde estão rindo as estrelas e
os planetas. Abaixai o vosso olhar para o mar. Vede-o como ele é. Não há
separação. Mas há uma ponte entre os povos que estão em outras praias,
invisíveis, até desconhecidas, mas que é necessário crer que existem, só porque
são deste mar. Deus não faz nada inútil. Por isso Ele não teria feito essa
infinidade, se ela não tivesse como limite lá, para lá do horizonte, vindas de
um único Deus, levadas para lá por vontade de Deus, para povoarem continentes e
regiões, levadas por tempestades, e correntes marítimas. E esse mar leva em
suas ondas, nas vozes de suas águas e de suas marés, apelos que vêm de longe.
Existem caminhos não separações.
A ânsia que produz uma doce angústia em João é este apelo dos
irmãos longínquos. Quanto mais o espírito se torna dominador da carne, tanto
mais ele é capaz de ouvir as vozes dos espíritos que estão unidos, mesmo quando
divididos, assim como os ramos brotados de uma única raiz estão unidos, mesmo
quando um não vê o outro, porque algum obstáculo se interpõe entre eles.
Olhai o mar com olhos de luz. Nele cevareis terras e terras,
espalhadas ao longo das praias, dentro de seus limites, e pelo interior, terras
e mais terras ainda, e de todas vem este grito: “Vinde! Trazei-nos a luz que
vós possuís. Trazei-nos a vida que vos é dada. Dizei ao nosso coração a
palavra, que nós ignoramos, mas que sabemos que é a base do universo: o amor.
Ensinai-nos a ler a palavra que vemos traçada sobre as páginas infinitas do
firmamento e do mar: Deus.
Iluminai-nos para que vejamos que uma luz viva é mais, é mais
verdadeira ainda do que a que avermelha os céus e enche de pedras preciosas o
mar. Daí as nossas trevas a Luz que Deus vos deu, depois de tê-la gerado com
seu amor, e a deu a vós, mas para todos, assim como a deu aos outros, mas para
que eles a dessem à terra. Vós sois os astros, nós a poeira. Mas, formai-vos
assim como o Criador com o pó da terra formou o homem para que a povoasse,
adorando-o agora e sempre, até que chegue a hora em que não existirá mais a
terra, mas venha o Reino. O Reino da Luz, do Amor, da Paz, assim como a vós o
Deus vivo disse que virá, porque nós também somos filhos deste Deus e pedimos
para conhecer o nosso Pai.
E por caminhos do infinito, aprendei a andar. Sem temores e
sem desprezos. Indo ao encontro dos que chamam e choram. Indo àqueles que vos
causarão até tristeza, porque sentem a Deus, mas não sabem adorar a Deus, e
que, no entanto, vos darão a glória, porque grandes vós sereis e, quanto mais
possuirdes o amor, mais o sabereis dar, levando à verdade os povos que vos
esperam. Jesus falou assim, muito melhor do que eu disse. Mas pelo menos esse é
o seu conceito.
Pg. 107-111
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250 – AOS DISCÍPULOS VINDOS COM
ISAQUE, A PARÁBOLA DO LODO QUE SE TORNA CHAMA. JOÃO DE ENDOR É ALMA VÍTIMA
Diz Jesus:
Maria de Magdala, a grande
pecadora de Israel, a que não tinha desculpas para o seu pecado, voltou para o
Senhor. E de quem haverá ela de esperar fé e misericórdia, senão de Deus e dos
servos de Deus? Todo Israel, e com Israel os estrangeiros que estão entre nós,
aqueles que bem a conhecem e a julgam com severidade, agora que ela não é mais
cúmplice deles em suas devassidões, criticam esta ressurreição e zombam dela.
Ressurreição. É a palavra mais
exata. Ressuscitar uma carne, não é o maior milagre. Este é um milagre
relativo, porque destinado a ser um dia anulado pela morte. Eu não dou
imortalidade ao que ressuscitou na carne, mas dou eternidade ao ressuscitado no
espírito. E, enquanto um morto na carne não une a sua vontade de ressurgir à
minha, e por isso não existe mérito de sua parte, no ressuscitado no espírito
está presente a sua vontade, e ela é até a primeira a estar presente. Por isso,
não está ausente o mérito do ressuscitado.
Não vos digo isto para
justificar-me. Somente a Deus devo prestar contas de minhas ações. Mas vós sois
os meus discípulos. Os meus discípulos hão de ser segundos Jesus. Não deve
haver neles nenhuma ignorância e nenhuma daquelas inveteradas culpas, pelas
quais muitos estão unidos a Deus somente de nome.
Tudo é capaz de boas ações. Até
as coisas aparentemente menos aptas para sê-lo. Quando uma matéria se apresenta
á vontade de Deus, ainda que fosse a mais inerte, gelada, suja, pode
transformar-se em movimento, chama, beleza pura.
Eu vos tiro uma comparação tirada
do livro dos Macabeus. Quando Neemias foi reenviado pelo rei da Pérsia a
Jerusalém, no Templo reconstruído e no altar purificado, quiseram que se oferecessem
os sacrifícios. Neemias se lembrava de como, no momento da captura por parte
dos Persas, os sacerdotes que se ocupavam do culto de Deus foram de um vale, em
um poço profundo e seco, e fizeram isso tão bem e tão secretamente, que só eles
ficaram sabendo onde estava o fogo sagrado. Disto se lembrava Neemias e,
lembrando-se disso, tomou os netos daqueles sacerdotes, para que fossem naquele
lugar que, antes de morrer, os sacerdotes haviam revelado aos seus próprios
filhos, transmitindo assim o segredo de pais para filhos, e lá apanhassem o
fogo do sacrifício. Mas, descendo os netos ao poço secreto, não acharam fogo,
mas densa água, lodo podre, pesado, que chegou até ali, depois de ter-se
filtrado de todas as cloacas entupidas da Jerusalém devastada.
E eles foram dizer isso a
Neemias. Mas ele ordenou que fosse apanhada aquela água e lhe levassem. E assim
feito pôs a lenha sobre o altar, os sacrifícios, aspergiu abundantemente tudo,
para que todas as coisas ficassem aspergidas com aquela água lodosa. O povo espantado
e os sacerdotes escandalizados olharam e fizeram aquilo com respeito, somente
porque era Neemias que estava mandando. Mas quanta tristeza nos corações!
Quanta desconfiança! Como no céu havia nuvens a tornar triste o dia, assim nos
corações a dúvida a tornar melancólicos os homens. Mas o sol rompeu as nuvens e
desceu com os seus raios sobre o altar e a lenha, borrefada com a água lodosa,
se acendeu com grande fogo e logo consumiu o sacrifício, enquanto os sacerdotes
rezavam, com as orações compostas por Neemias, e com os hinos mais belos de
Israel, até que se queimou todo o sacrifício. E, para persuadir á multidão de
que Deus pode, mesmo com as matérias menos adequadas, mas usadas para um fim
reto, produzir prodígios, Neemias ordenou que o resto da água fosse derramado
sobre grandes pedras. E as pedras molhadas também soltaram chamas, e nestas
elas se consumiram, desaparecendo na grande luz que vinha do altar.
Cada alma é um fogo sagrado posto
por Deus no altar do coração, a fim de que sirva para queimar o sacrifício da
vida, com amor ao Criador da mesma. Cada vida é um holocausto, se for bem
usada, e cada dia é um sacrifício a ser consumado com santidade. Mas, vêm os
salteadores, os opressores do homem e de sua alma. O fogo se afunda no fundo do
poço. E isso, não por alguma necessidade santa, mas por alguma estultícia
nefasta. E lá, submerso durante séculos por todas as sentinas dos vícios,
torna-se ele lama podre e pesada, até que desça naquela profundeza um
sacerdote, e leve de novo para a luz do sol aquela lama, colocando-a sobre o
holocausto do seu próprio sacrifício. Porque, ficai sabendo, não basta o
heroísmo a quem quer se converter. Exige-se também o de quem quer convertê-lo.
Digo até que este deve preceder aquele, porque as almas se salvam é pelo nosso
sacrifício. Porque é assim que se consegue que a lama se transforme em chama e
Deus julgue perfeito e agradável á sua santidade o sacrifício que se consuma.
É então que, não bastando ainda
para persuadir ao mundo que uma lama arrependida é ainda mais ardente do que o
fogo comum, ainda que seja fogo consagrado, pois o fogo comum só serve para
queimar lenha e vítimas, isto é matérias adequadas para serem queimadas, eis
que esta lama arrependida se torna tão poderosa, que acende e queima até as pedras,
que são materiais incombustíveis.
E não vos pergunteis de onde vem
a esta lama tal propriedade? Não o sabeis? Eu vo-lo digo: porque, no ardor do
arrependimento, eles se fundem com Deus, chama com chama, Chama que sobe, chama
que desce, Chama que se oferece amando, chama que se concede amando. Abraço de
dois que se amam, que se reencontram, que se unem, fazendo uma só coisa. E, uma
vez que a chama maior é a de Deus, esta transborda, domina, penetra, absorve, e
a chama do barro arrependido não é mais a chama relativa de uma coisa criada,
mas a chama infinita de uma coisa incriada, do Altíssimo, Potentíssimo,
Infinito: de Deus.
Isto é que são os grandes
pecadores, verdadeiramente convertidos, que generosamente se entregaram á
conversão, sem nada guardarem do passado, queimando como primeira coisa, a si
mesmos, em sua parte mais pesada, com a chama que se levanta de sua lama, tendo
corrido ao encontro de Graça, e movidos por Ela. Em verdade, em verdade Eu vos
digo que muitas pedras em Israel serão atacadas pelo fogo de Deus, por meio
destas fornalhas ardentes que queimarão sempre mais, até a consumação da
criatura humana e que continuarão a queimar as pedras, tibiezas, incertezas,
timidezes da terra, lá do seu trono do Céu, como verdadeiros espelhos ardentes
sobrenaturais, que recolhem as Luzes Unas e Trinas para fazê-las convergir
sobre a humanidade e acendê-las em Deus.
Eu vos repito que não tinha
necessidade de justificar as minhas ações, mas Eu quis que penetrásseis no meu
conceito e o fizésseis vosso. Por enquanto, e para outros casos futuros
semelhantes, quando Eu já não estiver convosco.
Um conceito errôneo, uma suspeita
farisaica de contaminar a Deus, levando-lhe um pecador arrependido, não vos
impeça nunca de fazer esta obra, que é um coroamento perfeito da missão a que
Eu vos destino. Tende sempre presente que Eu não vim salvar os santos, mas os
pecadores. E fazei vós de modo semelhante, porque o discípulo não é mais do que
o Mestre e, se Eu não tenho repugnância de tomar pela mão os refugos da terra,
que sentem necessidade do Céu, que a sentem finalmente, jubiloso, então, Eu os
levo para Deus, porque está é a minha missão e, se toda conquista é uma
justificação da minha Encarnação, que mortifica o infinito, não tenhais
repugnância em fazê-lo vós também, ó homens limitados, que, mais ou menos todos
conhecestes a imperfeição, feitos vós da mesma natureza que os vossos irmãos
pecadores, homens que Eu elejo como salvadores, para que seja continuada a
minha obra nos séculos dos séculos da terra, como se Eu estivesse continuando a
viver nela em uma existência secular.
E tal será, porque a união dos
meus sacerdotes será como a parte vital do grande corpo da minha Igreja, da
qual Eu serei o Espírito animador e, ao redor dessa parte vital,
concentrar-se-ão todas as infinitas partículas dos que creem, a formar um único
corpo, que do meu Nome tirará o seu nome. Mas, se faltasse a vitalidade na
parte sacerdotal, poderiam ter vida as infinitas partículas? É verdade que Eu
enquanto estou aqui, poderia estender a minha vida até ás partículas mais
longínquas, deixando de lado as cisterna se os canais entupidos ou inúteis, que
opõem resistência ao ministério deles. Porque a chuva cai onde quer e as
partículas boas, capazes por si mesmas de querer a vida, viveriam do mesmo modo
a minha vida. Mas, que seria então o cristianismo? Apenas uma vizinhança de
umas almas com outras. Vizinhas e, no entanto, separadas por canais e
cisternas, que já não são um laço de união, distribuindo a cada partícula o
sangue vital, que vem de um centro único. Mas haveria muros e precipícios de
separação, através dos quais as partículas se olhariam, humanamente hostis umas
ás outras, sobrenaturalmente aflitas, dizendo em seus espíritos: “Contudo, nós
éramos irmãos e tais ainda nos sentimos, por mais que nos tenham separado!” Há
uma vizinhança. Não uma fusão. Não um organismo. E, sobre esta ruína,
resplandeceria, doloroso, o meu amor...
E ainda. Não penseis que isto
valha somente para os cismas religiosos. Não. Vale também para todas as almas
que ficam sozinhas, porque os sacerdotes se recusam a ampará-las, a ocupar-se
com elas, a amá-las, indo contra a sua missão, que é a de dizer e de fazer o
que Eu digo e faço, isto é: “Vinde a Mim vós todos, que Eu vos conduzirei a
Deus. Ide agora em paz, e Deus esteja convosco.
Pg. 152-156
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252 – O RETORNO DE TIRO. MILAGRES
E PARÁBOLA DA VIDEIRA E DO OLMO.
Diz Jesus:
Eu vos proponho esta parábola,
para que melhor entendais o ensinamento. Um agricultor tinha muitas árvores em
seus campos e videiras que produziam muito fruto, dentre as quais havia uma de
qualidade muito apreciada e de que ele muito se orgulhava. Certo ano aquela
videira deu muitas folhas e poucos cachos. Um amigo disse então, ao agricultor:
“Foi porque a podaste muito pouco.” No ano seguinte o homem a podou muito. E a
videira, então, produziu poucos sarmentos e menos cachos ainda. Um outro amigo
lhe disse: “Foi porque a podaste demais.” No terceiro ano o homem a deixou
parada. A videira não deu nenhum cacho e lançou bem poucas folhas, magras,
enroladas e atacadas pela ferrugem. Um terceiro amigo sentenciou: “Ela está
morrendo porque o terreno não é bom. Queima-a!”
Mas, porque, se o terreno é o
mesmo terreno que as outras têm, e se eu trato dela como trato as outras? Antes
ela produzia bem! O amigo encolheu os ombros e foi-se embora. Passou por ali um
viandante desconhecido, e parou para observar como o agricultor estava triste e
apoiado á cepa da pobre videira.
Que tens? Perguntou-lhe. Alguém
morreu em tua casa?
Não. Mas o que me está morrendo é
esta videira, que eu amava tanto. Ela não tem mais suco para produzir frutos.
Um ano deu pouco, no outro deu menos, e neste nada. Eu fiz tudo o que me
disseram, mas não adiantou nada.
O viandante desconhecido entrou
então na vinha e, aproximou-se da videira. Tocou nas folhas, apanhou um torrão
no chão, o cheirou, depois o esfarelou entre os dedos e levantou o olhar para o
tronco que sustentava a videira.
Deves tirar aquele tronco. A
videira está esterilizada por ele.
Mas, se ele é o apoio dela há
muitos anos?
Responda-me, homem, quando tu
plantaste esta videira aqui, como é que estava a muda e o olmo, como estava?
Oh! A muda era um belo mergulhão
de três anos. Eu a havia tirado de uma outra minha planta e, para trazê-la até
aqui, eu tinha escavado profundamente ao redor dela para não ofender as raízes,
ao tirá-la de sua gleba nativa. Além disso, eu tinha feito aqui uma cova igual,
e até um pouco maior, para que ela ficasse logo bem livre, e antes eu havia
capinado toda a terra ao redor, a fim de que ela ficasse macia para as raízes e
assim elas pudessem espalhar-se logo, sem encontrarem dificuldades. Com todo o
cuidado eu a coloquei, pondo antes no fundo um atraente adubo. As raízes, como
sabes, tornaram-se fortes, quando encontram logo o que as possa nutrir. Menos
eu me ocupei com o olmo. Pois era um arbusto destinado somente a escorar o
mergulhão. Por isso, eu a coloquei quase superficialmente perto do mergulhão,
escorei-o bem e fui-me embora. Mas a videira ia crescendo de ano a ano, amada,
podada, sachada. O olmo, porém, não crescia. Contudo, ela está fazendo aquilo
para que servia... Depois, ela foi-se tornando robusta. E estás vendo agora
como está bonita?
Quando eu chego, vindo de longe,
e vejo a copa dela destacando-se, alta como uma torre, ela me fica parecendo o
distintivo do meu pequeno reino. Antes a videira a cobria, e não se via a sua
bela copa. Mas agora, olha como está bonita lá no alto, ao sol! E, que tronco!
Bem em pé e forte. Ele podia sustentar esta videira anos e anos, mesmo que ela
se tornasse igual àquelas cujos cachos foram apanhados lá à beira do Rio do
Cacho pelos exploradores de Israel. Mas, ao contrário...
Ao contrário, ele a matou. Ele a
dominou. Tudo estava bem para que ela vivesse, o terreno, a posição, a luz, o
sol, os cuidados que tu lhe davas. Mas ele a matou. Ele se tornou forte demais.
E ele lhe foi amarrando as raízes, até estrangulá-la, tirou dela todo o suco do
solo, Pôs-lhe uma mordaça para que ela não respirasse, nem recebesse a luz.
Corta logo este olmo tão forte e
inútil, e a tua videira viverá de novo. E melhor ainda tornará a viver, se tu,
com paciência, escavares o solo para descobrir as raízes do tronco e cortá-las,
até ficares certo deque elas não nascerão brotos. Seus galhos irão murchar
sobre o solo até em suas últimas ramificações e de sua morte eles passarão para
a vida, porque se transformarão em adubo, depois do merecido castigo por seu
egoísmo. O tronco tu o queimarás, e assim ele ainda te dará coisa úteis. Não
serve senão para o fogo uma planta inútil e nociva, e ela é tirada para que
todo bem vá para a planta boa e útil.
-Tem fé nisto que te digo, e
ficarás contente.
-Mas, quem és tu? Dize-me a mim,
para que eu possa ter fé.
-Eu sou o sábio. Quem crê em mim,
está seguro, e foi-se embora.
O homem ficou por um momento na
dúvida. Depois se decidiu, e foi pegar a serra. E resolveu chamar os amigos
para que o ajudasse.
-Mas não estás louco? Além da
videira, ainda perderás o olmo. Eu me limitaria a podar-lhe a copa, para dar
mais ar á videira. Nada mais.
-Ela precisa sempre ter um
espeque. Vais fazer um trabalho inútil.
-Sabes lá quem era o tal homem?
Talvez seja um que te odeia, sem que tu o saibas. Ou, então algum doido, e por
aí afora.
-Eu vou fazer o que ele me disse.
Tenho fé nele, e serrou o olmo rente á raiz, e, ainda não contente, dentro de
uma longa faixa do terreno, pôs a descoberto as raízes das duas plantas e, com
paciência foi serrando o olmo, tomando cuidado para não ferir as da videira,
depois tornou a encher o grande buraco que havia feito, e, para a videira que
tinha ficado agora sem uma estaca, pôs encostada nela uma estaca de ferro, com
a palavra “FÉ” escrita em uma tabuinha amarrada no alto da estaca.
Os outros saíram dali balançando
a cabeça. Passou o outono e passou o inverno. Chegou a primavera. As gavatinhas
se foram enrolando umas nas outras e na estaca, e os sarmentos se enfeitaram
com gêmulas e mais gêmulas, primeiro fechadas como em um estojo, depois já
entreabertas sobre a esmeralda das folhinhas nascentes e, finalmente abertas
para, em seguida, estenderem da cepa novos sarmentos fortes, todos num
florescer de flores minúsculas, seguido de um grande pipocar de pequeninos
bagos. Há mais cachos do que folhas, e estas são largas, verdes, como o são os
sarmentos que, por enquanto, estão com dois, três ou mais cachos. E cada cacho
está cheio de bagos carnosos, suculentos e bonitos.
E agora que dizeis? Era ou não
era a árvore a causa porque estava morrendo a minha videira? Tinha ou não tinha
falado bem o sábio? Tive, ou não tive razão para escrever naquela tabuinha a
palavra “FÈ”? Assim disse o homem aos amigos incrédulos. Tiveste razão. Feliz
de ti, que soubeste ter fé, e ser capaz de destruir o passado, isto é, o que te
foi dito de prejudicial. Esta é a parábola.
Pg. 170-172
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256 – PARÁBOLA SOBRE A VIRTUDE DA
ESPERÂNÇA QUE SUSTENTA A FÉ E A CARIDADE
A paz esteja nesta casa e com
quem nela mora, diz
Jesus, ao entrar, levantando a mão para abençoar e abaixando-a depois para
acariciar um pequenino seminu, que olha para Ele extasiado, de uma beleza
encantadora, vestido com uma camisa sem mangas, que desliza pelas costas
gorduchas e está de pé sobre os pezinhos descalços com um dedinho na boca e uma
crosta de pão untado com óleo na outra mãozinha.
É Davi, o filho do meu irmão menor, explica Gamala, enquanto
um outro dos vinhateiros entra na casa mais próxima para dar o aviso, e depois
sai dela para entrar em outra e assim faz com todas as outras, de sorte que
aparecem rostos de todas as idades e depois desaparecem para tornarem a
aparecer, logo que puderam arrumar-se um pouco.
Sentado à sombra de um telheiro saliente, coberto por uma
gigantesca figueira, está um velho com uma bengala nas mãos. Ele nem levanta a
cabeça, como se nada mais lhe interessasse. É nosso pai, explica Gamala. É um
dos velhos da casa, porque também a mulher de Jacó trouxe para cá seu pai, que
tinha ficado sozinho e depois veio a mãe da Lia, a mais nova das casadas.
Nosso Pai é cego. Formou-se um véu sobre as pupilas dele. Com
tanto sol nos campos! Com tanto calor na terra! Pobre pai! Ele vive muito
entristecido. Mas ele é muito bom. Agora está esperando os netinhos, que são
sua única alegria.
Jesus se dirige ao velho: Deus te abençoe, pai.
Sejas tu quem fores, que Deus te dê a mesma bênção, responde
o velho, levantando a cabeça na direção da voz.
É triste a tua sorte, não é
mesmo? Pergunta-lhe Jesus e faz sinal para que ninguém diga quem é que está
falando.
Ela vem de Deus, depois de tanto bem que Ele me deu, durante
minha longa vida. Como eu recebi o bem de Deus, devo receber também a
desventura de estar sem a vista. Mas, afinal, ela não é eterna. Ela acabará no
seio de Abraão.
Dizes bem. Pior seria se fosse
cega a alma.
Eu sempre procurei conservá-la com a vista.
Como foi que fizeste?
Deves ser jovem, tu que estás falando, pois a tua voz o diz.
Não serás como esses jovens de agora, que são todos cegos, porque são sem
religião, não é? Olha que é uma grande desventura não crer nem cumprir o que
Deus mandou. É um velho quem te diz isso, rapaz. Se abandonares a Lei, estarás
cego nesta terra e na outra vida. Nunca mais verás a Deus. Porque chegará um
dia em que o Messias Redentor nos abrirá as portas de Deus. Eu já estou velho
demais para ver chegar esse dia sobre a terra. Mas eu o verei, lá do seio de
Abraão. Por isso, eu não me queixo de nada. Porque eu espero que, com estas minhas
sombras eu hei de descontar o que eu tiver feito que não agradou a Deus, e ter
algum merecimento para a vida eterna. Mas tu és jovem. Sê fiel, meu filho, de
modo que possas ver o Messias. Porque o tempo dele está perto. O Batista já o
disse. Tu o verás. Mas, se tiveres a alma cega, serás como aqueles de que nos
fala Isaías. Terás olhos, e não verás.
Tu gostarias de vê-lo, pai? Pergunta Jesus, pousando-lhe uma das
mãos pela cabeça branca.
Eu gostaria de vê-lo, sim. Mas eu prefiro ir-me embora sem
vê-lo, antes que eu o veja, mas temo que meus filhos não o reconheçam. Eu ainda
tenho a fé antiga e isso me basta. Eles... Oh! Este mundo de hoje...
Pai, vê, pois o Messias, e que a
tua tarde fique coroada de alegria, e Jesus faz deslizar sua mão, dos cabelos brancos para
baixo, descendo pela fronte até o queixo barbudo do velho, como se estivesse
fazendo-lhe uma carícia e, ao mesmo tempo, se inclina para colocar-se à altura
do seu rosto de ancião.
Oh! Altíssimo Senhor! Mas eu estou vendo! Estou vendo... Quem
és tu, com este rosto desconhecido, mas que me parece tão familiar, como se eu
já o tivesse visto? Mas, oh! Que tolo sou eu! Tu, que me restituíste a vista,
és o Messias bendito! Oh! Oh!
O velho chora sobre as mãos de Jesus, que ele agarrou,
cobrindo-as de beijos e de lágrimas. Todos os parentes dele estão alvoroçados.
Jesus solta uma das mãos e acaricia ainda o velho, dizendo: Sim, sou
Eu. Vem, para que, além de recuperar a vista, fiques conhecendo a minha
palavra. E Jesus se
dirige para uma escada, que leva a um terraço sombreado por um frondoso
suporte, que o cobre todo. E todos o acompanham.
Eu havia prometido aos meus
discípulos falar sobre a esperança e que teria trazido para a explicação uma
parábola. A parábola é esta: este velho israelita. Quem a dá é o Pai do Céu,
como um tema, a fim de ensinar a todos vós a grande virtude que, como os braços
de um jugo, sustenta a Fé e a Caridade.
Doce é este jugo. Patíbulo da
humanidade, como braço que atravessa a cruz, trono da salvação, como apoio da
serpente, que dava saúde, quando foi elevada no deserto. Patíbulo da
humanidade. Ponte para a alma, de onde ela pode fazer a decolagem de seu voo
para a Luz. E ela está colocada no meio, entre a indispensável Fé e a
perfeitíssima Caridade, porque, sem a Esperança não pode haver Fé, sem
Esperança, morre a Caridade.
Fé pressupõe esperança firme.
Como crer que se chega a Deus, se não se espera em sua Bondade? Como manter-se
nesta vida, se não se espera uma eternidade? Como pode persistir na justiça, se
não se anima a esperança de que toda nossa ação esteja sendo vista por Deus,
que nos dará por ela? Igualmente, como fazer viver a Caridade, se não houver
esperança em nós? A Esperança vem antes da Caridade e a prepara. Porque um
homem tem necessidade de esperar para poder amar. Os desesperados já não amam
mais. A escada é esta, feita com degraus e parapeito: a Fé são os degraus, a
Esperança o parapeito. No alto está a Caridade, para a qual se sobe por meio de
outras duas. O homem espera para crer. E crê para amar.
Este homem soube esperar. Ele
nasceu. Foi um dos meninos de Israel, como todos os outros. Cresceu recebendo
os mesmos ensinamentos que os outros. Tornou-se filho da Lei, como todos os
outros. Tornou-se homem, esposo, pai, velho, sempre esperando nas promessas
feitas aos Patriarcas e repetidas pelos Profetas. Na velhice, desceram sombras
sobre suas pipilas, mas não sobre seu coração. Neste, sempre ficou acesa a
Esperança. Esperança de ver a Deus. De ver a Deus na outra vida. E, na
esperança desta vista eterna, uma outra, mais íntima e querida, a de “ver o
Messias”. E ele me disse, sem saber ainda quem era o jovem que lhe falava: Se
abandonares a Lei, ficarás cego na terra e no Céu. Não verás a Deus, nem
reconhecerás o Messias.
Ele falou como sábio.
Muitíssimos há agora em Israel
que estão cegos. Eles não têm mais esperança, porque a matou neles a rebelião
contra a Lei, que é sempre rebelião, mesmo quando revestida de paramentos
sagrados, se não estiver com a aceitação integral da palavra de Deus, Eu digo
de Deus, e não dessas superestruturas que nela foram colocadas pelo homem e
que, por serem muitas, e todas humanas, acabam sendo desprezadas por aqueles
mesmos que as colocaram e são cumpridas maquinalmente, forçadamente,
cansadamente, de modo estéril pelos outros. Eles não têm mais esperança. Tratam
com irrisão as verdades eternas. Não têm, pois, nem mais Fé, nem Caridade. O
divino jugo de Deus dado ao homem para que fizesse dele um motivo de obediência
e merecimento, a celeste cruz que Deus deu ao homem para ser um esconjuro
contra as serpentes do Mal, a fim de que com ela conseguisse saúde e vida,
perdeu o seu braço transversal, o que segurava a chama cândida e a chama
vermelha: a Fé e a Caridade e, então as trevas desceram aos corações. O velho
me disse: É uma grande desventura não crer e não cumprir o que Deus mandou.
É verdade. Eu o confirmo. E pior
do que a cegueira material, que ainda pode ser curada, para dar a um justo a
alegria de tornar a ver o sol, os prados, os frutos da terra, os rostos dos
filhos e dos netos e, sobretudo o que era a esperança de sua esperança: Ver o
Messias do Senhor. Eu desejaria que uma virtude semelhante estivesse viva na
alma de todo Israel, e especialmente nas daqueles que são os mais instruídos na
Lei. Não basta ter estado no Templo, ou ter sido do Templo. Não basta saber de
cor as palavras do Livro. É necessário saber fazer delas a nossa vida, por meio
das três virtudes divinas.
Vós tendes disso um exemplo: onde
estas estão vivas, tudo é fácil, até uma vida de desventura. Porque o jugo de Deus
é sempre um jugo leve, que aperta somente sobre a carne, sem abater o espírito.
Ide em paz, vós que estais em
casa de bons israelitas. Vai em paz velho pai. De que Deus te ama, disso tens
certeza. Fecha até o fim os teus dias, depositando a tua sabedoria no coração
dos pequeninos nascidos do teu sangue. Não posso permanecer, mas minha bênção
fica entre estas paredes com abundância de graças, como abundantes são os
cachos desta vinha.
Pg. 198-201
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258 – JESUS REVELA A TIAGO DE
ALFEU QUAL SERÁ A SUA MISSÃO DE APÓSTOLO
Diz Jesus:
Tiago, meu irmão, sabes tu para o
que foi que Eu te quis aqui sozinho comigo, para falar-te, depois destas horas
de oração e meditação?
Tiago dá sinais de estar cansado para responder, de tão comovido que ainda
está. Mas, afinal, ele abre os lábios, para responder em voz baixa: Para dar-me
alguma lição especial para o futuro ou porque eu sou o mais incapaz de todos.
Eu te agradeço desde já, ainda que seja uma repreensão. Mas, podes crer Mestre
e Senhor, que se eu sou tardo e incapaz, assim o sou por deficiência, mas não
por vontade.
Não é uma repreensão, mas uma
lição, isto sim, para o tempo no qual Eu não estarei mais convosco. No teu
coração, durante estes últimos meses, ficaste pensando muito em tudo o que Eu
te disse um dia, aos pés deste monte, quando te prometi que haveria de vir aqui
contigo, não só para falar do profeta Elias, nem para ficar olhando o mar, que brilha
lá longe, sem limites, mas para te falar de outro mar, ainda maior, mutável,
desleal, deste que hoje parece o mais plácido dos lagos, e talvez, dentro de
poucas horas, engolirá navios e homens, em sua fome e voracidade. E nunca mais
separaste o pensamento de tudo o que Eu te disse naquele dia, de que a vinda
até aqui tivesse relação com o teu destino futuro. Por isso é que agora vais
ficando cada vez mais pálido, percebendo que se trata de um grande destino, uma
herança prenhe de uma responsabilidade tão grande, que faz tremer até um herói.
Uma responsabilidade e uma missão, que hão de ser exercidas com toda a
santidade possível em um homem, para não frustrar a vontade de Deus.
Não tenhas medo, Tiago. Eu não
quero a tua ruína. Por isso, se a tal missão Eu te destino, é sinal de que Eu
sei que dela não te virá prejuízo, mas uma glória sobrenatural. Escuta-me,
Tiago. Põe-te em paz com um belo ato de abandono a Mim, para poderes ouvir
recordar as minhas palavras. Nunca mais estaremos assim sozinhos, e com o
espírito assim preparado para nos entendermos.
Um dia Eu irei embora. Como todos
os homens que têm o seu tempo de permanência nesta terra. A minha permanência
chegará ao fim, de um modo bem diferente do de todos os homens, mas chegará ao
fim, e vós não me tereis mais perto de vós, a não ser com o meu Espírito, o
qual, Eu te asseguro, nunca vos abandonará. Eu me irei embora, depois de vos
ter dado aquele tanto que é necessário para fazer progredir a minha Doutrina no
mundo, depois que Eu tiver completado o Sacrifício e vos tiver obtido a Graça.
Com esta, e com o Fogo sapiencial e septiforme, sereis capazes de fazer isso,
que agora poderia parecer-vos uma loucura, e uma presunção só o imaginar
fazê-lo.
Eu me irei, e vós ficareis. E o
mundo, que não compreendeu o Cristo, não compreenderá também os apóstolos de
Cristo. Por isso, sereis perseguidos e dispersos, como os mais perigosos para o
bem estar de Israel. Mas, visto que vós sois os meus discípulos, devereis
sentir-vos felizes por sofrer as mesmas aflições do vosso Mestre.
Eu te falei, num dia do mês de
Nisan: Tu serás aquele que restará dos profetas do Senhor. Tua mãe, por um
ministério espiritual, teve uma meia intuição do significado destas palavras.
Mas, antes ainda que elas se cumpram para os meus apóstolos, em ti e por ti
serão cumpridas.
Tiago, todos serão dispersados,
menos tu, e isto até que Deus te chame para o seu Céu. Tu ficarás no posto para
o qual Deus te elegeu pela boca dos teus irmãos, tu descendente da estirpe
real, na cidade real, para erguer o meu cetro e falar do verdadeiro Rei. Rei de
Israel e do mundo, segundo uma realeza sublime, que ninguém compreende, a não
ser aqueles aos quais ela é revelada.
Serão tempos nos quais terás
necessidade de uma fortaleza, de uma constância, uma paciência e uma sagacidade
sem limites. Deverás ser justo com caridade, com uma fé simples e pura, como o
de um menino e ao mesmo tempo, erudita, como a de um verdadeiro mestre, para
sustentar a fé atacada e, muitos corações e por muitas coisas inimigas dela e
para refutar os erros dos falsos cristãos e as sutilezas doutrinárias do velho
Israel, o qual, já cego desde agora, ficará mais cego do que nunca, depois de
ter matado a Luz, e torcerá as palavras proféticas e até as ordens do Pai, do
qual eu procedo, para persuadirem-se a si mesmos, a fim de ficarem em paz. E
persuadir ao mundo de que Aquele, de quem falaram os Patriarcas e os Profetas,
não era Eu. E que Eu, ao contrário, fui um pobre homem, um sonhador e, para os
melhores um louco e, para os menos bons do velho Israel, um herege, um
endemoninhado.
Eu te peço que sejas, então um
outro Eu. Não penses que não seja possível. Porque o é. Tu deverás ter presente
o teu Jesus, os seus atos, a sua palavra, as suas obras. Como se tu te
colocasses numa forma de argila daquelas usadas pelos que fundem os metais,
para dar-lhes uma certa configuração, assim tu te deverás fundir em mim. Eu
estarei sempre presente, tão presente e vivo para vós, meus fiéis, que vós vos
podereis unir a mim, tornar-vos um outro Eu, e basta que o queirais. Mas tu,
que sempre tens estado comigo, desde a mais tenra idade e recebeste o alimento
da Sabedoria pelas mãos de Maria, antes ainda do que pelas minhas, tu que és
sobrinho do homem mais justo que Israel já teve, tu deves ser um perfeito
Cristo.
Não posso, não posso, Senhor! Dá essa tarefa a meu irmão. Dá
a João, dá a Pedro, dá ao outro Simão. Não a mim, Senhor. Por que a mim? Que
fiz para merecê-lo? Não vês que eu sou apenas um pobre homem, cuja única
capacidade é a de te amar muito, e de crer firmemente em tudo o que dizes?
Judas tem um temperamento muito
forte. Ele ficará muito bem onde for preciso abater o paganismo. Não aqui, onde
é preciso trazer para o cristianismo aqueles que, por já serem o povo de Deus,
acham que estão certos e daí não se arredam a nenhum custo. Não aqui, onde é
preciso convencer a todos os que, mesmo acreditando em Mim, ficarão desiludidos
com o desenrolar dos acontecimentos. Convencê-los de que o meu reino não é
deste mundo, mas é o Reino totalmente espiritual dos Céus, cujo prelúdio é uma
vida cristã, ou seja, uma vida cujos valores preponderantes são os do espírito.
A convicção se consegue com uma
firme doçura. Ai de quem precisou agarrar pelo pescoço para persuadir. O
agredido dirá “sim”, no momento, para livrar-se do aperto. Mas depois fugirá,
sem voltar mais atrás e sem mais querer discussões, se ele não for perverso mas
só alguém que estava fora do caminho. Foi armar-se e dar morte ao prepotente
afirmador de doutrinas diferentes das suas se ele é perverso, ou mesmo simplesmente
um fanático.
E tu ficarás rodeado de
fanáticos. Fanáticos entre os cristãos, fanáticos entre os israelitas. Os
primeiros quererão de ti atos de força ou, pelo menos a licença de praticá-los.
Porque o velho Israel, com as suas exigências e as suas restrições, estará
também agitando neles a sua cauda venenosa. Os segundos, marcharão contra ti e
contra os outros, como para uma guerra santa em defesa de velha Fé, dos seus
símbolos, das suas cerimônias. E tu estarás no centro desse mar tempestuoso. Tal
é a sorte dos chefes. E tu serás o chefe de todos os que fizerem parte da
Jerusalém cristianizada pelo teu Jesus.
Deverás saber amar perfeitamente,
para poderes ser chefe santamente. Não com armas e maldições dos judeus. Não te
permitas nunca ficar imitando os fariseus em julgar que os pagãos são
excremento. Também para eles foi que Eu vim, porque, se fosse só para Israel,
teria ficado desproporcionado o aniquilamento de Deus, ao assumir um corpo
capaz de sofrer a morte. E porque, se é verdade que o meu amor me teria feito
encarnar-me com alegria, até pela salvação de uma só alma, a Justiça por uma
infinidade: todo o Gênero Humano.
Doce, para não rejeitar, deverás
ser. Também para com eles, limitando-te a seres inabalável no dogma, mas
condescendente com outras formas de vida, todas materiais, mas sem lesões para
o espírito. Muito terás que combater com os irmãos por causa disso, porque
Israel está envolvido em suas práticas externas, todas inúteis, pois que não
mudam o espírito. Mas tu fica, e ensina os outros a ficar também unicamente
preocupado com o espírito. Não pretendas que os pagãos mudem de repente os seus
usos. Não fiques ancorado junto ao teu penhasco. Porque para recolher pelo mar
afora as peças quebradas, e levá-las para o estaleiro, a fim de conservá-las
para uma nova vida, é preciso navegar, e não ficar parado. E tu tens que ir
atrás das peças quebradas, Elas estão no paganismo e também em Israel. No fundo
do mar imenso está Deus, que abre os braços para todas as suas criaturas. Quer
sejam elas ricas por uma origem santa, como os israelitas, quer sejam pobres,
porque pagãos.
Eu disse: Amareis o vosso
próximo. Próximo não é somente o parente ou o compatriota. É próximo também o
homem que mora perto do polo da terra, e cujo rosto nem conheceis, e é próximo
também o que a estas horas está contemplando o romper da aurora, em lugares
distantes e por vós desconhecidos, ou o que percorre as geleiras das
cordilheiras fabulosas da Ásia, ou bebe da água de um rio, que abriu seu leito
por entre as florestas desconhecidas do centro da África. E se viesse a ti um
adorador do sol, ou mesmo um outro que considera seu deus o voraz crocodilo, ou
alguém que crê um sábio reencarnado, que foi capaz de conhecer a Verdade, mas
não foi capaz de adquirir a Perfeição dela, nem de dá-la como Salvação aos seus
fiéis, ou então nem se vier a ti para te perguntar: Dá-me o conhecimento de
Deus, talvez algum nauseado cidadão de Roma ou de Atenas, tu não podes e não
deves dizer-lhe: Eu vos rejeito, porque seria uma profanação levar-vos a Deus.
Lembra-te de que eles não sabem,
ao passo que Israel sabe. No entanto, em verdade, muitos em Israel são e serão
mais idólatras e cruéis do que o mais bárbaro e idólatra que houver no mundo, e
não a este ou aquele ídolo que sacrificam vítimas humanas, mas sim a si mesmos,
ao seu orgulho, ávidos de sangue, desde que neles se tiver acendido uma sede
insaciável, que durará até o fim dos séculos. Somente bebendo de novo e com fé
o que acendeu aquela sede atroz, é que se poderia extingui-la. Mas, então, já
será o fim do mundo, porque os últimos a dizerem: Nós cremos que Tu és Deus e
Messias, serão os de Israel, por mais que Eu tenha dado todas as provas de
minha Divindade.
Velarás, e muito para que a fé
dos cristãos não seja vazia. Ela assim seria, se fosse uma fé só de palavras,
ou de práticas hipócritas. O espírito é que vivifica. E esse espírito é o que
falta no exercício rotineiro e farisaico, que não passa de um fingimento de fé,
e não é verdadeira fé. Que valeria ao homem cantar os louvores de Deus na
assembleia dos fiéis, se depois todos os seus atos são de imprecaução contra
Deus, que não quer ser objeto de escárnio dos fiéis, mas conserva sempre, em
sua paternidade, suas prerrogativas de Deus e de Rei.
Velarás, e muito, para que
ninguém tome o lugar que não é seu. A Luz será dada por Deus, de acordo com os
graus que tiverdes. Deus não vos deixará faltar a Lua, a não ser que a graça
seja apagada em vós pelo pecado.
Muitos gostarão de ouvir quem são
chamados de “Mestres”. Um só é o Mestre: este que te está falando. E uma só é a
Mestra: a Igreja que o perpetua. Na Igreja serão mestres os que forem
consagrados com o encargo especial de ensinar. Mas entre os fiéis haverá
aqueles que, pela vontade de Deus e por sua santidade própria, isto é, por sua
Boa Vontade, serão alcançados pela corredeira da Sabedoria, e falarão. Outros
desses haverá, que por si mesmos não são sábios, mas que serão dóceis, como
instrumentos nas mãos do artífice, e em nome do Supremo Artífice, falarão,
repetindo como uns meninos bons, o que manda dizer, ainda que não compreendam
toda a extensão daquilo que estão dizendo. Haverá, enfim, os que falarão como se
fossem mestres, e com um esplendor tal, que chegará a seduzir os simples, mas
eles serão uns soberbos, duros de coração, ciumentos, iracundos, mentirosos e
luxuriosos.
Enquanto Eu estou dizendo que
recolhas as palavras dos sábios do Senhor e dos sublimes pequeninos do Espírito
Santo, ajudando-os a compreender a profundidade das divinas palavras, porque,
se eles são os portadores da Voz Divina, vós meus apóstolos, sereis sempre
docentes de minha Igreja, e deveis socorrer a estes sobrenaturalmente cansados
pela extasiante e pesada riqueza que Deus depositou neles, a fim de que as
levassem aos irmãos, assim Eu te digo: rejeita as palavras de mentira dos
falsos profetas, cuja vida não está de acordo com a minha doutrina. A bondade
da vida, a mansidão, a caridade e a humildade não faltam nunca nas sabedorias e
nas pequenas vozes de Deus. Sempre faltarão nos outros.
Velarás, e muito para que os
ciúmes, as calúnias, não existam na assembleia dos fiéis, e nem mesmo
ressentimentos e espírito de vingança. Velarás, e muito para que a carne não
tome a dianteira sobre o espírito. Não seria capaz de suportar perseguições
quem não tiver um espírito que reine sobre a carne. Tiago, Eu sei que assim
farás, mas faze ao teu irmão a promessa de que não me decepcionarás.
Mas, Senhor, Senhor! Eu só tenho um medo: o medo de não ser
capaz de o fazer. Meu Senhor, eu te peço isto: Dá esse encargo a algum outro.
Não. Eu não posso.
Simão de Jonas te ama, e Tu o ama...
Simão de Jonas não é Tiago de
Davi.
João! João o anjo douto. Faze dele o teu servo nesse caso.
Não. Não posso. Nem Simão, nem
João possuem aquele nadinha que, no entanto, é muito no modo de julgar dos
homens: o parentesco. E tu és meu parente. Depois de ter-me renegado, a parte
melhor de Israel procurará alcançar o perdão de Deus e de si mesma, procurando
conhecer o Senhor, que na hora de Satanás eles terão amaldiçoado e lhes
parecerá que irão receber o perdão e também a força para se colocarem em meu
caminho, se estiver em meu lugar um que seja do meu sangue. Tiago, sobre este
monte cumpriram-se coisas bem grandes. Aqui o fogo de Deus consumiu, não só o
holocausto, a lenha, as pedras, mas até a poeira e a água que estava na fossa.
Tiago, achas que Deus não pode mais fazer uma coisa parecida, acendendo e
consumindo todas as materialidades do homem Tiago, para fazer um Tiago fogo de
Deus? Temos ficado falando, e já o pôr do sol transformou em chamas até as
nossas vestes. Assim, não menos brilhante, ou até mais brilhante achas tu que
fosse o lugar do carro que arrebatou Elias?
Muito mais brilhante, porque foi um brilho produzido por um
fogo celeste.
Pensa então, como haverá de ficar
o coração, que se tornou fogo por Deus em si, porque Deus quer que ele seja
perpetuador do seu Verbo, pregando a Boa Nova da Salvação.
Mestre, mas Tu o Verbo de Deus, porque não ficas aqui?
Porque Eu sou Verbo e carne. Com
o Verbo devo instruir e com a carne redimir.
Oh! Meu Jesus, mas como redimirás? Ao encontro de quê estás
indo?
Tiago, lembra-te dos profetas.
Mas, não é figurado o modo como eles falam? Podes Tu, o Verbo
de Deus, ser maltratado pelos homens? Não quererão eles dizer que a tua
divindade se dará um martírio, á tua perfeição, mas não mais do que isso, nada
mais? Minha mãe se preocupa comigo e com Judas, mas eu me preocupo contigo e
com Maria, e depois também conosco, pois somos tão fracos. Jesus, Jesus, se o
homem Te dominasse, não achas Tu que muitos de nós creriam que Tu és réu e,
decepcionados, se afastariam de Ti?
Disso Eu tenho certeza. Haverá
uma reviravolta em todas as camadas dos meus discípulos. Mas depois voltará a
paz e haverá até uma coesão das partes melhores, sobre as quais, depois do meu
sacrifício e do meu triunfo, virá o Espírito fortificador e sábio: O Espírito
Divino.
Jesus, para que eu não me desvie e não me escandalize em tão
tremenda hora, dizei-me: que é que te farão?
É uma coisa muito grande, isso
que me está perguntando.
Dize-a a mim, Senhor.
Sabê-la exatamente, será para ti
um tormento.
Não faz mal. Por aquele amor que nos uniu sempre...
Não deve ser conhecida.
Dize-a a mim, e depois tira-me a lembrança dela até o momento
em que ela deverá acontecer. E, só então, faze que eu me lembre dela e
juntamente com esta hora. Assim, eu não me escandalizarei de nada e, no fundo
do meu coração, não ficarei teu inimigo.
Não adiantarás nada, porque tu
também cederás à tempestade.
Dize-a a mim, Senhor.
Eu serei acusado, traído,
torturado e condenado à morte na cruz.
Naão! Tiago urra e se contorce, como se tivesse sido ferido
ele de morte. Não! Ele repete. Se fizerem assim contigo, que é que não farão a
nós? Como é que poderemos continuar a tua obra? Eu não posso, não posso aceitar
o posto que a mim destinas... Não posso! Não posso! Uma vez morto Tu, eu também
serei um morto, pois não terei mais força. Jesus, Jesus! Escuta-me. Não me
deixes sem Ti. Promete-me, promete-me pelo menos isso!
Eu te prometo que virei guiar-te
com o meu Espírito, depois que a gloriosa Ressurreição me tiver libertado das
restrições da matéria. Eu e tu seremos uma só coisa, como agora que tu estás
entre os meus braços, porque de fato Tiago abandonou-se, a chorar sobre o peito
de Jesus.
Não chores mais. Saiamos desta
hora de êxtase, luminosa e penosa, como alguém que sai das sombras da morte,
lembrando-se de tudo, menos de como é o momento da morte, coisa espantosa e
enregelante, que dura um minuto, mas que, como fato, dura séculos. Vem Eu te
beijo assim, para te ajudar a esquecer o peso da minha sorte como Homem.
Encontrarás a lembrança a seu tempo, assim como me pediste. Toma, Eu te beijo
nessa boca que deverá repetir as minhas palavras aos povos de Israel, e no
coração, que deverá amar como Eu disse, e aqui em tuas têmporas, onde cessará a
vida, juntamente com a última palavra de amorosa fé em Mim. Eu virei, meu
querido irmão, para perto de ti nas assembleias dos fiéis, nas horas de
meditação, nas de perigo e na hora da morte! Ninguém, nem mesmo o teu anjo,
recolherá o teu espírito, mas Eu, com um beijo, assim.
Pg. 205-212
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259 – LIÇÃO SOBRE A IGREJA E OS
SACRAMENTOS A TIAGO DE ALFEU, QUE REALIZA UM MILAGRE
Jesus se detém para olhar, pensativo, para toda aquela parte
da Palestina. Tiago olha para Ele e diz: Estás olhando para a beleza desta
região?
Sim, também para ela. Mas, mais
do que para ela, eu estou pensando nas peregrinações futuras e na necessidade
de enviar-vos e de enviar, sem perda de tempo, os discípulos, não a um trabalho
limitado como o de agora, mas a um trabalho realmente missionário. Temos
regiões e mais regiões, que ainda não me conhecem e Eu não quero deixar lugares
sem me conhecerem. Esta é a minha preocupação em todas as horas: andar, fazer,
enquanto estou podendo fazer tudo.
De vez em quando, sucedem coisas que te fazem ir devagar.
Mais do que me fazerem ir
devagar, me levam a fazer alterações no itinerário a ser seguido. Pois nunca
são inúteis as viagens que fazemos. E, enquanto isso, há tantas, tantas coisas
para fazer... E também porque, depois de ter estado ausente de um lugar, quando
a ele volto, encontro muitos corações que voltaram ao ponto em que estavam
antes, e devo começar tudo de novo.
Sim, é cansativa e desagradável esta apatia dos espíritos,
esta volubilidade, e esta preferência pelo mal.
É cansativa. Mas não digas desagradável.
O trabalho de Deus nunca é desagradável. As pobres almas devem causar-nos
piedade, não desagrado. Um pai nunca fica desgostoso pelas doenças do seu
filho. E nós não devemos ficar desgostosos com ninguém.
Jesus, permites-me fazer-te algumas perguntas? Eu, até nesta
noite mesmo, não dormi. Mas fiquei pensando muito, enquanto te fiquei olhando
dormir. Durante o sono pareces ficar tão jovem, meu irmão! Ficavas sorrindo,
com a cabeça apoiada sobre um braço dobrado por baixo dela, justamente como fazem
os meninos. Eu Te via bem por causa do luar bem claro que houve esta noite. E
eu fiquei pensando. E muitas perguntas me subiram ao coração.
Dize quais são.
Eu dizia a mim mesmo: é preciso que eu pergunte a Jesus como
poderemos chegar a ser esse organismo, ao qual Tu deste o nome de Igreja e no
qual, se é que eu entendi bem, haverá hierarquias, estando nós nesta
insuficiência. Tu nos dirás o que temos que fazer, ou nós é que deveremos
pensar nisso?
Eu, quando chegar a hora, vos
mostrarei o começo dela. Nada mais. Durante a minha presença entre vós, Eu já
vos vou mostrando as diversas classes com as diferenças entre apóstolos,
discípulos e discípulas. Eu quero que, assim como os discípulos devem ter
respeito e obediência para com os apóstolos, assim também os apóstolos tenham
amor e paciência para com os discípulos.
E que deveremos fazer? Pregar-te sempre, e somente isso?
Isto é essencial. Depois,
devereis em meu nome, absolver e abençoar, tornar a colocar no estado de graça,
administrar os Sacramentos que Eu vou instituir.
Que coisa são essas?
São meios sobrenaturais e
espirituais aplicados com meios materiais, modos para persuadir os homens que o
sacerdote faz realmente alguma coisa. Tu estás vendo que o homem, se não vê não
crê. Ele tem sempre a necessidade de alguma coisa que lhe diga que alguma coisa
existe. Por isso, quando Eu faço milagres, impondo as mãos, molho com a saliva
ou dou um bocado de pão molhado. Eu poderia fazer o milagre somente com o meu
pensamento. Mas, podes crer que, neste caso, as pessoas diriam: “Foi Deus que
fez o milagre?” Elas diriam: “Ficou curado, porque era hora de ficar curado”. E
atribuiriam o merecimento ao médico, aos remédios ou à resistência física do
doente. O mesmo acontecerá com os Sacramentos. Eles são formas de culto para
administrar a Graça, conferindo-a ou fortalecendo-a nos fiéis. João, Poe
exemplo, usava a imersão na água para dar uma ideia da limpeza, que exclui os
pecados. Na realidade, mais do que a água, que servia para limpar os membros,
era útil a mortificação de se confessarem sujos, pelos pecados que haviam
feito. Eu também terei o batismo, o meu batismo, que não será simplesmente uma
figura, mas será realmente uma detersão da mancha original da alma e a
restituição à mesma do estado espiritual, que Adão e Eva possuíam, antes da sua
culpa, mas agora está melhorado, porque dado pelos merecimentos do Homem-Deus.
Mas... a água não desce sobre a alma! A alma é espiritual.
Quem será capaz de tocar nela no recém-nascido, no adulto, no velho? Ninguém.
Estás vendo que admito que a água
é um meio material, que não tem força sobre uma coisa espiritual? Portanto, não
será a água, mas sim a palavra do sacerdote, membro da Igreja de Cristo,
consagrado ao seu serviço ou de outro, que creia verdadeiramente, e que em
casos excepcionais o substitua, operará o milagre da redenção da culpa original
do que é batizado.
Está bem. Mas o homem comete também os seus próprios pecados.
E esses outros pecados, quem lhes tirará?
Sempre o Sacerdote, Tiago. Se um
adulto for batizado, junto com a culpa original, lhe serão canceladas as outras
culpas. E, se o homem já é batizado e torna a pecar, o Sacerdote o absolverá,
em nome do Deus Uno e Trino e, pelo mérito do Verbo Encarnado, como faço Eu com
os pecadores.
Mas Tu és Santo. Enquanto nós...
Vós deveis ser Santos, porque
tocais nas coisas santas e administrais o que é de Deus.
Então, batizaremos muitas vezes um mesmo homem, como João que
faz a imersão de um homem na água tantas vezes quantas o homem for a ele?
João no seu batismo, não faz mais
do que uma purificação por meio da humildade daquele que vai para ser imergido.
Eu já te disse isso. Vós não batizareis de novo a quem já foi batizado, a não
ser que ele tenha sido batizado com uma fórmula não apostólica, mas cismática,
e nesse caso se pode administrar um segundo batismo, fazendo-se uma pergunta
clara ao batizado, se ele for adulto, se ele o quer, e uma clara afirmação de
querer, fazer parte da verdadeira Igreja. Nas outras vezes, para restabelecer a
amizade e a paz com Deus usareis a palavra do perdão, unida aos méritos de
Cristo, e a alma, que veio a vós com verdadeiro arrependimento e humilde
acusação de si mesma, ficará absolvida.
E se alguém não puder vir, porque está doente, a tal ponto
que nem pode ser tirado do lugar onde se acha? Morrerá, então, no pecado? Ao
sofrimento da agonia ainda se acrescentará mais esse do medo do juízo de Deus?
Não. O sacerdote irá ao doente, e
o absolverá. E lhe dará até uma forma mais ampla de absolvição, de um modo
geral, mas todos e cada um dos órgãos dos sentidos, pelos quais geralmente o
homem chega ao pecado. E, Israel o óleo Santo, composto segundo a regra dada
pelo Altíssimo, e com o qual é consagrado o altar, o Pontífice, os sacerdotes e
os reis. O homem é realmente um altar. E rei ele se torna, por sua eleição para
o trono do Céu; pode, portanto, consagrado com o óleo da Unção. O óleo santo
será, junto com o altar, parte do culto de Israel incluído na minha Igreja,
embora com outros usos. Porque não tudo em Israel é mau será repelido. Antes,
muitas recordações da antiga estirpe estarão na minha Igreja, e uma será o óleo
santo, usado também na Igreja para consagrar o altar, os pontífices e as
hierarquias eclesiásticas todas, para consagrar Oe reis e os fiéis, se tornarem
os príncipes herdeiros do reino ou, então, quando tiverem necessidade de
maiores auxílios para poderem comparecer diante de Deus, com seus membros e
sentidos limpos de toda culpa. A graça do Senhor socorrerá a alma e também o
corpo, se a Deus lhe apraz, para o bem do doente. O corpo muitas vezes não
reage contra as doenças, também por causa dos remorsos que lhe perturbam a paz
e pela obra de Satanás que, por aquela morte espera ganhar uma alma para o seu
Reino e levar ao desespero os sobreviventes. O doente passa da angústia satânica
e da perturbação interior à paz, mediante a certeza do perdão de Deus, que lhe
obtém também o afastamento de Satanás. E, visto que o dom da graça tinha por
companheiro, em nossos primeiros pais, o dom da imunidade às doenças e de toda
espécie de dor, o doente, restituído a graça, grande como a de um recém-nascido
batizado com o meu batismo, pode obter também a vitória sobre a doença. Nisto
ajudado também pelas orações dos irmãos na fé, nos quais existe a obrigação da
piedade para com o enfermo, piedade não só corporal, mas sobretudo espiritual,
tendendo a obter a salvação física e espiritual do irmão. A oração é já uma
espécie de milagre, Tiago. A oração de um justo, como viste em Elias, muito
pode fazer.
Eu te compreendo pouco, mas o pouco que eu compreendo já me
enche de reverência pelo caráter sacerdotal dos teus sacerdotes. Se bem
compreendo, teremos contigo muitos pontos em comum: a pregação, a absolvição, o
milagre. Três sacramentos, portanto pregação.
Não, Tiago. Pregação e milagres
não são sacramentos. Mas os Sacramentos serão mais. Serão sete, como o sagrado
candelabro do Templo e os dons do Espírito do Amor. E em verdade os sacramentos
são dons e são chamas, dados para que o homem arda diante do Senhor pelos
séculos dos séculos. Haverá também o sacramento para as núpcias do homem. Isso
é o que foi acenado no símbolo das núpcias santas de Sara de Raguel, libertada
do demônio. Ele, aos esposos, dará todos os auxílios para uma santa
convivência, segundo as leis e os desejos de Deus. Também o esposo e a esposa
se tornam ministros de um rito: o da procriação. Também o marido e a mulher se
tornam sacerdotes de uma pequena igreja: a família. Devem, por isso, ser
consagrados para procriar com a bênção de Deus e para criar uma descendência na
qual se bendiga o Nome Santíssimo de Deus.
E a nós, os sacerdotes, quem nos consagrará?
Eu antes de deixar-vos. Vós,
depois, consagrareis os sucessores e todos quantos associardes para propagarem
a fé cristã.
Tu nos ensinarás, não é mesmo?
Eu e Aquele que Eu mandarei. E essa
sua vinda será um Sacramento, voluntário, da parte de Deus Santíssimo em sua
primeira epifania, e depois dado por aqueles que tiverem recebido a plenitude
do sacerdócio. Será força e inteligência, será afirmação na fé, será piedade
santa e santo temor, será uma ajuda de conselho e de sabedoria sobrenatural, e
a posse de uma justiça, que por sua natureza e poder, tornará adulto a criança
que a recebe. Mas tu não podes, por enquanto, compreender isto. Ele mesmo é que
te fará compreender. Ele, o Divino Paráclito, o Amor Eterno, quando tiverdes
chegado ao momento de recebê-lo em vós. E assim não podeis por enquanto,
compreender um outro sacramento. É quase incompreensível para os anjos, de tão
sublime. E, no entanto, vós, simples homens, o compreendereis em virtude da fé
e do amor. Em verdade te digo que quem o amar e nutrir com ele o seu espírito,
poderá pisar o demônio sem ser danificado. Porque, então, Eu estarei com ele.
Procura lembrar-te destas coisas, meu irmão. A ti é que tocará dizê-las aos
companheiros e aos fiéis, muitas e muitas vezes. Vós, então sabereis já por
ministério divino, mas tu poderás dizer: Ele me disse um dia, descendo do
Carmelo. Tudo Ele me disse, porque eu estava sendo, desde aquele momento,
destinado a ser o chefe da Igreja de Israel.
Eis uma outra pergunta a fazer-te. Fiquei pensando nela esta
noite. Mas serei eu que devo dizer aos companheiros. Eu é que vou ser o chefe
aqui? Não me agrada. O farei, o ordenas. Mas não me agrada.
Não tenhas medo. O Espírito
Paráclito descerá sobre todos, e vos dará pensamentos santos para a glória de
Deus em sua Igreja.
E não haverá mais aquelas discussões tão... tão
desagradáveis, que há agora? Também Judas de Simão não será mais causador de
aborrecimentos?
Não será mais, fica tranquilo.
Mas divergência, ainda haverá. E por isso que Eu te disse: vela muito, sem te
cansares nunca, fazendo o teu dever com firmeza.
Ainda uma pergunta, meu Senhor. Em tempo de perseguição, como
devo me comportar? Parece, pelo que Tu dizes, que eu terei que ficar sozinho dentre
os doze. Os outros, portanto, ir-se-ão embora para escaparem da perseguição. E
eu?
Tu continuarás no teu posto.
Porque, se é necessário que não sejais exterminados, enquanto não estiver bem
consolidada a Igreja, -- isso justifica a dispersão de muitos discípulos e de
quase todos os apóstolos, nada justificaria a tua deserção e abandono por parte
de ti da Igreja de Jerusalém. Ao contrário, quanto mais ela estiver em perigo,
mais deverás zelar por ela, como se fosse a tua filha mais querida, e estando prestes
a morrer. O teu exemplo fortalecerá o espírito dos fiéis. Terão necessidade
para superarem a prova. Mais fracos os vireis, mais deverás confortá-los, com
compaixão e sabedoria. Se tu fores forte, não sejas sem piedade para com os
fracos. Mas sustenha-os pensando:” Eu tudo recebi de Deus, para chegar a esta
minha força. Humildemente devo dizê-lo e carinhosamente devo agir pelos menos
abençoados com os dons de Deus,” e dar, dar a tua força, junto com a palavra,
com o socorro, com a calma, com o exemplo.
E, se entre os fiéis houvessem malvados, causa de escândalos
e servindo de perigo para os outros, que deverei fazer?
Prudência, ao aceitá-los, porque
é melhor serem poucos e bons, do que muitos e não bons. Tu conheces o velho
apólogo das maçãs sãs e das maçãs doentes. Faça que não se repita na tua
Igreja. Mas, se tu também encontrares teus traidores, procura adverti-los de
todos os modos, reservando os modos severos só como meios externos. Mas, se
tratar-se apenas de pequenas culpas individuais, não sejas de uma severidade
que assusta. Perdoa, perdoa... Faz mais um perdão com lágrimas e com palavras
de amor, do que uma maldição, para redimir um coração. Se a culpa for grave,
mas cometida por um repentino assalto de Satanás, tão grave, que o culpado
sinta necessidade de fugir da tua presença, vai tu à procura do culpado. Porque
ele é cordeirinho extraviado e tu és pastor. Não tenhas medo de te aviltares a
ti mesmo descendo por estradas lamacentas, com a procura por brejos e
precipícios. A tua fronte se coroará, então, com a coroa do mártir do amor, que
será a primeira das três coroas... E, se tu mesmo fores traído, como foi o
Batista e muitos outros, porque cada santo tem o seu traidor, perdoa. Mais a
este do que a qualquer outro. Perdoa, como Deus perdoou aos homens e como ainda
perdoará. Chama ainda “filho” aquele que dará dor, porque o Pai assim chama por
minha boca e, em verdade, não existe homem que não tenha dado dor ao Pai dos
Céus...
Um longo silêncio...
Pg. 214-219
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261 – EXORTAÇÃO AOS CAMPONESES DE
DORAS, PASSADOS À DEPENDÊNCIA DE JOCANÃ
Ainda não surgiu completamente a aurora. Jesus está de pé no
meio do pomar arruinado de Doras. Uma sucessão de árvores mortas, ou morrendo,
das quais muitas já foram derrubadas, ou arrancadas do solo. Ao redor de Jesus,
os camponeses de Doras e de Jocanã, e os apóstolos, estão uma parte em pé, e os
outros sentados sobre os troncos derrubados.
Jesus começa a falar: Um novo dia, e uma nova partida.
E não sou Eu somente que vou partir. Vós também partis, se não materialmente,
mas moralmente, passando a ter um outro patrão. Estareis, pois unidos a outros
camponeses bons e piedosos, e formareis uma família, na qual podereis falar de
Deus e do seu Verbo, sem precisardes recorrer a subterfúgios para fazer isso.
Sustentai-vos um ao outro na fé, ajudai-vos mutuamente, suportai os defeitos de
cada um de vós, e servi de edificação uns para os outros.
Isto é amor. E, ainda que de modo
diferente, que no amor haja salvação, como ouviste ontem à tarde da boca dos
meus apóstolos. Simão Pedro, com uma palavra simples e boa, vos fez refletir
como o amor muda a natureza pesada em uma natureza sobrenatural, e como um
indivíduo, que é sem amor, pode tornar-se corrupto ou corruptor, como animal
abatido, mas não assado ou, pior ainda, ser inútil como lenha que fica
apodrecendo dentro d`água, sem prestar para acender o fogo e fazer que um homem
passe a viver na atmosfera de Deus, isto é, um ser que sai da corrupção e se
torna útil ao próximo.
Porque, podeis crer, meus filhos,
a grande força do Universo é o amor. Eu não me cansarei jamais de dizer. Todas
as dores da terra vem do desamor. A começar pela morte e pelas doenças, que
nasceram da falta de amor de Adão e Eva ao Senhor Altíssimo. Porque o amor é obediência. Quem não obedece
é um rebelde. Quem é um rebelde, não ama aquele contra o qual ele se rebela.
Mas, também as outras desventuras, gerais ou particulares, como as guerras ou
as ruínas em que nascem? Nascem do egoísmo, que é um desamor. E, com a ruína
das famílias, vêm também as ruínas dos bens, por castigo de Deus. Porque Deus,
mais cedo ou mais tarde, pune aquele que vive sem amor. Eu sei que por aqui se
conta uma história --- e por causa dela Eu sou odiado por alguns, olhando por
outros com os corações cheios de medo, ou sou invocado como um novo castigo, ou
suportado por medo de alguma punição.
Eu sei que circula a história de
que tenha sido o meu olhar que tornou malditos estes campos. Não foi o meu
olhar, mas o egoísmo castigado de alguém que era injusto e cruel. Se meus olhos
tivessem que ir as terras de todos os que me odeiam, na verdade poucas áreas
verdes ficariam na Palestina!
Eu não me vingo nunca das ofensas
que se me fazem a mim mesmo, mas entrego ao Pai aqueles que obstinadamente
persistem em seus pecados de egoísmo contra o seu próximo e, sacrilegamente,
zombam do preceito e, quanto mais ouvem palavras para persuadi-los, e com as
palavras também se fazem atos para convencê-los a amar, tanto mais cruéis eles
se tornam. Eu estou sempre pronto para levantar a mão e dizer a quem se
arrepende: “Eu te absolvo. Vai em paz.” Mas Eu não ofendo o Amor, a ponto de
transformá-lo em irreversíveis durezas. Tende sempre isto em mente, para que
vejais as coisas à justa luz, e para desmentir essas histórias que, tenham ou
não sido criadas por veneração ou por um medo cheio de ira, estão sempre bem
longe da verdade.
Vós passais a ficar sujeitos a um
outro patrão, mas não abandoneis estas terras que, no estado em que estão,
parece loucura querer tratar delas. No entanto, Eu vos digo: cumpri nelas
também o vosso dever. Vós o cumpristes até agora por medo das punições humanas.
Cumpri-o também agora, mesmo sabendo que não sereis tratados como o fostes. Eu
até vos digo: quanto mais fordes tratados com humanidade, tanto mais alegre
diligência trabalhai, para pagardes com o vosso trabalho, a humanidade que
deveis a quem vos trata com humanidade.
Porque, se é verdade que os
patrões têm o dever de ser humanos com os seus empregados, lembrando-se de que
somos todos de um mesmo tronco e de que em verdade todos os homens nascem da
mesma maneira, e morrem, tornando-se depois podridão, da mesma maneira, tanto o
pobre como o rico, e de que as riquezas não são de quem as tem, mas daqueles
para quem foram acumuladas, com honestidade ou com desonestidade, e de que não
há necessidade de gloriar-se delas ou de, por causa delas oprimir os outros,
mas fazer com elas boas obras também em favor dos outros, usando delas com
amor, discrição e justiça, a fim de sermos tratados sem severidade por parte do
verdadeiro patrão que é Deus, o qual ninguém compra nem seduz com joias nem
talentos de ouro, mas o fazemos amigo com nossas boas ações, porque, se isso é
verdade, também é verdade que os servos têm o dever de ser bons para com seus
patrões.
Fazei com simplicidade e com boa
vontade a vontade de Deus, que vos quer nessa humilde condição. Vós sabeis a
parábola do rico Epulão. Vede que no Céu não é o ouro, mas a virtude é que
recebe prêmio. A virtude e a submissão à vontade de Deus tornam Deus amigo dos
homens. Eu sei que é muito difícil ser sempre capazes de ver a Deus através das
obras dos homens. Quando tudo corre bem, é fácil. Quando corre mal, é difícil,
porque pode levar nosso espírito a pensar que Deus não é bom. Mas vós, superai
o mal que vos é feito pelo homem tentado por Satanás, e, do lado de lá dessa
barreira, que custa lágrimas, vede a verdade da dor e a sua beleza. A dor vem
do mal. Mas Deus, não podendo aboli-la, porque essa força existe, e é a prova
do ouro espiritual dos filhos de Deus, e o constrange a extrair do veneno dela
o suco de um remédio que dá a vida eterna. Porque a dor, com sua mordida,
inocula nos bons reações tais, que os espiritualizam, fazendo-os sempre mais
santos.
Vós pois sede bons, respeitosos,
obedientes. Não fiqueis julgando vossos patrões. Já há quem os julgue. Eu
gostaria que quem vos dá ordens se tornasse justo, a fim de tornar mais fácil o
vosso caminho e alcançar para ele a vida eterna. Mas lembrai-vos de que, quanto
mais penoso for o dever a cumprir, maior será o mérito aos olhos de Deus. Não
procureis fraudar o patrão. O dinheiro ou as mercadorias apanhadas com fraude
não enriquecem a ninguém, nem matam a fome. Tende puras as vossas mãos, os
vossos lábios e o vosso coração. E, então, celebrareis os vossos sábados, as
vossas festas de preceito, em graça aos olhos do Senhor, mesmo quando sejais
obrigados a trabalhar na gleba.
Na verdade, que valor maior teria
o vosso trabalho do que o da oração hipócrita dos que vão cumprir o preceito,
só para receberem louvor do mundo, transgredindo, na verdade, o preceito, com a
desobediência á Lei que manda obedecer, por si mesmo e por todos os de casa, ao
preceito do sábado e das solenidades de Israel.
Porque a oração não está no ato,
mas no sentimento. E, se o vosso coração ama a Deus com santidade, em qualquer
eventualidade, ele cumprirá os ritos do sábado e das festas, melhor do que os
que vos impedem de cumprir.
Eu vos abençoo, e aqui vos deixo,
porque o sol já vai alto, e Eu pretendo chegar ás colinas, antes que o calor
fique forte demais. Rever-nos-emos logo, porque o outono não está mais muito
longe. A paz esteja com todos vós, com os novos e os antigos servos de Jocanã,
e tranquilize os vossos corações.
Pg. 231-233
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263 – CURA DO HOMEM DE BRAÇO
ATROFIADO
Depois das orações preliminares, chega o momento da leitura
de uma passagem e a explicação da mesma. O sinagogo pede a Jesus que as faça,
mas Jesus, mostrando os fariseus, diz: Que o façam eles. Mas, como eles não o
querem fazer, Ele deve falar.
Jesus lê a passagem do primeiro livro dos Reis, onde se narra
como Davi foi traído pelos homens de Zif, que disseram a Saul que ele estava em
Gabaa. Jesus lhes restituiu o rolo, e começa a falar.
Violar o preceito da caridade, da
hospitalidade, da honestidade é sempre um mal. Mas o homem não titubeia em
fazê-lo, com a maior indiferença. Aqui temos um duplo episódio daquela
violação, e a consequente punição de Deus. A conduta dos homens de Zif era
fraudulenta. Mas a de Saul não era menos. Os primeiros, porque tinham a
intenção vil de cair nas graças do mais forte e tirar vantagens disso. O
segundo, porque tinha a vil intenção de dar cabo do ungido do Senhor. Era o
egoísmo que fazia porem-se de acordo. E, diante da indigna proposta, o falso e
pecador rei de Israel ousou dar uma resposta, na qual ele inclui o nome do
Senhor: “Sede benditos pelo Senhor.”
Uma irrisão da justiça de Deus!
Uma irrisão habitual! Sobre as maldades do homem, muitas vezes se invoca como
prêmio, ou como uma fiança, o Nome do Senhor e sua benção. Foi dito: “Não
tomarás o Nome de Deus em vão.” E poderá haver coisa mais vã, ou pior ainda,
mais maldosa do que tomar o nome de Deus para cometer um delito contra o
próximo? No entanto, isso é um pecado mais comum do que qualquer outro, e
praticado com indiferença até por aqueles que são sempre os primeiros nas
assembleias do Senhor, nas cerimônias e nas doutrinações. Lembrai-vos de que é
pecaminoso ficar indagando, ficar observando e preparando tudo para danificar
ao próximo. E também é pecaminoso mandar indagar, mandar observar e preparar
todas as coisas para danificar ao próximo por outros. Isso é induzir os outros
ao pecado, tentando-os com algum prêmio, ou ameaçando-os com represálias.
Eu vos advirto que isso é pecado.
Eu vos advirto que é egoísmo e ódio uma conduta dessas. E vós sabeis que o ódio
e o egoísmo são os inimigos do amor. Eu vos advirto disso, porque Eu me
preocupo com as vossas almas. Porque Eu vos amo. Porque Eu não vos quero em
pecado. Porque Eu não vos quero ver punidos por Deus, como aconteceu a Saul
que, enquanto perseguia a Davi, para prendê-lo e matá-lo, viu a cidade ser
destruída pelos filisteus. Em verdade, isso acontecerá sempre a quem danifica o
próximo. A vitória dele durará tanto como a erva do prado. Depressa surgirá,
mas depressa secará, será moída pelo pé indiferente do passante. Enquanto que a
boa conduta, a vida honesta, parecem difíceis de nascer e de se firmarem. Mas,
uma vez formado o hábito de vida, torna-se uma árvore forte e copada, que nem
os turbilhões arrancam, nem a canícula consegue queimar.
Em verdade, quem é fiel à Lei,
mas fiel de verdade, torna-se uma árvore forte, que não é dobrada pelas
paixões, nem queimada pelo fogo de Satanás. Eu já falei. Agora, se alguém quer
falar mais alguma coisa, que fale.
Nós te perguntamos se falaste para nós, fariseus?
Por acaso, a sinagoga estará
cheia de fariseus? Vós sois quatro e a multidão é de centenas de pessoas. A
palavra foi para todos.
Mas a alusão era clara.
Na verdade, nunca se viu que
alguém, ao ser indiciado em alguma comparação, passe a acusar-se a si mesmo. E
vós o estais fazendo. Mas, por que é que vos acusais, se Eu não vos acuso?
Sabeis por acaso que estais agindo como Eu disse? Eu não o sei. Mas, se é
assim, arrependei-vos disso. Porque o homem é fraco, e pode pecar. Mas Deus o
perdoa, se nasce nele arrependimento sincero e o propósito de não mais pecar.
Mas, com toda a certeza, persistir no mal é um duplo pecado, e sobre esse
pecado não desce o perdão.
Esse pecado, nós não temos.
Nesse caso, não vos aflijais com
minhas palavras.
O incidente terminou. E a sinagoga se enche de vozes, que
estão cantando os hinos. Depois, parece que a assembleia vai logo dispersar-se
sem mais incidentes. Mas o fariseu Joaquim descobre um homem no meio da
multidão e, por meio de sinais e com o olhar, o intima a vir para a primeira
fila. É um homem dos seus cinquenta anos, e tem um braço atrofiado, paralisado
até na mão e muito mais curto do que o outro, porque a atrofia destruiu os seus
músculos.
Jesus o está vendo. E está vendo também toda a manobra
preparada para fazer que Ele veja. Jesus sente um começo de desgosto e de
compaixão, e isto se nota em seu rosto, um pequeno sinal significativo, mas
muito claro. Ele não se desvia do golpe. Pelo contrário, o enfrenta com
firmeza.
Vem aqui para o meio, diz Ele ao homem.
E, quando o homem chega à sua frente, Jesus se vira para os
fariseus, e diz:
“Por que me estais tentando? Não
acabei de falar agora mesmo contra as insídias e o ódio? E vós dissestes agora
mesmo: “Nós não temos esse pecado?” Não me respondeis? Respondei-me pelo menos
a esta pergunta: é lícito fazer o bem ou o mal aos sábados? É licito salvar, ou
tirar a vida? Não respondeis? Eu, então responderei por vós, e o farei na
frente de todo o povo, que julgará melhor do que vós, porque é sempre sem ódio
e sem soberba. Não é lícito fazer nenhum trabalho aos sábados. Mas, assim como
é lícito rezar, assim também é lícito fazer o bem, porque o bem é oração maior
do que os hinos e os salmos que acabamos de cantar, ao passo que, nem no
sábado, nem em nenhum outro dia é lícito fazer o mal. E vós o tendes feito,
manobrando para terdes aqui este homem, que nem de Cafarnaum não é, e que
fizestes vir, há dois dias, sabendo que Eu estava em Betsaida, e concluindo que
Eu teria vindo à minha cidade. E vós assim fizestes para procurar em que é que
me poderíeis acusar. E assim, cometeis também o pecado de matar a vossa alma,
em vez de salvá-la. Mas no que depende de Mim, Eu vos perdoo, e não
decepcionarei a fé deste homem, ao qual vós dissestes que viesse, dizendo-lhe
também que Eu o curaria, enquanto estáveis usando dele para armar-me uma
cilada. Ele não tem culpa, porque até aqui veio sem outra intenção, senão a de
ficar são. E que assim se faça. Homem, estende a tua mão, e vai em paz.
O homem obedece, e sua mão fica sã, igual à outra. Ele usa
dela imediatamente para segurar uma dobra da capa de Jesus a fim de beijá-la,
dizendo-lhe: “Tu bem sabes que eu não sabia da verdadeira intenção deles. Se eu
a tivesse sabido, não teria vindo, preferindo ficar com minha mão seca a ir
contra Ti. Por isso, não me queiras mal.”
Vai em paz, homem. Eu sei a
verdade, e para ti só tenho benevolência.
A multidão sai comentando e, por último, sai Jesus com os
onze apóstolos.
Pg. 246-249
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265 – INSTRUÇÕES AOS DOZE
APÓSTOLOS QUE INICIAM O SEU MINISTÉRIO
Diz Jesus:
“Não temais aqueles que matam o
corpo, mas não matam a alma. Mas temei somente aquilo que pode pôr a perder a
vossa alma. E reunir no último juízo esta alma ao corpo ressuscitado, para
jogá-los no fogo do Inferno. Não temais. Não se vendem dois pardais por uma
moeda? E, no entanto, se o Pai não o permitir, nenhum deles cairá, apesar de
todas as insídias do homem. Portanto, não temais. Vós sois conhecidos pelo Pai.
Conhecidos sois por Ele até pelo número de fios de cabelo que tendes na cabeça.
Vós sois mais do que muitos pardais! E Eu vos digo que quem me reconhecer
diante dos homens, também Eu os reconhecereis diante de meu Pai que está nos
Céus. Mas quem me renegar diante dos homens, também Eu o renegarei diante do
meu Pai. Reconhecer aqui quer dizer seguir e praticar. Renegar é abandonar o
meu caminho por covardia, pela tríplice concupiscência, ou por algum cálculo
egoísta, por afeto humano para com alguém dos vossos, que esteja contra mim.
Porque haverá também isso.
Não penseis que Eu tenha vindo
trazer a concórdia a esta terra e por esta terra. A minha paz é mais alta do
que as pazes, calculadas para tirar partido delas cada dia. Eu não vim trazer a
paz, mas a espada. A espada afiada para tirar as lianas, que se agarram a lama,
e para abrir caminhos para voos do sobrenatural. Por isso Eu vim para separar o
filho do pai, a filha da mãe, a nora da sogra. Porque Eu sou o que reina e tem
todo o direito sobre os seus súditos. Porque em mim se encontram todos os
amores, sublimando-se, e Eu sou Pai, Mãe, Esposo, Irmão, Amigo, e vos amo como
tais, e como tal sou amado. E, quando Eu digo: “Eu quero”, nenhum liame pode
resistir e a criatura é minha, Eu, com o Pai a criei, Eu, por mim mesmo a
salvo, e Eu tenho o direito de possuí-la.
Em verdade os inimigos do homem
são os homens, além dos demônios. E os inimigos do homem novo, do cristão, são
os de sua casa, com os seus lamentos, ameaças e súplicas.
Quem pois, de agora em diante, amar
o pai e a mãe mais do que a mim, não é digno de mim; Quem ama o filho ou a
filha mais do que mim, não é digno de mim. Quem não tomar a sua cruz cada dia,
complexa, formada de resignações, de renúncias, de obediências, de heroísmos,
de dores, de doenças, de lutos, de tudo aquilo que manifesta a vontade de Deus
ou uma prova do homem e, com essa cruz ás costas, não me seguir, não é digno de
mim.
Quem dá mais importância à sua
vida terrena do que á vida espiritual, perderá a verdadeira Vida. E quem tiver
perdido a sua vida terrena por amor a mim, a encontrará eterna e feliz.
Quem vos recebe, a mim recebe. E
quem me recebem recebe aquele que me enviou. Quem recebe um Profeta como
Profeta, recebe prêmio proporcional à caridade que teve para com o Profeta. E
quem recebe um justo como justo, receberá prêmio proporcional ao do justo. E
assim é, porque quem reconhece no Profeta o Profeta, é sinal de que ele também
é Profeta, isto é, muito Santo, porque está seguro pelos braços do Espírito de
Deus, a quem tiver reconhecido um justo, demonstra que ele também é justo, pois
as almas semelhantes se reconhecem. A cada um, pois, será dado conforme a
justiça.
Mesmo a quem tiver dado ainda que
um simples copo d´água pura a um dos meus servos, fosse ele o menor deles, - e
são servos de Jesus todos aqueles que o pregam com uma vida santa, e tanto
podem sê-lo os reis, como os mendigos, os sábios como os que não sabem nada, os
velhos como os pequeninos. Porque em todas as idades e classes se pode ser meu
discípulo - quem tiver dado a um meu discípulo ainda que só um copo d´água, em
meu nome, e porque ele é meu discípulo, em verdade Eu vos digo que não perderá
a sua recompensa.”
Pg. 268-270
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266 – OS DISCÍPULOS DE BATISTA
QUEREM CERTIFICAR-SE QUE JESUS É O MESSIAS. TESTEMUNHO DO PRECURSOR E INVECTIVA
CONTRA AS CIDADES IMPENITENTES
- Mas o João também é santo, diz um de Betsaida.
- Sim, mas é muito severo!
- Não é mais severo para com os outros do que para consigo
mesmo.
- Mas não faz milagres, e dizem que ele jejua para ficar como
um faquir.
- Seja como for, mas é um santo.
E o bate- boca vai-se espalhando pelo meio da multidão.
Jesus levanta a mão e estende naquele seu gesto habitual, que
Ele faz quando pede silêncio e atenção, porque deseja falar. E logo todos fazem
silêncio.
Diz Jesus: João é Santo, e um grande santo. Não olheis
para o seu modo de agir, nem para o fato de não fazer milagres. Em verdade, Eu vos
digo: Ele é um grande no Reino de Deus. Lá aparecerá em toda a sua grandeza.
Muitos se queixam de que ele era
e é severo, e até parecer um homem rude. Em verdade, Eu vos digo que ele tem
trabalhado como um gigante para preparar os caminhos do Senhor. E quem trabalha
assim, não tem tempo a perder com molezas. Não dizia ele, enquanto ia ao longo
do Jordão, aquelas palavras de Isaías, com as quais ele e o Messias foram
profetizados: “Todo vale será aterrado, todo monte será arrasado, os caminhos
tortos serão endireitados e os escabrosos serão aplanados.” E isso para
preparar os caminhos do Senhor e Rei?
Mas em verdade ele fez mais do
que todo Israel para preparar-me o caminho! Ora, quem precisa arrasar montes,
aterrar vales, endireitar caminhos ou suavizar as subidas muito íngremes, só
pode estar fazendo um trabalho rude. Porque ele era o precursor, e somente o
curso de umas poucas luas é que o punha na minha frente, e tudo havia de ser
feito, antes que o sol já estivesse alto, no dia da Redenção. O tempo é este, o
Sol se levanta para brilhar sobre Sião, e de lá sobre o mundo todo. João
preparou o caminho. Como devia.
Que fostes ver no deserto? Algum
caniço agitado pelo vento para todas as direções? Mas então, que fostes ver?
Algum homem vestido com vestes delicadas? Mas os que assim se vestem moram nas
casas dos reis, envoltos em vestes macias e servidos por mil servos e
cortesãos, cortesãos de um pobre homem. Aqui está um deles. Perguntai-lhe se
nele não há um desgosto pela vida da Corte e admiração pelo penhasco solitário
e escabroso, sobre o qual em vão se arremessam os raios e saraivadas, e os
ventos loucos lutam para arrancá-lo, enquanto que ele continua sólido, projetam
de todas as suas partes para o céu, com aquela ponta que apregoa a alegria do
alto, por ser tão vertical, e pontiaguda como uma chama que sobe. Este é João.
Assim é que vê Manaém, porque
compreendeu a verdade da vida e da morte, e vê grandeza onde existe, ainda que
esteja escondida por baixo de aparências selvagens. E vós, que vistes em João,
quando fostes a ele? Um profeta?
Eu vos digo: Ele é mais do que um
profeta. Ele é mais do que muitos santos, mais do que os santos, porque dele
está escrito: “Eis que envio diante de vós o meu anjo para preparar o teu
caminho diante de Ti.”
“Anjo “. Considerai. Vós sabeis
que os anjos são espíritos puros criados por Deus à sua semelhança espiritual,
enviados para estabelecer uma união entre o homem, que é a perfeição da
criatura visível e material, e Deus, que é a Perfeição do Céu e da Terra,
Criador do Reino Espiritual e do reino animal. Até no homem mais santo existe
sempre a carne e o sangue para pôr um abismo entre ele e Deus. E o abismo se
torna mais profundo pelo pecado, que torna pesado até o que há de espiritual no
homem. Eis que, então, Deus cria os anjos, criaturas que atingem o vértice da
escada das criaturas, assim como os minerais lhe formam a base. Os minerais, o
pó que compõe a terra, os materiais inorgânicos em geral. Espelhos tersos do
pensamento de Deus, chamas cheias de vontade de trabalhar por amor, prontas
para compreender, solícitas para agir, livres em suas vontades como nós, mas de
uma vontade totalmente santa, que não conhece as rebeliões nem os estímulos do
pecado. Isto os anjos adoradores de Deus, seus mensageiros junto aos homens,
nossos protetores, doadores a nós da Luz que os reveste e do Fogo, que eles, ao
adorarem, concentram em si.
João é chamado “anjo”, por sua
palavra profética. Pois bem. Eu vos digo: “Entre os nascidos de mulher não
apareceu nenhum maior do que João Batista.” E no entanto, o menor no reino dos
Céus é filho de Deus, e não filho de mulher. Procurai, pois todos vós,
tornar-vos cidadãos do Reino. Que estais perguntando uns aos outros?
Nós estávamos dizendo: “Mas João estará no Reino? Como ele
estará?
Ele, em sua alma, é já do Reino,
e lá ele estará depois da morte, como um dos sóis mais esplêndidos da eterna
Jerusalém. E isso pela graça, que nele é sem defeito, e por sua própria
vontade. Porque ele foi e é violento até consigo mesmo, por um fim santo. Do
Batista para a frente, o Reino dos Céus é daqueles que sabem conquistá-lo,
fazendo força contra o Mal, pois são os violentos que o conquistam. Porque
agora estão sendo conhecidas as coisas que se hão de fazer, e todos os meios
são dados para essa conquista. Já não estamos mais naquele tempo em que quem
falava eram somente a Lei e os Profetas. Esses também falaram até João. Agora
falta a palavra de Deus, e ela não esconde nem um i de tudo o que é preciso
saber-se para essa conquista. Se credes em Mim, deveis ver João com Elias que
há de vir. Quem tem ouvidos para ouvir ouça. Mas, ao que é que Eu irei comparar
esta geração? É semelhante àquela de que falam os meninos que, sentados na
praça, gritam aos seus companheiros: “Nós tocamos música, e vós não dançastes,
entoamos lamentações, e não chorastes.”
Com efeito veio João, que não
come e não bebe, e esta geração diz: “Ele pode fazer assim, porque está com o
demônio, que o ajuda.” Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizem: “Aí
está um comilão e um beberrão, amigo dos publicanos e dos pecadores.” Assim é
que a Sabedoria se faz justiça pelos seus filhos! Em verdade, Eu vos digo que
só os pequeninos é que sabem reconhecer a verdade, porque neles não há malícia.
E Jesus, levantando os olhos para o céu, que já vai ficando
escuro com o chegar da tarde, exclama: “Eu te agradeço, ó Pai, Senhor do
Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e doutos, e as
revelastes aos pequenos. Assim seja, ó Pai, porque te aprouve. Tudo foi
confiado a mim pelo meu Pai, e ninguém o conhece, a não ser o Filho, e aqueles
a quem o Filho tiver querido revelar. E Eu o revelei aos pequeninos, aos
humildes, aos puros, porque a esses Deus se comunica, e a verdade desce, como
uma semente, sobre os terrenos limpos, e sobre ela o Pai faz chover as suas
luzes, para que ela lance raízes, e se torne uma planta. E até, em verdade, o
Pai prepara estes espíritos dos pequeninos, em seus desejos, a fim de que eles
conheçam a Verdade, e Eu sinta a alegria pela fé que eles têm.”
Pg. 276- 279
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268 – LIÇÃO SOBRE A CARIDADE COM
A PARÁBOLA DAS NOZES. O JUGO DE JESUS É LEVE
Diz Jesus:
... Este é a minha última
conquista. Um pequenino, José, carpinteiro como o grande José, que foi meu pai.
Por isso, ele me é muito querido, como querido eu sou para ele. Não é verdade
menino? Vem cá, que Eu vou fazer-te conhecer estes meus amigos, dos quais tanto
já tens ouvido falar.
Este é Simão Pedro, o homem bom
para com os meninos, como nenhum outro. E este é João, um menino grande, que te
falará de Deus até quando está brincando. Este é Tiago, irmão dele, sério e bom
como um irmão mais velho. E este é André irmão de Simão Pedro, tu ficarás logo
de acordo com ele, porque é manso como um cordeiro. Depois aqui está Simão, o
Zelotes. Ele gosta tanto dos meninos que não têm pai, que Eu acho que seria
capaz de andar ao redor de toda a terra, se não estivesse comigo, só para ir
atrás deles. Depois aqui está Judas de Simão, e com ele Filipe de Betsaida e
Natanael. Estás vendo como estão olhando para ti?
Eles gostam de tudo de que Eu
gosto, e por isso gostarão de ti. Agora vamos ao Mateus, que está sofrendo com
o seu pé, mas que, no entanto, não tem raiva daqueles meninos que, brincando
estouvadamente, o feriram com uma pedra cortante. Não é assim Mateus?
“Oh! Não, Mestre é o filho da viúva?”
“Sim. É muito inteligente, mas
agora ficou assim muito triste.”
“Oh! Pobre menino! Eu vou mandar chamar o tiaguinho, e irás
brincar com ele”, e Mateus o acaricia, puxando-o com uma mão para perto de si.
...”Em Corozaim há uma viúva com cinco meninos e uma
velha doente. O marido dela morreu de repente no banco de trabalho, deixando
atrás de si a miséria e muitos trabalhos por acabar. Corozaim não foi capaz de
achar uma migalha de piedade para com esta família infeliz. E Eu fui até lá
para terminar os trabalhos e...”
Ai começou uma gritaria. Uns perguntam, outros protestam,
alguns sensuram Mateus por havê-lo permitido, uns ficam admirados, outros
criticam. E, infelismente os que protestam ou criticam são a maioria. Jesus
deixa que a tempestade se acalme, do mesmo modo como se formou e, como resposta
diz somente isto: “E Eu voltarei lá depois de amanhã. E assim voi
fazer, até terminar os trabalhos. E fico esperando que pelo menos vós o
compreendais. Corozaim é como uma noz fechada e sem semente. Pelo menos vós,
sede nozes com sementes. Tu menino, dá-me cá a noz que Simão te deu, e
escuta-me tu também.
Estais vendo esta nóz? E Eu pego
esta, porque não tenho aqui quarquer outro caroço de fruta ao alcançe das mãos.
Mas para compreenderdes a parábola, pensai nas nozes dos pinheiros ou das
palmeiras, pensai nas mais duras, nas das azeitonas, por exemplo. Elas são uns
estojos fechados, sem fendas, muito duros e de uma madeira compacta. Parecem
uns escrínios mágicos, que só podem ser abertos, usando muita força. Pois bem.
Se um deles for lançado à terra, ou apenas por cima da terra, e alguns
passantes o afundar pisando em cima dele e fazendo-o penetrar o tanto quanto
baste para que ele se acomodena terra, que acontece? Acontece que o escrínio se
abre, e lança raízes e folhas. Como é que isso acontece por si mesmo? Nós temos
que bater muito com o martelo na noz, para conseguirmos abrí-la, e, no entanto,
sem que nela batamos, a noz se abre por si mesma. Será talvez aquela uma
semente mágica? Não. É que ela tem dentro de si uma polpa. Oh! Uma coisa tão
fraca, em comparação com o duro caroço. E apesar disso ela tem que alimentar
uma outra coisa ainda mais pequena, que é p germe. E este é que é a alavanca,
que faz força e abre e produz uma planta com raízes e copa. Experimentai
enterrar umas nozes, e ficai esperando. Vereis que umas nascem, outras não.
Tirai aquelas que não nasceram. Abri-as com o martelo e vereis que são sementes
chochas. Portanto, não é só a umidade da terra, nem o calor, que fazem que a
noz se abra. Mas é a polpa, ou melhor, a alma da polpa, é o germe que inchado,
funciona como uma alavanca, e a abre.
Esta é a parábola, vamos
aplicá-la a vós. Que Eu fiz que não ficasse feito? Por enquanto, teremos
entendido tão puco, que ainda não compreendemos que a hipocrisia é um pecado, e
que a palavra é apenas um vento, se ela não for confirmada pelas obras, pela
ação? Que é que Eu vom tenho sempre dito? “Amai-vos uns aos outros.” O amor é o
segredo e o preceito da glória. E Eu que o prego, deveria ser Eu sem caridade?
Deveria Eu dar-vos o exemplo de um Mestre mentiroso? Não! Nunca!
...É porque não estendeste nada
ainda. Eu vos falei da fé e da esperança, e pensava que não fosse preciso
falar-vos de novo sobre a caridade, porque Eu tanto a exalo, que dela deveríeis
estar já saturados. Mas estou vendo que vós a conheceis só de nome, sem
saberdes qual é a natureza e a forma dela. Tendes dela um conhecimento como o
que tendes da lua. Estais lembrados de quando Eu vos disse que a esperança é
como o braço atravessado do doce jugo, que regula a fé e a caridade, que é o
patíbulo da humanidade, e o termo da salvação? Sim. Mas não compreendestes as
minhas palavras, qual o significado delas. E, por que não me pedistes
explicação delas? Pois Eu vos vou dá-las. É um jugo, porque obriga o homem a
conservar baixa a sua soberba estulta, sob o peso das verdades eternas. E é um
patíbulo para esta vossa soberba. O homem que espera em Deus, seu Senhor,
necessariamente humilha o seu orgulho, que gostaria de proclamar-se “deus”, mas
reconhece que ele não é nada, e que Deus é tudo, que ele nada pode e que Deus
pode tudo, que ele homem é um pó que passa, e que Deus é eternidade, que eleva
o pó a um grau superior, dando-lhe um prêmio de eternidade. O homem se prega em
sua cruz santa, para chegar à Vida. E aí o fixam as chamas da fé, da caridade,
mas é a esperança que o levanta até o Céu, pois ela está entre as outra duas.
Mas guardai bem esta lição: se faltar a caridade, o trono fica sem luz, e o
corpo, despregado de um lado, inclina-se para a lama, por não ver mais o Céu.
Ele anula assim os efeitos salutares da esperança, e acaba tornando estéril até
a fé, porque afastados de duas da três virtudes teologais, caem num
enfraquecimento e enregelamento mortal.
Não vos recuseis a Deus, nem nas
coisas muito pequenas. E já é recusar-se a Deus deixar de prestar ajuda ao próximo,
por um orgulho de pagãos.
A minha doutrina é um jugo que
pega a humanidade culpável e é um malho que rompe a opressão dura para libertar
o espírito. É um jugo e um malho, sim. Mas também quem a aceita não sente o
cansaço que produzem as outras doutrinas humanas, e todas as outras coisas
humanas, mas também quem se deixa ferir por elas não sente a dor de ser
esmagado no seu eu humano, mas experimenta uma sensação de libertação. Por que
é que procurais livrar-vos dela, para substituí-la por tudo o que é pesado e
doloroso?
Vós todos tendes as vossas dores
e as vossas canseiras. Toda a humanidade tem dores e canseiras, ás vezes até
acima das forças humanas. Desde o menino, como este, que já traz em seus
pequenos ombros um grande peso, que o faz encurvar-se, e que afasta o sorriso
infantil dos seus lábios, e a despreocupação de sua mente, que sempre,
humanamente falando, não terá por isso nunca sido de um menino. Desde este
menino, até o velho que se inclina já para a tumba, com todos os seus
desenganos e canseiras, com o peso e as feridas de sua longa vida. Mas na minha
Doutrina e na minha Fé está o alívio para estes pesos oprimentes. Por isso, ela
é chamada a “Boa Nova”. E quem a aceita e lhe obedece, será feliz desde esta
terra, porque terá Deus para seu alívio, e as virtudes para lhe tornarem fácil
e luminoso o caminho, como se elas fossem umas boas irmãs que, segurando-o pela
mão, com suas lâmpadas acesas, lhe alumiarão o caminho e a vida, e lhe cantam
as promessas eternas de Deus, até quando, depois que seu corpo se tiver
inclinado, já cansado desta terra, tiver ido despertar no Paraíso.
Por que quereis, ó homens, ficar
afadigados, desolados, cansados, desgostosos, desesperados, quando podeis ser
aliviados e confortados? Porque vós também meus Apóstolos, quereis sentir os
cansaços da missão, as suas dificuldades, a sua severidade, enquanto que, se
tiverdes a confiança de um menino, podereis ter somente uma risonha tarefa, uma
luminosa facilidade para cumpri-la, e compreender e sentir que ela é severa, somente
para com os impenitentes, que não conhecem a mão do menino pelo caminho,
mostrando aos passos incertos do pequenino onde é que estão as pedras, os
espinheiros, os ninhos das serpentes e os buracos, para que ele os fique
conhecendo, e não corra perigo.
...Vinde a mim, vós Apóstolos, e
vinde a mim, vós todos, ó homens que sofreis por dores materiais, por dores
morais, por dores espirituais. Estas últimas, produzidas pela dor de não
saberdes santificar-vos, como quereríeis por amor a Deus e com solicitude, e
sem voltardes ao Mal. O caminho da santificação é longo e misterioso, e as
vezes por ele se anda, sem que o caminhante saiba que vai indo pelas trevas,
com sabor de um tóxico na boca, e achando que não está indo para a frente, e
que não está bebendo nenhum líquido celeste. Ele não sabe também que essa
cegueira espiritual é um dos elementos da perfeição.
Felizes aqueles, três vezes
felizes que continuam a andar, sem poderem gozar da luz e de doçuras, e não
param porque nada estão vendo, nem ouvindo, e não ficam parados, dizendo:
“Enquanto Deus não me der delícias, eu não vou para a frente.” Eu vo-lo digo: a
estrada mais escura se tornará mais clara, de repente, abrindo-se para
paisagens celestes. O tóxico, depois de ter tirado todos os gostos pelas coisas
humanas, se transformará em doçura do Paraíso para estes corajosos, que dirão,
espantados: “Como foi isso? Como eu estou sentindo tanta doçura e alegria?”
Porque eles terão perseverado, e Deus os fará exultar, desde esta terra, com as
coisas do Céu.
Mas, enquanto isso, para
resistirdes, vinde a mim, vós todos que estais afadigados e cansados, vos,
Apóstolos, e convosco todos os homens que procuram a Deus, que choram por causa
da dor desta terra, que se extenuam, lutando sozinhos, e Eu vos restaurarei. Tomai
sobre vós o meu jugo. Ele não é um peso, é um apoio. Abraçai a minha Doutrina,
como se fosse uma esposa amada. Imitai o vosso Mestre, que não se limita a
falar bem dela, mas faz o que ensina. Aprendei de mim, que sou manso e humilde
de coração. Encontrareis o repouso para as vossas almas, porque mansidão e
humildade vos dão o reino nesta terra e nos Céus. Eu já vo-lo disse que os
verdadeiros triunfadores entre os homens são os que os conquistam pelo amor,
pois o amor é sempre manso e humilde. Eu não vos mandaria nunca fazer coisas
superiores ás vossas forças, porque Eu vos amo e vos quero comigo no meu Reino.
Tomai, pois, a minha insígnia e o meu tribunal e esforçai-vos para serdes
semelhantes a Mim, e tais quais a minha Doutrina ensina. Não tenhais medo,
porque o meu jugo é suave e o meu peso é leve, enquanto que infinitamente
poderosa é a glória de que gozareis se me fordes fiéis. Infinita e eterna...
Pg. 285 a 292
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269 – A DISPUTA COM ESCRIBAS E
FARISEUS EM CAFARNAUM. A CHEGADA DA MÃE E DOS IRMÃOS
...Fazei que o doente saia, ordena Jesus.
Um fariseu, que não é de Cafarnaum, mas que tem uma carranca
mais feia ainda do que as dos fariseus do lugar, diz: “Não é um doente. É um
endemoninhado.”
É sempre uma doença do
espírito...
“Mas ele está com os olhos e a fala tolhidos...”
É sempre uma doença do espírito,
que estende a possessão aos membros e órgãos. Se me tivesse deixado terminar,
terias ficado sabendo que era isso que Eu queria dizer. Até a febre está no
sangue, mas do sangue ela passa a atacar esta ou aquela parte do corpo.
O fariseu não sabe o que responder, e se cala.
O endemoninhado foi levado para a frente de Jesus. Ele está
inerte. Bem que assim falou Mateus. O homem está fortemente impedido pelo
demônio. As pessoas vão se aglomerando. É incrível como, especialmente em
certas horas, que eu diria horas de divertimento, é que se possa achar tempo
para o povo correr na direção de algum lugar, onde haja alguma coisa para se
ver. Lá se encontram agora os notáveis de Cafarnaum, entre os quais estão os
quatro fariseus. Lá está também Jairo, e, com a desculpa de estar mantendo a
ordem, está um centurião romano e, com ele, cidadãos de outras cidades.
Em nome de Deus, deixa as pupilas
e a língua deste homem! Eu assim quero. Livra de ti esta criatura! Não te é
mais permitido apoderar-se dela. Fora! Grita Jesus, estendendo as mãos, enquanto dá a ordem.
O milagre começa por um urro de raiva do demônio e termina
por um urro de alegria do que ficou livre, e que grita: Filho de Davi! Filho de
Davi! Santo e Rei!
Como é que pode este homem saber quem o curou? Pergunta um
escriba.
“Isso é uma grande comédia! Estas pessoas foram pagas para
fazerem isso”, diz um fariseu, encolhendo os ombros.
“Mas, que pessoas? Se é permitido vo-lo perguntar”, indaga
Jairo.
A tua pessoa é uma delas.
E com que finalidade?
Para tornar célebre a cidade de Cafarnaum.
Não rebaixes a tua inteligência, até o ponto de ficares
dizendo estultices, nem a tua língua, sujando-a com as tuas mentiras. Tu bem
sabes que não é verdade, e deverias compreender que estás dizendo uma
estultícia. O que aconteceu aqui, aconteceu e, muitos lugares de Israel. Será
que por toda parte haverá alguém que esteja pagando? Na verdade eu não sabia
que em Israel o povo fosse tão rico assim! Porque vós, e convosco todos os
grandes, certamente nada estais pagando pelo que aconteceu. Então, quem paga é
o povo, pois somente ele é que ama o Mestre”
Tu és sinagogo, e o amas. Lá está também Manaém. E em Betânia
está Lázaro de Teófilo. Esses não são o povo.
Mas, eles são honestos, e eu também. E não enganamos a
ninguém, em nada. E muito menos nas coisas da fé. Nós não o permitimos, pois
tememos a Deus, e chegamos a compreender o que agrada a Deus: a honestidade.
Os fariseus viram as costas para Jairo, e atacam os parentes
do que foi curado: “Quem vos mandou vir até aqui?”
- Quem foi?
- Ora, foram muitos. Os que já foram curados, e os parentes
dos curados.
- Mas, que foi que eles vos deram?
- Que foi que eles nos deram?
- Pois o que nos deram foi a certeza de que Ele o curaria.
- Mas ele estava doente mesmo?
- Oh! Que mentes traiçoeiras! Achais que ele se tenha fingido
em tudo o que aconteceu? Ide a Gadara, e perguntai, se não acreditais,
perguntai pela desventura da família de Anás de Ismael.
As pessoas de Cafarnaum, desdenhosas, fazem um grande
tumulto, enquanto uns galileus, que chegaram de perto de Nazaré dizem: “E, no
entanto, esse aí é filho do José, o carpinteiro!”
Os cidadãos de Cafarnaum, fiéis a Jesus, bradam: “Não. Este é
o que Ele diz e o que o curado disse: “Filho de Deus e Filho de Davi.”
- Mas, não fiqueis aumentando a exaltação do povo com essas vossas
afirmações! Diz com desprezo um escriba.
- E que é Ele, então, segundo o vosso entender?
- É um Belzebu!
- Oh! Línguas de víboras. Blasfemadores. Vós é que estais
possessos! Vós! Ó cegos de coração! Vós sois a nossa ruína. Até a alegria do
Messias quereis tirar de nós, hein? Agiotas! Pedras áridas! Que balbúrdia!
Jesus que se havia retirado para a cozinha, para ir beber um
pouco d`água aparece na soleira a tempo de ouvir mais uma vez a repetida e estulta
acusação dos fariseus: “Esse aí não é mais do que um Belzebu, pois os demônios
lhe obedecem. O grande Belzebu, que é pai dele, o ajuda, e Ele expulsa os
demônios, não com algum outro meio, mas somente por obra de Belzebu, o príncipe
dos demônios.
Jesus desce os dois pequenos degraus da soleira, e anda para
a frente, de busto erguido, severo e calmo, indo parar precisamente na frente
do grupo dos escribas e fariseus, e, fixando os olhos firmemente neles, lhes
diz:
“Até nesta terra nós podemos ver
que um reino, dividido em partidos contrários uns aos outros, se torna um reino
fraco em sua constituição interna e fraco para se agredido e devastado pelos
estados vizinhos que, então, fazem dele um escravo. Também até nesta terra
podemos ver que uma cidade, dividida em partes contrárias, não sabe mais o que
é o bem-estar, e assim acontece também com uma família, cujos membros estiverem
separados uns dos outros pelo ódio. Essa família se desagrega, torna-se uma
fragmentação inútil, que não serve para ninguém, e que faz até rir aos concidadãos.
A concórdia, além de ser um dever, é uma esperteza. Porque ela os mantém
independentes, fortes e amorosos. Nisto é que deveriam refletir os patriotas,
os cidadãos, os familiares, quando ele, por causa do capricho e da vantagem de
um só, sentem-se tentados a se separarem e a usarem de violências, que são
sempre perigosas, porque são recíprocas entre os partidos e destruidoras em
suas paixões. Pois esta é, com efeito, a esperteza em que se exercitam os que
são os donos do mundo. Observai como Roma, com seu inegável poder, é para nós
tão difícil de suportar. Ela domina o mundo. Mas é que ela está toda unida em
um único modo de pensar, em uma só vontade: “dominar”. Também, entre eles, com
certeza, haverá contrastes, antipatias, rebeliões. Mas isto está no fundo. Na
superfície, é um bloco só, sem rachaduras, sem perturbações. Todos pensam a
mesma coisa, e chegam ao que desejam, porque querem. E chegarão, enquanto
quiserem a mesma coisa.
Olhai este exemplo humano de
esperteza e coesão, e pensai: se estes filhos do século são assim, como não
será Satanás? Estes são para nós uns satanases. Mas a satanicidade pagã não é
nada, em comparação com a satanicidade perfeita de Satanás e de seus demônios.
Lá, naquele reino eterno, onde não há século, onde não há fim, onde não há
limites para a astúcia e para a maldade, lá onde a alegria deles é fazer o mal
a Deus e aos homens, pois sua respiração é fazer o mal, á sua dolorosa alegria,
única, atroz, com uma perfeição maldita ajuntou-se a fusão dos espíritos unidos
em uma só vontade: “A de fazer o mal.”
Agora se, como quereis afirmar,
para insinuar dúvidas sobre o meu poder, se Satanás é quem me ajuda, porque
dizeis que Eu sou um Belzebu menor, não acontece, então, que Satanás está em
desacordo comigo mesmo e com os seus demônios, se expulsa estes dos seus
possessos?
E, se estiver em desacordo, como
é que poderá perdurar o seu reino? Mas, assim não é. Satanás é muito esperto, e
não se move. Seu plano é estender mais, e não reduzir o seu reino sobre os
corações. Sua vida é “roubar – prejudicar – mentir – ofender – perturbar.”
Roubar as almas de Deus e a paz dos homens. Prejudicar as criaturas do Pai,
dando aborrecimentos a Ele. Mentiras para desencaminhar. Ofender para se
alegar. Perturbar, porque ele é a desordem. E não pode mudar. É eterno em seu
ser e em seus métodos.
Mas, respondei-me a esta
pergunta: se Eu expulso os demônios em nome de Belzebu, em nome de quem é que
os expulsam os vossos filhos? Quereríeis confessar, então, que eles também são
Belzebu? Mas, se vós o disserdes, eles vos julgarão uns caluniadores. E, se a
santidade deles não reagir á acusação, vós vos estaríeis julgando a vós mesmos,
confessando que credes que há muitos demônios em Israel, e Deus vos julgará em
nome dos filhos de Israel, acusados de serem demônios. Por isso, venha de onde
vier o julgamento, no fundo eles serão os vossos juízes, lá onde o julgamento
não é subornado por pressões humanas.
Se, pois, como é verdade, Eu
expulso os demônios pelo Espírito de Deus, então isso é prova de que está junto
de vós o Reino de Deus, e o Rei desse Reino. E esse Rei, tem um poder tal, que
nenhuma força contrária ao seu Reino lhe poderá resistir. Por isso, Eu amarro e
obrigo os usurpadores dos filhos do meu Reino a saírem dos lugares que eles
estão ocupando, e a me restituírem a presa para que dela Eu tome posse. Não é
assim que faz quem quiser entrar em uma casa habitada por um homem forte, para
tirar os bens dele, por bem ou por mal adquiridos que eles sejam? É assim que
se faz. Ele entra e o prende, e o amarra. E depois que assim tiver feito, pode
despojar a sua casa. Eu amarro o antigo tenebroso, que pegou para si o que é
meu, e lhe tiro o bem que ele me roubou. E somente Eu posso fazer isso, porque
Eu sou o Forte, o Pai do século futuro, o Príncipe da Paz.
Explica-nos que é que quer dizer,
quando falas no “Pai do século futuro”. Crês tu que estarás vivo até o próximo
século, e, mais tolamente ainda, pensas em criar o tempo, tu, um pobre homem? O
tempo é de Deus”, pergunta-lhe um escriba.
E tu, escriba, me fazes esta
pergunta? Não sabes, então, que haverá um século que vai ter começo, mas não
terá fim, e será o meu? Nele Eu triunfarei, reunindo ao redor de Mim os que são
filhos Dele, e eles viverão para sempre naquele século que Eu já terei criado,
e que já estou criando, dando valor ao espírito, mais do que à carne, ao mundo
e ao inferno, porque Eu tudo posso. Por isso, Eu vos digo que quem não está
comigo, está contra mim, e quem comigo não recolhe, dispersa. Porque eu sou
aquele que sou. Quem não crê nisto, que já foi profetizado, peca contra a
palavra dita pelos profetas, e não é mentira nem resistência.
Porque eu vos digo: tudo será
perdoado aos homens, todo pecado e blasfêmia. Porque Deus sabe que o homem não
é só espírito, mas é carne, e uma carne tentada, que está sujeita a imprevistas
fraquezas. Mas a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoado, porque o
peso da carne, que envolve a minha Pessoa, e que envolve o homem que contra mim
fala, pode ainda arrastá-lo ao erro. Mas, quem tiver falado contra o Espírito
Santo, não será perdoado nem nesta vida, nem na vida futura, pois a Verdade é o
que é: limpa, santa, inegável e manifestada ao espírito de tal maneira que não
o induza a erro. É o contrário do que acontece com aqueles que erram
voluntariamente e querendo o erro. Negar a Verdade dita pelo Espírito Santo é
negar a Palavra de Deus e o Amor que aquela palavra demonstra ter, por amor aos
homens. E o pecado contra o Amor não é perdoado.
Mas cada um dá os frutos da sua
planta. Vós dais os vossos, que não são frutos bons. Pois, se plantais uma
árvore má, mau haverá de ser o fruto que dela vai ser colhido, e todos dirão:
“Esta árvore não é boa.” Porque é pelo fruto que se conhece a árvore. E vós,
como é que podeis pensar que falais bem, vós que sois maus? Porque a boca fala
daquilo de que o coração está cheio. É da superabundância do que tivermos em
nós é que nós tiramos os nossos atos e discursos. O homem bom tira do seu
tesouro coisas boas, e o malvado, do seu mau tesouro tira coisas más. Ele fala
e age de acordo com o que tiver dentro de si.
E, em verdade, Eu vos digo que o
ócio é uma culpa. Mas é melhor ficar ocioso, do que fazer coisas más. E Eu até
vos digo que é melhor calar-se do que falar palavras ociosas e más. E, mesmo
que o calar-se seja um ócio, fazei-o, e não fiqueis pecando pela língua. Eu vos
garanto que de toda palavra ociosa dita aos homens, vai ser exigida uma
justificação no dia do Juízo, e que, pelas palavras ditas serão os homens
justificados e pelas mesmas palavras, que são mais do que ociosas, porque não
são ociosas, mas para fazer o mal, e com o intuito de afastar os corações da
Verdade, que vos está falando.
Os fariseus tomam o parecer dos escribas e depois, todos
juntos, fingindo ser delicados, perguntam: “Mestre, crê-se mais naquilo que se
vê. Dá-nos, então um sinal para que possamos crer que tu és o que estás dizendo
que és.
Vedes bem que em vós está o
pecado contra o Espírito Santo, que muitas vezes já me indicou como o Verbo
Encarnado? Verbo e Salvador, vindo no tempo marcado, precedido e acompanhado
pelos sinais que foram profetizados, e fazendo o que diz o Espírito.
Eles lhe respondem: “No Espírito nós cremos. Mas, como
podemos crer em Ti, se não vemos com nossos olhos, um sinal?
Como podeis, então, crer no
Espírito, cujas ações são espirituais, se não credes nas minhas que são
perceptíveis aos vossos olhos? A minha vida está cheia delas. Ainda não bastam?
Não? Eu mesmo respondo que não. Ainda não bastam. A esta geração adúltera e má,
que está querendo ver um sinal só será dado este sinal: o de Jonas. De fato,
como Jonas esteve por três dias no ventre da baleia, assim o Filho do homem
ficará por três dias nas vísceras da terra. Em verdade, Eu vos digo que os
Ninivitas ressuscitarão no dia do Juízo, como todos os outros homens, e se
levantarão contra esta geração, e a condenarão. Porque eles fizeram penitência,
depois da pregação de Jonas, e vós, não. E aqui está alguém que é maior do que
Jonas. Assim também ressuscitará e se levantará contra vós a Rainha do
Meio-Dia, e vos condenará, porque ela veio dos últimos confins da terra para
ouvir a sabedoria de Salomão. E aqui há alguém que é mais do que Salomão.
Por que dizes que esta geração é adúltera e má? Ela não o
será mais do que as outras. Nela há os mesmos santos que havia nas outras. A
estrutura de Israel não mudou. Tu nos estás ofendendo.
Vós vos ofendeis a vós mesmos,
fazendo mal ás vossas almas, porque as afastais da Verdade e da Salvação. Mas
Eu vos respondo a mesma coisa. Esta geração não é santa, a não ser nas vestes e
em seu exterior. Por dentro ela não é. Há em Israel os mesmos nomes para
significar as mesmas coisas. Há ainda os mesmos usos, vestes e ritos. Mas falta
o espírito em tudo isso. Sois adúlteros, porque rejeitastes o casamento
espiritual com a Lei Divina, e desposastes, em uma segunda e adúltera união, a
Lei de Satanás. Não estais circuncidados, a não ser em um membro caduco. Pois o
vosso coração não está mais circuncidado. E sois maus, porque vos vendestes ao
Maligno. Tenho dito!
Tu nos ofendes demais. Mas, por que, se assim é, tu não
livras Israel do demônio, para que te tornes santo?
Esta é a vontade de Israel? Não.
Quem a tem são aqueles pobres, que vêm para ficarem livres do demônio, pois
percebem neles mesmos como um peso e uma vergonha. Vós não percebeis isto. E
inutilmente vós ficaríeis livres dele, porque, não tendo vontade de ficar
livres, logo seríeis possessos de novo e de maneira ainda mais forte. Porque
quando um espírito imundo sai de um homem, sai e vai vagando por lugares
áridos, em busca de repouso, e não o encontra. Lugares áridos, não
materialmente, entendei bem. Áridos, porque lhe são hostis, não acolhedores,
assim como a terra árida é hostil à semente. E, então, ele diz: “Vou voltar
para minha casa, de onde eu fui expulso à força e contra a vontade dele. Por
isso, estou certo de que ele me acolherá de novo, e me dará repouso. E, de
fato, ele volta para aquele que era dele, e muitas vezes o encontra disposto a
acolhê-lo, porque, em verdade, Eu vos digo, ele tem mais saudades de Satanás do
que de Deus e, se Satanás não lhe oprime os membros por nenhuma possessão mais,
ornada, com cheiro de limpeza. Aí, ele vai buscar outros sete demônios, piores
do que ele, entra na casa, e aí todos se estabelecem. E este segundo estado de
alguém que se converteu, e depois se perverte de novo, é pior do que o
primeiro. Porque o demônio sabe a medida de quanto aquele homem é amante de
Satanás, e de quanto ele é ingrato para com Deus, e também porque Deus não
volta para lá, onde se calcam aos pés as suas graças, onde os que já
experimentaram uma possessão abrem seus braços para receberem outra ainda pior.
A recaída no satanismo é pior do que uma recaída numa tuberculose mortal, que
uma vez já foi curada. Não é mais possível melhora nem cura. Assim acontecerá
também com esta geração que, tendo sido convertida pelo Batista, quis voltar a
ser pecadora, porque ela é amante do Malvado, e não de mim.
Um murmúrio, que não é nem de aprovação, nem de protesto,
vai-se levantando pelo meio da multidão que se comprime, de tão numerosa que já
está, e até à estrada ela está apinhada, a partir da horta e do terraço. Há
pessoas a cavalo dos pequenos muros, outras trepadas nas figueiras da horta e
nas plantas das hortas vizinhas, pois todos querem ouvir a disputa entre Jesus
e os seus inimigos. O murmúrio, como uma onda, chegando até aos apóstolos que
estão mais perto de Jesus, isto é, Pedro, João, Zelotes e os filhos do Alfeu.
Porque os outros estão, uma parte no terraço e outra na cozinha. Sem falar em
Judas Iscariotes, que está na estrada, no meio da multidão.
E Pedro, João, Zelotes e os filhos do Alfeu detectam o murmúrio
do povo, e dizem a Jesus: “Mestre, é tua Mãe que está ai com os teus irmãos.
Eles estão ali fora na estrada, e estão te procurando, porque te querem falar.
Manda que o povo se afaste, para que eles possam vir até Ti, pois certamente
deve ser algum motivo sério que os terá trazido a procurar-te.”
Jesus levanta a cabeça e vê, lá no meio do povo, o rosto
angustiado de sua Mãe, que está fazendo esforço para não chorar, enquanto José
do Alfeu, todo excitado, fala com Ela, e vê os sinais da recusa dela, sempre
repetidos, sempre enérgicos, apesar da insistência do José. Vê também o rosto
alterado de Simão, visivelmente entristecido, desgostoso... Deixa a Aflita em
sua dor, e os primos lá onde estão.
Depois abaixa os olhos sobre a multidão, e, dirigindo-se aos
apóstolos mais próximos, responde também aos que estão longe, e que tentam dar
mais valor ao sangue do que ao dever: Quem é minha mãe? E quem é que
são meus irmãos?
Corre o olhar ao seu redor, com um rosto severo, que se torna
pálido por esta violência, que Ele precisa fazer-se para se pôr o dever acima
do afeto e do sangue, e para deixar de fazer a confissão do seu vínculo com a
Mãe, para poder servir ao Pai, e dia, acenando com um amplo gesto para o povo,
que se está comprimindo junto a Ele, à luz vermelha das tochas e à luz prateada
da Lua, que está quase cheia:
Aqui está a minha Mãe, e aqui
estão os meus irmãos. Os que fazem a vontade de Deus são os meus irmãos e irmãs,
são minha mãe. Outros, além desses Eu não tenho. E os meus serão tais, se forem
os primeiros e com maior perfeição do que qualquer outro, fizerem a vontade de
Deus até o sacrifício total de qualquer outra vontade, ou voz do sangue e do
afeto.
A multidão solta um murmúrio mais forte, como se fosse um mar
sacudido por um repentino vendaval. Os escribas começam a fugir, dizendo: É um
demônio! Renega até o próprio sangue! Os parentes avançam para a frente,
dizendo: Ele está doido. Maltratou a própria Mãe! Os apóstolos dizem: É verdade
que esta palavra está cheia de heroísmo!
A multidão diz: Como Ele nos ama!
Com dificuldade, Maria, com José de Simão, conseguem abrir
passagem por entre o povo. Ela, com toda a doçura. José, com toda a fúria.
Simão, muito agitado. E assim chegaram até onde está Jesus.
José investe logo contra Jesus: “Tu estás doido! Ofendes a
todos! Não respeitas nem Tua Mãe. Mas agora eu estou aqui, e te impedirei de
fazê-lo. É verdade que estás indo, como um trabalhador para cá e para lá? E, então,
se é verdade, por que não mais trabalhar na tua oficina, matando assim a fome
de Tua Mãe? Por que é que mentes, dizendo que o teu trabalho é a pregação,
ocioso e ingrato como és, se depois vais trabalhar sob encomenda em casas de
estranhos? Realmente Tu me pareces ter um demônio, que te extravia. Responde!
Jesus se vira, pega pela mão o menino José, puxa-o para perto
de Si, e depois o ergue, conservando-o seguro pelas axilas, e diz: O meu
trabalho foi para matar a fome deste inocente e de seus pais, e persuadi-los de
que Deus é bom. O meu trabalho tem sido pregar em Corozaim a humildade e a
caridade. E não somente em Corozaim. Mas a ti também, José, meu injusto irmão.
Mas Eu te perdoo, porque sei que tu estás mordido pelos dentes da serpente. E
perdoo também a ti, injusto Simão. Não tenho nada que perdoar, nem de que pedir
perdão à minha Mãe, porque Ela sabe julgar com justiça. Que o mundo faça o que
quiser. Eu faço o que Deus quer. E, com a bênção do Pai e da minha Mãe, Eu sou
mais feliz do que se o mundo todo me aclamasse como rei, como o mundo quer. Vem
cá, minha Mãe. Não chores. Eles não sabem o que estão fazendo. Perdoa-os.
Oh! Meu Filho! Eu sei. Tu sabes. Não há nada mais a dizer.
Não há nada mais a dizer, a não
ser dizer a este povo: Ide em paz.
Jesus abençoa a multidão, e depois segurando Maria com a
direita, e com a esquerda o menino, Ele se dirige para a pequena escada, e é o
primeiro a subir por ela.
Pg. 293-302
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270 – A NOTÍCIA DA MORTE DE JOÃO
BATISTA
Ouvem-se umas vozes gritando lá no horto. Pedem com ânsia: “O
Mestre! O Mestre! Quem é?”
Responde com uma voz cantante a dona da casa: “Ele está no
quarto de cima. Quem sois vos? Doentes?”
- Não. Somos discípulos do João, e queremos falar com Jesus
de Nazaré.
Jesus aparece à janela, e diz: “A paz esteja convosco...
Oh! Sois vós? Vinde! Vinde!
São os três pastores João, Matias e Simeão. Oh! Mestre, dizem
eles, levantando as cabeças e mostrando uns rostos entristecidos. Nem mesmo a
vista de Jesus os tranquiliza. Jesus sai do quarto, e vai até eles, no terraço.
Manaém o acompanha. Encontram-se justamente no ponto em que a pequena escada
desemboca no terraço exposto ao sol.
Os três se ajoelham, beijando o chão. Depois o João diz por
todos: E agora, acolhe-nos, Senhor, porque nós somos a tua herança, e as
lágrimas descem pelo rosto do discípulo e dos companheiros. Jesus e Manaém
deram juntos um grito: “João?”
Foi morto... Aquela palavra caiu como se fosse um enorme
fragor, cobrindo todos os outros rumores do mundo. E, no entanto, ela foi
falada muito baixo. Mas ela petrifica quem a diz e quem a ouve. E parece que a
terra, para recolhê-la, e para horrorizar-se com ela, suspenda todos os rumores
que ela tinha, a tal ponto, que se faz um espaço de tempo de silêncio e de
profunda imobilidade nos animais, nas copas das árvores e no ar. Fez também uma
pausa o arrulhar dos pombos, obstrui-se a flauta dos melros, tornou-se mudo o
coral dos pássaros, e, como se tivessem sido quebradas de repente suas
pequeninas maquinas, as cigarras estridentes se calam subitamente, enquanto que
também o vento para de soprar, quando ele estava acariciando as folhas dos
parreirais e fazia ouvir um frufru de seda, e cessa até a chiadeira das peças
de madeira seca que se atritavam nas máquinas.
Jesus fica com uma palidez de marfim, enquanto seus olhos se
dilatam, e se põem vidrados pelas lágrimas. Ele abre os braços ao falar, a sua
voz se faz ouvir profunda, por causa do esforço feito para dizer com firmeza: “Paz ao
mártir da justiça e ao meu Precursor.” Depois ele junta os braços e se recolhe em seu espírito, e
certamente estará rezando, comunicando-se com o Espírito de Deus e do Batista.
...Jesus abre de novo a boca e os olhos. Seu rosto, seu
olhar, sua túnica recuperaram a majestade divina, que lhe é habitual. Só
continua uma pesada tristeza, mas temperada pela paz.
“Vinde. Vós o contareis a mim.
Desde hoje já sois meus.”
E os conduz ao quarto, fechando depois a porta e entreabrindo
o toldo, para regular a entrada da luz, a fim de poderem ter um recolhimento,
pensando na dor e na beleza da morte do Batista, e para separarem a perfeição
de sua vida do mundo corrompido.
“Falai, diz Jesus.
... Foi na tarde da festa. Era imprevisível o que
aconteceu... Apenas duas horas antes, Herodes se havia aconselhado com João,
dando-lhe depois benignamente a licença de poder ir-se. E, pouco antes que
acontecesse... o homicídio, o martírio, o delito, a glorificação, Herodes lhe
havia mandado um servo levando frutas geladas e vinhos raros ao prisioneiro.
João havia distribuído entre nós aquelas coisas... Ele nunca mudou a sua
austeridade... Só nós é que estávamos lá, porque, graças a Manaém, trabalhávamos
no palácio como servos, nas cozinhas e nas estrebarias. E esta era a
oportunidade que nos permitia ver sempre nosso João... Ficávamos na cozinha eu
e João, enquanto Simeão vigiava os servos das estrebarias, para que tratassem
com cuidado as cavalgaduras dos hóspedes... O palácio vivia cheio de grandes,
de chefes militares e de senhores da Galileia. Herodes havia se fechado em seus
aposentos, depois de uma violenta cena acontecida pela manhã entre ela e
Herodes...
Manaém interrompe: “Mas, quando é que foi para lá a hiena?”
Dois dias antes. Inesperada... dizendo ao monarca que não
podia viver longe dele, nem estar ausente no dia de sua festa. Uma víbora e uma
feiticeira, que, como sempre, o tratava como um objeto de escárnio... Mas
Herodes, pela manhã daquele dia, se havia recusado, ainda que estivesse bêbado
pelo vinho e pela luxúria, a conceder á mulher o que ela estava pedindo em
altos gritos... E ninguém podia pensar que fosse a vida de João! Ela estava em
seus aposentos, toda desdenhosa, tinha recusado as iguarias reais, mandadas por
Herodes em bandejas preciosas. Ela só tinha retido uma bandeja preciosa, cheia
de frutas, retribuindo ao presente com uma ânfora de vinho drogado para
Herodes... Drogado... Ah! Drogado, o tanto necessário para que a natureza de
Herodes, sempre bêbado e viciado, o levasse ao delito! Pelos servos da mesa
ficamos sabendo que, depois da dança das atrizes da corte, ou antes da metade
dela, havia irrompido no salão do banquete Salomé, dançando. E as atrizes,
diante da menina real, se haviam retirado para perto das paredes. A dança era
perfeita, segundo nos disseram. Lasciva e perfeita. Era digna dos hóspedes...
Herodes... Oh! Talvez algum novo desejo de incesto lhe estivesse fermentando
por dentro. Herodes, ao chegar o fim daquela dança, cheio de entusiasmo, disse
a Salomé: “Dançaste bem! Eu juro que mereces um prêmio. E eu juro que te darei;
Eu juro que te darei qualquer coisa, que quiseres pedir. Na presença de todos,
eu juro. Pede, então, o que quiseres.”
E Salomé, fingindo estar perplexa, inocente e modesta,
envolvendo-se em seus véus, com ares de pudica, depois de tanta impudicícia,
disse: “Permite-me, ó grande, refletir um momento. Vou retirar-me, depois
virei, porque o teu favor me deixou perturbada...”, e se retirou, indo conversar
com sua mãe. Selma me disse que ela entrou rindo e disse á sua mãe:” Minha mãe,
tu venceste. Dá-me a bandeja.” E Erodíades, com um grito de triunfo, mandou a
escrava, que disse à menina, a bandeja, antes retida, dizendo-lhe: “Vai, e
volta aqui com aquela cabeça odiada, e eu te vestirei de pérolas e de ouro.” E
Selma, horripilando-se, obedeceu... Salomé tornou a entrar, dançando na sala,
e, dançando, foi prostrar-se aos pés do rei, dizendo: “Eis aqui, sobre esta
bandeja, que mandaste à minha mãe, em sinal de que a amas e me amas, sobre ela
eu quero a cabeça de João. Depois dançarei ainda, se isso te agrada. Dançarei a
dança da vitória. Porque eu te venci. Eu te venci, ó rei! Venci a vida, e estou
feliz!”
Isso foi o que ela disse, e que nos foi repetido por um
copeiro amigo. E Herodes ficou perturbado e obrigado por duas vontades, a de
ser fiel à palavra dada e a de ser justo. Mas, não soube ser justo, porque ele
é um injusto. Fez sinal ao carrasco, que estava atrás da cadeira do rei, e ele,
tomando das mãos levantadas de Salomé a bandeja, desceu do salão do banquete
para os compartimentos inferiores. Nós o vimos atravessar a corte, eu e João...
e, pouco depois, ouvimos o grito do Simeão: “Assassinos!”, e em seguida, o
vimos passar com a cabeça na bandeja... João, o teu Precursor, estava morto...
Simeão, podes dizer-me como foi
que ele morreu? Pergunta
depois de algum tempo, Jesus.
Sim. Ele estava em oração... Ele me havia dito antes: “Daqui
a pouco, voltarão os dois enviados, e quem não crê, crerá. Mas, enquanto isso,
lembra-te de que, se eu não estiver mais vivo, quando eles voltarem, pois eu
sou como alguém que está perto de morrer, eu ainda te digo, a fim de que digas
a eles: “Jesus de Nazaré é o verdadeiro Messias.” Ele pensava sempre em Ti... O
carrasco entrou. Eu dei um grito forte. João levantou a cabeça, e o viu,
depois, se pôs de pé e disse: “ Não podes mais do que cortar-me a vida, Mas a
verdade, que permanece, é que não é lícito fazer o mal.” E estava para dizer-me
uma coisa, quando o carrasco rodou no ar a pesada espada, enquanto João ainda
estava de pé, e a cabeça caiu separada do busto, com um grande jorro de sangue,
que avermelhou a pele de cabra que ele vestia, e fez ficar cor de cera o seu
rosto magro, no qual continuaram vivos, abertos, acusadores aqueles olhos. Ela
me rolou aos pés... Depois que Herodíades bateu nela e a deformou, mandou que a
cabeça fosse jogada aos cães. Mas nós a recolhemos logo e, com um véu precioso,
o envolvemos junto com o corpo. Compusemos, de noite, o corpo, e o transportamos
para fora de Maqueronte. Nós fomos embalsamá-lo dentro de uma moita de acácias,
que havia lá perto, ao raiar do sol, com a ajuda de outros discípulos. Mas
ainda ele foi tomado de nós para outras deformações. Porque ela não pôde destruí-lo,
nem pôde perdoá-lo E os seus escravos, por medo da morte, foram mais ferozes do
que uns chacais, ao tomarem de nós aquela cabeça. Se ti estivesses lá, Manaém.
Se eu estivesse lá... Mas é a maldição dela aquela cabeça...
Em nada fica diminuída a glória do Precursor, ainda que seu corpo fique
incompleto. Não é verdade, Mestre?
É verdade. Mesmo que os cães o
tivessem destruído, não se teria mudado sua glória.
Nem ficou mudada a palavra dele, Mestre. Os seus olhos, ainda
que maltratados e transformados em uma grande ferida, ainda estão dizendo: “Não
te é lícito.”
Mas nós o perdemos, diz Matias.
E nós agora somos teus, porque assim ele disse, dizendo
também que Tu já sabes.
Sim. Há sete meses que já sois
meus. Como foi que viestes?
A pé, por etapas. Longo, difícil era o caminho, por cima de
areias ardentes e expostas ao sol, mas mais ardente era a nossa dor. Há quase
vinte dias que estamos caminhando.
Agora, descansareis.
Manaém pergunta: “Dizei-me, Herodes não estranhou a minha
ausência?
Sim. Primeiro ficou inquieto, e furioso depois. Mas, quando passou
o seu furor, ele disse: “É um juiz a menos.” Isto foi o que nos contou o
copeiro nosso amigo.
Jesus diz: “Um juiz a menos! Ele tem Deus por juiz. E
basta isso.
Pg. 305-309
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272 – REENCARNAÇÃO E VIDA ETERNA
NO DIÁLOGO COM UM ESCRIBA
Agora, vamos a estes que nos
esperam. Para premiar a fé e o amor deles. Pois este amor também não é uma
coisa que consola? Diz
Jesus.
Nós estamos sofrendo por causa do ódio. Aqui há amor. E por
isso há alegria. Pedro se acalma, como vento que cessa de repente. E Jesus se
dirige à multidão dos doentes, que o estão esperando com o desejo visível em
seus rostos, e os vai curando, um depois do outro, cheio de benevolência,
paciente até para com um escriba, que lhe apresenta seu filhinho doente.
E esse escriba que lhe diz: “Estás vendo? Tu foges. Mas é
inútil fazê-lo. O ódio e o amor são astutos para encontrarem o que querem. Aqui
foi o amor que te encontrou, como está escrito no Cântico dos Cânticos. Para
muitos Tu és como Esposo dos Cânticos. E eles vêm a Ti, como a Sulamita vai ao
esposo, desafiando os guardas da ronda e as quadrigas de Aminadad.”
Por que estás dizendo isso, por
que?
Porque é verdade. Vir é um perigo, porque és odiado. Não
sabes que Roma te espreita e que o Templo te odeia?
Por que me tentas homem? Tu estás
colocando uma cilada em tuas palavras, para ir levar depois ao Templo e a Roma
as minhas respostas. Não foi com ciladas que Eu curei o teu filho...
O escriba, diante daquela doce censura, inclina, confuso, a
cabeça, e confessa: “Vejo que realmente Tu vês os corações dos homens.
Perdoa-me. Eu vejo que realmente és santo. Perdoa-me. Eu tinha vindo sim,
fermentando em mim o lêvedo que outros em mim haviam colocado.
E que encontrou em ti o calor
próprio para fermentar.
Sim. É verdade... Mas agora, vou-me daqui sem lêvedo. Ou
melhor, com lêvedo novo.
Eu sei. E não tenho rancor.
Muitos estão culpados por sua própria vontade, e muitos, por vontade dos
outros. Diferente vai ser a medida com que vão ser julgados pelo justo Deus.
Tu, escriba sê justo, e não corrompas no futuro, como foste corrompido. Quando
as pressões do mundo te premerem, olha esta graça viva, que é o teu filho, que
foi salvo da morte, e sê reconhecido para com Deus.
Para contigo.
Para com Deus. A Ele toda glória
e louvor. Eu sou o Messias, e sou o primeiro a louvá-lo e a glorificá-lo. O
primeiro a obedecer-lhe. Porque o homem não se avilta por honrar e servir a
Deus em verdade, mas se degrada, servindo ao pecado.
Dizes bem. Falas sempre assim? A todos?
A todos. Se Eu falasse a Anás ou
a Gamaliel, ou se Eu falasse ao mendigo leproso, que está à beira de um
caminho, minhas palavras seriam as mesmas, porque a Verdade é uma só.
Fala, então porque todos estamos aqui, como mendigos
precisando de tua palavra, ou de tua graça.
Eu falarei. Para que não se diga
que Eu tenho preconceitos contra quem é honesto em suas convicções.
Morreram aquelas que eu tinha. Mas é verdade. Eu era honesto
nelas. Eu pensava estar servindo a Deus, quando combatia contra Ti.
És sincero. E por isso mereces
compreender a Deus, que nunca é mentira. Mas as tuas convicções não estão ainda
mortas. Eu te digo. Elas são como gramíneas queimadas. Por cima parecem mortas,
mas, na verdade, elas apenas sofreram um duro assalto que as enfraqueceu muito.
Mas suas raízes estão vivas. E o terreno as nutre. E as orvalhadas as convidam
a lançar novos rizomas, e estes lançam novas folhas. É preciso vigiar para que
isso não aconteça, ou serás de novo invadido pelas gramíneas. Israel é duro
para morrer.
Israel, então, deve morrer? É uma planta má?
Deve morrer para ressurgir.
Uma reencarnação espiritual?
Uma evolução espiritual. Não há
reencarnações de nenhuma espécie.
Há quem creia que há.
Eles estão errados.
O helenismo colocou entre nós também essas crenças. E os
doutos se nutrem com elas, e se gloriam de serem elas um alimento muito nobre.
É uma contradição absurda
naqueles que gritam o anátema para transcurar um dos seiscentos e treze
preceitos menores.
É verdade. Mas assim é. Gostam de imitar até o que odeiam.
Nesse caso, imitai a mim, já que
me odiais. Será melhor para vós.
O escriba teve que sorrir de um modo sutil, mesmo que não
queira, por esta saída de Jesus. As pessoas estão de boca aberta, escutando, e
os que estão mais longe pedem aos que estão mais perto que lhes repitam as
palavras dos dois.
Mas Tu, em confidência, que é que achas da reencarnação?
Que é um erro. Eu já o disse.
Há pessoas que dizem que os vivos são gerados pelos mortos, e
os mortos pelos vivos, porque o que existe não se destrói.
O que não é eterno se destrói, de
fato. Mas, dize-me: No teu parecer, o Criador tem limites para Si mesmo?
Não, Mestre. Aceitar isso seria um rebaixamento.
Tu o disseste. E, então,
poder-se-á pensar que Ele permita que um espírito se reencarne, porque mais do
que os muitos espíritos que já existem não podem existir outros?
Não se deveria pensar assim. E, no entanto, há quem assim
pense.
E, o que é pior, pensa-se assim
em Israel. Esse pensamento da imortalidade do espírito, que já é um grande
pensamento em um pagão, ainda mesmo quando ele está unido ao erro de uma
avaliação injusta sobre como é que acontece essa imortalidade, em um israelita
esse pensamento deveria ser perfeito. Mas, pelo contrário, em quem o admite,
nos termos da tese pagã, torna-se um pensamento limitado, rebaixado, culpável.
Já não é uma glória o pensamento, que se mostra como digno de admiração, por
ter passado rente à verdade por si só, e que por isso dá um testemunho da
natureza composta do homem, como ela o é também no pagão, por essa sua intuição
de uma vida perene desta coisa misteriosa, que tem o nome de alma, e que nos
distingue dos brutos. Mas um rebaixamento do pensamento que conhecendo a Divina
Sabedoria e o Deus verdadeiro, torna-se materialista, até em coisa tão
altamente espiritual.
O espírito não transmigra, a não
ser do Criador para o ser e do ser para o Criador, ao qual ele se apresenta
depois da vida, para receber julgamento de vida ou de morte. Essa é a verdade.
E, para onde for mandado, lá fica. Para sempre.
Não admites o Purgatório?
Sim. Por que perguntas?
Porque Tu dizes: “Para onde for mandado, lá fica. O Purgatório
é temporário.
Exatamente. Eu o absorvo no meu
pensamento da Vida Eterna. Pois o Purgatório já é” vida “. É verdade que é uma
vida amortecida, ainda atada, mas sempre é vital. Terminada a temporária parada
no Purgatório, o espírito conquista a Vida perfeita, a alcança, agora sem
limites e sem nenhum outro vínculo. Duas são as coisas que permanecerão: O Céu,
o Abismo, o Paraíso e o Inferno. Os Bem-aventurados e os condenados. Mas
daqueles três reinos, que agora existem, nenhum espírito voltará a revestir-se
de carne. E isso até o dia da ressurreição final, que encerrará para sempre a
encarnação dos espíritos na carne, do imortal no mortal.
Eterno, não?
Eterno é Deus. Eternidade é não
ter princípio, nem fim. E isto, só Deus. E a imortalidade é continuar a viver,
desde quando se começou a viver. E isso se dá com o espírito do homem. Eis a
diferença.
Tu dizes “Vida Eterna”.
Sim. Desde quando alguém é criado
para a vida, pode, pelo espírito, pela graça e pela vontade, conseguir a vida
eterna. Não a eternidade. Vida pressupõe começo. Não se diz “Vida de Deus”,
porque Deus não teve princípio.
E Tu?
Eu viverei, porque também Eu sou
carne, e no Espírito divino Eu tenho unida a alma do Cristo na carne do homem.
Deus é chamado “o Vivente”.
De fato. Ele não conhece morte.
Ele é vida. A vida inexaurível. Não vida de Deus. Mas vida. Só isto. Isto são
esfumaturas, ó escriba. É nas esfumaturas que se encerra Sabedoria e Verdade.
É assim que falas aos pagãos?
Não é assim. Eles não
compreenderiam. Eu lhes mostro o Sol. Mas assim como Eu mostraria a um menino,
até então cego e tolo que, por um milagre, tivesse voltado a ver e a entender.
Assim: como um astro. Sem começar a explicar a composição dele. Mas vós em
Israel, não sois cegos nem tolos. Há séculos o dedo de Deus vos abriu os olhos
e desanuviou a mente.
É verdade Mestre. No entanto, somos cegos e tolos.
Vós vos fizestes assim. E não
quereis o milagre de quem vos ama.
Mestre...
É verdade, escriba.
Este inclina a cabeça, e se cala. Jesus o deixa, e anda para
diante e de passagem acaricia Marziam e o filhinho do escriba, que estavam
brincando com pedrinhas de várias cores. Mais do que uma pregação, o que Jesus
faz é uma conversação com este ou aquele grupo. Mas é uma pregação contínua,
porque vai resolvendo todas as dúvidas, esclarecendo todos os pensamentos,
resume ou amplia coisas que já foram ditas, ou conceitos, em alguns dos pontos
de que alguém vai-se lembrando. E assim passam as horas.
Pg. 315-319
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273 – A PRIMEIRA MULTIPLICAÇÃO
DOS PÃES
Mestre, a tarde já vem perto. Este é um lugar deserto, está
longe das casas e dos povoados, e é um lugar sombreado e úmido. Daqui a pouco,
já não poderemos nem enxergarmos mais, nem caminhar. A lua hoje sai tarde.
Manda o povo para que vá a Tariquéia ás povoações que ficam ás margens do rio
Jordão, para comprarem alimento e procurarem alojamento.
Não é preciso que elas se vão.
Dai-lhes vós de comer. Elas podem dormir aqui, como dormiram, quando ficaram me
esperando.
Só nos restam cinco pães e dois peixes, Mestre, como já
sabes.
Trazei-me.
André vai procurar o menino. Está ele de guarda à bolsa. A
pouco estava com o filho do escriba e dois outros, atento a fazer coroas de flores,
brincando de rei. André vai solícito. Também João e Filipe põem-se a procurar
Marziam por entre uma multidão, que está sempre mudando de lugar. Encontram-no
todos quase ao mesmo tempo. Ele vai levando uma bolsa de mantimentos a
tiracolo, tendo um grande ramo de clematite a rodear-lhe a cabeça, e uma cinta
de clematite, da qual está pendente, como se fosse uma espada, um pedaço de
vara encaroçada. O punho da espada é o caroço maior de todos e a lâmina é o
resto da própria vara. Com Marziam estão outros sete, igualmente ataviados,
formando um acompanhamento ao filho do escriba, um rapazinho muito magro, com
olhos muito sérios como os de quem já sofreu tanto, que, por isso, está mais
enfeitado do que os outros, para fazer o papel do rei.
Vem Marziam. O Mestre te está chamando!
Marziam deixa os seus amiguinhos boquiabertos, e lá se vai,
apressado, mesmo sem ter tirado as suas insígnias feitas com flores. Mas o
seguem também os outros, e logo Jesus se vê rodeado por uma pequena coroa de
meninos engrinaldados com flores. Ele os acaricia, enquanto Filipe vai tirando
da bolsa um pacote com pão e estão embrulhados dois grandes peixes: dois quilos
de peixe, pouco mais. Insuficientes também para os dezessete, ou melhor, para
os dezoito com Manaém, da comitiva de Jesus. Levam esses alimentos ao Mestre.
Está bem. Agora trazei-me cestos.
Dezessete, que é o vosso número. Marziam distribuirá o pão ás crianças. Jesus olha fixamente para o escriba,
que se conserva sempre perto dele, e lhe pergunta: “Queres tu também dar alimento
aos famintos?
Eu gostaria. Mas eu também não tenho nada.”
Pois distribui do meu, Eu o cedo.
Mas... vais matar a fome de cinco mil homens, sem falar das
mulheres e crianças, só com aqueles dois peixes e aqueles cinco pães?
Sem dúvida. Não sejas incrédulo.
Quem crer verá realizar-se o milagre.
Oh! Nesse caso, quero também eu distribuir o alimento.
Faze com que te deem também uma
cesta.
Os apóstolos estão de volta com cestos e cestinhos largos e
rasos, e outros fundos e estreitos. Também o escriba volta com o seu cesto. É
um pouco pequeno. Compreende-se, por um lado, a sua fé e, por outro, a sua
incredulidade, que o fizeram escolher aquele, como se fosse o maior de todos.
Está bem. Ponde todos aqui na
frente. E fazei que o povo se sente em ordem, por fileiras regulares, tanto
quanto for possível.
E, enquanto isso acontece, Jesus ergue os pães com os peixes,
tudo junto, faz o oferecimento deles, reza e abençoa. O escriba não deixa de
acompanhá-lo com o olhar, nem por um instante. Depois, Jesus parte os cinco
pães em dezoito pedaços, parte os dois peixes em dezoito pedaços, e coloca o
pedaço de peixe, um pedacinho bem pequeno, um em cada cesto, reduz a bocados os
dezoito pedaços de pão, cada pedaço em muitos bocados. Muitos, é um modo de
dizer, uns vinte, quando muito. Cada pedaço partido, um em cada cesto, com o
peixe.
Agora, pegai tudo isso e
distribui à sociedade. Ide. Vai, Marziam, vai dá-lo aos teus companheiros.
Puxa! Como está pesado, diz Marziam, levantando o seu cesto e
indo depressa aos seus pequenos amigos, mas vai caminhando como quem, de fato
leva um peso.
Os apóstolos, os discípulos, Manaém e o escriba ficam olhando
perplexos como ele vai indo. Depois pegam os seus cestos e, sacudindo a cabeça,
dizem uns aos outros: “O menino está brincando. Eles não estão mais pesados do
que antes!” E o escriba olha, quer ver os cestos também por dentro, e neles
enfia a mão para apalpar o fundo, porque a claridade já está pouca naquele
canto onde está Jesus, ao passo que, mais ao longe, na clareira da mata, ainda
está bem claro.
Contudo, mesmo depois de terem verificado isso, vão indo para
o lado do povo, e começam a distribuição. E dão, dão, dão. E, de vez em quando
se viram assombrados para Jesus, que vai ficando cada vez mais longe, e que, de
braços cruzados e encostado a uma árvore, está sorrindo amorosamente do
assombro deles.
A distribuição é longa e farta. O único que não demonstrava
assombro é Marziam, que se ri, feliz por poder saciar com pão e peixe a tantas
crianças pobres. E ele é o primeiro a voltar para Jesus, dizendo: “Eu dei
muitos, mas muitos mesmo, porque eu sei o que é a fome”, e levanta aquele seu
rostinho, não mais magro, como me lembro que antes era, mas que está pálido e
arregalando os olhos. Jesus, então o acaricia, e o sorriso volta, todo
luminoso, aquele rostinho juvenil que, confiante, se apoia em Jesus, seu Mestre
e protetor.
Pouco a pouco, vão voltando os apóstolos e os discípulos,
todos emudecidos pelo assombro. O último é o escriba, que nada diz. Mas faz um
ato que é mais que um discurso. Se ajoelha e beija a orla da veste de Jesus.
Pg. 320-322
274 – JESUS CAMINHA SOBRE ÀS
ÁGUAS. SUA PRONTIDÃO EM SOCORRER QUEM O INVOCA
Jesus desperta de sua meditação. Levanta-se. Olha para o
lago. Procura pela superfície dele, à luz das poucas estrelas que ainda restam
e da pobre aurora enfermiça, e vê a barca de Pedro, na qual vão remando com
grande esforço e procurando alcançar a margem oposta, mas sem conseguirem.
Jesus se envolve em seu manto, cobrindo-se bem, e sungando a barra, que está suspensa,
e, vendo que ela lhe cria dificuldade para descer, Ele a leva para cima da
cabeça, fazendo com ela uma espécie de capuz, e desce depressa, não pela
estrada por onde tinha vindo, mas por uma trilha mais curta, que vai em linha
reta para o lago. E Ele vai indo assim, e com tão grande velocidade, que parece
estar voando.
Ao chegar à margem, que está açoitada pelas águas, que estão
fazendo sobre a areia uma orla de espuma flocosa e que chia, Ele prossegue o
seu caminho, apressado, como se não estivesse caminhando sobre um elemento
líquido e movediço, mas sobre o pavimento mais liso e sólido da terra. Agora se
tornou luminoso. Parece que a pouca luz, que ainda está vindo das últimas e
agonizantes estrelas e da aurora tempestuosa, se concentra nele, e que por Ele
seja recolhida, formando uma fosforescência ao redor de seu corpo, que avança
rapidamente.
Ele vai quase voando sobre as ondas, sobre aquelas cristas de
espuma, por sobre as dobras escuras, entre uma e outra onda, com seus braços
estendidos para a frente, com o manto que, pelo vento, fica inflado aos lados
de sua face, mas que esvoaça, o tanto que pode, por mais que esteja apertado
junto ao corpo, como se fosse o bater de uma asa. Os apóstolos o veem, e lançam
um grito de medo, que o vento leva até Jesus.
Não temais. Sou Eu. A voz de
Jesus, mesmo tendo ido contra o vento, espalhou-se por sobre o lago, sem
dificuldade.
És Tu mesmo, Mestre? Pergunta Pedro. Se és Tu, manda que eu
vá ao teu encontro, caminhando sobre as águas, como Tu.
Jesus sorri e diz: “Vem!”, e diz isso simplesmente, como se
fosse o mais natural do mundo caminhar sobre a água.
E Pedro, seminu como está, isto é, com uma túnica curta e sem
manto, dá um salto da barca e vai para Jesus. Mas, quando ele está a uns cinquenta
metros da barca, e a quase outros tantos de Jesus, fica tomado pelo medo. Até
aquele ponto, ele ia indo impulsionado pelo amor. Agora, sua natureza humana o
domina... e ele teme por sua própria pele. Como alguém colocado sobre um chão
escorregadio, ou melhor, sobre areia movediça, ele começa a bambolear, a
bracejar e a afundar. E, quanto mais braceja, com mais medo vai ficando, e mais
vai afundando.
Jesus parou, e está olhando para ele. Está sério. Está
esperando. Mas nem estende uma das mãos, pois continua com as duas mãos juntas
sobre o peito, e não dá mais nem um passo, não diz nenhuma palavra. Pedro vai
afundando. Já desaparecem seus tornozelos, suas canelas, os joelhos, e as águas
já estão atingindo sua virilha, já vão alcançando sua cintura. O terror já está
em seu rosto. É um terror que paralisa até o pensamento. Ele não passa de carne
com medo de se afogar. Não pensa nem em pôr-se a nadar. Nada. Fica apatetado de
medo. Finalmente, ele resolve olhar para Jesus. E bastou olhar para Ele, e logo
começou a raciocinar, a compreender onde está a salvação.
Mestre, Senhor, salva-me.
Jesus abre os braços e, como que transportado pelo vento ou
pela onda, precipita-se no rumo do apóstolo, e lhe estende a mão, dizendo: “Oh!
Que homem de pouca fé! Porque quiseste fazer tudo por si mesmo?”
Pedro, que havia agarrado convulsivamente a mão de Jesus, nem
responde. Somente olha para Ele, para ver se Ele está com raiva. Olha para Ele
com uma mistura de um resto de medo e de arrependimento.
Mas Jesus sorri e o conserva bem seguro pelo pulso, até que,
tendo alcançado a barca, transpõem a borda dela, e entram. E Jesus ordena: “Ide para
a margem. Este aqui está todo molhado.” E sorri olhando para o discípulo humilhado. As ondas se
espraiam para facilitar a arribação, e a cidade, vista outra vez do alto de uma
colina, já vem aparecendo para lá da margem.
Diz Jesus:
Muitas vezes não fico esperando
nem mesmo ser chamado, quando vejo que filhos meus estão em perigo. E muitas
vezes vou correndo a eles, e até aos que para comigo são filhos ingratos.
Vós estais dormindo, ou estais
preocupados com os cuidados da vida, com as solicitudes da vida. Eu estou
velando e orando por vós. Anjo de todos os homens, Eu estou inclinado sobre
vós, e nada para Mim é mais doloroso do que não poder intervir, pois que sois
contra a minha intervenção, e preferis agir por vós mesmos, ou, pior ainda,
pedindo a ajuda do Mal. Como um pai que recebe do filho estas palavras: “Eu não
te amo. Não te quero. Sai da minha casa”, e Eu fico humilhado e entristecido,
mais do que se o fosse por ter recebido feridas. E, se vós somente me dizeis:
“Vai-te embora”, e estais somente despreocupados com a vida, então Eu sou o
Eterno Vigilante, que está pronto a intervir, até mesmo antes de ser chamado.
E, se Eu fico esperando somente que Me digais uma palavra, algumas vezes espero
para ouvir que Me estais chamando.
Que carícia é para mim, que
doçura é ouvir que estou sendo chamado pelos homens, Ouvir que eles se lembram
de que Eu sou o “Salvador”. Por isso, Eu não te digo qual a alegria infinita que
me penetra, e me exalta, quando há quem me ama e me chama, mesmo sem que fique
esperando a hora da necessidade. Ele me chama, porque me ama mais do que tudo
no mundo, e percebi que está cheio de uma alegria semelhante à minha, ao
chamar-me: “Jesus, Jesus, como fazem as crianças, quando chamam: “Mamãe,
Mamãe”, e lhes parece que é mel que desce sobre os seus lábios, porque só a
palavra mamãe já traz consigo o sabor dos beijos maternos.
Os apóstolos estavam remando,
obedientes á minha ordem de que fossem esperar-me em Cafarnaum. E Eu, depois do
milagre dos pães, me havia isolado da multidão, não por indignação contra ela
ou por cansaço.
Eu nunca tinha indignação para
com os homens, nem mesmo quando eram maus para comigo. Somente quando Eu via
que a Lei estava sendo pisoteada ou profanada a Casa de Deus, é que a Eu
chegava á indignação. Mas nesses casos não era Eu que estava em causa, e sim,
os interesses do Pai. E Eu era sobre a terra o primeiro dos servos de Deus para
servir ao Pai dos Céus. Eu nunca estava cansado por dedicar-me ás multidões, e
também nem mesmo quando as via tão obtusas, lerdas e humanas, que faziam perder
o entusiasmo até aos mais bem dispostos em sua missão. E até, justamente porque
eram assim deficientes é que Eu multiplicava até o infinito a repetição de
minhas lições, e os tratava mesmo como alunos mais tardos e guiava seus
espíritos para as descobertas e iniciações mais rudimentares, tal qual faz um
mestre paciente, guiando as mãozinhas inexperientes dos alunos para traçarem os
primeiros sinais e para torná-los cada vez mais capazes de compreender e fazer.
Quanto amor Eu dediquei ás
multidões! Eu as afastava da carne, para levá-las ao espírito. Também, Eu havia
começado na carne. Mas enquanto Satanás começa por ela para levar para o Inferno,
Eu começava por ela para levar para o Céu.
Eu me havia isolado para dar
graças ao Pai pelo milagre dos pães. Muitos milhares de pessoas haviam comido.
E Eu lhes havia recomendado que dissessem: “Obrigado” ao Senhor. Mas, depois de
ter recebido ajuda, o homem não sabe dizer “obrigado”. Então, Eu ia dizer isso
por eles.
E depois... E depois, Eu me havia
unido ao meu Pai, do qual Eu estava com uma saudade infinita e cheia de amor.
Eu estava na terra, como uma casca seca e sem vida. O meu espírito se havia
arremessado ao encontro de meu Pai, que Eu sentia inclinado sobre o seu Verbo,
e lhe dizia: “Eu Te amo, ó Pai Santo!” E era a minha alegria dizer-lhe: “Eu Te
amo”. Dizer-lhe isso como homem, além de dizer-lhe como Deus. Humilhar diante
dele o sentimento do homem, assim como lhe oferecia as minhas palpitações de
Deus. Parecia-me que Eu era o Imã que atraia a si todos os amores do homem,
capaz de amar um pouquinho a Deus, de acumulá-los e de oferecê-los do fundo do
meu coração. Parecia-me que Eu estava sozinho: era o Homem, isto é, a raça
humana, que voltava, como nos dias da sua inocência, a conversar com Deus, á
brisa fresca da tarde.
Mas, por mais que a felicidade
fosse completa, pois era uma felicidade de amor, ela não me fazia esquecer das
necessidades dos homens. Por isso é que Eu percebi o perigo dos meus filhos no
lago. E deixei o Amor por causa do amor. A caridade precisa ser pronta.
Julgavam que Eu fosse um
fantasma. Oh! Quantas vezes, pobres filhos, me tomais por um fantasma, um
objeto que causa medo! Se pensásseis sempre em mim, me teríeis reconhecido
logo. Mas tendes tantos outros fantasmas no coração, e é isso que vos causa
vertigem. Mas Eu me faço conhecer. Oh! Se Me soubessem perceber!
Por que afunda Pedro, depois de
haver caminhado tantos metros? Já o disseste: porque os sentimentos humanos
dominam o seu espírito. Pedro era muito “homem”. Se tivesse sido João, não
teria nem dominadoramente ousado, nem voluvelmente mudado de pensamento.
A pureza dá prudência e firmeza.
Mas Pedro era “homem” em toda a extensão da palavra. Ele tinha o desejo de ser
o primeiro, de fazer ver que ninguém como ele amava o Mestre, queria impor-se,
e, só porque era um dos meus, julgava-se já acima das fraquezas da carne. Mas,
ao contrário, pobre Simão, que nas provas dava contraprovas nada sublimes. Mas
era necessário para que ele fosse um dia aquele que iria perpetuar a
misericórdia do Mestre no seio da Igreja nascente. Pedro, não somente se deixa
levar pelo assalto do medo, por estar sua vida em perigo, mas se torna nada
mais, como disseste, do que “carne que treme”. Ele não reflete mais, não olha
mais para mim. Também vós fazeis assim, e quando o perigo é eminente, mais
quereis fazer por vós. Como se vós pudésseis fazer algo! Jamais, como nas horas
em que deveríeis esperar em mim, e chamar-me, vos afastais e fechais o coração,
e também me maldizeis. Pedro não fala mal de mim. Mas se esquece de mim, e Eu
preciso dar-lhe uma ordem, para que seu espírito volte a mim e o faça levantar
os olhos para o seu Mestre e Salvador.
Eu o absolvo, antes que ele o
peça, do seu pecado, do seu pecado de dúvida, porque Eu o amo, a este homem
impulsivo que, quando for confirmado na graça, saberá proceder sem ter mais
perturbações ou cansaços, até o martírio, e tornando incansável, até a morte, a
sua mística rede para levar almas para o seu Mestre. E quando ele me invoca, Eu
não vou caminhando, mas vou voando em seu socorro, e o seguro firmemente, para
conduzi-lo a salvo. Branda foi a minha censura, porque conheço todos os
atenuantes de Pedro. Eu sou o defensor e o juiz melhor que há, e o qual nunca
terá havido igual. Isso para todos.
Eu vos compreendo, meus pobres
filhos. E, mesmo quando vos digo uma palavra de censura, o meu sorriso vo-la
adoça. Eu vos amo. Eis tudo. Eu quero que tenhas fé. E, se a tiverdes, Eu
virei, e vos levarei para longe do perigo. Oh! Se a Terra soubesse dizer: “Mestre,
Senhor salva-me!” Bastaria um grito, mas de toda a Terra, para que, no mesmo
instante, Satanás e os seus carrascos calassem vencidos. Mas não sabeis ter fé.
Eu vou multiplicando os meios para levar-vos a fé. E, no entanto, eles caem na
vossa lama, como pedra jogada na lama de um brejo, e lá jazem sepultados.
Não quereis purificar as águas do
vosso espírito, porque gostais de ser lodo podre. Não importa. Eu cumpro o meu
dever de Eterno Salvador. E até, se Eu não puder salvar o mundo, porque o mundo
não quer ser salvo, Eu salvarei o mundo aqueles que, por me amarem como devo
ser amado, já não são mais deste mundo.
Pg. 326-330
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275 – QUATRO NOVOS DISCÍPULOS.
DISCURSO SOBRE AS OBRAS DE MISERICÓRDIA ESPIRITUAIS E CORPORAIS
Diz Jesus:
A paz esteja com todos vós, e a
sabedoria sobre vós. Escutai, Foi-me perguntado um dia, faz muito tempo, até
que ponto Deus é misericordioso para com os pecadores. Quem fazia aquela
pergunta era um pecador perdoado que não conseguia persuadir-se do completo
perdão de Deus. E Eu, com algumas palavras, o tranquilizei, e lhe garanti e lhe
prometi que para ele Eu teria sempre falado da misericórdia, para que o seu
coração arrependido, que dentro dele parecia o de um menino perdido que
chorava, se sentisse na certeza de estar já entre os que pertencem ao seu Pai
do Céu.
Deus é Misericórdia, porque Deus
é Amor. O servo de Deus deve ser misericordioso para imitar Deus. Deus se serve
da misericórdia como de um meio para atrair a Si os filhos desviados. O
preceito do amor é obrigatório para todos. Mas deve ser três vezes mais nos
servos de Deus. Não se conquista o Céu, se não se ama. Mas basta dizê-lo aos
que creem. Aos servos de Deus Eu digo: “Não se faz que os que creem conquistem
o Céu, se não se amam com perfeição.”
E vós, que sois? Vós que vos
aglomerais aqui ao redor de mim? Em vossa maior parte, sois criaturas que vos
inclinais para a vida perfeita, para a vida bendita, cansativa, luminosa do
servo de Deus, do ministro de Cristo. E, que deveres tendes nessa vida de
servos e ministros? Um amor total a Deus, um amor total ao próximo. A vossa
meta: servir. Como? Restituindo a Deus aqueles que o mundo, a carne e o demônio
arrebentaram a Deus. De que modo? Com amor. O amor que tem mil formas para
manifestar-se, e um único fim: fazer amar.
Pensemos em nosso belo Jordão.
Como é imponente em Jericó. Mas, era ele assim na nascente? Não. Era um fio de
água, e assim teria ficado, se tivesse ficado sempre só. Mas, eis que dos
montes e colinas, de uma e outra margem do seu vale, descem milhares e milhares
de afluentes, uns deles solitários outros formados por centenas de córregos,
vão despejar-se em seu leito, que cresce, cresce, cresce sempre mais, até se
transformar no doce regato de prata azulada, que se ria e brincava em sua
meninice de rio, o largo, solene e plácido rio, que enxerta uma fita azul
celeste por entre suas ubertosas e esmeraldinas margens.
Assim é o amor. É um fio inicial
para as crianças que estão começando o Caminho da Vida, as quais mal sabem
salvar-se do pecado grave, eis que das montanhas da humanidade, escabrosas, áridas,
soberbas e duras, surgem por um desejo de amor, córregos e mais córregos desta
virtude principal, e tudo serve para fazê-la nascer e jorrar as dores e as
alegrias, assim como nos montes servem para formar os arroios, as neves geladas
e o sol que as derrete. Tudo serve para abrir-lhes o caminho: tanto a
humildade, como o arrependimento. Tudo serve para canalizá-las para o córrego
inicial. Porque a alma, impelida para aquele caminho, gosta das descidas para o
aniquilamento do eu, aspirando reerguer-se, atraída pelo Sol-Deus, depois de
ter-se transformado em um rio poderoso, belo e benfeitor.
Os riachos que nutrem o rio
embrionário do amor temeroso são, além das virtudes, as obras que as virtudes
ensinam a praticar. As obras que, justamente para serem rios de amor, são obras
de misericórdia. Vamos percorrê-las juntos. Algumas já eram conhecidas de
Israel, enquanto outras, Eu as torno conhecidas, porque a minha Lei é perfeição
de amor.
DAR DE COMER A QUEM TEM FOME
É um dever de reconhecimento e de
amor. Dever de imitação. Os filhos são agradecidos ao pai pelo pão que ele lhes
dá e, quando homens feito, eles imitam ao darem o pão aos seus filhos e ao pai
que já não pode trabalhar, por causa de sua idade, e lhes dão o pão com o seu
próprio trabalho, como uma amorosa restituição, uma restituição devida dos bens
adquiridos. O quarto preceito diz: “Honra a teu pai e á tua mãe.” É um modo de
honrar os seus cabelos brancos o que se faz para não deixá-los ir pedir a
outros o pão por esmola.
Mas, antes do quarto, diz-nos o
primeiro preceito: “Ama a Deus com todo o teu ser”, e o segundo: “Ama a teu
próximo como a ti mesmo”. Amar a Deus por ser quem é, e amá-lo no próximo, é
perfeição.
Ama-se ao próximo dando pão a
quem tem fome, em lembrança das muitas vezes que Ele matou a fome do homem por
meio do milagre. Mas sem ficar olhando só para o maná e as codornizes, olhemos
para o milagre contínuo do grão que germina pela bondade de Deus, que nos deu
terra própria para a cultura, e controla os ventos, chuvas, calor e estações, a
fim de que a semente se vá transformando em espiga, e a espiga em pão.
E não foi um milagre da sua
misericórdia o fato de ter o Senhor, com uma luz sobrenatural, ensinando ao
filho culpado que aquelas ervas altas e esguias, que terminavam produzindo
frutos de sementes douradas pelo quente cheiro do sol, fechadas dentro da dura
faixa de escamas espinhentas, eram um alimento que haveria de ser colhido,
descascado, transformado em farinha, amassado e assado. Deus ensinou tudo isso.
Foi Ele que ensinou com colhê-lo, limpá-lo, moê-lo, amassá-lo e assá-lo. Ele
pôs as pedras perto das espigas, a água perto das pedras, acendeu com os
reflexos da água e do sol o primeiro fogo sobre a terra e, sobre o fogo, o
vento levou alguns grãos que, ao se queimarem, exalaram um odor agradável, a
fim de que o homem compreendesse que, melhor do que quando eles são tirados da
espiga, como sabem fazer os passarinhos, ou só molhado com água, depois de ter
virado farinha, e ter sido transformado em uma massa grudenta, muito melhor é
quando o fogo o assa. Não pensais nisso, vós que hoje comeis o pão gostoso,
assado no forno de vossa casa, não pensais o quanto é bom podermos ter chegado
a esta perfeição no modo de assar, e quanto caminho teve que ser percorrido
pelo conhecimento humano, desde a primeira espiga, que foi mastigada, como faz
o cavalo, até chegarmos ao pão que hoje temos. Por quem fomos ensinados? Pelo
doador do pão. E assim aconteceu com todas as espécies de alimento que o homem
soube por meio de uma luz benfazeja, descobrir e separar, dentre as plantas e
animais com que o Criador cobriu a terra, paterno para o filho culpado.
Portanto, dar de comer a quem tem
fome é uma oração de reconhecimento ao Senhor e Pai, que mata a fome, e é bom
imitar o Pai, do qual recebemos esta semelhança gratuita, que é preciso
aumentar sempre, com a imitação de suas ações.
DAR DE BEBER A QUEM TEM SEDE
Já pensastes que aconteceria, se
o Pai não fizesse mais chover as águas do céu? Ou, então, se Ele dissesse: “Pela
vossa dureza para com quem está com sede, Eu vou impedir as nuvens de descerem
sobre a terra”, poderíamos nós protestar e falar mal dele? A água, mais ainda
do que o trigo, é de Deus. Porque o trigo é cultivado pelo homem, mas só Deus é
quem cultiva os campos das nuvens, que descem em forma de chuva ou de orvalho,
como névoa ou neve, nutrem os campos e abastecem as cisternas, enchem os rios e
os lagos, dão abrigo aos peixes, que matam a fome dos homens e de outros
animais. Portanto, podeis vós responder a quem vos diz: “Dá-me de beber”,
dizendo-lhe: “Não. Esta água é minha, e eu não te dou?”
Mentirosos! Quem de vós já fez um
só floco de neve, ou um só pingo de chuva? Quem já fez evaporar um só dos
diamantes do orvalho com o seu calor astral? Ninguém. É Deus quem faz isso. E,
se as águas descem do céu, e voltam a subir, somente Deus regula esta parte da
criação, assim como tudo mais.
Daí, pois, a boa água fresca dos
lençóis do subsolo, ou a água limpa do vosso poço, ou a que encheu as vossas
cisternas, dai-a a quem tem sede. São águas de Deus. São para todos. Dai-as a
quem tiver sede. Por uma tão pequena boa obra, que não custa o vosso dinheiro,
que não exige outro trabalho senão o de estender com a mão um copo ou uma
vasilha. Eu vo-lo digo, tereis uma recompensa no Céu. Porque não é a água, mas
é o ato de caridade que é grande, diante dos olhos e do julgamento de Deus.
VESTIR OS NUS
Veem-se pelas estradas deste
mundo pessoas em estado vergonhoso por uma nudez que nos causa dó. São velhos
abandonados, são inválidos por doenças ou por outras desventuras, são prole
numerosa, são feridos por acidentes que os privaram de toda comodidade, são
órfãos inocentes. Se Eu lançar um olhar por toda a vastidão da terra, verei por
toda parte pessoas nuas, ou cobertas com trapos, que mal lhes salvam a
decência, e não as protegem contra o frio. E essas pessoas ficam olhando, com
um olhar humilhado, para os ricos, que vão passando, com um olhar humilhado,
para os ricos, que vão passando com suas roupas macias e com os pés calçados
com sapatos delicados. Humilhados com a bondade dos bons e com o ódio dos menos
bons. Mas por que não os auxilias no aviltamento em que se acham, tornando-os
melhores, se já são bons, e destruindo-lhes o ódio, se não são menos bons, com
o vosso amor?
Não digais: “O que eu tenho é só
para mim.” Como acontece com o pão, sempre tendes alguma coisa a mais do que o
necessário, nas mesas e nos armários de quem não está completamente abandonado.
Entre estes que Me estão ouvindo, há mais de um que sabe, de uma roupa que ele
deixou de usar por estar muito batida, tirar uma roupinha para um órfão ou
algum menino pobrezinho e, de um lençol velho, fazer faixas para algum inocente
que não as tem, soube repartir, durante muitos anos, o pão esmolado
cansativamente com quem, por estar leproso, não podia ir estender a mão ás
soleiras dos ricos. E, em verdade, Eu vos digo que esses misericordiosos não
devem ser procurados entre os possuidores de bens, mas por entre as fileiras
humildes dos pobres que, por serem assim é que sabem quão penosa é a pobreza.
Também aqui, como para a água e o
pão, pensai que a lã e o linho com que vos vestis provêm dos animais e das
plantas, que o Pai criou não somente para os ricos entre os homens, mas para
todos os homens. Porque Deus deu somente uma riqueza ao homem: a da sua Graça,
da Salvação, da inteligência. Mas não a riqueza suja que é o ouro, que vós
andastes enaltecendo, fazendo dele, que é um metal não melhor do que os outros,
muito menos útil que o ferro, com que se fazem as pás e os arados, as grades e
as foices, os escopros, os martelos, os serrotes, as plainas, as santas
ferramentas do santo trabalho, fazeis dele o nobre metal, que vós elevastes a
uma nobreza inútil, mentirosa, por uma instigação de Satanás que, de filhos de
Deus, vos tornou selvagens como feras. A riqueza daquilo que é santo vos havia
dado com que vós pudésseis tornar-vos sempre mais santos! Mas não esta riqueza
homicida, que tanto sangue e lágrimas derrama.
Daí, pois, como vos foi dado. Daí
em nome do Senhor, sem terdes medo de ficar nus. Melhor seria morrer de frio,
por sermos despojados em favor do mendigo, do que fazer enregelar-se o coração,
mesmo por baixo de vestes cômodas, pela falta de caridade. O leve calor que
sentimos pelo bem feito é mais doce do que aquele de um manto da mais pura lã.
E as carnes do pobre, agora por nós cobertas, falam a Deus, e lhe dizem: “Abençoa
a quem nos vestiu.”
Se matar a fome, a sede, vestir,
tirando de si para dar aos outros são atos que unem a santa temperança á
santíssima caridade, e vós mesmos á bem-aventurada justiça, pela qual se
modifica com santidade, a sorte dos nossos irmãos infelizes, dando daquilo que
temos em quantidade, por permissão de Deus, a favor de quem, ou por malvadez
dos homens, ou por doenças, daquilo tiver ficado privado, nesse caso albergar
os peregrinos que une a caridade a confiança e aos bons pensamentos do próximo
a nosso respeito. Esta também é uma virtude, sabeis? Uma virtude que derrota em
quem a possui, além da caridade, a honestidade. Porque quem é honesto, age bem
e, visto que age bem tem o costume de pensar que assim também ajam os outros,
acontece então, que a confiança, a simplicidade com que se acredita sempre que
as palavras dos outros sejam verdadeiras, mostram que aquele que as ouve é alguém
que diz a verdade nas grandes e nas pequenas coisas, não chegando por isso, a
desconfiar do que os outros dizem.
Por que pensar, diante do peregrino
que nos pede abrigo: “E se ele for um ladrão ou um assassino?” Será que estais
tão apegados ás vossas riquezas, que temeis, por causa delas, cada vez que
chega até vós um estranho? Será que estais tão apegados á vossa vida, que
ficais arrepiados de medo, ao pensardes que podeis dela ficar privados? E,
então? Achais que Deus não vos pode defender dos ladrões? Será?
Temeis no passante um ladrão, e
não tendes medo do hóspede tenebroso, que vos pode roubar o que é
insubstituível? Quantos dão hospedagem em seus corações ao demônio? Eu poderia
dizer-vos: todos dão hospedagem aos pecados capitais e, no entanto, ninguém
fica tremendo por isso. Será, então, só o bem da riqueza e da existência que é
precioso? Não será mais preciosa a eternidade, que vós deixais que vos seja
roubada e morta pelo pecado? Pobres, bem pobres essas almas roubadas em seu
tesouro, postas nas mãos de seus assassinos, como se fossem coisa de pouco
valor, ao passo que se fazem barricadas ao redor das casas, põem-se ferrolhos
nas portas, cães e cofres são usados para guardar e defender muitas coisas que
nós não iremos levar para a outra vida!
Por que querer ver em cada
peregrino um ladrão? Nós somos irmãos. A casa se abre para os irmãos que estão
de passagem. O peregrino não é do nosso sangue? Oh! Sim! É do sangue de Adão e
Eva. Não é nosso irmão? E, como não?
O Pai é um só: Deus que nos deu
uma alma igual, assim como os filhos de um mesmo leito o pai dá um sangue
igual. E um pobre? Procurai que não seja mais pobre do que ele o vosso espírito
privado da amizade do Senhor. A veste dele está rasgada? Fazei que não esteja
ainda mais rasgada a vossa alma, pelo pecado. Estão enlameados ou empoeirados
os pés dele? Fazei que mais do que a sandália dele, suja pela longa viagem, e
rota pelo muito andar, não esteja o vosso eu, consumido pelos vícios. É feia a
aparência dele? Fazei que não seja mais feia ainda a vossa, aos olhos de Deus.
É estranho o seu modo de falar? Fazei que não tenhais vós a linguagem do
coração incompreensível na cidade de Deus.
Vede no peregrino um irmão. Todos
nós somos peregrinos em caminho para o Céu, e todos nós batemos ás portas que
estão ao longo do caminho do que vai para o Céu. Essas portas são os patriarcas
e os justos, os anjos e os arcanjos, aos quais nós recomendamos, para termos a
ajuda e a proteção deles, a fim de podermos chegar à nossa meta, sem que
caiamos no escuro da noite, no rigor do frio, presas das ciladas dos lobos e
dos chacais, que são as paixões malvadas e os demônios. Como queremos que os
anjos e os santos nos demonstrem o seu amor para hospedar-nos e dar-nos de novo
o alento para continuarmos o caminho, assim façamos nós para com os peregrinos
deste mundo. E cada vez que abrirmos a casa e os braços para saudarmos com doce
nome de irmão a um desconhecido, pensando em Deus que o conhece, Eu vos digo
que tereis percorrido muitas milhas do caminho que vai para os céus.
VISITAR OS ENFERMOS
Oh! Como é verdade que, sendo
todos peregrinos, todos são enfermos! E suas doenças mais graves são as do
espírito, que são invisíveis e as mais mortais. E, no entanto, ele não tomam
cuidado. Não lhes repugna a chaga moral. Não lhes causa nojo o fedor do vício.
Não lhes faz medo a loucura diabólica. Não lhe causa horror a gangrena de
alguém que é leproso em seu espírito. Não os faz fugir o sepulcro cheio da
podridão de um homem morto e putrefato em seu espírito. Não é anátema
aproximar-se dessas impurezas. Como é pobre e restrito o pensamento do homem!
Dizei-me: que tem mais valor, o
espírito ou a carne e o sangue?
Terá o que é material o poder de
corromper, por sua proximidade, o que é incorpóreo? Não. Eu vos digo que não. O
espírito tem um valor infinito, se comparado com a carne e o sangue, isto sim.
Mas a carne não tem maior poder do que o espírito. O espírito pode ser
corrompido, mas não por coisa materiais, e, sim pelas espirituais. Se até
alguém, que trata de leprosos não fica leproso em seu espírito, mas pelo
contrário, por causa da caridade, que ele praticou heroicamente, chegando até a
segregar-se nos vales da morte, por piedade para com seu irmão, caem dele todas
as manchas de pecado. Porque a caridade absolve o pecado, e é a primeira das
purificações.
Parti sempre deste pensamento: “O
que eu gostaria que me fosse feito, se eu estivesse como está esse aí? E, como
tu gostarias que te fosse feito, faze-o tu.
Agora Israel ainda tem as suas
antigas leis. Mas dia virá, e a sua aurora não está mais muito longe, quando se
venerará, como um símbolo de perfeita beleza a imagem de Um no qual estará
reproduzindo materialmente o homem das dores de Isaías, e o torturado do Salmo
de Davi, Aquele que, por se ter feito semelhante a um leproso, tornar-se-á o
Redentor do gênero humano, a ás suas chagas acorrerão, como uns cervos que vão
á fonte, todos os sedentos, os doentes, os exaustos, os chorosos da terra, e
Ele os dessedentará, os curará, e os restaurará, os consolará em seus espíritos
e em suas carnes, e o anseio, dos melhores será o de se tornarem semelhantes a
Ele, também cheios de feridas, esvaídos em sangue, espancados, coroados de
espinhos, crucificados por amor dos homens, que precisam ser remidos,
continuando assim a obra do Rei dos reis e Redentor do mundo.
Vós, que ainda sois Israel, mas
já estais levantando as asas, a fim de voar para o Reino dos Céus, começai
desde agora esta concepção e avaliação nova das enfermidades, e, bendizendo a
Deus, que vos conserva sãos, inclinai-vos sobre os que estão sofrendo e
morrendo.
Um dos meus apóstolos disse um
dia: “Não tenhas medo de tocar nos leprosos. Nenhum mal se apegará a nós, por
vontade de Deus.” Ele falou bem. Deus guarda os seus servos. Mas, ainda que
ficásseis contagiados, ao cuidardes dos enfermos, seríeis colocados na lista
dos mártires por amor, na outra vida.
VISITAR OS ENCARCERADOS
Credes vós que nas galeras estão
somente os criminosos? A justiça humana tem um olho cego e o outro perturbado
por distúrbios visuais, pelos quais vê camelos onde há apenas nuvens, ou toma
uma serpente por um ramo florido. Ela julga mal. E, pior ainda, porque muitas
vezes, quem a guia, cria de propósito nuvens de fumaça, para que ela veja menos
ainda. Mas, ainda que os encarcerados fossem todos ladrões e homicidas, não é
justo que nós façamos ladrões e homicidas, tirando deles a esperança de perdão
com o nosso desprezo.
Pobres prisioneiros! Nem ousam
levantar os olhos para Deus, pesados como estão pelos delitos deles. Seus
grilhões, em verdade, estão mais em seu espírito do que nos pés. Mas, ai deles,
se perdem a esperança em Deus! Ao delito contra o próximo eles unem o do
desespero do perdão. A galera é expiação, assim como o é a morte no patíbulo.
Mas não basta pagar a parte que é devida á sociedade humana pelo delito
cometido se necessário pagar também, e em primeiro lugar, a parte que deve ser
paga a Deus, para expiar e ter a vida eterna. E, quem é rebelde e desesperado,
expia somente o que deve à sociedade. Que ao condenado ou ao prisioneiro chegue
o amor dos irmãos. Será para ele uma luz nas trevas. Será uma voz. Será uma mão
que mostra o alto, enquanto a voz diz: “Que o meu amor te diga que Deus também
te ama. Ele colocou em meu coração este amor por ti, meu irmão desventurado”, e
essa luz permite a Deus como Pai piedoso.
Que a vossa caridade vá, com
maior razão, consolar os mártires da injustiça humana. Os que são inculpáveis
de fato, ou os que uma força cruel levou a matar. Não julgueis, porém, o que já
foi julgado. Vós não sabeis porque o homem teve que matar. Não sabeis que
muitas vezes não é mais do que um morto aquele que mata, ele é autômato,
privado da razão, porque um assassinato sem sangue tirou-lhe o juízo, por causa
da velhacaria de alguma traição cruel. Deus o sabe. E basta. Na outra vida se
verão muitos das galeras, muitos que mataram e roubaram, no Céu, e se verão
muitos, que pareciam ter sido roubados ou mortos, no Inferno, porque na
verdade, os verdadeiros ladrões da paz dos outros, da honestidade, da
confiança, os verdadeiros assassinos terão sido aqueles que passaram por
vítimas. Vítimas, só porque foram feridos por último, mas depois de terem
ferido, sem que ninguém falasse nada, durante muitos anos. O homicídio e o
furto são pecados. Mas, entre o que mata e rouba, porque é levado a isso por
outros, e depois se arrepende, e o que induz outros ao pecado, e não se
arrepende disso, terá mais castigo aquele que leva outro ao pecado, e disso não
sente remorso.
Por isso, não julgueis nunca, e
sede compassivos com os encarcerados. Pensai sempre que, se devessem ser
punidos todos os homicídios e furtos do homem, poucos homens e poucas mulheres
não morreriam nas galeras ou nos patíbulos.
Aquelas mães, que conceberam, e
depois não querem dar à luz o seu fruto, com que nome é que deverão ser
chamadas? Oh! Não façamos jogos de palavras. Digamos sinceramente a elas o seu
nome: Assassinas.
Aqueles homens que roubam
reputações ou postos, como os chamaremos? Simplesmente “ladrões.” Aqueles
homens e mulheres que, sendo adúlteros ou atormentadores familiares daqueles
com quem convivem, e os levam ao homicídio ou ao suicídio, e também aqueles
sujeitos a eles, e, com o desespero, à violência, que nome é que eles têm? É
este: Homicidas. E, então? Ninguém foge? Vós estais vendo que entre esses
condenados, que escaparam da justiça, que enchem as casas e as cidades, que
esbarram em nós pelos caminhos, que dormem conosco nos albergues, dividem a
mesa conosco, e vive-se sem pensar nisso. E, no entanto, quem é sem pecado?
Se o dedo de Deus escrevesse na
parede do quarto, onde se reúnem para o banquete, os pensamentos do homem, na
frente estariam as palavras acusadoras do que vós fostes, do que sois e do que
sereis, e poucas paredes trariam escrita com letras luminosas a palavra
“Inocente”. As outras paredes, com letras verdes como a inveja, ou pretas como
a traição, ou vermelhas como o delito, trariam estes nomes: “Adúlteros”,
“Assassinos”, “Ladrões”, “Homicidas”.
Sede pois, misericordiosos, sem
soberba, para com os irmãos menos afortunados, de um modo humano, com os que
estão na galera expiando o que vós não expiais, tendo vós a mesma culpa que
eles. Disso poderá tirar proveito a vossa humildade.
SEPULTAR OS MORTOS
A contemplação da morte é uma
escola de vida. Eu gostaria de poder levar-vos para diante da morte e dizer: “Aprendei
a viver como santos, para não terdes outra morte, senão esta: uma separação
temporária do corpo e da alma, para depois ressurgirdes triunfalmente para
sempre, reunidos e felizes.”
Todos nós nascemos nus. Todos
morremos, tornando-nos despojos mortais, destinados á corrupção. Reis ou
mendigos, como todos nascemos, todos morremos. E, se o fausto dos reis permite
uma mais longa preservação do cadáver, a sorte da carne que morreu é a de se
desfazer. Até as próprias múmias, que são? Serão de carne? Não. São matéria
fossilizada por meio de resinas lignificadas. Ela não é mais presa dos vermes,
porque está vazia e queimada pelas essências, mas é presa de carunchos, como
qualquer madeira velha.
Mas o pó volta ao pó, como disse
Deus. E, no entanto, só porque esse pó enfaixou o espírito e por ele foi
vivificado, então, como coisa que tocou na glória de Deus - e assim é a alma do
homem - é preciso pensar que esse pó é santificado, e não de modo diferente dos
objetos que estiverem em contato com o Tabernáculo. Pelo menos um momento houve
em que a alma foi perfeita: o momento em que o Criador a criou. E se depois a
mancha a deturpou, tisnando-lhe a perfeição, só por sua origem ela já comunica
beleza à matéria e, por essa beleza que vem de Deus, o corpo também fica
embelezado e merece respeito. Nós somos templos e, como tais, merecemos honra,
como sempre são honrados os lugares onde se deteve o Tabernáculo.
Daí, pois, aos mortos a caridade
de um repouso honrado, enquanto ele espera a ressurreição, vendo nas admiráveis
harmonias do corpo humano a mente e o dedo de Deus, que o idealizou e modelou
com perfeição, e venerando até nos despojos mortais a obra do Senhor.
Mas o homem não é só carne e
sangue. É também alma e pensamento. Estes últimos também sofrem e são
misericordiosamente socorridos. Há ignorantes, que praticam o mal só porque não
conhecem o bem. Quantos não sabem, ou sabem mal as coisas de Deus e também as
leis morais! Como estão enfraquecidos pela fome, porque não há quem mate, e
caem em marasmo, por falta das verdades que os nutram. Ide vós instruí-los,
pois para isso Eu vos reúno e vos mando.
Dai o pão do espírito à fome dos
espíritos.
Instruir os ignorantes
corresponde, no campo espiritual, a matar a fome dos esfomeados e, se um prêmio
é dado pelo pão oferecido ao corpo enfraquecido, para que não morra naquele
dia, que prêmio não será dado, então, a quem mata a fome que um espírito sente
das verdades eternas, dando-lhe a vida eterna? Não sejais avarentos com o que
sabeis. Tudo vos foi dado sem despesas para vós, e sem medida. Dai-o sem
avareza, porque é coisa de Deus, como a água do céu, que é dada, assim como nos
foi dada.
Não sejais avarentos nem soberbos
daquilo que sabeis. Mas daí com humilde generosidade. E daí o refrigério puro e
benéfico da oração aos vivos e aos mortos, que sentem sede de graças. Não se
deve recusar água ás faces sedentas. E, então, aos corações dos vivos
angustiados e aos espíritos sofredores dos mortos? Orações, orações fecundas
por serem atos de amor, feitos com espírito de sacrifício.
A oração há de ser verdadeira,
não mecânica, como o som de uma roda na estrada. Será o som ou será a roda que
faz o carro ir para a frente? É a roda que se desgasta para levar o carro para
a frente. A mesma coisa se diga da oração vocal e mecânica e da oração ativa. A
primeira é som, e nada mais. A segunda age, enquanto se desgastam as forças e
cresce o sofrimento, mas consegue o que se deseja. Rezai mais com o sacrifício
do que com os lábios, e dareis um refrigério aos vivos e aos mortos, praticando
a segunda obra de misericórdia espiritual. O mundo será mais salvo pelas
orações dos que sabem orar do que pelas fragorosas, inúteis e mortíferas
batalhas.
Muitas pessoas do mundo sabem
disso. Mas não sabem crer com firmeza. Como se estivessem presas entre dois
campos opostos. Elas ficam movendo-se de um lado para outro, sem conseguirem
dar um passo á frente e esgotam suas forças, sem nenhum resultado. Estes são os
duvidosos. São os que vivem dizendo: “mas”, ou “se”, ou “depois”. São os que
vivem fazendo perguntas: “Depois vai ser assim?”, “E se não for?”, “Poderei
eu?”, “E se não conseguir?”, e assim por diante. São como as trepadeiras que,
se não acharem onde agarrar-se, não sobem, ou que, mesmo se o encontrarem, vão
se pendurando aqui e ali, mas não só ainda precisam que se lhes dê uma escora,
mas é preciso guiá-las ao longo da escora, ao correr das horas, ao passar dos
dias. Oh! Como elas fazem realmente que exercitemos nossa paciência e caridade,
mais do que o faz um menino retardado!
Mas, em nome do Senhor, não as
abandoneis. Daí de vós uma fé cheia de luz, uma fortaleza ardorosa a estes
prisioneiros de si mesmos e de sua nebulosa doença. Guia-os para o sol e para o
alto. Sede mestres e pais para esses duvidosos, não tenhais com eles canseiras
nem impaciências. Eles vos fazem cair os braços? Tudo bem. Vós também Me fazeis
cair os meus tantas vezes, e mais ainda, ao Pai, que está nos Céus, que deve
muitas vezes pensar que inutilmente sua Palavra deve ter-se feito carne, até
mesmo agora que Ele está ouvindo falar o Verbo de Deus. Não querereis já ficar
presumir que vós sois mais do que Deus, e mais do que Eu!
Portanto, abri os cárceres a
estes prisioneiros dos “mas” e dos “se”. Soltai-os dos grilhões dos “poderei”,
“e se não consigo?” Procurai persuadi-los de que basta fazer tudo na melhor
maneira que puder e Deus fica contente. E, se estais vendo que eles estão
escorregando para longe da escora, não vades adiante, mas tornai a erguê-los.
Fazei como fazem as mamães, que não vão para diante, se o seu pequenino cai,
mas param, e o reerguem, o limpam, o consolam, e o seguram até que lhe tenha
passado o medo de um novo tombo. E elas fazem isso durante meses e anos, se o
pequenino ainda está com as pernas fracas.
VESTI OS NUS NO ESPÍRITO, COM O
PERDÃO A QUEM VOS OFENDE
A ofensa é uma falta de caridade.
A falta de caridade nos esvazia de Deus. Por isso, quem ofende se torna nu, e
só o perdão do ofendido recoloca vestes na nudez dele. Pois Deus as dá de novo.
Para perdoar, Deus espera que o ofendido haja perdoado. Perdoar tanto ao que
foi ofendido pelo homem, como ao ofensor do homem e de Deus. Porque podeis
crer, ninguém há sem ofensas ao Senhor. Mas Deus nos perdoa a nós, se nós
perdoamos ao próximo, e perdoa ao próximo, se o ofendido pelo seu próximo lhe
perdoa. Ser-vos-á feito conforme fizerdes.
Perdoai, pois, se quereis o
perdão. E vos alegrareis no Céu pela caridade que tiverdes praticado, como se
um manto de estrelas tivesse sido posto sobre vossos ombros santos.
SEDE MISERICORDIOSOS COM OS QUE
CHORAM
São os feridos da vida, os
doentes do coração com os seus afetos. Não vos fecheis na vossa serenidade,
como em um fortaleza. Sabei chorar com quem chora, consolar os que estão
aflitos, encher o vazio de quem pela morte ficou sem um parente. Sede pais com
os filhos, filhos com seus progenitores, irmãos uns com os outros.
Amai. Por que haveremos de amar
só os que são felizes? Estes já têm a sua parte ao sol. Amai os que choram.
Para o mundo são eles os menos amáveis. Mas o mundo não sabe qual o valor da
lágrimas. Vós o sabeis. Amai, portanto, os que choram. Amai-os se em seu choro
estiverem resignados. Amai-os, e ainda, se em sua dor estiverem revoltados. Não
useis de censura, mas de doçura, ao quererdes persuadi-los da verdade da dor e
da própria dor. Podem eles, por entre o véu do pranto, estar vendo deformado o
rosto de Deus, reduzido à expressão de uma prepotência vingativa. Não. Não vos
escandalizeis. Não é mais do que uma alucinação produzida pela febre da dor.
Socorrei-os, até que a febre baixe. A vossa fé serena seja como o gelo que se
aplica em quem está delirando.
E, quando a febre mais aguda
baixa, e começa o abatimento e a alienação cheia de surpresa de quem está
voltando de um trauma, então como a crianças, a quem uma doença impediu de se
desenvolverem intelectualmente, voltai a falar-lhes de Deus, como de uma coisa
nova, com doçura e paciência...Oh! alguma bela história, contada para entreter
o eterno menino que é o homem! Depois calai-vos. Não importais nada... A alma
trabalha por si. Ajudai-a com carícias e com a oração. E, quando ela diz:
“Então, não foi Deus?”, dizei-lhe: “Não. Ele não te queria fazer mal, porque
Ele te ama, até por quem já não te ama, porque morreu, ou por outras causas.”
E, quando a alma diz: “Mas eu o
acusei”, dizei-lhe: “Ele já se esqueceu disso, pois foi por causa da febre.” E
quando ela diz: “Então, eu quereria?”, dizei-lhe: “Ei-lo! Está á porta do teu
coração, só esperando que tu lhe abras.”
SUPORTAI AS PESSOAS ABORRECIDAS
Elas entram para perturbar a
pequena casa do nosso eu, assim como os peregrinos entram para perturbar a casa
em que moramos. Mas, assim como Eu já vos disse que acolhais aqueles, assim vos
digo que acolhais estes.
Vos aborrecem? Mas, se vós não
amais pelo incômodo que vos dão, elas, mais ou menos bem, vos amam. Por este
amor, acolhei-as. E, ainda que elas viessem indagando, odiando, insultando,
exercitai paciência e caridade. Podeis melhorá-las com vossa falta de caridade.
Podeis melhorá-las com a vossa paciência. Podeis escandalizá-las com vossa
falta de caridade. Que vos entristeça que elas pecam por si mesmas, mas, que
vos cause mais tristeza fazê-las pecar e vós mesmos pecardes. Recebei-as em meu
nome, caso não as podeis receber por vosso amor. E Deus vos recompensará, vindo
Ele depois, a retribuir a visita e a apagar a lembrança desagradável com as
suas carícias espirituais.
Finalmente, procurai:
SEPULTAR OS PECADORES PARA
PREPARAR A VOLTA À VIDA DA GRAÇA
Sabeis quando fazeis isso? Quando
admoestais os mesmos com uma fraterna, paciente e amorosa insistência. É como
se vós sepultásseis pouco a pouco as feiuras do corpo, antes de entregá-lo ao
sepulcro para ficar à espera da ordem de Deus: “Levanta-te, e vem a Mim.”
Não purificamos os mortos, nós
hebreus, por respeito ao corpo que haverá de ressuscitar? Admoestar os
pecadores é como que purificá-los em seus membros, primeira operação para o
sepultamento. O resto, a Graça do Senhor o fará. Purificai-os com caridade,
lágrimas e sacrifícios. Sede heroicos em arrebatar uma alma da corrupção. Sede
heroicos. Isto não ficará sem prêmio. Porque, se vai ser dado um Prêmio por um
copo de água dado a um sedento de corpo, que não será dado a quem tira da sede
infernal uma alma? Tenho dito. Estas são as obras de misericórdia corporais e
espirituais que aumentam o amor. Ide e praticai-as. E a paz de Deus e a minha
esteja convosco agora e sempre.
Pg. 333 a 347
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276 – O HOMEM AVARENTO E A
PARÁBOLA DO RICO ESTULTO. AS INQUIETAÇÕES E A VIGILÂNCIA NOS SERVOS DE DEUS
Jesus já curou os doentes e já falou ao povo e, certamente,
terá exposto o tema das riquezas injustas e do desapego delas, que é necessário
a todos para ganharem o Céu, mas indispensáveis para os que querem ser
discípulos. Agora Ele está respondendo à pergunta de um ou de outro dos
discípulos, que estão um pouco perturbados com este assunto.
O escriba João diz: “Devo, então, destruir o que tenho,
despojando os meus do que é deles?
Não. Deus te deu bens. Faze que
eles sirvam à justiça, serve-te deles com justiça, isto é, atende com eles às
necessidades de tua família, como é o teu dever. Trata humanamente os servos, é
caridade. Ajuda os pobres, acode às necessidades dos discípulos pobres. Então
as riquezas não te servirão de tropeço, mas de ajuda.
Depois falando a todos diz: Em
verdade, Eu vos digo que o mesmo perigo de perder o Céu, por amor das riquezas,
pode tê-lo também até o discípulo mais pobre, se, tendo-se tornado meu
sacerdote, faltar com a justiça, ou pactuar com o rico. Quem é rico, ou mau,
muitas vezes tentará seduzir-vos com donativos, para que estejais de acordo com
o seu modo de viver e com seu pecado. E haverá, entre os meus ministros, os que
cederão à tentação dos presentes. Não deve ser assim. Que o Batista vos ensine.
Realmente nele, ainda que não fosse juiz nem magistrado, havia a perfeição do
juiz e do magistrado, como é indicada pelo Deuteronômio: “Tu não terás acepção
de pessoas, não aceitarás presentes, porque eles tornam cegos os olhos dos
sábios e mudam as palavras dos justos.”
Muitíssimas vezes o homem deixa
que lhe embotem o fio da espada da justiça, pelo ouro que um pecador passa por
cima dele. Não, isso não pode ser. Sabei ser pobres, sabei saber morrer, mas
nunca pactuar com a culpa. Nem mesmo com a desculpa de querer usar aquele ouro
em benefício dos pobres.
É um ouro maldito e não lhes
faria nenhum bem. É ouro de um compromisso infame. Vós sois constituídos
discípulos para serdes mestres, médicos e redentores. Que seríeis, se vos
tornásseis cúmplices no mal, por algum interesse? Mestres de uma ciência
maligna, médicos que matam o doente, não redentores, mas colaboradores para a
ruína dos corações.
...Ouvi, diz Jesus: Verdadeiramente as alterações do espírito se
fazem ver no rosto. É como se o demônio assomasse à superfície daquele seu
possesso. Poucos são os que, sendo demônios, ou por atos ou por sua aparência,
não deem sinais daquilo que são. E esses poucos são os perfeitos no mal, os perfeitamente
perversos. O rosto do justo, ao contrário, é sempre belo, mesmo quando
materialmente ele é deforme, e de uma beleza sobrenatural, que se derrama do
seu interior para o exterior. E, não por medo de dizer, mas pela verdade dos
fatos, nós podemos observar nos que estão sem a impureza dos vícios um frescor
até em suas carnes. A alma está em nós e presente em todas as nossas partes. Os
maus cheios de uma alma corrompida corrompem também as carnes. Enquanto que os
perfumes de uma alma pura preservam tudo. A alma corrompida impele a carne para
os pecados obscenos e estes a tornam envelhecida e deformada. A alma pura
impele a carne a uma vida pura. E isso conserva o frescor e comunica majestade.
Fazei que em vós permaneça uma
juventude pura de espírito, e que ressurja, se já estiver perdida, e tomai
cuidado para resguardar-vos de toda cobiça, tanto da sensualidade, como do
poder. A vida do homem não depende da abundância dos bens que ele possui. Nem
esta, nem, muito menos a outra: a eterna. Mas depende de sua maneira de viver.
E, com a vida, a felicidade desta terra e a do Céu. Porque o viciado não é
feliz, realmente feliz. Enquanto que o virtuoso é sempre feliz, tem sempre
alegria celestial, mesmo quando é pobre e sozinho. Nem a morte o impressiona.
Porque ele não tem culpa nem remorsos que o façam ter medo do encontro com
Deus, e não tem saudades das coisas que deixa na terra. Ele sabe que no Céu é
que está o seu tesouro e, como alguém que vai pegar a herança que o espera, uma
herança santa, ele vai alegre, bem disposto, ao encontro da morte, que lhe abre
as portas do Reino, onde está o seu tesouro.
Formai logo o vosso tesouro.
Começai-o desde a juventude, vós que sois jovens; trabalhai incansavelmente,
vós anciãos que, pela idade, estais já mais perto da morte. Mas, posto que a
morte tem um prazo desconhecido, e muitas vezes chega para o menino antes de
chegar para o velho, não fiqueis adiando o trabalho de formar para vós um
tesouro de virtude e de boas obras para a outra vida, a fim de que a morte não
vos pegue, sem que tenhais posto no Céu um tesouro de merecimentos. Muitos são
os que dizem: “Oh! Eu sou jovem e forte. Por enquanto, quero gozar nesta terra,
depois me converterei”. Que grande erro!
Ouvi esta parábola.
As terras de um homem rico haviam
produzido muito. Ele havia feito uma colheita imensa. Pôs-se ele, então a
contemplar toda aquela riqueza, os montes de cereais sobre os seus campos e
terreiros e, não tendo mais lugar nos celeiros, precisava colocar a colheita
sob telheiros provisórios e até nos quartos de sua casa. Então ele disse: “Eu
trabalhei como um escravo, mas a terra não me decepcionou. Trabalhei e consegui
uma colheita que vale por dez, e agora preciso descansar por outras dez. Como
vou fazer para guardar toda esta colheita? Vendê-la, eu não quero, porque seria
obrigado a trabalhar para ter uma nova colheita no ano que vem. Eu vou fazer o
seguinte: Vou desmanchar os meus celeiros, e farei outros bem maiores, onde
possam caber todas as colheitas, todos os meus bens. Depois eu direi a mim
mesmo: “Desperta, homem! Tens garantida agora a posse de muitos bens, e por
muitos anos. Descansa, então, come, bebe, regala-te!” Aquele homem, como muitos
outros, não fazia diferença entre o corpo e a alma, misturava o que é sagrado
com o que é profano, porque na verdade a alma não se regala nas glutonarias nem
no ócio, e aquele homem, como muitos outros, depois de ter feito a primeira boa
colheita nos campos de bem, logo parou, achando que já havia feito tudo.
Mas, não sabeis vós que, uma vez
posta a mão no arado, é preciso que quem assim fez persevere, durante um, dez,
cem anos, enquanto durar esta vida, porque ficar parado é um delito contra nós
mesmos, pois com isso deixamos de dar valor a uma glória maior, e isso é voltar
atrás, pois quem para, quase sempre não só deixa de ir para a frente, mas fica
para trás? O tesouro do Céu deve aumentar o amor de ano em ano, para que seja
realmente bom. Visto que a misericórdia vai ser benigna até para quem teve
poucos anos para formar o seu tesouro. Mas ela não será cúmplice dos
preguiçosos, que têm longa vida, e trabalham pouco. Há de ser um tesouro em
contínuo aumento. E, se ele não for mais um tesouro frutífero e ficar inerte,
isso irá em detrimento da paz já preparada no Céu.
Deus disse ao estulto: “Homem
estulto, que confundes o corpo e os bens da terra com o que é espiritual, e de
uma graça de Deus fazes um mal, fica sabendo que nesta mesma noite te será
exigida e tirada a tua alma, e o teu corpo jazerá sem vida. Tudo o que
acumulaste, de quem será? Pensas em levá-lo contigo? Não. Tu ficarás como nu,
sem teres as tuas colheitas terrenas, nem obras espirituais praticadas diante
dos meus olhos, e assim serás pobre na outra vida. Melhor teria sido para ti
se, com tuas colheitas, tivesses feito obras de misericórdia para com o próximo
e para ti próprio. Porque sendo misericordioso para com os outros, era para a
tua alma que o estarias sendo. E, em vez de nutrir pensamentos de ócio, devias
exercer atividades das quais pudesses tirar honestas vantagens para o teu corpo
e grandes méritos para a tua alma, até que Eu te houvesse chamado.”
E o homem naquela noite morreu e
foi severamente julgado. Em verdade, Eu vos digo que assim acontece a quem
ajunta tesouros para si e não se torna rico aos olhos de Deus. Agora ide e fazei
um tesouro da doutrina que vos acaba de ser transmitida. A paz esteja convosco.
E Jesus tendo abençoado, vai-se afastando dali, indo para um
ponto bem fechado do bosque com os apóstolos e discípulos para tomarem alimento
e descanso. Mas, enquanto estão comendo, Ele continua ainda falando sobre a
lição de antes, repetindo um assunto de que Ele já falou muitas vezes aos
apóstolos e que eu creio, que dele nunca se fala demais, porque o homem é
sempre vítima de medos insensatos.
“Crede, que somente desse enriquecimento
de virtudes é necessário preocupar-se. E prestai atenção que vossa preocupação
nunca seja cheia de angústia nem de inquietação. O bem é inimigo da
inquietação, dos medos, daquelas pressas que muito têm ainda de avareza, de
ciúme, de desconfiança humana. O vosso trabalho seja constante, confiante,
pacífico. Sem partidas bruscas, nem paradas repentinas. Quem faz assim são os
burros selvagens. Mas ninguém faz uso deles, a não ser que seja algum doido,
para ir fazer uma viagem sem segurança. Pacíficos nas vitórias, pacíficos nas
derrotas. Até o choro por causa de algum erro cometido e que vos entristece,
porque com tal erro desagradastes a Deus, deve também ele ser pacífico,
confortado pela humanidade e pela confiança. A prostração, o rancor contra si
mesmo é sempre um sintoma de soberba e, portanto, de desconfiança. Se alguém é
humilde, sabe que é pobre homem sujeito às misérias da carne, que as vezes
triunfa. Se alguém é humilde, tem confiança, não somente em si mesmo, mas em
Deus, e fica calmo nas derrotas, dizendo: “Perdoa-me Pai. Eu sei que Tu
conheces a minha fraqueza, que me vence de vez em quando. Eu creio que Tu tens
compaixão de mim. Tenho a firme confiança de que Tu me ajudarás no futuro,
ainda mais do que antes, apesar de eu ter satisfeito tão pouco a Tua Vontade.”
E não sejais nem apáticos, nem
avarentos com os bens de Deus. De tudo o que tiverdes de sabedoria e virtude,
distribuí. Sede ativos nas coisas espirituais, como os homens o são nas coisas
da carne.
E, quanto à carne, não fiqueis imitando
os que são do mundo, que estão sempre tremendo por causa do seu amanhã, pelo
medo de que lhes falte o supérfluo, de que os pegue uma doença, de que chegue a
morte, de que os inimigos lhes possam fazer mal, e assim por diante. Deus sabe
do que precisais. Não temais, pois, pelo vosso dia de amanhã. Ficai livres
daqueles medos, que pesam mais do que ao grilhões dos galeotes. Não fiqueis
preocupados com vossa vida, nem com o que havereis de comer, ou beber, nem com
que vestir-vos. A vida do espírito é mais do que a do corpo e do que as vestes,
porque é com o corpo, e não com as vestes que vós viveis. E com a mortificação
do corpo, ajudais o espírito a conseguir a vida eterna. Deus sabe até quando
vai deixar a alma no corpo e até que hora vos dará o necessário. Ele o dá aos
corvos, animais impuros, que vivem de comer cadáveres, e que tem sua razão de
existir justamente nessa sua função de eliminar as podridões. E Ele não o dará
a vós? Aquelas aves não tem dispensas nem celeiros, e assim mesmo Deus as nutre.
Vós sois homens e não corvos. Atualmente vós sois a flor da humanidade, pois
sois discípulos do Mestre, os evangelizadores do mundo, os servos de Deus. E
podeis pensar que Deus cuida até dos lírios dos vales, e os faz crescer, e os
veste com a veste mais bela do que as que teve Salomão, sem que eles tenham
outro trabalho senão o de exalar o seu perfume, adorando, poderá Ele deixar de
pensar também em vossa veste? Vós que, por vós mesmos, não sois capazes nem de
pôr mais um dente nas bocas desdentadas, nem de encompridar com mais uma
polegada uma perna encolhida, nem de dar mais agudeza de vista a uma pupila
enevoada. E, se não podeis fazer nem estas coisas, como achais que podereis
afastar de vós a miséria e a doença e fazer brotar alimento da poeira? Não
podeis. Mas não sejais gente de pouca fé. Vós tereis sempre o que vos é
necessário. Não fiqueis aflitos como as pessoas do mundo que ficam excitadas,
querendo prover-se do que querem gozar. Vós tendes vosso Pai que sabe de que
precisais. Vós só tendes que procurar, e que seja a primeira e vossas procuras,
o Reino de Deus e a sua justiça, pois tudo mais vos será dada, sem que o
procureis.
Não temais, ó vós do meu pequeno
rebanho. Aprouve a meu Pai chamar-vos para o Reino, para que tenhais esse
Reino. Podeis, pois, aspirar a ele e ajudar o Pai com a vossa vontade e uma
santa operosidade. Vendei os vossos bens, fazei com eles esmola, se estais
sozinhos. Daí aos vossos um conforto, abandonando vossa casa para seguir-me,
pois é justo não tirar o pão aos filhos e às esposas. E, se não podeis assim
fazer sacrifício de riquezas em dinheiro, sacrificai as riquezas do afeto.
Estas também são riquezas que Deus avalia bem, por serem o que são: ouro mais
puro que qualquer outro, pérolas mais preciosas do que as que foram arrebatadas
aos mares, rubis mais raros do que os que foram extraídos das vísceras do solo.
Porque renunciar a família por Mim é caridade perfeita, mais do que o ouro sem
impurezas, é pérola nascida no pranto, rubi feito de sangue que geme da ferida
do coração, lacerado pela separação do pai e da mãe, da esposa e dos filhos.
Mas estas bolsas não se desgastam, este tesouro não míngua nunca. Os ladrões
não penetram no Céu. O caruncho não rói o que lá é depositado. E, tende o Céu
no coração, e o coração no Céu. Junto ao vosso tesouro. Porque o coração, tanto
para o bem, como para o mal, estará lá onde estiver aquilo que lhe parece ser o
seu querido tesouro. Porque assim como o coração está onde está o tesouro (no
Céu), assim o tesouro está onde estiver o coração (isto é, em vós), ou melhor,
o tesouro está no coração e, com o tesouro dos santos, está no coração o Céu
dos santos.
Estai sempre prontos, como quem
está preparado para viagem ou à espera do patrão. Vós sois servos do patrão que
é Deus. A qualquer hora Ele pode chamar-vos para onde Ele está, ou vir aonde
vós estais. Estai, pois, sempre prontos para ir ou prestar-lhe honras, estando
com vossos lados cingidos com cintos de viagem e de trabalho e com as lâmpadas
acesas nas mãos. Se sairdes de uma festa de núpcias com alguém que tenha ido à
vossa frente para os Céus, ou antes de vós se tenha consagrado a Deus nesta
terra, Deus poderá lembrar-se de vós, que estais esperando, e pode dizer-vos:
“Vamos para onde está Estevão, ou João, ou então Tiago ou Pedro.” E Deus é
sempre rápido para vir e para dizer: “Vem”. Portanto, estai prontos para
abrir-lhe a porta quando Ele chegar, ou para partir, quando Ele vos chamar.
Felizes aqueles servos que o
Patrão, quando chegar, encontrar vigilantes. Em verdade, para recompensá-los
por sua espera fiel, Ele se cingirá com sua veste, e fazendo-os assentar-se à
mesa, pôr-se-á a servi-los. Ele pode vir na primeira vigília, ou na segunda, ou
na terceira. Vós não o sabeis. Por isso estais sempre vigilantes. E felizes
sereis vós se assim o Patrão vos encontrar. Não vos enganeis, dizendo: “Há
muito tempo! Esta noite Ele não vem.” Vós vos sairíeis mal. Vós não sabeis. Se
alguém soubesse quando o ladrão haveria de vir, não deixaria de guardar a casa,
porque o malandro poderia forçar a porta e os ferrolhos. Vós também estais
preparados, porque, quando menos pensardes, virá o Filho do homem dizendo:
“Chegou a hora.”
Pedro, que quase já se esqueceu de acabar de comer, para
ficar ouvindo o Senhor, vendo que Jesus se cala, pergunta: “Isto que estás
dizendo é para nós, ou para todos.”
“É para vós e para todos. Mas é
mais para vós, porque vós sois os intendentes colocados pelo Patrão à frente
dos servos e tendes o duplo dever de estar preparados, seja para vós como
intendentes, seja para cós como simples fiéis. Como deve ser o intendente posto
pelo Patrão à frente de seus familiares para dar a cada um, a seu tempo, a
justa porção? Ele deve ser perspicaz e fiel. Para cumprir o seu próprio dever e
para fazer que os que lhe estão submissos cumpram o dever deles. Se assim não
fosse, ficariam prejudicados os interesses do patrão, que paga ao intendente
para que faça as suas vezes e, em sua ausência zele por seus interesses.
Feliz daquele servo que, quando o
patrão voltar para casa o encontrar fielmente em seu trabalho, com diligência e
justiça. Em verdade, Eu vos digo que ele o fará intendente de mais outras
propriedades e até mesmo de todas as suas propriedades, e ficará tranquilo e se
alegrando em seu íntimo pela segurança que aquele servo lhe dá. Mas, se aquele
servo disser: “Oh! Que bom! O patrão está muito longe e me escreveu que vai
tardar a voltar. Por isso, eu posso fazer o que eu achar bom e depois, quando a
volta dele estiver próxima, tomarei minhas providências.” E, assim pensando, se
ele começar a comer e a beber até ficar bêbado, e a dar ordens aos servos como
um ébrio, confiando na bondade deles, pois lhe são submissos, mas se recusarem
a cumprir suas ordens quando elas são em prejuízo do patrão, e ele, então
passar a bater nos servos e nas servas, até fazê-los cair doentes e
debilitados, e ele, crendo ainda que é feliz, disser: “Afinal, eu gosto de ser
patrão e de ser temido por todos”, que será, então, que lhe vai acontecer?
Vai-lhe acontecer que o patrão logo chegará, quando ele menos esperar, e talvez
até surpreendendo-o no ato de pôr o dinheiro dele no bolso ou de estar
subornando algum dos servos mais pobres. E nesse caso, Eu vo-lo digo, o patrão
o tirará do cargo de intendente, e até do rol dos seus empregados, pois não é
justo conservar os infiéis e traidores no meio dos honestos.
E agora o patrão o punirá tanto
quanto antes o havia amado e instruído. Porque quem mais conhece a vontade e o
pensamento do patrão. Mais está obrigado a cumpri-los exatamente. Se não fizer
assim, como o patrão lhe mandou, e de modo mais exato do que todos os outros,
ele receberá muitas pancadas, enquanto que os que, como servos menores, pouco
sabem ou erram pensando que estão fazendo o bem, terão castigos menores. A quem
muito foi dado, muito será exigido, e deverá prestar conta de muito quem tomou
conta de muito, pois vão ser exigidas dos meus intendentes contas até de um
pequenino, que tem apenas uma hora de nascido.
A escolha que Eu fiz dele não foi
para ele ir descansar em algum pequeno bosque fresco e florido. Eu vim trazer
fogo a esta terra. E que é que Eu posso desejar, a não ser que ele se acenda?
Por isso Eu me canso, e quero que vós canseis até a morte, e até que a terra
toda seja uma fogueira de fogo celeste. Eu devo ser batizado com um batismo. E,
como estarei angustiado, enquanto ele não for feito! Vós não me perguntais por
quê? Porque para isso Eu poderei fazer de vós os portadores do Fogo, agitadores
que se haverão de mover em todos e contra todos os estratos sociais, para fazer
deles uma só coisa: O Rebanho de Cristo.
Credes que Eu tenha vindo para
trazer a paz à terra? E para estar de acordo com o modo de ver da terra? Não.
Pelo contrário, venho trazer discórdia e separação. Porque de agora em diante,
e enquanto a terra toda não for um único rebanho. De cinco pessoas que houver
em uma casa, duas estarão contra três, o pai estará contra o filho e esse
contra o pai, a mãe contra as filhas e estas contra aquela, as sogras e as
noras terão um motivo a mais para não se entenderem, porque uma linguagem nova
estará sobre certos lábios e se tornará uma Babel, pois que uma agitação
profunda sacudirá o reino dos afetos humanos e sobre-humanos. Mas depois virá a
hora em que tudo se unificará em uma língua nova, falada por todos os que foram
salvos pelo Nazareno, e se depurarão as águas dos sentimentos, indo para o
fundo as escórias, e brilhando na superfície as límpidas ondas dos lagos
celestes.
É verdade que servir-me pode não
ser tomar repouso, conforme o sentido que o homem der a esta palavra. É preciso
ter heroísmo, e ser incansável. Mas Eu vos digo: no fim será Jesus, sempre e
ainda Jesus, que cingirá a veste para vos servir, e depois sentar-se-á convosco
para um banquete eterno, e ficarão esquecidas todas as fadigas e dores.
Agora, visto que ninguém mais nos
procurou, vamos para o lago. Repousemos em Magdala. Nos jardins de Maria de
Lázaro há lugar para todos, e ele pôs a sua casa à disposição do Peregrino e de
seus amigos. Não é preciso que Eu vos diga que Maria de Magdala morreu com o
seu pecado e renasceu em seu arrependimento, sendo agora Maria de Lázaro,
discípula de Jesus de Nazaré. Vós já o sabeis, porque a notícia correu ruidosa,
como vento por uma floresta. Mas Eu vos digo o que não sabeis: que todos os
bens pessoais da Maria de Lázaro são para os servos de Deus e para os pobres de
Cristo. Vamos.”
Pg. 347 a 357
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278 – O PERDÃO E A PARÁBOLA DO
SERVO INÍQUO. O MANDATO AOS SETENTA E DOIS DISCÍPULOS
Escuta, Mestre. Tu antes disseste que, se alguém não escuta o
seu irmão, nem na presença de testemunhas, que se vá tomar conselho com a
sinagoga. Mas, se eu compreendi bem tudo o que nos disseste, desde quando nos
conhecemos, parece-me que a sinagoga vai ser substituída pela Igreja, essa
coisa que Tu irás fundar. Então, aonde é que teremos de ir para fazer que sejam
aconselhados os irmãos teimosos?
Ireis a vós mesmos, porque vós
sereis a minha Igreja. Por isso, os fiéis irão a vós, ou para o conselho de que
eles precisam para uma causa própria, ou para um conselho a ser dado a outros.
Eu vos digo mais. Não só podereis das conselhos. Mas podereis também absolver
em meu Nome. Podereis desatar das cadeias do pecado e podereis unir duas
pessoas que se amam, fazendo delas uma só carne. E tudo o que tiverdes feito
será válido aos olhos de Deus, como se fosse o próprio Deus que houvesse feito.
Em verdade, Eu vos digo: tudo o
que tiverdes ligado na terra, estará ligado no Céu, e tudo o que por vós for
desligado na terra, será desligado no Céu. E ainda vos digo, para fazer-vos
compreender o poder do meu Nome, do amor fraterno e da oração, que, se dois
discípulos meus, e como tais Eu entendo todos os que haverão de crer no Cristo,
se reunirem para pedir qualquer coisa justa em meu Nome, ela lhes será
concedida pelo meu Pai. Porque grande poder é a oração, grande poder tem a
união fraterna, e muitíssimo grande, de infinito poder é o meu Nome e a minha
presença no meio de vós. E onde dois ou três estiverem reunidos em meu Nome, lá
estarei Eu no meio deles, e rezarei com eles, e o Pai não negará a quem reza
comigo. Pois muitos s;ao obtêm o que pedem, porque rezam sozinhos, ou rezam
para obter coisas ilícitas, ou rezam com orgulho, ou com o pecado no coração.
Purificai o vosso coração, para que Eu possa estar convosco. Depois, rezai e
sereis atendidos.
Pedro está pensativo. Jesus o vê assim, e lhe pergunta a
razão. Pedro, então, explica: “Estou pensando nos grandes deveres que estamos
para assumir. E tenho medo disso. Medo de não saber cumpri-los bem.”
De fato, Simão de Jonas, ou Tiago
de Alfeu, ou Felipe, e assim por diante, vós não o saberíeis. Mas o sacerdote
Pedro, o sacerdote Filipe ou Tomé saberão cumpri-los bem, porque o farão unidos
à Divina Sabedoria.
“E, quantas vezes teremos que perdoar aos irmãos? Quantas, se
eles pecarem contra os sacerdotes, e quantas, se eles pecarem contra Deus?
Porque, se for acontecer naquele tempo como acontece agora, certamente irão
pecar contra nós, pois estão pecando contra Ti tantas e tantas vezes. Dizei-me
se devo perdoar sempre, ou um certo número de vezes. Sete vezes, ou mais ainda,
por exemplo.”
Não te digo sete, mas setenta
vezes sete. Um número de vezes sem medida. Porque também o Pai dos Céus vos
perdoará muitas vezes, um grande número de vezes, a vós, que deveríeis ser
perfeitos. E, como Ele faz convosco, assim deveis fazer, porque vós
representais Deus na terra.
.... É preciso perdoar como Deus
perdoa, e Ele, se alguém peca mil vezes, e depois se arrepende, perdoa mil
vezes. Contanto que veja que no culpado não há mais desejo do pecado, mas que
este é apenas produzido pela fraqueza do homem. No caso de persistência
voluntária no pecado, não pode haver perdão para as culpas cometidas contra a
Lei. Mas, enquanto essas culpas produzirem em vós a dor, perdoai
individualmente. Perdoai sempre a quem vos faz mal. Perdoai para serdes
perdoados, porque também vós tendes culpas para com Deus e para com os irmãos.
O perdão abre o Reino dos Céus, tanto para o perdoado, como para o que perdoa.
Isto é semelhante a este fato, que aconteceu
entre um rei e os seus súditos.
Um rei quis ajustar as contas com
seus súditos. Chamou-os, pois, um depois do outro, começando por aqueles que
estavam em mais alta posição. Chegou um que lhe devia dez mil talentos. Mas o
súdito não tinha com que pagar o adiantamento que o rei lhe havia concedido
para que ele pudesse construir casas e fazer outros diversos serviços, na
verdade por muitos motivos, uns mais e outros menos justos, e não tinha usado
com o necessário cuidado da soma recebida para fazer aquelas coisas. O rei
patrão, indignado pela preguiça do súdito, e pela falta do cumprimento da
palavra por parte dele, mandou que ele fosse vendido, ele, a mulher, os filhos
e tudo o que ele tinha, até que desse para pagar a sua dívida. Mas o súdito se
jogou aos pés do rei e, entre prantos e súplicas, assim lhe rogava: “Deixa-me
ir. Tem um pouco de paciência ainda comigo, que eu te pagarei tudo o que te
devo, até o último centavo.” E o rei, com dó de todo aquele sofrimento - era um
rei bondoso - não somente resolveu atender ao homem, mas depois, tendo ficado
sabendo que, entre as causas da pouca atividade daquele homem e da falta do
pagamento, havia também a de que ele tinha estado doente, resolveu perdoar-lhe
a dívida.
O súdito saiu dali e, feliz, ia
indo embora. Mas, ao sair, encontrou no caminho um outro súdito, um pobre homem
a quem oi em vão que o pobre homem, chorando, beijando-lhe os pés e gemendo,
lhe dizia: “Tem piedade de mim, que sou um infeliz. Tem um pouco de paciência,
e eu te pagarei tudo, até o último centavo.” O súdito desapiedado chamou os
soldados e fez levar a prisão o infeliz, até que ele se decidisse a pagar-lhe,
sob a pena de perder a liberdade, ou até a vida.
O acontecido chegou ao
conhecimento dos amigos do infeliz, os quais, muito entristecidos, foram
contá-lo ao rei e patrão. E este, posto a par do que lhe contaram, mandou que
levassem à sua presença aquele servidor desapiedado e, olhando severamente para
ele, disse: “Servo iníquo, eu te havia ajudado antes, para que te tornasses
misericordioso, e para que pudesses ter riqueza, e te ajudei também, ao perdoar
a tua dívida, por causa de quanto me imploravas que eu tivesse paciência. Tu
não tiveste dó do teu semelhante, enquanto que eu, o rei, de ti me compadeci.
Por que não fizeste a ele o que eu fiz a ti? E, irado, o entregou aos
carcereiros para que o detivessem até que ele tivesse pago tudo, dizendo: “Como
ele não teve dó de alguém que bem pouco lhe devia, ao passo que recebeu de mim,
que sou o rei tanta piedade, que ele não ache agora piedade em mim.”
Assim também fará o meu Pai
convosco, se fordes desapiedados para com os vossos irmãos, se vós, tendo
recebido tanto de Deus, fordes culpados mais do que não é um simples fiel.
Recordai-vos de que em vós existe a obrigação de serdes mais do que qualquer
outro, em culpa. Recordai-vos que Deus vos concede adiantado um grande tesouro,
mas quer que presteis conta dele. Lembrai-vos de que ninguém como vós deve
saber praticar a mor e perdão.
Não sejais servos que para vós
quereis muito e, depois, nada dais a quem vos pede. Como fizerdes, assim vos
será feito. E vos serão exigidas também contas de como fazem os outros, que são
arrastados para o bem ou para o mal pelo vosso exemplo. Oh! Que em verdade, se
tiverdes dado exemplo de santidade, possuireis no Céu uma glória muito grande!
Mas, igualmente, se derdes exemplo de perversão, ainda que seja somente o de
serdes preguiçosos em vos santificar, sereis duramente punidos.
Eu vo-lo digo mais uma vez. Se
algum de vós não se sente com coragem para ser vítima de sua própria missão,
que se vá embora. É preciso que não falte a ela. E eu digo que não falte, nas
coisas realmente ruidosas para a sua formação e a dos outros. E saiba ter a
Deus como amigo, tendo sempre no coração o perdão para com os fracos. Então, a
cada um de vós, que souber perdoar, será dado por Deus Pai o perdão.
Nossa parada aqui terminou. A
festa dos Tabernáculos está próxima. Aqueles a quem Eu falei em particular
nesta manhã, a partir de amanhã, irão à minha frente, anunciando-me ás
populações. E os que ficam aqui não se sintam desprezados. Eu detive aqui
alguns deles por motivo de prudência, e não por desprezo com eles. Eles ficarão
comigo, e logo Eu os mandarei, como estou mandando agora os setenta e dois. A
messe é muita, e os operários serão sempre poucos em relação à necessidade.
Portanto, haverá trabalho para todos. E ainda não basta. Por isso, sem ciúmes,
rezai ao Dono da messe para que mande sempre novos operários para sua colheita.
E agora ide.
Pg. 363-367
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279 – ENCONTRO COM LÁZARO NO
CAMPO DOS GALILEUS
Que é isso, meu amigo? Ainda
estás chorando? Pergunta
Jesus, beijando-o sobre as têmporas. Sendo Jesus mais alto do que Lázaro, passa
acima de sua cabeça, e fica parecendo ainda mais alto, porque Lázaro está
inclinado, naquele seu abraço de amor e respeito.
Enfim, Lázaro levanta a cabeça, e diz: “Estou chorando, sim,
Eu te dei no ano passado as pérolas do meu pranto de alegria. Oh! Mestre,
Mestre meu! Creio que não existe coisa mais humilde e santa do que um bom
pranto... E te ofereço, para dizer-te: “Obrigado” pela minha querida Maria, que
agora não é mais do que uma meiga menina, feliz, serena, pura e boa... Oh!
Muito melhor ainda do que quando era menina. E eu, eu que me julgava muito mais
que ela, no meu orgulho de israelita fiel à Lei, agora me sinto tão pequenino,
tão nada, em comparação com ela, que já não é mais uma criatura, mas uma chama.
Uma chama santificante. Eu... eu não posso entender onde ela encontra a
sabedoria, as palavras, os atos que ela pratica, e que edificam a casa toda. Eu
olho para ela como se olha para um mistério. Mas, como é que um grande fogo,
tantas pedras preciosas podiam estar por baixo de toda aquela podridão, e viver
tão despreocupadamente? Nem eu nem Marta subimos até onde ela conseguiu subir.
Como pode ser isso, se ela ficou com suas asas despedaçadas pelo vício? Eu não
compreendo...”
E nem há necessidade de que tu o
compreendas. Basta que Eu compreenda. Mas te digo: Maria voltou para o bem as
energias poderosas de seu ser. Ela inclinou o seu temperamento para a
Perfeição. E, ainda que seja o seu temperamento de um absolutismo forte, ela se
atira sem reservas por esse caminho. Ela faz uso de sua experiência no mal para
ter força no bem, como o fez para o mal e, usando os seus próprios modos de
empenhar-se toda, como fazia para o pecado, agora ela se doa toda a Deus. Ela
compreendeu a lei que diz: “ama a teu Deus com todo o teu ser, com o teu corpo
e com a tua alma, com todas as tuas forças”. Se Israel fosse feito de Marias
assim, se o mundo fosse feito de tais Marias, teríamos o Reino de Deus na
terra, como ele irá ser no Céu Altíssimo.
“Oh! Mestre, Mestre! E é Maria de Magdala a que está
merecendo estas palavras...”
É Maria de Lázaro! A grande
amiga, irmã do meu grande amigo.
Pg. 368-369
280 – O RETORNO DOS SETENTA E
DOIS. PROFECIA SOBRE FUTUROS MÍSTICOS
No longo crepúsculo de um dia sereno de outubro, voltam os
setenta e dois com Elias, José e Levi. Cansados, empoeirados, mas muito
alegres! Alegres os três pastores, porque agora estão livres para servirem ao
Mestre. Felizes também por estarem, depois de tantos anos de separação, unidos
aos companheiros de outros tempos. Felizes os setenta e dois por terem-se saído
bem em sua primeira missão. Seus rostos estão brilhando mais do que as pequenas
luzes que iluminam as pequenas cabanas que foram construídas para este numeroso
grupo de peregrinos.
...Acabadas nas cabanas as ceias, Jesus se encaminha para o
lado do Monte das Oliveiras, e os discípulos o acompanham em massa. Isolados do
murmúrio e da multidão, depois de terem feito uma oração em comum, eles contam
tudo a Jesus, mais amplamente do que haviam podido fazer antes, por entre as
pessoas que iam e vinham. Eles estão ainda espantados e alegres, enquanto
dizem: “Tu sabe, ó Mestre, que não só as doenças, mas até os demônios nos
ficaram sujeitos pela força do Teu Nome? Que coisa, Mestre! Nós, nós uns
simples homens, só porque Tu nos mandaste, podíamos livrar o homem do poder
terrível de um demônio!”, e contam casos e mais casos, acontecidos aqui e ali.
Somente de um é que eles dizem: “Os parentes, ou melhor, a mãe e os vizinhos
no-lo trouxeram à força. Mas o demônio zombou de nós, dizendo: “Eu voltei aqui
por vontade dele, depois que Jesus Nazareno me havia expulsado, e não o deixo
mais, porque ele me ama mais do que ao vosso Mestre, e por isso tornou a
procurar-me”, e, de repente, com uma força indomável, arrebatou o homem das
mãos que o estavam segurando, e o arremessou por um despenhadeiro abaixo. Nós
corremos para ver se ele se tinha despedaçado. Mas, qual nada! Ele ia correndo
como uma gazela nova, dizendo blasfêmias e chalaças, que não eram desta
terra... Ficamos com dó da mãe... Mas ele! Oh! É assim que o demônio pode
fazer?”
“Assim, e mais ainda”, diz Jesus com tristeza.
“Talvez, se Tu lá estivesses...”
“Não. Eu havia dito àquele homem:
“Vai, e não queiras recair em teu pecado.” E ele quis. Sabia que estava
querendo o mal e o quis. Está perdido. Diferente é o caso de quem vem possesso
por causa de sua ignorância, do caso de quem se deixa possuir, sabendo que
assim fazendo, se vende de novo ao demônio. Mas não faleis dele. É um membro
cortado, sem esperança, é um voluntário do mal. Louvemos sim, ao Senhor, pelas
vitórias que vos deu. Eu via Satanás cair do Céu como um raio, pelo vosso
mérito unido ao meu Nome. Porque Eu vi também os vossos sacrifícios, as vossas
orações, o amor com que íeis aos infelizes, para fazerdes o que Eu tinha dito
que fizésseis. Vós o fizestes com amor e Deus vos abençoou. Outros farão isto
que vós fazeis, mas o farão sem amor. E não conseguirão conversões. Contudo,
não vos alegreis por terdes conseguido sujeitar os espíritos, mas alegrai-vos,
sim, porque os vossos nomes estão escritos no Céu. Não os retireis nunca de
lá...”
“Mestre, quando virão os que não vão conseguir conversões?
Talvez será, quando não estiveres mais conosco?”, pergunta um dos discípulos,
cujo nome eu não sei.
“Não, Agapo. Em qualquer tempo.”
“Como? Até mesmo enquanto nos ensinas e nos amas?”
“Também. Amar, Eu vos amarei
sempre, mesmo que estejais longe de mim. O meu amor a vós existirá sempre, e
vós o sentireis.”
“Oh! É verdade. Eu o senti numa tarde em que eu estava
angustiado, porque não sabia o que haveria de dizer a um que me estava
interrogando. Eu estava para fugir, envergonhado. Mas aí eu me lembrei daquelas
tuas palavras: “Não tenhais medo. Ser-vos-ão dadas, no momento oportuno as
palavras que haveis de dizer”, e eu, com o meu espírito, Te invoquei. Eu disse:
“Certamente Jesus me ama. Eu chamo em meu socorro o seu amor”, e me veio o
amor. Veio como um fogo, uma luz... uma força... O homem que estava a minha
frente me observava e me ridicularizava com ironia, piscando os olhos para os
seus amigos. Ele estava certo de que ia vencer a discussão. Então eu abri a
boca, e era como um rio de palavras que saía com alegria de minha boca tola.
Mestre, Tu vieste mesmo, ou foi uma ilusão minha? Eu não sei. Só sei que afinal
o homem, que era um jovem escriba, lançou-me os braços ao pescoço, dizendo-me:
“Feliz de ti e feliz quem a essa sabedoria te conduziu”, e me pareceu que ele
estava com vontade de procurar-te. Ele virá?”
“As ideias do homem são
passageiras como a palavra escrita sobre a superfície da água, e irrequieta
como as asas das andorinhas antes de voarem para a última refeição do dia. Mas
tu, reza por ele... E, sim. Fui a ti. Como tu, também me tiveram Matias e
Timoteu, João de Endor e Simão, Samuel e Jonas, a quem percebeu minha presença,
e a quem não a percebeu. Mas Eu estive convosco. E Eu estarei com quem me serve
em amor e verdade, até o fim dos séculos.”
“Mestre, ainda não nos disseste se, entre as pessoas
presentes haverá pessoas sem amor.”
“Não é necessário saber isso.
Seria uma falta de amor da minha parte, se Eu vos fizesse sentir desprezo para
com algum companheiro que não soubesse amar.”
“Mas há alguns desses? Isto podes dizer...”
“Há. O amor é a mais simples, a
mais doce e a mais rara coisa que há e, nem sempre, mesmo que tenha sido
semeada, ela medra.”
“Mas, se não te amarmos, quem poderá amar?” Há uma quase
indignação e entre eles se forma um tumulto pela suspeita e pela dor.
Jesus desce as pálpebras sobre os olhos. Esconde também o seu
olhar, para que ele não sirva de indicador. Mas faz um gesto resignado, doce e
triste, ficando com as mãos de palmas abertas para fora, num gesto de resignada
confissão, de resignado conhecimento, e diz: “Assim haveria de ser. Mas
assim não é. Muitos ainda não se conhecem. Mas Eu os conheço. E tenho dó
deles.”
“Oh! Mestre, Mestre! Mas, não serei eu, não é?”, pergunta
Pedro, indo para o lado de Jesus e comprimindo o pobre Marziam entre si mesmo e
o Mestre, e lançando seus braços curtos e musculosos sobre os ombros de Jesus,
e os segura e sacode, como se tivesse ficado louco e aterrorizado, ao pensar
que podia ser um dos que não amam a Jesus.
Jesus torna a abrir os olhos luminosos, mas entristecidos,
olha para o rosto indagador e espavorido de Pedro, e lhe diz: “Não,
Simão de Jonas. Não és tu. Tu sabes amar, e ainda o saberás sempre mais. Tu és
a minha Pedra, Simão de Jonas. Uma boa pedra. Sobre ela Eu irei apoiar as
coisas que me são mais caras, e estou certo de que tu as sustentarás, sem
conhecer perturbação.”
“Eu, então? “Eu? “Eu?” As interrogações se repetem, como um
eco, quando vai-se repetindo de boca em boca.
“Paz! Paz! Ficai tranquilos e
esforçai-vos por possuir todos o amor.”
“Mas quem entre nós sabe amar mais?”
Jesus corre o olhar sobre todos, uma carícia sorridente, e
depois deixa o olhar sobre Marziam, que continua apertado entre Ele e Pedro e,
afastando um pouco Pedro, e virando o rosto do menino para a pequena multidão,
diz:
“Aqui está o que sabe amar entre vós. O menino. Mas não tremais, vós, que já
tendes barba sobre as vossas faces, e até fios brancos nos cabelos. Todo aquele
que renasce em mim se torna um “menino”. Oh! Ide em paz, daí louvores a Deus,
que vos chamou, porque realmente vós estais vendo, com vossos próprios olhos os
prodígios do Senhor. Felizes aqueles que verão igualmente o que vós estais
vendo. Porque Eu vos garanto que muitos profetas e reis desejaram ver o que vós
estais vendo, e não viram. E muitos patriarcas teriam querido ouvir o que vós
ouvis, e não puderam escutar. Mas, de agora em diante, aqueles que me amarem
conhecerão todas as coisas.”
“E depois? Quando tiverdes ido embora daqui, como dizes?”
“Depois, vós falareis por mim. E
depois... Oh! que grandes fileiras, não pelo número, mas pela graça, as daqueles
que verão, saberão e escutarão o que vós agora estais vendo, sabendo e ouvindo!
Oh! Que grandes e amadas fileiras dos meus “pequenos grandes”! Olhos eternos,
mentes eternas, ouvidos eternos! Como poder explicar-vos a vós que estais ao
redor de mim, o que será esse viver eterno, mais que eterno, desmesurado,
daqueles que me amarão e que Eu amarei até o fim dos tempos, que serão os
“cidadãos de Israel, ainda que vivam quando Israel não mais existir, a não ser
como uma lembrança de nação, e serão os contemporâneos de Jesus vivente em
Israel? E estarão comigo, em mim, até chegarem a conhecer o que o tempo
cancelou e a soberba confundiu. Que nome Eu lhes darei? Vós sois Apóstolos e
vós sois discípulos, e os que crerem serão chamados cristãos. E estes? Estes,
que nome terão? Um nome conhecido apenas no Céu. Que prêmio eles terão, desde
esta terra? O meu beijo, a minha voz, o calor da minha carne. Tudo, tudo, Eu
mesmo todo. Eu, eles. Eles, Eu. Uma comunhão total... Ide. Eu fico a encher de
felicidade o meu espírito na contemplação dos meus conhecedores futuros e
amantes absolutos. A paz esteja convosco.”
Pg. 370 a 374
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281 – NO TEMPLO PARA A FESTA DOS
TABERNÁCULOS. AS CONDIÇÕES PARA SEGUIR JESUS. A PARÁBOLA DOS TALENTOS E A
PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO
Jesus está no Templo e faz uma pergunta à queima roupa: “Por que
vos apertais ao redor de mim? Dizei-o. Tendes rabis conhecidos e sábios, bem
vistos por todos. Eu sou o Desconhecido e mal visto. Por que é, então, que
vindes a mim?
“Porque nós te amamos”, dizem alguns. E outros: “Porque Tu
tens palavras diferentes das dos outros.” E outros ainda: ”Para ver os teus
milagres.” E: “Por que já te ouvimos falar.” E ainda: ”Por que somente Tu tens
palavras de vida eterna, e obras que estão de acordo com as Tuas palavras.” E,
finalmente: ”Por que queremos unir-nos aos teus discípulos.”
Jesus olha para as pessoas, à medida que vão falando, como se
quisesse transpassá-las com seu olhar, para ler as suas mais secretas
sensações, e alguns, não resistindo aquele olhar, se afastam, ou, quando não,
vão esconder-se atrás de alguma coluna, ou de pessoas mais altas do que eles.
Jesus retoma: Mas, sabeis vós o que quer dizer,
e o que é vir atrás de mim? Eu respondo apenas a estas perguntas, porque não
merece resposta a curiosidade, e porque quem tem fome das minhas palavras é,
por consequência, meu amigo e desejoso de unir-se a mim. Portanto, entre os que
já falaram, há dois grupos: os curiosos, que Eu deixo de lado, e os cheios de
vontade, aos quais Eu ensino, sem enganos, qual é a severidade desta vocação.
Vir a mim como discípulo quer
dizer renunciar a todos os amores por causa de um só amor: o meu. O amor
egoísta para consigo mesmos, o amor culpável para com as riquezas, ou à
sensualidade, ou ao poder, o amor honesto para com a esposa, o amor santo para
com a mãe, o pai, o amor amável dos e aos filhos e irmãos, tudo deve ceder
lugar ao meu amor, se quiserdes ser meus.
Em verdade, Eu vos digo que mais
livres do que uns passarinhos, que voam pelos ares, devem ser os meus
discípulos, mais livres do que os ventos, que percorrem os ares, sem que
ninguém os detenha, nem as pessoas, nem nenhuma outra coisa, e até sem as mais leves
barreiras, como são as das teias de aranha.
O espírito como uma delicada borboleta, fechada ainda dentro do pesado
casulo da carne, que pode tornar-lhe pesado o voo, ou refreá-lo completamente,
até por uma irisdescente e impalpável teia de aranha: a aranha da
sensibilidade, da falta de generosidade no sacrifício. Eu quero tudo, sem
reservas, o espírito precisa dessa liberdade de dar, dessa generosidade de dar,
para poder estar certo de que não está embaraçado pela teia de aranha das
intenções, dos hábitos, das reflexões, dos medos, estendida, com numerosos fios
por aquela aranha monstruosa, que é Satanás, ladrão de almas.
Se alguém quer vir a Mim, e não
odeia santamente a seu pai, à sua mãe, à sua mulher, aos seus filhos, aos seus
irmãos e irmãs, e até à sua própria vida, não pode ser meu discípulo. Eu disse:
“não odeia santamente”. Vós em vosso coração estais dizendo: “O ódio, que Ele
assim está ensinando, nunca é santo. Portanto, Ele está em contradição.” Não.
Eu não me contradigo. Eu mando odiar o pesadume do amor, isto é, o lado
apaixonado e carnal do amor ao pai e à mãe, à esposa e aos filhos, aos irmãos e
irmãs e à própria vida, mas antes Eu ordeno me se ame, com liberdade que não
pesa, e que é própria dos espíritos, aos parentes e à vida. Amai-os em Deus e
por Deus, não pondo a Deus em segundo lugar, depois deles, mas ocupai-vos e
preocupai-vos em levá-los até onde o discípulo chegou, isto é, a Deus Verdade.
Assim amareis santamente aos
parentes e à vida, e conciliareis os dois amores, e fareis liames de sangue,
que não são pesos, mas são asas, não são culpa, mas justiça.
Até a vossa vida deveis estar
prontos a odiar para acompanhar-me. Odeia sua vida aquele que, sem medo de
perdê-la, nem de torná-la humanamente triste, a põe a meu serviço. Mas isso não
é mais do que uma aparência de ódio. É um sentimento erroneamente chamado
“ódio” pelo pensamento do homem, que não sabe elevar-se, do homem todo terreno,
pouca coisa superior aos brutos. Na realidade, esse ódio aparente, que consiste
em dizer não às satisfações sensuais da existência para dar sempre mais vasta
vida ao espírito, é Amor. Amor é o mais alto que existe, o mais abençoado.
Isto de negar a si mesmo as
baixas satisfações, isto de interditar a si a sensualidade dos afetos, isto de
sair à procura de censuras e comentários injustos, isto de correr o risco de
punições, repúdios, maldições talvez até de perseguições, é uma sequência de
sofrimentos. Mas é necessário abraçá-los e tomá-los sobre nós como uma cruz, um
patíbulo sobre o qual se expiam todas as culpas passadas, a fim de irmos
justificados para Deus, do qual se obtém toda graça verdadeira, poderosa, a
santa graça de Deus para todos aqueles que nós amamos. Quem não leva a sua
cruz, e não vem com ela atrás de Mim, quem não sabe fazer isso, não pode ser
meu discípulo.
Pensai, pois, muito nisso, vós
que dizeis: “Nós viemos porque queremos unir-nos aos teus discípulos.” Não é
vergonha, mas uma sabedoria, saber cada um pesar-se a si mesmo, julgar-se, e
confessar a si mesmo e aos outros: “Eu não tenho qualidades para ser
discípulo.” Por que não? Os pagãos têm como base dos seus ensinamentos a
necessidade de “conhecerem-se a si mesmos”, e vós, israelitas, não saberíeis
fazer isso para conquistardes o Céu?
Porque lembrai-vos bem disso,
felizes aqueles que virão a mim. Mas, melhor do que vir, para depois trair a mim
e Aquele que me enviou, melhor é não vir mesmo, e permanecerem como filhos da
Lei, como até agora fostes. Ai daqueles que, tendo dito: “Eu venho”, causarem
dano depois ao Cristo, sendo uns traidores do ideal cristão, escandalizando os
pequenos, os bons! Ai deles! E, no entanto, haverá desses, e haverá sempre.
Imitai pois, aquele que quer
edificar uma torre. Antes, ele calcula, atentamente a despesa que terá, e faz
as contas do dinheiro que tem, para ver se tem que levá-la a termo, a fim de
que, tendo terminado os fundamentos, não possa levantar a obra, por não ter
mais dinheiro. Nesse caso ele perderia também o que tinha antes, ficando sem a
torre e sem seu dinheiro e, em troca disso receberia as zombarias do povo, que
dirá: “Esse aí começou a construir, e não pôde acabar. Agora ele pode encher
seu estômago com as ruínas de sua obra inacabada.
Imitai também os reis da terra,
fazendo que os pobres acontecimentos do mundo sirvam de ensinamentos sobrenatural.
Eles, quando querem mover uma guerra contra outro rei, examinam antes, com
calma e atenção, todas as circunstancias pró e contra, meditam se as vantagens
da conquista valem mesmo o sacrifício das vidas dos súditos, estudam se vai ser
possível conquistar aquele lugar, se o seu exército que é só a metade do
exército do seu rival, ainda que mais preparado para o combate, será ou não
capaz de vencer. E, justamente pensando se dez mil vão ser capazes de vencer
vinte mil, antes que se trave o primeiro combate, manda ao encontro do seu
rival uma embaixada com ricos presentes, e, aplacando o seu rival, que já havia
suspeitado de alguma coisa, ao ver aquelas mobilizações das tropas feitas pelo
outro, o desarmam, com provas de amizade, anulam as suspeitas e fazem um
tratado de paz, na verdade sempre muito mais vantajoso, tanto humana, como
espiritualmente, do que uma guerra.
Assim deveis fazer vós, antes de
começardes a nova vida, e pôr-vos em marcha contra o mundo. Porque isto é que é
ser meus discípulos: ir contra a turbulenta e violenta corrente do mundo, da
carne, de Satanás. E, se não sentis em vós mesmos a coragem de renunciar a tudo
por meu amor, não venhas a mim, porque não podeis ser meus discípulos.”
Jesus continua calmo a expor com a parábola, o seu
pensamento: “Um homem, estando para fazer uma longa viagem e ficar ausente
por muito tempo, chamou todos os seus servos, e pôs nas mãos deles todos os
seus bens. A um entregou cinco talentos de prata, a outro dois de prata e a um
somente um talento de ouro. A cada um conforme a sua posição e sua habilidade.
Depois partiu.
Ora, o servo que tinha recebido
cinco talentos de prata, saiu dali, e foi negociar de modo inteligente os seus
talentos, de tal modo que, em pouco tempo, eles lhe renderam outros cinco. O
que havia recebido dois talentos de prata fez o mesmo, e dobrou a soma
recebida. Mas aquele a quem o patrão mais havia dado, um talento de ouro puro,
tomado pelo medo de não saber administrar, pelo medo dos ladrões e de mil
outras coisas, que sua fantasia criava, mas sobreveio por sua preguiça, fez um
buraco bem fundo no chão, e lá escondeu o dinheiro do seu patrão.
Passados muitos e muitos meses, o
patrão voltou. Mandou chamar logo os seus servos, para que entregassem o
dinheiro recebido.
Chegou primeiro aquele que havia
recebido cinco talentos de prata, e disse: “Aqui estão, meu Senhor. Tu me deste
cinco. E eu, achando que não ficaria bem deixar de fazer que tudo o que me
deste produzisse fruto, pus-me a trabalhar, e te consegui outros cinco
talentos. Mais do que isso não pude fazer.” Bem. Muito bem, servo bom e fiel.
Foste fiel no pouco, forte, corajoso e honesto. Eu te darei agora autoridade
sobre muito. Vem participar da alegria do teu Senhor.
Depois veio o outro, o dos dois
talentos, e disse: “Eu tomei a liberdade de usar dos teus bens para tua
vantagem. Aqui estão as contas que te farão ver como usei o teu dinheiro. Estás
vendo? Eram dois talentos de prata. Agora, são quatro. Estás contente, meu
Senhor? E o patrão deu aquele servo bom a mesma resposta que deu ao primeiro
servo.
Veio por último aquele em quem o
patrão depositou a maior confiança, e que dele havia recebido o talento de
ouro. Ele o tirou de onde havia guardado, dizendo: “ Tu me confiaste o maior
valor, porque sabes que eu sou prudente e fiel, assim como eu também sei que és
intransigente e exigente, que não toleras perdas em teu dinheiro, mas que, se
te acontece um mau negócio, logo queres recuperar o que perdeste nas costas do
primeiro que aparecer, pois em verdade gostas de fazer colheitas onde não
semeaste, e recolhes onde não espalhaste, e não perdoas um centavo ao teu
banqueiro, ou ao teu feitor, por nenhum motivo. O dinheiro há de ser tanto,
como tu dizes. Por isso, eu, com medo de diminuir este tesouro que recebi, fui
escondê-lo. Não confiei em ninguém, nem em mim mesmo. Agora, eu o desenterrei,
e te entrego. Aqui está o teu talento.”
Servo mau e preguiçoso! Na
verdade, não me tiveste amor, porque não me conheceste bem e não zelaste pelo
meu bem-estar, pois deixaste improdutivo o talento. Tu traíste a estima que eu
havia posto em ti, e te desmentes a ti mesmo, te acusas e te condenas. Tu, que
sabias que eu colho onde não semeei, e recolho onde nada espalhei, por que,
então, nada fizeste para que eu pudesse ceifar e colher? Foi assim que
correspondeste à minha confiança? É assim que dizes conhecer-me? Por que não
levaste o dinheiro aos banqueiros, e eu o teria de volta, retirado com juros?
Sobre isto, com um cuidado especial eu te havia chamado a atenção, e tu,
preguiçoso, não fizeste caso da minha observação. Que te seja, pois, tomado o
talento e todo os outros bens, e que ele seja dado ao que recebeu os dez
talentos.
“Mas aquele já recebeu dez, enquanto que este vai ficar sem
nada.”, lhe disseram.
É isso mesmo. A quem já tem, e
também porque ele trabalha, será dado ainda mais, até que ele possua em grande
abundância. Mas a quem nada tem, porque não quis ter, ser-lhe-á tirado o que
ele recebeu. E, quanto a este servo inútil, que traiu a minha confiança, e
deixou improdutivos os meus dons, jogai-o para fora de minha propriedade, e que
ele vá chorando, e roendo-se em seu coração. Esta é a parábola.
...Infinitas são as surpresas do
Senhor, porque infinitas são as reações do homem. Vereis pagãos que chegarão à
vida eterna, e samaritanos que possuirão o Céu, e vereis israelitas e
seguidores meus perderem o Céu e a Vida Eterna.
...Um “doutor da Lei”, pergunta a Jesus:
“E quem é meu próximo? O mundo está cheio de gente boa e má,
conhecida e desconhecida, amiga ou inimiga de Israel. Qual é o meu próximo?”
E responde Jesus: “Um homem ia descendo de
Jerusalém para Jericó, pelas gargantas das montanhas, e caiu nas mãos dos
ladrões que, depois de o terem ferido, o despojaram de tudo o que ele tinha, e
até de suas vestes, deixando-o mais morto que vivo, à beira da estrada.
Pelo mesmo caminho passou depois
um sacerdote, que havia terminado o seu turno no Templo. Oh! Ele vinha ainda
perfumado com os incensos do Santo! E teria devido ter também uma alma
perfumada de bondade sobrenatural e de amor, tendo estado na Casa de Deus,
quase em contato com o Altíssimo. O sacerdote estava com pressa de chegar à sua
casa. Olhou, por isso, para o ferido, mas não parou. Assim ele passou
apressado, deixando o infeliz à margem da estrada.
Passou um levita. Iria contaminar-se,
logo ele que tinha que servir no Templo? Nunca! Sungou sua veste, para não
ficar suja de sangue, lançou um olhar de relance sobre aquele que estava
gemendo e sangrando e apressou seus passos em direção do Templo.
Um terceiro vinha da Samaria, e
se dirigia para o vau. Ele era um samaritano. Viu o sangue, parou, descobriu o
ferido, quando o crepúsculo já estava chegando ao fim, apeou-se do seu jumento,
aproximou-se do ferido, reanimou-o com um bom gole de vinho, rasgou o próprio
manto, para fazer dele faixas, e, tendo lavado e untado as feridas, primeiro
usando o vinagre, e depois o azeite, ele o enfaixou com amor e, tendo colocado
o ferido sobre o jumento, foi guiando o animal com cuidado, consolando, ao
mesmo tempo ao ferido com boas palavras, sem preocupar-se por estar cansado,
nem desprezando-o por ser ele de nacionalidade judaica. Tendo chegado à cidade,
levou-o até um albergue, passou ao lado dele a noite inteira, e, ao romper do
dia, vendo que ele havia melhorado, o recomendou ao albergador, pagando-lhe
antecipadamente com alguns denários, e dizendo-lhe: “Toma cuidado dele, como se
o fizesses a mim próprio. Na minha volta, tudo o que tiverdes gasto com ele eu
to pagarei, e bem pago, se o tiveres feito bem.” E lá se foi.
Doutor da Lei, responde-me: “Qual
daqueles três foi o “próximo”, para o que caiu nas mãos dos ladrões? Terá sido
o sacerdote? Terá sido o levita? Oh! Não. Ou não foi o samaritano, que nem
perguntou quem era o ferido, nem por que é que estava ferido, nem ficou
pensando se fazia mal em socorrê-lo, perdendo o seu tempo e o dinheiro, nem se
estava se arriscando a que alguém o acusasse de ter ferido o homem?”
O Doutor da Lei respondeu: “O próximo foi este último, porque
teve misericórdia.”
E faze tu também de modo
semelhante, e estarás amando o próximo, e a Deus no próximo, e merecerás a vida
eterna.
Ninguém mais ousa falar.
Pg. 378-385
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285 – LÁZARO OFERECE UM REFÚGIO
PARA JOÃO DE ENDOR E SÍNTIQUE. VIAGEM ALEGRE PARA JERICÓ SEM ISCARIOTES
“Mestre! Mestre!
“Que queres Simão?”
“Murmurei contra Judas, e te havia prometido não fazê-lo
mais. Perdoa-me.”
“Sim. Procura não fazê-lo mais.”
“Tenho ainda 489 vezes para ter o teu perdão...”
“Mas, que é que estás dizendo meu irmão?”, pergunta
espantado, André.
E Pedro, com um brilho de esperteza em seu rosto bondoso,
encurva o pescoço por baixo do pesado saco que vai sendo levado por João de
Endor, e diz: “E não te lembras de que Ele disse que perdoemos setenta vezes
sete? Portanto, eu tenho ainda em haver 489 perdões. E vou trazer a conta bem
feita...” Todos se riem, e até Jesus é obrigado a sorrir, mas lhe diz: “Farias
melhor em fazer a conta de todas as vezes que sabes ser bom, grande menino que
tu és.”
Pedro se aproxima de Jesus e, com o braço direito abraça
Jesus pela cintura, dizendo: “Meu caro Mestre! Como estou feliz por estar
contigo sem... Deixa para lá! Tu também estás contente... E Tu entendes o que
eu quero dizer. Estamos entre nós. Também aí está a tua Mãe. Aí está este
menino. Vamos indo para Cafarnaum. A estação é bela... Aí estão cinco razões
para estarmos alegres; Oh! É realmente belo estar contigo! Onde é que vamos
ficar esta tarde?”
“Em Jericó.”
“No ano passado foi aí que vimos a mulher velada. Mas, quem sabe
o que aconteceu com ela? Eu estaria curioso para saber... E encontramos também
aquele das vinhas...” A risada de Pedro é contagiosa, de tão sonora que é.
Todos riem, lembrando-se da cena do encontro com Judas de Keriot.
“Mas tu és incorrigível, Simão”, censura-o Jesus.
“Eu não disse nada, Mestre. Mas deu-me vontade de rir, ao
lembrar-me da cara dele, quando o encontramos lá... nas vinhas dele.”
Pedro está rindo com tanto prazer, que tem que parar,
enquanto os outros vão indo na frente, ainda sob o frouxo do riso. Pedro é
alcançado pelas mulheres. Maria pergunta com doçura: “Que
tens, Simão?”
“Ah! Eu não posso dizer, porque cometeria uma outra falta de
caridade. Mas... aí está, Mãe, dize-me uma coisa, tu que és sábia. Se eu faço
uma insinuação, ou pior, digo uma calúnia, eu peco com certeza. Mas, se eu me
rio de uma coisa conhecida por todos, ou de um fato, também conhecido por
todos, um fato que faz rir, como, por exemplo, a surpresa de um mentiroso e o
seu embaraço, as suas desculpas, e tornar a rir, como nós já rimos, é também um
mal?”
“É uma imperfeição na caridade. Não chega a ser um
pecado como a maledicência e a calúnia, e nem mesmo como a insinuação, mas é
sempre uma falta de caridade. É como um fio puxado para fora de um tecido. Não
chega propriamente a fazer um rasgo, nem a estragar o pano. Mas é sempre uma
coisa que desfaz a integridade dele e sua beleza, tornando fácil nele a
formação de rasgões e buracos. Não te parece?” Pedro esfrega a própria fronte,
e diz, um pouco humilhado: “Parece-me que sim. Nunca havia pensado nisso.”
“Pensa nisso agora, e não o faças mais. Há risadas que ofendem mais a caridade
do que bofetadas. Alguém errou? E nós o pegamos em culpa de mentira, ou de
outra coisa? E, então? Para que ficar relembrando aquilo? Ou fazer que aquilo
ele se lembre? Baixemos um véu sobre as culpas do irmão, pensando sempre assim:
“Se fosse eu o culpado, gostaria que outra pessoa ficasse lembrando minha
culpa, e fizesse que ela fosse lembrada?” Existem vergonhas íntimas, Simão, que
fazem sofrer muito. Não fiques sacudindo a cabeça. Eu sei o que queres dizer.
Mas também os culpados as têm, podes crer. Parte, parte sempre deste
pensamento: “Gostaria eu disso?” E verás que nunca mais pecarás contra a
caridade. E terás sempre muita paz em ti. Olha lá Marziam, como está pulando
feliz e cantando. É porque ele não tem em seu coração nenhum pensamento contra
a caridade. Ele não tem que pensar nos lugares para onde iremos, nem nas
despesas, nem nas palavras que há de dizer. Ele sabe que outros estão pensando
em todas as coisas por ele. Faze assim também. Deixa tudo para Deus. Também o
julgamento das pessoas, enquanto podes ser como um menino, que o bom Deus
conduz, porque hás de querer carregar-te com o peso de ter que decidir e
julgar? Virá o momento em que deverás ser juiz e árbitro, e então dirás: “Ah!
Como a vida era fácil antes, e menos perigosa!”, e te chamarás de estulto, por
teres querido carregar-te antes de tão grande responsabilidade. Julgar! Que
coisa difícil! Ouviste o que disse Síntique, há dias? “As pesquisas por meio
dos sentidos são sempre imperfeitas.” Ela falou muito bem. Muitas vezes nós
julgamos pelas reações dos sentidos, e por isso, com grande imperfeição. Deixa
de julgar."
Pg. 411-412
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286 – EM RAMOT, COM O MERCADOR
ALEXANDRE MISAQUE. LIÇÃO A SÍNTIQUE SOBRE A RECORDAÇÃO DAS ALMAS
...Também as almas de povos
antiquíssimos, que deram uma religião à tua terra, se lembraram. De um modo
confuso e imperfeito, como podia fazê-lo alguém separado da religião revelada.
Mas sempre se lembraram. No mundo há muitas religiões. Pois bem. Se nós
tivéssemos aqui, em um quadro claro, todos os pormenores delas, veríamos que há
como que um fio de ouro, perdido no meio de muita lama, um fio cheio de nós,
nos quais estão encerrados pedacinhos da Verdade verdadeira.
“Mas, não vimos todos de um tronco? Tu assim o dizes. Então,
por que os antigos mais antigos, que vieram do primeiro tronco de origem, por
que eles não souberam trazer consigo a Verdade? Não é uma injustiça havê-los
privado dela?”
Tu leste o Gênesis, não é mesmo?
Que encontraste? Um pecado complexo em seu começo. Um pecado abrangendo os três
estados do homem: a matéria, o pensamento e o espírito. Depois um fratricídio.
Depois um homicídio; para contrabalançar a obra de Enoque de conservar luz nos
corações, depois corrupção, unindo por libidinagem dos sentidos os filhos de
Deus com as filhas do sangue. E, não obstante a purificação do Dilúvio e a
restauração da raça por uma boa semente, não nascendo das pedras, como se diz
nos vossos mitos, bem como também, não por rapto do fogo vital por obra do
homem, eis que de novo aparece o fermento da soberba, o ultraje feito a Deus: “Vamos
tocar no Céu”, e a maldição divina: “Sejam dispersos, e não se entendam um ao
outro”... E o único tronco, como a água que se choca com uma pedra e se espalha
em pequenos rios, e não se reúne mais, assim se dividiu a raça, e se repartiu
em várias raças. A humanidade, posta em fuga pelo seu pecado e pela punição
divina, eis que se espalha e não se reúne mais, levando consigo a confusão, que
a soberba havia criado. As almas se lembram. Alguma coisa sempre permanece
nelas. E as mais virtuosas e sábias entreveem uma luz, ainda que fraca, nas
trevas dos mitos, a luz da Verdade. E essa lembrança da Luz antes da Vida é o
que agita nelas as verdades nas quais estão os pedacinhos das Verdades
reveladas. Compreendeste-me?
Em parte. Mas vou pensar nisso.
A noite é amiga de quem pensa e
se concentra em si. Então, vamos concentrar-nos cada um em si mesmo. Vamos
amigos. A paz a vós, mulheres, a paz a vós, meus discípulos...
Pg. 418-419
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288 – DISCURSO AOS CIDADÃOS DE
GERASA E LOUVOR DE UMA MULHER À MÃE DE JESUS
“Esta cidade é muito bonita,
fazei que ela seja bonita também por sua justiça e santidade. As colinas, o
riacho, a planície verde, são coisas que Deus vos deu. Roma vos está ajudando
agora, dando-vos casas e belas construções. Mas depende de vós dar à vossa
cidade o nome de cidade santa e justa.
A cidade é o que dela fazem os
seus habitantes. Porque a cidade é uma parte da sociedade, fechada dentro de
muros. Contudo, os que constituem a cidade são os cidadãos. A cidade, por si
mesma, não peca. Não podem pecar o riacho, nem a ponte, nem as casas, nem as
torres. Tudo isso é matéria, não tem alma. Mas quem pode pecar são os que estão
fechados dentro dos muros da cidade, nas casas, nas lojas comerciais, os que
passam pela ponte e vão banhar-se no rio. Costuma-se dizer, quando se fala de
uma cidade facciosa e cruel: “É uma cidade péssima.” Mas está mal falado. Não é
a cidade. São os cidadãos que são péssimos.
São cada um deles, um por um, que
se tornam, quando se unem uma só coisa multiforme, que se chama cidade. Então,
escutai agora. Se em uma cidade dez mil habitantes são bons, e só mil não o
são, poder-se-ia dizer que aquela cidade é má? Não. Não se poderia dizer isso.
Também, se em uma cidade de dez mil habitantes houver muitos partidos, e cada
um deles procurar só o benefício de si mesmo, poder-se-ia dizer que aquela é
uma cidade unida? Não. Não se pode dizer isso. Mas, pensai vós que aquela
cidade irá para a frente? Não irá.
Vos de Gerasa estais agora todos
unidos com a intenção de fazer da vossa cidade uma grande coisa. E o
conseguireis, porque todos quereis a mesma coisa, e porfiais um com o outro,
para chegardes a esta meta. Mas, se amanhã entre vós surgissem partidos
diferentes, e um deles dissesse: “Não. É melhor fazer a cidade crescer para o
ocidente”, e um outro partido: “Nada disso! Vamos fazê-la crescer para o norte,
onde está a planície”, e um terceiro dissesse: “Nem uma coisa nem outra. Unidos
no centro, queremos ficar é perto do rio”, que aconteceria?
Aconteceria que as obras
começadas iriam ficar paradas, que os que nos emprestaram os capitais se
afastaram, e os que pensavam em vir estabelecer-se nela iriam para outra cidade,
cujos habitantes fossem mais unidos. E o trabalho, que já tinha feito, ficaria
perdido, por ser deixado exposto às intempéries, sem ter podido ser acabado,
por causa das discussões acerbas dos cidadãos. É ou não é assim? Vós estais
dizendo que é assim, e dizeis bem. Portanto, é necessário que haja concórdia
entre os cidadãos. Porque o bem da sociedade existe, quando existe o bem-estar
dos cidadãos, porque na sociedade o bem dela existe quando existe o bem-estar
dos que a compõem.
Mas o que existe não é somente a
sociedade como a entendeis, a sociedade dos concidadãos, ou dos que pertencem à
mesma nação, ou a pequena e querida sociedade da família. Existe uma outra
sociedade muito mais extensa, infinita: a sociedade dos espíritos.
Todos nós que vivemos temos uma
alma. Essa alma não morre com o corpo, mas sobrevive a ele, para sempre. A ideia
de Deus Criador, que deu ao homem uma alma, foi que todas as almas dos homens
se reunissem em um único lugar, o Céu, constituindo o Reino dos Céus, cujo
monarca é Deus, e cujos súditos felizes teriam sido os homens, depois de uma
vida santa e uma morte tranquila. Satanás veio para dividir e subverter, para
destruir e desagradar a Deus e aos espíritos. E introduziu o pecado nos
corações, e com ele trouxe a morte no fim desta existência, esperando poder dar
a morte também aos espíritos. A morte destes é a condenação, a qual é existir,
sim, mas uma existência privada do que é a verdadeira Vida e alegria eterna,
isto é, da visão beatífica de Deus e de sua posse eterna nas luzes eternas. E a
Humanidade se dividiu em suas vontades, como uma cidade dividida por partidos
contrários. E, assim agindo, caminhou para sua ruína.
Eu já disse isso aos que me
acusavam de expulsar os demônios com a ajuda de Belzebu: “Todo reino dividido
contra si mesmo irá para a ruína.” De fato se Satanás se expulsasse a si mesmo,
ele e seu reino tenebroso se arruinariam. Eu, pelo amor que Deus tem para com a
Humanidade por Ele criada, vim para fazer lembrar que só um Reino é Santo: o
dos Céus. E vim para pregá-lo, para que os melhores o procurem. Oh! Eu quereria
que todos, até os piores, viessem a se converter, livrando-se do demônio que,
evidentemente, nas possessões corporais, além de nas espirituais, ou
secretamente naquelas que são completamente espirituais, os conserva
escravizados. Por isso, Eu vou curando os doentes, expulsando os demônios dos
corpos dos possessos, convertendo os pecadores, perdoando em nome do Senhor,
instruindo sobre o Reino, realizando milagres para persuadir-vos do meu poder e
de que Deus está comigo. Porque não se pode fazer milagre, se não se tiver a
Deus como amigo. Por isso, se Eu expulso os demônios com o dedo de Deus, e curo
os doentes, se limpo os leprosos, converto os pecadores, anuncio o Reino e
instruo sobre ele, se chamo para ele em nome de Deus, e se somente os inimigos
desleais é que podem dizer o contrário, é sinal de que o Reino de Deus chegou
ao meio de vós, e de que ele está constituído, porque esta é a hora de sua
fundação.
Como se funda o Reino de Deus no
mundo e nos corações? Com a volta à Lei de Moisés, ou com o conhecimento exato
dela, quando não se conhece, mas, sobretudo, com a aplicação total da Lei em si
mesmos em todos os acontecimentos e momentos da vida. Qual é essa Lei? Ela é
uma série de dez preceitos santos e fáceis, dos quais até o homem moralmente
bom, verdadeiramente bom, sente a necessidade, mesmo se ele estiver sepultado
sob o denso teto vegetal das mais impenetráveis florestas da misteriosa África.
Essa Lei diz:
-Eu sou o Senhor teu Deus, e não
há outro Deus fora de Mim.
-Não tomes o Nome de Deus em vão.
-Respeita o Sábado, conforme a
ordem de Deus, e a necessidade da criatura.
-Honra a teu pai e a tua mãe, se
queres viver longamente, e ter o bem na terra e no Céu.
-Não mates.
-Não furtes.
-Não cometas adultério.
-Não levantes falso testemunho
contra o próximo.
-Não desejes a mulher do próximo.
-Não cobices as coisas alheias.
Qual é o homem que, se for bom de
coração, ainda mesmo sendo ele um selvagem, e que volvendo o olhar para o tudo
o que o circunda, não chegue a dizer: “Não era possível que tudo isso se
fizesse por si mesmo. Por isso existe Um mais poderoso do que a natureza e do
que o próprio homem, que fez tudo isso.” E adora esse Poderoso, do qual ele
saiba, ou não saiba o Nome Santíssimo, mas que ele percebe que existe. E tem
para com esse Ser uma tão grande reverência, que, ao pronunciar o nome que lhe
deu, ou que lhe foi ensinado dizer, para nomeá-lo, treme de respeito, e percebe
que está em oração, só por dizer o Nome de Deus com a intenção de adorá-lo e de
fazê-lo conhecido pelas pessoas que o desconhecem.
Assim, pois, só por prudência
moral todo homem percebe que deve conceder um descanso aos seus membros, a fim
de que eles resistam até o fim da vida. Com mais razão, este repouso animal o
homem que não ignora o Deus de Israel, o Criador e Senhor do Universo, percebe
que o deve consagrar ao Senhor, para não ficar semelhante ao jumento que,
quando cansado, repousa sobre sua cama de palhas, e fica quebrando com seus
fortes destes os grãos dos cereais.
Também o sangue exige amor por
aqueles dos quais ele veio, e vemos isso até no potrinho da jumenta que,
correndo e zurrando, vai ao encontro da mãe, quando ela esta voltando das
feiras. Ele estava brincando no meio dos outros, quando a viu e lembrou-se de
que havia mamado nela, e que ela o havia lambido com amor, o havia defendido e
aquecido, e estais vendo como, com seu focinho macio ele lhe coça o pescoço,
esfregando suas ancas contra o lado de sua mãe.
Amar os pais é um dever e um
prazer. Não há animal que não ame a quem o gerou. E, então? Será o homem
inferior ao verme, que vive na lama da terra? O homem moralmente bom não mata.
A violência lhe causa aversão. Ele sabe que não é lícito tirar a vida de
ninguém. E que só Deus, que no-la deu, é que tem o direito de tirá-la. E evita
o homicídio.
Igualmente quem é moralmente são
não se apodera das coisas alheias. Prefere o pão comido com uma consciência
tranquila, junto a uma fonte prateada, a um suculento assado, feito de uma
criação furtada. Ele prefere dormir no chão, com a cabeça sobre a pedra e as
estrelas amigas acima de sua cabeça, derramando paz e consolo em sua
consciência honesta, a um sono perturbado em uma boa cama, mas apanhada em
algum furto.
E, se ele é moralmente são, não
vive cobiçando mais mulheres, que não são suas, nem penetra, como um vil
emporcalhador, no leito conjugal de outro. Mas na mulher do seu amigo ele vê
uma irmã, e não tem para com ela os olhares e os desejos, que para com uma irmã
não se têm.
O homem de coração reto, ainda
que só naturalmente reto, sem ter outro conhecimento do Bem, a não ser o que
lhe vem de sua boa consciência, nunca toma a liberdade de dar testemunho de uma
coisa que não é verdade, pois isso lhe parece coisa semelhante a um homicídio e
a um furto, e de fato assim é. Mas ele tem lábios honestos, como honesto ele
tem o coração, e com eles tem honestos também os seus olhares, com os quais ele
não cobiça as mulheres dos outros. E ele nem mesmo as deseja, porque tal desejo
é o primeiro estímulo para o pecado. Não inveja. Porque é bom. Quem é bom não
inveja nunca. Fica tranquilo com o que tem.
Parece-vos que esta Lei é tão
intransigente, que não se pode praticar? Não vos enganeis. Eu estou certo de
que não vos enganareis. E, se não vos deixardes enganar, fundareis o Reino de
Deus em vós, e em vossa cidade. E vos reencontrareis um dia, felizes, com
aqueles que amastes e que, como vós, conquistaram o Reino eterno, nas alegrias
sem fim do Céu.
Mas no vosso próprio interior,
estão as paixões, como outros tantos cidadãos fechados e cercados pelos muros
da cidade. É preciso que todas as paixões do homem, queiram a mesma coisa, isto
é, a santidade. Se assim não for, é inútil que uma parte se incline para o Céu,
se depois uma outra deixa sem guardar as portas, deixando penetrar o sedutor e
neutralizando, por meio de discussões e da preguiça, os esforços de uma parte
dos cidadãos, que tratam de coisas espirituais, fazendo assim que pereça a
cidade interior e que ela fique abandonada ao reino das urtigas, dos tóxicos,
das gramíneas, das serpentes, escorpiões, ratos, chacais e corujas, isto é, das
más paixões e dos anjos de Satanás. É preciso velar, sem cessar, como
sentinelas colocadas sobre os muros, para impedir que o Maligno entre onde nós
queremos construir o Reino de Deus.
Em verdade, Eu vos digo que,
enquanto o homem forte e armado guarda a entrada de sua casa, ele dá segurança
a tudo o que está dentro dela. Mas, se chegar um outro mais forte do que ele,
ou se ele deixar descuidada a porta, então o mais forte o vence e o desarma, e
ele, ficando sem suas armas, nas quais ele confiava, se enche de medo, e se
entrega, e o forte o faz prisioneiro e se apodera dos despojos do vencido.
Contudo, se o homem vive em Deus, por meio da fidelidade à Lei a à Justiça
santamente praticada, Deus está com ele, e nada de mal pode acontecer-lhe.
A união com Deus é uma arma que
nenhum forte pode vencer. A união comigo é segurança de obter vitória e de
arrebatar presas de guerra, que são as virtudes eternas pelas quais será dado
para sempre um lugar no Reino de Deus. Mas, quem de Mim se afasta ou de Mim se
torna inimigo, repele, por consequência as armas e a segurança da minha
palavra. Quem repele o Verbo, repele a Deus. Quem repele a Deus, chama Satanás.
Quem chama Satanás destrói tudo o que tinha para conquistar o Reino.
Portanto, quem não está comigo,
está contra Mim. E quem não cultiva o que Eu semeei, vai recolher o que o
inimigo semeia. Quem não ajunta comigo, espalha, e, pobre e nu, haverá de
chegar diante do Juiz supremo, que o mandará para o patrão ao qual ele se
vendeu, preferindo Belzebu a Cristo. Cidadãos de Gerasa, edificai em vós e em
vossa cidade o Reino de Deus.
Uma voz cantada de mulher se faz ouvir límpida, como canto da
cotovia, por sobre o sussurro da multidão admirada, e ela canta uma nova
felicidade, que é a glória de Maria: “Feliz o seio que te trouxe, e o peito em
que Tu sugaste.”
Jesus se vira para a mulher, que exaltou sua Mãe, por
admirar-lhe o Filho. Ele sorri, porque lhe é agradável o louvor dado à sua Mãe.
Mas depois Ele diz: “Mais felizes ainda aqueles que ouvem a palavra de
Deus e a praticam. Faze tu isto, ó mulher.”
Depois Jesus dá a sua benção e se encaminha para a campina,
acompanhado pelos Apóstolos que lhe perguntam: “Por que disseste isso?”
“Por que em verdade, Eu vos digo
que no Céu não se mede com as medidas da terra. E a minha própria Mãe será
feliz, não só por sua alma imaculada, mas por ter ouvido a palavra de Deus e a
ter posto em prática, pela obediência. Aquela palavra “que seja feita sem culpa
a alma de Maria” é um prodígio do Criador. A Ele, pois, é que se deve louvor.
Mas aquela palavra “que se faça em mim segundo a tua palavra” é prodígio de
minha Mãe. Por isso, pois, é grande o merecimento dela. Tão grande que, só por
aquela capacidade de ouvir a Deus, que lhe falou pela boca de Gabriel e pela
sua vontade de pôr em prática a palavra de Deus, sem ficar a medir as
dificuldades e as dores que lhe viriam logo e no futuro, e que desta adesão
dela agora haveriam de provir, é que veio o Salvador do mundo. Vós, pois, vede
que ela é a minha feliz Mãe, não só porque me gerou e amamentou, mas porque
ouviu a palavra de Deus e a pôs em prática pela obediência. Mas agora, vamos
para casa. Minha Mãe sabia que Eu estaria fora por pouco tempo, e poderia ficar
preocupada, vendo que Eu estava demorando. Estamos em uma região semi-pagã. Mas
em verdade é melhor do que outras. Então, vamos. E vamos dar uma volta por
detrás dos muros, para escaparmos da multidão, que me quereria deter ainda.
Vamos descer depressa por detrás destas moitas frondosas.”
Pg. 428 a 433
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290 – O HOMEM DOS OLHOS ULCERADOS.
A PERMANÊNCIA NA FONTE DOS CAMELEIROS. AINDA SOBRE A RECORDAÇÃO DAS ALMAS
Jesus diz a Síntique: “Mas não era um pensamento
doloroso. Eu te ouvi, quando estavas rindo.”
Sim, por causa do menino, que resolvia uma questão com
habilidade, dizendo: “Eu não quero voltar, se Jesus não volta. Mas, se tu
queres saber tudo, vai até lá, e depois vem contar-nos, se te lembrares.”
Todas ainda estão rindo, e dizem que Síntique estava pedindo
a Maria esclarecimentos sobre a explicação não bem entendida, a respeito da
lembrança que as almas conservam, o que nos explica certa possibilidade que há
entre os pagãos, de terem umas vagas recordações da verdade.
Eu estava dizendo: “Talvez isso confirme a teoria da
reencarnação na qual creem os pagãos?”, e tua Mãe, Mestre, me explicava que o
que estavas dizendo era outra coisa. Agora, queres explicar-me também isso, meu
Senhor?
Escuta. Não deves crer que, visto
terem os espíritos lembranças espontâneas da Verdade, fique demonstrado que nós
vivamos outras vidas. Já sabes bastante, ao saberes como foi criado o homem,
como o homem pecou e como foi punido. Foi-te explicado como no animal-homem por
Deus foi incorporada uma alma só. Esta é criada, cada uma por sua vez, e nunca
maus usada para sucessivas encarnações. Esta certeza deveria anular a minha
afirmação sobre as recordações das almas. Deveria, para qualquer outro ser que
não fosse o homem, dotado de uma alma feita por Deus. O animal não pode
lembrar-se de nada, nascendo uma só vez. Já o homem pode recordar-se, também
ele nascendo uma só vez. Ele pode recordar-se por meio de sua parte melhor, que
é a alma. De onde vem a alma? E todas as almas dos homens? De Deus. Quem é
Deus? É o Espírito inteligentíssimo, poderosíssimo, perfeito. Esta coisa
admirável, que é a alma, coisa por Deus criada para dar ao homem a sua imagem e
semelhança, como um sinal indiscutível de sua Paternidade Santíssima, dá provas
dos dotes que são próprios daquele que a criou. Por isso, ela é inteligente, é
espiritual, é livre e imortal, como o Pai que a criou. Ela sai perfeita do
pensamento divino e, no momento de sua criação, ela é igual, por um milésimo de
instante, á do primeiro homem: é uma perfeição que inclui a posse da Verdade,
por um dom gratuito de Deus. Um milésimo de um instante. Depois uma vez que ela
foi criada, é atingida pela lesão da culpa original. Para te fazer entender
melhor, Eu te direi que é como se Deus estivesse grávido da alma que Ele cria,
e que essa criatura, ao nascer, fosse ferida por um sinal indelével. Tu me
compreendes?
Sim. Enquanto a alma é pensada, é perfeita. E, num milésimo
de instante, esse pensamento criador. Depois o pensamento é transformado em
fato, e o fato sujeito à Lei, que foi provocada pela Culpa.
Respondeste bem. A alma se
encarna, pois no corpo humano, levando consigo, como uma pedra preciosa, no
mistério do seu ser espiritual, a lembrança do Ser Criador, isto é da Verdade.
Um menino nasce. Ele poderá ser bom, e até ótimo, e poderá ser um pérfido. Tudo
ele poderá tornar-se, porque é livre em sua vontade. Sobre as suas
“recordações” o ministério dos anjos lança as luzes, enquanto que o insidioso
lança trevas. Conforme o homem apetecer as luzes e, por isso, uma virtude
sempre maior, tornando a alma senhora do seu ser, nele aumentará a faculdade de
lembrar-se, como se sempre mais a virtude fosse adelgaçando a parede que se
interpõe entre a alma e Deus. Aí está o porque os virtuosos de todas as regiões
percebem a Verdade, não perfeitamente, porque estão tornados obtusos por
doutrinas contrárias, ou por ignorância mortal, mas tanto necessário para darem
páginas de formação moral aos povos aos quais eles pertencem. Compreendeste?
Estás persuadida?
Sim. Concluindo: a religião das virtudes heroicamente
praticadas predispõe a alma para a Religião verdadeira e para o conhecimento de
Deus.
Isto mesmo. E agora vai
descansar, e sejas abençoada. E tu também Mãe, e vós, discípulas. Que a paz de
Deus abençoe o vosso descanso.
Pg. 447-449
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291 – MARZIAM DESCOBRE PORQUE
JESUS REZA TODOS OS DIAS À HORA NONA
Oh! Marziam! Que estás fazendo
aqui sozinho?
“Eu estava olhando para Ti. Há muitos dias que te venho
olhando.”
Todos tem olhos, mas nem todos veem
as mesmas coisas.
“Eu tenho visto que Tu, de vez em quando, te pões sozinho...
Nos primeiros dias, eu pensava que estivesses ofendido por alguma coisa. Mas
depois eu vi que Tu o fazes sempre, nas mesmas horas, e que a Mamãe, que sempre
te consola quando estás triste, não te diz nada, quando ficas com aquele rosto.
Mas, ao contrário, se Ela estava falando, se cala, e se recolhe toda. Ela
também. Eu vejo, sabes? Porque eu olho sempre para Ti e para Ela, para fazer o
que vós estiverdes fazendo. Eu perguntei aos apóstolos que é que ficas fazendo,
pois certamente ficas fazendo alguma coisa. Eles me disseram: “Ele reza.” E eu
lhes perguntei: “Que Ele diz?” Ninguém me respondeu, porque eles não sabem.
Hoje eu vim atrás de Ti, todas as vezes que te vi ficar com aquele rosto, e
fiquei olhando, quando estavas rezando. Mas, não é sempre o mesmo o teu rosto.
Nesta manhã, ao romper do dia, parecias um anjo de luz. Olhavas para as coisas
com certos olhos, que eu creio que as trevas mais do que o sol, tanto as
coisas, como as pessoas. E depois olhavas para o céu, e tinhas o rosto que
tens, quando à mesa, ofereces o pão. Mais tarde, quando íamos atravessando
aquela cidadezinha, Tu te foste colocar sozinho, no último lugar, e me parecias
um pai, pois estavas muito ansioso para dizer, enquanto ias passando, palavras
boas aos pobres daquele lugar. A um deles, Tu disseste: “Suporta com paciência,
que logo Eu te aliviarei, e aliviarei aos outros teus companheiros.” Era o
escravo daquele homem mau, que açulou contra nós os seus cães. Depois, enquanto
se preparava a comida, Tu ficavas olhando para nós, com olhos cheios de bondade
e de amor. Parecias uma mãe... Mas agora o teu rosto tem sido de dor... Que estás
pensando, Jesus, nessas horas, sempre que ficas assim? E também, às vezes pela
tarde, se não estou dormindo, eu te vejo muito sério. Tu me dizes como rezas, e
por quê rezas?”
Certamente, Eu te direi. E assim
tu rezarás comigo.
O dia quem no-lo dá é Deus. O dia
todo: tanto em sua parte luminosa, como na escura, tanto o dia, como a noite. É
um dom de Deus podermos viver e ver a luz. É um meio de santificação a vida que
vivemos. Não é verdade? Então é necessário santificar os momentos do dia
inteiro, para conservar-nos em santidade e termos sempre presente em nosso
coração, o Altíssimo e as suas bondades e, durante esse mesmo tempo, deter
longe o demônio. Observa os passarinhos. Ao primeiro raio do sol, ele já
cantam. Eles bendizem a luz. Também nós devemos bendizer a luz, que é um dom de
Deus, e bendizer a Deus, que a concede, a Deus, que é a Luz. Ter desejo dele,
desde a primeira luz da manhã, como para pôr um selo de luz, uma nota de luz,
sobre todo o dia que vem chegando, a fim de que ele seja todo luminoso e santo.
E unir-se a todas as criaturas para cantar hosanas ao Criador. Depois, como as
horas vão passando, com o seu passar elas nos levam a verificar quanta doe e
ignorância há neste mundo, e então é preciso rezar também para que as dores
sejam aliviadas, para que a ignorância cesse, e Deus seja conhecido, amado,
louvado por todos os homens que, se conhecessem a Deus, seriam sempre
consolados também em seus sofrimentos. E na hora de sexta, rezar por amor à
família. Saborear este dom de podermos estar unidos com quem nos ama. Isto
também é um dom de Deus. E rezar para que o nosso alimento não se transforme de
alimento em pecado. E, ao pôr-do-sol, rezar, pensando que a morte é o
pôr-do-sol que nos espera a todos nós. Então, rezemos para que o nosso pôr-do-sol,
tanto o de cada dia, como da vida inteira, seja sempre realizado com nossa alma
em estado de graça. E, quando se acenderem as luzes, rezai para dar graças por
mais um dia que se foi, e para pedir proteção e perdão, a fim de podermos
entregar-nos ao sono, sem medo de sermos julgados sem estarmos preparados, e
dos assaltos dos demônios. Rezai, enfim, durante a noite, - mas isto é para
aqueles que não são mais meninos - em reparação pelos pecados da noite, para
afastar Satanás dos fracos, a fim de que nos culpados nasçam a reflexão, a
contrição e os bons propósitos, que deverão tornar-se realidades, ao nascer do
sol. Aí está como há de rezar, e porque é que reza um justo, durante o dia
inteiro.
“Mas não me disseste porque é que te apartas dos outros, ficas
sério e com um ar grave, à hora nona...”
Porque, Eu digo: Pelo sacrifício
desta hora, venha o teu Reino ao mundo, e sejam redimidos todos aqueles que creem
no teu Verbo. Dize assim também tu.
“Que sacrifício é? O incenso, como disseste, se oferece pela
manhã e à tarde. As vítimas também na mesma hora todos os dias, sobre o altar
do Templo. Depois, as vítimas, que são um cumprimento de votos, ou expiações.
Essas se oferecem em todas as horas. A hora nona não está indicada para nenhum
rito especial.”
Jesus para, segura o menino pelas duas mãos, e o levanta,
conservando-o firme diante de Si, e, como se estivesse recitando um salmo, com
o rosto levantado, diz: E entre a sexta e a nona, Aquele que veio como
Salvador e Redentor, Aquele do qual falam os profetas, consumará o seu
sacrifício, depois de ter comido o pão amargo da traição, e dado o doce Pão da
Vida, depois de ter-se exprimido a Si mesmo como um cacho o é na tina, e depois
de ter usado a Si mesmo para matar a sede dos homens e das ervas, de ter feito
para Si púrpura de Rei com o seu sangue, depois de ter recebido uma coroa, de
ter em suas mãos o cedro, e de ter transportado o seu trono para um lugar alto
a fim de que pudesse ser visto por Sião, por Israel e pelo mundo. Levantado,
com a purpurina veste de suas chagas inumeráveis, no meio das trevas, para
fazer brilhar sua Luz, na morte para dar Vida, morrerá na hora nona e o mundo
será redimido.
Marziam, espantado e muito pálido, olha para Ele, dando sinal
com seus lábios e com seus olhos assustados, de uma grande vontade de chorar.
E, com uma voz sem firmeza, diz: “Mas o Salvador és Tu. E, então, serás Tu que
irás morrer naquela hora?
As lágrimas começam a correr-lhe ao longo das faces e a
pequena boca as vai bebendo, enquanto, entreaberta, espera ainda um desmentido.
Mas Jesus diz: “Serei Eu, ó pequeno discípulo. E
por ti também.
E, como o menino prorrompe em convulsivos soluços, Ele o
aconchega sobre o seu coração, e diz: Ficas triste se Eu morrer?
Oh! Minha única alegria! Eu não quero isto! Eu... Faze-me
morrer no teu lugar...
Tu terás que pregar-me por todo o
mundo. Está dito. Mas escuta. Eu morrerei contente, porque sei que tu me amas.
E depois ressuscitarei. Tu te lembras de Jonas? Ele saiu mais bonito do ventre
da baleia, descansado, forte. Eu também e virei logo a ti, e te direi: “Pequeno
Marziam, o teu pranto me tirou a sede. O teu amor me fez companhia no sepulcro.
Agora, Eu venho dizer-te: “Sê meu sacerdote”, e Eu te beijarei, tendo então em
mim o odor do Paraíso”.
Mas, eu, onde estarei? Não estarei com Pedro? Ou com a Mãe?
Eu te salvarei das ondas
infernais naqueles dias. Aos mais fracos e aos mais inocentes Eu os salvarei,
menos a um... Marziam, pequeno apóstolo, queres ajudar-me a rezar para aquela
hora?
Oh! Sim, Senhor! Mas, e os outros?
Este é um segredo entre mim e ti.
Um grande segredo. Porque Deus gosta de revelar-se aos pequenos... Não chores
mais. Sorri, agora, pensando que depois Eu não sofrerei nunca mais e me
lembrarei somente de todo o amor dos homens, e, em primeiro lugar, do teu. Vem,
vem. Olha como os outros estão longe. Vamos dar uma corrida para alcançá-los, e Jesus o põe no chão, depois
pega-o pela mão e se põem a correr, até se reunirem ao grupo.
Pg. 449-452
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292 – EM BOZRA, A INSÍDIA DOS
ESCRIBAS E FARISEUS
Diz Jesus: Síntique, eu quereria falar-te em
particular. Sobe para o terraço. Vem tu também, minha Mãe...
E no rústico terraço, que cobre toda uma ala da construção,
ao sol quente que está aquecendo o ar, Jesus está dando lentamente uns passos,
entre Maria e a grega, e diz: Amanhã nos separaremos por algum tempo. Perto
de Arbela, vós, mulheres, junto com João de Endor, ireis para o Mar da Galileia,
continuando juntos até Nazaré.
Mas, para não mandar-vos
sozinhas, só com um homem já bem enfraquecido, Eu vos farei acompanhar pelos
meus irmãos e por Simão Pedro. Eu prevejo que haverá repugnância por esta
separação. Mas a obediência é a virtude do justo. Passando pelas terras de que
Cusa cuida em nome de Herodes, Joana pode ter escolta para o resto do caminho.
Então, vós dispensareis a companhia dos filhos de Alfeu e de Simão Pedro. Mas o
motivo pelo qual Eu pedi para subires até aqui é o seguinte: Quero dizer-te
Síntique, que Eu decidi que passes algum tempo na casa de minha Mãe. Ela já o
sabe. Contigo ficarão João de Endor e Marziam. Estando lá, tratai-vos bem,
formando-vos sempre mais na Sabedoria. Eu quero que tomes muito cuidado com o
pobre João. A minha Mãe Eu nem digo isso, porque Ela não precisa de conselhos.
Tu podes compreender João e ter dó dele e ele pode fazer-te muito bem, pois é
um mestre experiente. Depois, Eu irei. Oh! Irei logo! E nós veremos
frequentemente. Espero achar-te mais sábia no conhecimento da verdade. Eu te
abençoo particularmente, Síntique. Este é o meu adeus para ti, por esta vez. Em
Nazaré, encontrarás amor e ódio, como em toda parte. Mas na minha casa
encontrarás paz. Sempre.
Nazaré me ignorará, e Eu a ignorarei. Viverei instruindo-me
na Verdade e o mundo não será nada para mim, Senhor.
Está bem. Vai, então, Síntique.
E, por enquanto silêncio. Mãe, tu sabes... Eu te confio estas minhas pérolas
mais caras. Enquanto estamos em paz entre nós, minha Mãe, faze que o teu Jesus
se restaure com as tuas carícias...
Quanto ódio meu Filho!
Quanto amor!
Quanta amargura, caro Jesus!
Quanta doçura!
Quanta incompreensão, meu Filho!
Quanta compreensão, minha Mãe!
Oh! Meu tesouro, querido Filho!
Minha Mãe! Alegria de Deus e
minha. Minha Mãe!
Beijam-se, ficando perto depois um do outro, sobre o
banquinho de pedra que rodeia o pequeno muro do terraço, Jesus segurando
abraçada sua Mãe, como um protetor amoroso e Ela estando com a cabeça sobre o
ombro do Filho e as mãos nas mãos Dele, felizes... O mundo está tão longe...
sepultado por ondas de amor e de fidelidade.
Pg. 457-458
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293 – O DISCURSO E OS MILAGRES EM
BOZRA DEPOIS DA IRRUPÇÃO DE DOIS FARISEUS. O DOM DA FÉ DE ALEXANDRE MISAQUE
Diz um fariseu a Jesus: “Queríamos ver as tuas novas
conquistas, para nos congratularmos contigo,” e se ri, com falsidade.
As minhas conquistas? Ei-las. E
Jesus faz um gesto em semi-círculo, mostrando a multidão, quase toda do
além-Jordão, isto é, desta região em que fica Bozra. Depois, sem dar tempo ao fariseu de
replicar, começa a falar.
Procuraram-me aqueles que antes
não me procuravam. E Eu disse: Eis-me aqui, eis-me aqui a uma nação que não
invocava o meu Nome. Glória ao Senhor, que fala a Verdade pela boca dos
profetas! Verdadeiramente, Eu, olhando para esta multidão que me aperta de
todos os lados, alegro-me vivamente no Senhor, porque vejo cumpridas as
promessas que Eu mesmo acendi, fiz brilhar, unido ao Pai e ao Paráclito, no
pensamento, na boca, no coração dos profetas, promessas que Eu conheci, antes
de fazer-me carne. Elas me confortam. Sim. Elas me confortam contra todo o
ódio, rancor, dúvida e mentira. Procuraram-me aqueles que, antes, nem
perguntavam por mim. E me encontraram aqueles que não me procuravam. Por que
será isso assim, e, ao contrário, aqueles aos quais Eu estendi as mãos,
dizendo: “Eis-me aqui” foram os que me rejeitaram?” E, no entanto, eles é que
me conheciam, enquanto que estes não me conheciam. E então?
Eis aqui a chave do mistério.
Ignorar, ainda não é culpa, mas renegar é culpa. E muitos daqueles que sabem de
Mim, e aos quais Eu estendi as mãos, me renegaram, como se Eu fosse um bastardo
ou um ladrão, um satanás corruptor, porque, em sua soberba, apagaram a luz da
fé e se desviaram para caminhos não bons, tortos, pecaminosos, abandonando o
caminho que a minha voz lhes indica. O pecado está no coração, nos pratos, nos
leitos, nos corações, nas mentes deste povo que me rejeita e que, vendo por toda
parte o reflexo da sua própria imundície, também em Mim ele a vê, e o seu ódio
ainda mais a concentra, para, então, me dizer: “Afasta-te que és imundo.”
E, então, que é que dirá Aquele,
que vem com as vestes tingidas de vermelho, belo em sua veste e caminhando na
grandeza de sua força? Ele cumprirá o que diz Isaías, e não se calará, e
despejará no meio deles o que eles merecem? Não. Antes haverá de esmagar em sua
prensa, ele sozinho, abandonado por todos, para fazer o vinho da Redenção. O
vinho que inebria os justos, a fim de fazer deles uns bem aventurados, o vinho
que inebria os culpados da grande culpa, para despedaçar seu sacrílego poder.
Sim, o meu vinho, o que está amadurecendo a cada hora, ao sol do Eterno Amor,
será ruína e salvação para muitos, como está dito um uma profecia que ainda não
está escrita, mas depositada na rocha sem rachadura, da qual brotou a Videira,
que dá o vinho da Vida Eterna.
Entendeis vós? Não, vós não
entendeis, ó doutores de Israel. Não importa que vós compreendais. Está descendo
sobre vós a escuridão, da qual fala Isaías: ”Têm olhos e não veem. Têm ouvidos,
e não ouvem.” Escarnecereis da Luz, com o vosso ódio, para que se possa dizer
que a Luz foi repelida pelas trevas, e que o mundo não quis conhecer.
Mas vós, exultai. Vós que
estáveis nas trevas e soubestes crer na Luz, que vinha sendo anunciada, vós que
a desejastes, procurastes e encontrastes. Exultai, ó povo dos fiéis, que pelos
montes, rios, vales e lagos, fostes à Salvação, sem fazer conta do peso de um
longo caminho. Assim se faz também para o outro caminho espiritual, que é
aquele que, das trevas da ignorância, te conduzirá, ó povo de Bozra, á Luz da
Sabedoria. Exulta, ó povo da Auranítide! Exulta na alegria do conhecimento.
Verdadeiramente também de ti está dito, e dos povos teus limítrofes, quando
canta o profeta que os vossos camelos e dromedários se aglomerarão pelos
caminhos de Neftali e Zabulon, para irem adorar ao verdadeiro Deus, e para
serem servos seus, na santa e doce lei, que não impõe tais coisas para garantir
a paternidade divina e a felicidade eterna, mas a observância dos dez
mandamentos do Senhor, amar o verdadeiro Deus com todo o vosso ser, amar ao
próximo como a nós mesmos, respeitar os sábados sem profaná-los, honrar os
pais, não matar, não roubar, não cometer adultério, não ser falso nos
testemunhos, não desejar a mulher e as coisas dos outros. Oh! Felizes de vós,
se, vindos de mais longe, superardes os que eram da casa do Senhor e que dela
saíram, estimulados pelos dez mandamentos de Satanás, que ensinam a desamar a
Deus, a amar a si mesmos, a prestar a Deus um culto corrompido, a tratar os
pais com dureza, a ter o desejo de cometer o homicídio, a tentativa de furtar a
santidade dos outros, a fornicação com Satanás, os falsos testemunhos, a inveja
da natureza e da missão do Verbo, e do pecado horrível, que fermenta e
amadurece no fundo dos corações, de muitíssimos corações.
Exultai, ó vós que estais com
sede! Exultai, ó vós que estais com fome, éreis vós os proscritos? Éreis vós os
desprezados? Éreis os estrangeiros? Vinde, exultai! Agora não é mais assim. Eu
vos dou casas, bens, paternidade, pátria. O Céu, Eu vos dou.
Segui-me, que Eu sou o Salvador!
Segui-me que Eu sou o Redentor! Segui-me, que Eu sou a Vida. Segui-me que Eu
sou Aquele ao qual o Pai não nega suas graças! Exultai no meu amor! Exultai!
E, para que vejais que Eu vos
amo, ó vós que me procurastes com as vossas dores, ó vós que crestes em Mim,
antes ainda de Me terdes conhecido, para que este dia seja de uma verdadeira
exultação, Eu rezo assim: “Pai, Pai Santo! Sobre todas as feridas, doenças,
chagas do corpo, angústias, tormentos, remorsos dos corações, sobre toda a fé
que nasce, sobre a que vacila, sobre a que se robustece, desça, oh! Desça
Salvação, graça e paz! Paz em meu Nome! Salvação pelo nosso recíproco amor!
Abençoa, ó Pai Santíssimo! Recolhe e une em um só rebanho estes teus e meus
filhos dispersos! Faze que, onde eu estiver, estejam eles uma só coisa contigo,
Pai Santo, contigo, comigo e com o Diviníssimo Espírito!”
Jesus, de braços abertos, em
forma de cruz, com as palmas no alto, viradas para o céu, o rosto levantado, a
voz ressoando como uma trombeta de prata, está arrastando aos que ouvem suas
palavras... E fica assim, em silêncio, por alguns minutos. Depois, os seus
olhos de safira deixam de ficar olhando para o céu, a fim de olharem para o
amplo pátio, cheio de uma multidão, que está suspirando de comoção, ou fremindo
de esperança. Suas mãos se unem, sendo levadas para a frente, e Ele, com um
sorriso que o transfigura, lança o último grito: “Exultai, ó vós que credes e
esperais. Ó povo de sofredores, levanta-te, e ama ao Senhor teu Deus!
É simultânea e total a cura de todos os doentes. Um barulho
de gritos, um estrondo de vozes dá hosanas ao Salvador.
Pg. 461-464
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295 – O DISCURSO E OS MILAGRES EM
ARBELA. JÁ EVANGELIZADA POR FELIPE DE JACÓ
Dirigem-se para a praça principal, onde Jesus já está
começando a falar. Lê-se no capítulo oitavo do segundo livro de
Esdras isto que agora vou repetir-vos: “Tendo chegado o sétimo mês... (Jesus me diz: Não ponhas outra
coisa. Estou repetindo integralmente as palavras do livro.”)
Quando é que um povo volta para
sua pátria? Quando volta para as terras de seus pais. Eu venho para levar-vos
de novo para as terras do vosso Pai, para o Reino do Pai. E Eu posso fazer
isso, porque para isso é que Eu fui enviado. Eu venho, pois, para levar-vos
para o Reino de Deus, e por isso é justo comparar-vos com os repatriados que
chegaram com Zorobabel a Jerusalém, a cidade do Senhor, e é justo fazer
convosco como o escriba Esdras fez com o povo reunido de novo do lado de dentro
dos sagrados muros. Porque reconstruir uma cidade e dedicá-la ao Senhor, mas
fazê-lo deixando de reconstruir as almas, que são como umas pequenas cidades de
Deus, seria uma estultícia inominável.
Como reconstruir estas pequenas
cidades espirituais, que tantas causas fizeram desmoronar? De que materiais
iremos lançar mão para reconstruí-las sólidas, belas e duradouras? Os materiais
estão nos preceitos do Senhor, os dez mandamentos, e vós os sabeis, porque
Filipe, vosso filho e meu discípulo, vo-los fez recordar. Os dois santos, entre
os santos preceitos são: “Ama a Deus com todo o teu ser. E ao próximo como a ti
mesmo.” Nestes dois está o compêndio da Lei. E estes são os que Eu prego,
porque com eles está assegurada a conquista do Reino de Deus. No amor é que se
encontra a força de conservar-se santos, de se tornar santos, a força do
perdão, a força do heroísmo nas virtudes. Tudo se encontra no amor.
Não é o medo que o salva. O medo
do julgamento por Deus, o medo das sanções humanas, o medo das doenças. O medo
nunca foi construtivo. Ele abala, tritura, desorganiza, arrebenta. O medo leva
ao desespero, a buscar artifícios para esconder as malfeitorias, a temer,
quando o temor é inútil, porque o mal já está em nós. Quem pensa, enquanto está
são, em agir com prudência, por ter dó do seu corpo? Ninguém. Mas, logo que o
primeiro arrepio da febre percorre as suas veias, ou uma mancha o faz pensar em
doenças imundas, eis que então, vem o medo, com um tormento aliado da doença,
como mais uma força desagregadora, em um corpo que a doença já começou a
desagregar. O amor, pelo contrário, é construtor. Ele edifica, solidifica,
mantém a compacidade e preserva. O amor nos leva a ter esperança em Deus. Ele
nos leva a evitar fazer o mal. O amor nos leva a ser prudentes para com a nossa
própria pessoa, que não é o centro do universo, como pensam e como agem os
egoístas e os falsos amorosos de si mesmos, porque amam de si mesmos só uma
parte: a menos nobre, com prejuízo da parte imortal e santa, e que sempre nós
temos o dever de conservar sã, enquanto Deus não desejar o contrário, para
poderem ser úteis a si mesmos, aos pais, à própria cidade e a toda nação.
É inevitável que venham as
doenças. E não está dito que toda doença seja prova da existência de algum
vício, ou uma punição. Há santas doenças, mandadas pelo Senhor aos seus justos,
para que no mundo, que pensa que ele mesmo e tudo, é um meio de prazer, haja
santos, que são como reféns de guerra, para a salvação dos outros, e que pagam
pessoalmente, a fim de que seja expiada, com o seu sofrimento, que o mundo
diariamente vai acumulando, e que terminaria desmoronando sobre a humanidade,
sepultando-a sob a sua maldição. Estais lembrados do velho Moisés, orando,
enquanto Josué combatia em nome do Senhor? Deveis pensar que, quem sofre com
santidade, move a maior das ofensivas ao feroz guerreiro que está no mundo,
escondido sob as aparências de homens e de povos: a Satanás, e, naquela
ofensiva, ele se bate também por todos os outros homens. Mas, que grande
diferença destas santas doenças, que Deus envia, daquelas que são mandadas pelo
vício, por algum pecaminoso amor para com a sensualidade? As primeiras são
provas da vontade benéfica de Deus para conosco. As segundas são provas da
corrupção que vem de Satanás. Porém, é necessário amar para ser santos, porque
o amor cria, preserva, santifica.
Também Eu, anunciando-vos esta
verdade, vos digo, como Neemias e Esdras: “Este dia é consagrado ao Senhor
nosso Deus. Nele não ponhais luto, não choreis.” Porque todo luto há de cessar,
quando se vive o dia do Senhor. Com a aspereza da morte, porque da perda de um filho,
de um esposo, de um pai, de uma mãe ou irmãos, vem apenas uma separação
temporária e limitada. Temporária, porque ela cessa com a nossa morte.
Limitada, porque se limita ao corpo, aos sentidos. A alma nada perde com a
morte do parente falecido, pelo contrário, com isso, não fica limitada a
liberdade que fica somente em uma das partes: a de nós que ainda ficamos vivos
com nossas almas encerradas na carne, enquanto que a outra parte, a que já
passou para a segunda vida, goza da liberdade e do poder de velar por nós, e de
conseguir para nós, muito mais do que quando ela vos amava, ainda encerrada no
cárcere do corpo.
Eu vos digo, como Neemias e
Esdras: “Ide comer carnes gordas e beber vinho doce, e mandai porções disso aos
que disso não têm, pois hoje é dia consagrado ao Senhor, e por isso nele
ninguém deve sofrer. Não vos entristeçais, porque a alegria do Senhor, que está
entre vós, é a força de quem recebe a graça do Senhor Altíssimo dentro dos seus
próprios muros, em seus próprios corações.
Vós não podeis mais fazer os
Tabernáculos. O tempo deles já passou. Mas erguei tabernáculos espirituais em
vossos corações. Subi ao monte, Isto é, crescei na Perfeição. Colhei ramos de
oliveiras, de mirto, de palmeiras, de carvalho, de hissopo, de toda planta
bela. Ramos das virtudes da paz, da pureza, do heroísmo, da mortificação, de
todas as virtudes. Ornai o vosso espírito, celebrando a festa do Senhor. Os
seus Tabernáculos vos esperam. Os seus. E são belos, santos, eternos, abertos a
todos aqueles que vivem no Senhor. E junto comigo, hoje, proponde fazer
penitência pelo passado, proponde começar uma vida nova.
Não tenhais medo do Senhor. Ele
vos chama, porque vos ama. Não tenhais medo. Sois seus filhos, como cada um de
Israel. Também para vós Ele fez todas as criaturas e o Céu. Para vós suscitou
Abraão e Moisés, abriu pelo meio o mar, criou a nuvem que guiava o povo, desceu
do Céu para dar a Lei e abriu as nuvens, para que chorasse o maná, tornou
fecunda a rocha, para que ela desse água. E agora, ah!, agora também para vós
manda o vivo Pão do Céu para as vossas fomes, manda a Verdadeira Videira e a
Fonte de Vida eterna para a vossa sede.
E por minha boca, Ele vos diz:
“Entrai, e possuí a terra sobre a qual Eu ergui a mão, a fim de vo-la dar.” A
minha terra espiritual: o Reino de Deus.”
Pg. 474-476
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