BÍBLIA
SAGRADA
ADVENTO
DA IGREJA
VOLUME
3
O
EVANGELHO COMO ME FOI REVELADO
CONTINUAÇÃO
261.1 .
5 - VOLUME 5
297 – COM O DISCURSO EM AERA TERMINA A
SEGUNDA GRANDE VIAJEM APOSTÓLICA
Jesus
fala na praça principal de Aera:
“E Eu não estou a falar-vos como já
falei em outros lugares, das primeiras e indispensáveis coisas que se devem
saber ou fazer, para que possais salvar-vos. Vós as sabeis, e muito bem por
obra de Timoneu sábio sinagogo da Lei antiga, e agora sapientíssimo, porque a
renova à luz da Nova Lei. Mas Eu quero que vos precaveis contra um perigo que
no estado de espírito em que vós achais, não estais podendo enxergar. É o
perigo de serdes desviados por meio de pressões e insinuações para afastar-vos
dessa fé que agora tendes em Mim. Agora Eu vou deixar-vos Timoneu por algum
tempo. E com os outros ele vos explicará as palavras do Livro, à luz nova da
minha verdade, que ele abraçou. Mas antes de deixar-vos depois de ter
perscrutado os vossos corações e ter visto que eles são sinceros em seu amor,
cheios de boa vontade e humildade, Eu quero comentar convosco um ponto do
quarto livro dos Reis.
Quando Ezequias rei de Judá foi atacado
por Senaqueribe, foram a ele para amedrontá-lo os três grandes do rei inimigo,
para aterrorizá-lo com alianças desfeitas e potências que o circundavam. E ás
palavras prementes daqueles enviados, Eliaquim, Sobna e José responderam:
“Fala-nos de modo que o povo não compreenda”, e diziam assim a fim de que não
acontecesse que o povo aterrorizado pedisse a paz. Mas os enviados de
Senaqueribe queriam isso mesmo e, em alta voz disseram, falando em Hebraico e
bem claro: “Que Ezequias não vos engane. Fazei conosco o que é bom para vós e
entregai-vos. Assim cada um poderá comer uvas de sua vinha e figos de suas
figueiras, e bebereis das águas de vossas cisternas, enquanto não viermos
transportar-vos para uma terra parecida com a vossa, para uma terra fecunda que
produz um bom vinho, uma terra onde há abundância de pão e de uvas, uma terra
de oliveiras, de azeite e mel, onde vós vivereis e não morrereis de fome.” E
está escrito no livro: “O povo não respondeu, porque havia recebido ordem do
rei para não responder”.
Ai está. Eu também por piedade para com
as vossas almas assediadas por forças ainda mais ferozes que as do Senaqueribe,
que podia matar os corpos mas não podia atacar os espíritos, enquanto que a vós
é aos vossos espíritos que se move guerra por um exército inimigo capitaneado
pelo mais feroz e cruel déspota que existe entre as criaturas, roguei aos que
eram enviados para isso, e eles para me ofenderem em vós, tentam aterrorizar-me
e á vós com ameaças de tremendos castigos.
Falai somente comigo. Mas deixai em paz as
almas que estão nascendo agora para a Luz. Atormentai-me, torturai-me,
acusai-me, matai-me mas não vos encarniceis contra estes filhinhos da Luz. Eles
são débeis ainda. Um dia serão fortes. Mas por enquanto são débeis. Não vos
enfureçais contra eles. Não vos enfureçais contra a liberdade que hão de ter os
espíritos para escolherem seu caminho. Não vos enfureçais contra o direito de
Deus de chamar a Si á estes que o procuram com simplicidade e amor.
Mas quando irá acontecer que alguém que
odeia, ceda ás orações daquele que ele odeia? Pode por acaso alguém que está
tomado pelo ódio conhecer o amor? Não pode. Por isso ainda com maior dureza e
sempre com mais dureza virão dizer-vos: “Que não vos seduza o Cristo. Vinde
conosco e tereis todo o bem.” E vos dirão: “Ai de vós se o seguirdes. Sereis
perseguidos.” E irão em vosso encalço com uma fingida bondade para convosco:
“Salvai as vossas almas. Ele é um Satanás.” Eles vos dirão muitas coisas de mim.
E serão tantas, capazes de persuadir-vos a abandonar a Luz.
Eu vos digo: Aos tentadores respondei
com o silêncio. Quando então, a força do Senhor tiver descido aos corações dos
fiéis de Jesus Cristo, Messias e Salvador, aí podereis falar, porque já não
sois vós, mas o próprio espírito de Deus que falará pelos vossos lábios, e os
vossos espíritos já serão adultos na Graça, fortes e invencíveis na fé.
Sede perseverantes. Não vos peço mais
do que isto. Recordai-vos de que Deus não pode consentir nos sortilégios de
algum inimigo seu. Os vossos doentes, os que tiveram conforto e paz para o seu
espírito, que falem sempre entre vós, apenas com a sua presença de quem é
Aquele que veio entre vós para dizer: Perseverai no meu amor e na minha doutrina,
e tereis o Reino dos Céus.
As minhas obras falam ainda mais do que
as minhas palavras, e por mais que seja perfeita felicidade saber crer sem ter
necessidade de provas, Eu vos permiti ver os prodígios de Deus, a fim de
ficardes fortificados na fé. Respondei ao vosso cérebro tentado pelos inimigos
da Luz, com as palavras de vosso espírito: “Eu creio porque vi a Deus em suas
obras.” Respondei aos inimigos com um silêncio operoso. E com estas duas
respostas andai para a frente, na Luz. A paz esteja convosco.
Pg. 17-19
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298 – O SOCORRO AOS ORFÃOS MARIA E
MATIAS, E OS ENSINAMENTOS QUE LHE DERIVAM
Uma outra
doce visão de Jesus e duas crianças. Eu digo assim, porque estou vendo Jesus
por um caminho estreito, situado entre dois campos que há pouco devem ter sido
semeados, pois a terra está ainda fofa e escura, como quando faz pouco tempo
que recebeu as sementes, mas ela procura ficar firme para acariciar os dois
pequeninos, um menino, que não tem mais do que quatro anos, e uma menina que
terá oito ou nove Devem ser umas crianças muito pobres, pois estão vestidas com
umas roupinhas desbotadas e esfarrapadas, e tem uns rostinhos tristes e
definhados pelos sofrimentos. Jesus não pergunta nada.
Ele
somente olha fixamente para eles, enquanto os acaricia. Depois, se apressa em
ir para uma casa, que fica no fim do caminho. É uma casa de campo, mas bem
situada, com uma escada externa, que sobe do chão para o terraço, no qual há
uma latada de videira, que agora está despida de cachos e de folhas. Somente
uma ou outra folha á amarelada, está pendente e sendo balançada pelo vento
úmido de um triste dia de outono. No parapeito da casa uns pombos estão
arrulhando e esperando a chuva que o céu cinzento e todo nublado está
prometendo.
Jesus
acompanhado pelos seus, empurra a cancela vermelha, que está no muro de pedras
soltas, ao redor da casa, e entra pelo pátio, nós diríamos pelo terreiro onde
está o poço e, a um canto, também está o forno. Acho que este deve ser aquele
pequeno quarto de paredes enegrecidas pela fumaça, que até agora mesmo dele está
saindo, e que o vento está fazendo descer para o chão. Tendo ouvido o barulho
dos passos, uma mulher aparece à porta da casa, e vendo Jesus o saúda com
alegria, e vai correndo avisar aos da casa. E eis que um homem já velhinho e
gordo, se apresenta à porta e se apressa a ir à Jesus.
“Que
grande honra e alegria, Mestre, poder ver-te”, ele o saúda.
Jesus
também diz a sua saudação: “A paz esteja contigo”, e
acrescenta: “A
tarde está chegando, e a chuva já vem perto. Eu te peço abrigo e um pão para
mim e para os meus discípulos.”
“Entra,
Mestre. A minha casa é tua. O servo lá está para desenformar o pão. Fico muito
feliz em poder oferece-lo com o queijo do leite de minhas ovelhas e com os
frutos de meus terrenos. Entra, entra, que o vento está úmido e frio...”, e
muito atencioso, segura aberta a porta, e se inclina, quando Jesus vai
passando. Mas depois, de repente, muda de tom, para dirigir-se a alguém que ele
está vendo, e lhe diz cheio de ira: “Ainda estás aqui? Vai-te embora. Aqui não
há nada para ti. Vai-te! Entendeste? Aqui não há lugar para vagabundos...”. E
resmunga por entre os dentes: “e talvez até ladrões como tu.”
Uma
vozinha chorosa responde: “Tem piedade, senhor. Um pão, pelo menos para o meu
irmãozinho. Nós estamos com fome...”
Jesus que
tinha entrado na ampla cozinha, muito vistosa, por causa da grande lareira, que
serve também de fogão para alumiá-la, vai até a entrada. Já mudou o seu rosto.
Severo e triste agora, ele pergunta não ao hospedeiro, mas em geral, parecendo
estar falando à eira silenciosa, ou à figueira despojada de folhas, ou ao poço
escuro: “Quem é
que está com fome?”
“Eu
Senhor. Eu e o meu irmão. Um pão somente, e nós iremos embora.”
Jesus
está do lado de fora, na eira, que vai ficando mais sombria, por causa do
crepúsculo e de uma chuva que está para cair. “Vem cá”, diz Ele.
“Tenho
medo, Senhor.”
“Vem, te digo. Não tenhas medo de mim.”
Da parte
de trás da casa, aponta a pobre menina. A pequena e miserável túnica com que
ela está vestida, vem agarrado o seu irmãozinho. Eles vem vindo cheio de medo.
Lançam um olhar tímido para Jesus, outro olhar espavorido para o dono da casa,
que está olhando para eles de soslaio, e dizendo: “São uns vagabundos, Mestre.
E ladrões. Há pouco eu encontrei este esgaravatando perto do lagar. Certamente
queria roubar. Ninguém sabe de onde eles vem. Não são deste lugar.”
Jesus lhe
presta atenção. Por assim dizer. Olha com um olhar muito fixo para a menina,
que está com um rosto macilento e com as trancinhas despenteadas, com dois
rabichos por detrás das orelhas, amarrados sobre a nuca com uma tirinha de
trapo. Mas o rosto de Jesus não está severo ao olhar para a menina. Ele está
triste, mas sorri para encorajá-la. “É verdade que querias roubar? Dize a
verdade.”
“Não,
Senhor. Eu tinha pedido um pouco de pão, porque estou com fome. Mas não me
deram. Então, eu vi uma crosta de pão untado com óleo lá no chão, perto do
lagar. E fui apanhá-la. Eu estou com fome, Senhor. Ontem me foi dado somente um
pão, e eu o guardei para Matias... Por que não nos colocaram juntos com a mamãe
no sepulcro?” A menina chora desconsoladamente, e o irmãozinho faz como ela.
“Não chores.” Jesus a consola acariciando-a, e puxando-a para si. Responde-me,
de onde és?”
“Da
planície de Esdrelon.”
“E vieste até aqui?”
“Sim,
Senhor.”
“Faz muito tempo que morreu a tua mãe?
E pai, tu não tens?”
“Meu pai
foi morto pelo sol, no tempo da colheita, e a mamãe na lua passada... ela e o
menino que ia nascer morreram...” E o choro aumentou.
“Não tens nenhum parente?”
“Nós
viemos de muito longe! Não éramos pobres... Depois o pai precisou pôr-se a
serviço de outros. Agora ele está morto, e minha mãe com ele.”
“Quem era o patrão dele?”
“O
fariseu Ismael.”
“O fariseu Ismael, (não se pode reproduzir o modo como Jesus repetiu esse
nome). Vieste
por tua vontade, ou foi ele que te mandou?”
“Ele me
mandou, Senhor. Ele disse: “Que vão para a estrada os cães esfaimados.”
“E tu Jacó, porque não deste pão a
estas crianças? Um pão, um pouco de leite e um punhado de feno para se deitarem
nele, nessa canseira em que estão?”
“Mas...Mestre...
o pão que eu tenho é a conta para mim... o leite é pouco... e tê-los em casa...
esses aí são como animais vadios. Se fizermos cara boa para eles, eles não se
vão embora...”
“Então, estão te faltando lugar e
alimento para estes dois infelizes? Podes dizer isso sem mentir, Jacó? A
colheita grande, o vinho em quantidade, o óleo em abundância, as frutas que
tornam famosa a tua propriedade este ano, para que foi que tudo isso veio? Tu
ainda te lembras? No ano passado, a chuva de pedras havia arruinado os teus
bens, e tu estavas pensativo, pensando em tua vida... Eu vim, e te pedi um
pão... Tu me havias ouvido falar e me tinhas permanecido fiel...e, em teu
sofrimento, me abriste o coração e a casa, e me deste um pão e um abrigo. E Eu,
ao sair, o que Eu te disse, na manhã seguinte? Jacó, tu compreendeste a
Verdade. Sê sempre misericordioso, e acharás misericórdia. Pelo pão que deste
ao Filho do homem, estes campos te darão riquezas de cereais e, carregados,
como se sobre eles estivessem os grãos da areia do mar, assim serão os teus
olivais, carregados de azeitonas. E ficarão inclinadas até o chão, pelo peso
das maças as tuas macieiras. Tudo isso tu tiveste, e és o mais rico desta
região, neste ano. E tu estás negando um pão a duas crianças!”
“Mas tu
eras o Rabi.”
“Justamente porque Eu o era, é que Eu
podia fazer das pedras pães. Mas estes não. Eu te digo: verás um novo milagre,
e te virá um castigo, um grande castigo. Mas, então, batendo no peito dize: “Eu
mereci.”
Jesus
volta-se para as crianças. “Não choreis. Ide àquela planta e colhei.”
“Senhor
mas ela não tem nada.”
“Vai.”
A menina
vai e volta com umas maças vermelhas e bonitas, que ela recolheu em suas
vestes.
“Comei, e vinde comigo.” E diz aos Apóstolos: “Vamos levar estes dois pequeninos à Joana
de Cusa. Ela sabe lembrar-se dos benefícios recebidos, e é misericordiosa, por
amor a quem foi misericordioso. Vamos.”
O homem
espantado e humilhado, tenta fazer-se perdoar: “Já é noite, Mestre, a chuva
pode cair enquanto vais pelo caminho. Entra de novo em minha casa. A serva á
vai desenformar o pão... Ela te dará também a estes...”
“Não é preciso. Tu o darias não por
amor, mas por medo do castigo prometido.”
“Não é
então este (e mostra as maças apanhadas na árvore, que antes estava nua, e que
os esfaimados comem avidamente), não é, então este o milagre?”
“Não.”
Jesus está muito severo.
“Oh!
Senhor, Senhor, tem piedade de mim. Já compreendi. Tu me queres punir nas
colheitas! Tem piedade, Senhor!”
“Nem todos aqueles que me chamam Senhor
me terão, porque não é na palavra, e sim no ato, que se dá testemunho de amor e
respeito. Terá piedade quem a tiver tido.”
“Eu te
amo Senhor.”
“Não é verdade. Ama-me quem ama, porque
assim Eu ensinei. Tu não amas senão a ti mesmo. Quando me amares como Eu
ensinei, o Senhor voltará. Agora me vou. A minha parada é para fazer o bem,
para consolar os aflitos e enxugar as lágrimas dos órfãos. Como uma galinha
estende as asas sobre os seus pintinhos indefesos, assim Eu estendo o meu poder
sobre aqueles que sofrem e que estão sendo atormentados. Vinde crianças. Logo
tereis casa e pão. Adeus, Jacó.”
E não
contente só por ir, faz ainda que alguém tome nos braços a menina cansada. É
André que a pega e a envolve em seu manto. E Jesus pega o menino e vão indo
pelo caminhozinho já no escuro, com as suas cargas, que eles vão levando por
piedade e que não choram mais.
Pedro
diz: “Mestre! Grande felicidade foi para estes, que Tu tenhas chegado. Mas para
Jacó! Que lhe farás, Mestre?”
“Justiça. Ele conhecerá, não a fome,
porque está com seus celeiros cheios para muito tempo ainda. Mas a restrição,
pois não darão sementes os grãos semeados, e as macieiras e as oliveiras
ficarão cobertas só de folhas. Estes inocentes, não de mim, mas do Pai,
receberão pão e casa. Porque meu Pai é Pai também dos órfãos. É Ele que dá
ninho e comida aos passarinhos dos bosques. Eles podem dizer, e todos os
miseráveis com eles, os miseráveis que sabem permanecer como “folhos inocentes
e amorosos” que em sua pequena mão foi posto por Deus o alimento, e que com sua
guia paterna Ele os conduz para uma casa hospitaleira.
A visão
cessa assim, e eu fico numa grande paz.
Diz
Jesus:
“Esta é mesmo para ti, ó alma que
choras, olhando para as cruzes do passado e as nuvens do futuro. O Pai terá
sempre pão para pôr na tua mão e ninho para recolher sua pomba chorosa. Para
todos é o ensinamento de que Eu sei ser o Senhor com justiça. Mas não se me
engana, nem se me adula, com uma saudação mentirosa. Aquele que fecha o coração
para o irmão, fecha o coração para Deus, e Deus para ele. É o primeiro dos
mandamentos, ó homem: Amor e amor. Quem não ama mente ao dizer-se cristão. É
inútil a frequência aos sacramentos e aos ritos, inútil é a oração, se falta a
caridade. Tornam-se fórmulas e até sacrilégios. Como podes ir ao Pão eterno e matar
com ele vossa fome, quando negastes pão ao faminto? Será mais precioso o vosso
pão do que o meu? Será mais santo? Hipócritas! Eu não uso de uma medida, ao
entregar-me à vossa miséria, e vós, que sois miséria, não tendes piedade das
misérias que são – aos olhos de Deus -, não odiosas, como as vossas. Porque
aquelas são desventuras, e as vossas são pecado. Muitas e muitas vezes me
dizeis: “Senhor, Senhor”, a fim de me tornardes benigno para com os vossos
interesses. Mas, não dizeis por amor ao próximo. Vós não fazeis nada em nome do
Senhor pelo próximo. Olhai na coletividade e na individualidade, o que vos deu
a vossa religião mentirosa e vossa verdadeira falta de caridade: O abandono de
Deus. E o Senhor voltará, quando souberdes amar como Eu ensinei. Mas para vós,
pequeno rebanho dos que sofrem sendo bons, Eu digo: “Nunca sois órfãos. Nunca
sois abandonados.” Antes deveria não existir Deus, do que faltar com a
Providência para com os seus filhos. Estendei a mão: o Pai vos dá tudo como
“pai”, isto é, com um amor que não avilta. Enxugai vossas lágrimas. Eu vos tomo
e vos levo, porque tenho piedade de vossa fraqueza. O mais amado das criaturas
é o homem, Quereis duvidar se o Pai será mais piedoso para com um passarinho,
do que para com o homem? Ele será mais para o homem fiel, Ele, que é longânime
também para com o pecador, e lhe dá tempo e modo de ir a Ele? Oh! Se o homem
compreendesse quem é Deus! Vai em paz, Maria. Tu me és querida como os dois
orfãozinhos que viste, e mais ainda. Vai em paz. Eu estou contigo.
Diz
Maria:
O meu Jesus falou da infância do
espírito, um dos requisitos necessários para a conquista do Reino. Ontem eu te
mostrei uma página da sua vida de Mestre. Tu viste meninos. Uns pobres meninos.
Não havia outras coisas a dizer? Sim. E eu as vou te dizer. A ti, que eu quero
tornar sempre mais querida para Jesus. É uma esfumatura, no quadro que falou ao
teu espírito, para o espírito de muitos. Mas as esfumaturas, que fazem ficar
bonito um quadro, são elas que revelam a capacidade do pintor e a sabedoria do
observador. Eu quero fazer-te notar a humildade do meu Jesus.
Aquela pobre menina, em sua ignorante
simplicidade, não trata de modo diferente o pecador, que tem um coração de
pedra, e o meu Filho. Ela não entende o que é Rabi, nem o que é Messias. É
pouco menos do que uma selvagem, que viveu nos campos, em uma casa onde
desprezavam o Mestre, porque o fariseu Ismael desprezava o meu Jesus e, por
isso, ela nunca ouviu falar dele, e nunca o tinha visto.
O pai e a mãe dela, alquebrados por um
trabalho duro, que o cruel patrão exigia deles, não tinham tido tempo nem modo
de levantar a cabeça dos torrões das glebas, que eles esboroavam. Talvez já
tivessem ouvido, enquanto estavam ceifando o feno ou as messes, ou colhendo
frutas e cachos de uvas, ou quebrando azeitonas no duro trabalho das moendas,
algum clamor de hosanas e, então, terão levantado por um momento a cabeça
cansada. Mas o medo e o cansaço terão feito abaixarem-se de novo aquelas
cabeças, como sob um jugo. Eles tinham morrido, pensando que o mundo fosse
somente ódio e dor. Enquanto que, pelo contrário, o mundo era amor e bem, desde
quando os santíssimos pés do meu Jesus o passaram a calcar. Pobres servos de um
patrão, eles morreram, sem terem encontrado, nem uma vez o olhar e o sorriso de
meu Jesus, nem ouviram a sua palavra, que dava tal riqueza ao espírito que, por
ela, os indigentes se sentiam com que enriquecidos e os esfaimados saciados, os
doentes sãos e os que sofriam consolados.
Pois bem. Jesus não diz: “Eu, que sou o
Senhor, te digo: Faze isto.” Ele se conserva anônimo.
E aquela pequena, tão ignorante que não
compreendia nada, nem mesmo diante do milagre da macieira despojada até de
folhas, mas que enche um dos seus ramos de maçãs para matar a fome deles, ela o
continua a chamar “Senhor”, como chamava a Ismael de patrão e a Jacó de cruel.
Ela se senta atraída pelo bom Senhor, pois a bondade sempre atrai. E mais nada.
Ela o acompanha com confiança. E passa a amá-lo de repente, como por um
instinto, pobre pequeno ser, perdido neste mundo, e numa ignorância desejada
pelo mundo, do grande mundo dos poderosos e gozadores, que querem deter nas
trevas os inferiores, a fim de poderem torturá-los à vontade e tirar deles o
maior proveito.
Saberá, pois, quem era aquele “Senhor”
que, pobre como ela, sem casa nem alimento, sem mãe, pois tudo havia deixado
por amor aos homens, até daquela migalha de homem que era ela, pobre criatura
ainda pequena, aquele Senhor que lhe havia dado frutos miraculosos, querendo
tirar-lhe dos lábios e do coração o amargor da maldade humana, que cria o ódio
dos miseráveis contra os poderosos, por meio de um fruto do Pai, não com um
pedaço de pão oferecido tardiamente e que para ela teria tido sempre um sabor
de dureza e de pranto.
Verdadeiramente aquelas maçãs
recordavam a do Paraíso Terrestre. Um fruto que apareceu no ramo para o Bem e
para o Mal, teria significado a redenção de todas as misérias e, antes de
todas, a da ignorância de Deus para os dois orfãozinhos, e significando o
castigo para aquele que, conhecendo já a Palavra, tinha agido como se não a
conhecesse. Saberá pois da boa mulher que a acolheu em nome de Jesus, quem era
Jesus, que para ela foi muitas vezes Salvador. Salvador da fome, das
interpéries, dos perigos do mundo e da culpa original?
Mas para ela Jesus sempre teve a luz
daquele dia, e naquela luz sempre lhe apareceu: o Senhor bom, de uma bondade
incrível, o Senhor que tinha carícias e dons, o Senhor que tinha feito esquecer
de que não tinha pai nem mãe, que estava sem casa e sem roupa, porque Ele é
doce como uma mãe, e lhes havia dado um ninho em seu cansaço e uma coberta para
a sua nudez, com a veste do seu peito e o seu manto e os de outras boas pessoas
que estavam com Ele.
Uma luz paternal e suave, que não
pereceu sob as ondas das lágrimas, nem mesmo quando ela ficou sabendo que Ele
estava sendo atormentado sobre uma cruz, nem mesmo quando, como uma das
pequenas fiéis da primitiva Igreja, ela viu em que se havia transformado o
rosto do seu “Senhor”, debaixo das pancadas e dos espinhos, e quando pensou como
estava Ele agora no Céu, à direita do Pai. Uma luz que lhe sorriu, em sua
última hora na terra, conduzindo-a sem temor para o seu Salvador, uma luz que
lhe sorriu de novo, e tão inefavelmente doce, no fulgor do Paraíso.
Jesus olha assim também para ti. Procura
vê-lo sempre, como a tua longínqua homônima, e sê feliz por este amor dela. Sê
simples, humilde, fiel como a pobre pequena Maria, que ficaste conhecendo. Vê
até onde ela chegou, apesar de ser uma pobre e pequena ignorante de Israel:
chegou ao Coração de Deus. O amor se lhe revelou, como a ti, e ela se tornou
douta na verdadeira Sabedoria.
Tem fé, fica em paz. Não há miséria que
o meu Filho não possa transformar em riqueza e não há solidão que Ele não possa
preencher, como não há falta que Ele não possa cancelar. O passado não existe
quando o amor o anula. Mesmo que tenha sido um passado horrendo. Queres tu
temer, se não teve medo Dimas, o ladrão? Ama, ama, e não tenhas medo de nada. A
Mãe te deixa a sua benção.
Pg. 21-28
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300 – COM ESCRIBAS E FARISEUS NA CASA
DO RESSUSCITADO NAIM
“Para iniciar na santidade não é
preciso fazer peregrinações. Uma cela ou uma pradaria deserta, um pico de
montanha ou uma casa solitária, servem do mesmo modo. Basta que em quem ensina
haja austeridade e santidade, e em quem ouve, a vontade de santificar-se. É
isto o que Eu ensino, e não outra coisa.”
“Mas os
milagres que agora fazem estes teus discípulos não são mais do que prodígios
e...”
“É a vontade de Deus. Somente isto. E,
quanto mais Santos eles se tornarem, mais milagres farão. Com a oração, o
sacrifício e a obediência deles a Deus. Não com outras coisas.”
“Tens
certeza disso? Pergunta um escriba, segurando o queixo com a mão e medindo a
Jesus de alto a baixo com o seu olhar. E o tom com que ele fala é discretamente
irônico e até compassivo.
“Estas são as armas que Eu dei a eles e
estas doutrinas. Portanto, se entre eles, e são muitos, houver algum que se corrompe
com práticas indignas, por soberba ou outros motivos, não é de mim que eles
recebem este conselho. Eu posso rezar para ver se redima o culpado. Posso
impor-me a mim mesmo duras penitências expiatórias para obter de Deus os
auxílios, e especialmente com as luzes de sua Sabedoria, para que se veja o
erro. Eu posso jogar-me a seus pés, para suplicar-lhe, com todo o meu amor de
irmão, Mestre e amigo, a fim de que deixe a culpa. Nem pensaria estar me
aviltando ao fazer isso, porque o preço de uma alma é tão grande, que vale a
pena sofrer todas as humilhações para conquistá-la. Mais do que isso não posso
fazer. E se, não obstante, a culpa continuar, o pranto e o sangue escorrerão
dos meus olhos e de meu coração de Mestre e amigo traído e incompreendido.”
Que
doçura, e que tristeza na voz e no aspecto de Jesus.
Escribas
e fariseus olham-se uns para os outros. Fazem uma troca de olhares, mas não
dizem mais nada sobre o assunto. Interrogam o ovem Daniel.
“Se
recorda que é a morte? Que sentiu ao voltar à vida? O que viu naquele intervalo
entre a morte e a vida?”
“Eu sei
que estava gravemente doente, e que passei pela agonia. Oh! É uma coisa
terrível. Não me façais pensar nela! E no entanto, virá o dia em que de novo
passarei por ela. Oh! Mestre!”
E
aterrorizado olha para Ele, empalodecendo, ao pensar em ter que morrer de novo.
Jesus o conforta com doçura, dizendo: “A morte é, por si mesma uma expiação.
Tu, morrendo duas vezes ficarás completamente limpo das manchas, e gozarás
imediatamente do Céu. Mas, que este pensamento te faça viver como santo, de
modo que haja um ti somente culpas involuntárias e veniais.”
Ai os
fariseus voltam a atacar. “Mas, que foi que sentiste ao voltares à vida?”
“Nada, eu
encontrei-me vivo e são, como se tivesse despertado de um sonho longo e
pesado.”
“Mas te
lembras de teres morrido?”
“Eu me
lembrava de que tinha estado muito doente, tendo chegado a agonia, e basta.”
“E que
lembranças tem do outro mundo?”
“Nenhuma.
Não tenho nada. É um buraco negro, um espaço vazio em minha vida.”
“Então
para ti não existem o Limbo, nem o Purgatório, nem o Inferno?”
“Quem é
que dizem que não existem? Certamente eles existem, mas eu não me lenbro
deles.”
“Mas, tu
tens certeza de teres estado morto?”
Neste
ponto reagem violentamente todos os habitantes de Naim: “Se ele estava morto?
Que quereis mais do que isso. Quando o colocamos no caixão, o corpo dele já
estava começando a cheirar mal. E, então? Com todos aqueles bálsamos e aquelas
faixas, até um gigante estaria morto.”
“Mas tu
não te lembras de teres estado morto?”
“Eu já
disse que não. Que estais querendo concluir com lúgubres discursos? Que uma
cidade inteira estivesse fingindo ao dizer que eu estava morto, inclusive minha
mãe e minha noiva, que estava ao lado de minha cama quase morta de tristeza, e
eu, tendo sido enfaixado, embalsamado, sem que nada daquilo fosse verdade? Que
dizeis vós? Diríeis que em Naim todos fossem crianças ou idiotas, que queriam
divertir-se? Minha mãe em poucas horas ficou de cabelos brancos. Minha noiva
teve que passar por um tratamento, porque a tristeza e a alegria a haviam
tornado quase louca. E vós ainda duvidais? E para que haveríamos de ter feito
uma coisa destas?
“Para
que? É verdade. Para que teríamos feito?” Dizem os de Naim.
Jesus não
diz nada. Ele se entretém pegando e examinando a toalha da mesa, como faria
alguém que estivesse distraído ou fora do assunto. Os fariseus não sabem o que
dizer. Mas Jesus, de repente, abre a boca, quando a conversação terminou e o
assunto ficou esgotado, e diz: “A razão é a seguinte. Esses aí querem dizer que a tua
ressurreição não foi nada mias do que um plano combinado e bem feito para
aumentar a estima que as multidões já sentem por mim. Eu teria sido o
idealizador do plano, e vós os meus cúmplices, para mentir a Deus e ao próximo.
Não. Eu deixo os embustes para os que não têm nenhuma dignidade. Eu não tenho
necessidade de feitiçarias, nem de estratagemas, brincadeiras e culplicidades
para ser o que Eu sou. Por que quereis vós negar a Deus o poder de restituir a
alma a um corpo de carne? Se Ele a dá quando começa a formar-se a carne, se
cria as almas uma de cada vez, não poderá dar-lhe de novo, quando a alma,
voltando à carne pela oração do seu Messias, pode ser um estímulo para a volta
à verdade por parte de numerosas multidões? Podeis negar a Deus o poder de
operar milagres? Por que lho quereis negar?”
“És tu
Deus?”
“Eu sou o que sou. Os meus milagres e a
minha doutrina dizem quem Eu sou.”
“Mas,
então, por que é que este não se lembra de nada, quando os espíritos que são
evocados sabem dizer como são as coisas no além túmulo?”
“Porque esta alma fala a verdade, já
santificada como está pela penitência de uma primeira morte, ao passo que o que
dizem os necromantes não é verdade.”
“Mas,
Samuel...”
“Mas Samuel veio por ordem de Deus, e
não da feitiçaria, para trazer ao que foi infiel à Lei a palavra da verdade da
parte do Senhor, porque ninguém pode rir-se das suas ordens.”
“E, então
porque os teus discípulos fazem isso?” A voz arrogante de um fariseu, que quer
realçar vivamente o tom da mesma, chama a atenção dos apóstolos, que estão na
sala da frente, separados desta apenas por um corredor, que tem a largura de
pouco mais de um metro e que não têm portas, nem cortinas pesadas. Ao
perceberem que parecia que estavam sendo chamados, eles se levantam e, sem
fazerem barulho, vão até o corredor, e ficam escutando.
“Em que ponto eles estão fazendo?
Explica-te bem e, se a tua acusação for verdadeira, Eu os avisarei a fim de que
não façam mais uma coisa contrária à Lei.”
“Em que
ponto o fazem, eu o sei e comigo muitos outros o sabem. Mas, tu, que
ressuscitas os mortos, e te dizes mais que um profeta, descobre-o por ti mesmo.
Certamente nós te diremos. Afinal, tu tens olhos para verem muitas outras
coisas, feitas quando não devem ser feitas, ou não feitas quando o deveriam
ser, faltas essas cometidas pelos seus discípulos. E tu não cuidas disso.”
“Quereis indicar-me algumas delas?”
“Por que
os teus discípulos transgridem as tradições dos antigos? Hoje nós o ficamos
observando. Hoje mesmo! Faz menos de uma hora. Eles entraram na sla deles para
comer, e não se purificaram, lavando antes as mãos!”
“Vós os ficastes observando, sim. Há
tantas coisas que podemos ver. Coisas belas e coisas boas. Coisas que nos levam
a bendizer o Senhor por ter-nos dado a vida, para que tivéssemos ocasião de
vê-las, e porque Ele criou e permitiu a existência daquelas coisas. Mas vós não
as observais. E, como vós, muitos outros. Mas vós perdeis o tempo e a paz, ao
procurardes ir atrás das coisas não boas.
Sois semelhantes a chacais, ou melhor,
a hienas, que vão correndo guiadas pelas emanações de algum fedor, sem que o
vosso faro seja capaz de sentir as dos perfumes, que vem transportados pelo
vento, que passa pelos jardins cheios de aromas. As hienas não gostam dos
lírios e das rosas, dos jasmins e da cânfora, dos cinamomos e dos cravos. Para
elas estes são odores desagradáveis. Mas o fedor de um corpo já podre, que está
lá no fundo de um precipício ou a beira de uma rodovia, sepultado debaixo das
moitas, onde jogou um assasssino, ou lançado pela tempestade sobre alguma praia
deserta, inchado, arroxeado, arrebentodo, horrível, oh! Esse é o perfume
agradável para as hienas. Elas ficam farejando o vento da tarde, que condensa e
transporta consigo todos os odores que o sol destilou das coisas que ele
aqueceu, para perceberem este especial e convidativo odor. E depois de
descobrirem o rumo dele, e marcarem bem a direção, partem de carreira, com o
focinho levantado, com os dentes já descobertos, tremendo os maxilares,
mostrando um riso histérico, lá se vão para o lugar onde está a carniça podre.
E o cadáver, seja ele de homem ou de algum quadrúpede, de alguma cobra esmagada
pelo camponês, ou de alguma fuinha morta pela canseira, ou mesmo que seja um
simples rato, oh! Como isso lhes agrada. E naquele fedor que está fermentando é
que elas mergulham os seus dentes e comem o seu jantar, lambendo depois seus
beiços.
Há homens que se santificam cada dia?
Isto não é coisa que interesse! Mas se um só homem faz algum mal, ou se mais de
um deixa de cumprir, não um mandamento divino, mas uma prática humana –
chamai-a, se quiserdes, tradição, preceito, mas é sempre uma coisa humana – eis
que então se vai observá-lo. Vai-se também atrás de alguém que é suspeito, só
para se divertir com isso, ao ver-se que a suspeita é realidade.
Então, respondei-me vós, respondei-me
vós que até aqui viestes, não por amor, nem por fé, não por honestidade, mas
com uma intenção maldosa, respondei-me: Por que é que vós transgredis o
mandamento de Deus por uma vossa tradição? Não querereis vós dizer-me que uma
tradição é mais do que um mandamento? Pois bem, Deus disse: Honra a teu pai e à
tua mãe, e quem amaldiçoar o pai e a mãe é réu de morte. E vós, ao contrário
dizeis: Todo aquele que tiver dito ao seu pai e à sua mãe Korban (oferta
sagrada), não está mais obrigado a usar aquilo em favor do pai ou da mãe.
Portanto vós, com a vossa tradição anulastes um mandamento de Deus.
Hipócritas! Bem que disse de vós o
profeta Isaías, profetizando: Este povo me honra com os lábios, mas o seu
coração está longe de mim, e, por isso eles me honram em vão, ensinando
doutrinas e mandamentos humanos.
Vós, enquanto vos discuidais dos
preceitos de Deus, ficais com as vossas tradições dos homens, com as vossas
lavaduras de ânforas e cálices, de pratos e das mãos, e outras coisa
semelhantes. Enquanto justificais a ingratidão e a avareza de um filho, com
oferecer-lhe o pretexto da oferta de um sacrifício, para não dar um pão a quem
o gerou e está necessitado de ajuda, e ele tem a obrigação de honrá-los, porque
são seus genitores, ficais escandalizados porque alguém não lava as mãos. Vós
alterais e violais a palavra de Deus para obedecerdes a palavras feitas por
vós, e por vós estabelecidas como preceitos. Vós assim vos proclamais mais
justos do que Deus. Vós vos arrogais o direito de legisladores, enquanto que só
Deus é o Legislador para o seu povo. Vós...” E Ele
continuaria, mas o grupo inimigo se retira, debaixo de uma saraivada de
acusações, e sai esbarrando nos apóstolos e em todos os que estavam reunidos no
corredor, como hóspedes e ajudantes da dona da casa, que para lá tinham sido
atraídos pelo forte tom da voz de Jesus.
Jesus,
que se havia posto de pé, torna a sentar-se, fazendo sinal aos presentes para
que entrem todos para onde Ele está e lhes diz: “Escutai-me todos, e entendei
bem esta verdade. Não há nada fora do homem que, entrando nele, possa
contaminá-lo. Mas o que sai do homem, isso é o que o contamina. Quem tem
ouvidos para ouvir, ouça, e use de sua razão para compreender e use de sua vontade
para agir. E agora, vamos. Vós de Naim, perseverai no bem, e esteja sempre
convosco a minha paz.”
Jesus se
levanta, saúda em particular os donos da casa, e lá se vai pelo corredor. Mas
Ele vê as mulheres amigas, reunidas em um canto, o olham pasmadas, e vai
diretamente a elas, disendo-lhes: “Paz a vós também. Que o Céu vos pague
por me terdes assistido com um amor que não me deixou ter saudades da mesa de
minha Mãe. Eu percebi o vosso amor de mães em cada migalha de pão, em cada
iguaria ou assado, nos doces com mel, no vinho fresco e perfumado. Querei-me
sempre bem assim, ó boas mulheres de Naim. E, em outra vez, não vos canseis
tanto por mim. Basta-me um pão e um punhado de azeitonas, temperado com o vosso
sorriso materno e o vosso olhar honesto e bom. Sede felizes nas vossas casas,
porque o reconhecimento do Perseguido está sobre vós e Ele parte consolado pelo
vosso amor.”
As
mulheres felizes, mas, assim mesmo chorando, estão todas de joelhos, e Ele, ao
passar, toca levemente nos cabelos brancos ou pretos de cada uma, como a
abençoá-las. Depois sai, e retorna o caminho.
Pg. 36-37
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303 – JESUS COM A MÃE EM NAZARÉ
“Quem
está batendo?”
“Sou Eu minha Mãe!”
“Meu
Filho!” É um doce grito de alegria, e um grito ainda que tenha sido emitido em
baixo tom. Ouve-se o barulho feito pelas mãos nos ferrolhos, e o deslizar
destes... e a porta se abre, deixando passar uma onda de luz dourada por sobre
a escuridão da noite. Maria cai nos braços de Jesus, ali mesmo na entrada, como
se não pudessem tardar nem um minuto, Ele a recebê-la, e Ela a lançar-se sobre
o seu Coração.
“Filho,
meu Filho...”. Beijos e doces palavras: “Minha Mãe – Meu Filho...”
Maria explica
em voz baixa: “Todos estão dormindo. Eu velava... Desde quando voltaram Tiago e
Judas, dizendo que Tu virias depois deles, eu sempre fiquei esperando até
tarde. Estás com frio, Jesus? Sim estás gelado. Vem, eu deixei a lareira acesa.
Vou jogar nela um feixe de gravetos. Assim te aquecerás.” E o leva pela mão,
como se Ele continuasse a ser o seu pequenino Jesus.
A chama
brilha, alegre e crepitante na lareira realimentada. Maria olha para Jesus, que
estende as mãos para aquecê-las perto das chamas. “Como estás pálido! Não
estavas assim, quando nos separamos... Estás ficando magro e descorado meu
Filho. Há tempo, Tu eras de leite e rosas. Mas agora pareces ser feito de
marfim velho. Que houve de novo contigo, meu Filho? Serão como sempre, os
fariseus?”
“Sim... e mais outras coisas. Mas agora
estou feliz, aqui contigo, e logo estarei bem. Este ano as Encênias se fazem
aqui, minha Mãe! Eu atinjo a idade perfeita, aqui ao teu lado. Estás contente?”
“Sim, Mas
a idade perfeita para Ti, meu coração, ainda está longe... És ainda jovem, e
para mim és o meu Menino. Aqui tens o leite quente. Queres bebê-lo aqui, ou
lá?”
“Lá, minha Mãe. Ainda está muito
quente. Eu o beberei, enquanto fores cobrir o tear.”
Voltam
para a saleta, e Jesus se assenta numa caixa-banco, ao lado da mesa, e bebe o
seu leite. Maria olha para Ele, e sorri. E sorri mais ainda, quando toca no
saco que Jesus trouxe, e o põe sobre uma pequena mesa. Sorri tanto, que Jesus
lhe pergunta:
“Que é que estás pensando?”
“Estou me
lembrando de que Tu chegaste justamente no aniversário de nossa partida para
Belém... também naquele dia havia sacos e cofres abertos e cheios de roupas,
especialmente uns paninhos... para um Pequenino, que podia nascer, como dizia
José. Que devia nascer, dizia eu a mim mesma em Belém de Judá... Eu os havia
escondido no fundo, porque José tinha medo disso. Ele não sabia que o
nascimento do Filho de Deus não estaria sujeito, nem por ele mesmo, nem pela
Mãe do Menino, ás misérias do dar à luz e do nascer. Não sabia... e por isso
que tinha medo de estar longe de Nazaré comigo naquele estado. Eu tinha certeza
de que lá eu já seria uma parturiente... Tu estavas muito exultante em mim,
pela alegria de teres chegado ao teu Natal e ao Natal da Redenção, e eu não
podia enganar-me. Os Anjos volteavam, como turbilhões ao redor da Mulher, que
consigo trazia a Ti, meu Deus... Agora, não era mais o Arcanjo sublime, nem era
o dulcíssimo Anjo que me guarda, como faziam eles nos meses que vieram antes.
Agora, eram coros e mais coros de anjos que desciam do Céu de Deus ao meu
pequeno Céu: o meu seio, onde Tu estavas... Eu os ouvia cantar e dizerem uns
aos outros suas palavras de luz... palavras que revelavam a ânsia deles por te
verem, o Deus Encarnado... E eu ao ouvia, durante suas fugas de amor, vindos do
Paraíso para te adorarem a Ti, o Amor do Pai, escondido em meu seio. E eu
procurava aprender as palavras deles... os cantos deles... os seus ardores...
Mas uma criatura humana não pode dizer nem ter coisas do Céu...”
Jesus a
escuta sentado e Ela em pé perto da mesa, como uma sonhadora, e Jesus cheio de
felicidade, com uma das mãos posta sobre a madeira escura, e a outra sobre o
coração... E Jesus lhe cobre a mãozinha branca e gentil com a sua, que é mais
longa e escura, e aperta em seu punho aquela mãozinha santa... E, quando Ela se
cala, quase lastimando-se por não ter podido aprender dos Anjos as palavras, os
cânticos e todos os ardores deles, Jesus diz: “Todas as palavras dos anjos,
todos os seus cantos, todos os seus ardores não me teriam feito feliz sobre a
terra se Eu não tivesse tido os teus, minha Mãe. Tu me disseste e me deste o
que eles não puderam dar-me. Não tu deles, mas eles de ti é que aprenderam...
Vem cá, minha Mãe, ao meu lado, e continua a contar... Não coisas daquele
tempo... mas de agora.”
Pg. 51-53
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313 – PREPARAÇÃO DA PARTIDA DE NAZARÉ
DEPOIS DA VISITA DE SIMÃO DE ALFEU COM A FAMÍLIA. NO TERCEIRO ANO JESUS SERÁ O
JUSTO
“É assim que vai iniciar-se o meu
terceiro ano de vida pública. Ele se inicia com uma partida bem triste, como
também foi o primeiro e o segundo. Ele se inicia com uma grande oração e
penitência, como o primeiro... Porque tem as dificuldades dolorosas do
primeiro, e mais ainda. Naquele tempo Eu me estava preparando para converter o
mundo. Agora, Eu me estou preparando para uma obra bem mais vasta e importante.
Mas, escutai-me bem, e ficai sabendo que se no primeiro Eu fui Homem-Mestre, o
Sábio que invoca a Sabedoria com sua humanidade perfeita e sua perfeição
intelectual, e que no segundo fui o Salvador e Amigo, o Misericordioso, que
passa acolhendo, perdoando, compadecendo-se e suportando, no terceiro Eu serei
o Deus Redentor e Rei, o Justo, não vos espanteis, pois se virdes em mim formas
novas, se no Cordeiro virdes brilhar o Forte.
Que foi que Israel me respondeu, ao meu
convite de amor, ao abrir-lhe os braços dizendo: “Vem, Eu amo e perdoo?” Foi
com uma sempre crescente e obstinada obtusidade e dureza de coração, com a
mentira e com suas ciladas. Pois bem. Assim seja. Eu o havia chamado, em todas
as suas classes, inclinando minha fronte até o pó. E sobre essa Santidade, que
se humilhava, ele ainda escarrou. Eu o havia convidado a santificar-se. E ele
me respondeu endemoninhando-se. Eu cumpri o meu dever em tudo. E ele chamou o
meu dever de “pecado”. Eu calei-me. E ele tomou o meu silêncio por
culpabilidade. Eu falei. E ele chamou a minha palavra de blasfêmia. Agora basta!
Ele não me deixou respirar. Não me
concedeu nenhuma alegria. E a alegria para mim consistia em fazer que Eu
crescesse na vida espiritual dos recém-nascidos para a Graça. São-lhes armadas
ciladas, e eles vêm a mim, que os devo tirar do meu peito, causando a eles e a
mim a angústia que sentem os progenitores e os filhos separados uns dos outros,
a fim de colocá-los a salvo de um Israel malévolo.
Eles, os poderosos de Israel, que se
dizem os “santificadores”, e se gabam de o serem, me impedem a mim e gostariam
de impedir-me de salvar e de alegrar-me com os salvados por mim.
Eu tenho, há já muitos e muitos meses
um Levi publicano em minha amizade e a meu serviço, e o mundo pode ver se
Mateus é um escândalo ou uma emulação. Mas, a acusação continua a ser feita, e
continua a ser feita por causa de Maria de Lázaro e de tantos e tantos outros,
que Eu salvarei.
Agora basta! Eu vou indo pelo meu
caminho sempre áspero e molhado pelo pranto... Eu vou... Nenhuma de minhas
lágrimas cairá em vão. Elas gritam ao meu Pai... E depois, haverá de gritar um
outro humor bem mais poderoso. Eu vou. Eu não me detenho. Quem me ama, que me
siga, e tenha coragem, porque vêm se aproximando as horas da dureza. Eu não me
detenho. Nada me faz parar. Eles também não pararão... Mas, ai deles! Ai deles!
Ai daqueles por cuja causa o Amor tem que virar Justiça! O sinal do novo tempo
vai ser o de uma Justiça severa para todos aqueles que estão obstinados no seu
pecado contra as palavras do Senhor e contra a ação do Verbo do Senhor!”
Jesus
está parecendo um arcanjo punidor. Eu diria que Ele está em chamas, contra a
parede enfumaçada, de tanto que seus olhos estão brilhando... Parece que Ele
brilha até em sua voz, que está com sons agudos como os do bronze e da prata,
quando nesses metais se bate com violência.
Os oito
apóstolos estão pálidos e como que diminuídos pelo temor. Jesus olha para
eles... Com piedade e amor. E diz: “Não digo isto para vós meus amigos.
Não são para vós estas ameaças. Vós sois os meus apóstolos, e Eu vos escolhi.” Sua voz se torna doce e profunda. E Ele termina: “Vamos
até lá. Vamos fazer que os dois perseguidos ouçam – e Eu vos lembro que eles
creem que estão partindo para irem preparar-me o caminho em Antioquia – que nós
os amamos mais do que a nós mesmos. Vinde.
Pg.
107-109
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324 – OS DISCURSOS DOS OITO APÓSTOLOS ANTES DE
PARTIR DE ANTIOQUIA. O ADEUS A JOÃO DE ENDOR E A SÍNTIQUE
Os
apóstolos estão de novo na casa de Antioquia, e com eles estão os dois
discípulos e todos os homens de Antigônio, não mais vestidos com as vestes
curtas de trabalho, mas com vestes longas e festivas. Por aí eu verifico que é
dia de sábado. Filipe roga aos apóstolos que falem pelo menos uma vez a todos
eles, antes da partida, que já está iminente. “Sobre o quê?” “Sobre o que
quiserdes. Vós já ouvistes nestes dias os nossos discursos. Podeis tratar dos
assuntos que ouvistes neles.” Os apóstolos se olham uns aos outros. A quem
caberá a palavra? A Pedro, naturalmente. Ele é o chefe. Mas Pedro não gostaria
de falar, e passa a honra de fazer isso a Tiago de Alfeu e a João Zebedeu. E,
somente quando ele vê que eles não aceitam é que ele se decide a falar.
“Hoje nós
ouvimos na sinagoga o capitulo 52 de Isaías. De um modo douto, conforme o
mundo, mas deficiente, conforme a Sabedoria, é que foi feito o comentário. Não
se deve por isso censurar o comentador, o qual fez o que podia, com sua
sabedoria mutilada, em sua melhor parte, que é o conhecimento do Messias e do
tempo novo que Ele nos trouxe. Mas não façamos críticas, e sim orações para que
ele chegue ao conhecimento dessas duas graças e as possa aceitar com
facilidade. Vós me dissestes que na Páscoa ouvistes falar do Mestre, com fé por
parte de alguns, e com escárnio por parte de outros. E que somente pela grande
fé, que enche os corações da casa de Lázaro, todos os corações, é que tínheis
podido resistir ao mal-estar que aquelas insinuações dos outros queriam
transmitir aos vossos corações, e muito pior ainda, por serem aqueles outros
justamente os rabis de Israel. Mas ser doutos não quer dizer ser santos, nem já
estar de posse da Verdade. A Verdade é esta: Jesus de Nazaré é o Messias
prometido, é o Salvador, do qual falam os profetas, o último dos quais faz
pouco tempo que foi repousar no seio de Abraão, depois do glorioso martírio que
sofreu morrendo pela justiça. João Batista disse, e aqui estão presentes os que
ouviram, estas palavras: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira os pecados do
mundo”. Suas palavras foram cridas pelos mais humildes entre os presentes,
porque a humildade ajuda a chegar à Fé, enquanto que para os soberbos é difícil
o caminho, - carregados como eles estão de tantas coisas - para chegarem ao
cume do monte, onde, casta e luminosa, vive a Fé. Estes humildes, porque eram
tais e porque creram, mereceram ser os primeiros no exército do Senhor Jesus.
Vede, pois, quanto é necessária a humildade, para se ter uma fé pronta, e
quanto e premiado o saber crer, mesmo diante de aparências contrárias. Eu vos
exorto e vos incito a terdes estas duas qualidades em vós, e, então sereis do
exército do Senhor, e conquistareis o Reino dos Céus. A ti, agora, Simão
Zelotes. Eu já falei. Agora, tu, continua.”
O
Zelotes, apanhado assim de improviso, e tão claramente indicado para ser o
segundo orador, deve ir para a frente sem demora e sem reclamação. E ele o faz,
dizendo: “Continuarei o discurso de Simão Pedro, chefe de todos nós por vontade
do Senhor. E continuarei sempre, tomando o assunto do capítulo 52 de Isaías,
visto por um que conhece a Verdade Encarnada, da qual à servo para sempre. Lá
está dito: “Levanta- te, reveste-te de tua força, ó Sião, veste-te para a
festa, ó cidade do Santo”. Assim verdadeiramente devia ser. Porque, quando se
cumpre uma promessa, quando se faz uma paz, cessa, então, uma condenação, e
chega o tempo da alegria, os corações e a cidade deviam vestir-se para a festa,
e levantar de novo as frontes abatidas, sentindo-se não mais odiados, vencidos,
espancados, mas amados e libertados. Não viemos aqui para mover um processo
contra Jerusalém. A caridade, primeira entre todas as virtudes, o proíbe.
Deixemos, pois, de ficar observando os corações dos outros, e olhemos para o
nosso. Enchamos de força o nosso coração com aquela fé da qual falou Simão,
vistamo-nos festivamente, pois que nossa fé secular no Messias vê realizada a
presença dele entre nós. O Messias, o Santo, o Verbo de Deus, já veio. E disso
têm a prova, não somente as almas que já estão ouvindo dizer as palavras da
Sabedoria, que as confortam e infundem nelas santidade e paz, mas até os
corpos. Por obra do Santo, ao qual tudo é concedido pelo Pai, veem-se
libertados dos males mais atrozes e até da morte, para que nas terras dos vales
da nossa Pátria de Israel ecoem hosanas ao Filho de Davi e ao Altíssimo, que
nos enviou o seu Verbo, como havia prometido aos Patriarcas e aos Profetas. Eu,
que vos estou falando, era um leproso, destinado a morrer, depois de anos de
uma angústia cruel, naquela solidão em que ficavam os leprosos, como se fossem
feras. Então, um homem me disse: “Vai a Ele, ao Rabi de Nazaré, e tu ficarás
curado. No corpo. No coração. Sobre o corpo não havia mais aquela doença, que
me separava dos outros homens. E no coração não havia mais aquele rancor, que
nos separa de Deus. E, com uma alma nova, de proscrito, de doente e inquieto,
eu passei a ser o seu servo, chamado para a feliz missão de ir por entre os
homens, amando-os, em nome dele, instruindo-os no único conhecimento que é
necessário e que é o de Jesus de Nazaré, do Salvador. E felizes são aqueles que
creem nele. Fala tu, agora, Tiago de Alfeu.”
“Eu sou o
irmão do Nazareno. Meu pai e o pai dele eram irmãos, nascidos de um mesmo seio.
Contudo, eu não posso dizer-me irmão, mas servo dele. Porque a paternidade de
José, irmão de meu pai, foi uma paternidade espiritual, e em verdade eu vos
digo que o verdadeiro Pai de Jesus, nosso Mestre, é o Altíssimo que nós
adoramos, o Qual permitiu que sua Divindade, Una e Trina, se encarnasse na
Segunda Pessoa, e viesse à terra, permanecendo, contudo, sempre unida com as
outras Duas, que habitam no Céu. Porque isso Deus pode fazer, sendo Ele
infinitamente poderoso. E Ele o faz por amor, já que o amor é a sua natureza.
Jesus de Nazaré é o nosso irmão, ó homens, porque nasceu de uma mulher e é
semelhante a nós por sua humanidade. É o nosso Mestre, porque Ele é Sábio, é a
própria Palavra de Deus, que veio falar-nos, para fazer que sejamos de Deus. E
é nosso Deus, sendo um só com o Pai e o Espírito Santo, com os quais está
sempre em união de amor, de poder e por natureza. Esta verdade, que, com
manifestas provas, me foi dado conhecer, o Justo, que foi meu parente, ficai,
vós também, de posse dela. E contra o mundo, que procura roubar-vos de Cristo,
dizendo: “Ele é um homem como os outros”, respondei, dizendo: “Não. Ele é o
Filho de Deus, é a Estrela nascida de Jacó, é a vara que se levanta lá, em
Israel, é o Dominador”. Não vos deixeis levar por nada. Esta é a Fé. Fala, tu, agora, André.”
“Esta é a
Fé. Eu sou um pobre pescador do lago da Galileia e, nas silenciosas noites de
pesca, sob a luz dos astros, eu tinha mudos colóquios comigo mesmo. Eu dizia:
“Quando virá? Estarei eu ainda vivo? Faltam ainda muitos anos, conforme a
profecia.” Para o homem, que tem uma vida limitada, até umas poucas dezenas de
anos já parecem séculos... Eu me perguntava: “Como virá Ele? Onde? De quem? E a
minha obtusidade humana me fazia sonhar com régios esplendores, régias moradas,
cortejos, clamores, poder, e uma majestade de um brilho insuportável... Eu dizia:
“Quem poderá olhar para este grande Rei?” Eu pensava que Ele fosse mais
aterrorizante, quando se manifestasse, do que o próprio Javé no Sinai. E dizia
a mim mesmo: “Lá no Sinai os hebreus viram o monte relampejar, e só não ficaram
reduzidos a cinzas, porque o Eterno lhes falava por detrás das nuvens. Mas
aqui, Ele olhará para nós com olhos mortais e nós morreremos...” Eu era
discípulo do Batista. E, quando não estava pescando, eu ia a ele, com outros
companheiros. E acontece que um dia deste mês... As margens do Jordão estavam
cheias de multidões que tremiam, quando o Batista falava. Eu havia notado um
jovem belo e calmo, que vinha vindo por um caminho, em direção a nós. Era
humilde em suas vestes mas doce em seu semblante. Parecia pedir amor e dar amor.
Seus olhos azuis pousaram um momento sobre mim, e eu senti uma coisa, que nunca
havia sentido. Parecia-me estar sendo acariciado em minha alma, estar sendo
tocado de leve pelas asas de um anjo. Por um momento, eu me senti tão longe da
terra, tão diferente, que cheguei a dizer: “Agora estou morrendo! Este é o
chamado que Deus faz ao meu espírito.” Mas eu não morri. Fiquei fascinado, ao
contemplar aquele jovem desconhecido que, por sua vez, havia fixado os seus
olhos azuis sobre o Batista. E o Batista virou-se, correu até Ele e o saudou,
inclinando-se. Falaram um com o outro. E, como a voz de João era sempre no
mesmo tom, as misteriosas palavras chegaram até mim, que as estava escutando,
cheio do desejo de saber quem era aquele jovem desconhecido. Minha alma o ouvia
e o achava diferente de todos. João disse: “Eu é que deveria ser batizado por
Ti...” Mas Jesus disse: “Deixa por enquanto. Convém cumprirmos toda a
justiça...” João havia dito: “Virá aquele, ao qual eu não sou digno de desatar
os cordões das sandálias.” Ele tinha dito: “Entre vós, em Israel, está Alguém
que vós não conheceis. Ele já tem na mão a peneira, e vai limpar o seu terreiro
e atear nas palhas um fogo que não se acaba.” Eu tinha, pois, diante de mim um
jovem do povo, de aspecto manso e humilde e, no entanto, ouvi dizer que era
Aquele do qual nem mesmo o Santo de Israel, o último Profeta, o Precursor, era
digno de desatar as sandálias. Eu ouvi dizer que Ele era Aquele que nós não
conhecíamos. Mas eu não fiquei com medo dele. Pelo contrário, quando João,
depois do super-extasiante trovão de Deus, depois do inconcebível esplendor da
Luz, em forma de uma pomba de paz, disse: “Eis o Cordeiro de Deus”, eu, com a
voz da alma, muito alegre por ter pressentido que aquele jovem manso e humilde
de aspecto era o Rei Messias, gritei, com a voz do meu espírito: “Eu creio!” É
por causa dessa fé que eu sou servo dele. Sede-o vós também, e tereis paz.
Mateus, cabe a ti narrar as outras glórias do Senhor.”
“Eu não
posso usar das palavras serenas de André. Ele era um justo, eu era um pecador.
Por isso, não tem cores festivas a minha palavra, mas tem a paz de um salmo,
cheia de confiança. Eu era um pecador. Um grande pecador. Vivia no erro
completo. Eu me havia endurecido e não me sentia mal. Se alguma vez os fariseus
ou o sinagogo me açoitavam com os seus insultos ou censuras, falando em Deus,
que é um juiz inexorável, eu, por um momento, ficava horrorizado... mas eu me
arrimava nesta estulta ideia: “Eu já estou completamente condenado. Por isso,
vamos gozar, ó meus sentidos, enquanto pudermos.” E, então, mais do que nunca,
eu me aprofundava no pecado. Já há duas primaveras que um Desconhecido veio a
Cafarnaum. Também para mim Ele era desconhecido. E o era para todos, pois
estava no começo de sua missão. Só poucos homens já o conheciam, sabiam quem
Ele realmente era. Estes que aqui estais vendo, e mais uns poucos outros. Eu
fiquei admirado de sua esplêndida virilidade, mais casta do que a de uma
virgem. Esta foi a primeira coisa que me surpreendeu nele. Eu via como Ele,
sério e, no entanto, estando sempre pronto a ouvir os meninos, que iam até Ele,
como as abelhas vão a uma flor. O único entretenimento dele eram os brinquedos
inocentes deles e as palavras sem malícia deles. Depois fiquei maravilhado com
o seu poder. Ele fazia milagres. E eu disse: “Ele é um exorcista. Um santo.”
Contudo, eu me sentia tão vituperável diante dele, que me esquivava a
encontrar-me com Ele. Mas Ele me procurava. Ou talvez eu tivesse a impressão de
que Ele o fazia. Ele não dava uma volta ao redor de minha banca, sem que
ficasse me olhando com aquele seu olhar doce e um pouco triste. E, cada uma
daquelas vezes, em mim havia um sobressalto da consciência, que estava
entorpecida, mas que já não voltava mais ao grau de torpor de antes. Um dia - as
pessoas estavam sempre elogiando as palavras dele -, eu tive o desejo de ir
ouvi-lo. E, tendo ido esconder-me atrás do canto de uma casa, eu o ouvi falando
a um pequeno grupo de homens. Falava com simplicidade a respeito da caridade,
que é como uma indulgência para os nossos pecados... Desde aquela tarde, eu, o
avarento e duro de coração, quis fazer por onde. Deus me perdoasse muitos
pecados... Comecei a fazer as coisas em segredo... Mas Ele sabia que era eu,
porque Ele tudo sabe. Uma outra vez eu o ouvi explicar justamente o capítulo 52
de Isaías: dizia Ele que em seu Reino, na Jerusalém Celeste, não haverá imundos
e incircuncisos de coração, e prometia que aquela Cidade celeste, de cuja
beleza Ele falava com uma palavra tão persuasiva, que eu tenho saudades dela,
cidade aquela que haveria de ser de quem o acompanhasse. E depois... E
depois... Oh! Aquele não foi um dia de tristeza, mas de ordem. Feriu o meu
coração, despiu a minha alma e a cauterizou, pegou-a com seu punho, esta pobre
alma doente, torturou-a com seu amor exigente... E eu fiquei com uma alma nova.
Eu fui à direção dele, com arrependimento e desejo. Ele não esperou que eu lhe
dissesse: “Senhor, tem piedade!” Ele disse: “Segue-me!” O manso havia vencido
Satanás, no coração do pecador. E que isto vos ensine, se algum de vós está
perturbado por culpas, que Ele é o Salvador bom e que não é preciso fugir dele,
mas, quanto mais pecadores formos, vamos a Ele com humildade e arrependimento
para sermos perdoados.” Tiago de
Zebedeu, fala tu.”
“Na verdade,
não sei o que dizer. Vós falastes e dissestes o que eu teria dito. Porque a verdade
é esta, e não pode mudar. Eu também estava com André à margem do Jordão, e não
prestei atenção em Jesus, senão quando no-lo mostrou o Batista. Mas eu
acreditei logo, e quando Ele partiu, depois de sua luminosa manifestação, eu
fiquei como alguém que sai de um cume cheio de sol para ser fechado dentro de
um cárcere escuro. Eu ficava angustiado por não encontrar o sol. O mundo estava
todo cheio de luz, depois que me havia aparecido a Luz de Deus, e que depois me
desaparecera. Entre os homens eu estava sozinho. Enquanto eu me saciava, ficava
com fome. Durante o sono, eu velava com minha melhor parte e o dinheiro, a
profissão, os afetos, tudo, haviam passado para trás deste desejo ardente dele,
sem ter outros atrativos. Como um menino que perdeu a mãe, eu gemia: “Volta,
Cordeiro do Senhor! Ó Altíssimo, como mandaste Rafael para guiar Tobias, manda
o teu anjo para conduzir-me pelos caminhos do Senhor, para que eu o encontre, o
encontre, o encontre!” Contudo, quando depois de dezenas de dias de uma inútil
espera, de buscas cansativas, que, por sua inutilidade, nos tornavam mais cruel
a perda do nosso João, parado pela primeira vez, Ele nos apareceu no caminho, e
estava vindo do deserto, eu não o reconheci logo. E aqui, meus irmãos no
Senhor, quero aproveitar para ensinar-vos um outro caminho para ir a Ele e
reconhecê-lo. Simão de Jonas disse que é preciso ter fé e humildade para
reconhecê-lo. Simão Zelotes confirmou também a absoluta necessidade da Fé, para
reconhecer em Jesus de Nazaré Aquele que é, no Céu e na terra, conforme tudo o
que foi dito. E Simão Zelotes, precisava de uma fé bem grande, até para esperar
pelo seu corpo, que estava irremediavelmente doente. Por isso Simão Zelotes diz
que Fé e Esperança são os meios para termos o Filho de Deus. Tiago, irmão do
Senhor, fala do poder da Fortaleza para conservar o que se encontrou. A
Fortaleza que impede que as insídias do mundo e de Satanás tirem a base da
nossa Fé. André mostra toda a necessidade de unir à Fé uma santa sede de
Justiça, procurando conhecer e reter a Verdade, seja qual for a boca santa que
a anuncia, não pelo orgulho humano de parecer douto, mas pelo desejo de
conhecer a Deus. Quem se instrui na verdade, encontra a Deus. Mateus, que antes
foi pecador, vos indica um outro caminho pelo qual se chega a Deus: despojar-se
da sensualidade por espírito de imitação, eu diria, por um reflexo de Deus que
é Pureza infinita. Ele, o pecador é, em primeiro lugar, ferido pela “virilidade
casta” do Desconhecido, que foi a Cafarnaum e, como se esta tivesse o poder de
ressuscitar a sua continência morta, ele proíbe a si mesmo, em primeiro lugar,
a sensualidade carnal, desembaraçando assim o caminho para a vinda de Deus e
para a ressurreição das outras virtudes mortas. Da continência passa para a
misericórdia, da misericórdia para a contrição, da contrição para a vitória
sobre si mesmo e para a união com Deus. “Segue-me”. “Eu vou”. Mas a sua alma já
havia dito: “Eu vou”, e o Salvador já havia dito: “Segue-me”, desde quando,
pela primeira vez, a Virtude do Mestre tinha atraído a atenção do pecador.
Imitai-o. Porque qualquer experiência dos outros, ainda que seja penosa,
serve-nos de guia para evitar o mal e para encontrar o bem naqueles que são de
boa vontade. Eu, por mim, digo que, quanto mais o homem se esforça para viver
pelo espírito, mais se torna apto para reconhecer o Senhor, e uma vida angélica
muito contribui para isso. Entre nós, discípulos de João, aquele que o
reconheceu, depois daquela ausência, foi a alma virgem. Mais ainda do que
André, ele o reconheceu, não obstante a penitência ter mudado o rosto do
Cordeiro de Deus. Por isso, eu digo: “Sede castos para que possais
reconhecê-lo.” Judas, queres tu falar agora?”
“Sim.
Sede castos para que possais reconhecê-lo. Mas, sede-o também para que possais
conservar em vós sua Sabedoria, com seu Amor, com toda a sua Identidade. É
ainda Isaias, que diz no capítulo 52: “Não toqueis no que é impuro...
Purificai-vos, vós que levais os vasos do Senhor”. É bem verdade que toda alma,
que se faz sua discípula, é semelhante a um vaso cheio pelo Senhor, e o corpo
que a contém é como quem leva o vaso consagrado ao Senhor. Deus não pode estar
onde está a impureza. Mateus disse como foi que o Senhor explicou que nada de
imundo, de separado de Deus haverá na Jerusalém celeste. Sim. Mas é necessário
que não seja imundo aqui em baixo, nem separado de Deus, para se poder entrar
lá. Infelizes daqueles que vão adiando até à última hora para se arrependerem.
Nem sempre terão tempo para mudar seus corações no momento do triunfo, e não
gozarão, portanto, dos frutos que daí decorrem. Aqueles, que no Rei Santo e
humilde esperam ver um monarca terreno e, mais ainda, aqueles que têm medo de
ver nele um monarca terreno, estão despreparados naquela hora, arrastados pelo
engano e decepcionados por seus próprios pensamentos, que não são pensamentos
de Deus, mas uns pobres pensamentos humanos, esses pecarão muito mais. A
humilhação de ser homem está sobre Ele. Disso deveremos lembrar-nos. Isaías diz
que todos os nossos pecados fazem que fique mortificada a Pessoa Divina, que
está debaixo de uma aparência comum. Quando eu penso que o Verbo de Deus tem ao
redor de Si, como uma crosta suja, toda a miséria da humanidade, desde quando
esta existe, fico pensando também, com profunda compaixão e profunda
compreensão, no sofrimento que Ele deve sentir por isso, em sua alma sem culpa.
É como a repugnância de uma pessoa sã, que ficasse recoberta de trapos e com as
sujeiras de um leproso. Realmente aquele que foi transpassado por causa de
nossos pecados e todo coberto de chagas por todas as concupiscências do homem.
Sua alma, vivendo entre nós, deve tremer, na convivência conosco, como os que
têm arrepios de febre. Contudo, Ele não fala. Não abre a boca para dizer: “Isto
me faz horror.” Mas abre a boca para dizer: “Vinde a mim, para que Eu vos tire
as vossas culpas.” Ele é o salvador. Em sua infinita bondade, Ele quis esconder
a sua beleza insuportável, para ser observada por nossos olhos. Se ela nos
aparecesse como é vista no Céu, nos teria reduzido a cinzas, como disse André.
Naquela hora, ela se tornou atraente, como a de um Cordeiro manso, para
podermos aproximar-nos dela e salvar-nos. Sua opressão, sua condenação durará
até que, tendo-se consumado o esforço de ser o homem perfeito no meio dos
homens imperfeitos, Ele será exaltado acima da multidão dos que tiverem sido
resgatados no triunfo de sua realeza santa. Deus conhece a morte, a fim de
salvar-nos para a Vida! Que estes pensamentos vos façam amá-lo sobre todas as
coisas. Ele é o Santo. Eu o posso dizer, eu que com Tiago, cresci com Ele. Eu
digo e direi, pronto a dar a minha vida para fazer esta confissão, a fim de que
os homens creiam nele, e tenham a Vida eterna.
João Zebedeu, é a tua vez de falar.”
“Como são
belos sobre os montes os pés do mensageiro! Do mensageiro da paz, daquele que
anuncia a felicidade e prega a salvação, daquele que diz a Sião: “Reinará o teu
Deus!” E estes pés vão indo, incansáveis, já há dois anos pelos montes de
Israel, chamando para a reunião as ovelhas do rebanho de Deus, confortando,
curando, perdoando, dando a paz. A sua paz. Na verdade, eu fico admirado ao ver
que não estremecem de alegria as colinas e não exultam as águas da Pátria, sob
as carícias de seus pés. Mas o que mais me espanta é ver que não estremeçam de
alegria os corações, nem exultem, dizendo: “Louvor ao Senhor! O Esperado
chegou! Bendito o que vem em nome do Senhor!”, o que espalha graças e bênçãos,
paz e salvação, e chama para o seu Reino, abrindo-nos o caminho para ele, o
que, sobretudo, derrama amor em cada um dos seus atos e palavras, em cada
olhar, em cada respiro. Que é, então, este mundo, para ficar cego, diante da
Luz, que está vivendo entre nós? Que lajes, pois, haverá, de mais espessura do
que a pedra que fica nas portas dos sepulcros, que lajes são estas, que muraram
a vista das almas para que não vejam esta Luz? Que montanha de pecados terá o
homem sobre si mesmo para ficar assim, oprimido, separado, cego, ensurdecido,
encadeado, paralisado, para ficar assim inerte, diante do Salvador? Que é o
Salvador? É a Luz unida ao Amor. A boca dos meus irmãos engrandeceu os louvores
do Senhor, revocou as suas obra, relembrou as virtudes, que hão de ser
praticadas, para chegarmos ao caminho. E eu vos digo: Amai. Não há outra
virtude maior e mais semelhante à Natureza dele. Se amardes, praticareis todas
as virtudes, sem cansar-vos, a começar pela virtude da castidade. Não vos será
uma coisa pesada ser castos porque, amando a Jesus, não amareis a nenhum outro
imoderadamente. Sereis humildes, porque vereis nele as suas infinitas
perfeições com olhos de amor e, por isso, não vos ensoberbecereis pelas vossas,
que são mínimas. Sereis pessoas de fé. Quem não crê em quem ama? Sereis
contritos por causa do arrependimento que salva, pois o vosso arrependimento
será sincero, isto é, um arrependimento pela tristeza a Ele causada, e não por
aquela por vós merecida. Sereis fortes. Oh! Sim! Unidos a Jesus seremos fortes!
Fortes contra tudo. Sereis cheios de esperança, porque não duvidareis do
Coração dos corações, que vos ama com todo o seu Ser. Sereis sábios. Sereis
tudo. Amai Aquele que anuncia a felicidade verdadeira, que prega a salvação!
Que vai incansável pelos montes e vales, chamando o rebanho para a reunião, e
no caminho está a paz, pois a paz está no seu Reino, que não é deste mundo, mas
que é verdadeiro, como Deus é verdadeiro. Deixai todos os caminhos, que não
sejam o dele. Livrai-vos de toda nebulosidade. Andai na Luz. Não sejais como o
mundo, que não quer ver a Luz, que não a quer conhecer. Mas ide ao nosso Pai,
que é o Pai das Luzes, que é Luz sem medida, através do Filho, que é Luz do
mundo, para gozar de Deus no abraço do Paráclito, que é o fulgurar das Luzes,
em uma só felicidade de amor, que centraliza os Três em Um só. Ó Infinito
oceano do Amor, sem tempestades, sem trevas, acolhe-nos! A todos nós! Na tua
Paz. A todos! Por toda a Eternidade. A todos sobre a terra, porque te amamos, ó
Deus, e ao próximo como Tu queres. A todos, no Céu. Porque, ainda e sempre,
amamos, não somente a Ti e aos celestes habitantes, mas também, e ainda, aos
irmãos militantes nesta terra, à espera da paz e, como anjos de amor, os
defendemos e socorremos nas lutas e nas tentações, para que eles possam estar
contigo em tua Paz, para glória eterna do Senhor nosso, Jesus, Salvador, Amante
do homem, até o limite sem limite do seu sublime aniquilamento.”
Diz
Jesus:
“E o tormento causado por um homem, não
querido senão por um homem mau, cumpriu-se parando, como um curso d’água que
para em um lago, depois de ter feito o seu percurso... Eu te faço observar como
até Judas de Alfeu, mais alimentado pela Sabedoria do que os outros, lê a
passagem de Isaías sobre os meus sofrimentos de Redentor, uma explicação
humana. E assim estava todo Israel, que se recusava a aceitar a realidade
profética, e contemplava as profecias sobre as minhas dores como alegorias e
símbolos. O grande erro, pelo qual, na hora da Redenção bem poucos em Israel
souberam ainda ver o Messias naquele Condenado. A Fé não é somente uma coroa de
flores. Ela também tem espinhos. E é santo aquele que sabe crer nas horas de
glória, como nas horas trágicas, e sabe amar, tanto quando Deus o cobre de
flores, como quando o coloca sobre espinhos.
Pg.
168-179
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327 – NOS CONFINS DA FENÍCIA. DISCURSO
SOBRE A IGUALDADE DOS DONS E PARÁBOLA DO FERMENTO
A estrada, que da Fenícia vai para
Ptolemaida, é uma bela estrada, de traçado em linha reta, na planície, entre o
mar e os montes. E, pelo modo como é conservada, deve ser muito frequentada. Em
muitos pontos é atravessada por estradas menores que, dos povoados do interior,
se dirigem para os da costa, tem diversas encruzilhadas, junto às quais há,
quase sempre, uma casa, um poço e uma rudimentar alveitaria, que atende também
aos quadrúpedes, que possam estar precisando de ferraduras. Jesus percorre um
bom trecho da estrada uns dois quilômetros ou mais com os seis que ficaram com
Ele, sempre vendo as mesmas coisas. Afinal, Ele para perto de uma dessas casas
com poço e alveitaria, em uma encruzilhada, ao lado de uma torrente, sobre a
qual há uma ponte que, por robusta que seja, tem apenas a largura que basta para
um carro, e assim faz que nela seja o ponto de parada forçada para quem vai e
para quem vem, porque os que vêm de lados opostos não podem passar ao mesmo
tempo.
E isto serve de pretexto aos que por
ali passam, pessoas de raças diferentes, pelo que eu estou podendo deduzir, por
exemplo, fenícios e israelitas verdadeiros e autênticos, e que têm ódio uns aos
outros, para se encontrarem ali, com uma única intenção: a de rogarem pragas a
Roma... Sem Roma eles não teriam nem aquela ponte e, com a cheia da torrente,
não teriam também nem podido passar. Mas, não importa! O opressor é sempre
odiado, ainda que ele faça coisas úteis! Jesus para perto da ponte, no lado
cheio de sol onde está a casa que, do lado da torrente, fica perto da
malcheirosa alveitaria, na qual estão forjando as ferraduras para um cavalo e
dois burros, que perderam as que iam levando.
O cavalo está atrelado a um carro
romano, no qual estão alguns soldados, que se deleitam em fazer caretas para os
hebreus, que lhes rogam pragas. E a um velho narigudo, mais irado do que os
outros, uma verdadeira língua viperina que eu acho que de boa vontade iria
morder os romanos para envenená-los, eles lhe atiram em cima uma mãozada de
estrume de cavalo... Imaginai o que aconteceu! O velho hebreu sai dali gritando,
como se o tivessem infectado de lepra e a ele se unem em coro outros hebreus.
Os fenícios gritam, zombeteiros: “Gostastes do maná novo? Comei, comei, a fim
de terdes fôlego para gritar contra os que são bons demais para convosco,
víboras hipócritas.” Os soldados escarnecem deles... Jesus cala.
O carro romano finalmente parte, e os
soldados saúdam ao ferrador com este grito “Salve, ó Tito, e que passes bem!” O
homem, um garboso ancião, tem um pescoço de touro, um rosto imberbe, uns olhos
muito pretos, ao lado de um nariz volumoso, sob o alpendre de uma fronte
saliente e ampla, um pouco calva pois são poucos os cabelos e, nos pontos em
que existem, são curtos e um pouco crespos. Ele levanta o martelo, num gesto de
despedida, depois se vira de novo para a bigorna, sobre a qual um jovem acabou
de pôr um ferro em brasa, enquanto um outro rapaz está queimando o casco de um
burrinho, a fim de prepará-lo para a próxima ferração.
“São quase todos romanos estes
ferradores, ao longo das estradas. São soldados que ficaram por aqui, depois de
terem prestado o serviço militar. E aqui eles ganham... Não estão impedidos
nunca de cuidar dos animais... E um burro pode perder a ferradura antes do
pôr-do-sol do sábado, ou no tempo das Encênias...”, observa Mateus.
“Aquele que ferrou para nós o Antônio
era casado com uma hebreia”, diz João.
“As mulheres tolas são em maior número
do que as mulheres sábias.”, sentencia Tiago de Zebedeu.
“E os filhos, de quem são? De Deus, ou
do paganismo?”, pergunta André.
“São do cônjuge mais forte, quase
sempre”, responde Mateus.
“Mas, uma vez que a mulher não seja uma
apóstata, eles são hebreus, porque o homem, estes homens, consentem que assim
seja. Eles não são muito fanáticos, nem com o seu Olimpo. Eu acho que eles não
creem em nada mais, a não ser na necessidade do seu ganho. Eles são cheios de
filhos.”
“Suas uniões, porém, são desprezíveis.
Eles não têm uma fé, uma verdadeira pátria... são malvistos por todos...”, diz
Tadeu.
“Não. Estás enganado. Roma não os
despreza. Pelo contrário, os ajuda sempre. Eles lhe servem mais agora do que
quando portavam as armas. Eles penetram entre nós mais pela corrupção do
sangue, do que pela violência. Quem sofre, quando isso acontece, é a primeira
geração. Depois eles se espalham e o mundo se esquece...”, diz Mateus, que
parece muito bem informado.
“Sim,
são os filhos os que sofrem. Mas também as mulheres hebreias assim unidas...
Sofrem por elas mesmas e pelos seus filhos. Tenho dó deles. Ninguém lhes fala
mais de Deus. Mas isto não será mais assim no futuro. Então, não haverá mais
tais separações entre criaturas e nações, porque as almas estarão unidas numa
só Pátria: a minha”, diz Jesus, que até aqui havia
ficado calado. “Mas, então, elas estarão mortas!”, exclama João.
“Não.
Elas serão acolhidas em meu Nome. Não haverá mais romanos, nem líbios, nem
gregos, nem pônticos, nem ibéricos, nem gauleses, egípcios nem hebreus, mas são
almas de Cristo. E aí daqueles que quiserem distinguir as almas, todas por Mim
igualmente amadas, e pelas quais, de modo igual, Eu terei sofrido, sejam quais
forem as suas pátrias terrenas. Aquele que assim fizesse demonstraria não ter
compreendido a Caridade, que é universal.” Os
apóstolos percebem a censura que está nestas palavras, inclinam suas cabeças, e
ficam calados... O barulho da marreta batida na bigorna cessou, e já se vão
espaçando mais as marteladas sobre o casco do último burro. Jesus aproveita,
então, para levantar a voz e fazer-se ouvir pela multidão. Parece que Ele está
continuando a falar o que estava dizendo aos apóstolos. Na realidade, porém,
Ele está falando aos que vão passando, e talvez também aos que estão dentro da
casa, certamente algumas mulheres, porque o barulho que de lá está vindo pelos
ares é de vozes femininas.
“Ainda que pareça não haver parentesco,
ele sempre existe entre os homens. É aquele parentesco por parte do único
Criador, que foi o mesmo para todos. E, se depois os filhos de um Pai único se
foram separando, isso não significa que se alterou o liame de origem, assim
como não fica mudado o sangue de um filho, quando ele abandona a casa paterna.
Nas veias de Caim estava o sangue de Adão, mesmo depois que seu delito o
obrigou a fugir pelo mundo a fora. E nas veias dos filhos nascidos depois das
dores de Eva, que gemeu sobre o cadáver de seu filho assassinado, estava o
mesmo sangue que circulava nas do distante Caim. A mesma coisa, e ainda com
mais razão, se pode falar sobre a igualdade entre os filhos do Criador.
Estão eles dispersos? Sim. Estão
exilados? Sim. São culpados? Sim. Falam outra línguas, e creem em outra fé por
nós não aceita? Sim. Estão eles corrompidos por uniões com os pagãos? Sim.
Mas a alma deles veio de Um só, e há de
ser sempre ela, ainda que ferida, desviada, exilada, corrompida... Ainda que
seja um motivo de dor para Deus Pai, ela é sempre uma alma por Ele criada. Os
filhos bons de um Pai muito bom devem ter sentimentos bons. Bons para com o
Pai, bons para com os irmãos, tais como eles se tornaram, porque são filhos de
um mesmo Pai. Bons para com o Pai, procurando consolá-lo em sua dor, fazendo
voltar a Ele os filhos causadores de sua dor, ou porque são pecadores, ou se
tornaram apóstatas, ou porque são pagãos. Bons para com os próprios homens,
porque eles tem uma alma, que veio do Pai, e está encerrada num corpo culpado,
embrutecida, tornada obtusa por alguma religião errada, mas sempre uma alma do
Senhor, igual a nossa. Lembrai-vos, ó vós de Israel, de que não há ninguém,
ainda que fosse o idólatra mais afastado de Deus, por uma religião idólatra,
ainda que fosse o mais pagão entre os pagãos, ele não estaria absolutamente
privado de um traço de sua origem.
Lembrai-vos, ó vós que errastes, ao
afastar-vos da justa Religião, descendo a uma mistura de sexos que a nossa
Religião condena e, ainda que vos pareça que o que era Israel já morreu em vós,
e morreu sufocado pelo amor à um homem de fé e raça diferente, morto não está.
É alguém que ainda está vivo. É Israel. E vós tendes o dever de soprar sobre
este fogo que está morrendo, de sustentar a labareda, que subsiste ainda por
vontade de Deus, para fazê-la crescer acima do amor carnal. Este acaba com a
morte. Lembrai-vos disso. E vós, vós, quem quer que sejais, que estais vendo, e
muitas vezes ficais horrorizados ao verdes os híbridos conúbios de filhas de
Israel com alguém de outra raça ou de outra fé, lembrai-vos que tendes a
obrigação, o dever de ajudar com caridade a irmã extraviada, para que ela
reencontre os caminhos do Pai. Esta é a Nova Lei, santa e agradável ao Senhor:
que os seguidores do Redentor redimam onde houver alguém para ser redimido, a
fim de que Deus sorria pelas almas que voltam à casa Paterna, e para que não
fique estéril ou muito vilipendiado o sacrifício do Redentor.
Para fazer que muita farinha fermente,
a dona de casa toma um pouquinho da massa feita na semana que passou. Oh!
Apenas uma migalha é tirada da grande quantidade de massa. E ela a enterra na
montanha de farinha e conserva tudo isso ao abrigo dos ventos contrários, à
temperatura morna e propícia da casa. Fazei assim, vós que sois seguidores do
Bem, fazei assim vós, ó criaturas, que vos afastastes do Pai e do seu Reino.
Dai vós, por primeiro uma migalha do vosso fermento para aumentar e ajudar as
moléculas da justiça que ainda subsiste nelas.
E vós e elas conservai o fermento novo
ao abrigo dos ventos contrários do Mal, na temperatura agradável da Caridade,
conforme o vosso estado, se ela é que manda em vós como senhora, ou se ainda se
esforça para estar viva em vós, por mais que já esteja moribunda. Fechai ainda
as paredes da casa de uma falta de religião a respeito daquilo que está
fermentando no coração de uma pessoa que tem a vossa mesma fé, mas está tão
desviada, que se sinta ainda amada por Israel, ainda filha de Sião e irmã
nossa, para que assim fermentem todas as boas vontades e venha às almas e para
as almas todas o Reino dos Céus.”
“Mas,
quem é? Mas, quem é?”, perguntam as pessoas, que não estão mais com pressa de
passar, mesmo que a ponte já esteja livre, e também de continuar a viagem,
depois de já a terem atravessado.
“É um
rabi.” “Um rabi de Israel.”
“Quem?
Aqui nos confins da Fenícia? É a primeira vez que isto acontece!”
“No
entanto, assim é. Aser me disse que Ele é aquele a quem chamam o Santo.”
“Então, talvez esteja procurando refugiar-se
entre vós, porque lá o estão perseguindo.”
“Eles são
como certos répteis!”
“Que bom
que Ele venha para o meio de nós. Fará milagres...”
Enquanto
isso, Jesus se afastou, tomou um caminho através dos campos, e lá se vai.
Pg. 194/196
329 – NO MERCADO DE ALEXANDRECENE. A
PARÁBOLA DOS OPERÁRIOS DA VINHA
Jesus
subiu sobre uma caixa colocada encostada a parede. Por isso, Ele está bem
visível a todos. Sua doce saudação já se espalhou pelos ares e foi seguida por
essas palavras: “Filhos de um único Criador, ouvi!” E depois prossegue, no meio
de um auditório atento:
“O tempo da Graça chegou para todos,
não só para Israel, mas para todo o mundo. Homens hebreus, cada qual com
motivos diferentes, os prosélitos, os fenícios, os pagãos, todos vós, ouvi a
Palavra de Deus, compreendei a justiça, conhecei a caridade. Se tiverdes
Sabedoria, justiça e caridade, tereis os meios de chegardes ao Reino de Deus,
aquele Reino que não é exclusivamente para os filhos de Israel, mas é para
todos aqueles que, de agora em diante amarem o Verdadeiro e único Deus, e crerem
na palavra do seu Verbo.
Escutai, Eu vim de muito longe, não com
planos de usurpador, nem com a violência do conquistador. Eu vim somente para
ser o Salvador de vossas almas. O domínio, as riquezas, os cargos, não me
seduzem. Tudo isso para mim é nada, e nem olho para isso. Ou melhor, Eu só olho
para ter dó deles, pois fazem compadecer-me, pois são tantas outras correntes
para conservarem prisioneiro o vosso espírito, impedindo-o de ir ao Senhor
Eterno, único, Universal, Santo e Bendito. Eu olho para todos esses, e me
aproximo deles, como quem tem que lidar com as maiores misérias. E procuro
curá-los do seu fascinante e cruel engano, que seduz os filhos do homem, para
que eles possam usar de suas coisas com justiça e santidade, não como umas
armas cruéis, que ferem e matam o homem, e até em primeiro lugar, o espírito de
quem não usa delas retamente.
Mas em verdade Eu vos digo, para mim é
mais fácil curar um corpo disforme do que uma alma deformada. Para mim é mais
fácil dar luz aos olhos apagados, saúde a um corpo moribundo, do que dar luz
aos espíritos e saúde ás almas doentes. Por que assim? Porque o homem perdeu de
vista o verdadeiro fim de sua vida, e se ocupa só com o que é transitório.
O homem não sabe, ou não se lembra, ou
então lembra mas não quer obedecer a esta santa injunção de Senhor, e digo
também para os pagãos que me estão ouvindo, de fazer o bem, que tanto é bem em
Roma, como em Atenas, na Gália como na África, porque a lei moral existe
debaixo de todos os céus e em todas as religiões, em todos os corações. E as
religiões desde a de Deus até a da individual, nos dizem que a parte melhor de
nós sobrevive, e que a segunda, como tiver vivido nesta vida terá marcada
também qual será a sua sorte na outra.
Portanto o fim do homem é conquistar a
paz na outra vida. Não certas coisas como a folgança, a usura, a prepotência, o
prazer, que sendo por tão pouco tempo, são coisas que nem podem ser levadas em
conta, em comparação com uma eternidade de tormentos bem duros. E apesar disso,
o homem não quer saber desta verdade, não quer lembrar-se dela. Se ele não sabe
dela é menos culpado. Se não se lembra dela é culpado até certo ponto, porque a
luz da verdade deve ser mantida acesa, como um facho Santo, nas mentes e nos
corações. Mas se dela não quer recordar-se e, quando ela brilha, se ele fecha
os olhos para não vê-la, considerando-a desagradável como a voz de um reitor
pedante, nesse caso a culpa dele é grave, muito grave.
E, no entanto Deus perdoa, se a alma
renuncia à sua má ação e toma o propósito de procurar chegar por todo o resto
de sua vida ao verdadeiro fim do homem, que é conquistar para si a paz eterna
no Reino do Verdadeiro Deus. Tereis vindo até hoje por uma má estrada? Estais
desanimados e pensando que já é tarde para retomar o bom caminho? Estais desconsolados
e dizendo: “Eu não sabia nada disso”, e por isso sou agora um ignorante e não
sei o que fazer? Não. Não fiqueis pensando que tudo acontece como as coisas
materiais, e que seja preciso muito tempo e muita fadiga para fazer de novo o
que já foi feito, mas agora com Santidade.
A bondade do Eterno e Verdadeiro Senhor
Deus é tão grande que não exige de vós que volteis para trás e percorrais todo
o caminho já feito, até chegardes aquela encruzilhada onde começastes a errar,
deixando o caminho justo para irdes pelo injusto. Aquela bondade é tanta que no
momento em que vós disserdes: “Eu quero estar com a verdade”. Isto é: “Eu quero
ser de Deus, porque Deus é a verdade”, então Deus por um milagre todo
espiritual, infunde em vós a Sabedoria, pela qual vós de ignorantes vos tornais
possuidores da Ciência sobrenatural, de modo igual ao daqueles que já a possuem
há anos.
Sabedoria é querer Deus, amar Deus,
cultivar o espírito, inclinar-se para o Reino de Deus, renunciando a tudo que é
carnal, ao que é mundo, ao que é de Satanás. Sabedoria é obedecer a Lei de
Deus, que é uma lei de caridade, de obediência, de continência, de honestidade.
Sabedoria é amar a Deus com todo o nosso ser e amar ao próximo como a nós
mesmos. Estes são os dois indispensáveis elementos para sermos sábios com a
Sabedoria de Deus. E no próximo estão não só os que são de nosso sangue, da
nossa raça ou religião, mas estão todos os homens, ricos ou pobres, sábios ou
ignorantes, hebreus, prosélitos, fenícios, gregos, romanos...
Sim isso é amor. Eu não sou um Mestre
servil. Eu falo a verdade, porque assim devo fazer, a fim de semear em vós o
que é necessário para terdes a vida eterna. Quer gosteis quer não, Eu vo-lo
devo dizer, para cumprir com o meu dever de Redentor. Portanto amai ao próximo.
Todo o próximo. Com um amor Santo. Não com um sujo concubinato de interesses,
pelo qual se transforma em anátema o romano, o fenício ou o prosélito, ou
vice-versa, enquanto que se o interesse não for a sensualidade ou o dinheiro, a
cobiça da sensualidade ou da vantagem em dinheiro que surgirem entre vós, ai
então não é mais anátema.
Ouve-se
um outro rumorejar da multidão, e os romanos de seu posto de observação no
átrio exclamam: “Por Júpiter! Como fala bem este homem!”.
Jesus
deixa que o rumor se acabe e continua: Amar ao próximo, como gostaríamos de
ser amados. Porque nós não gostamos de ser maltratados, de passar por vexames,
de ser roubados, oprimidos, caluniados, insultados. Até a susceptibilidade
nacional ou individual que nós temos, os outros também a têm. Não façamos pois
uns aos outros o mal, o mal que não gostaríamos que nos fosse feito.
Sabedoria é obedecer, é obedecer aos
dez Mandamentos de Deus:
“Eu sou o Senhor teu Deus. Não tenhas
outro deus além de Mim. Não tenha ídolos, e não prestes culto.”
“Não uses o Nome de Deus em vão. É o
Nome do Senhor teu Deus, e Deus punirá a quem usa dele sem razão, ou para fazer
imprecações, ou para garantia de algum ato pecaminoso.”
“Lembra-te de santificares as festas, O
sábado é consagrado ao Senhor, que nesse dia repousou da Criação e o abençoou e
santificou.”
“Honra a teu pai e a tua mãe, afim de que
vivas em paz por longos anos sobre a terra, e eternamente no Céu.
“Não Matar.”
“Não Cometer adultério.”
“Não roubar.”
“Não dizer falso testemunho contra o
teu próximo.”
“Não desejar a casa, nem a mulher, nem
o servo, sem a serva, nem o boi, o asno, nem nenhuma outra coisa que pertença
ao teu próximo.”
Isto é Sabedoria. Quem faz assim é
sábio, e conquista a Vida e o Reino sem fim. Desde hoje, pois procurai viver segundo
a Sabedoria, dando assim mais importância a ela, do que as podres coisas da
terra.
Que estais dizendo? Falai. Estais
dizendo que já está tarde? Não. Ouvi ainda uma parábola. Um patrão ao despontar
do dia, saiu para contratar trabalhadores para a sua vinha e combinar com eles
em pagar-lhes um denário por dia. Depois saiu novamente a hora tércia e,
pensando que os trabalhadores contratados pela manhã ainda eram poucos e, vendo
pela praça muitos desocupados à espera de quem os contrata-se, chamou-os e lhes
disse: “Ide para a minha vinha que eu vos pagarei o que prometi aos outros.” E
eles para lá se foram.
Saiu o homem outra vez pela hora sexta
e pela nona, e ainda viu outros e lhes disse: “Quereis trabalhar para mim? Eu
pagarei um denário por dia aos meus trabalhadores”. E eles aceitaram e foram.
Saiu o dono da vinha finalmente lá pela
undécima hora e viu outros que por ali estavam despreocupadamente tomando os
últimos raios de sol. “Que estais fazendo aqui, assim despreocupados? Não
tendes vergonha de ficar assim sem fazerdes nada o dia inteiro?”,
perguntou-lhes ele.
“Ninguém nos assalariou por dia.
Teríamos querido trabalhar, ganhar o nosso pão. Mas ninguém nos chamou para a
sua vinha.”
Está bem. Eu vos chamo para a minha
vinha. Ide e recebereis o mesmo pagamento que os outros. Ele assim disse porque
era um patrão bom e tinha dó da humilhação de seu próximo.
Quando chegou à tarde e terminado o
trabalho, o homem chamou o seu feitor e lhe disse: “Chama os trabalhadores e
paga-lhes o salário como foi combinado, mas começa pelos que chegaram por
último, que são os mais necessitados, pois nem tiveram durante o dia o alimento
que os outros receberam uma e mais vezes e que além disso foram os que por
reconhecimento para com a minha compaixão, trabalharam mais do que os outros.
Eu os estava observando. Despacha-os para que possam ir tomar o merecido
descanso, gozando com os seus familiares do fruto do seu trabalho. E o feitor
fez como o patrão lhe ordenou, dando a cada um deles um denário.
Por último chegaram os que haviam
trabalhado desde a primeira hora do dia, e ficaram admirados por receberem eles
também só um denário, e começaram a queixar-se uns com os outros e com o
feitor, e este disse:” Eu recebi esta ordem. Ide reclamar com o patrão e não
comigo.”
E ele foram e disseram: “Tu não estás
sendo justo! Nós trabalhamos doze horas, desde antes do orvalho até o meio dia,
pelo meio do orvalho, e depois expostos ao sol ardente e em seguida dentro da
umidade da tarde, e tu nos deste tanto como aqueles preguiçosos que trabalharam
só uma hora! Por que isso?”, e um especialmente levantava a voz dizendo-se
traído e usado indignamente.
-Meu amigo, em que fui injusto contigo?
O que eu combinei contigo pela manhã? Foi um dia de trabalho contínuo e o
salário de um denário. Não é verdade?
-Sim é verdade. Mas tu pagaste o mesmo
tanto aqueles, por um trabalho menor.
-Tu não estiveste de acordo com aquele
pagamento e não o julgaste justo?
-Sim. Estive de acordo, porque os
outros trabalhavam por menos.
-Foste maltratado aqui por mim?
-Não. Em consciência não.
-Eu te concedi um descanso durante o
dia e a comida, não é verdade? Três refeições eu te dei. E tanto a comida como
o descanso não estavam combinados. Não é verdade?
-Sim não estavam combinados.
-Porque então os aceitastes?
Mas tu já o disseste: Preferi assim
para não fazer que vos canseis, tendo que voltar ás vossas casas. E a nós nem
parecia verdade aquilo...A tua comida era boa. E era uma economia, era...Era
uma graça que eu vos dava gratuitamente e que ninguém podia pretender receber.
Não é verdade?
-É verdade.
-Então eu vos fiz o bem. Por que então
vos estais queixando? Eu que deveria queixar-me de vós que, compreendendo como
devíeis proceder com o patrão com um patrão bom, estáveis trabalhando com
preguiça, enquanto estes últimos que vieram depois de vós, tendo recebido o
benefício de uma só refeição e os últimos até sem nenhuma refeição, trabalharam
com mais afinco, fazendo em menos tempo o mesmo tanto de trabalho feito por vós
em doze horas. Eu vos teria traído se tivesse partido ao meio o salário para
pagar também a estes últimos. Mas não foi assim.
Por isso pega o que é teu e vai-te!
Estarias querendo vir à minha casa para me impores o que queres? Eu faço o que
quero e o que é justo. Não queiras ser malvado, nem tentar-me para que eu seja
injusto. Eu sou bom.
Ó! Vós todos que estais ouvindo, em
verdade Eu vos digo que Deus Pai a todos os homens propõe este mesmo contrato,
e promete uma recompensa igual. A quem com diligência se põe a serviço do
Senhor, Ele dará um tratamento com justiça, ainda que o trabalho seja pouco,
por estar próxima a morte. Em verdade Eu vos digo, que nem sempre os primeiros
serão os primeiros no Reino dos Céus, e que veremos últimos serem os primeiros
e primeiros serem últimos. Lá veremos homens que não são de Israel e mais
Santos do que muitos em Israel. Eu vim para chamar a todos, em nome de Deus.
Mas se muitos são chamados, poucos são os escolhidos, porque poucos são os que
desejam a Sabedoria. Não é sábio quem vive do mundo e da carne, e não de deus.
Não é sábio nem para a terra, nem para o Céu. Porque na terra se criam
inimigos, punições, remorsos. E, quanto ao Céu, esse para eles fica perdido
para sempre.
Eu repito, sede bons para com o
próximo, seja ele quem for. Sede obedientes, deixando para Deus o direito de
punir a quem não é justo e o de dar ordens. Sede continentes, sabendo resistir
à sensualidade e honrados, sabendo resistir ao ouro, e coerentes, sabendo dizer
a anátema a quem merece, e não a quem assim vos parece, a não ser para estreitar
depois contatos com algum objeto que antes foi amaldiçoado como ideia. Não
façais aos outros o que não quereríeis que a vós fosse feito...”
Pg.
206-211
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330 – TIAGO E JOÃO, FILHOS DO TROVÃO.
PARA AQZIB COM O PASTOR ANAS
Jesus
caminha por uma região muito montanhosa. Não são montes altos, mas é um
contínuo subir e descer por colinas e um fluir de torrentes, alegres nesta
estação fresca, e agradáveis, límpidas como o céu, ainda novinhas, como as
primeiras folhinhas, que sempre vão-se tornando mais numerosas sobre os ramos.
Mas, por mais que a estação seja bela e alegre, a ponto de aliviar-nos o
coração, não parece que Jesus esteja muito aliviado em seu espírito, e menos
ainda do que Ele, os Apóstolos. Eles vão indo muito silenciosos, pelo fundo de
um vale. Só os pastores e os rebanhos é o que se apresenta a seus olhos. Jesus,
porém, nem parece vê-los. Um suspiro desconsolado de Tiago de Zebedeu e suas
palavras imprevistas, nascidas de um pensamento aflitivo, é o que chama a
atenção de Jesus...
Tiago
diz: “Derrotas... e mais derrotas! Parecemos uns amaldiçoados...” Jesus lhe põe
a mão sobre o ombro:
“Não sabes que esta é a sorte dos
melhores?”
“É, eu
sei disso, desde que estou contigo! Mas, de vez em quando, seria bom termos
alguma coisa diferente, e antes nós a tínhamos, para animar de novo os corações
e a fé...”
“Estás duvidando de mim, Tiago?” Grande é a dor que há nas palavras trêmulas do Mestre.
“Naaão!”
O “não” dele, na, verdade, não tem muita firmeza.
“Mas, que estás duvidando, estás. De
que é, então, que estás duvidando? Já não me amas como antes? Ao veres que fui
expulso, ou feito objeto de zombaria, ou somente perdido por estes confins da
Fenícia, foi isso que enfraqueceu o teu amor?”
Há um pranto cheio de temor na palavras de Jesus, ainda que não haja soluços
nem lágrimas. É a própria alma dele que está chorando.
“Isto
não, Senhor meu. Pelo contrário, o meu amor por Ti está crescendo mais, quando
Te vejo incompreendido, não querido, abatido, aflito. E, para não ver-te assim,
para poder mudar o coração dos homens, eu estaria pronto a dar a minha vida em
sacrifício. Tu deves crer em mim. Não me fiques triturando o coração, já tão
aflito, com essa dúvida de pensar que eu não te amo. Porque senão... Senão, eu
sairei do sério. Voltarei atrás, e vou tirar vingança de quem te está fazendo
sofrer, para provar-te que te amo, para tirar de Ti esta dúvida, e, se eu for
preso ou morto, pouco me importará. Para mim bastará o ter-te dado uma prova de
amor.”
“Oh! Filho do trovão! Para que tanta
impetuosidade? Queres, então, ser um raio exterminador?” Jesus sorri do ardor e
dos propósitos de Tiago.
“Isto já
é um fruto destes meus propósitos. Que dizes, João? Deveremos pôr em prática o
meu pensamento para consolar o Mestre abatido por tantas rejeições?”
“Oh! Sim.
Vamos nós. Vamos voltar a falar. E, se o insultarem ainda como um rei de
palavras, rei de ludíbrio, rei sem dinheiro, rei louco, batamos duro, para que
desconfiem que o rei tem também um exército de fiéis, e que estes não estão
dispostos a ser escarnecidos. A violência é útil em certos casos. Vamos, meu
irmão!”
Jesus se põe entre os dois, segura-lhes os
braços para retê-los e diz: “Ora, escutai só o que estão dizendo! E Eu que já preguei
durante tanto tempo! Oh! Surpresa das surpresas. Até João, a minha pomba, se me
tornou um gavião. Olhai bem para ele, todos vós, e vede como está feio,
perturbado, desgrenhado e com as feições desfiguradas pelo ódio. Oh! Que
vergonha! E ainda ficais admirados, se os fenícios ficam indiferentes, se os
hebreus estão irados, se os romanos me ordenam que saia, quando vós, os
primeiros, ainda não compreendestes nada, depois destes dois anos que estais
comigo, agora que vos transformais em fel, pelo ódio que trazeis no coração,
quando pondes para fora de vossos corações a minha doutrina de amor e de
perdão, e a expulsais como uma coisa sem valor, e acolheis, como vossa boa
aliada, a violência! Oh! Pai Santo! Isto, sim, que é uma derrota! Em vez de
serdes como outros tantos gaviões, que afiam os bicos e as garras, não seria
melhor que fosseis anjos, orando ao Pai, para Ele dar um conforto ao seu Filho?
Quando foi que já se viu um temporal produzir o bem, com os seus raios e suas
saraivadas?
Pois bem. Como lembrança deste vosso
pecado contra a Caridade, como lembrança de quando Eu vi aparecer em vosso
rosto o animal-homem, em lugar do homem-anjo, que Eu quero ver sempre em vós,
Eu vos darei um sobrenome: “os filhos do trovão”.
Jesus
está meio sério, enquanto está falando aos dois inflamados filhos de Zebedeu.
Mas sua censura cessa, diante do arrependimento deles e, com um rosto iluminado
pelo amor, Ele os aperta contra seu coração, dizendo: “E
nunca mais fiqueis feios assim. E obrigado, pelo vosso amor.”
“E também pelo vosso, meus amigos,”, diz ainda Jesus, virando-se para André, Mateus e os dois
primos.
“Vinde cá, para que Eu vos abrace
também. Mas vós não sabeis que, se não houvesse outra coisa, a não ser a
alegria de fazer a vontade de meu Pai e de ter o vosso amor, Eu seria sempre
feliz, ainda que o mundo todo me esbofeteasse? Estou triste, mas não é por mim,
pelas minhas derrotas, como vós as chamais, mas por compaixão para com as
almas, que rejeitam a Vida. Aí está. Agora estamos todos contentes, não é
verdade, ó grandes meninos que vós sois? Eia, então. Ide aqueles pastores, que estão tirando o
leite de suas ovelhas, e pedi-lhes um pouco de leite, em nome de Deus.” “Não
tenhais medo”, acrescenta Ele, ao ver o olhar desanimado dos apóstolos.
“Obedecei com fé. Recebereis leite, e não pauladas, ainda mesmo que o homem
seja um fenício.”
E os seis
vão indo, enquanto Jesus os fica esperando na estrada. E, nesse ínterim, Jesus
fica rezando, o triste Jesus que ninguém quer... Retornam os apóstolos, com um
pequeno balde de leite, e dizem:
“Ele
mandou dizer-te que vás até lá, que ele te precisa falar, pois ele não pode
deixar lá as cabras inquietas, só com os pequenos pastores.” Jesus diz: “Então,
vamos até lá para comermos o nosso pão.” E lá se
vão todos, beirando o despenhadeiro, em cujas bordas estão se dependurando as
cabras aventureiras.
“Eu te agradeço pelo leite que me
deste. Que queres de mim?”
“Tu és o
Nazareno, não é mesmo? Aquele que faz milagres?”
“Eu sou aquele que prega a Salvação
Eterna. Eu sou o Caminho para ir-se ao Deus Verdadeiro, sou a Verdade que se
doa, a Vida que vivifica. Não sou um feiticeiro, que faz prodígios. Os milagres
são as manifestações da minha bondade e da vossa fraqueza, que sente
necessidade de provas para crer. Mas, o que queres de mim?”
“É o
seguinte: Há dois dias, Tu não estavas em Alexandrecene?”
“Sim. Por quê?”
“Eu
também estava lá com os meus cabritos, e quando percebi que havia lá uma briga,
procurei sair de lá, porque é costume lá suscitarem brigas para, na hora delas,
roubarem o que está nas feiras. Todos são ladrões: os fenícios... e os outros
também. Eu não deveria dizer isso, porque sou filho de pai prosélito e de mãe
síria, sendo prosélito eu também. Mas é verdade. Bom. Voltemos ao caso. Eu me
havia colocado em um grande curral com os meus animais, esperando pelo carro de
meu filho. E, à tarde, ao sair da cidade, encontrei uma mulher que estava
chorando, com uma filha pequenina nos braços. Ela tinha andado oito milhas,
para chegar a Ti. Porque ela mora fora, nas campinas. Eu lhe perguntei o que
ela tinha. É uma prosélita. Tinha ido para vender e comprar. Tinha ouvido falar
de Ti. E a esperança havia crescido em seu coração. Então, ela foi correndo até
sua casa, e apanhou a menina. Mas, quando se leva peso, tem-se que caminhar
devagar! Quando ela chegou ao empório dos irmãos, Tu não estavas mais lá.
Contudo, eles, os irmãos, lhe disseram: “Eles o expulsaram daqui. Mas Ele nos
disse ontem de tarde que fará de novo uma permanência em Tiro.” Eu - também eu
sou pai - então, eu lhe disse: “Vai, pois, até lá.” E ela me respondeu: “E, se,
depois de tudo o que aconteceu, Ele resolver ir por outros caminhos, para
voltar à Galileia?” E eu lhe disse: “Escuta: ou Ele vai por aquele caminho, ou
pelo outro dos confins. Eu pastoreio entre Rohob e Lesendam, justamente aos
lados da estrada que serve de limite entre aqui e Neftali. Se eu o vir, lhe
direi. Palavra de prosélito.” E acabei de te dizer.”
“E Deus que te pague por isso. Eu irei
à mulher. Pois devo voltar a Aqzib.”
“Vais a
Aqzib? Então, podemos viajar juntos, se tu não desprezas a um pastor.”
“Eu não desprezo a ninguém. Para que
vais a Aqzib?”
“Porque
os cordeiros estão lá... A não ser que não os tenha mais.”
“Por quê?”
“Porque
por lá está passando a doença. Não sei se foi feitiçaria ou outra coisa. Só sei
que a minha bela manada ficou doente. Por isso eu trouxe para cá as cabras, que
ainda estão sãs, para separá-las das ovelhas. Aqui estarão com dois filhos.
Agora eu estou na cidade, fazendo as compras. Mas vou voltar para lá... para
vê-las morrer, as minhas belas ovelhas lanudas...” O homem suspira... Olha para
Jesus, e se desculpa: “Falar destas coisas a Ti, que és quem és, e afligir-te a
Ti, que já vives aflito pelo modo como te tratam, é uma espécie de estultícia.
Mas as ovelhas são afeto e dinheiro para nós, sabes?”
“Eu compreendo. Mas elas ficarão sãs.
Tu não as fizeste ver por quem entende do assunto?” “Oh! Todos me disseram a mesma coisa: “Mata-as, e vende
suas peles. Não há mais nada a fazer.” E ainda me ameaçaram, se eu as deixar
vagueando por aí. Eles têm medo de que a doença pegue nas deles. Por isso, devo
conservá-las fechadas... e morrem em maior número. Eles são maus, sabes?
aqueles de Aqzib.”
Jesus diz
simplesmente: “Eu
sei.”
“Eu digo
que fizeram feitiço contra elas...”
“Não. Não creias nessas histórias...
Quando vierem os teus filhos, vais partir logo?”
“Logo.
Daqui a momentos, estarão aqui. Estes são os teus discípulos? São só estes?”
“Não, tenho ainda outros.”
“E por
que eles não vêm aqui? Uma vez, perto de Meron, encontrei um grupo deles. O
chefe deles era um pastor. Assim se dizia. Um alto, robusto, chamado Elias...
Foi em outubro, me parece. Antes ou depois dos Tabernáculos. Agora, ele te
deixou?”
“Nenhum discípulo me deixou.”
“Haviam-me
dito que...”
“Que foi?” “Que Tu... que os fariseus... Afinal, que os discípulos te
haviam deixado por medo, e porque Tu eras um...”
“Demônio. Dize-o logo. Eu sei. Duplo
mérito é o teu que, mesmo assim, ainda crês.”
“E, por
esse mérito, não poderias, de passagem, abençoar o meu rebanho?”, o homem está
muito ansioso...
“Eu abençoo o teu rebanho. Este...”, e levanta a mão, abençoando os cabritos espalhados, “... e
também o das ovelhas. Acreditas que minha bênção as salve?”
“Como
salvas os homens das doenças, assim poderás salvar também os animais. Dizem que
és o Filho de Deus. As ovelhas foram criadas por Deus. Por isso elas são coisas
do Pai. Eu... Eu não sabia se era respeitoso fazer este pedido. Mas, se podes,
faze-o, Senhor, e eu levarei ao Templo grandes ofertas de louvor. Ou melhor,
darei a Ti para os pobres. E será muito bom.” Jesus sorri, e fica calado.
Chegam os filhos do pastor e, pouco depois, Jesus com os seus e o velho partem,
deixando os jovens tomando conta das cabras. Vão indo rápidos, querendo chegar
logo a Quedes, para saírem de lá quanto antes, procurando alcançar a estrada
que do mar vai para o interior. Deve ser a mesma que se bifurca aos pés do
promontório, por onde passaram, quando iam para Alexandrecene. Pelo menos é
assim que compreendo pelas palavras do pastor aos discípulos. Jesus está na
frente, sozinho. “Será que não teremos outros aborrecimentos?” “Quedes não
depende daquele centurião. Está fora dos confins da Fenícia. Os centuriões,
basta não irritá-los, pois se desinteressam pelas religiões.”
“Além disso, nós não vamos parar lá...”
“Seríeis
capazes de fazer mais de trinta milhas em um dia?”, pergunta o pastor.
“Oh! Nós
somos peregrinos perpétuos!” Vão indo sempre para frente. Já chegaram a Quedes.
E Quedes já vai ficando para trás, sem incidentes. Pegam a estrada direta. Num
cipo está marcado: Aqzib. O pastor observa isso, e diz: “Amanhã lá estaremos.
Esta noite vireis ficar comigo. Conheço cidadãos dos vales, mas muitos estão
nos confins da Fenícia... Bem! Atravessaremos a fronteira. E certamente não
seremos logo descobertos... Oh! A vigilância deles! Melhor seria que a
praticassem com os ladrões...”
O sol vai
descendo, e os vales não servem para ajudar a manter a claridade, pois estão
cheios de bosques. Mas o pastor tem muita prática, e vai com segurança. Chegam
a uma pequena vila, ou melhor, a um punhado de casas.
“Se eles
nos hospedarem aqui, são israelitas. Estamos já nos confins. Se não nos
quiserem, iremos para outro lugar, que é fenício.”
“Eu não tenho prevenções, homem.”
Pg.
214-220
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331 – A FÉ DA MULHER CANANÉIA E OUTRAS
CONQUISTAS. CHEGADA A AQZIB
Mas vem
vindo também uma que não é da casa. É uma pobre mulher chorosa, envergonhada...
Ela vem andando encurvada, quase se arrastando e, tendo chegado perto do grupo,
em cujo centro está Jesus, ela se põe a gritar: “Tem piedade de mim, ó Senhor,
Filho de Davi! Minha filha está sendo muito atormentada pelo demônio, que a faz
praticar coisas vergonhosas. Tem piedade, porque eu sofro muito, e todos zombam
de mim por isso. É como se minha filha tivesse culpa pelo que ela faz... Tem
piedade, Senhor, Tu que tudo podes. Levanta a tua voz e a tua mão, e dá ordem ao
espírito imundo para que saia da Palma. Eu só tenho essa filha, e sou viúva...
Oh! Não te vás, Senhor! Tem piedade! Jesus, de fato, tendo acabado de abençoar
um por um dos membros da família, depois de ter repreendido os adultos por
terem falado de sua vinda, e depois deles se desculparem, dizendo: “Não fomos
nós que o falamos, podes crê-lo, Senhor!” Ele se vai inexplicavelmente severo
para o lado da mulher, que vai-se arrastando sobre os joelhos, com os braços
estendidos em um gesto de súplica, ansiosa, enquanto vai dizendo: “Eu, eu te
vi, quando estavas atravessando a torrente, eu ouvi que alguém te chamou:
“Mestre”. Então, eu vim vindo atrás de Ti, por entre as moitas, e ouvi as
conversas deles. E fiquei sabendo quem és... E esta manhã eu vim, mas como era
ainda noite para estar aqui, fiquei na soleira como um cachorrinho, até que
Sara se levantou e me fez entrar. Oh! Senhor, tem piedade! Piedade de uma mãe e
de uma menina!”
Mas Jesus
vai andando ligeiro, surdo a todo chamado. Os da casa dizem a mulher: “Resigna-te!
Ele não quer te ouvir. Ele disse: é para os de Israel que Ele veio...”
Mas ela
se levanta, desesperada e, ao mesmo tempo, cheia de fé, e responde: “Não. Eu
tanto hei de pedir que Ele me ouvirá.” E se põe a acompanhar o Mestre, sempre
gritando em suas súplicas, que atraem para as portas das casas da vila todos os
que já despertaram e que, como os da casa de Jonas, se põem a acompanhá-lo,
para verem como vai terminar aquilo.
Enquanto
isso, os apóstolos olham atônitos uns para os outros, e murmuram: “Por que será
que Ele faz isso?” Ele nunca o fez!”. E João diz: “Em Alexandrecene, contudo,
Ele curou aqueles dois.”
“Mas eles
eram prosélitos”, responde Tadeu. “E esta vai tratar de que agora?”
“Ela
também é prosélita”, diz o pastor Anás.
Oh! Mas
quantas vezes ele curou também aos gentios ou pagãos! E a menina Romana,
então?”, diz desconsolado André, que não se conforma com a dureza de Jesus para
com a mulher Cananéia.
“Eu vou
dizer-vos porque é” exclama Tiago de Zebedeu. “É porque o Mestre foi desdenhado.
Sua paciência tem limites, diante de tantos ataques da maldade humana. Não
estais vendo como Ele está mudado? Ele tem razão! De agora em diante, Ele vai
dedicar-se somente àqueles que Ele conhece. E faz bem.”
“Sim.
Mas, por enquanto, essa aí vem gritando atrás de nós e um grande acompanhamento
de pessoas vem atrás dela. Se Ele quiser passar por inobservado, achou agora o
meio de chamar a atenção até das plantas...”, resmunga Mateus.
“Vamos
dizer-lhe que a mande embora... Olhai daqui que belo cortejo vem vindo às
nossas costas! Se chegarmos assim à estrada consular, estamos bem arranjados! E
esta mulher, se Ele não a mandar embora, não nos vai deixar...” diz Tadeu,
importunado, que também se vira, e intima à mulher: “Cala-te, e vai-te embora!”
E a mesma coisa faz Tiago de Zebedeu. Mas ela não se impressiona com as ameaças
e as injunções, e continua a suplicar.
“Vamos
dizer ao Mestre que a expulse, visto que Ele não a quer atender. Assim não pode
continuar!”, diz Mateus, enquanto André murmura: “Pobrezinha!”, e João fica
repetindo sem parar: “Eu não estou entendendo... Eu não estou entendendo...”
João está atordoado com o modo de agir de Jesus. Mas, apressando o passo, eles
já alcançaram Jesus, que vai indo ligeiro como um perseguido.
“Mestre!
Por favor, manda embora aquela mulher! É um escândalo! Ela vem gritando atrás
de nós. Está mostrando com o dedo a todos nós. A estrada está ficando sempre
mais cheia de passantes, e muitos vão-se colocando atrás dela. Dize a ela que
se vá embora.”
“Dizei-o vós. Eu já dei resposta.”
“Ela não
escuta. Vamos, fora! Dize-lhe assim Tu. E com severidade.”
Jesus
para e se vira. A mulher entende que isto é um sinal d que vai ser atendida e
acelera o passo, levanta o tom, já agudo, de sua voz, com um rosto que
empalidece, por causa da esperança que cresce.
“Cala-te, mulher. E volta para tua
casa. Eu já te disse: “Eu vim para as ovelhas de Israel.” Para curar os
doentes, e ir buscar as perdidas. Tu não és de Israel.”
Mas a
mulher já está a seus pés, e os beija, adorando-o, segurando-o pelos
tornozelos, como se ela fosse uma náufraga, que encontrou um penhasco de
salvação, e que geme: “Senhor, ajuda-me! Tu o podes, Senhor. Dá ordem ao
demônio, Tu que és santo...Senhor, Senhor. Tu és o dono de tudo, da graça e do
mundo. Tudo te está sujeito, Senhor. Eu o sei. Eu o creio. Lança mão, pois do
que é o teu poder, e usa dele em favor de minha filha.”
“Não fica bem tomar o pão dos filhos da
casa e jogá-los aos cães da rua”
“Eu creio
em Ti. E crendo, de cão da rua eu me tornei um cão da casa. Eu te disse: Eu vim
antes da aurora deitar-me na soleira da porta da casa onde estavas e, se
tivesses saído por lá, terias tropeçado em mim. Mas Tu saíste pelo outro lado,
e não me viste. Não viste este pobre cão torturado, cheio de fome da tua graça,
que esperava entrar, rastejando para onde Tu estavas para beijar-te os pés e
assim pedir-te que não o rejeitasses...”
“Não fica bem jogar o pão dos filhos
aos cães”, repete Jesus.
“Mas os
cães entram na sala, onde o dono da casa está, e comem com os filhos, comem o
que cai da mesa ou os restos do que eles dão aos familiares e que não vai mais
ser usado. Eu não te pelo que me trates como filha nem que me faças sentar-me à
tua mesa. Mas dá-me pelo menos as migalhas...”
Jesus
sorri. Oh! Como se transfigura o seu rosto neste sorriso de alegria! As
pessoas, os apóstolos, a mulher olham, admirados para Ele, percebendo que
alguma coisa está para acontecer. E Jesus diz: “Oh! Mulher! Grande é a tua fé!
E com ela tu consolas o meu espírito. Vai, pois, e que seja feito como queres.
Desde este momento, o demônio saiu de tua filhinha. Vai em paz. E, visto que de
um cão perdido, soubeste querer passar a ser um cão da casa, que saibas, por
isso no futuro ser filha, sentada à mesa do Pai. Adeus.”
Oh!
Senhor! Senhor! Eu quereria sair correndo para ir ver a minha Palma querida...
E, quereria ficar contigo, seguir-te! Ó Bendito! Ó Santo!”
“Vai, vai mulher. Vai em paz.”
E Jesus
retoma o seu caminho, enquanto a cananéia, mais ligeira do que uma menina, vai
correndo pela estrada por onde veio, acompanhada pela multidão curiosa por ver
o milagre...
“Mas, por
que, Mestre, fizeste que ela ficasse pedindo tanto, para só depois atendê-la?”,
pergunta Tiago de Zebedeu.
“Por tua causa, e por causa de todos
vós. Isto não é uma derrota, Tiago. Aqui Eu não fui expulso, escarnecido,
amaldiçoado... Que isto reerga o vosso espírito abatido. Eu já recebi hoje o
meu alimento saborosíssimo. E por ele bendigo a Deus.
Pg.223-226
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335 – A FALSA AMIZADE DE ISMAEL BEM
FABI E O HIDRÓPIO CURADO EM DIA DE SÁBADO
...Jesus
entra na suntuosa casa de campo do Ismael. Os servos em grande número, correm
ao encontro do hóspede, certamente esperado. Outros vão avisar o patrão, o qual
sai com grandes inclinações ao encontro de Jesus.
“Sê
bem-vindo Mestre, à minha casa.”
“Paz a ti, Ismael bem Fabi.
Desejaste-me. Eu vim. Por que me querias aqui?”
“Para ser
honrado por ter-te em minha casa e apresentar-te aos meus amigos. Quero que
sejam também teus. Como quero que Tu sejas meu amigo.”
“Eu sou amigo de todos, Ismael.”
“Eu sei.
Mas sabes? É bom ter amizades entre os grandes. E a minha e a de meus amigos
são assim. Tu perdoa se te digo, descuidas muito daqueles que te podem dar uma
mão... Eu sou desses. Por que? Porque te admiro, e quero que Tu sejas meu
amigo.”
“Amigo! Mas sabes tu, Ismael, qual o
significado que eu dou a essa palavra? Para muitos, amigo quer dizer conhecido,
para outros, cúmplice, para outros, servo. Para mim, quer dizer: fiel à Palavra
do Pai. Quem não for assim, não pode ser meu amigo, nem eu dele.”
“Mas é
justamente porque eu quero ser fiel, que eu quero a tua amizade, Mestre. Não
acreditas? Olha, eis Eleazar que chega. Pergunta a ele como eu te defendi aos
Anciãos. Eleazar, eu te saúdo. Vem, que o rabi quer te perguntar uma coisa.”
Grandes
saudações e recíprocos olhares indagadores.
“Dize-me
tu, Eleazar, o que foi que eu falei do Mestre, na última vez que estivemos
reunidos.”
E depois
se vai, deixando o amigo junto de Jesus.
“Oh! Um
verdadeiro elogio! Uma defesa apaixonada! Um grande desejo de ouvir-te me veio,
então, pelo tanto Ismael falou de ti, Mestre, como do maior Profeta que já veio
ao povo de Israel! Recordo-me que disse que ninguém tinha palavras mais
profundas do que as tuas, fascínio maior e que, se como sabes falar souberes
também manejar a espada, não haverá rei maior do que tu em Israel.”
“O meu Reino! Não é humano esse Reino,
Eleazar.”
“Mas o
Rei de Israel?”
“Abram-se as vossas mentes para
compreender o sentido das palavras arcanas. Virá o Reino do Rei dos reis. Mas
não segundo as medidas humanas. Não para o que perece, mas para o que é eterno.
A ele se chega, não por um caminho florido de triunfos nem sobre tapetes
encharcados pelo sangue inimigo. Mas por um áspero caminho de sacrifício e pela
humilde escada do perdão e do amor. As vitórias contra nós mesmos é que nos
darão este Reino. E queira Deus que a maior parte de Israel possa entender-me.
Mas não é assim. Vós pensais no que não é. Na minha mão haverá um cedro e o
povo de Israel é que nela o terá colocado. Real e eterno. Nenhum rei poderá
tirá-lo da minha Casa. Mas muitos em Israel não poderão, sem fremirem de
horror, porque Ele terá um nome terrível para eles.”
“Tu não
nos achas capazes de seguir-te?”
“Se o quisésseis, poderíeis. Mas não
quereis. E por que não quereis? Vós já sois anciãos. A idade deveria dar-vos
compreensão e Justiça. Justiça também para convosco mesmos. Os jovens... esses
poderão errar e arrepender-se depois. Mas vós! A morte está sempre perto dos
anciãos, Eleazar, tu estás menos enredado nas teorias de muitos dos teus
semelhantes. Abre o teu coração à Luz.”
Ismael
volta com cinco outros pomposos fariseus.
“Vinde,
pois, na casa”, diz o dono dela. E, tendo deixado o átrio, rico de cadeiras e
tapetes, entram em uma sala aonde foram levadas ânforas e bacias para as
abluções. Dali passam depois para a sala de jantar, muito ricamente preparada.
“Jesus
fica a meu lado. Entre mim e Eleazar”, ordena o dono da casa. E Jesus, que se
havia detido no fundo da sala junto aos discípulos um pouco atemorizados e
abandonados, deve ir sentar-se no ponto de honra. O banquete começa com
numerosos pratos de carne e de peixe assados. Vinhos e, ao que parece, licores,
ou pelo menos água com mel, passam e repassam. Todos procuram fazer Jesus
falar. Um velho, todo trêmulo, pergunta, com voz rouca de decrépito: “Mestre, é
verdade o que se diz por aí, que tu pretendes anular a Lei?”
“Eu não mudarei um jota da Lei. Antes
eu vim justamente para torna-la novo íntegra, como quando foi dada a Moisés.”
“Quer
dizer que foi mudada?”
“Nunca. Apenas ela teve a triste sorte
de todas as coisas excelentes, quando são postas na mão do homem.”
“Que
quereria dizer? Explica-te.”
“Eu quero dizer que o homem, por uma
antiga soberba ou pelo antigo estímulo da tríplice luxúria, quis retocar a reta
palavra e fez dela uma coisa que oprime os fiéis, enquanto que, para os
retocadores, ela não é mais do que um amontoado de frases... que vão sendo
impingidas aos outros.”
“Mas,
Mestre! Os nossos rabinos...”
“Isto é
uma acusação! Não nos decepciones em nosso desejo de te ajudar!”
“Ah! Ah!
Têm razão em dizer-te rebelde!”
“Silêncio!
Jesus é meu hóspede. Que fale livremente.”
“Os nossos rabinos começaram seus
grandes trabalhos com a santa intenção de tornar mais fácil a aplicação da Lei.
O próprio Deus começou esta escola, quando às palavras dos dez mandamentos, Ele
acrescentou muitas minuciosas elucidações. Isto para que o homem não tivesse a desculpa
de dizer que não tinha conseguido entender. Portanto, foi um trabalho santo o
dos Mestres, que partem em pedacinhos, para os pequenos, o pão para os seus
espíritos, dado por Deus. Mas é santo se tem reta intenção. E isso nem sempre
aconteceu. E hoje em dia o é menos que nunca. Mas, por que quereis que eu fale,
vós, que vos sentis ofendidos, quando eu enumero as culpas dos mais poderosos?”
“Culpas?
Que culpas temos nós?”
“Eu gostaria que tivésseis só méritos!”
“Mas não
o temos. Tu assim pensas, e os teus olhos o dizem. Jesus, não é criticando que
se graneia a amizade dos poderosos. Tu nunca reinarás. Nem sabes a arte.”
“Eu não vos peço para reinar como vos
entendeis, nem mendigo amizades. Quero amor. Mas honesto e santo. Um amor que
vá de mim para aqueles que eu amo, e que se manifeste, usando para com os
pobres aquilo que eu prego que seja usado: a misericórdia.”
“Eu,
desde que te ouvi, não emprestei mais com usura”, diz um deles.
“E Deus te recompensará por isso.”
“O Senhor
é minha testemunha, se eu espanquei ou não, os meus servos, que mereciam umas
varadas, desde que me foi dita uma das tuas parábolas”, diz um outro.
“E eu?
Mais de dez alqueires de cevada eu deixei nos campos para os pobres!”, diz
ainda um outro.
Os
fariseus estão se louvando em alto estilo.
Ismael
ainda não falou nada. Jesus o interpela: “E tu Ismael?”
“Oh! Eu!
Eu sempre usei de misericórdia. E não tenho nada mais a fazer, do que continuar
como sempre fiz.”
“Boa coisa para ti! Porque, se assim é
realmente, tu és o homem que não conhece o que são os remorsos.”
“Oh! É
certo que não!”
Jesus o
traspassa com seus olhos de safira.
Eleazar
lhe toca, com a mão no braço: “Mestre, escuta. Eu tenho um caso especial para
submeter ao teu parecer. Eu adquiri, faz pouco tempo, uma propriedade de um infeliz,
que se viu arruinado por uma mulher. Ele ma vendeu, mas sem dizer-me que nela
morava uma velha serva, a sua nutriz, já cega e meio hebetada. O vendedor não a
quer. Eu... não a quereria. Mas, jogá-la no meio da estrada... Que farias tu,
Mestre?”
“E tu, o que farias, se tivesses de dar
um conselho a outrem?”
“Eu
diria: Conserva-a. Não será por um pão que irás ficar arruinado.”
“E por que falarias assim?”
“Ora...
por que eu penso que faria assim? Porque eu gostaria que assim fosse feito...”
“Tu estás bem perto da justiça,
Eleazar. Faze como tu aconselharias, e o Deus de Jacó estará sempre contigo.”
“Obrigado
Mestre.”
Os outros
estão resmungando entre si.
“Por que estais murmurando?”, pergunta-lhes Jesus. “Será que não falei certo? Este homem
também não falou certo? Ismael defende os teus hóspedes, tu, que sempre usaste
de misericórdia.”
“Mestre,
tu falas bem, mas... Se fizesse sempre assim, seríamos vítimas dos outros.”
“Eu não
digo isto. Mas há casos...”
“A Lei manda ter misericórdia...”
“Sim,
para com o irmão pobre, para com o forasteiro, o peregrino, a viúva e o órfão.
Mas esta velha, que veio cair nos braços de Eleazar, não é irmã dele, nem é
peregrina, nem forasteira, nem órfã, nem viúva, Ela não é nada dele. Nem mais
nem menos do que uma mobília velha, que não é dele, mas ficou esquecida pelo
seu antigo dono, na hora da entrega do que ele vendeu. Portanto, Eleazar
poderia até expulsá-la, sem mais escrúpulos. Enfim, a culpa pela morte da velha
não seria dele, mas do seu verdadeiro patrão... o qual não a pode mais manter,
pois ele também é pobre, e por isso, também ele está livre de obrigações. De
modo que, se a velha morrer de fome, a culpa é da velha, não é assim?”
“Assim é,
Mestre. Esta é a sorte dos que... não servem mais para nada: os doentes, os velhos,
os incapazes. Esses estão condenados à miséria à mendicância. E a morte é a
melhor coisa para eles. Assim foi desde que o mundo existe, e assim será.”
“Jesus
tem piedade de mim!” É uma voz lamentosa, que entra pelas janelas abertas, pois
a sala está fechada e com os lampadários acesos. Talvez fechada por causa do
frio.
“Quem está chamando?”
“Só pode
ser algum importuno. Eu vou fazer que o expulsem. Ou talvez seja algum mendigo.
Farei que lhe deem um pão.”
“Jesus,
eu estou doente. Salva-me!”
“Eu já o
disse. É um importuno. Vou castigar os servos, pôr o terem deixado passar.” E
Ismael se levanta.
Mas
Jesus, mais novo que ele pelo menos uns vinte anos, e mais alto, a partir da
base do pescoço para cima, faz que ele se assente pondo-lhe a mão no ombro e dando-lhe
esta ordem: “Fica
quieto ai, Ismael. Eu quero ver quem é esse que me está procurando. Fazei que
ele entre.”
Entra um
homem de cabelos ainda pretos. Pode ter uns quarenta anos. Mas está inchado
como uma barrica e amarelo como um limão maduro. Tem os lábios arroxeados e
semi-abertos, em uma boca ofegante. Vem acompanhado da mulher da primeira parte
desta visão. O homem anda para frente com dificuldade, tanto por causa da
doença, como pelo medo que tem. Ele se vê olhado com más intenções. Mas Jesus deixou
seu posto, e foi para perto do infeliz, pegando-o pela mão, e levando-o para o
centro da sala, para um espaço vazio, por entre as mesas. E precisamente bem
para debaixo do lampadário.
“Mestre...
eu tenho procurado muito... e há muito tempo... Nada mais quero, a não ser a
saúde... também para meus filhos e minha mulher... Tu podes tudo... Olha a que
fiquei eu reduzido!”
“E crês que eu te possa curar?”
“Se eu
creio? Cada passo que eu dou é para mim uma dor... cada sacudidela um
sofrimento... e, no entanto eu andei quilômetros para procurar-te... e depois
com o carro, ainda vindo atrás de Ti... mas nunca te alcançava... Se eu creio?
Eu estou espantado é por não estar ainda curado, quando a minha mão está dentro
da tua, pois tudo de Ti é santo, ó Santo de Deus.”
O
pobrezinho sopra como um fole por causa do esforço que fez para dizer todas
aquelas palavras. A mulher olha para o marido e para Jesus, e chora. Jesus olha
para eles e sorri. Depois se vira e pergunta: “Tu, velho escriba, (dirige-se ao velho trêmulo, que falou por primeiro),
responde-me: é permitido curar aos sábados?”
“Aos
sábados não é permitido fazer obra alguma.”
“Nem mesmo salvar alguém do desespero?
Isso não é um trabalho braçal.”
“O sábado
é consagrado ao Senhor.”
“Que obra há mais digna de um dia
sagrado do que a de fazer que um filho de Deus possa dizer ao Pai: Eu te amo e
te louvo, porque me curaste.”
“Isso ele
deve fazer mesmo que seja um infeliz.”
“Cananias, estás sabendo que neste
momento o teu bosque mais bonito está completamente incendiado, e que em toda a
encosta do Hermon se está refletindo a cor púrpura das chamas?”
O
velhinho dá um salto, como se uma cobra o houvesse picado. “Mestre, estas
dizendo a verdade ou estás brincando?”
“Eu digo a verdade. Eu estou vendo, e
sei.”
“Oh! Infeliz
de mim! O meu bosque mais belo” São milhares de ciclos que viraram cinza! Ó
maldição! Que sejam malditos os cães que nele puseram fogo. Que pegue fogo nas
vísceras deles, como pegou nas minhas árvores!” O velhinho está desesperado.
“É apenas um bosque, Cananias, e tu
lamentas tanto. Porque não dás louvor ao Senhor, no meio desta desventura? Este
homem aqui não está perdendo a madeira das árvores, que tornam a nascer, mas
sem a vida e o pão dos filhos, e deveria ele dar o louvor, que tu não dás.
Portanto escriba, não será lícito curar aqui num sábado?”
“Maldito
sejas Tu, ele e o sábado. Eu tenho coisa bem diferente em que pensar...” e,
tendo dado um empurrão em Jesus, que lhe havia posto uma mão sobre o braça, sai
dali furioso, e ouve-se como ele brada, com sua voz rouca, que lhe tragam o
carro.
“E agora?” pergunta Jesus, correndo o olhar sobre os outros. “E
agora, dizei-me: É lícito, ou não?”
Ninguém
lhe responde. Eleazar inclina a cabeça, depois de ter entreaberto os lábios,
que ele torna a cerrar, atingido pelo ar gelado, que desceu sobre todos na
sala.
“Pois bem, Eu vou falar”, diz Jesus. Ele está impressionante e trovejante, em seu
aspecto e sua voz, como acontece sempre quando está para operar algum milagre. “Eu vou
falar. E falo. E digo: homem, que te seja feito conforme a tua fé. Tu estás
curado. Dá louvor ao Eterno. Vai em paz.”
O homem
fica como se fosse uma estátua. Talvez até pensasse que iria ficar de repente
esbelto como era antes. E lhe parece que não está curado. Mas, que ele está
sentindo? Ele dá um grito de alegria e se joga aos pés de Jesus e os beija.
“Vai! Vai! Sê sempre bom. Adeus!”
O homem
sai, acompanhado pela mulher, que até o fim se vira para saudar a Jesus.
“Mas,
Mestre... Na minha casa... Em dia de sábado...”
“Tu não aprovas? Eu sei. E por isso Eu
vim. Tu, meu amigo? Não. Meu inimigo. Não és sincero comigo, nem com Deus.”
“E ainda
me ofendes agora?”
Não. Eu digo a verdade. Tu disseste que
Eleazar não está obrigado a socorrer aquela velha, porque ela não é de sua
propriedade. Mas tu tinha dois órfãos em tua propriedade. Eram filhos de dois
servos teus, fiéis, que morreram no trabalho, um com a foice na mão, e a outra,
morta pelo demasiado cansaço por ter-te devido servir como tu exigiste dela,
que trabalhasse por si mesma e pelo marido. E tu ainda dizias: “Eu combinei com
duas pessoas na trabalho e, para conservar-te, quero que faças o teu trabalho e
o do morto.” E ela fez aquele trabalho e nele morreu, depois de ter concebido.
Pois aquela mulher era mãe. E não houve para com ela nem a compaixão que se tem
para com um animal que dá cria. Onde estão agora aquelas duas crianças?”
“Não sei.
Um dia elas desapareceram.”
“Não fiques mentindo agora. Ter sido
cruel já basta. Não é preciso fazer uso da mentira, para tornar ainda mais
odiosos aos olhos de Deus os teus sábados, mesmo que sejam passados sem obras
servis. Onde estão aquelas crianças?”
Não sei.
Não o sei mais, podes crer.”
“Eu sei. Eu as encontrei uma manhã de
novembro, uma manhã chuvosa, escura. Eu as encontrei esfaimadas e trêmulas,
perto de uma casa, como dois cachorrinhos à procura de um pedaço de pão... Malditas e expulsas por quem tinha as
vísceras de um cão. Porque até um cão teria tido compaixão dos dois
orfãozinhos. E tu e aquele homem não a tivestes. Os pais delas não te serviam
mais, não é verdade? Eles teriam morrido. Os mortos só podem chorar em seus
sepulcros, ao ouvirem os soluços de seus infelizes filhos, que os outros ainda
desprezam. Mas os mortos levam seus prantos de seus filhos a Deus, dizendo:
“Senhor, faze por nós as nossas vinganças porque o mundo nos oprime quando não
pode mais aproveitar-se de nós.” Não te serviam mais os dois pequeninos, não é?
Sim e não, já que a menina servia para respingar... E tu os expulsastes,
negando-lhes até aqueles poucos bens que eram do pai e da mãe deles. Podiam
morrer de fome, como dois cães em algum carreador. Podiam viver, tornando-se
ele um ladrão e ela uma prostituta. Porque a fome leva ao pecado.
Mas, que te importava isso? Há pouco
tempo, tu citavas a Lei, em apoio de tuas teorias. Pois, então, a Lei não diz:
“Não façais mal a viúva e ao órfão, porque se lho fizeres, e eles levantarem
suas vozes, recorrendo a Mim, Eu ouvirei o grito deles, e o meu furor dardejará
raios. Eu vos exterminarei pela espada, e as vossas mulheres é que ficarão
viúvas, e os vossos filhos órfãos?” Não diz assim a Lei? E, então, por que tu
não a cumpres? Tu, que me defendes diante dos outros? Por que, então, não
defendes a minha doutrina com o teu modo de viver? Tu queres ser meu amigo? E
então, por que fazes o oposto do que Eu digo? Um de vós está correndo, a ponto
de perder o fôlego, arrancando os cabelos, por causa da perda de um bosque.
Mas, por que não os arranca das ruínas
de seu coração! E tu, que estás esperando para fazê-lo? Por que é que quereis
julgar-vos perfeitos, vós que, por uma eventualidade, vos dizeis grandes? E, se
o fosseis em alguma coisa, por que é que não procurais sê-lo em tudo? É porque
me odiais, por descobrir Eu as vossas mazelas? Eu sou o médico de vossas almas. Pode um médico curar, se ele não descobrir e
limpar as feridas?
Mas, não sabeis vós que muitos, e
aquela mulher que acabou de sair é uma das que merecem o primeiro lugar no
banquete de Deus, ainda que na aparência eles sejam uns pobres desprezíveis?
Não é a parte de fora, mas a de dentro, é o coração, é o espírito o que vale.
Deus vos vê, lá do alto do seu trono. E Ele vos julga. Quantos deles, não vê
Ele como melhores do que vós? Então escutai. Como regra, agi sempre assim:
Quando vos convidarem para um banquete de casamento, ide ocupar sempre o último
lugar. Porque depois vos sentireis honrados, com dupla honra, quando o dono da
casa vos disser; “Meu amigo, vem mais adiante.” Será uma honra por merecimento
e uma honra para a vossa humildade. Enquanto que... Que triste hora para um
soberbo, ter que ficar envergonhado, ao ouvir que lhe dizem: “Vai lá para o
fundo, porque aqui está alguém que é mais do que tu”.
Pois bem. Fazei o mesmo, quando se
trata do banquete secreto do vosso espírito em suas núpcias com Deus. Quem se
humilha será exaltado, e quem se exalta será humilhado. ... É verdade. Mas por
isso é que Eu disse, no começo deste banquete, que o meu Reino se conquista com
vitórias sobre si mesmos, e não com a vitória das armas em campo de batalha. O
lugar na grande Ceia é para estes humildes de coração. Contanto que aquele
coração queira. E basta uma palavra. E Eu vos tenho dito tantas.
E fico olhando. Em um coração está
nascendo uma planta santa. Em outro, há espinheiros para Mim, e dentro dos
espinheiros há áspides e escorpiões. Não importa. Eu vou pelo meu caminho reto.
Quem me ama que me siga. Eu vou indo e chamando. Os que são retos, venham a
Mim. Eu vou indo e instruindo. Os que buscam a Justiça, que se aproximem da
Fonte. Quanto aos outros... Quanto aos outros, julga-los-á o Pai Santo. Ismael,
Eu te saúdo. Não me odeies. Medita. E aos seus moradores, paz a todos, se
merecerdes a paz.”
Pg. 252 à
261
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343 – FERMENTO DOS FARISEUS. O FILHO DO
HOMEM. O PRIMADO DE SIMÃO PEDRO
...Jesus,
que de novo estava sozinho na frente, torna a virar-se: “Por
que estais com medo de ficar sem pão para a vossa fome? Ainda que todos aqui
fosssem fariseus e saduceus, não ficaríeis sem comida, por causa do conselho
que Eu vos dei. Eu não falei do fermento que há no pão. Por isso, podereis
comprar onde quiserdes o pão para os vossos estômagos. E, se ninguém no-lo
quisesse vender, não ficaríeis sem pãp do mesmo modo. Não vos lembrais dos
cindo pães com que mataram sua fome cinco mil pessoas? E não vos lembrais de
que recolhestes doze cestos cheios com os restos dos pães? Eu poderia fazer
para vós, que sois doze a terdes um pão, o que Eu fiz para cinco mil com cinco
pães. Compreendeis agora a qual fermento Eu me refiro? Ao que incha o coração
dos fariseus, saduceus e doutores contra Mim. Agora vós estais indo no rumo do
ódio, como se em vós tivesse penetrado uma parte do fermento dos fariseus. Não
se deve odiar nem mesmo a quem é nosso inimigo. Não abrais nem mesmo um
respiradouro ao que não é de Deus. Atrás do primeiro entrariam outros elementos
contrários a Deus. Algumas vezes, pelo fato de se querer exageradamente
combater com armas iguais aos inimigos, acaba-se morrendo ou sendo vencido. E
tendo sido vencidos, poderíeis, pela convivência com eles, absorver as suas
doutrinas. Não. Tende caridade e prudência. Vós ainda não tendes o tanto
necessário para combater essas doutrinas sem fivar contaminados por elas.
Porque alguns dos elementos delas vós também os tendes em vós. E a ira contra
eles é um deles. Eu vos digo ainda, que eles poderiam mudar de método para seduzir-vos
e afastar-vos de mim, lançando mão de mil gentilezas, mostrando-se arrependodos
e desejosos de fazer as pazes. Não deveis evitá-los. Mas, quando eles
procurarem ensinar-vos suas doutrinas, precisais saber deixar de acolhê-las.
Eis aí o que é o fermento de que Eu falo. É a má vontade, que é contra o amor,
e as falsas doutrinas. Eu vos digo> Sede prudentes.”
“Aquele
sinal que os fariseus estavam pedindo ontem era fermento, Mestre?” Pergunta
Tomé.
“Era fermento e veneno.”
“Fizeste
bem em não dar-lhes.”
“Mas Eu lhes darei um dia.”
“Quando?
Quando?” Perguntam curiosos.
“Um dia.”
“E
que sinal será? Não o dizes nem a nós, os seus apóstolos, para que possamos
reconhecer rapidamente?” Pergunta Pedro, cheio de desejo.
“Vós não deveis precisar de um sinal.”
“Oh!
Mas não é para podermos crer em Ti! Têm muitos pensamentos. Nós só temos um: o
de amar-te.” Diz com veemência Tiago de Zebedeu.
“Mas as pessoas das quais vós estais
mais perto e vos dais bem com elas mais do que Eu, tratando-as bem, sem
causar-lhes aquele acanhamento que poderia acontecer comigo, quem é que ela
dizem que Eu sou? E que elas acham do Filho do homem?”
“Uns
dizem que és Jesus, isto é, o Cristo, e esses são os melhores. Outros dizem que
és um profeta, outros somente um Rabi, e outros. Como Tu sabes, dizem que és um
doido e endemoninhado.”
“Alguns,
porém, Te dão o mesmo nome que Tu te dás, e Te chamam de Filho do homem.”
“E
alguns também dizem que isso não pode ser, porque o Filho do homem é bem outra
coisa. E nem sempre isso que dizem é uma negação, porque no fundo eles admitem
que Tu és mais do que o Filho do homem, porque és o Filho de Deus. Outros ao
contrário, dizem que Tu não és nem mesmo o Filho do homem, mas um pobre homem,
agitado por Satanás, ou que já está transtornado pela demência. Tu estás vendo
que os pareceres são muitos e todos diferentes.” Diz Bartolomeu.
“Mas afinal, no pensar do povo, quem é
o Filho do homem?”
“É
um homem no qual há as mais belas virtudes do homem, um homem que reúne em si
todos os requisitos de inteligência, sabedoria e graça, que nós achamos que
existiram em Adão, e alguns, a esses requisitos acrescentam o de não morrer. Tu
sabes que já corre por aí a notícia de que João Batista não morreu. Mas que
somente foi levado pelos anjos para algum outro lugar e que Herodes, para não
ter que dizer que foi vencido por Deus e menos ainda Herodíades, tenham matado
um servo e decepado a cabeça dele, e tenham mostrado o corpo do servo como
sendo o cadáver de João Batista. Tantas coisas o povo diz sobre ele. Por isso,
muitos pensam que o Filho do homem seja ou Jeremias, ou Elias, ou algum dos
profetas, ou também o próprio Batista, no qual havia graça e sabedoria, e que
se dizia Precursor de Cristo, o Ungido de Deus. O Filho do homem seria um
grande homem, nascido do homem. Muitos não podem admitir, ou não querem admitir
que Deus tenha podido mandar seu Filho à terra. Tu o disseste ontem: “Só crerão
aqueles que estão convencidos da infinita bondade de Deus.” Israel crê no rigor
de Deus, mais do que em sua bondade.” Diz ainda Bartolomeu.
“Sim.
Senten-se, de fato, tão indignos, que julgam impossível que Deus seja tão bom a
ponto de enviar o seu Verbo para salvá-los. Neste ponto o que faz um obstáculo
à fé deles é o estado degradado em que estão as suas almas.” Confirma o
Zelotes. E acrescenta: “Tu dizes que és o Filho de Deus e do homem. De fato, em
ti há toda graça e sabedoria como homem. E eu creio que realmente quem tivesse
nascido de um Adão em estado de graça teria sido teu semelhante pela beleza e
inteligência e por todos os outros dotes. E em Ti eus brilha pelo seu poder.
Mas, quem o pode crer, entre aqueles que se crêem deuses, e medem a Deus por si
mesmos, em sua soberba sem limites? Eles, os cruéis, podem certamente pensar
que Deus tenha anulado a sua doçura, ao entragar-se a si mesmo para redimí-los,
e o seu amor para salvá-los, a sua generosidade em entregar-se ao arbítrio do
homem, a sua pureza para sacrificar-se no meio de nós. Não o podem, não, esses
que são tão inexoráveis e cavilosos, ao procurarem e punirem as culpas.”
“E vós, quem dizeis que Eu sou? Dizei-o
conforme o vosso modo de julgar, sem levar em conta as minhas palavras, ou as
de outrem. Se fosseis obrigados a julgar-me, quem diríeis que Eu sou?”
“Tu és o
Cristo, o Filho do Deus vivo”, grita Pedro, ajoelhando-se, com os braços
estendidos para o alto, para Jesus, que está olhando para ele, com um rosto
cheio de luz, e se inclina para pô-lo em pé e abraçá-lo, dizendo:
“Feliz de ti, ó Simão, filho de Jonas!
Porque não é a carne nem o sangue que te revelou isto, mas sim o Meu Pai que
está nos Céus. Desde o primeiro dia em que vieste a Mim, tu fizeste a ti mesmo
esta pergunta e, visto que eras simples e honesto, soubeste compreender e
aceitar a resposta que te vinha dos Céus. Tu não viste manifestações sobrenaturais,
como teu irmão, João e Tiago. Tu não conhecias a minha santidade de filho, de
operário, de cidadão, como Judas e Tiago, meus irmãos. Tu não recebeste nenhum
milagre, nem me viste fazer algum deles, nem Eu te dei sinal do meu poder, como
os fiz, e como os viram Felipe, Natanael, Simão Cananeu, Tomé, Judas. Tu não
foste subjugado por minha vontade, como Levi, o publicano. Contudo, tu
exclamaste: “Ele é o Cristo!” Desde a primeira hora em que me viste, já
acreditaste, e nunca a tua fé se abalou. Por isso Eu te chamo Céfas. E por isso
sobre ti, a Pedra, Eu edificarei a minha Igreja, e as portas do Inferno não
prevalecerão contra ela. A ti Eu darei as chaves do Reino dos Céus. E tudo o
que ligares na terra estará ligado no Céu. E tudo o que desligares na terra
estará desligado no Céu, ó homem fiel e prudente, cujo coração Eu pude provar.
E aqui, a partir deste momento, tu és o chefe, ao qual se deve obediência e
respeito, como se fosse um outro Eu mesmo. E como tal Eu o proclamo diante de
todos vós.”
Se Jesus
tivesse esmagado Pedro debaixo de uma saraivada de repreensões, o choro de
Pedro não teria sido tão alto. Ele chora, todo sacudido pelos soluços, com o
rosto inclinado sobre o peito de Jesus.
Pg.
309-310
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345 – MILAGRE NO CASTELO EM CESARÉIA DE
PENÉADES
“É uma
das mulheres do castelo. É casada. Está para ter um filho. É o primeiro e o
último, pois seu esposo morreu nas calendas de Casleu. E não sei se ele viverá,
porque a mulher, desde quando ficou viúva, nada mais faz, senão desfazer-se em
pranto. Parece uma sombra. Estás ouvindo? Não tem nem força para gritar... Tem
razão... Viúva aos dezessete anos... E eles se amavam muito. Minha mulher e a
sogra dela lhe dizem: “No filho encontrarás de novo Tobias.” Mas isso são
palavras.
Vão
descendo da torre, e fazendo a volta pelos bastiões, admirando o lugar e o
panorama. Depois o intendente insiste em oferecer bebidas e frutas aos
visitantes, e eles entram em uma ampla sala do castelo, onde os servos colocam
o que foi mandado buscar. O gemido agora está dilacerante e próximo, e o
intendente pede desculpas por aquilo, e porque o que está acontecendo obriga
sua mulher a estar longe do Mestre. Mas uma gritaria, ainda mais triste do que
o gemido de antes, é o que vem suceder a este, e faz que fiquem paradas no ar
as mãos que estão trazendo as frutas ou os cálices, que estão indo a caminho
das bocas.
“Vou ver
o que aconteceu”, diz o intendente. E vai saindo enquanto a confusão dos gritos
e prantos vem entrando, ainda mais fortes, pela porta entreaberta.
O
intendente já está de volta. “O menino morreu, logo que nasceu... Que angústia.
Estão procurando reanimá-lo, mas a vida se lhe escapa... Não respira mais. Está
ficando preto...”, e sacode a cabeça, dizendo: “Pobre Dorcas!”
“Traze-me o menino.”
“Mas ele
já morreu. Senhor.”
“Traze-me o menino, é o que Eu estou
dizendo. Do jeito que ele estiver. E dize à mãe que tenha fé.”
O
intendente sai correndo. Depois volta. “Ela não quer. Diz que não o entrega a
ninguém. Parece que ficou doida. Diz que estamos fazendo assim para tirá-lo
dela.”
“Leva-me até a soleira do quarto dela.
Que ela me veja.”
“Mas...”
“Deixa-me ir! Eu me purificarei depois,
se for o caso...”
Vão indo
depressa, por um corredor escuro, até chegarem a uma porta fechada. Jesus,
mesmo a abre, ficando na soleira, em frente da cama, na qual uma mulher pálida
está apertando sobre o coração um pequeno ser, que não dá mais sinal de vida.
“A paz esteja contigo, Dorcas. Olha
para mim. Não chores. Eu sou o Salvador. Dá-me o teu pequenino...”
Que havia
na voz de Jesus, eu não sei. Só sei que aquela desesperada que, logo que o viu,
havia apertado ferozmente o recém-nascido contra seu coração, olha agora para
Ele, e os seus olhos, angustiados e loucos, se abrem diante de uma luz cheia de
dor, mas também de esperança. Ela entrega o pequenino ser, enrolado em uns
panos leves, à mulher do intendente... e lá fica, com as mãos estendidas, com a
vida e a fé naqueles olhos dilatados, surda a todos os pedidos da sobra, que a
queria colocar sobre umas almofadas.
Jesus
pega o pequenino embrulho de carne, já meio fria, e de panos, segura de pé o
menino pelas axilas, apoia sua boca sobre aqueles labiozinhos entreabertos,
tendo que ficar inclinado, porque a cabeçinha está caindo para trás. Ele sopra
com força para dentro daquela garganta inerte... Fica com os lábios apoiados
àquela boquinha por um instante, depois se afasta... e um pio, como o de um
passarinho, se ouve, trêmulo, através do ar parado... depois, um segundo pio,
mais forte... e um terceiro... e finalmente um vagido e um balancear da
cabecinha pelada e do rostinho miúdo, e quem lhe responde é o grito da mãe:
“Meu filho! Meu amor! A semente do meu Tobias. Sobre o coração! Estás sobre o
coração da mamãe! Que ela morra feliz...”, diz a mulher em um sussurro, que
termina em um beijo e no abandono de qualquer reação que se pudesse imaginar.
“Ela está
morrendo!”, gritam as mulheres.
“Não. Ela está tomando um justo repouso...
Quando ela acordar, dizei-lhe que dá ao menino o nome de Jesai-Tobias. Eu a
tornarei a ver no Templo, no dia da purificação.”
Jesus fecha a porta devagar, e se vira a fim de voltar para onde estava com os
seus discípulos. Eles estão todos lá, todos comovidos pelo que viram, e que
olham, admirados para Ele.
Voltam
juntos para o pátio. Saúdam ao intendente, que está assombrado e que só sabe
repetir: “Como vai ficar aborrecido o Tetrarca, por não ter estado aqui!” E
retomam a descida, para voltarem à cidade.
Jesus põe
a mão sobre o ombro do velho Benjamim, dizendo-lhe: “Eu te
agradeço por tudo o que nos mostraste, e por ter sido esse teu convite razão de
um milagre.”
Pg.
320-322
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348 – MANAÉM FALA DE HERODES ANTIPAS E
DE CAFARNAUM VAI COM JESUS A NAZARÉ. REVELADAS AS TRANSFIGURAÇÕES DA VIRGEM
Sê bem-vindo, Simão. Eu vos quis aqui
para fazer-vos conhecer Maria. Muitos de vós conheceis a “mãe” Maria. Alguns a
“esposa” Maria. Mas ninguém conhece a “virgem” Maria. E Eu vo-la quero
apresentar, neste jardim em flor, ao qual o vosso coração vem animado para
vencer grandes distâncias, e como para tomar um descanso nas vossas fadigas do
apostolado.
Eu vos ouvi falar a vós, apóstolos,
discípulos e parentes, e ouvi as vossas impressões. As vossas recordações e
vossas afirmações sobre minha mãe. Eu vos transfigurarei tudo isso. Eu vos
apresento tudo isso de outro modo, tratando-se de uma coisa muito admirável,
mas ainda muito humana, e vos apresentarei dela um conhecimento sobrenatural.
Porque minha mãe, antes de mim, é apresentada aos olhos dos que têm mais
merecimentos, para que lhes seja mostrada como ela é. Vós vede nela uma mulher.
Uma mulher que, pela sua santidade vos parece diferente das outras, mas que na
verdade estais vendo também como uma alma enfaixada pela carne, como a de todas
as suas irmãs no sexo. Mas agora Eu vos quero descobrir a alma de minha Mãe. A
sua verdadeira e eterna beleza.
Vem cá minha Mãe. Não fiques corada.
Não te afastes amedrontada, ó pomba agradável a Deus. Teu Filho é a Palavra de
Deus e pode falar de Ti e do teu mistério, dos teus mistérios, ó sublime
mistério de Deus. Sentemo-nos aqui nesta sombra pouco espessa de árvores em
flor, perto da casa, perto do teu quarto santo. Assim! Levantemos esta tenda
ondulante e dela saiam ondas de santidade e de Paraíso, saindo deste quarto
virginal para saturar de Ti a todos nós...Sim. A Mim também. Que Eu me perfume
de Ti, ó Virgem perfeita, para poder suportar os fedores do mundo, para poder
ver candura, tendo saturado a pupila com a tua Candura...Vinde cá, Marziam,
João, Estevão, e vós discípulas, bem para frente da porta que está aberta na
morada casta da que é a Casta entre todas as mulheres. E ide para trás, meus
amigos. E aqui ao meu lado, fica tu, ó querida mãe minha.
Eu vos falei a pouco da “eterna beleza
de minha Mãe”. Eu sou a palavra, e por isso sei usar das palavras sem errar. Eu
a chamei eterna, não imortal. E não sem uma razão foi que Eu o disse. Imortal é
aquele que, tendo nascido não morre mais. Assim as almas dos justos é imortal
no Céu, a alma dos pecadores é imortal no inferno, porque a alma, uma vez
criada não morre mais a não ser para a graça. Mas a alma tem vida e existe a
partir do momento em que Deus pensou em criá-la. É o Pensamento de Deus que a
criou. E na alma de minha Mãe, desde sempre Deus pensou. Por isso ela é eterna
em beleza, na qual Deus derramou todas as perfeições, para ter nelas motivo de
delícia e conforto.
Está escrito no livro do nosso avô
Salomão, que te anteviu e por isso pode ser chamado de teu profeta: “Deus te
possuiu desde o início de suas obras, desde o princípio, antes que a Terra
fosse feita. Ainda não existiam os abismos e eu já estava concebida. Ainda não
estavam jorrando as fontes das águas, as montanhas ainda não se tinham formado
no crescimento de suas volumosas massas, e eu já existia. Antes das colinas, eu
já havia nascido. Ele ainda não havia feito a Terra, os rios nem os polos do mundo,
e eu já existia. Quando Ele estava preparando os céus e o Céu, eu estava
presente. Quando, com uma lei inviolável, Ele fechou o abismo por baixo da
abóbada celeste e dela fez penderem as fontes das águas, quando fixou para o
mar os seus limites e deu leis ás suas águas para que não ultrapassassem
aqueles limites, quando Ele estava lançando os fundamentos da Terra, eu estava
com Ele, pondo em ordem todas as coisas. Sempre com alegria, eu me divertia
continuadamente diante Dele. E me alegrava pelo universo.”
Sim, ó Mãe da qual Deus, o Imenso, o
Sublime, o Virgem, o Incriado, estava grávido, e te transportava como o seu
suavíssimo peso, alegrando-se ao perceber que tu te movias dentro Dele,
dando-lhe os sorrisos, dos quais Ele fez o que foi criado! A Ti que com dor,
Ele deu á luz para entregar-te ao mundo, ó alma suavíssima, nascida do virgem
para ser a “virgem”, Perfeição da Criação, Luz do Paraíso, Conselho de Deus
que, olhando para Ti, pode perdoar a Culpa, porque Tu, sozinha, sabes amar como
nem a humanidade toda colocada junta sabe amar. Em Ti está o perdão de Deus. Em
Ti o remédio de Deus, Tu, carícia do Eterno sobre a ferida em Deus pelo homem.
Em Ti está a salvação do mundo, ó Mãe do Amor encarnado e do Redentor a nós
concedido. Oh! A alma de minha Mãe! Unido no amor com o Pai, Eu olhava para Ti
dentro de Mim, ó Alma de minha Mãe!
E o teu esplendor, a tua oração, a ideia de
estar sendo levado por ti me consolavam para sempre do meu destino de dor e de
experiências desumanas do que é o mundo, corrompido para um Deus perfeitíssimo.
Obrigado à Mãe! Eu vim já saciado por tuas consolações; Eu desci, percebendo
que Tu estavas sozinha, percebi o teu perfume, o teu canto, o teu
amor...júbilo, júbilo meu!
Mas, escutai, vós que agora estais
sabendo que uma só é a mulher na qual não há mancha, uma só a criatura que não
custa uma só ferida ao Redentor, ouvi a segunda transfiguração de Maria, a
Eleita de Deus.
Era uma tarde serena do mês de Adar e
estavam floridas as árvores, no jardim silencioso e, Maria, esposa de José,
tinha apanhado um ramo de uma árvore, toda florida, para trocá-lo por outro,
que estava em seu quarto. Fazia pouco tempo que ela tinha chegado a Nazaré,
Maria, recebida do Templo para ir adornar uma casa de Santos. E, com a alma
repartida entre o Templo, sua casa e o Céu. Ela estava olhando para o ramo
florido, pensando que haveria de ser como outro semelhante, desabrochado de
modo não comum, um ramo cortado neste jardim em pleno inverno, e tão florido
como se estivesse na primavera, diante da arca do Senhor, talvez o tivesse
aquecido o sol, Deus, irradiando em sua Glória, e Deus lhe teria dado a
entender qual a sua vontade...E pensava ainda que, naquele dia das núpcias,
José lhe havia trazido outras flores, mas nenhuma delas parecidas com a primeira,
que tinha estas palavras escritas sobre suas leves pétalas: “Eu te quero unida
a José...” Em tantas coisas Ela pensava...E, pensando, subia até Deus. Suas
mãos estavam sempre ocupadas com a roca e o fuso, e fiavam um fio mais fino do
que um dos fios dos cabelos de sua cabeça juvenil...
Sua alma tecia um tapete de amor, indo
com diligência, como a lançadeira no tear, da terra ao Céu. Desde as
necessidades da casa, do esposo, até as necessidades da alma, de Deus. E Ela
cantava e rezava. E um tapete se ia formando no misterioso tear e se estendia
da terra ao céu, e ia subindo até perder-se nas alturas...De que ele era feito?
Dos fios muito finos e bem feitos, fortes, das suas virtudes, do fio que voava
da lançadeira, que Ela acreditava que era dela, mas que era de Deus: a
lançadeira da Vontade de Deus, sobre a qual estava enrolada a vontade da
pequena, da grande Virgem de Israel, desconhecida pelo mundo mas conhecida por
Deus, a sua vontade envolvida, tornada uma só com a Vontade do Senhor. E o
tapete desabrochava em flores de amor, de pureza, de palmas pacíficas, de
palmas de glória, de violetas, de jasmins...Todas as virtudes floresciam sobre
o tapete de amor, que a Virgem de Deus ia desenrolando e que convidava a ir da
terra ao Céu. E, como o tapete não bastava, Ela estendia seu coração cantando:
“Venha o meu querido ao meu pomar e coma dos frutos de suas macieiras...Que o
meu querido desça ao seu jardim, ao canteiro dos aromas, a apascentar-se nutre
os jardins a colher lírios! Eu sou do meu dileto e o meu dileto é meu, ele que
se apascenta entre os lírios!”. E, de lonjuras sem fim, por entre torrentes de
Luz, vinha uma voz que o ouvido humano não é capaz de ouvir, nem a garganta
humana pode produzir. E dizia: “Como és bela minha amiga! Como és bela! Teus lábios
destilam mel...Tu és um jardim fechado, uma fonte selada, ó irmã, ó esposa
minha...” e juntas, as duas vozes se uniam para cantarem a eterna verdade: “O
amor é mais forte que a morte. Nada pode extinguir ou submergir o nosso amor”.
E a Virgem se transfigurava assim....assim....enquanto Gabriel ia descendo e,
com seus ardores, a fazia voltar à Terra, unia de novo seu espírito à sua
carne, a fim de que ela pudesse entender e compreender o pedido daquele que a
havia chamado de “Irmã”, mas que a queria por “Esposa”.
Eis, lá aconteceu o Mistério...E uma
casta, a mais casta de todas as mulheres, aquela que nem conhecia o estímulo
instintivo da carne, desfaleceu diante do Anjo de Deus, pois até mesmo um anjo
perturba a humildade e o pudor da Virgem. E Ela só se acalmou ao ouvi-lo falar,
e acreditou, e disse a palavra pela qual o amor “deles” se fez carne e vencerá
a morte, e nenhuma água poderá apagá-lo, e nenhuma maldade o fará submergir.”
Jesus se
inclina docemente para Maria que está caída a seus pés, extática, ao relembrar
àquela hora que já está tão longe, mas cheia de uma luz especial, que parece
fazer exalar-se sua alma, e lhe pergunta em voz baixa: “Qual
a tua resposta, ó Puríssima, aquele que te garantia que, ao te tornares Mãe de
Deus, não terias perdido a tua perfeita virgindade?
E Maria
como se estivesse sonhando, lentamente, sorrindo, com os olhos dilatados por um
pranto feliz:
“Eis aqui a Serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a sua Palavra, e inclina de novo a cabeça sobre os joelhos de seu Filho, adorando-o.
Jesus a
cobre com o seu manto, escondendo-a aos olhos de todos, e diz: “E
assim se fez. E se fará até o fim. Até a outra, e ainda a outra das suas
transfigurações. Ela será sempre a “Serva de Deus”. Fará sempre o que disser “a
Palavra”. Minha Mãe! Esta é minha Mãe! E é bom que vós comeceis a conhece-la,
em toda a sua santa figura. Mãe! Mãe! Levanta o teu rosto querida, chama de
novo os teus devotos à terra, onde por enquanto estamos.” Diz tirando o manto de sobre Maria, depois de algum tempo,
durante o qual nenhum rumor se ouviu, a não ser o zumbido das abelhas e o
murmúrio da pequena fonte.
Maria
levanta o rosto molhado pelo pranto e sussurra: “Por que meu Filho, me fizeste
isto? Os segredos do Rei são sagrados.”
Mas o Rei os pode revelar, quando o
quiser. Minha Mãe, Eu assim fiz, para que se compreenda aquela palavra de um
Profeta: “Uma mulher encerrará em si o Homem”, e mais esta de outro Profeta: “A
Virgem conceberá e dará à luz um Filho.” E também para que esses que se
horrorizam de muitas coisas que lhes parecem aviltantes do Verbo de Deus,
tenham em compensação muitas outras coisas que os confirmem na alegria de serem
meus. Assim eles não se escandalizarão nunca mais e por isso conquistarão o
Céu.
Pg.
344-347
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349 – A TRANSFIGURAÇÃO SOBRE O MONTE
TABOR E O EPILÉTICO CURADO AOS PÉ DO MONTE. UM COMENTÁRIO PARA OS PREDILETOS
“Descansai meus amigos. Eu vou até ali
para rezar.” E com a mão, mostra um grande
rochedo que se ergue sobre o monte e que, assim, nãi fica virado de costa, mas
para o monte, para o cume. Jesus se ajoelha na terra gramada, apóia as mãos e a
cabeça no rochedo, na mesma posição que Ele irá tomar em sua oração no Horto. O
sol o atinge porque o cume lhe serve de anteparo. Mas o resto do espaço gramado
está cheio de sol até o limite da sombra da beira arborizada, sob a qual estão
sentados os apóstolos.
Pedro
tira as sandálias, sacode delas a poerira e as pedrinhas e fica assim, com os
seus pés cansados sobre a grama fresca, quase deitado com a cabeça sobre um
ramo verde, que se estendeu mais do que os outros para longe de seu tronco,
como se fosse um travesseiro. Tiago faz como ele, mas, para ficar mais cômodo,
escolhe logo o tronco de uma árvore, sobre o qual põe sua capa e sobre ela as
costas.
João
fica sentado e observa o Mestre. Enquanto isso, a calma do lugar, o ventinho
fresco, o silêncio e o cansaço vencem também a ele, e sua cabeça se inclina
para o peito, e as pálpebras se fecham sobre os olhos. Nenhum dos três está
dormindo profundamente, mas estão com aquela sonolência de verão que nos faz
ficar meio tontos.
Eles
são sacudidos por uma luz tão viva que chega a anular a luz do sol e invade e
penetra até por baixo do verde das moitas e das árvores, sob as quais eles
foram colocar-se. Eles abrem os seus olhos espantados e veem Jesus
transfigurado. Ele está agora tal e qual como o vejo nas visões do Paraíso.
Naturalmente Ele está sem as chagas e sem o estandarte da Cruz. Mas a majestade
do rosto e do corpo é a mesma, a mesma é a luminosidade, a mesma é a veste, de
um vermelho escuro se muda no diamantífero e perlífero tecido imaterial, que o
reveste no Céu. Seu rosto é um sol, de uma luz sideral, mas muito mais intensa,
e nele seus olhos de safira irradiam luz. Ele parece mais alto agora, como se
seu estado de glorificação tivesse aumentado sua estatura. Eu não saberia dizer
se a luminosidade, que faz o planalto ficar quase fosforecente, se ela provém
dele, ou se, à sua própria luz vem misturar-se a que Ele já tem concentrada
sobre o meu Senhor, que é toda a luz que há no Universo e nos Céus. Só sei que
é uma coisa indescritível.
Jesus
agora está de pé, eu diria que Ele está elevado acima da terra, porque entre
Ele e o verde do prado, há como que uma evaporação de luz, um espaço criado
unicamente por uma luz, sobre o qual parece que Ele se levanta. Mas é uma luz
tão viva que eu poderia até enganar-me, e o fato de eu não estar vendo mais o
verde da grama sob os pés de Jesus, poderia estar sendo provocado por esta luz
intensa, que vibra e que faz ondas, como se vê as vezes nas grandes fogueiras.
As ondas aqui são de uma cor branca incandescente.
Os
apóstolos ficam com um pouco de medo disso, e o chamam, porque não lhes está
parecendo mais que Ele seja o seu Mestre, de tão trasfigurado que Ele está.
“Mestre, Mestre”, eles o chamam em voz baixa, mas cheios de ansiedade.
Ele
não os ouve.
“Está
em êxtase”, diz Pedro, tremendo. “Que será que Ele está vendo?”
Os
três se puseram em pé. Quereriam aproximar-se de Jesus, mas não têm coragem. A
luz aumenta ainda mais, pois duas chamas desceram do Céu, e vieram colocar-se
aos lados de Jesus. Quando elas pousaram sobre o planalto, o véu delas se
abriu, e apareceram dois luminosos e majestosos personagens. Um deles, e mais
velho, de olhos penetrantes e sérios com uma barba longa bipartida. De sua
fronte partem uns raios de luz, que me fazem compreender que é Moisés. O outro
é mais jovem e magro, barbudo e peludo, mais ou menos como o Batista, com o
qual eu diria que ele se parece, por sua estatura, sua magreza, sua compleição
e severidade. Enquanto que a luz de Moisés é clara como a de Jesus,
especialmente nos raios da fronte, a que sai de Elias é solar, é de uma chama
viva.
Os
dois profetas tomam uma posição de reverência diante do seu Deus Encarnado e,
por mais que Ele lhes fale com familiaridad, eles não abandonam sua posição de
reverência. Eu não compreendo nenhuma palavra do que disseram.
Os
três apóstolos caem de joelhos, trêmulos, com o rosto entre as mãos. Eles
quereriam ver, mas estão com medo. Finalmente, Pedro diz: “Mestre, Mestre,
escuta-me.” Jesus vira o olhar com um sorriso para o seu Pedro, que desabafa e
diz: “Como é bonito estar aqui contigo, com Moisés, e Elias. Se quiseres, vamos
fazer aqui três tendas para Ti, para Moisés e para Elias, e nós ficaremos aqui
para vos servirmos.”
Jesus
ainda olhando para ele, sorri mais vivamente. Olha também para João e para
Tiago. É um olhar que abraça a todos com amor. Também Moisés e Elias olham
fixamente para os três. Os olhos deles cintilam. Parecem raios que penetram nos
corações.
Os
apóstolos não tem coragem de dizer nada. Atemorizados, eles guardam silêncio.
Parecem um pouco embriagados, como quem está atordoado. Mas quando um véu, que
não é uma névoa, que não é um raio, envolve e separa os três gloriosos atrás de
uma tela, ainda mais luminosa do que aquela que os rodeava, e os esconde à
vista dos três, e uma voz poderosa e harmoniosa vibra e enche o espaço, e os
três caem com o rosto sobre o gramado.
“Este
é o meu Filho amado, no qual Eu me comprazo. Ouvi-o”
Pedro,
ao jogar-se de bruços exclama: “Misericósdia de mim pecador! É a Glória de Deus
que desce!” Tiago perdeu o fôlego, João murmura com um suspiro, como se
estivesse para desfalecer: “É o Senhor que está falando.”
Ninguém
ousa levantar a cabeça, ainda que o silêncio se tenha tornado completo. Por
isso eles não veem nem mesmo a volta da luz à sua natureza de luz solar, para
mostrar que Jesus Cristo está sozinho e que Ele tornou a ser visto como de
custume, com sua veste vermelha. Ele vai caminhando na direção deles, sorrindo
e os sacode, toca neles e os chama pelo nome.
“Levantai-vos. Sou Eu. Não temais!”, diz Ele, porque os três não têm
coragem de levantar o rosto e estão invocando a misericórdia divina sobre os
seus pecados, temendo que seja o Anjo de Deus que quer mostrá-los ao Altíssimo.
“Levantai-vos pois Eu vo-lo mando”, repete Jesus, dando-lhes uma ordem. E
eles levantam o rosto e veem Jesus que está sorrindo.
“Oh!
Mestre, meu Deus!”, exclama Pedro. “Como faremos agora para vivermos ao seu
lado, agora que vimos a tua glória? Como faremos para viver entre os homens,
nós, homens pecadores, agora que ouvimos a voz de Deus?”
“Devereis viver a meulado e ver a minha
glória até o fim. E sede dignos disso, porque o tempo está próximo. Obedecei ao
meu e vosso Pai. Voltemos agora para o meio dos homens, porque Eu vim para
estar entre eles e para leva-los a Deus. Vamos, sede Santos pela lembrança
desta hota, fortes e fiéis. Tereis parte na minha mais completa glória. Mas,
por enquanto, não faleis nisto que vistes a ninguém. Nen aos companheiros.
Quando o Filho do homem tiver ressuscitado dos ortos, e tiver voltado para a
glória do Pai, então podereis falar. Porque então, vai ser preciso crer para
que se tenha parte em meu Reino.”
“Mas,
não deve vir Elias para preparar o teu Reino? Assim dizem os Rabis.”
“Elias já veio, e preparou os caminhos
do Senhor. Tudo acontece como foi revelado. Mas os que ensinam a revelação não
a conhecem nem a compreendem, e não veem nem reconhecem os sinais dos tempos e
os enviados de Deus. Elias já voltou uma vez. Na segunda vez ele virá quando os
últimos tempos já estiverem perto, a fim de preparar os últimos para Deus. Mas
agora ele veio para preparar os primeiros para Cristo e os últimos não o
quiseram conhecer, submeteram-no a tormentos e o condenaram a morte. O mesmo
farão com o Filho do homem, porque os homens não querem reconhecer o que é o
seu bem.”
Os
três inclinam a cabeça, pensativos e tristes, e vão descendo pelo caminho, por
onde subiram juntos com Jesus.
“Ah!
Senhor. Eu digo também, como tua mãe dizia ontem: “Por que nos fizeste isso?”,
e digo ainda: “Por que nos disseste isso?” As tuas últimas palavras cancelaram
em nossos corações a alegria da gloriosa vista. Grande dia de medo este!
Primeiro fez-nos medo aquela grande luz que nos despertou, mais forte do que se
o monte ardesse, ou que se a lua tivesse descido a irradiar luz sobre o
planalto, diante de nossos olhos. Depois o teu aspecto e aquilo de te
destacares do solo como se fosse ir embora voando. Eu fiquei com medo de que
Tu, aborrecido pelas maldades de Israel, voltasse ao Céu, talvez por ordem do
Altíssimo.
Depois,
fiquei com medo vendo a aparição de Moisés, que o povo do seu tempo não podia
olhar o véu, tanto brilhava em seu rosto o reflexo de Deus, e ainda era homem,
ao passo que agora é um espírito feliz e aceso por Deus, e Elias...
Misericórdia Divina! Eu pensei que tinha chegado ao meu último momento e todos
os pecados de minha vida, desde quando roubava frutas na despensa, quando era
pequeno até o último, quando te aconselhei mal, há poucos dias, tudo isso me
veio à mente. Com que temor eu me arrependi! Depois, pareceu-me que aqueles
dois juntos gostassem de mim e criei coragem para falar. Mas depois até o amor
deles por mim me fazia medo, porque eu não mereço o amor de espíritos como
aqueles. E depois... e depois!
O medo
dos medos! A voz de Deus! Javé falou! E a nós! Ele nos disse: “Ouvi-o!” A Ti
Ele te proclamou “seu Filho-amado, no qual Ele se compraz.” Que medo! Javé... a
nós... Certamente só mesmo uma força como a tua pode conservar-te vivo! Quando
Tu tocaste em nós e sentíamos teus dedos queimando como pontas de fogo, eu tive
o último dos espantos. Achei que tinha chegado a hora de ser julgado e que o
Anjo me estivesse tocando para tirar-me a alma e levá-la ao Altíssimo... Mas,
como foi que fez tua Mãe para ficar vendo, percebendo e continuando viva,
naquela hora de que falaste ontem, sem que Ela morresse, Ela que estava
sozinha, era uma jovenzinha, e estava sem Ti?”
“Maria, a sem Mancha, não podia ter
medo de Deus. Eva também não tinha medo Dele enquanto foi inocente, e Eu lá
estava. Eu, o Pai e o Espírito. Nós, que estamos no Céu e na terra e em todos
os lugares, e que tínhamos o nosso Tabernáculo no coração de Maria”, diz docemente Jesus.
“Que
coisa! Que coisa! Mas depois Tu falaste de morte. E acabou-se toda alegria...
Mas, por que tudo só havia de acontecer conosco, os três? Não ficava bem que
fosse dada a todos esta visão da tua glória?”
“Justamente porque vós já estais
desmaiando só por ouvir falar da morte, e morte por meio de um suplício do
Filho do homem, o Homem-Deus vos quis fortalecer para aquela hora e para sempre
com o conhecimento prévio do que Eu serei depois da morte. Recordai-vos de tudo
isso, para que possais dizer a seu tempo. Compreendestes?”
“Oh! Sim,
Senhor. É impossível esquecer. E seria inútil falar naquilo. Todos diriam que
estávamos “embriagados”.
Diz
Jesus:
“Eu te preparei para meditares na minha
Glória. Amanhã a Igreja a celebra. Mas Eu quero que meu pequeno João a veja em
sua verdade, para compreende-la melhor. Eu não te escolho somente para
conheceres as tristezas do teu Mestre e as suas dores. Quem sabe estar comigo
na dor, deve ter parte comigo na alegria.
Quero que tu, diante do teu Jesus, que
se te mostra, tenhas a os mesmos sentimentos de humildade e arrependimento dos
meus apóstolos. Nada de soberba. Serias castigada perdendo-me. Contínua
lembrança de quem sou Eu e de quem és tu.
Contínuo pensamento sobre tuas
fraquezas e a minha perfeição, para teres um coração lavado pela contrição.
Mas, junto com isso, também muita confiança em Mim. Eu disse: “Não temais.
Levantai-vos. Vamos. Vamos para o meio dos homens, porque Eu vim para estar com
eles. Sede santos, fortes e fiéis para vos lembrardes desta hora.” Eu digo
ainda a ti e a todos os meus prediletos entre os homens, aqueles que me possuem
de maneira especial. Não tenhais medo de Mim. Eu me mostro para elevar-vos, e
não para reduzir-vos a cinzas.
Levantai-vos, que a alegria do dom vos
dê vigor e não vos torne obtusos, querendo saborear um quietismo e crendo-vos
já salvos, porque Eu vos mostrei o Céu. Vamos juntos por entre os homens. Eu
vos convidei para obras sobre-humanas, com visões sobre-humanas e lições, a fim
de que possais servir-me de uma ajuda maior. Eu vos associo a minha obra. Mas
Eu nunca conheço repouso. Porque o Mal não descansa nunca e o Bem deve estar
sempre ativo para anular o mais que puder a obra do Inimigo. Nós descansaremos
quando chegar o tempo.
Agora é preciso andar incansavelmente,
trabalhar continuamente, consumir as forças sem parar no trabalho da messe de
Deus. Que o meu contato contínuo vos santifique, a minha lição contínua vos
fortaleça, que o meu amor de predileção vos faça fiéis contra as insídias. Não
sejais como os antigos rabinos, que ensinavam a Revelação e depois não
acreditavam nela, a ponto de não reconhecerem os sinais dos tempos e os
enviados de Deus. Reconhecei os precursores do Cristo no seu segundo advento,
porque as forças do Anticristo estão em marcha e, fazendo uma exceção para a
medida que me impus a mim mesmo, pois Eu conheço que vós estais bebendo certas
verdades, não por um espírito sobrenatural, mas por uma sede de curiosidade
humana. Eu vos digo em verdade o que eles pensarão ser uma vitória sobre o
Anticristo, a paz que está próxima, que não será mais que uma pausa, para dar
tempo ao inimigo de Cristo para retemperar-se, curar as feridas, reunir o seu
exército para uma luta ainda mais cruel.
Reconhecei, vós que sois as “vozes”
deste vosso Jesus, do Rei dos reis, do Fiel e Veraz, que julga e combate com
justiça e será o Vencedor da Besta, e dos servos e dos profetas dela,
reconhecei o vosso Bem e segui-o sempre.
Que nenhum aspecto mentiroso vos seduza
e nenhuma perseguição vos aterre. A vossa “voz” diga as minhas palavras. A
vossa vida seja para esta obra. E tereis sorte na terra, com o Cristo, com o
seu Precursor e com Elias, uma sorte cruenta ou atormentada com servícias morais,
sorri a vossa sorte futura e segura, que tereis com o Cristo, com o seu
Precursor, com o seu Profeta. Sereis seus pares no trabalho, na dor e na
glória.
Aqui Eu, Mestre e Exemplo. Lá, Eu
Prêmio e Rei. Possuir-me será a vossa felicidade. Será o esquecer-vos da dor.
Será tudo o que todas as revelações ainda são insuficientes para fazer-vos
compreender, porque a alegria da vida futura é muito superior a vossa
capacidade de imaginar, como criaturas que estão assim ainda unidas a carne.”
Pg.
354-359
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351 – O TRIBUTO DO TEMPLO PAGO COM A
MOEDA NA BOCA DO PEIXE
“Que me dizes Simão? Conforme as
regras, os reis da terra, de quem recebem os tributos e impostos? É dos
próprios filhos ou dos estranhos?”
Pedro tem
um sobressalto, e diz: “Como sabes, Senhor, aquilo que eu te ia dizer?”
Jesus
sorri, fazendo um gesto, como para dizer: “Deixa para lá.”
Depois
diz: “Responde
ao que te perguntei.”
“Dos
estranhos Senhor.”
“Portanto, os filhos estão isentos
deles, como de fato é justo. Porque um filho é do sangue e da casa do pai e não
deve pagar ao pai outra coisa senão o tributo de amor e obediência. Por isso,
Eu, Filho do Pai, não teria que pagar o tributo ao Templo, que é a casa do Pai.
Tu respondeste bem a eles. Mas, visto que há uma diferença entre ti e eles, e é
esta: tu crês que Eu sou o Filho de Deus e eles e os que os mandaram não o
creem. Então, para não escandalizá-los, Eu pagarei o tributo e logo, enquanto
eles ainda estão aí na praça recebendo.”
“E com
que, se não temos nem uma moedinha?”, pergunta Judas, que se aproxima com os
outros. “Estás vendo como é necessário ter alguma coisa.”
“Nós
iremos pedir emprestado ao dono da casa”, diz Filipe.
Jesus faz
um sinal com a mão para que se calem, e diz: “Simão de Jonas, vá à beira do
mar e joga, o mais longe que puderes, uma linha de pescar, puxa a linha para
ti. Será um peixe grande. Na beira do mar, abre a boca dele e nela encontrarás
a moeda de um estáter. Pega-a, vai no encalço daqueles dois, e paga-lhes por
Mim e por ti. Depois, traze-nos o peixe. Nós o assaremos e Tomé nos fará a
caridade, com um pouco de pão. Nós comeremos e, em seguida, iremos àquele que
está para morrer. Tiago e André preparai as barcas, pois iremos com elas a
Magdala, e voltaremos a pé, de tarde, para não estorvarmos a pesca de Zebdedeu
e do cunhado de Simão.”
Pedro lá
se vai e logo depois já o vemos na beira, subindo para uma pequena barca, que
está pela metade sobre a água, e joga um cordel fino, munido de uma pedrinha ou
chumbo perto da ponta e terminando numa cordinha mais fina que a linha
verdadeira e propriamente dita. As águas do lago se abrem em borrifos de prata
quando aquele peso bate e se afunda nelas. Depois tudo volta a ficar muito
quieto, enquanto as águas se vão acalmando, depois de terem-se afastado daquele
ponto em círculos concêntricos...
Pouco
depois, a cordinha, que estava frouxa dentro das mãos de Pedro, de repente se
estica e vibra... Pedro puxa, puxa, enquanto a cordinha vai recebendo sacudidas
cada vez mais fortes. Por fim, ele dá um arranco e a cordinha vem toda para
fora com a sua presa, que está dando pinotes no ar, fazendo um arco acima da
cabeça do pescador e vindo cair sobre a areia amarelada, onde se contorce, pelo
espasmo que lhe causa o anzol nela agarrado e que lhe rasga o palato, e pela
asfixia que já começa.
É um
peixe muito bonito, que tanto tem de grosso como de rombudo, pesando uns três
quilos. Pedro lhe arranca o anzol dos beiços carnudos, enfia-lhe pela garganta
o seu dedo grosso e de lá tira uma grande moeda de prata. Levanta-a entre o
polegar e o indicador para mostrá-la ao Mestre, que está no parapeito do
terraço. Depois, recolhe a cordinha e a enrola, apanha o peixe e sai correndo
pela praça.
Os
Apóstolos estão todos assombrados... Jesus sorri e lhes diz: “E
assim teremos evitado um escândalo...”
Pedro
está de volta: “Eles estavam para vir até aqui. E com Eli o fariseu. Eu
procurei ser gentil como uma moça para com eles e os chamei dizendo: “Ó vós, os
enviados pelo fisco! Tomai. Estas são quatro dragmas, não é? Duas pelo Mestre e
duas por mim. E estamos quites, não é mesmo? Até a vista, no vale de Josafá,
especialmente contigo, meu caro amigo.” Eles ficaram ressentidos porque eu
falei em “fisco”.
“Nós
somos do Templo, não do fisco.”
“Vós
cobrais taxas, como os arrecadadores. Todo arrecadador para mim é do fisco”,
respondi eu.
“Insolente!
Tu me desejas a morte?”
“Não,
amigo! De modo nenhum! Eu te auguro uma feliz viagem até o vale de Josafá. Tu
não vais pela Páscoa a Jerusalém? Então, poderemos encontrar-nos por lá,
amigo”.
“Eu não
desejo e não quero que tomes a liberdade de me chamar de teu amigo.”
“De fato,
é honra demais”, respondi eu. E vim-me embora. O bonito mesmo foi que lá estava
metade de Cafarnaum e me viu pagando por Ti e por mim. E aquela velha serpente
não poderá dizer mais nada.”
Os
Apóstolos todos devem ter rido do que Pedro contou e dos seus gestos. Jesus
quer ficar sério, mas um leve sorriso escapa de seus lábios enquanto Ele diz: “És
pior do que mostarda”, e termina:
“Assai o peixe e vamos logo. Ao pôr-do-sol Eu quero estar aqui novamente.”
Pg.
364-366
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352 – UM CONVERTIDO DE MARIA DE
MAGDALA. PARÁBOLA PARA O PEQUENO BENJAMIM E LIÇÕES SOBRE QUEM É GRANDE NO REINO
DOS CÉUS
“Conta-me
alguma bela parábola, Jesus”, diz o menino dando seus pulinhos ao lado do
Mestre e olhando para Ele de alto a baixo, com um rostinho brilhando de
alegria.
Jesus
também olha para ele com um sorriso alegre, que lhe descobre a boca sombreada
pelos bigodes e pela barba louro-avermelhada que o sol faz ser vista como se
fosse de ouro. Seus olhos de safira escura também estão rindo de alegria,
enquanto estão olhando para o menino.
“O que vais fazer com a parábola? Ela
não é um brinquedo.”
“É mais
bonita do que um brinquedo. Quando eu vou dormir, fico pensando nela, e depois
sonho com ela, e, na manhã seguinte lembro-me dela, e a repito a mim mesmo,
para ser bom. Ela me faz ser bom”.
“Tu te lembras dela?
“Sim.
Queres que eu te diga todas as que me disseste?”
“És bravo Benjamim, e mais do que os
homens, que se esquecem. Como prêmio vou dizer-te a parábola.”
O menino
parou de pular. Vai agora caminhando sério e atento como um adulto, e não perde
uma palavra, nenhuma das inflexões da voz de Jesus, para o qual ele está
olhando tão atentamente, que nem pensa em olhar onde é que está pondo os pés.
“Um pastor muito bom ouviu a notícia de
que em certo lugar do universo havia ovelhas abandonadas pelos pastores não
muito bons, e elas andavam em perigo, por caminhos muito maus, por pastagens
que lhes faziam mal, e iam sempre terminar em despenhadeiros escuros. Ele foi
até aquele lugar e, gastando todos os seus haveres, adquiriu aquelas ovelhas
com os seus cordeirinhos. Queria levar a todos para o seu reino, pois aquele
pastor era também rei, como foram muitos em Israel. No seu reino, aquelas
ovelhas e aqueles cordeirinhos teriam muitas pastagens sadias, águas puras e
frescas, estradas seguras e abrigos indestrutíveis para as protegerem dos
ladrões e dos lobos ferozes. Por isso, aquele pastor reuniu as suas ovelhas e
os seus cordeirinhos e lhes disse: “Eu vim para salvar-vos, afim de levar-vos
para o lugar onde não sofrereis mais, onde não conhecereis mais ciladas nem
sofrimentos. Amai-me, acompanhai-me, porque eu vos amo muito e, para ter-vos,
eu me sacrifiquei de todos os modos. Mas, se me amardes o meu sacrifício não me
será pesado. Vinde atrás de mim e vamos...” E o pastor, indo á frente e as
ovelhas o acompanhando, tomaram o caminho que vai para o reino da alegria. O
pastor, a cada momento se virava para ver se elas o estavam acompanhando, para
exortar os cordeirinhos. Como as amava! Dava-lhes do seu pão e do seu sal e, em
primeiro lugar provava a água das fontes e a abençoava, a fim de perceber se
era boa e para torná-la santa. Mas as ovelhas, tu acreditas, Benjamim, as
ovelhas depois de algum tempo ficaram cansadas. Primeiro uma, depois duas,
depois dez, depois cem, ficaram para trás pastando a erva até se encherem sem
poderem mais mover-se, e se deitaram, cansadas e saciadas, na poeira e na lama.
Outra foram ficar suspensas sobre os precipícios, ainda que o pastor lhes
tivesse dito: “Não façais isso”. Umas iam porque ele ia colocar-se onde havia
maior perigo a fim de impedir que elas fossem para lá, bateram nele com a
cabeça atrevida e, mais de uma vez tentaram precipitá-lo de lá. Assim muitas
delas ficaram nos despenhadeiros e lá morreram miseravelmente. Outras começaram
a brigar entre si e, ficando uma sem chifres e outra sem cabeça, foram se
matando umas às outras. Somente um cordeirinho é que nunca se desencaminhou.
Ele corria e, com aquele seu balido, ele dizia ao pastor: “Eu te amo!”, e ia
correndo atrás do bom pastor. Quando chegaram á porta do seu reino, não havia
mais do que eles dois: o pastor e o cordeirinho fiel. Então, o pastor não
disse: “Entra”, mas disse: “Vem”, e o tomou sobre o seu peito, por entre os
braços, e o levou para dentro, chamando a todos os seus súditos dizendo-lhes:
“Aqui está o que me ama. Quero que ele esteja comigo para sempre. E, vós,
amai-o, porque ele é o predileto do meu coração”.
A parábola terminou, Benjamim. Agora
sabes tu dizer-me:
“Quem é aquele pastor bom?”
“És tu,
Jesus.”
“E aquele cordeirinho, quem é?”
“Sou eu,
Jesus.”
“Mas agora eu vou-me embora. Tu te
esquecerás de mim.”
“Não
Jesus. Não me esquecerei de Ti, porque te amo.”
“Teu amor cessará quando não me vires
mais.”
“Eu direi
dentro de mim as palavras que tu disseste, e isso será como se Tu estivesses
presente. E assim eu te amarei, e te obedecerei. E dize-me Jesus, Tu te
lembrarás do Benjamim?”
“Sempre? Como farás para te lembrares
de mim?”
“Eu direi
a Mim mesmo que tu prometeste amar-me e obedecer-me, e assim me lembrarei de
ti. E me darás o teu reino?”
“Se fores bom, sim. Como farás? A vida
é longa.”
“Mas
também as tuas palavras são muito boas. Se eu as disser a mim mesmo e fizer o
que mandam fazer, eu me conservarei bom por toda a vida. E assim farei porque
te amo. Quando se quer bem, não se fica cansado de ser bom. Para mim, não é
cansativo obedecer a minha mãe, porque lhe quero bem.”
Jesus
fica parado e olhando o rostinho cheio de amor, mais do que de sol. A alegria
de Jesus é tão viva, que até parece ser um outro sol que se acendeu em sua alma
e se irradia de suas pupilas. Ele se inclina e beija o menino na fronte.
Diz
Jesus:
“Vinde e ouvi. Porque daqui a pouco nos
separaremos, Eu quero ensinar-vos ainda, para formar-vos melhor. Hoje Eu vos
ouvi discutir, e nem sempre com caridade. Aos maiores entre vós Eu já dei a
lição. Mas eu quero dá-la a vós também, e ela não fará mal a estes entre vós
que são os maiores, se eles a ouvirem de novo. Agora o pequeno Benjamim não
está aqui perto dos meus joelhos. Ele está dormindo em sua cama, e sonhando
seus sonhos inocentes. E talvez a sua alma pura esteja aqui entre nós, do mesmo
modo. Seja como for, fazei de conta que ele ou qualquer outro menino esteja
aqui para vosso exemplo. Vós, em vossos corações, tendes todos, cravado um prego,
uma curiosidade, um perigo. E o prego é
isto: querer ser o primeiro no reino dos Céus.
A curiosidade é esta: saber quem será o primeiro.
E, enfim, o perigo: o desejo, ainda
muito humano, de ouvir que lhe digam assim: “Tu és o primeiro no Reino dos
Céus”, se for dito pelos companheiros complacentes ou pelo Mestre, mas
sobretudo pelo Mestre, do qual vós sabeis que é verdade o que Ele diz e qual o
conhecimento que Ele tem do futuro. Por acaso, não é assim mesmo? As perguntas
estão tremendo sobre os vossos lábios, e estão vivas no fundo dos vossos
corações.
O Mestre, para o vosso bem, atende a
essa curiosidade, por mais que Ele deteste ceder às curiosidades humanas. O
vosso Mestre não é um charlatão ao qual se faz uma pergunta por duas moedas, no
meio da barulheira de uma feira. Nem tampouco Ele é tomado pelo espírito de
Piton, o qual o ajuda a ganhar dinheiro, ensinando-o a adivinhar para
satisfazer às acanhadas mentes dos homens, que querem descobrir o futuro, para
saberem como haverão “regular-se”. Mas o homem não pode regular-se por si
mesmo. Só Deus é que o regula, se o homem tiver fé nele! Não adianta saber, ou
pensar que se sabe o futuro, se não se tiver meio para fazer voltar atrás o
futuro que foi profetizado. Só existe um meio: a oração ao Pai e Senhor para
que, em sua misericórdia, nos ajude. Em verdade, Eu vos digo que a oração feita
com fé pode mudar um castigo em bênção. Mas quem recorre aos homens para poder,
como homem e com meios humanos, desviar o futuro, não sabe rezar nada, ou sabe
rezar, mas muito mal. Eu, por esta vez, porque esta vossa curiosidade pode
trazer-vos um bom ensinamento, vou responder a ela, Eu que detesto as perguntas
curiosas e desrespeitosas.
Vós vos estáveis perguntando: “Quem de
nós é o maior no Reino dos Céus?” Eu, deixando de lado essa limitação “do entre
nós”, amplio os confins dela ao mundo inteiro, ao presente, ao passado e ao
futuro, e respondo: O maior no Reino dos Céus é o que for o menor entre os
homens, isto é, aquele que é considerado “o menor”, pelos homens. O que é
simples, o humilde, o que tem confiança, o ignorante. Um exemplo disso é o
menino, ou o que tem uma alma de menino. Não é a ciência, não é o poder, não
são as riquezas, não são as atividades, mesmo que sejam boas, as coisas que vos
tornarão “o maior” no Reino da felicidade. Mas, é sim, o ser como os pequenos
por sua afetuosidade, sua humildade e simplicidade, sua fé.
Observai como Me amam as crianças, e
imitai-as. Como elas creem em Mim, e imitai-as. Como recordam aquilo que digo,
como fazem o que Eu ensino, e imitai-as. Como não se ensoberbecem pelo que
fazem, e imitai-as. Como não se enchem de ciúmes de Mim nem dos companheiros, e
imitai-as.
Em verdade, Eu vos digo que, se não
mudardes vosso modo de pensar, de agir e de amar, e se não vos refizerdes
conforme o modelo dos pequenos, não entrareis no Reino dos Céus. Ele sabem o
que vós sabeis, o essencial, de minha doutrina. Mas, com que diferença eles
praticam o que Eu ensino! Vós dizeis, a cada ato bom que praticais: “Fui eu que
o fiz.” O menino me diz: “Jesus, eu me lembrei de Ti hoje, e por Ti eu obedeci,
eu amei, eu contive um desejo de brigar... e estou contente, porque Tu, eu o
sei, sabes quando eu sou bom, e ficas contente por isso”. E observai também os
meninos, quando cometem uma falta. Com que humildade eles me confessam: “Hoje
eu fui mau. E isso me desagradava, porque te fiz sofrer”. Eles não procuram
desculpas. Sabem que Eu sei. Eles creem. Eles sofrem por Me verem sofrer.
Oh! Queridos do meu coração, meninos,
nos quais não há soberba, fingimento nem luxúria! Eu vo-lo digo: tornai-vos
como os meninos, se quiserdes entrar no meu Reino. Amai os meninos, como o
exemplo angélico que deles ainda podeis receber. Porque como anjos vós devereis
ser. Por vossa desculpa, poderíeis dizer: “Nós não vemos os anjos.” Mas, Deus
vós dá os meninos como modelos, e vós os tendes em vosso meio. E, se vós vedes
um menino materialmente necessitado, ou moralmente desprotegido, e que pode
perecer, acolhei-o em meu Nome, porque eles são muito amados por Deus. E quem
quer que acolha um menino em meu Nome, acolhe a Mim mesmo, porque Eu estou na
alma dos meninos, que é inocente. E quem me acolhe, acolhe Aquele que Me
enviou, o Senhor Altíssimo.
...Jesus
se interrompe bruscamente, e pergunta: “Mas, afinal, por que aborreceis sempre
João? Que eles querem de ti?”
João fica
corado como uma brasa, e Bartolomeu, Tomé e Iscariotes inclinam a cabeça,
vendo-se descobertos.
“E, então?”, diz Jesus, como quem dá uma ordem.
“Mestre,
os meus companheiros querem que eu te diga uma coisa.”
“Pois, dize-a.”
“Hoje,
enquanto tinhas ido àquele doente, e nós estávamos andando pela cidade, como Tu
havias ordenado, vimos um homem que não é teu discípulo, e que nós nunca vimos
entre os que ouvem a tua doutrina, e que estava expulsando demônios em teu
nome, no meio de um grupo de peregrinos que iam para Jerusalém. E ele
conseguia. Ele curou a um que tinha um tremor, que o impedia de fazer qualquer
trabalho. Também deu a fala a uma menina, que havia sido assaltada no bosque
por um demônio em forma de cão e que lhe havia amarrado a língua. Ele dizia:
“Vai-te embora, demônio maldito, em nome do Senhor Jesus, o Cristo, Rei da
estirpe de Davi, rei de Israel. Ele é Salvador e Vencedor. Foge, diante do nome
dele!”, e o demônio fugia realmente. Nós nos sentimos ofendidos. E lho
proibimos. Ele nos disse: “O que estou fazendo de mal? Eu honro ao Cristo,
livrando-lhe de demônios o caminho, pois eles não são dignos de vê-lo.” E nós
lhe respondemos: “Tu não és exorcista segundo Israel, e não és discípulo, segundo
Cristo. Não te é permitido fazer isso.” Ele disse: “Fazer o bem sempre é
permitido”, e se rebelou contra a nossa injunção, dizendo: “E continuarei
fazendo o que estou fazendo”. Aí está. Eles queriam que eu te dissesse isto,
especialmente agora, quando acabas de dizer que no Céu estarão todos aqueles
que combateram a Satanás.”
“Está bem. Aquele homem será um deles.
E já o é. Ele é que tinha razão e não vós. Infinitos serão os caminhos do
Senhor, e não foi dito que só os que tomam o caminho direto é que chegarão ao
Céu. Em todos os lugares, e em todos os tempos, e de mil modos diferentes,
haverá criaturas que virão a Mim, talvez por um caminho que, no começo era mau.
Mas Deus verá a reta intenção deles, e os puxará para o bom caminho. Igualmente
haverá alguns que, por uma embriaguez cheia de concupiscência, e tríplice,
sairão do bom caminho, e tomarão um caminho que os afasta, ou os leva em linha
reta para a perdição. Não deveis pois, julgar os vossos semelhantes. Somente
Deus é que vê. Tratai vós de não sair do bom caminho onde, mais do que a vossa
vontade, foi a vontade de Deus que vos colocou. E, quando virdes alguém, que
crê em meu Nome, e por ele trabalha, não o trateis como estrangeiro, inimigo,
nem sacrílego. Pois ele é sempre meu súbdito amigo e fiel, já que crê no meu
Nome espontaneamente, e melhor do que muitos de vós. Por isso o meu Nome na
boca deles opera prodígios iguais aos vossos, e talvez até maiores. Deus o ama,
porque ele me ama, e acabará levando-o ao Céu. Ninguém, que faça prodígios em
meu Nome pode ser meu inimigo, e falar mal de mim. Mas, com suas obras, dá ao
Cristo honra e testemunho de fé.
Em verdade, Eu vos digo que crer em meu
Nome já é suficiente para salvar a própria alma. Porque o meu Nome é Salvação.
Por isso, Eu vos digo: se o encontrardes ainda, não lho proibais mais. Mas, ao
contrário, chamai-o “irmão” pois, de fato ele o é, ainda que esteja fora do
recinto do meu Ovil. Quem não está contra mim, está comigo. Quem não está
contra vós, está convosco.”
“Teremos
nós pecado, Senhor?”, pergunta arrependido João.
“Não. Vós agistes Por ignorância, mas
sem malícia. Por isso não houve culpa. Mas, para o futuro haveria culpa, porque
agora o estais sabendo. E agora vamos para as nossas casas, A paz esteja
convosco.”
Pg. 371,
a 380
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353 – A SEGUNDA MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES
E O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DAS PALAVRAS
Diz
Jesus:
Eis uma outra coisa que causará
aborrecimento aos doutores difíceis. A aplicação que Eu faço desta visão
evangélica. Eu não te faço meditar sobre o meu poder e a minha bondade. Nem
sobre a fé e obediência dos discípulos. Nada disso. Eu te quero fazer ver a
analogia do episódio com a obra do Espírito Santo.
Vê, Eu dou minha palavra. Dou tudo o
que vós podeis compreender e, portanto, também assimilar, para fazer daquilo o
alimento para a alma. Mas vós vos tornastes tão tardos pelo cansaço e pela
inapetência, que não podeis assimilar todo o valor nutritivo que existe em
minha palavra. Vós precisaríeis de muitas palavras mais. Mas vós não sabeis
receber muitas. Sois tão pobres em forças espirituais! A palavra vos pesa, sem
chegar a dar-vos sangue e força. E eis que, então, o Espírito opera o milagre
para vós. O milagre Espiritual da multiplicação da Palavra. Com ela vos ilumina
e assim a multiplica em todos os seus mais recônditos significados, de tal modo
que vós, sem vos submeterdes a um peso que vos esmagaria sem vos fortalecer,
vos nutrais dela e não caiais mais prostrados, ao longo do deserto desta vida.
Sete pães e poucos peixes!
Eu preguei durante três anos e, como
diz o meu querido João, “se devesse escrever todas as palavras e os milagres
que Eu disse e realizei para dar-vos um alimento abundante, capaz de levar-vos
sem deficiências até o Reino, a terra não teria a capacidade de conter todos os
volumes”. Mas, ainda que isso fosse feito, não teríeis podido ler um tal montão
de livros. Vós não ledes nem mesmo como deveríeis, o pouco que sobre mim foi
escrito. A única coisa que deveríeis conhecer, como conheceis as palavras mais
necessárias desde a vossa mais tenra idade.
E então vem o amor e multiplica. Também
Ele, Uno comigo e com o Pai, tem “dó de vós que estais morrendo de fome” e, com
um milagre que vem se repetindo há séculos, duplica, decuplica, centuplica as
luzes, o alimento contido em cada uma das minhas palavras. Eis aí, assim, um
tesouro sem fundo, cheio de um alimento celeste
Ele vos é oferecido pela Caridade.
Tomai dele sem medo. Quanto mais o vosso amor tomar dele, mais ele que é fruto
do Amor, aumentará o seu caudal. Deus não conhece limites em suas riquezas nem
em suas possibilidades, Vós sois relativos. Ele não. É infinito. Em todas as
suas obras. E também nesta em que podeis dar a vós mesmos, a qualquer hora, em
qualquer ocasião, aquelas luzes de que estais necessitando, justamente naquele
momento. E, como no dia de Pentecostes, o Espírito que desceu sobre os
Apóstolos deu-lhes a palavra que foi compreendida pelos Partos, Medos, Citas,
Capadócios, do Ponto e da Frigia e, como se fosse para eles a língua nativa,
aos Egípcios e aos Romanos, aos Gregos e aos Líbios, assim igualmente Ele vos
dará conforto se estiverdes chorando, conselho se o estiverdes procurando,
participação na alegria, se estiverdes alegres, tudo com a mesma Palavra.
OH! É bem verdade, se o Espírito vos
ilumina. “Vai em paz e não peques mais”, esta frase é um prêmio para quem não
pecou, é um encorajamento para o que ainda está fraco mas que não quer pecar, é
perdão para o culpado que se arrepende, é censura misturada com misericórdia
para com aquele que mal tem uma sombra de arrependimento. E não é mais do que
uma frase. E das mais simples. Mas quantas delas não estão no meu Evangelho!
Quantas que, como botões de flor depois de uma boa chuva, em um ar de abril,
abrem-se firmes no ramo sobre o qual antes só havia um botão aberto, e o vão
cobrindo todo, para alegria de quem fica olhando para elas.
Pg.
383-384
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354 – O DISCURSO SOBRE O PÃO DO CÉU NA
SINAGOGA DE CAFARNAUM
Em verdade vos digo: Vós não me estais
procurando para ouvir-me e pelos milagres que vistes, mas por aquele pão que Eu
vos dei a comer à vontade e sem pagar nada. Três quartas partes de vós era por
isso que me procuravam, e por curiosidade, vindos de todos os lados de nossa
Pátria, Nessa busca vossa, faltou o espírito sobrenatural, e vos fica ainda
dominando o espírito humano com suas curiosidades doentias ou, menos, com uma
imperfeição infantil, não por ser simples como a dos pequeninos, mas porque
diminuída, como a inteligência de alguém que tem uma mente obtusa. E, com a
curiosidade vem junto a sensualidade e um sentimento viciado. A sensualidade,
que se esconde sutil como o demônio do qual é filha, atrás das aparências e em
atos aparentemente bons e o sentimento viciado, que é simplesmente um desvio
mórbido do sentimento, e que, como tudo o que é “doença”, tem necessidade de
medicamento e os apetece, de medicamentos que não são o alimento simples, como
um bom pão, uma água boa, um óleo genuíno, o primeiro leite, que basta para
viver, e viver bem. O sentimento viciado precisa de coisas extraordinárias para
sentir um calafrio que passa, o calafrio doentio dos paralisados, que têm
necessidade de medicamento para terem sensações que os iludam, e os façam
pensar que ainda estão íntegros e viris. A sensualidade, que quer satisfazer
sem esforços a gula, neste caso, com um pão adquirido sem o suor do rosto, mas
pela bondade de Deus.
Os dons de Deus não são um costume, mas
uma coisa extraordinária. Não se pode pretender tê-los, nem viver na preguiça
dizendo: “Deus os dará”. Está escrito: “Comerás o pão molhado com o suor do teu
rosto”, isto é, o pão que se galha trabalhando. Porque, se Aquele que é
Misericórdia disse: “Tenho compaixão deste povo, pois ele me segue há três dias
e não tem mais o que comer e poderia desfalecer pelo caminho antes de chegar a
Hipo, na beira do lago, ou em Gamala, ou a alguma outra cidade”, e o proveu,
contudo não está dito que deva ser seguido por isso.
Há de ser por muito mais do que por um
pedaço de pão, que, afinal, vai-se transformar em excremento depois da
digestão, é que Eu estou sendo seguido. Não é pelo alimento que enche o ventre,
mas por aquele que nutre a alma. Porque vós não sois somente uns animais, que
precisam pastar e ruminar, ou fuçar e engordar.
Mas vós sois almas! Isto é o que sois!
A carne é uma veste, a essência é a alma. É ela que é duradoura. A carne, como
as vestes, se desgasta e acaba, e não merece que se cuide dela como se ela
fosse uma coisa perfeita, à qual se devam dar todos os cuidados.
Procurai, pois, o que é justo que se
procure, não o que é injusto. Tratai de procurar para vós, não o alimento
perecível, mas o que dura para uma vida eterna. Este, o Filho do Homem vo-lo
dará sempre, basta que o queirais. Porque o Filho do Homem tem à sua disposição
tudo o que vem de Deus e o pode dar. Ele é o Dono, e um dono magnânimo, dos
tesouros de Deus Pai, que imprimiu nele o seu selo, a fim de que os olhos
honestos não se enganem. E, se tiverdes em vós o alimento não perecível,
podereis fazer as obras de Deus, sendo nutridos como o alimento de Deus.”
“O que
temos que fazer, sabendo que são obras de Deus? Nós já observamos a Lei e os
Profetas. Portanto já estamos sendo alimentados por Deus e estamos fazendo as
obras de Deus.”
E Jesus
lhe responde: “É
verdade. Vós observais a Lei. Melhor ainda: vós “conheceis” a Lei. Mas conhecer
ainda não é praticar. Nós conhecemos, por exemplo, as leis de Roma e, no
entanto um fiel israelita não as pratica, a não ser naquelas fórmulas que lhe
são impostas pela sua condição de súdito. Fora disso, nós, Eu falo dos fiéis
israelitas, não praticamos os costumes pagãos dos romanos, por mais que os conheçamos.
A Lei que vós todos conheceis, e os Profetas, deveriam, de fato, alimentar-vos
de Deus e dar-vos, por isso, a capacidade de fazer as obras de Deus.
Mas, para fazer isso, elas deveriam
ter-se tornado um todo convosco, assim como o ar que respirais, ou o alimento
que assimilais, os quais, ambos se transformam em vossa vida, em vosso sangue.
Enquanto eles vos permanecerem estranhos, ainda que sejam de vossa casa, assim
como pode acontecer que um objeto da casa, que vos é conhecido e útil, mas que,
se chegar a faltar, não nos tira, por isso, a nossa existência. Enquanto... o!
Experimentai, um pouco, ficar sem aspirar por alguns minutos, experimentai
ficar sem comer por alguns dias... E vereis que já não podeis viver. Assim é
que deveria sentir-se o vosso “eu”, numa desnutrição e numa asfixia, sem a Lei
e os Profetas, que vós conheceis, mas não assimilais, nem fazeis deles um todo
convosco. Por isso, eis o que Eu vim ensinar e distribuir: o suco, o ar da Lei
e dos Profetas, para dar de novo o sangue e a respiração às vossas almas, que
estão morrendo, por não tomarem alimento e pela asfixia.
Vós sois como uns meninos, que uma
doença tornou incapazes de conhecer o que é bom para alimentá-los. Tendes
diante de vós grande riqueza de alimentos, mas não sabeis que eles hão de ser
comidos para se transformarem em uma coisa vital, isto é, que passem a ser
verdadeiramente vossos, com uma fidelidade pura e generosa à Lei do Senhor, que
falou a Moisés e aos Profetas para todos vós.
Vir, pois a Mim para ter ar e suco de
Vida Eterna, é um dever. Mas este dever pressupõe uma fé em vós. Porque se
alguém não tiver fé, não poderá crer em minhas palavras, e, se não crer nelas,
não virá dizer-me: “Dá-me o verdadeiro pão”. E, se não tiver o verdadeiro pão,
não poderá fazer as obras de Deus, não terá capacidade para fazê-las. Por isso,
para serdes nutridos de Deus, e para fazerdes as obras de Deus, é necessário
que façais a obra-base, que é esta: Crer naquele que foi enviado por Deus.”
“Mas, que
milagres fazes Tu, então, para que possamos crer em Ti como um enviado de Deus?
O que Tu fazes que não tenham feito os Profetas, ainda que em grau menor?
Moisés até Te superou, porque não uma vez só, mas durante quarenta anos, nutriu
os nossos pais com um maravilhoso alimento. Assim está escrito: que os nossos
pais, durante quarenta anos, comeram o maná do Céu, pois ele o podia fazer.
“Estais errados. Não foi Moisés, mas o
Senhor, que pôde fazer aquilo. No Êxodo se lê: “Eis que Eu farei chover pão do
céu. Que o povo saia e apanhe dele o tanto quanto baste para cada dia, e assim
Eu tenha a prova se o povo está ou não caminhando segundo a minha Lei. E, no
sexto dia, apanhe o dobro, em respeito ao sétimo dia, que é o sábado.” E os
hebreus viram o deserto cobrir-se cada manhã daquela “coisa miúda, como o que é
moído no almofariz, e semelhante à geada caída sobre a terra, parecida com o
coentro, e com a bonita aparência de flor de farinha misturada com mel.
Portanto não foi Moisés, mas foi Deus
quem proveu ao Maná. Foi Deus, que tudo pode. Tudo. Pode punir, e pode
abençoar. Pode privar de uma coisa, e pode concedê-la. E Eu vos digo, das duas
coisas, Ele prefere sempre abençoar e conceder, a punir e a privar.
Deus, como diz a Sabedoria, por amor a
Moisés, chamado pelo Eclesiástico “O querido de Deus e dos homens”, de bendita
memória, feito por Deus semelhante aos santos na glória, grande e terrível para
os inimigos, capaz de suscitar os prodígios e de dar-lhes fim, glorificado na
presença dos reis, seu ministro à frente do povo, conhecedor da Glória de Deus
e da voz do Altíssimo, guarda dos preceitos e da Lei de vida e de ciência –
Deus, Eu ia dizendo, por amor a Moisés, nutriu o seu povo com o pão dos anjos,
e do céu lhe mandou um pão belamente feito, sem que se cansasse, e contendo em
si toda delícia e suavidade em seu sabor.
E – lembrai-vos bem do que diz a
Sabedoria – visto que vinha do céu, de Deus, e mostrava sua doçura aos seus
filhos, tinha para cada um deles o sabor que cada um desejava, e dava a cada um
os efeitos desejados, sendo útil, tanto para o pequenino, como para o adulto,
que tem um bom apetite e uma digestão perfeita, tanto para a menina ainda
delicada, como para o velho já decadente.
E até, para dar um testemunho de que
não era obra de um homem, virou de cabeça para baixo as leis dos elementos,
para que pudesse resistir ao fogo aquele misterioso pão que, ao surgir do sol,
se derretia como a geada. Ou melhor, o fogo - é sempre a Sabedoria que fala –
esqueceu-se de sua própria natureza, em respeito à obra de Deus, seu Criador, e
das necessidades dos justos de Deus, de modo que ele, feito para acender-se e
atormentar, tornou-se suave aqui para fazer o bem aos que confiavam no Senhor.
Por isso, pois, transformando-se de
todos os modos, serviu à Graça do Senhor, que é a nutriz de todos, segundo a
vontade de quem orava ao Eterno Pai, a fim de que os filhos queridos
aprendessem que não é o reproduzir-se dos frutos que nutre os homens, mas é a
palavra do Senhor que conserva a quem crê em Deus.
De fato, ele não consumiu como podia, o
doce maná, nem mesmo quando sua chama estava alta e poderosa, enquanto que
bastava para dissolvê-lo o doce sol da manhã, para que os homens se recordassem
e aprendessem que os dons de Deus hão de ser procurados, desde o começo do dia
e da vida, e que para possuí-los é preciso andar antes da Luz, e levantar-se,
para dar louvores ao Eterno desde a primeira hora da manhã.
Isto o maná ensinou aos hebreus. E Eu
vo-lo faço lembrar, porque é um dever que vigora, e vigorará até o fim dos
séculos. Procurai o Senhor e os seus dons celestes, sem ficardes vos
espreguiçando até altas horas da noite ou da vida.
Não foi Moisés que vos deu o pão do
céu, mas em verdade quem vo-lo deu foi Deus Pai, e agora, como Verdade das
Verdades, é o meu Pai quem vos dá o verdadeiro Pão, o Pão Novo, o Pão Eterno,
que desce do Céu, o Pão de Misericórdia, o Pão da Vida, o Pão que dá a vida ao
mundo, o Pão que sacia toda fome e tira toda doença, o Pão que dá a quem o toma
a Vida Eterna e a eterna alegria.
...E então? Ainda não compreendeis que
a minha Paternidade está no Céu. E que por isso é de lá que Eu venho? Sim, Eu
desci do Céu para cumprir o decreto de meu Pai, o decreto de salvação dos
homens, segundo tudo o que foi prometido por Ele no próprio momento da
condenação, e repetido aos Patriarcas e Profetas. Mas isto é uma questão de fé.
E a fé é dada por Deus a quem tem um espírito cheio de boa vontade. Por isso
ninguém pode vir a mim, se o meu Pai não o conduz a mim, vendo que ele está nas
trevas, mas com razão desejoso de luz. Está escrito nos Profetas: “Serão todos
ensinados por Deus”. Eis. Está escrito. É Deus quem os instrui sobre onde devem
ir para serem instruídos por Deus. Todo aquele, pois, que tiver ouvido, no
fundo do seu espírito reto, a Deus que lhe fala, já aprendeu do Pai a vir a mim.
“E quem
achas Tu que tenha ouvido a voz de Deus, ou visto o seu rosto?”, perguntam-lhe
muitos, que já começaram a mostrar sinais de irritação e de escândalo. E
terminam dizendo: “Tu estás delirando, ou então és um iludido.”
“Ninguém
jamais viu a Deus, a não ser aquele que é de Deus. Este sim viu o Pai.”
E agora ouvi qual o Credo da vida
futura, sem o qual não nos podemos salvar. “Em verdade, em verdade Eu vos digo
que quem crê em mim tem a Vida eterna. Em verdade, em verdade Eu vos digo que
Eu sou Pão da vida eterna.” Os vossos pais comeram o maná no deserto, e
morreram. Porque o maná era um alimento santo, mas temporário, e dava vida só o
tanto de que se precisava para se chegar à Terra Prometida por Deus ao seu
povo. Mas o maná que Eu sou, já não terá limitação de tempo, nem de poder. Ele
é não somente Celeste, mas é divino, e produz o que é Divino: a
incorruptibilidade e a imortalidade de tudo o que Deus criou à sua semelhança.
Esta não durará só quarenta dias, mas durará enquanto durar o tempo, e será
dado a todos os que dele tiverem uma fome santa aos homens, pelos quais Ele se
encarnou, e para que eles tenham a Vida que não morre. Eu posso dar-me, Eu
posso transubstanciar-me, por amor dos homens, para que o pão se torne carne, e
a carne se torne Pão, a fim de que a fome espiritual dos homens, que sem este
alimento morreriam de fome e de doenças espirituais. Mas, se alguém come
corretamente deste Pão, viverá para sempre. O Pão que Eu darei será a minha
carne, imolada para a vida do mundo. Será o meu Amor espalhado pelas Casas de
Deus, para que á Mesa do Senhor venham todos aqueles que são amorosos ou
infelizes, e encontrem recuperação para suas necessidades de unirem-se a Deus e
de encontrarem alivio para suas penas.
“Mas como
podes dar-nos a comer a tua carne? Quem pensas que nós somos? Umas feras
sanguinárias? Uns selvagens? Uns homicidas? Nós sentimos repugnância pelo
sangue e pelo delito.”
“Em verdade, em verdade Eu vos digo que
muitas vezes o homem é mais do que uma fera, e que o pecado os faz mais do que
selvagens, que o orgulho produz neles uma sede homicida, e que não é a todos os
presentes que o sangue e o delito repugnam. Além disso, no futuro o homem será
assim, porque Satanás, a sensualidade e o orgulho o tornarão ferino. E, por
isso, com mais necessidade do que nunca, deveis e deverá o homem curar-se a si
mesmo dos germes terríveis, com a infusão em si do Santo. Em verdade, em
verdade Eu vos digo que, se não comerdes a Carne do Filho do homem e não
beberdes o seu Sangue, não tereis a vida em vós. Quem come dignamente a minha
Carne, e bebe o meu Sangue, tem a vida eterna, e Eu o ressuscitarei no último
dia. Porque a minha Carne é verdadeiramente comida e o meu Sangue é
verdadeiramente bêbeda. Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue permanece
em Mim, e Eu nele. Como o Pai que vive me enviou, e Eu vivo pelo Pai, assim
quem me come viverá também ele por Mim e irá aonde Eu o enviar, e fará o que Eu
quero, e viverá austero como homem, e ardente como um Serafim, e será Santo,
porque para poder alimentar-se de minha Carne e do meu Sangue, ele se proibirá
a si mesmo de cometer culpas, e viverá para ir terminar sua subida aos pés do
Eterno.
Pg.
388-396
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355 – O NOVO DISCÍPULO, NICOLAU DE
ANTIOQUIA E O SEGUNDO ANÚNCIO DA PAIXÃO
Jesus
está muito pensativo. Sentado em um banquinho baixo, a um canto, ao lado do
parapeito, com as costas viradas para a escada. Quase escondido pelo parapeito,
Ele está com um cotovelo sobre o joelho, e apoia a fronte sobre a mão, com ar
de cansaço, quase de sofrimento. É interrompido em sua meditação pela chegada
de um meninozinho, que quer saudá-lo, antes de partir para Jerusalém.
“Jesus!
Jesus! Vai ele gritando a cada degrau que sobe. Não está vendo Jesus, porque o
pequeno muro o esconde à vista de quem estiver mais abaixo. E Jesus está tão
concentrado, que não ouve a vozinha fina e aquele passo de um pombinho... de
tal modo, que, quando o pequenino já está sobre o terraço, o Senhor ainda está
naquela posição de sofrimento. E o menino fica com um pouco de medo. Ele para à
beira do terraço, põe um dedinho por entre os lábios, e fica pensando... Depois
se decide, e, devagarzinho, vai indo para frente... já está quase junto às
costas de Jesus... Inclina-se para ver o que Ele está fazendo e diz:
“Não,
Belo! Não chores... Por quê? Por causa daqueles homens feiosos de ontem? Bem
que meu pai estava dizendo ao Jairo que eles são indignos de Ti... Mas Tu não
deves chorar. Eu te quero bem. E assim também a minha irmãzinha, Tiago e
Tobias, Joana e Maria e Miquéias e todos, todos os meninos de Cafarnaum. Não
chores mais...”, e se lhe agarra ao pescoço, todo carinhoso, e termina dizendo:
“Eu também vou chorar, e ficarei chorando sempre... durante toda a viagem...”
“Não, Davi, Eu não choro mais. Tu me
consolaste. Estás sozinho? Quando partireis?”
“Depois
do pôr-do-sol. Iremos de barca até Tiberíades. Vem conosco. Meu pai te quer
bem, sabes?”
“Eu o sei, meu caro. Mas devo ir a
outros meninos... Eu te agradeço por me teres vindo saudar e te abençoo, meu
pequenino Davi. Demo-nos um beijo de despedida e depois volta a tua mamãe. Ela
está sabendo que tu estás aqui?”
“Não. Eu
escapuli e vim, porque não te vi com os teus discípulos e fiquei pensando que
estavas chorando.”
“Não estou mais chorando. Tu o estás
vendo, vai, vai para perto da tua mamãe, que talvez esteja preocupada. Adeus.
Toma cuidado com os burros da caravana. Tu os estás vendo? Estão por aí parados
por toda parte.”
“Mas Tu
não irás chorar mais, mesmo?”
“Não. Não estou mais triste. Tu me
aliviaste. Obrigado menino.”
O menino
vai descendo, pulando pelos degraus da escadinha, e Jesus o observa. Depois,
Ele sacode a cabeça, e vai para o seu lugar continuando a penosa meditação que estava
fazendo.
...A
sinagoga se esvazia, ficando somente os fiéis e Jesus. A um canto está um
estrangeiro. É um homem robusto em que ninguém está prestando atenção e com o
qual ninguém fala. Mas, afinal também ele não fala com ninguém. Ele só fica
olhando fixamente para Jesus, até que Jesus, tendo dirigido seu olhar na
direção dele, o vê e pergunta a Jairo quem é aquele homem.
“Eu não
sei. Certamente é alguém que está de passagem por aqui.”
Jesus o
interroga: “Quem
és tu?”
“Nicolau,
prosélito de Antioquia, que estou indo a Jerusalém para a Páscoa.”
“A quem estás procurando?”
“A Ti
Senhor Jesus de Nazaré. Eu desejo falar-te.”
“Vem.”
E quando ele chegou perto, Jesus sai com ele para o jardim atrás da sinagoga, a
fim de ouví-lo.
“Eu falei
em Antioquia com um dos teus discípulos chamado Félix. Tenho ardentemente
desejado conhecer-te. Ele me disse que teu lugar de permanência é Cafarnaum e
que tua mãe está em Nazaré. E também que costumas ir ao Getsêmani ou Betânia. O
Eterno fez que eu te encontre primeiro nesses lugares. Aqui eu estive ontem. Eu
estava perto de Ti hoje cedo, enquanto Tu estavas chorando e rezando ao lado da
ponte. Eu te amo Senhor. Porque Tu és santo e manso. Eu creio em Ti. As Tuas
ações, as Tuas palavras já me tinham feito teu. Mas a Tua misericórdia, que eu
vi há pouco para com os culpados, fez decidir-me. Senhor, recebe-me no lugar
daqueles que te abandonam. Eu venho a Ti com tudo o que possuo, minha vida e
meus bens, tudo” E Ele se ajoelhou, ao dizer estas últimas palavras. Jesus olha
fixamente para ele, e depois diz: “Vem, desde hoje serás do Mestre.
Vamos ao encontro dos teus companheiros.”
Retornam
a sinagoga, onde os discípulos e alguns apóstolos estão todos falando com
Jairo.
“Eis um novo discípulo. O Pai me
consola. Amai-o como a um irmão. Com ele vamos dividir o nosso pão e o nosso
sal. Mais tarde, de noite, vós partireis com ele para Jerusalém e nós, com as
barcas iremos para Hipos. E não conteis a ninguém por onde Eu fui, para que
ninguém me detenha.”
Enquanto
isso o sábado terminou e os que querem fugir de Jesus estão em grande número
pela praia, a fim de contratarem os transportes para Tiberíades. E estão
discutindo com Zebedeu que não quer ceder a sua barca, que já está perto da de
Pedro, para a partida de noite, de Jesus com os doze.
“Eu vou
ajudá-lo”, diz Pedro irritado.
Jesus
para evitar choques muito fortes, o detém dizendo: “Iremos
todos nós e não tu sozinho.”
E lá se
vão. E experimenta a amargura de ver que os fugitivos se vão sem nenhuma
saudação, contanto que se afastem de Jesus, e ouvem alguns apelidos chulose uns
conselhos azedos aos discípulos fieis. Jesus se volta a fim de retornar para
casa assim que aquela turba hostil já se foi, e diz ao novo discípulo: “Estás
ouvindo o que dizem? Isto é o que te espera ao vires ficar comigo.”
“Eu sei.
É por isso que eu fico. Eu te tinha visto em um dia glorioso pelo meio da
multidão que te aclamava e saudava como Rei. Eu sacudi os ombros dizendo: “É
mais um pobre iludido! Mais uma chaga para Israel!” E eu não te acompanhei
porque parecias um rei e, entretanto, eu fiquei pensando mais em Ti. Agora te
estou acompanhando porque em tuas palavras e em tua bondade vejo o Messias
prometido.
“Em verdade, tu és mais justo do que
muitos outros. Porém ainda uma vez te digo. Quem espera ter em Mim um rei
terreno, que se retire. Quem acha que vai ter que se envergonhar de Mim diante
do mundo acusador, que se retire. Quem se escandalizar por ver-me tratado como
um malfeitor, que se retire. Eu vo-lo digo, enquanto ainda podeis fazê-lo sem
ficardes comprometidos aos olhos do mundo. Imitai aqueles que lá se vão fugindo
naquelas barcas, se não sentis dispostos a compartilhar da minha sorte no
opróbrio, para poderdes compartilhar depois dela na glória. Porque eis o que
está para acontecer: o Filho do homem está para se acusado e ser posto nas mãos
dos homens, os quais o matarão como a um malfeitor, e crerão que o verceram.
Mas inutilmente terão eles cometido o seu delito. Porque eu ressurgirei três
dias depois e triunfarei. Felizes daqueles que souberem estar comigo até o
fim."
Pg. 398,
399
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357 – JOÃO E AS CULPAS DE JUDAS
ISCARIOTES. OS FARISEUS E A QUESTÃO DO DIVÓRCIO
Jesus
levanta a cabeça ao olhar para elas, apoiando-a sobre o muro alto, e João faz o
mesmo, detendo-se a olhar lá para cima onde se pode até ignorar a existência do
mundo... Depois, Jesus diz: “E agora que aqui estamos, purificados e entre as estrelas,
vamos rezar.” Ele põe-se de pé e João o imita; é uma
oração longa, silenciosa, profunda, toda da alma, com os braços abertos em
cruz, com o rosto levantado e virado para o Oriente, onde já se vem anunciando
o começo da claridade da lua. R depois o Pai-nosso, é dito pelos dois,
lentamente, não uma só, mas três vezes, e sempre com um aumento de insistência
nos pedidos, o que se pode notar claramente na voz deles. É uma súplica, que
separa a alma da carne, arremessando-a por sobre os caminhos do infinito, de tão
ardente que ela é. Depois vem o silêncio. Assentam-se onde estavam antes,
enquanto a lua vai embranquecendo cada vez mais a terra adormecida. Jesus passa
um braço por sobre os ombros de João e o puxa para Si, dizendo: “Dize-me
agora o que achas que deves dizer-me. Quais são as coisas que o meu João
percebeu, com a ajuda da Luz espiritual, na alma tenebrosa do companheiro?”
“Mestre...
eu estou arrependido de ter-te dito aquilo. Cometerei dois pecados?”
“Por que?”
“Porque
te farei ficar triste, revelando-te até o que não sabes, e... porque... Mestre,
é pecado dizer o mal que vemos em um outro? Sim, não é verdade? E, então, como
é que eu vou poder dizer isso ofendendo a caridade!” João está angustiado.
Jesus
acende uma luz na alma dele: “Escuta, João, para ti qual é mais, o Mestre ou o
discípulo?”
“O
Mestre, Senhor. Tu és mais.”
“E que sou para ti?”
“O
princípio e o fim. Tu és tudo.”
“E crês tu que sendo Eu tudo, saiba
também o que vem a ser tudo isso?”
“Sim,
Senhor. É por isso que há em mim um grande contraste. Porque eu penso que Tu
sabes e sofres. E me lembro de que Tu me disseste um dia que as vezes Tu és
homem, somente homem, e por isso o Pai te faz conhecer o que é ser um homem que
se há de guiar conforme a razão. E penso também que Deus, por piedade para contigo,
poderia ocultar-te estas feias verdades...”
“Apega-te a este pensamento, João, e
fala. Com confiança. Confiar o que sabes a quem para ti é “tudo”, não é pecado.
Porque o “tudo” não se escandaliza, não murmura, não faltará com a caridade nem
por pensamento, para com o infeliz. Seria pecado se tu dissesses o que sabes a
quem não pode ser todo amor, aos companheiros, por exemplo, que começariam a
fazer murmuração e até atacariam sem misericórdia o culpado, fazendo mal a ele
e a si mesmos. Porque é preciso ter misericórdia, uma misericórdia sempre tanto
maior quanto mais tivermos à nossa frente uma pobre alma doente de todos os
males. Um médico, um piedoso enfermeiro ou até uma mãe, se o mal de um doente é
pequeno pouco se impressionam e pouco fazem para curá-lo. Mas, se o filho ou o
homem estiver muito doente, em perigo de vida, já com gangrena ou paralisia,
então como lutam, vencendo repugnâncias e canseiras, para curá-lo. Não é
assim?”
“Assim é
Mestre,” diz João, que já tomou sua posição habitual, com o braço passado pelo
pescoço do Mestre e a cabeça apoiada sobre o ombro dele.
“Pois bem. Nem todos sabem
compadecer-se das almas doentes. Por isso, devemos ser prudentes, ao tornarmos
conhecidos os males delas, para que o mundo não as evite e não lhes faça mal
com o seu desprezo. Um doente que se vê escarnecido, se entristece e piora. Mas
se, pelo contrário, ele é bem cuidado e lhe incutem uma alegre esperança pode
ficar bom, porque a alegria confiante de quem o assiste penetra nele e ajuda o
remédio a fazer efeito. Mas tu sabes que Eu sou Misericórdia e não vou humilhar
Judas. Fala, pois, sem escrúpulos. Tu não és um espião. És um filho que conta
ao pai, com amoroso cuidado o mal que descobriu no irmão a fim de que o pai o
cure. Vamos...”
João dá
um forte suspiro, depois inclina ainda mais a cabeça, deixando-a ir deslizando
por sobre o peito de Jesus, e diz: “Como é penoso falar de coisas podres!
Senhor! Judas é um impuro... e me tenta para a impureza. Que ele se escarneça
de mim não me importa, mas o que me dói é que ele venha a Ti com sujeira dos
seus amores. Desde que ele voltou, já me tentou muitas vezes. Quando acontece
que ficamos sós... e ele procura por todos os modos que isso aconteça – ele não
fala de outras coisas a não ser de mulheres... e com isso eu sinto desgosto,
como o que teria, se fosse mergulhado em matérias fétidas e ainda tentassem
coloca-las em minha boca...”
“Mas, com isso ficas profundamente
perturbado?”
“Perturbado,
como? Minha alma freme. Minha razão grita contra tais perturbações. Eu não
quero ser corrompido.”
“E a tua carne, que faz?”
“Ela se
arrepia toda.”
“Somente isso?”
“Somente,
Mestre, e então fico chorando, porque me parece que Judas não poderia fazer
maior ofensa a quem se consagrou a Deus. Dize-me, isso rompe a integridade de
minha oferta?”
“Não. Não mais do que um punhado de
lama jogado sobre uma pedra de diamante. A lama não risca a pedra nem penetra
nela. Basta um pouco de água pura jogado sobre a pedra para que ela fique
limpa. E fica mais bonita do que antes.”
“Então, limpa-me.”
“A tua caridade e o teu anjo te limpam.
Não fica nada de suo sobre ti. Tu és um altar polido sobre o qual desse Deus.
E, que mais faz Judas?” A cabeça de João desliza mais
para baixo.
“Que é?”
“Ele...
Não é verdade que seja dinheiro dele aquele que ele te dá para os pobres. É
dinheiro dos pobres que ele rouba para si, para ser louvado por uma
generosidade que ele não tem. Tu o fizeste ficar furioso quando, ao voltarmos
do Tabor, lhe tiraste todo o dinheiro. Então ele me disse: “Entre nós há espiões.”
E eu lhe disse: “Espiões de que? Será que estás roubando?” “Não!” “Respondeu-me
ele, “Mas faço uso da previdência e faço duas bolsas. Alguém contou isso ao
Mestre e Ele me obrigou a entregar tudo, e Ele ordenou com uma tal energia, que
eu me vi obrigado a entregar tudo o que tinha.”
Mas não é
verdade Senhor, que ele o faça por previdência. Ele o faz para ter dinheiro.
Ele assim faz para ter a certeza de estar dizendo a verdade.”
“Quase certeza! E esta dúvida sim, é
que já é uma culpa leve. Não podes acusa-lo de ser ladrão se disso não
estiveres inteiramente certo. As ações dos homens têm, ás vezes, uma feia
aparência e são boas.”
“É
verdade Mestre. Não o acusarei, nem mesmo por pensamento. Mas, que ele tenha
duas bolsas e aquela que ele diz ser dele e que ele te dá seja a tua mesmo,
fazendo assim para ser elogiado, isso é verdade. Isso eu não faria. Acho que
não é bom fazer assim.”
“Tens razão. Que mais tens a dizer?”
João
levanta o rosto espantado, abre a boca para falar, mas depois torna a fechá-la,
e cai de joelhos, escondendo o rosto por entre a veste de Jesus, que lhe põe a
mão sobre os cabelos.
“Então, levanta-te! Poderias ter visto
mal. Eu vou ajudar-te a ver bem. Deves dizer-me também que tu pensas sobre
prováveis causas dos pecados de Judas.”
“Senhor,
Judas se sente sem a força que quereria ter para fazer milagres. Tu sabes como
ele sempre ambicionou possuí-la... Tu te lembras de Endor? Mas, ao contrário, é
ele quem faz em menor número. Desde que ele voltou, então, já não consegue mais
nada...e, de noite ele se queixa disso até quando está sonhando, como se isso
fosse um incubo, e... Mestre, meu Mestre!”
“Vamos fala até o fim.”
“Ele roga
pragas... e pratica a magia. Isto não é mentira, nem é duvidoso. Eu vi. Ele me
escolhe porque dormia profundamente. Agora, eu o confesso, eu o vigio e o meu
sono é menos profundo, porque, logo que ele se move, eu o percebo... Talvez eu
tenha feito mal. Eu fingi dormir para ver o que ele estava fazendo. E por duas
vezes eu o vi e ouvi fazer coisas feias. Eu não entendo a magia. Mas o que ele
fazia, era!”
“Só isso?”
“Não e
sim. Em Tiberíades eu o acompanhei. Ele foi a uma casa. Perguntei-lhe depois
quem morava lá. Era um que praticava necromancia com outros. E, depois que
Judas saiu, já quase de manhã, pelas palavras que ele disse eu pude compreender
que eles se conhecem e que são muitos... e que não são todos estrangeiros. Ele
está pedindo ao demônio a força, que Tu não lhe dá. É por isso que eu sacrifico
a minha ao Pai para que a passe para ele e ele não seja mais pecador.”
“Deverias dar-lhe a tua alma. Mas isso,
nem o Pai nem Eu o permitiríamos...”
“Há um
longo silêncio. Depois Jesus, com uma voz cansada, diz: “Vamos,
João. Desçamos. Vamos descansar, enquanto esperamos a aurora.”
“Estás
mais triste do que antes, Senhor! Eu fiz mal em falar!”
“Não. Eu já o sabia. Mas pelo menos tu
estás mais aliviado... e isso é bom.”
“Senhor,
devo evita-lo.”
“Não. Não tenhas medo. Satanás não faz
mal aos Joãos. Ele os aterroriza, mas não pode tirar-lhes a graça que Deus
continuamente lhes concede. Vem. Pela manhã Eu falarei e depois iremos para
Péla. É preciso andar depressa, porque o rio está cheio por causa das neves que
se vão derretendo e pelas chuvas dos dias anteriores. Logo virá a cheia que,
muito mais do que a lua arqueada, é sinal de chuvas abundantes.”
Eles
descem e desaparecem no quarto que fica abaixo do terraço.
Pg. 412 à
416
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361 – OS DOIS ENXERTOS QUE TRANSFORMARÃO
OS APÓSTOLOS. MARIA DE MAGDALA ADVERTE JESUS DE UM PERIGO. MILAGRE SOBRE O RIO
JORDÃO
Oh! João! Tu me alcançaste”, diz-lhe Jesus, sorrindo.
João,
tendo com amor e compreensão estudando o rosto dele para perceber se Ele teria
ouvido, responde: “Sim, Mestre meu. Queres-me aqui?”
“Eu sempre te quero. E quereria a todos
com o teu coração! Mas, se tu ficas ali e caminhas naquele lugar acabas ficando
todo molhado.”
“Não me
importa, Mestre. Nada me importa, contanto que eu esteja perto de Ti!”
“Queres estar sempre comigo? Tu não
pensas que Eu sou imprudente e que posso pôr em dificuldades a vós também. Não
te sentes ofendido por que Eu não escuto os teus conselhos?”
“Oh!
Mestre! Então Tu ouviste?” João está consternado.
“Eu ouvi tudo. Desde as primeiras palavras.
Mas não te entristeças por isso, vós não sois perfeitos. Eu já sabia desde
quando vos quis. E não pretendo que vos torneis perfeitos rapidamente. Primeiro
é preciso que vos transformeis de selvagens em domésticos com dois enxertos.”
“Quais
são eles, Mestre?”
“Um de sangue, e o outro de fogo.
Depois, sereis heróis do Céu e convertereis o mundo, começando por vós mesmos.”
“De
sangue? De fogo?”
“Sim, João. O sangue: o meu...”
“Não,
Jesus”, João o interrompe com um gemido.
“Bem, meu amigo. Não me interrompas.
Escuta tu, primeiro, estas verdades. Tu mereces. O Sangue é o Meu. Tu sabes. Eu
vim para isso. Eu sou o Redentor... Pensa nos Profetas. Eles não omitiram nem
um i ao descreverem a minha missão. Eu serei o homem descrito por Isaías. E,
quando Eu tiver sido sangrado, o meu Sangue vos fecundará. Mas Eu não me
limitarei a isso. Tão imperfeitos, fracos, obtusos e medrosos vós sois, que Eu,
quando estiver na Glória ao lado do Pai, vos mandarei o Fogo, a Força que
procede do meu ser pela geração do Pai e que une o Pai e o Filho em uma união
indissolúvel, fazendo de Um Três: O Pensamento, o Sangue e o Amor. Quando o
Espírito de Deus, ou melhor, o Espírito do Espírito de Deus, a Perfeições das
Perfeições Divinas, vier sobre vós, já não sereis mais como sois. Mas sereis
novos, fortes, santos... Contudo, para um o Sangue será inútil e inútil o Fogo.
Porque o Sangue terá tido para ele um poder de condenação e para sempre ele
conhecerá um outro fogo no qual se queimará, vomitando sangue e engolindo
sangue, pois sangue é o que ele verá por toda parte para onde virar os seus
olhos mortais ou os seus olhos espirituais, desde o momento em que tiver traído
o Sangue de um Deus.”
“Oh!
Mestre! Quem é?”
“Tu o saberás um dia. Por enquanto,
fica sem saber. E, por caridade, não procures nem ficar indagando. A indagação
pressupõe suspeita. Não deves suspeitar dos teus irmãos, porque a suspeita já é
uma falta de caridade.”
“Basta-me
que me garantas que não serei eu nem Tiago quem te trairá.”
“Oh! Tu, não. Nem Tiago. Tu és o meu
conforto, bom João!” E Jesus lhe põe um braço sobre
o ombro e o puxa para Si, e vão caminhando assim abraçados.”
Pg. 455 a
457
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362 – A MISSÃO DAS VOZES NA IGREJA
FUTURA. O ENCONTRO COM A MÃE E AS DISCÍPULAS
“O homem se cansa. Quer com rapidez as
coisas. E sonha com coisas tolas. E, quando percebe que uma coisa é o sonho e
que outra é a realidade, então ele se perturba e, se não tiver uma vontade firme,
deixa-se dobrar. Ele não se lembra de que o Onipotente, que podia num instante
transformar o Caos no Universo, quis fazê-lo por fases ordenadas e separadas
por espaços de tempo, aos quais Ele deu o nome de dias.
Eu devo, do Caos espiritual desse mundo
todo, tirar o Reino de Deus. E o farei. Eu construirei suas bases e as estou já
construindo, devendo quebrar a rocha duríssima para formar dentro dela os
fundamentos que não se abalarão. Vós levantareis lentamente os muros. Os vossos
sucessores continuarão a obra em altura e largura. Como Eu vou morrer na obra
assim vós também morrereis e haverá outros mais e mais outros que morrerão de
morte cruenta ou incruenta, mas consumados por este trabalho, que requer um
espírito de imolação, de generosidade, e lágrimas e sangue, e uma paciência sem
medida...”
Pedro
intromete sua cabeça cinzenta entre Jesus e João: “Pode-se saber o que estais
dizendo?”
“Oh! Simão! Vem cá. Estávamos falando
da futura Igreja. Eu estava explicando que, contra as vossas pessoas, os vossos
cansaços, desconfortos e assim por diante, ela requer calma, constância,
esforço, confiança. Eu estava explicando que ela requer o sacrifício de todos
os seus membros. De Mim, que dela sou o Fundador e que dela sou a Cabeça
mística para vós, para todos os discípulos, para todos aqueles que terão o nome
de cristãos e que fazem parte da Igreja universal. E, na verdade, na grande
escala das hierarquias estarão às vezes os mais humildes, aqueles que parecerão
simplesmente “números”, os que tornarão verdadeiramente vital a Igreja. Em
verdade, Eu deverei muitas vezes refugiar-me nestes para continuar a manter
viva a fé e a força dos sempre renovados colégios apostólicos, e destes
apóstolos deverei fazer uns atormentados por Satanás e por alguns homens
invejosos, soberbos e incrédulos. E o martírio moral deles não será menos
penoso do que o material, obrigados, como eles estarão, entre a vontade ativa
de Deus e a vontade malvada dos homens, instrumentos de Satanás, que procurarão
com todo estudo e violência fazê-los parecerem mentirosos, loucos, obsessos, a
fim de paralisar neles a minha obra e os frutos da mesma e que são outros
tantos golpes vitoriosos contra a Besta.”
“E eles
resistirão?”
“E resistirão, ainda que não me tenham
materialmente consigo. Deverão crer não somente que há o dever de crer, mas
também em sua secreta missão, crer que ela é santa, que é útil, crer que ela
veio de Mim, enquanto, ao redor deles, Satanás estará assobiando para
atemorizá-los e o mundo gritará para escarnecer deles e dos nem sempre
luminosos ministros de Deus, a fim de condená-los. Este é o destino das minhas
vozes no futuro. Contudo, Eu não terei outro modo senão este para despertar,
para fazer voltar ao Evangelho e ao Cristo os homens! Mas, por tudo aquilo que
Eu houver exigido deles e lhes tiver imposto e recebido deles, Oh! Eu lhes
darei a alegria eterna, uma glória especial!
No Céu existe um livro fechado. Só Deus
pode ler nele. Nele estão todas as verdades. Mas Deus às vezes tira os selos e
revela as verdades já ditas aos homens, obrigando um homem, escolhido para esta
tarefa, a conhecer o passado, o presente e o futuro como estão contidos no
misterioso livro. Já vistes um filho, o melhor filho da família, ou um
estudante, o melhor da escola, ser chamado pelo pai ou pelo mestre para ler um
livro de adultos e para dar a explicação do que foi lido? Ele fica ao lado do
pai ou do mestre, abraçado por um dos braços deles, enquanto a mão do pai ou do
mestre vai mostrando, com o dedo indicador, as linhas que quer que sejam lidas
e conhecidas pelo seu predileto. Assim faz Deus com os seus consagrados para
tal tarefa. Ele os atrai e os sustenta com o seu braço e os força a ler o que
Ele quer e a saber o significado do que leu e a dizê-lo depois e a receber por
isso escárnio e sofrimento.
Eu, o Homem, sou o Chefe da raça
daqueles que dizem as verdades do livro celeste e, por isso recebo o escárnio,
o sofrimento e a morte. Mas o Pai já tem preparada a minha Glória. E Eu, depois
de subir para ela, prepararei a glória daqueles que Eu tiver obrigado a ler no
livro fechado os pontos que Eu quis e, na presença de toda a Humanidade
ressuscitada e dos coros dos anjos, Eu os mostrarei como os escolhidos,
chamando-os para perto de Mim, enquanto irei abrindo os selos do Livro, pois já
será inútil conservá-lo fechado e eles sorrirão ao tornarem a ler as palavras
que lhes haviam sido explicadas quando eles sofriam na terra.”
Pg. 464 a
466
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363 – EM RAMA, NA CASA DA IRMÃ DE TOMÉ.
DISCURSO SOBRE A SALVAÇÃO E APÓSTROFE À JERUSALÉM
“Senhor,
são poucos os que se salvam?”
Se o homem soubesse levar a sua vida
respeitando-se a si mesmo e com um amor reverencial para com Deus, todos os
homens se salvariam como Deus o deseja. Mas o homem não quer proceder assim. E
como um tolo, ele se deixa iludir pelo ouropel em vez de procurar o verdadeiro
ouro. Sede generosos em querer o bem. Isto vos é difícil? Mas nisso é que está
o merecimento. Esforçai-vos para entrardes pela porta estreita. A outra é bem
larga e adornada, mas é sedução de Satanás para desencaminhar-vos. A do Céu é
estreita, baixa, nua e escabrosa. Para passardes por ela precisais ser ágeis,
rápidos, sem pompa e sem materialidade. É necessário que sejais espirituais
para o poderdes fazer. Se não for assim, quando chegar a hora de vossa morte
não conseguireis passar por ela. Na verdade, ver-se-ão muitos que irão tentar,
sem poderem consegui-lo pelo tanto que eles estarão obesos por sua materialidade,
ataviados com pompas humanas, enrijecidos por uma crosta de pecado, incapazes
de se dobrarem por causa da soberba que faz deles uns esqueletos. E virá então,
o Dono do Reino para fechar a porta e os que estão do lado de fora, os que não
puderam entrar no tempo marcado, continuarão do lado de fora e baterão à porta
gritando: “Senhor abre para nós. Nós também estamos aqui!” Mas Ele dirá: “Em
verdade, Eu não vos conheço, nem sei de onde estais vindo.” E eles dirão: “Mas
como? Não te lembras de nós? Nós comemos e bebemos contigo e te ficamos
escutando quando Tu ensinavas nas nossas praças.” Mas Ele responderá: “Em
verdade, Eu não vos conheço. Quanto mais olho para vós, mais vós me ficais
parecendo umas pessoas que se saciaram com aquilo que Eu havia declarado ser um
alimento impuro. Em verdade, por mais que Eu vos perscrute mais vou descobrindo
que vós não sois da minha família. Em verdade, eis agora estou vendo que vós
sois filhos e súditos, mas do outro. Vós tendes por pai Satanás, por mãe a
carne, por nutriz a soberba, por servo o ódio, por tesouro tereis vosso pecado
e como pedras preciosas tereis vossos vícios. Sobre o vosso coração está
escrito: “Egoísmo.” As vossas mãos estão sujas das rapinas que fizestes aos
vossos irmãos. Fora daqui! Para longe de Mim, todos vós, fazedores de
iniquidades.” E então, enquanto das profundezas dos Céus virão fulgindo de
glória Abraão, Isaque, Jacó e todos os profetas e justos do Reino de Deus,
estes e todos aqueles que não cultivaram o amor mas o egoísmo, não o sacrifício
mas a comodidade, serão expulsos para longe e confinados no lugar onde o pranto
é eterno e onde só há terror. E os que tiverem ressuscitado para a glória,
vindo do Oriente e do Ocidente, do Setentrião e do Meio-Dia, se reunirão todos
junto à mesa da festa nupcial do Cordeiro, Rei do Reino de Deus. E se verá que
muitos dos pobres e dos “mínimos” do exército da terra serão os primeiros na
cidadania do Reino. E então se verá que nem todos os poderosos de Israel são
poderosos no Céu e que nem todos os escolhidos pelo Cristo para terem a sorte
de serem seus servos terão sabido merecer ser escolhidos para a festa nupcial.
Igualmente se verá que muitos que eram considerados “os primeiros” serão, não
somente os últimos, mas nem últimos eles serão. Porque muitos são os chamados,
mas poucos os que terão sabido transformar a sua escolha em uma verdadeira
glória.
...“Mestre, a paz a Ti!”
“A paz esteja convosco. Que quereis?”
“Vais a
Jerusalém?”
“Como todos os fiéis israelitas.”
“Não vás
lá. Lá um perigo te espera. Nós o sabemos porque estamos vindo de lá ao
encontro com nossas famílias. E viemos prevenir-te porque ficamos sabendo que
estavas em Ramá.”
“Por quem
foi que ficaste sabendo, se é lícito perguntá-lo?”, pergunta Pedro, meio
desconfiado para começar uma discussão.
“Tu não
tens nada com isto, homem. Fica sabendo, tu que nos chamas de serpentes, que
junto ao Mestre as serpentes são muitas e faríeis bem em desconfiar dos muitos,
dos muitos discípulos poderosos demais.”
“Não o
digas! Estarás querendo insinuar que Manaém, ou...”
“Silêncio, Pedro. E tu, fariseu, fica
sabendo que nenhum perigo pode afastar um fiel do seu dever. Se perder a vida,
isso nada é. O que é grave é perder sua própria alma, indo contra a Lei. Mas tu
sabes disso. E sabes também que Eu o sei. Por que, então me vens tentar? Não
sabes talvez que Eu sei porque o fazes?”
“Eu não
te estou tentando. É verdade. Muitos do meio de nós podem ser teus inimigos.
Mas não todos. Nós não te odiamos. Sabemos que Herodes está a tua procura e te
dizemos. Vai-te daqui. Vai-te embora daqui, porque se Herodes te captura, com
certeza vai matar-te. É isso que ele deseja.”
“Isso é o que ele deseja mas não o
fará. Isto Eu sei. Afinal, ide dizer àquela velha raposa que Aquele que ele
está procurando está em Jerusalém. De fato, Eu venho expulsando demônios,
fazendo curas, sem me esconder. E o faço e o farei hoje, amanhã e depois,
enquanto o meu tempo não findar. Mas é necessário que Eu caminhe até chegar ao
fim. E é necessário que hoje e depois, e outra, e outra, e mais outra vez, Eu
entre em Jerusalém, porque não é possível que o meu caminho termine antes.
Porque deve cumprir-se a justiça e isso há de ser em Jerusalém.”
“Mas o
Batista morreu em outro lugar.”
“Ele morreu em santidade e santidade
quer dizer: Jerusalém. Porque se agora Jerusalém quer dizer: pecado, isto é
somente por causa daquilo que é apenas terrestre e que em breve não existirá
mais. Mas, Eu falo do que é eterno e espiritual, isto é, da Jerusalém dos Céus.
Nela, em sua santidade, morrem todos os justos e profetas. Nela Eu morrerei e
vós inutilmente quereis induzir-me ao pecado. Eu morrerei também por entre as
colinas de Jerusalém, mas não pelas mãos de Herodes, ainda que pela vontade de
quem me odeia mais do que ele, porque vedes em Mim o usurpador do ambicionado
Sacerdócio e o Purificador de Israel de todas as doenças que o corrompem. Não
ponhais pois, nas costas de Herodes todo este desejo louco de matar, mas tomai
cada um de vós a sua parte, porque na verdade o Cordeiro está sobre um monte ao
qual sobem de todos os lados os lobos e os chacais para estrangulá-lo e...”
Os
fariseus fogem por baixo da saraivada dessas escaldantes verdades...”
Jesus
olha como vão fugindo. Vira-se depois para o sul, para o rumo de uma claridade
que talvez já seja a região de Jerusalém e, com tristeza, diz: “Jerusalém,
Jerusalém, que matas os teus profetas e apedrejas os que te são mandados,
quantas vezes Eu quis reunir os teus filhos, como a ave em seu ninho reúne os
seus filhotes sob suas asas, e tu não quiseste! Eis que te vai ser deixada
deserta a Casa do teu verdadeiro Dono. Ele virá, fará como o quer o rito, como
deve fazer o primeiro e o último de Israel, e depois ir-se-á embora. Não parará
mais sobre os teus muros para purificar-te com a sua presença. Eu te asseguro
que tu e os teus habitantes não me vereis mais em minha verdadeira figura
enquanto não chegar o dia em que digais: Bendito o que vem em nome do Senhor.”
E vós de Ramá, lembrai-vos destas
palavras e de todas as outras para não terdes parte no castigo de Deus. Sede
fiéis... Ide. A paz esteja convosco.”
E Jesus
se retira para a casa de Tomé com todos os familiares dele e os seus apóstolos.
Pg.
474-477
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261.1 .
6 - VOLUME 6
364 – NO TEMPLO. ORAÇÃO UNIVERSAL E
PARÁBOLA DO FILHO VERDADEIRO E DOS FILHOS BASTARDOS
Diz
Jesus:
A paz esteja convosco, a vós todos que
escutais. A Páscoa santa reconduz os filhos fiéis à Casa do Pai. Parece esta
nossa Páscoa bendita uma mãe que procura o bem de seus filhos, e que os chama
em alta voz, para que venham, venham de todos os lugares, deixando de lado
todos os cuidados, por causa de um cuidado maior. O único verdadeiramente
grande e útil. É o cuidado de prestar homenagem ao Senhor e Pai. Por aí se
compreende que somos irmãos. E por aí, com um testemunho suave, transparece a
ordem e a obrigação de amar ao próximo como a nós mesmos. Será que nós nunca
nos vimos? Nem nos conhecíamos? Sim. Mas se aqui estamos, é porque somos filhos
de um único Pai, que nos quer em sua Casa para o banquete Pascal, e eis que, se
não com os sentidos materiais, certamente com a nossa parte superior,
percebemos que somos iguais, irmãos, vindos de Um Só, e nos amamos por isso,
como se tivéssemos crescido juntos. É a antecipação, esta nossa união de amor,
da outra mais perfeita que gozaremos no Reino dos Céus, sob o olhar de Deus,
todos abraçados pelo seu amor: Eu, Filho de Deus e do Homem, convosco, homens
filhos de Deus. Eu, Primogênito, convosco, irmãos amados além de toda medida
humana, até o ponto de fazer-me Cordeiro pelos pecados dos homens.
Mas nós que gozamos no momento
presente, desta nossa fraternal união na Casa do Pai, recordemo-nos também dos
que estão longe, que também são nossos irmãos, no Senhor e na origem.
Lembremo-nos deles. Tragamo-los em nossos corações, aos que estão ausentes,
diante do santo Altar. Rezemos por eles, recolhendo com o espírito as vozes
distantes deles, sua vontade de estarem aqui e os seus anseios. E assim como
recolhemos esses anseios conscientes dos israelitas distantes, recolhamos
também os das almas que pertencem a homens que nem sabem que têm uma alma, e
que são filhos de Um Só. Todas as almas do mundo gritam para Deus nas prisões
dos corpos. Em um cárcere escuro elas gemem, procurando a Luz. E nós, que
estamos na luz da verdadeira Fé, tenhamos piedade delas.
Oremos:
Pai nosso que estás nos Céus.
Santificado seja por toda a humanidade o teu Nome! Conhecê-lo já é
encaminhar-se para a Santidade. Faze que os gentios e os pagãos conheçem esta
tua existência, ó Pai Santo, e, como os três sábios de outrora, num tempo já
distante, mas não inativo, porque não é inativo nada daquilo que se relaciona
com a vinda da Redenção ao mundo, venham a Deus, a Ti, Pai, guiados pela Estrela
de Jacó, pela Estrela da Manhã, pelo Rei e Redentor da Estirpe de Davi, pelo
teu Ungido, já oferecido e consagrado para ser Vítima pelos pecados do mundo.
Venha o Teu Reino a todos os lugares,
onde já te conhecem e te amam, e onde ainda não te conhecem. E venha sobretudo
àqueles que são três vezes pecadores, os que mesmo te conhecendo, não te amam
em tuas obras e nas manifestações de tua Luz, e ainda procuram repelir e
sufocar a Tua Luz, que veio ao mundo, porque eles são almas das trevas, que
preferem as obras das trevas, e não sabem que querer sufocar a Luz do mundo é
fazer uma ofensa a Ti mesmo, porque Tu és a Luz Santíssima, e Pai de todas as
luzes, começando daquela que se fez Carne e Palavra, para trazer a Tua Luz a
todos os espíritos de boa vontade.
Seja feita, ó Pai Santíssimo, a tua
vontade por todos os corações que existem no mundo, isto é, que se salvem todos
os corações, e para ninguém seja sem fruto o Sacrifício da Grande Vítima, pois
está é a tua vontade: que o homem se salve e goze de Ti, Pai Santo, depois do
perdão que está para lhe ser dado. Dá-nos os teus auxílios, e Senhor, todos os
teus auxílios. E dá-nos a todos os que estão esperando, aos que não sabem
esperar, aos pecadores com o arrependimento que salva, dá-os, dá-os aos pagãos
com o golpe do teu chamado que os sacode, dá-os aos reclusos, aos exilados, aos
doentes do corpo ou do espírito, dá-os a todos. Tu que és o Tudo, porque o
tempo da misericórdia chegou.
Perdoa ó Bom Pai, os pecados de teus
filhos. Dá o perdão aos pecados do teu povo, que são os mais graves, dos que
são culpados por quererem continuar no erro, enquanto o teu Amor de predileção
foi justamente para com este povo que ele quis dar a sua Luz. E dá o perdão aos
que estão embrutecidos por um paganismo corrompido, que ensina o vício e os
mergulha na idolatria desse paganismo grosseiro e mefítico, enquanto entre eles
ainda encontram almas preciosas por sua pureza, e que são muito amadas por Ti,
visto que Tu as criaste. Nós perdoamos. Eu perdoo primeiro, a fim de que Tu possas
perdoar, e, sobre a fraqueza das criaturas, invocamos a tua proteção, para que
livres do Príncipe do Mal, do qual procedem todos os delitos, todas as
idolatrias, todas as culpas, tentações e erros, as tuas criaturas. Livra-os ó
Senhor, do Príncipe horrendo, para que possam chegar à Luz Eterna.
...Jesus
diz:
Em verdade, em verdade, Eu vos digo que
aqueles que parecem ser uns bastardos são filhos verdadeiros, e que os filhos
verdadeiros se tornam bastardos. Ouvi vós todos uma parábola. Há tempo houve um
homem que, por causa de algumas suas dívidas, teve que ausentar-se por muito
tempo de casa, deixando seus filhos, que eram ainda pouco mais do que umas
crianças. Do lugar onde estava, escrevia cartas aos seus filhos maiores, para
conservá-los sempre no respeito a seu pai distante, e para fazê-los
lembrarem-se dos seus ensinamentos. O último filho, nascido depois que ele
tinha viajado, estava ainda com a ama de leite, uma mulher que morava longe de
lá, das terras da esposa, mas que nem era de sua raça. A mulher veio a morrer,
enquanto este filho ainda estava pequeno e longe de casa. Os irmãos disseram:
“Vamos deixá-lo lá onde está, com os parentes de nossa mãe. Talvez o pai não se
lembrará mais dele e com isso nós, levemos vantagem, tendo que dividir a
herança com um de menos, quando o nosso pai vier a morrer.” E assim fizeram.
Dessa maneira, o menino, que estava longe, viveu criado por seus parentes do
lado da mãe, sem ter conhecido os ensinamentos do pai, sem saber que tinha um
pai e irmãos, ou pior, conhecendo o que é a amargura de ter que repetir assim:
“Eles todos me repudiaram, como se eu fosse um bastardo”, e chegou até a pensar
que o fosse, pelo tanto que se sentia rejeitado pelo pai.
Quis o destino que ele, tendo-se
tornado homem, e tendo-se colocado em um emprego, irritado como estava por
aqueles pensamentos, tinha começado a odiar até a família de sua mãe, que ele
reputava culpada de adultério, aquele jovem tinha ido à cidade onde estava o
seu pai. E, sem saber quem era ele, dele se aproximou, e teve a oportunidade de
ouvi-lo falar. O homem era um sábio. E, como não tinha o prazer de tratar com
os seus filhos, porque eles estavam longe, - eles resolviam as coisas por si
mesmos, mantendo apenas um relacionamento convencional com o pai distante,
apenas para fazê-lo lembrar-se que eles eram os “seus” filhos e que, por isso,
não se esquecesse deles no testamento - ele se ocupava muito em dar bons
conselhos aos jovens dos quais ele conseguia aproximar-se no lugar onde morava.
O jovem ficou atraído por aquela bondade de pai para com todos aqueles jovens
e, não somente se aproximou dele, mas viu um tesouro em cada palavra dele, que
ia tornando mais o seu espírito exasperado. O homem adoeceu, e teve que
resolver voltar para sua terra.
E o jovem lhe disse: “Meu Senhor, só tu
és que me falaste com justiça, levantando o meu espírito. Deixa que eu te
acompanhe como teu servo. Não quero recair no mesmo mal que antes.”
“Vem comigo. Ficarás no lugar do meu
filho, do qual eu não pude mais ter notícia.”
E voltaram juntos para a casa paterna. Nem
o pai, nem os irmãos, nem o próprio jovem puderam ter a ideia de que o Senhor
estivesse reunindo de novo os que eram do mesmo sangue debaixo de um mesmo
teto. Mas o pai teve muito que chorar pelos filhos que ele conhecia, pois os encontrou
esquecidos dos seus ensinamentos, insaciáveis, duros de coração, não tendo mais
fé em Deus, mas ao contrário, com muitas idolatrias. E em seus corações: a
soberba, a avareza, a luxúria eram os seus deuses, e não queriam ouvir falar de
outra coisa, que não fosse alguma vantagem humana. O estrangeiro porém, sempre
se aproximava do Senhor, tornava-se justo, bom, amoroso, obediente. Os irmãos o
odiavam, porque o pai amava aquele estrangeiro. Mas ele os perdoava, porque
havia compreendido que no amor é que está a paz.
Um dia o pai, desgostoso com o
procedimento de seus filhos, lhes disse: “Vós estais desinteressados pelos
parentes de vossa mãe, e até pelo vosso irmão. Mas, lembrai-vos da conduta dos
filhos de Jacó para com o seu irmão José. Eu quero ir àquelas terras para saber
notícias dele. Pode ser que eu o encontre, e que com isso me console.”
E se despediu, tanto dos filhos
conhecidos, como do jovem desconhecido, dando a este uma provisão em dinheiro,
a fim de que ele pudesse voltar ao lugar de onde tinha vindo, e lá se
estabelecesse em algum pequeno comércio.
Tendo chegado às terras da falecida
mulher, os parentes dela lhe contaram que o filho abandonado, cujo nome
primitivo era Moisés, mas que tinha passado a chamar-se Manassés, porque
realmente ele, ao nascer, tinha feito que seu pai se esquecesse de ser justo,
tendo-o abandonado. “Não sejais injusto comigo! Havia-me sido dito que do
menino se tinham perdido todas as notícias, e eu nem esperava mais encontrar
nenhum de vós. Mas falai-me dele. Como está? Cresceu forte? É parecido com
minha amada esposa, que se finou, ao dá-lo à luz? Ele está bem? Ele me ama?”
“É forte, e é belo como sua mãe, só que
tem uns olhos de uma cor negra pura. Mas da mãe ele herdou até a figura de uma
alfarroba, que ela tinha de um lado. E de ti ele tem essa tua pronúncia, um
pouco gaguejada. Depois de adulto, foi-se embora daqui, aborrecido com sua
sorte, tendo dúvidas sobre a honestidade de sua mãe, e de ti tendo rancor. Ele
andou para além dos montes e dos rios, chegando até Trapázio para...”
“Estais falando Trapázio? Lá no
Sinópio? Oh! Falai! Eu morava lá, e conheci um jovem um pouco gago, sozinho e
triste, e muito bom, ainda que por baixo daquela sua crosta de dureza. E ele?
Falai-me dele?”
“Talvez seja ele. Torna a procurá-lo.
Do lado direito ele tem a figura de uma alfarroba, em relevo e escura, como a
tinha a tua mulher.”
O homem partiu precipitadamente,
esperando encontrar ainda o estrangeiro em sua casa. Ele havia partido, para
voltar à sua colônia em Sinópio. E o homem vai atrás dele, até que o encontrou.
Fez que ele lhe descobrisse o lado. E o reconheceu. Caiu de joelhos, dando
graças a Deus por ter-lhe restituído o filho, e melhor do que os outros, que
cada vez mais se bestializavam, enquanto que este, naqueles meses que se tinham
passado, se havia tornado sempre mais santo. E ao filho bom ele disse: “Tu
terás a parte dos irmãos, porque tu, sem teres o amor de ninguém, te tornaste
justo, mais do que qualquer outro.”
E não era justiça? Sim, que o era. Em
verdade, Eu vos digo que são verdadeiros filhos de Bem aqueles que rejeitados
pelo mundo e desprezados, odiados, vilipendiados, abandonados como uns
bastardos, reputados como uma vergonha e uma morte, sabem superar os filhos que
nasceram na casa, mas são rebeldes às Leis dela. Não é o ser de Israel que dá o
direito ao Céu. Não é ser fariseus, escribas ou doutores o que assegura a
sorte. Mas é ter boa vontade, e vir generosamente em busca da Doutrina de amor,
para se renovarem nela, fazerem-se por meio dela filhos de Deus, em espírito de
verdade.
Vós todos que estais ouvindo, ficai
sabendo que muitos dos que se julgam seguros em Israel serão suplantados por
aqueles que para eles são publicanos, meretrizes, gentios, pagãos e galeotes. O
Reino dos Céus é de quem sabe renovar-se, acolhendo a Verdade e o Amor.”
Pg. 13-18
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365 – A INSÍDIA DE ISCARIOTES E A
INOCÊNCIA DE MARZIAM. UM NOVO DISCÍPULO, IRMÃO DE LEITE DE JESUS. EM BETÂNIA,
JUNTO A LÁZARO DOENTE
...Eles
estão falando ao redor da cama de Lázaro de todos os acontecimentos desta
manhã, pois ele por eles se interessa tanto, que parece ficar aliviado dos seus
sofrimentos.
“Mas
aquele Gamaliel, Senhor! Tu ouviste?” Diz José de Arimatéia.
“Eu ouvi.”
Nicodemos
diz: “Eu, porém, o que digo é: mas aquele Judas de Keriot, Senhor! Depois da
tua partida, eu o encontrei gritando como um demônio, no meio de um grupo de
alunos dos Rabis. Ele te acusava e defendia ao mesmo tempo. Eu estou certo de
que ele estava convicto de não fazer senão o bem. Eles queriam encontrar culpa
em Ti, certamente atiçados por seus mestres. Ele repetia as acusações com
grande ardor, dizendo: “Só uma culpa tem o meu Mestre! A de fazer realçar muito
pouco o seu poder. Ele deixa sempre passar a hora oportuna. Ele cansa os bons
com sua excessiva mansidão. Ele é rei. E como rei deve agir. Vós o tratais como
um servo porque Ele é manso. E Ele se arruína por não ser mais do que um manso.
Para vós que sois vis e cruéis, só mesmo o chicote de um poder absoluto e
violento. Oh! Por que não posso eu fazer dele um violento Saul?”
Jesus
sacode a cabeça sem falar.
“E
contudo, a seu modo ele te ama.” Exclama Lázaro.
“Sim.
Disseste bem. Eu ainda não o compreendo depois de dois anos que estou perto
dele.” Confirma o Zelotes.
Maria
de Magdala levanta-se com uma impaciência de rainha e, com sua explêndida voz
proclama: “Eu o compreendi mais do que todos, é o opróbrio perto da Perfeição.
E não há nada mais a dizer.” E sai para ir fazer alguma tarefa, levando consigo
Marziam.
“Assim
também eu penso.” Diz José. “E Tu Mestre, que dizes?”
“Eu digo que Judas é “o homem”. Como
também o é Gamaliel. Homem limitado ao lado do Deus infinito. O homem é tão
restrito em seu pensamento enquanto não der a ele uma respiração sobrenatural,
que pode acolher somente uma ideia, incrustá-la em si, ou incrustar-se nela e
assim ficar. Ainda que esteja contra a evidência. Cabeçudo, obstinado, pela fé,
talvez, naquilo que mais o chocou. No fundo Gamaliel tem uma fé como poucos em
Israel no Messias entrevisto por ele, e reconhecido em um Menino. Ele é fiel às
palavras daquele Menino... E assim é Judas. Saturado da ideia de um Messias,
como a maior parte de Israel e cultiva, confirmado nela desde a minha primeira
manifestação a ele, ele vê, isto é, quer ver no Cristo o rei. O rei temporal e
poderoso... e é fiel a esse seu conceito. Oh! Quantos até no futuro, se
arruinarão por um conceito errado de fé, teimoso contra toda razão.
Mas, que achais vós? Que seja fácil seguir a
verdade e a justiça em todas as coisas? Que achais vós? Que seja fácil alguém
salvar-se só porque é um Gamaliel e um Judas apóstolo? Não. Em verdade, em
verdade Eu vos digo que é mais fácil que se salve um menino, um fiel comum, do
que alguém elevado a um cargo especial, ou a uma missão especial. Geralmente
entra nos chamados para uma posição extraordinária a soberba por sua vocação e
essa soberba abre as portas a Satanás, expulsando a Deus. As quedas das
estrelas são mais fáceis do que as das pedras.
O maldito procura apagar os astros e
vai-se insinuando, tortuoso, servindo de alavanca contra os eleitos, para
fazê-los soçobrar. Se milhares de dezenas de milhares de homens caem nos erros
comuns, a queda deles não abate senão a eles mesmos. Mas, se cai um eleito,
escolhido para uma condição excepcional, e se torna instrumento de Satanás, em
vez de o ser de Deus, e se torna a voz dele, em vez de ser “meu” discípulo,
então a ruína dele é bem maior, e pode dar origem até a profundas heresias, que
lesam um número incalculável de espíritos. O bem que Eu dou a alguém produzirá
muito bem se cair num terreno humilde e se souber permanecer assim. Mas, se
cair num terreno soberbo ou se tornar assim por causa do dom que recebeu, então
de bem se torna mal. A Gamaliel foi concedida uma das primeiras epifanias do
Cristo. Ela devia ser o seu precoce chamado para o Cristo. É esta a razão da
sua surdez à minha voz que o chama. A Judas foi concedido que fosse um
apóstolo, um dos doze apóstolos, no meio dos milhares de homens de Israel. Isso
devia ser a sua satisfação. Mas, que será ele? Meus amigos, o homem é um eterno
Adão... Adão tinha tudo. Menos uma coisa. Pois foi esta que ele quis. Contanto
que continue a ser Adão. Mas muitas vezes ele se transformou em Lúcifer. Tem
tudo, menos a divindade. E ele a deseja. Quer o sobrenatural para causar
admiração, para ser aclamado, temido, conhecido, celebrado... E, para ter um
pouco disso, que só Deus pode dar gratuitamente, ele se agarra a Satanás, o
qual é o macaco de Deus e concede simulações de dons sobrenaturais. Oh! Que
horrível sorte a desses insata-nasados! Eu vou deixar-vos meus amigos. Vou
retirar-me um pouco. Preciso recolher-me em Deus...”
E
Jesus perturbado sai dali. Os que ficaram, Lázaro, José, Nicodemos, Zelotes,
olham uns para os outros.
“Viste
como Ele estava perturbado?” Pergunta em voz baixa Joséa Lázaro.
“Eu
vi, parecia estar vendo um espetáculo horrível.”
“Que
terá Ele no coração.” Pergunta Nicodemos.
“Só
Ele e o Eterno é que sabem.” Responde José.
Pg. 30
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369 – QUINTA FEIRA ANTES DA PÁSCOA.
PARÁBOLA DA LEPRA NAS CASAS
No
caminho de volta para a casa de Joana, enquanto estão um pouco isolados, indo
pelo meio das pessoas que se aglomeravam nas estradas, e se separam um do outro
os que vão acompanhando a Jesus. Pedro, que vai ao lado do Mestre e com os dois
filhos de Alfeu, pergunta: “Eis aí, Senhor. Agora que podemos falar um pouco
entre nós, dize-me uma coisa em que desde ontem à tarde estou pensando.”
“Sim, Simão. Dize-me, que Eu
responderei.”
“Desde
ontem à tarde, eu estou pensando na grande graça que Tu concedeste a João, em
Antigônio. Mas, sabes Tu que ela é bem grande? É uma coisa extraordinária. E
concedida somente a ele! E, no entanto, também Síntique a merece muito... Pois,
afinal, há tantas pessoas boas que mereceriam ver-te... e que não Te vêem a não
ser quando já estão perto de Ti. Nós, por exemplo, como seríamos consolados
quando nos tiveres mandado pelo mundo? E por vezes chegamos a certos momentos
em que a Tua palavra nos teria tirado da incerteza. Mas Tu a nós não vens
nunca... Por que essa diferença?”
“Concluindo, tu, meu Simão és um pouco
ciumento?”
“Naaão!
Mas... em resumo, eu quereria saber três coisas: Porque a João de Endor. Se é
só a ele. E se não é possível que um dia isso aconteça também conosco, comigo
por exemplo, podendo eu ver-te milagrosamente e saber de Ti como é que devo
proceder.”
“E Eu vou te responder. A João, porque
um espírito muito cheio de boa vontade, apesar de suas desventuras passadas.
Ele tem suas fraquezas, mais as físicas do que outras, e elas poderiam arruinar
o edifício que ele construiu de sua elevação a Deus. Vê, meu amigo? O passado
que ficou durante muito tempo sobre nós, como uma crosta penetrada até às suas
profundezas, gravou nele sinais indeléveis, não só isso, como deixa tendências
indeléveis em cada homem. Olha por exemplo aquele casebre construído ao pé do
morro. As águas do solo e as que escorrem do muro durante as chuvas, pouco a
pouco foram penetrando nele. Agora o sol está quente, e durante meses assim
estará. Mas o mofo que penetrou na cal estará sempre presente, parecendo-se com
as manchas da lepra. E a casa é, então abandonada, porque é declarada leprosa.
Em outros tempos menos zombeteiros do que estes, a casa teria sido demolida
completamente, segundo a Lei. Por que aconteceu uma coisa assim aquela casa?
Porque os proprietários dela não tiveram cuidado de abrir valetas ao redor
dela, para não deixarem que se empoçasse a água ao pé das paredes, desviando,
para longe do lado que a casa se apoia no monte, as águas que dele descem. Mas
agora a casa, não só está feia, mas solapada pela umidade. Se alguém, cheio de
boa vontade, pensasse em todos aqueles trabalhos, e depois a limpasse, raspando
as paredes, substituindo os tijolos mofados por outros novos, ela poderia ser
ainda usada. Mas ela apresentaria sempre certas fraquezas, e, no caso de haver
um terremoto, seria a primeira a desmoronar. João foi penetrado, durante anos
pelos venenos do mal do mundo. Ele procurou, com sua vontade, cerceá-los de sua
alma, que havia voltado à vida. Mas na base escondida na carne, em sua parte
inferior, haviam ficado algumas fraquezas. O espírito é forte, mas a carne é
fraca, e ela também desencadeia suas tempestades quando aos seus estímulos se
unem aos elementos do mundo, capazes de comover o eu: João. Tentar remover
partículas do passado, foi o que causou tudo o que lhe aconteceu! Eu ajudo a
resistência dele, sua depuração, a vitória sobre o passado, que sempre quer
reerguer-se, dou-lhe consolo em seu grande sofrimento, como posso. Pois ele o
merece. E porque é justo ajudar a uma vontade santa, contra a qual se lançou de
assalto toda a maldade do mundo. Estás persuadido?”
“Sim,
Mestre. E... é só a ele que te mostras?”
Jesus
sorri, olhando para Pedro, que está olhando para Ele, de baixo para cima, e
parecendo um menino, que olha para o rosto do pai.
“Não é só a ele. Também a outros que
estão longe, tentando construir a sua santidade, com muita dificuldade, fazendo
isso sozinhos.”
Pg. 56-57
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370 – QUINTA FEIRA ANTES DA PÁSCOA. O
CONVITE AOS POBRES NO PALÁCIO DE CUSA
“Viva, sim, viva Jesus, não porque Eu
sou Jesus. Mas porque Jesus quer dizer o amor de Deus que se fez carne, e
desceu entre ao homens, para ser conhecido e para fazer conhecer o amor, que há
de ser o sinal da nova era. Viva Jesus, porque Jesus quer dizer Salvador. E Eu
vos salvo. Eu vos salvo a todos, ricos e pobres, meninos e velhos, israelitas e
pagãos. Todos, contanto que queirais mostrar-me a vontade de serdes salvos.
Jesus é para todos.
Não é somente para este ou aquele. Para
todos. Eu sou o amor misericordioso e a Salvação segura. Que é que é necessário
fazer para ser de Jesus, e, portanto ter a salvação? Poucas coisas. Mas grandes
coisas. Não grandes por serem difíceis, como aquelas que fazem os reis. Mas
grandes, porque querem que o homem se renove para fazê-las, e para se tornarem
de Jesus. São elas o amor, a humildade, a fé, a resignação, a compaixão.
Aí estão, vós que sois discípulos, que
fizestes hoje de grande? Vós direis: Nada, nós servimos uma refeição. Não. Vós servistes
o amor. Vós vos humilhastes. Tratastes como irmãos aos desconhecidos de todas
as raças, sem perguntardes quem são eles, se eles têm saúde, se são bons. E
fizestes tudo isso em nome do Senhor. Talvez estáveis esperando grandes
palavras de Mim para a vossa instrução. Eu vos fiz fazer grandes feitos.
Começamos o dia com a oração,
socorremos a leprosos e mendigos, adoramos o Altíssimo em sua Casa, começamos o
ágape fraterno e o cuidado com os peregrinos e os pobres, servimos, porque
servir por amor é ser semelhantes a Mim, que sou servo dos servos de Deus,
Servo até o aniquilamento na morte, para dar-vos a Salvação.
...Mas, da
escada interna salta sobre o terraço uma figura delgada de uma jovem velada.
Ela corre, ligeira como uma borboleta até Jesus, tira o véu e o manto, e cai
aos pés de Jesus, tentando beijá-los.
“Salomé!”,
grita Cusa e outros com ele.
Jesus se
afastou tão violentamente para escapar daquele contato, que sua cadeira tombou
e Ele se aproveita dela para colocá-la entre Ele e Salomé, como uma separação.
Seus olhos causam medo, pois estão fosforescentes, terríveis.
Salomé,
leviana e descarada, toda cheia de denguice, diz: “Sim, sou eu. A aclamação
chegou até o Palácio. Herodes te manda uma embaixada para dizer-te que ele te
quer ver. Mas eu a precedi. Vem comigo, Senhor. Eu te amo e te desejo tanto! Eu
também sou carne de Israel.”
“Vai para a tua casa.”
“A Corte
te está esperando para prestar-te uma homenagem.”
“A minha Corte é esta. Não conheço
outra, nem outras homenagens”, e com a mão Ele mostra os
pobres sentados às mesas.
“Eu te
trago presentes para ela. Toma as minhas joias.”
“Eu não as quero.”
“Por que
as recusas?”
“Porque são imundas e dadas para um fim
imundo. Vai-te embora!”
“Salomé
se levanta impedida. Olha rapidamente para o Terrível, o Puríssimo, que a
fulmina com o braço estendido e com um olhar de fogo. Ela olha furtivamente
para todos, e vê escárnio e nojo em todos os rostos. Os fariseus estão
petrificados, e observam a cena inesperada. As romanas resolvem ir para perto,
para verem melhor. Salomé tenta ainda uma última prova: “Tu te aproximas até
dos leprosos...”, diz ela submissa e suplicante.
“Ele são doentes. Tu és uma impudica!
Vai-te embora!”
Este
último “vai-te embora” foi tão forte, que Salomé recolheu o véu e o manto, e
inclinada foi deslizando e se dirigindo para as escadarias.
“Cuidado
Senhor! Ela é poderosa... Poderia fazer-te mal”, sussurra Cusa em voz baixa.
Mas Jesus responde com uma voz muito mais forte, para que todas as possam ouvir
e, em primeiro lugar, aquela que foi expulsa: “Não importa. Eu prefiro ser
morto a ter alianças com o vício. Suor de mulher lasciva e ouro de meretriz são
venenos do inferno. Aliança de vilezas com os poderosos é culpa. Eu sou
Verdade, Pureza e Redenção. E não mudo. Vai. Acompanha-a.”
“Eu
castigarei os servos que a deixaram passar.”
“Não castigarás nenhum deles. Uma só é
que sai castigada. Ela. Está castigada. E que ela saiba, e vós fiqueis sabendo
que o pensamento dela a meu respeito é conhecido, e que dele Eu tenho nojo. Que
a serpente volte para a sua toca. E o Cordeiro volta para os seus jardins.”
Ele se
assenta. Está suando. Está calado. Depois Ele diz: “Joana, dá a cada um a
esmola, para que menos triste lhes seja a vida por alguns dias. Que mais que
devo fazer por vós, filhos da dor? Estou lendo os vossos corações. Aos doentes
que sabem crer, paz e saúde.”
Um
instante de pausa, e depois um grito... e são muitos e muitos que se levantam
curados. Os judeus que tinham vindo para o surpreenderem, lá se vão aturdidos e
desorientados diante do delírio geral, por entre as aclamações pelo milagre e
pela pureza de Jesus.
Jesus
sorri, beijando as crianças. Depois se despede dos hóspedes, entretendo as
mulheres e falando com Joana em favor delas. Joana toma nota e as convida para
o dia seguinte. Depois elas também se vão. Os últimos são os velhos.
Ficam
apenas os apóstolos, os discípulos, as discípulas e as romanas. Jesus diz: “Assim
é que deverá ser a união futura. Não há palavras. Os fatos falam aos espíritos
e as mentes com sua evidência. A paz esteja convosco.”
Pg. 75-78
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371 – QUINTA FEIRA ANTES DA PÁSCOA. A
NOITE NO PALÁCIO DE LÁZARO
Diz
Jesus:
“Discípulos e discípulas aqui reunidos
em nome do Senhor, ou atraídos até aqui pelo desejo da Verdade, um desejo que
vem também de Deus, que quer luz e verdade em todos os corações, ouvi.
Nesta tarde foi-nos concedido estarmos
todos unidos, justamente quando a maldade quer dispersar-nos, e o procura
fazer. E nem vós, de sentidos limitados, sabeis como é profunda e extensa esta
união, verdadeira âncora das futuras, que se farão, quando o Mestre não estiver
mais entre vós, com o seu corpo, mas estiver em vós com o seu espírito. Então é
que vós sabereis amar. Então é que sabereis praticar. Por enquanto sois como
meninos ainda no seio. Então, sereis como adultos, e podereis sentir o gosto de
todos os alimentos, sem que eles vos façam mal. Então, sabereis dizer como Eu
digo: “Vinde a mim, vós todos, porque somos irmãos, e por todos Ele se imolou.”
Há prevenções demais em Israel! Todas
elas são flechas que lesam a caridade. Eu falo a vós, ó fiéis, abertamente,
porque entre vós não há traidores, nem os que estão cheios desses preconceitos
que dividem, que se transformam em incompreensão, em obstinação, em ódio contra
Mim, que vos mostro os caminhos do futuro. Eu não posso falar de modo
diferente. E, de agora em diante falarei menos, porque vejo que as palavras são
inúteis, ou quase inúteis. Vós tendes ouvido já palavras para santificar-vos e
instruir-vos de um modo perfeito. Mas pouco progredistes, especialmente vós,
homens meus irmãos, porque a palavra vos agrada, mas não a pondes em prática.
De agora em diante, e com uma medida cada vez mais apertada, Eu vos mandarei
fazer o que devereis fazer, quando o Mestre tiver voltado para o Céu, do qual
Ele veio. Eu vos farei assistir ao que é o sacerdote do futuro. Mais do que as
minhas palavras, observai os meus atos, repeti-os, aprendei-os, uni-os ao
ensinamento. Só então é que vos tornareis discípulos perfeitos.
Que fez e que vos mandou fazer hoje o
Mestre? A caridade, em suas mil formas. A caridade para com Deus. Não oração
somente vocal, ritual. Mas a caridade ativa, que, se renova no Senhor, que se
despoja do espírito do mundo, das heresias do paganismo, o qual não existe
apenas nos pagãos, mas que existe também em Israel, com os mil costumes que
vieram substituir a verdadeira Religião, santa, aberta, simples, como tudo o
que vem de Deus. Não fazendo atos bons, ou aparentemente tais, só para serdes
louvados pelos homens, mas ações santas para merecerdes o louvor de Deus.
Quem nasceu, tem que morrer. Vós sabeis
disso. Mas a vida não termina com a morte. Ela continua ou transforma, e por
toda a eternidade, com um prêmio para quem tiver sido justo, e com um castigo
para quem foi mau. Este pensamento de que certamente haverá um julgamento não é
para que ninguém fique parado durante a vida, nem na hora de morrer, mas que
ele seja um estímulo e um freio; estímulo para praticar o bem, e freio que nos
detém para que não pratiquemos más ações. Sede, pois, verdadeiros amantes do
verdadeiro Deus, agindo nesta vida sempre com o fim de merecer a vida futura.
Oh, vós que amais as grandezas, que
grandeza existe maior do que a de vos tornardes filhos de Deus e, portanto,
deuses? Oh, vós, que temeis a dor, que segurança tendes de não mais sofrer,
como aquela que nos espera no Céu? Sede santos. Quereis fundar um reino também
sobre a Terra? Percebeis que vos estão armando ciladas, estais com medo de não
o conseguir? Se agísseis como santos, o conseguiríeis. Porque a mesma
autoridade que nos domina, não poderá impedi-lo por mais que tenha muitas
cortes, porque vós persuadireis as cortes a seguir a doutrina santa, assim como
sem violência, Eu persuadi as mulheres de Roma de que aqui está a Verdade.”
“Senhor!”,
exclamam as romanas, vendo-se descobertas.
“Sim, mulheres. Escutai, e lembrai-vos
disso. Eu digo aos meus seguidores de Israel, e o digo a vós, que não sois de
Israel, mas que tendes um espírito justo, qual é o estatuto do meu Reino.
Nada de revoltas, nada de escravidão.
Mas santificar a autoridade, impregnando-a com a nossa santidade. Será um longo
trabalho, mas acabará vitorioso. Com mansidão e paciência, sem pressas
estultas, sem desvios humanos, sem revoltas inúteis, obedecendo nas coisas em
que o obedecer não é nocivo a alma, vós chegareis a fazer da autoridade, que
agora nos domina, uma autoridade protetora e cristã. Cumpri o vosso dever de
súditos para com a autoridade, como cumpris o de fiéis para com Deus. Procurai
ver em toda autoridade, não um opressor, mas um vosso elevador, pois vos dá o
modo de santificá-lo, de vos santificardes com o exemplo e o heroísmo.
Desejai ser, como já o sois, bons fiéis
e bons cidadãos, também bons maridos, boas mulheres, santos, castos,
obedientes, amorosos um para com o outro, unidos para educar vossos filhos
dentro da Lei do Senhor, para serdes paternais e maternais até com os criados e
com os escravos, pois eles também tem alma e corpo, sentimentos e afetos como
vós tendes. Se a morte vos tira o companheiro ou a companheira, se puderdes não
fiqueis desejando novas núpcias. Amai os órfãos também. Por causa do
companheiro que desapareceu. E vós, servos, sede submissos aos vossos patrões
e, se eles são imperfeitos, santificai-os com o vosso exemplo. Grande
merecimento tereis por isso aos olhos do Senhor. No futuro, em meu Nome, não
haverá mais patrões e servos, mas irmãos. Não haverá mais raças, mas irmãos.
Não haverá mais oprimidos e opressores, que se odeiam, porque os oprimidos
chamarão de irmãos aos opressores.
Amai-vos uns aos outros com fé, dando
um ao outro a ajuda, como hoje, Eu vos vou fazer. Mas, não limiteis a ajuda
somente aos pobres, aos peregrinos, aos doentes da vossa raça. Abri vossos
braços a todos, assim como a Misericórdia os abre hoje para vós. Quem tem mais,
dê a quem não tem, ou tem pouco. Quem sabe mais, ensine a quem não sabe ou sabe
pouco, e ensine com paciência e humildade, lembrando-se de que, na verdade,
antes da minha instrução, não sabíeis nada. Procurai a sabedoria, não para
brilhardes, mas como uma ajuda para andardes pelos caminhos do Senhor.
As mulheres casadas amem as virgens, e
estas as casadas, e ambas deem afeto às viúvas. Todas são úteis no Reino do
Senhor. Os pobres não invejem, e os ricos não criem ódios, com a demonstração
de suas riquezas e a dureza de seu coração. Cuidai dos órfãos, dos doentes, dos
que não têm casa. Abri o vosso coração, até mesmo antes de abrirdes a vossa casa,
porque, ainda que vós deis, mas de má vontade, não prestais a Deus uma honra,
mas lhe fazeis uma ofensa, pois Ele está presente em cada infeliz.
Em verdade, em verdade, Eu vos digo que
não é difícil servir ao Senhor. Basta amar. Amar o verdadeiro Deus, amar o
próximo, seja ele quem for. Em toda ferida ou febre que curardes, lá estarei.
Em cada desventura que socorrerdes, lá Eu estarei. E tudo o que fizerdes a mim
no próximo, se for um mal, também a mim terá sido feito.
Quereis fazer-me sofrer? Quereis perder
o Reino da paz, quereis perder o direito de tornar-vos deuses, somente por
desejardes não ser bons para com o vosso próximo?
Nunca mais seremos todos assim unidos.
Virão outras Páscoas... e não poderemos estar juntos, por muitas causas. As
primeiras por causa de uma pendência que, por um lado é santa, e, por outro
excessiva e todo excesso é uma culpa, pela qual nós deveremos ficar separados.
E nas outras Páscoas também, porque Eu não estarei mais entre vós... Mas
lembrai-vos deste dia de hoje. Fazei no futuro, e não só pela Páscoa, mas
sempre, o que Eu vos mandar fazer.
Eu nunca vos quis iludir, falando da
facilidade com que me pertenceis. Porque pertencer-me quer dizer viver na Luz e
na Verdade, mas também significa comer o pão da luta e das perseguições. Agora,
porém, quanto mais fordes fortes no amor, mais fortes sereis na luta e na
perseguição.
Crede em mim pelo que Eu sou realmente:
Jesus Cristo, o Salvador, cujo Reino não é deste mundo, cuja vinda traz paz
para os bons, cuja posse quer dizer conhecer e possuir a Deus, porque
verdadeiramente, quem me tem em si, e tem a si mesmo em Mim, está em Deus, e já
possui a Deus em seu espírito, para tê-lo depois no Reino do Céu para sempre.
A noite chegou. Amanhã já é Parasceve.
Ide. Purificai-vos, meditai, fazei uma Páscoa santa. Mulheres de outra raça,
mas de espírito reto, ide. A boa vontade que vos anima, vos sirva de caminho
por onde chegar à Luz. Em nome dos pobres, como sou Eu mesmo, Eu vos abençoo
por vosso óbolo generoso e vos abençoo por vossas boas intenções para com o
Homem que veio trazer amor e paz sobre a Terra. Ide! E tu, Joana, e todos os
que não estão mais com medo de ciladas, ide também.”
Pg. 84-87
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373 – DIA DA PARASCEVE. NO TEMPLO
...
Enquanto isso, um saduceu está maltratando um velho, que está falando no meio
de uma multidão, que veio do Além-Jordão, e que tece elogios ao Mestre da
Galiléia.
O velho
se defende dizendo: “Que é que eu estou fazendo de mal? Quererias tu ser
louvado? Bastava que fizesse o que Ele faz. Mas tu, que Deus te perdoe, com
estes teus cabelos brancos e essa miséria. Queres tratar com desprezo e sem
amor, tu, um falso israelita, que não respeitas o Deuteronômio, e não tens
piedade dos pobres.”
“Estais
ouvindo? Aí está o fruto da doutrina do subornador! Ele ensina ao povo a
ofender os santos de Israel.”
Responde-lhe
um sacerdote do Templo: “Mas a culpa é nossa, se acontece isso! Nós só fazemos
ameaças, e mais nada”.
Jesus,
enquanto isso, está dizendo à mulher de Israel: “Se te empenhas verdadeiramente
em seres mãe para os órfãos e irmã para as viúvas, vai até o palácio do Cusa,
no Sisto. Dize à Joana que fui Eu que te mandei. Vai, e que a terra produza
frutos para ti, como a terra do Éden, pela tua piedade. E mais frutos ainda
produza o coração, no amor sempre maior para com o teu próximo.”
Enquanto
isso, Ele vê os guardas arrastando o velho, que estava falando antes. E grita: “Que é
que estais fazendo com o velho? Que foi que ele fez?” Que fazeis ao velho? E o
que ele fez?”
“Ele
insultou os guardas, que lhe faziam perguntas.”
“Não é
verdade. Um saduceu me maltratou, porque eu estava falando de Ti àqueles
peregrinos. E, tendo ele levantado sua mão contra mim, porque sou velho e
pobre, eu lhe disse que ele é um falso israelita, que pisas nas palavras do
Deuteronômio.”
“Soltai esse velho. Ele está comigo. A
verdade falou por sua boca. Não só a sinceridade: a Verdade. Deus se fala pelos
lábios das crianças, fala também pelos lábios dos velhos. Foi dito: “Não
desprezes o homem, em sua velhice, pois os que envelhecem saem do meio de nós.”
E ainda: ”Não desprezes as palavras dos velhos sábios, mas procura
familiarizar-te com as suas máximas, porque delas tu aprenderás a sabedoria e
os ensinamentos da inteligência.”, e também: “Onde houver velhos, não fales
muito.” Lembra-te bem, Israel, isto é, aquela parte de Israel que quer dizer-se
perfeita, pois se não o fizer, o Altíssimo sabe como desmenti-lo. Meu pai, vem
cá para o meu lado.”
O
respeitável velho vai até Jesus, enquanto os saduceus, marcados pela
reprovação, vão-se embora irados.
...“Quando
pensas acabar com isso, com essas tuas poses de rei? Tu não és rei! Tu não és
profeta! Até quando irás abusar da nossa bondade, ó homem pecador, rebelde,
causador dos males de Israel! Quantas vezes teremos que dizer-te que não tens o
direito de fazer como um rabi aqui dentro?”
“Eu vim para imolar o cordeiro. Vós não
mo podeis impedir. Mas, afinal, Eu vos faço lembrar de Adonias e de Salomão.”
“Que
temos nós com eles? Que queres dizer? És Tu Adonias?”
“Não. Adonias fraudulentamente se fez
rei, mas a Sabedoria estava vigilante e aconselhava, e somente Salomão é que
foi rei. Eu não sou Adonias. Salomão é que Eu sou.”
“E
Adonias quem é?”
“Vós todos.”
“Nós?
Como falas isso?”
“Com verdade e justiça.”
“Nós
observamos a Lei em todos os pontos, cremos nos profetas e...”
“Não. Vós não credes nos profetas. Eles
falam de Mim, e vós não credes em Mim. Não. Vós não observais a Lei. Ela
aconselha atos justos. E vós não o fazeis. Nem aquelas ofertas que viestes
fazer são retas. Está escrito: “Imunda a oferta de quem sacrifica coisa mal
adquiridas”. Está escrito: “O Altíssimo não aceita os dons dos iníquos, não
volta seus olhos para as ofertas deles, e não será propício aos pedidos dos
pecadores, só por causa do grande número dos seus sacrifícios.” Está escrito:
“Quem oferecer um sacrifício com o que é dos pobres, é como quem estrangula um
filho, diante do olhar do pai dele.” Isto está escrito ó Jocanã!
Está escrito: “O pão dos necessitados é
a vida dos pobres, e quem o tira deles é um assassino.” Isto está escrito ó
Ismael.”
Está escrito: “Quem tira o pão,
conseguido com suor, é como se matasse o pobre.” Isto está escrito ó Doras,
filho de Doras.
Está escrito: “Quem derrama o sangue e
quem defrauda o salário do operário, são irmãos.”
Isso está escrito ó Jocanã, Ismael,
Cananias, Doras, Jônatas. E lembrai-vos de que também está escrito: “Quem quer
que feche os seus ouvidos aos gritos do pobre, haverá de gritar também ele, mas
não será escutado.”
E tu Eleazar bem Anás, lembra-te e faze
que o teu pai se lembre de que está escrito: “Os meus sacerdotes sejam santos,
e não se contaminem por nenhuma razão.”
E tu, Cornélio, fica sabendo que está
escrito: “Quem amaldiçoar o pai e a mãe seja punido com a morte”, e morte não é
somente aquela dada pelo carrasco. Uma morte maior espera os que pecaram contra
os seus pais, e essa é eterna e tremenda.
E tu, Tolmé lembra-te do que está
escrito: “Quem pratica a magia, será exterminado por mim.”
E tu, Sadoque, escriba ouro, lembra-te
de que entre o adultero e o seu paraninfo no adultério, não existe diferença
aos olhos de Deus, e está escrito que aquele que jura falso será presa das
chamas sem fim.
E dize àquele que se esqueceu disso,
que quem toma uma virgem e, tendo-se saciado, a afasta de si com acusações
mentirosas, será condenado! Oh! Não aqui. Na outra vida será condenado pela
mentira, pelo falso juramento, pelo dano causado à mulher, e pelo adultério.
E então? Vós fugis? Diante do Inerme,
que diz palavras, que não são suas, mas daqueles que vós citais como os santos
de Israel, e, por isso, não podeis dizer que o Inerme seja um blasfemador,
porque dizendo isso, diríeis que são blasfemadores os livros sapienciais e os mosaicos,
que por Deus foram ditados? Diante do Inerme, vós fugis? Serão por acaso,
pedras as minhas palavras? Ou será que elas vos despertam, batendo sobre o
bronze duro do vosso coração, sobre a vossa consciência, e esta percebe que
está no dever de purificar-se, não somente em seus membros, nesta Parasceve, a
fim de poder consumir sem pecado o cordeiro santo? Oh! Se assim for, louvado
seja o Senhor. Porque a verdadeira sabedoria, ó vós que quereis ser louvados
como uns sábios, consiste em conhecer-se a si mesmos, em reconhecer os seus
próprios erros, e tomar parte nos ritos com verdadeira devoção, o que quer
dizer, com um culto e um rito da alma, e não um rito exterior. Eles lá se
foram. E nós também vamos para dar a paz aos que nos estão esperando...”
Pg.96-99
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374 – DIA DA PARASCEVE. PELAS RUAS DE
JERUSALÉM E NO SUBÚRBIO DE OFEL
E os
apóstolos que estão mais perto de Cristo, mostram um ao outro o que estão
vendo, e falam bastante, fazendo seus comentários muito humanos, sobre as
pessoas de quem estão falando. Um desses comentários salgados sobre um
ex-discípulo, que vai passando tranquilamente, como se não os estivesse vendo,
é detido por Jesus: “A quem dizeis estas palavras”, interroga Ele.
“Aquele
bobalhão lá”, diz Tiago de Zebedeu. “Ele fingiu que não nos estava vendo, e não
é só ele que está fazendo assim. Mas, quando Tu o curaste quando te procurava
naquele tempo ele sabia enxergar-nos. Que lhe sobrevenha uma pústula maligna!”
“Tiago! É com estes sentimentos que
estás ao meu lado e que te preparas para comer o cordeiro? Na verdade, tu és
mais incoerente do que ele. Ele se separou com sinceridade, quando viu que não
podia fazer o que Eu mandava. Tu ficas, mas não fazes o que Eu mando. Será que
não és mais pecador do que ele?”
Tiago
fica vermelho, como se estivesse congestionado, e se afasta, indo para trás,
muito humilhado.
“É que
nos sentimos mal, ao vê-los fazerem assim”, diz João, para ajudar o irmão, que
foi censurado. O nosso amor se revolta, ao vermos o desamor deles.”
“Sim. Mas, credes que estais tendo amor
a eles, ao procederdes assim? Grosserias, más palavras e insultos nunca
ajudaram a chegar a um ponto a que se queria fazer chegar um rival, ou alguém
que pensa diferente de nós. É a doçura, a paciência, a caridade que persevera,
apesar de todas as recusas, e acabam conseguindo. Eu compreendo, e me compadeço
dos vossos corações, que sofrem, ao verem que Eu não sou amado. Mas Eu quereria
saber-vos e ver-vos mais sobrenaturais, nos atos e nos meios, para me fazerdes
amar. Vamos, Tiago vem cá. Não foi para humilhar-te que Eu falei.
Compreendamo-nos, amemo-nos entre nós amigos. Já há tanta incompreensão e dor
para o Filho do Homem!”
Tiago
agora calmo, volta para o lado de Jesus.
Vão
caminhando por algum tempo em silêncio. Depois, Tomé explode em uma vibrante
exclamação: “Mas é mesmo uma vergonha!”
“O quê?”,
pergunta Jesus.
“Ora a
covardia de muita gente! Mestre, não estás vendo quantos estão fingindo que não
te conhecem?”
“E daí? Mudar-se-á um jota do que está
escrito sobre mim, por causa do agir deles? Não. Só para eles é que se muda o
que poderia estar escrito. Porque nos livros eternos podia estar escrito sobre
eles: “os discípulos bons”, ao passo que é assim que se escreverá: “Aqueles que
não foram bons, aqueles para os quais de nada valeu a vinda do Messias.” É uma
palavra tremenda, sabeis? Pior do que aquela outra: “Adão e Eva pecaram”.
Porque o pecado deles Eu posso anular, mas não poderei anular isto de renegar o
Verbo Salvador... Vamos agora virar para este outro lado.”
...Uma
mulher sai, por uma porta, e chorando vai prostrar-se aos pés de Jesus.
“Que tens?”
“Mestre,
já te purificaste?”
“Sim. Porque perguntas?”
“Porque
eu queria dizer-te... Mas não podes aproximar-se dele... O médico diz que ele
está infectado. Depois da Páscoa, irei chamar o sacerdote... e... Hinos o
acolherá. Não digas que eu sou culpada. Eu não sabia de nada. Ele trabalhou em
Jope durante muitos meses e voltou assim, dizendo que se havia ferido. Eu fiz
uso de bálsamos e de banhos com aromas... mas não valeram nada. Consultei um
conhecedor de ervas medicinais e ele me deu pós para o sangue... Separei dele
os filhos... separei a cama... porque... eu estava começando a compreender. Ele
piorou. Chamei o médico, e ele me disse: “Mulher tu sabes qual o teu dever e eu
o meu. Isto é uma lesão proveniente da luxúria. Afasta-o de ti. Eu o afastarei
do povo. E o sacerdote o separará de Israel. Ele devia ter pensado nisso quando
estava ofendendo a Deus, a ti e a si mesmo. Agora, que ele expie.”
“Eu
consegui o silêncio dele até o dia depois dos Ázimos. Mas se tu tivesses
piedade do pecador e de mim, que ainda o amo, e dos filhos inocentes...”
“Que queres que Eu te faça? Não achas
que quem pecou é justo que expie?”
“Sim, ó
Senhor! Mas Tu és a Misericórdia viva!”
Toda a fé de que uma mulher é capaz está na
voz, no olhar, nos gestos da mulher, que está ajoelhada e com os braços
estendidos na direção do Salvador.
“E ele, que tem no coração?”
“O
aviltamento. Que mais que queres que ele tenha, Senhor?”
“Bastaria um movimento sobrenatural de
arrependimento, de justiça, para conseguir piedade...”
“Justiça?”
“Sim. Dizer: “Eu pequei. Minha culpa
merece isto e muito mais, mas àqueles quem ofendi pelo piedade.”
“Eu já
lhe dei. Tu, que és Deus, dá-lhe. Eu não posso dizer-te: entra... Estás vendo
que não toco em Ti nem eu... Mas, se quiseres, eu o chamo e do terraço eu o
faço falar.”
“Sim.”
A mulher,
com a cabeça recolhida para dentro do vão da porta, chama com voz forte: “Jacó!
Sobe ao terraço. Mostra-te. Não tenhas medo.”
O homem
aparece ao parapeito do terraço alguns momentos depois. Um rosto amarelento,
inchado, a garganta enfaixada, uma mão enfaixada... a ruína de um homem
corrompido... Ele olha com uns olhos cheios d`água, olhos de um doente de
doenças ignóbeis. E pergunta: “Quem quer falar comigo?”
“Jacó,
aqui está o Salvador...” A mulher não diz mais nada, mas parece querer hipnotizar
o doente, transmitindo a ele o seu pensamento. O homem, ou porque percebe esse
pensamento dela, ou porque tenha feito um movimento espontâneo, estende os
braços e diz: “Oh! Livra-me! Eu creio em Ti! É horrível ter que morrer assim.”
“É horrível faltar com o próprio dever.
Nesta tu não pensavas? Nem nos filhos?”
“Piedade,
Senhor... Deles e de mim... Perdão! Perdão!” E se debruça sobre o pequeno muro
chorando, com as mãos enfaixadas estendidas e também o braço todo, que fica
descoberto pela manga, que recua para cima, manchado já pelas pústulas que
estão quase unidas umas às outras, inchado, repulsivo... O homem, na posição em
que se colocou, parece um fantoche macabro, um cadáver jogado ali já prestes a
entrar em decomposição, causa pena e náuseas ao mesmo tempo.
A mulher
está chorando, continuando de joelhos sobre a poeira. Jesus parece estar
esperando uma palavra ainda... Finalmente essa palavra desce, por entre
soluços: “Eu gemo a Ti, na contrição do meu coração! Dá-me pelo menos a
promessa de que esses não sofrerão fome... e depois... eu sairei daqui
resignado para a expiação. E Tu salva a minha alma! Pelo menos a alma!”
“Sim. Eu te curo. Por causa dos
inocentes. Para dar-te um modo de te mostrares justo. Compreendes? Lembra-te
disto: O Salvador te curou. Deus conforme o modo com que corresponderes a esta
graça, te absolverá de tuas culpas. Adeus. A paz esteja contigo mulher. E Jesus sai dali, quase correndo, indo ao encontro dos que
vêm vindo do Getsêmani. Nem mesmo os gritos do homem, que sente e vê que está
ficando curado, o fazem parar, nem os da mulher.
“Dobremos por este beco para não
passarmos de novo por lá”, diz Jesus depois de ter-se
reunido com os outros.
Entram
por um beco quase intransitável, tão estreito que, duas pessoas, uma do lado da
outra, só passam por ele com dificuldade. E se um burro passa por ele com uma
albarda, tem que comprimir-se contra as paredes como se faz com um selo. O
lugar é meio escuro porque os telhados quase que se tocam naquela solidão,
naquele silêncio e mau cheiro. Eles vão indo em fila, como uns frades, enquanto
vão atravessando o beco miserável. Depois, eles se reúnem numa pracinha cheia
de rapazotes.
“Por que
disseste aquelas palavras àquele homem? Tu nunca dizes...”, pergunta Pedro
ansioso.
“Porque aquele homem vai ser um dos
meus inimigos. E essa sua culpa futura irá agravar a que já existe.”
“E Tu o
curaste? Perguntam todos, estupefatos.
“Sim. Por causa dos pequeninos
inocentes.”
“Hum! Vai
ficar a ficar doente...”
“Não. Quanto à vida do corpo, depois do
espanto e do sofrimento que ele passou, ficará curado. Não ficará mais doente.”
“Mas ele
irá pecar contra Ti, como dizes. Eu o teria feito morrer.”
“Tu és um homem pecador, Simão de
Jonas.”
“E Tu és
bom demais, Jesus de Nazaré”, replica Pedro.
Entram
por uma rua central, e somem, e não vejo mais nada.
Pg.
100-107
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376 – LIÇÃO SOBRE A SALVAÇÃO OPERADA
PELOS SANTOS E CONDENAÇÃO DO TEMPLO CORROMPIDO
A sempre
angustiada mãe de Judas pergunta: “E se uma não consegue ainda o que queria?
Qual vai ser a sua sorte?”
“Vai ser a sorte que a sua alma boa
merece.”
“O Céu?
Mas, ó Senhor, uma esposa, uma irmã ou uma mãe que... que não conseguisse
salvar aqueles que ela ama e os visse ser condenados, poderia ter o Paraíso,
estando no Paraíso? Não achas Tu que ela não terá nunca mais alegria, porque...
a carne de sua carne e o sangue do seu sangue terão merecido condenação eterna?
Eu penso que ela não poderá gozar, vendo quem ela amou sofrer penas atrozes...”
“Estás errada, Maria. A vista de Deus,
a posse de Deus são fontes de uma felicidade tão sem limites, que não é
possível haver pena para os bem-aventurados. Sempre agindo com atenção, na obra
de ajudarem ainda aos que podem ser salvos, eles não sofrem mais por causa dos
que forem afastados de Deus e, portanto, afastados também deles, que já estão
em Deus. A Comunhão dos Santos é para os Santos.”
“Mas, se
ajudam aos que ainda podem ser salvos, isto é sinal de que estes que estão
sendo ajudados ainda não são santos”, objeta Pedro.
“Mas eles têm vontade de serem. Os
santos de Deus ajudam até nas necessidades materiais, a fim de fazerem passar
os seus ajudados de uma vontade passiva a uma ativa. Tu me compreendes?”
“Sim e
não. Eis aqui um exemplo: se eu estivesse no Céu, e visse, suponhamos, um
movimento fugaz de bondade em... Eli, o fariseu, por exemplo, que eu faria?”
“Usarias de todos os meios para
aumentar os seus movimentos bons.”
“E, se
não desse resultado? Que faria depois?”
“Depois quando ele fosse condenado, tu
não te interessarias mais por ele.”
“E se,
como ele está agora, ele estivesse completamente digno de condenação, mas fosse
querido por mim, - uma coisa que não acontecerá nunca - o que Eu deveria fazer?”
“Antes de tudo, fica sabendo que há
perigo de te condenares tu, uma vez que disseste que não o tens, nem o terás
como querido. Depois, fica sabendo que, se estivesses no Céu unido intimamente
com a Caridade, rezarias pela sua salvação até o momento do seu julgamento.
Pois haverá espíritos que serão salvos até no último momento depois de uma vida
inteira de orações feitas por eles.”
...”E
dele não se falou?” Pergunta Lázaro mostrando Jesus.
“Oh!
Sim. Antes de tudo. Houve quem dissesse que Tu chamaste de mesquinho o reino de
Israel. E por isso foste chamado de blasfemador, e de sacrílego também. Porque
o reino de Israel é de Deus.”
“Ah! Sim. E que nome foi dado pelo
Pontífice ao violador de uma virgem? Ao emporcalhador do seu ministério?
Respondei-me!” Diz Jesus.
“Ele
é filho do Sumo Sacerdote, Porque é sempre Anás o verdadeiro rei lá dentro.”
Diz, atemorizado da imponência de Jesus, Joaquim, que o tem à frente, alto, em
pé e com o braço estendido.
“Sim. É o rei da corrupção. E quereis
que Eu não chame de mesquinho um reino no qual temos um Tetrarca imundo e
homicida, um Sumo Pontífice cúlplice de um violador e de um assassino?”
“Talvez
a menina se tenha matado ou tenha morrido de dor.” Sussurra Eleazar.
“Sempre terá sido assassinato por seu
violador. E agora não se está arranjando uma terceira vítima no parente, que
está aprisionado para que não possa falar? E não se profana o altar,
aproximando-se eles dele com tantos delitos? E a justiça não está sendo sufocada
ao imporem eles silêncio aos justos do Sinédrio, que já são tão raros? Sim. Que
venha logo o novo Sansão e derrube o edifício profanado, e acabe com ele para
ser restaurado. Eu com vômitos, por causa das náuseas que sinto, não somente
chamo de mesquinho, a este infeliz Reino. Mas me afasto de seu coração
apostemado, cheio de delitos sem nome, espelunca de Satanás. Eu me vou, não por
medo da morte. Mas, por enquanto ainda vou indo, porque não chegou a minha
hora. E Eu não dou pérolas aos porcos de Israel, mas as levo para os humildes
espalhados pelos tugúrios, pelos montes, pelos vales dos lugaresjos pobres. Nesses
lugares ainda se sabe crer e amar se houver quem ensine. Nos lugares onde há
espíritos sob vestes rústicas, enquanto que as túnicas e os mantos sagrados, e,
mais ainda, o Efod e o Racional, estão servindo para cobrir imundas carniças e
para esconder armas homicidas. Dizei-lhes que, em nome do Verdadeiro Deus, Eu
os reservo para sua condenação e, como um novo Miguel, os expulso do Paraíso. E
para sempre. Os que quiserem ser deuses mas são demônios. Não há necessidade
que estejam mortos para serem julgados. Já o estão. E sem remissão.”
Os
vistosos sinedritas e fariseus parecem ter ficado pequeninos de tanto que eles
se encolheram a um canto diante da ira terrível do Cristo, que parece, ao
contrário, tornar-se um gigante de tão fulgurantes que estão os seus olhos e
violentos os seus gestos.
Lázaro
geme. “Jesus! Jesus! Jesus!
Jesus
o ouve e mudando de tom e de aspecto lhe diz: “Que tens, meu amigo.”
“Oh!
Não fiques terrível assim, não és mais quem eras! Como ter esperança na
misericórdia, se te mostras tão terrível?”
“E no entanto é assim, e mais ainda,
que Eu estarei, quando for julgar as doze tribos de Israel. Mas cria coragem
Lázaro. Quem crê no Cristo já está julgado.”
E Ele se assenta de novo.
Um
silêncio.
Finalmente,
João pergunta: “E nós por termos proferido impropérios, em vez de mentir contra
a justiça, como seremos julgados?”
“Com justiça. Perseverai, e chegareis
aonde Lázaro já está, na amizade de Deus.”
Levantan-se.
“Mestre,
nós vamos retirar-nos. A paz esteja contigo. E contigo Lázaro.”
“A paz esteja convosco.”
“Que
isso que foi dito fique aqui.” Suplicam muitos.
“Não temais! Ide. Deus vos guie em
todos os vossos atos.”
Eles
saem.
Ficam
sozinhos Jesus e Lázaro. Pouco depois este diz: “Que horror!”
“Sim, que horror... Lázaro, eu vou
preparar a partida de Jerusalém. Serei teu hóspede em Betânia até o fim dos
Ázimos.” E sai.
Pg.
118-119
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378 – A PARÁBOLA DOS PASSARINHOS,
CONTESTADA PELOS INIMIGOS DE JUDEUS QUE PREPARAM UMA EMBOSCADA
Jesus, a
fim de fazer uso de um assunto em sua pregação, começa chamando a atenção dos
presentes para o grande número de passarinhos que foram fazer seus ninhos nas
copas das árvores do jardim de Lázaro, e para o pomar onde estão reunidos os
ouvintes.
“Observai. Há os naturais deste lugar e
os que vieram de fora, de todas a raças e tamanhos. E, quando descerem as
sombras, eles serão substituídos pelos pássaros da noite, que também são
numerosos. E por isso é quase impossível esquecermo-nos deles, só pelo fato de
não os vermos. Por que é que há tantos passarinhos do ar aqui? Porque aqui eles
acham com o que viverem felizes. Aqui há sol, há descanso, aqui há alimento com
fartura, abrigos seguros e águas frescas. E eles se reúnem, vindo do oriente e
do ocidente, do sul e do norte, quando são emigradores, e vêm sempre a este
lugar os naturais daqui. E então? Iremos ver que os pássaros do ar são
superiores em sabedoria aos filhos dos homens? Quantos, entre aqueles
passarinhos, filhos de passarinhos que já morreram, mas que no ano passado, ou
até mais tempo antes, aqui faziam os seus ninhos, pois aqui encontravam
sossego. Eles o disseram aos seus filhos, antes de morrerem. E lhes falaram
deste lugar, e eles, os filhos, obedeceram e vieram para cá. O Pai que está nos
Céus, O Pai de todos os homens, não terá por acaso, dito aos seus santos as
suas verdades, e dado as indicações possíveis para o bem-estar de seus filhos?
Deu todas as indicações, tanto as que dizem respeito ao bem da carne, como as
que dizem respeito ao bem do espírito. Mas, que vemos nós? Nós vemos que o que
foi ensinado pela carne – desde as túnicas de pele, que Ele fez para os nossos
progenitores, que estavam desnudos aos seus próprios olhos, depois de perderem
a veste que o pecado rasgou, até ás últimas descobertas que, pela luz que Deus
lhe deu, o homem conseguiu fazer – são recordadas e transmitidas, ensinadas,
enquanto que a outra parte, o que foi ensinado, ordenado e indicado para o
espírito não é conservado, ensinado nem praticado.”
Muitos do
Templo começam a cochichar. Mas Jesus os acalmam com um gesto.
“O Pai, que é bom, como o homem nem de
longe pode pensar, manda o seu Servo para recordar o seu ensinamento, para
reunir os passarinhos nos lugares saudáveis e dar-lhes um exato conhecimento do
que é útil e santo para fundar o Reino, onde todos os pássaros angélicos, todos
os espíritos, encontrarão graça e paz, sabedoria e salvação. E em verdade, em
verdade, Eu vos digo que, como os passarinhos nascidos neste lugar, na
primavera irão dizer aos outros de outros lugares: “Vinde conosco, porque há um
lugar bom, em que gozareis da paz e da abundância do Senhor”, e assim se verá
no ano novo novos passarinhos afluírem para aqui. Do mesmo modo, de todas as
partes do mundo, assim como está dito pelos profetas, veremos afluírem
espíritos e mais espíritos para a doutrina que veio de Deus, para o Salvador,
fundador do Reino de Deus. Mas aos passarinhos, que voam de dia, misturaram-se
neste lugar com os pássaros noturnos, predadores, perturbadores, capazes de
lançar o terror e a morte no meio dos pequenos passarinhos bons. E são eles os
pássaros que, há muitos anos, há muitas gerações que são assim, e nada os pode
desanimar, porque eles trabalham nas trevas e em lugares impenetráveis pelo
homem. E eles, com seus olhos cruéis, com seu voo silencioso, com sua
voracidade e sua crueldade, trabalham nas trevas e, como são imundos, semeiam
imundícia e dor. A quem compararemos nós? A muitos que em Israel não querem
aceitar a Luz que veio para iluminar as trevas, nem a Palavra que veio para
ensinar, a Justiça que veio para santificar. Para eles foi inutilmente que Eu vim.
E até para eles Eu sou ocasião de pecado, pois eles me perseguem, e perseguem
os meus fiéis. E, então, que direi? Direi uma coisa que já tenho dito outras
vezes: “Muitos virão do oriente e do ocidente, e sentar-se-ão com Abraão e Jacó
no Reino dos Céus. Mas os filhos deste reino serão lançados nas trevas
exteriores.”
“Os
filhos de Deus nas trevas? Tu estás blasfemando!”, grita um dos sinedritas
contrários. É o primeiro borrifo da baba dos répteis, que haviam ficado calados
por muito tempo, e que não suportavam mais ficar em silêncio, porque ficaram
afogados em seu próprio veneno.
“Os filhos de Deus, não!”, responde Jesus.
“Foste Tu
que o disseste! Tu disseste: “Os filhos deste reino serão lançados ás trevas
exteriores”.
“E Eu o repito. Os filhos deste reino.
Do reino onde a carne, o sangue, a avareza, a fraude, a luxúria e o delito são
os patrões. Mas esse não é o meu Reino. O meu Reino é o Reino da Luz. Esse
vosso reino é o reino das trevas. Ao Reino da Luz virão do oriente e do
ocidente, do sul e do norte, os espíritos retos, e até aqueles que, por
enquanto são pagãos, idólatras, considerados desprezíveis por Israel. E viverão
em santa comunhão com Deus, tendo acolhido em si a Luz de Deus, à espera de
poderem subir para a verdadeira Jerusalém, onde não há mais lágrimas nem dores
e, sobretudo, não haverá mentira. A mentira, que agora governa o mundo das
trevas, e sacia os filhos dele, a tal ponto, que nele não cabe mais nem uma
migalha de Luz divina. Oh! Que venham os filhos novos, para o lugar dos filhos
renegadores! Venham! E, seja lá qual for a sua proveniência, Deus os iluminará,
e eles reinarão pelos séculos dos séculos!”
“Tu
falaste assim para nos insultar!”, gritam os judeus inimigos.
“Eu falei para dizer a verdade.”
“O teu
poder está na língua, com a qual, como uma nova serpente, seduzes as multidões
e as desencaminhadas.”
“O meu poder está na autoridade que Eu
tenho, por ser Um com o meu Pai.”
“Blasfemador!”,
gritam os sacerdotes.
“Salvador! Ó tu que estás aos meus pés,
de que sofres?”
“Eu
quebrei a espinha quando era pequeno, e há trinta anos que eu vivo deitado de
costas.”
“Levanta-te, e caminha! E tu ó mulher,
de que sofres?”
“As
minhas pernas estão aí penduradas, mas inertes, desde quando este, que com meu
marido me transportava, viu a Luz,” e mostra um jovenzinho de pelo menos
dezesseis anos.
“Tu também, levanta-te, e louva o
Senhor! E aquele menino, por que é que não caminha sozinho?”
“Porque
ele é assim de nascença, é surdo, cego e mudo. É um pedaço de carne que
respira”, dizem os que estão com o infeliz.
“Em nome de Deus, recebe a
inteligência, a palavra, a vista e a audição. Eu assim quero!”
E, tendo
realizado o terceiro milagre, vira-se para os seus inimigos e diz: “
E vós, que tendes a dizer?”
... A
discussão passa dos inimigos de Jesus para os dois grupos opostos, deixando
fora da discussão o que era o mais interessado nela. E Jesus fica calado, com
os braços cruzados, escutando, enquanto – como creio – parece estar liberando
uma força para conter a multidão, especialmente os apóstolos, que são impelidos
pela ira.
“Nós
precisamos defender-nos e defender”, grita um judeu muito agitado; “Basta de
ver as turbas fascinadas atrás dele”, diz um outro; “Nós somos os poderosos.
Nós somente! E somente nós somos escutados e seguidos”, diz um escriba; “Que se
vá embora daqui! Jerusalém é nossa!” brada um sacerdote, vermelho como um peru.
“Vós sois
uns pérfidos!”, “Sois mais do que cegos!”, “As turbas vos abandonam, porque vós
o mereceis”, “Sede santos, se quereis ser amados. Não é cometendo abusos que se
conserva o poder que se baseia na estima do povo para com quem o governa”,
gritam por sua vez os do partido oposto, e muitos da multidão.
“Silêncio!”, impõe Jesus.
E,
tendo-se feito silêncio, Ele diz:
“A tirania e as imposições não podem
mudar os afetos e as consequências do bem recebido. Eu recolho aquilo que Eu
dei: o amor. Vós, ao me perseguirdes, não fazeis mais do que aumentar esse amor
que me quer dar uma compensação pelo vosso desamor. Não sabeis, com toda a
vossa sabedoria, que perseguir uma doutrina, não serve senão para fazer crescer
o poder dela, especialmente quando ela corresponde com os fatos com aquilo que
ensina? Ouvi uma minha profecia, ó vós de Israel. Quanto mais perseguirdes o
Rabi da Galiléia e os seus seguidores, tentando, com a tirania, anular a sua
Doutrina, que é divina, tanto mais fareis prosperar e estender-se pelo mundo.
Cada gota do sangue dos mártires, derramada por vós, que esperais triunfar e
reinar com as vossas leis e os vossos preceitos corrompidos e hipócritas, que
não são mais a Lei de Deus, e cada lágrima dos santos espezinhados será semente
de futuros crentes. E vós ficareis vencidos, quando pensáveis que éreis
triunfadores.
Ide-vos. Que Eu também me vou. Aqueles
que me amam, me procurem nos confins da Judéia e no Além-Jordão, ou então me
esperem por lá, porque, como o relâmpago, que desliza do oriente para o
ocidente, igualmente será o andar do Filho do homem, até chegar o tempo em que
Ele subirá ao altar e ao trono, neste e nos Céus, em uma das suas muitas
epifanias, que só os bons é que são capazes de compreender.”
Pg.
133-139
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381 – A PARÁBOLA DO ADMINISTRADOR
INFIEL E PERSPICAZ. HIPOCRISIA DOS FARISEUS E CONVERSÃO DE UM ESSÊNIO.
“Oh!
Deixai-os agir. O Verbo é para todos.” Diz Jesus sorrindo a seu Pedro,
referindo-se aos essênios.
“Como seria belo se o homem fosse
perfeito como o Pai do Céu quer. Perfeito em todos os seus pensamentos, afetos
e atos. Mas o homem não sabe ser perfeito, e usa mal os dons de Deus, o qual
deu ao homem a liberdade de agir, ordenando-lhe porém que faça as coisas boas,
aconselhando-lhe as perfeitas, de tal modo que o homem não possa dizer: “Eu não
sabia.”
Como o homem usa da liberdade que Deus
lhe deu? Como poderia usar dela um menino e assim seria na maior parte da
humanidade. Ou então como um estulto ou até como um delinquente seria usada por
outros. Mas, depois disto vem a morte e, então, o homem é sujeito ao Juiz que
severo lhe perguntará: “Como foi que usaste e abusaste do que eu dei?” Que
pergunta terrível! Aí então, é que os bens da terra aparecerão como menos do
que uns pedacinhos de palha, bens por causa dos quais frequentemente o homem se
torna pecador. Pbre, de uma eterna miserabilidade, nu, sem aquela veste que
ninguém pode fazer igual, estará envilecido e tremendo diante da majestade do
Senhor e não encontrará palavras para justificar-se. Porque sobre a terra é
fácil justificar-se enganando os pobres homens. Mas no Céu isso não pode
acontecer. A Deus não se engana, nunca! E Deus não aceita combinações, nunca.
Como então nos salvaremos? Como é que
faremos que tudo sirva para a salvação, até aquilo que veio da corrupção, que
transformou os metais e as pedras preciosas em instrumento de riquesas, que
acendeu as ânsias do poder e os apetites da carne? Não poderá então o homem
que, por mais pobre que seja, sempre pecar desejando imoderadamente o ouro, os
cargos e as mulheres, e as vezes, se torna ladrão dessas coisas para poder ter
o que o rico tinha, não poderá então o homem, seja ele rico ou pobre, salvar-se
nunca? Sim, pode. E como? Usando das riquesas para fazer o bem. O pobre que não
tem inveja, que não praqueja, que não cobiça o que é dos outros, mas se
contenta com o que tem, usa do seu humilde estado, para com ele construir sus
santidade futura e, na verdade, a maioria dos pobres sabe fazer assim. Os ricos
sabem menos, e para eles a riqueza é uma contínua armadilha de Satanás e da
tríplice concupiscência.
Mas ouvi uma parábola e verreis que os
ricos também podem salvar-se, mesmo sendo ricos, reparando os seus erros
passados com o uso das riquezas, mesmo as mal adquiridas. Porque Deus, o Senhor
Boníssimo, deixa muitos meios aos seus filhos para que se possam salvar.
Havia pois um rico que tinha um
administrador. Alguns, que eram inimigos deste, porque invejavam o cargo que
ele tinha, ou então porque eram muito amigos do rico e se preocupavam com o seu
bem-estar, foram ao patrão acusar o administrador que ele tinha: “Ele está
esbanjando os teus bens. Ele se descuida de fazê-los produzir. Abre os olhos!
Trata de defender-te!”
O rico tendo ouvido aquelas contínuas
acusações, mandou o administrador comparecer à sua presença, e lhe disse:
“Sobre ti disseram-me isto e aquilo. Como foi que fizeste uma coisa destas?
Presta-me contas da tua administração, pois eu não te permito mais estar à
frente dela. Eu não posso confiar em ti e não posso dar um exemplo de injustiça
nem de estupidez, que levaria os outros empregados a agirem como tu agiste. Vai
e volta amanhã com toda a escritura para que eu examine e me ponha a par da
situação dos meus bens, antes de confiá-losà um novo feitor.” Ele despachou o
administrador, que se foi pensativo, dizendo a si mesmo: “E agora? O que eu vou
fazer, agora que o patrão me tira a administração? Economias, eu não tenho,
porque certo como eu estava de poder viver sossegado, eu tanto usurpava os bens
como gosava com eles. Ir agora fazer-me de camponês e subdito, não dá porque me
acostumei do trabalho e estou viciado nas farras. Pedir esmola, isso não. Seria
rebaixar-me demais. Que farei então?”
Ele pensou e julgou ter achado o modo
de sair-se bem de sua penosa situação. E pensou assim: “Encontrei. Com os
mesmos meios com que consegui uma boa vida até agora, de agora em diante
conseguirei ter amigos que me hospedarão por reconhecimento quando estiver fora
da administração. Quem faz benefícios sempre tem amigos. Vamos então fazer
benefícios para sermos beneficiados e vamos logo, antes que a notícia se espalhe,
e fique tarde demais.”
E, tendo ido aos diversos devedores do
seu patrão, disse ao primeiro: “Quanto estás devendo ao teu patrão pela soma
que ele te enprestou na primavera, há trêx anos?”
E o interrogado respondeu: “Cem barris
de óleo pela soma e com os juros.”
“Oh! Pobrezinho. Tu, assim cheio de
filhos, tu, preocupado com as doenças dos filhos teres que pagar tudo isso? Ele
não te fez o empréstimo no valor de trinta barris?”
“Sim, Mas eu estava com uma necessidade
urgente e ele me disse: “Eu tos dou, mas com a combinação de que tu me dás o
que esta somo rende em três anos.” E me arrendou tudo pelo valor de cem barris,
E eu lhes devo dar.”
“Mas isso é uma usura! Não. Não. Ele é
rico e tu mal estás tendo para comer. Ele tem família pequena e tu uma muito grande.
Escreve que ele te arrendou por cincoenta barris e não pense mais nisto. Eu
jurarei que isto é verdade. E tu terás o teu bem estar.”
“Mas tu não me trairás se ele vier a
saber?”
“Pensas assim? Eu sou o administrador e
o que eu juro é sagrado. Faze como eu te digo e sê feliz.”
O homem escreveu, assinou, e disse:
“Bendito sejas tu! Meu amigo e salvador! Como te recompensarei?”
“Mas, de modo nenhum! Quer dizer que,
se por causa de ti eu tivesse que sofrer a ser expulso, tu me acolherias por
reconhecimento.”
“Mas com toda certeza! Com certeza.
Conta comigo então!”
O administrador saiu dali e se dirigiu
a um outro devedor, mantendo mais ou menos a mesma conversa. Este devia pagar
cem alqueires de trigo porque a seca durante três anos havia destruído os cereais,
e ele tinha precisado recorrer ao rico para sustentar a família.
“Mas não penses nem em dobrar o que ele
te deu. Nega-lhe o trigo. Está exigindo o dobro de alguém que tem filhos,
enquanto que o que é dele está carunchado nos celeiros, pois isso ele possui
com grande fartura. Escreve oitenta alqueires.”
“Mas, de que queres que ele se lembre?
Eu os dei, e eu não quero pensar nisso. Faze, faze assim e fica firme em teu
lugar. É necessário que haja justiça entre pobres e ricos! Pois eu se fosse o
teu patrão quereria somente os cinquenta alqueires e talvez até os perdoasse.”
“Tu és bom. Se todos fossem como tu!
Lembra-te de que minha casa é tua amiga.”
O administrador foi atrás de outros,
usando sempre o mesmo método, comprometendo-se até a sofrer para pôr as coisas
em seus lugares com justiça. E ofertas de ajuda e bênçãos choveram sobre ele.
Tendo assim garantido o seu amanhã, foi ele tranquilo até o patrão, o qual, por
sua vez, havia investigado a vida do administrador e descoberto o jogo dele.
Contudo ele o elogiou, dizendo: “O teu modo de agir não foi bom e por ele eu
não te elogio. Mas eu devo louvar-te pelo teu tino. Em verdade, em verdade, os
filhos deste século são mais perspicazes do que os filhos da Luz.”
“O que o rico disse, Eu também vos
digo: A fraude não é uma coisa bonita e, por praticá-la, Eu jamais louvarei a
ninguém. Mas Eu vos exorto a serdes pelo menos como filhos do século,
perspicazes, usando os meios do século a fim de fazê-los usar as moedas para
entrarem no Reino da Luz. Isto quer dizer
que, por meio das riquezas terrestres, que são uns meios injustos na repartição
e usados para a aquisição de um bem-estar transitório, que não tem valor no
Reino eterno, fazei, por meio deles, amigos vossos que vos abram as portas do
Reino. Fazei o bem com os meios que tendes, restituiu aquilo que vós, ou outros
de vossa família, apanharam sem terem direito a fazê-lo, afastai-vos de um
afeto doentio e culpado para com as riquezas. E todas essas coisas serão como
amigos que, na hora da morte, vos abrirão as portas eternas e vos receberão nas
moradas dos bem-aventurados.
Como podeis exigir que Deus vos dê os
seus bens no Paraíso, se estais vendo que não sabeis fazer bom uso nem dos bens
terrestres? Quereis que, o que é uma suposição impossível, que Ele admita na
Jerusalém Celeste elementos esbanjadores? Não, nunca. Lá em cima se viverá com
caridade, com generosidade e justiça. Todos por um e todos por todos. A
Comunhão dos Santos é uma sociedade ativa e honesta, uma santa sociedade. E
ninguém, que tiver mostrado que é injusto e infiel pode entrar lá.
Não digais: “Mas lá em cima seremos
fiéis porque lá em cima teremos tudo sem nenhum temor.” Não. Quem é infiel no
pouco seria infiel também se possuísse tudo e quem é injusto no pouco é injusto
no muito. Deus não confia as verdadeiras riquezas a quem, na prova terrena,
mostra que não sabe usar as riquezas terrenas. Como é que pode Deus confiar-vos
um dia no Céu a missão de espíritos sustentadores dos irmãos sobre a terra
quando tiverdes mostrado que extorquir e fraudar e conservar com avidez, foi o
que soubestes fazer? Por isso, Ele não vos dará o vosso tesouro, mas o dará
àqueles que souberam ser precavidos nesta terra, usando até daquilo que era
injusto e prejudicial em obras que os tornam justos e retos.
Ninguém pode servir a dois patrões.
Porque será de um ou do outro, ou odiará a um ou ao outro. Os dois patrões
entre os quais ele pode escolher são Deus e o dinheiro. Mas, se ele quiser
servir ao primeiro, não pode vestir as insígnias, atender aos comandos, nem fazer
uso dos meios do segundo.”
...“Como
me apresentas-te uma razão persuasiva sobre o livre arbítrio, eu irei meditar
nela sem preconceitos esperando poder aceitá-la. Mas, agora dize-me uma coisa.
Crês Tu realmente em uma ressurreição da carne e em uma vida dos espíritos de
novo unidos a ela?”
“E queres então que Deus ponha fim à
vida do homem?”
“Mas a
alma... Se é verdade que o prêmio a torna feliz, para que ressuscitar a
matéria? Será que isso vai aumentar a glória dos Santos?”
“Nada poderá aumentar a glória que um
santo terá quando ele possuir a Deus. Só uma coisa aumentará essa glória no
último Di: é a de ficar sabendo que o pecado não existe mais. Mas, não te
parece justo que, assim como durante este dia a carne e a alma estiveram unidas
na luta para conseguir o Céu, assim no Dia eterno que a carne e a alma estejam
unidas para gozarem do prêmio? Não estás persuadido disto? E, então, por que
vives em continência e meditação?”
“Para...
para ser homem de modo mais perfeito, acima dos outros animais que obedecem aos
instintos desenfreadamente e para ser maior do que a maior parte dos homens que
estão emporcalhados pela animalidade e ainda vivem exibindo filactérias e
fímbrias, e franjas e vestes largas, e se dizem “os separados.”
“Anátema!”
Os fariseus, tendo recebido em cheio as flechadas, o que fez a multidão
murmurar sua aprovação, estão se contorcendo e gritando como uns possessos.
“Ele nos estás insultando, Mestre! Tu conheces a nossa santidade. Defende-nos,
então”, gritam eles gesticulando.
Jesus
responde: “Ele
também conhece a vossa hipocrisia. Vossas vestes não correspondem à vossa
santidade. Merecei ser louvados e Eu poderei falar. Mas, a ti, essênio! Eu te
respondo que muito demais te sacrificas por pouca coisa. Por que? Por quem? Por
quanto? Por um louvor humano. Por um corpo mortal. Por um tempo, que passa
rápido como o voo de um falcão. Procura engrandecer o teu sacrifício. Crê no
Deus verdadeiro, na feliz ressurreição, na vontade livre do homem. Vive como um
asceta. Mas por estas razões sobrenaturais. E, com tua carne ressuscitada,
gozarás da eterna alegria.”
“É tarde!
Já estou velho! Talvez eu tenha estragado a minha vida pertencendo a uma seita
cheia de erros... Tudo terminou!”
“Não. Nada terminou para quem quer
fazer o bem! Ouvi, ó pecadores, ó vós que estais em vossos erros, ó vós seja
qual for o vosso passado. Arrependei-vos. Vinde à Misericórdia. Ela vos abre os
braços. Ela vos indica o caminho. Eu sou a fonte pura, a fonte da vida. Jogai
fora as coisas que até aqui vos extraviaram. Vinde nus para o banho.
Revesti-vos de luz. Renascei. Andastes roubando, como ladrões pelas estradas,
ou como gente fina, com esperteza nos negócios e nas administrações? Vinde.
Tendes sido opressores? Vinde. Vinde. Arrependei-vos. Vinde ao amor e à paz.
Oh! Mas deixai que o amor de Deus possa derramar-se sobre vós. Aliviai-o nesse
seu amor que vive angustiado pela vossa resistência, por vosso medo e vossas
titubeações. Eu vo-lo peço em nome do meu e do vosso Pai. Vinde à Vida e à
Verdade, e tereis a vida eterna.”
Pg.152-156
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383 – DISCURSO SOBRE A MORTE PERTO DO
VAU DO JORDÃO
Jesus
começa a falar:
“A paz esteja com todos vós. Certamente
o ter que morrer desagrada aos ricos e aos jovens, quando eles querem ser
ricos, mas somente em dinheiro e em anos. Aqueles, porém, que são ricos em
virtude, e jovens pela pureza de costumes, a eles isso não lhes causa tristeza.
O verdadeiro sábio, desde a idade da razão em diante, se regula de tal modo,
que possa tornar para si uma coisa tranquila o morrer. A vida é a preparação
para a morte, assim como a morte é uma preparação para a vida maior. O
verdadeiro sábio, desde que chega a compreender a verdade do que é o viver e do
que é o morrer, e do morrer para depois ressurgir, preocupa-se, de todos os
modos, com despojar-se de tudo o que é inútil, e enriquecer-se de tudo o que é
útil, isto é, das virtudes e dos atos bons, para poder ter uma provisão de
bens, diante daquele que o chama a Si, para julgá-lo, para premiá-lo, ou para
castigá-lo, com uma justiça perfeita.
O verdadeiro sábio leva uma vida que o
torna adulto, mais do que envelheceu na sabedoria, e mais do que um jovem, um
adolescente, porque vivendo ele com virtude e justiça, conserva em seu coração
um frescor de sentimentos que algumas vezes nem mesmo os jovenzinhos têm.
Nesses casos, é suave morrer. Reclinar a cabeça cansada no seio do Pai,
recolher-se em seu abraço, dizer por entre as névoas da vida, que está
terminando: “Eu te amo, espero em Ti, em Ti eu creio”, dizendo isto pela última
vez na terra, a fim de poder dizê-lo depois num jubiloso “Eu te amo”, por toda
a eternidade, por entre os fulgores do Paraíso.
Será duro o pensamento da morte? Não. É
um justo decreto para todos os mortais, não é opressivo e cheio de aflição, a
não ser para aqueles que não creem, e estão carregados de culpas. Perde seu
tempo o homem que, para explicar as aflições perturbadoras de alguém que está
para morrer, e que em sua vida não foi bom, e explica-o assim: “É porque ele
não quereria morrer já, porque não chegou a realizar alguma coisa boa, ou fez
pouco bem, e quereria viver mais, para reparar a sua falta.” É em vão que ele
diz: “Se ele tivesse vivido mais tempo, teria podido ter um prêmio maior, pois
teria realizado mais coisas.” Um nada de tempo em comparação com a eternidade.
E a alma estimula o “eu” todo para agir. Mas, pobre alma! Como muitas vezes ela
é dominada e pisada, amordaçada para não ouvir as suas palavras. Isto acontece
com aqueles a quem falta a boa vontade. Enquanto que nos homens justos, desde
sua meninice houve uma auscultação da alma, uma obediência aos seus conselhos,
houve uma operosidade contínua. E o jovem pelos anos, mas rico de merecimentos,
morre como um santo, às vezes ainda na aurora da vida. E nem com mais cem ou
mil anos que fossem dados a ele, poderia ele ser mais santo do que já é, porque
o amor a Deus e ao próximo, praticado de todas as formas, e com toda a
generosidade, já o tornam perfeito. No Céu não se olha para quantos anos alguém
viveu, mas como foi que eles foram vividos.
Costuma-se pôr luto, por causa dos
cadáveres. Chora-se sobre eles. Mas o cadáver não chora. Teme-se por se ter que
morrer. Mas ninguém pensa em viver de tal modo, que não seja preciso tremer na
hora da morte. E, por que é que não se chora e não se põe luto pelos cadáveres
vivos, que são os verdadeiros cadáveres, os que levam em si uma vida morta,
como se já estivessem no sepulcro? E, por que é que aqueles que choram,
pensando que hão de morrer em sua carne, não choram sobre os cadáveres que eles
têm dentro de si mesmos?
Quantos cadáveres Eu vejo, que riem e
contam piadas, e não choram sobre si mesmos! Quantos pais, esposas, irmãos,
filhos, amigos, sacerdotes, mestres Eu vejo chorarem estultamente por um filho,
um esposo, um irmão, um pai ou mãe, um amigo, um fiel discípulo, mortos em
evidente amizade com Deus, depois de uma vida, que é uma grinalda de perfeição,
e que não choram sobre os cadáveres das almas de um filho, esposo, irmão, pai,
um amigo, um fiel discípulo, que morreu por causa do vício, por causa do
pecado, e morreu para sempre, e para sempre está perdido, se não se arrependeu?
Por que não procurar ressuscitá-los? Isto é que é amor, sabeis? É o maior dos
amores. Oh! Como são estultas as lágrimas derramadas sobre a poeira, para qual
o homem voltou! Oh! Idolatria dos afetos! Oh! Hipocrisia dos afetos! Chorai,
mas pelas almas mortas dos vossos mais queridos. Procurai levá-los à vida. E Eu
falo especialmente a vós, ó mulheres que tanto poder tendes sobre aqueles que
amais. Agora, juntos, vamos olhar para o que a Sabedoria mostra como causa de
morte e de vergonha.
Não fiqueis insultando a Deus, fazendo
mau uso de vossa vida, que Ele vos deu, emporcalhando-a com más ações, que
desonram o homem. Não fiqueis insultando os vossos pais, com uma conduta que
joga lama sobre os cabelos brancos deles, e espinhos de fogo sobre os últimos
dias deles. Não fiqueis proferindo insolências contra quem vos governa, porque
não é com a rebelião contra os governantes que se tornam livres e grandes as
nações, mas é com a conduta santa dos cidadãos que se obtém a ajuda do Senhor,
o qual pode tocar o coração dos governantes, ou tirá-los de seu lugar ou até da
vida, como muitas vezes nos ensinou a nossa história de Israel, quando eles
passaram da medida, e especialmente quando o povo, santificando-se, merece o
perdão de Deus, que por isso, tira o instrumento opressor do pescoço dos que
estavam sendo castigados. Não profirais insolência contra a esposa, acusando-a
de amores adulterinos, e não profirais insolências contra os vossos filhos
inocentes, ao terdes notícias de seus ilícitos amores.
Sede santos diante deles, pois eles
veem em vós, por afeto ou por dever, aqueles que hão de ser para eles um
exemplo em suas vidas. Não podeis separar a santidade para com o próximo, que
está mais perto de vós, da santidade para com Deus, porque uma gera a outra
como os dois amores: o de Deus e o do próximo, nascendo um do outro.
Sede justos para com os amigos. A
amizade é um parentesco da alma. Está escrito: “Quanto é belo para os amigos
que eles andem juntos.” Mas é belo, quando eles andam pelo caminho do bem. Ai
daquele que corrompe e trai a amizade, transformando-a em egoísmo, ou em uma
traição, ou em um vício, ou em uma injustiça. São muitos demais aqueles que
dizem: “Eu te amo”, para ficarem sabendo as coisas do amigo, e desfrutando
delas em seu próprio favor. São muitos demais os que usurpam os direitos do
amigo.
Sede honestos para com os juízes. Todos
os juízes. Desde o Juiz Altíssimo, que é Deus, até o juiz íntimo, que é a nossa
consciência, até aqueles amorosos e sofredores, que estão atentos em seu amor
vigilante, como são os olhos de nossos familiares, até aquele severo, dos
juízes do povo. Não mintais, invocando a Deus para dardes mais força à mentira.
Sede honestos no vender e no comprar.
Quando estais vendendo, e a concupiscência vos diz: “Rouba, para teres lucro”,
enquanto que a consciência vos diz: “Sê honesto, porque te arrependerias de ter
roubado”. Daí ouvidos a esta última voz, lembrando-vos de que não deve ser
feito aos outros o que não gostaríamos que fosse feito a nós mesmos. O dinheiro
que vos é pago em troca de uma mercadoria, está muitas vezes molhado pelo suor
e pelas lágrimas do pobre. Ele custou canseiras. Vós não sabeis quanta dor ele
custa, quantas dores estão atrás daquela moeda, que a vós, vendedores, parece
sempre muito pouco demais pelo que vendeis. Criaturas doentes, filhos sem pai,
velhos com uns escassos trocados no bolso... Oh! Dor santa, Oh! Santa dignidade
do pobre que o rico não compreende, porque não és meditada? Por que há
honestidade em vender ao forte, ao poderoso, por medo de suas represálias,
enquanto que se abusa do indefeso, e do irmão desconhecido? Isto já é um
delito, mais contra o amor do que contra a própria honestidade. E Deus o
amaldiçoa, porque lágrima derramada pelo pobre, que só tem o seu pranto como
reação contra abuso, diante do Senhor tem a mesma voz que tem o sangue arrancado
das veias de um homem por um homicida, por um Caim de seu próprio semelhante.
Sede honestos nos olhares, assim como
nas palavras e nas ações. Um olhar dado a quem não merece, ou negado a quem o
merece, é como um laço e um punhal. O olhar que se enlaça com a pupila
despudorada da meretriz, e lhe está dizendo: “Tu és bonita!”, é pior do que o
punhal no corredio para a garganta do sufocado. O olhar negado ao parente pobre
ou amigo que caiu na miséria, é semelhante a um punhal fincado no coração
daqueles infelizes. E assim o olhar de ódio, ou de desprezo, voltado para o
inimigo ou o mendigo. O inimigo é perdoado e amado, pelo menos com o nosso
espírito, quando nossa carne se recusa a amá-lo. O perdão é sempre o amor do
espírito, o não vingar-se é amor do espírito. O mendigo é amado, porque ninguém
o conforta. Não basta jogar uma esmola, e ir para adiante com desdém. A esmola
é boa para a carne esfaimada, nua, sem abrigo. Mas a piedade, que sorri ao dar,
que se interessa pelo pranto do infeliz, essa é um pão para o coração. Amai,
amai, amai.
Sede honestos nos dízimos e nos
costumes, honestos no interior de vossas casas, não exigindo do empregado além
da medida, e não cometendo atentado contra a empregada, que dorme em vossa
casa. Ainda que o mundo não saiba do furto cometido no segredo de uma casa, o
furto feito à vossa mulher, que não o sabe e à empregada que desonrais, Deus
sabe de vosso pecado.
Sede honestos na língua. E honestos em
educar filhos e filhas. Está escrito: “Faze isto, a fim de que tua filha não te
torne o objeto do riso da cidade.” E Eu digo: “Fazei isso, para que o espírito
de vossa filha não pereça.”
E agora ide. Eu também me vou, depois
de vos ter dado uma provisão de sabedoria para a viagem. Que o Senhor esteja
com aqueles que se esforçam por amá-lo.”
Pg. 169 a
173
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387 – EM GÁLGALA. O MENDIGO OGLA E OS
ESCRIBAS TENTADORES. OS APÓSTOLOS COMPARADOS AS DOZE PEDRAS DE PRODÍGIO DE
JOSUÉ
Jesus
continua indo para a frente, a fim de ir tomar uma refeição em alguma pequena
praça de segunda classe, já na periferia da cidade, que está toda sombreada
pelo entrelaçamento dos ramos de árvores de várias espécies. Tenho a impressão
de que seja aqui uma parte do morro que, há pouco tempo teria sido incluída
dentro dos limites da cidade, e que por isso conserva ainda aquela lembrança do
seu estado nativo.
O
primeiro a aproximar-se de Jesus, que está comendo pão com azeitonas, é um
pobre homem andrajoso. Ele lhe pede um pouco de pão. E Jesus lhe dá o seu,
junto com todas as azeitonas que tem na mão.
“E Tu?
Estamos sem dinheiro, e Tu sabes disso?, observa Pedro. “Deixamos tudo com o
Ananias.”
“Não importa. Eu não estou com fome.
Com sede, sim...”
O mendigo
diz: “Aqui atrás há um poço. Mas, porque me deste o pão todo? Podias ter-me
dado a metade dele... Se não tiveres nojo de recebê-lo de volta...”
“Come, come. Eu posso ficar sem ele.
Mas, para que não fiques pensando que Eu tenha nojo de ti, dá-me com as tuas
mãos, somente um pedaço. E Eu o comerei para ser teu amigo...”
O homem,
com um rosto triste e sombrio, procura mostrar um sorriso mais pasmado, e diz:
“Oh! É esta a primeira vez, desde que eu me tornei o pobre Ogla, que alguém me
diz querer ser meu amigo!”, e dá o pedaço de pão a Jesus. E lhe pergunta: “Quem
és Tu? Como te chamas?
“Sou Jesus de Nazaré, o Rabi da
Galiléia.”
“Ah! Já
ouvi outros falarem de Ti... Mas... não és Tu o Messias?”
“Eu o sou.”
“E Tu,
Messias, és tão bom assim com os mendigos? O tetrarca faz que seus servos batam
em nós, se nos vir andando pelo caminho...”
“Eu sou o Salvador. Não bato, mas amo.”
O homem
olha para Ele com um olhar parado. Depois começa a chorar.
“Por que estás chorando?”
“Porque
eu quereria ser salvo... Não estás mais com sede, Senhor? Eu Te levaria ao
poço, e lá te falaria...”
Jesus
percebe que o homem lhe quer confidenciar alguma coisa, e se levanta, dizendo: “Vamos.”
“Eu
também vou!”, deixa escapar Pedro.
“Não. Eu volto logo por outro lado... É
preciso que se tenha amor a quem se arrepende.”
Vai com o
homem para trás de uma casa, depois da qual se estende a campina.
“Ali está
o poço... Bebe, e depois me escuta.”
“Não homem. Desabafa-te antes comigo da
tua ansiedade e depois Eu beberei. E talvez ficarei tendo uma fonte até mais
doce do que a água da terra, para matar a minha sede.”
“Que
fonte é, Mestre?”
“O teu arrependimento. Vamos lá para
debaixo daquelas árvores. Aqui as mulheres nos ficam observando. Vem”, e lhe põe a mão sobre o ombro, e o faz andar para a frente,
para debaixo de umas viçosas oliveiras.
“Como
sabes que eu sou culpado, e que estou arrependido?”
“Oh! Podes falar. E não fiques com medo
de mim.”
“Senhor,
nós éramos sete irmãos, filhos de um mesmo pai, mas eu tinha nascido da mulher
que meu pai havia desposado quando ele ficou viúvo. E eu era odiado pelos
outros seis. Meu pai, ao morrer, fez a partilha dos bens entre todos, com uma
medida igual. Mas, depois que ele morreu, os seis corromperam os juízes,
tiraram-me todos os bens e me expulsaram, a mim e à minha mãe, fazendo
acusações infames contra nós. Minha mãe morreu, quando eu estava com dezesseis
anos... e morreu de tanto sofrer. E, desde aquele tempo, não tive mais ninguém
que me amasse...”, e chora com muito sentimento.
Depois
ele se controla, e continua: “Os seis, ricos então e felizes, prosperaram com o
que era meu também, e eu ia morrendo de fome porque havia ficado doente, ao ver
que dar assistência a minha mãe consumida... Mas Deus os feriu um por um. Eu os
amaldiçoei tanto, e tanto os odiei, que as minhas pragas caíram sobre eles...
Estava eu fazendo mal? Com certeza. Eu sei disso. E o estava sabendo. Mas, como
poderia eu deixar de odiá-los e de amaldiçoá-los? O último deles, que na
realidade era o terceiro nascido, resistia a todas as maldições, e até vivia na
prosperidade, com os bens dos outros cinco, e dos quais se havia apropriado
legitimamente para os três menores, que morreram sem mulher, pois a mulher do
primogênito morreu sem deixar filhos, mas fraudulentamente quanto ao segundo, a
cuja mulher e aos filhos ele havia, por meio de enganos e empréstimos, tomado
grande parte do que era do pai. E, quando ele, por acaso, se encontrava comigo
em alguma das feiras e que eu ia como servo de um homem rico, para vender
alguma mercadoria, ele me insultava e me dava bordoadas... Certa tarde eu me
encontrei com ele... Ele estava sozinho. Estava sozinho e um pouco embriagado
pelo vinho. E eu já estava embriagado por recordações e pelo ódio. Fazia dez
anos que minha mãe havia morrido. E ele me insultou, ao insultar a falecida...
Ele a chamou de “cadela imunda”, e me chamou de “filho da hiena”, Senhor, se
ele não tivesse tocado em minha mãe... eu o teria tolerado. Mas ele a
insultou... Eu o peguei pelo pescoço. E lutamos. Eu queria somente dar-lhe uma
surra... Mas ele escorregou no chão, e o chão estava coberto de uma erva
escorregadia, e em declive... Abaixo daquele ponto havia um despenhadeiro e uma
torrente... E ele rolou, embriagado como estava, e caiu lá embaixo. E, depois
de tantos anos, ainda o procuram... Mas ele ficou certamente sepultado por
entre as grandes pedras e as areias de alguma das torrentes que vêm do Líbano.
Ele não voltou mais a Cesaréia de Panéades. E eu saí de onde estava já sem
paz... Ah! A maldição de Caim! Medo de viver... e medo de morrer... Diziam que
Tu vias por dentro o coração do homem. Mas, são tão maus os rabinos de Israel!
Não sabem o que é ter piedade. Tu, que és o Rabi dos Rabis, eras o meu
terror... E, ao ver-me diante de Ti, eu procurava fugir. Contudo, eu quereria ser
perdoado...” E chora agachado no chão.
Jesus
olha para ele, e murmura: “Vamos pegar e por sobre mim também estes pecados! Meu
filho! Escuta: Eu sou a Piedade, não o terror. Também por ti é que Eu vim. Não
te envergonhes por causa de mim... Eu sou o Redentor. Queres ser perdoado de
quê?
“Do meu
delito. Queres saber qual? Matei o meu irmão.”
“Tu disseste: “Eu queria somente
dar-lhe uma surra”, porque naquele momento estavas ofendido e irado. Mas,
quando tinhas ódio e maldiçoavas não a um, mas os seis irmãos, não estavas
sendo ofendido, nem irado. Tu o fazias como quem respira. Era uma coisa
espontânea. O ódio e a maldição, e a alegria por vê-los castigados era o teu
pão espiritual, não é verdade?”
“Sim,
Senhor. Durante dez anos esse foi o meu pão.”
“Pois bem, na realidade, o maior delito
tu o começaste, desde o momento em que odiaste e amaldiçoaste. És homicida de
teus irmãos seis vezes.”
“Mas,
Senhor, eles me haviam arruinado e odiado... E minha mãe morreu de fome...”
“Queres dizer que tinhas razão ao
tirares vingança?”
“Sim,
Quero dizer isso.”
“Não tens razão. Deus é que devia
punir. Tu devias amar. E Deus teria te abençoado na Terra e no Céu.”
“E,
então? Ele não me abençoará nunca mais?”
“O arrependimento traz consigo de volta
a bênção. Mas, que dor, que aflição procuraste para ti mesmo. Muito mais do que
as que te davam os teus irmãos, foram as que deste a ti mesmo com o teu ódio.”
“É
verdade! É verdade! É um horror que já vem durando vinte e seis anos. Oh!
Perdoa-me em nome de Deus. Tu estás vendo como eu sinto em mim a dor pela
culpa! Eu nada peço para a minha vida. Eu sou mendigo e doente. Mas assim eu
quero ficar, para sofrer e expiar. Dá-me, pois a paz de Deus! Tenho feito
sacrifícios no templo, sofrendo até fome, para ajuntar algum dinheiro para o holocausto.
Mas eu não podia falar em meu delito, e não sei se terá sido aceito o
sacrifício.”
“Foi nulo. Ainda que cada dia tivesses
oferecido um, que te adiantaria isso, se o imolavas com mentira? Rito
supersticioso e inútil é o que não é precedido por uma sincera confissão da
culpa. Uma culpa se ajuntava a outra e, por isso era mais do que inútil. Era
uma oferta sacrílega. O que tu dizias ao sacerdote?”
“Eu
dizia: “Pequei por ignorância, fazendo coisas proibidas pelo Senhor, e quero
fazer expiação por elas. Eu pensava: “Eu sei em que foi que eu pequei, e Deus
também o sabe. Mas a um homem eu não posso falar com clareza. Deus, que tudo
vê, sabe que eu estou pensando é no meu pecado.”
“Estas são restrições mentais, umas
escapatórias indignas. O Altíssimo odeia tais coisas. Quando se peca,
procura-se fazer expiação. Não faças mais assim.”
“Não,
Senhor. E estarei perdoado? Ou deverei ir confessar todas as coisas uma por
uma? Ou pagar com a vida, a vida que eu tirei? A mim me basta morrer com o
perdão de Deus.”
“Estas vivo para expiar. Não poderias
dar de novo o marido a viúva, nem o pai aos filhos... Antes de matar, antes de
deixar que o ódio se torne dono de nós, teria sido preciso pensar! Mas,
levanta-te, e caminha pelo novo caminho. Ao ires andando, encontrarás os meus
discípulos, Os montes da Judéia, se fores de Tecué até Belém, certamente estão
sendo percorridos Poe eles. Dize-lhes que Jesus te mandou, e diz que, antes do
Pentecostes, Ele subirá de novo para Jerusalém, passando por Betsur e Beter.
Procura Elias, José, Levi, Matias, João, Benjamim, Daniel, Isaque. Será que te
lembrarás destes nomes? Dirige-se a eles em particular. E agora vamos.”
“E Tu,
não bebes?”
“Eu bebi o teu pranto. Uma alma que
volta para Deus! Nada existe mais remunerador para Mim.”
“Então,
eu estou perdoado? Pois Tu disseste “Volta para Deus...”
“Sim, Estás perdoado. E não odeies
mais.”
O homem
se inclina de novo, pois se havia posto de pé, e beija os pés de Jesus.
Pg.188 a
192
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388 – EXORTAÇÃO A JUDAS ISCARIOTES QUE
IRÁ A BETÂNIA COM SIMÃO ZELOTES
Eles
devem ter prosseguido viagem naquela noite de luar e terão parado em alguma
caverna, por algumas horas, retomando depois o caminho, ao romper do dia. Estão
visivelmente cansados, pois é um caminho difícil, passando por sobre pedras
quebradas, por entre arbustos espinhosos e lianas, que por cima delas
alastraram, enleando-se-lhes aos pés. Quem vai à frente da marcha é Simão, o
Zelotes, que parece conhecer bem o lugar, e que se desculpa por causa da
dificuldade do caminho, como se aquela dificuldade fosse causada por ele.
“Agora quando estivermos novamente
naqueles montes que estais vendo, poderemos andar melhor, e eu vos prometo mel
selvagem e águas puras em abundância...”
“Águas?
Eu me jogarei dentro delas. A areia já me roeu os pés, como se eu tivesse
caminhado em cima do sal, e a pele toda me está ardendo. Que lugares
amaldiçoados! Oh! Percebe-se, sim, percebe-se que estamos perto daqueles
lugares que foram castigados pelo fogo do Céu! Aquele fogo ficou ainda no
vento, na terra, nos espinhos, em tudo!, exclama Pedro.
“Contudo,
aqui era uma beleza, em tempos atrás, não é verdade, Mestre?”
“Muito bonito. Nos primeiros séculos do
mundo, estes lugares eram um pequeno Éden. O solo era fertilíssimo, rico de
fontes, que serviam para muitos usos. E estava preparado para dar semente, o
que é bom. Depois... a desordem dos homens pareceu atingir também os elementos.
E aí veio a ruína. Os sábios do mundo pagão explicam de muitos modos o terrível
castigo. De modos humanos, mas às vezes com um terror supersticioso. Mas,
crede: foi somente a vontade de Deus que desfez a ordem em que estavam os
elementos, e os do céu se uniram aos das profundezas, chocaram-se,
arremeteram-se uns contra os outros, como em uma dança perigosa, os raios
fizeram pegar fogo no betume, que os veios abertos do solo haviam deixado que
se derramasse desordenadamente, e o fogo saía das vísceras da terra, e ainda
vinha o fogo do céu alimentar o da terra, e abrir, com a espada dos seus raios,
novas feridas na terra, que tremia em uma convulsão espantosa, queimando,
destruindo, corroendo até à distância de estádios e mais estádios um lugar que
antes era um paraíso e fazendo dele este inferno que estais vendo, e no qual
não há sinal de vida.”
Os apóstolos
escutam atentamente... Bartolomeu pergunta: “Crês Tu que, se pudesse secar
estas águas espessas no fundo do Grande Mar, encontraríamos restos das cidades
castigadas?”
“Com certeza. E até coisas quase
intactas, porque a espessura das águas faz como a cal, recobrindo e conservando
as cidades que foram sepultadas. Mas o Jordão espalhou muita areia sobre elas.
E elas ficaram sepultadas duas vezes, para que não possa levantar-se mais, e
são o símbolo daqueles que, obstinados em suas culpas, estão inexoravelmente
sepultados pela maldição de Deus e pela prepotência de Satanás, ao qual, com
tanta paixão eles serviram em suas vidas. E foi aqui que se refugiou Matatias
de João de Simão, o justo astomeu, com seus filhos, é uma glória de todo
Israel. Foi aqui. Por entre estes montes e desertos, foi aqui que ele reformou
o povo e o exército, e Deus esteve com ele. Mas, pelo menos... Para ele foi
mais fácil, porque os Assideus foram mais justos do que os fariseus para
comigo!”
“Oh! Ser
mais justo que os fariseus é até fácil. É mais fácil ainda do que ferir-se com
este espinho, que se agarrou às minhas pernas...Olhai-o aqui”, diz o Pedro que,
enquanto estava escutando, não olhou para o chão, e viu-se envolvido por uma
moita de espinheiro, que o fez sangrar nas pernas.
“Nos
montes há menos espinhos. Estás vendo como a estão diminuindo?”, conforta-o
Simão, o Zelotes.
“Hum! És
muito prático.”
“Por aqui
vivi eu, proscrito e perseguido.”
Pg. 195-197
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390 – A FÉ DE ABRAÃO DE ENGADI E A
PARÁBOLA DA SEMENTE DE PALMEIRA
O homem,
já bastante velho, vem para a frente. Está comovido. Gostaria de falar, falar,
mas, na emoção em que está, não se lembra de nenhuma daquelas palavras que ele
havia preparado. Ele se curva para ajoelhar-se, apoiando-se em seu bastão, mas
Jesus o impede de fazê-lo, e o abraça primeiro, dizendo: “Paz ao
velho e justo filho de Deus!”, e ele, cada vez mais comovido,
só sabe responder: “Louvado seja Deus! Meus olhos viram o Prometido. E, que é
mais que eu devo pedir a Deus?”, e, levantando os braços, numa postura
hierática, entoa o salmo 34 de Davi: “Esperei ansiosamente o Senhor, e Ele para
mim voltou.” Mas não o recita todo. Só diz nos pontos que se referem ao
acontecimento: “Ele ouviu o meu grito, e me tirou do abismo da miséria e da
lama do pântano... Ele pôs em minha boca um cântico novo. Feliz do homem que
pôs sua esperança no Senhor. Muitas coisas maravilhosas Tu fizeste, ó Senhor
meu Deus, e não há quem te iguale em teus desígnios. Eu quereria enunciá-los,
falar sobre eles, mas sua multiplicidade está além de todos os números. Tu não
quiseste sacrifícios nem oblações, mas me abriste os ouvidos... (E se comove
sempre mais) Está dito que devo fazer a tua vontade... A Lei está no meio do
meu coração. Eu anunciei a tua justiça à grande assembleia. Eis que eu não
conservei fechados os meus lábios, Tu o sabes, ó Senhor. Não conservei
escondida dentro de mim a tua justiça, proclamei a tua verdade e a salvação que
vem de Ti...
Mas Tu, ó
Senhor, não afastes de mim a tua compaixão. Desgraças sem número, (e chora em
um choro solto, e vai dizendo as palavras com uma voz de quem já fosse mais
velho e trêmula, por causa do pranto) vieram sobre mim... Eu sou um mendigo e
um necessitado, mas o Senhor toma cuidado de mim. Tu és a minha ajuda, o meu
protetor, ó meu Deus, não tardes!” Este é o salmo, meu Senhor, e eu acrescento
palavras minhas: “Dize-me: “Vem”, e eu te direi o que diz o salmo: “Eis que eu
vou.”
E ele se
cala, chorando, com toda aquela fé que se vê em seus olhos, ofuscados pelos
anos. As pessoas explicam: “A filha dele morreu, deixando-lhe netinhos
pequenos. A mulher ficou cega e hebetada, por causa dos muitos sofrimentos, e
do único filho homem ela nem tem notícia. Ele sumiu assim de um dia para
outro...”
Jesus põe
a mão sobre o ombro do velho, e lhe diz: “Os sofrimentos do justo têm a rapidez
de uma andorinha, em comparação com a duração do prêmio eterno. Mas
devolveremos à tua Sarai seus olhos de outros tempos, e a mente dos seus vinte
anos, a fim de que conforte a tua velhice.”
“Ela se
chama Colomba”, lembra alguém do povo.
“Para
ele, ela é a sua princesa.
Mas agora ouvi a parábola que Eu vos
apresento.”
“Mas,
antes, não libertarás das trevas os olhos e a mente de minha mulher, para que
ela também possa saborear o que é a Sabedoria?”, pergunta ansioso o velho
sinagogo.
“Podes tu crer que Deus tudo pode, e
que de um outro mundo é que vem o seu poder?”
“Sim, ó
Senhor. Eu me lembro de uma tarde de muitos anos atrás. Naquele tempo eu estava
feliz, e acreditava também na alegria. Porque assim é. O homem, enquanto está
feliz, pode até esquecer-se de Deus. Eu cria em Deus também naquele tempo de
alegria, na qual minha mulher era jovem e sadia, e me estava criando a Elisa,
jovem bonita como uma palmeira, já prometida em casamento, e a Elisa a igualava
em beleza, e a superava em robustez, o que é a alegria de um homem... Eu tinha ido
com o menino às fontes, perto dos vinhedos, que são de Colomba, deixando a
mulher e a filha nos teares em que estava sendo tecido o enxoval de
casamento... Mas talvez eu te esteja aborrecendo? O infeliz sonha com a alegria
passada, recordando-se dela... mas ela aos outros não interessa.”
“Fala,
fala.”
“Eu tinha
ido com o menino as fontes. Se Tu vieste pela estrada do ocidente, sabes onde
elas estão. As fontes estavam no limite do bendito lugar. Olhando, podia
ver-se, lá adiante, o deserto, a estrada branquicenta com suas pedras romanas
que, então, estavam ainda bem visíveis sobre as areis de Judá... Depois...
sumia até aquele sinal! E não é nada perder-se um sinal na areia! Mas é um mal
que ele tenha sumido, pois era o sinal de Deus, mandado para mostrar-te aos
espíritos de Israel. A muitíssimos espíritos!
O meu
filho homem disse: “Pai! Olha! Uma grande caravana com cavalos, camelos, com
servos e senhores, ao redor de Engadi. Talvez estejam vindo ás fontes, antes
que chegue a tarde... levantei os olhos dos sarmentos, que eu estava
escolhendo, cansados depois de uma grande vindima, e vi... Os homens tinham
mesmo vindo ás fontes. Eles apearam, e me viram, e me perguntaram se podiam
acampar-se naquele lugar por uma noite.
“Engadi
tem hospedarias, e está perto daqui”, responde-lhes eu.
“Não, nós
vamos ficar acordados, a fim de estarmos prontos para fugir, porque Herodes nos
está procurando. Daqui os guardas verão a estrada toda, e será fácil fugir de
quem nos está procurando.”
“Qual foi
a falta que cometestes?”, perguntei eu, espantado, e pronto a mostrar-lhes as
cavernas de nossos montes, como a um costume sagrado para com os perseguidos. E
acrescentei: “Vós sois estrangeiros e de lugares diferentes... Eu não sei como
é que tereis podido cometer faltas contra Herodes...”
“Nós
fomos adorar o Messias, que nasceu em Belém de Judá, e até Ele guiou-nos a
estrela do Senhor. Herodes o está procurando para dar-lhe a morte. Talvez nós
também encontremos a morte, nos desertos, indo por algum caminho longo e
desconhecido, mas não denunciaremos o Santo, que desceu dos Céus.”
O
Messias! O sonho de todo verdadeiro israelita! O meu sonho! E Ele já estava no
mundo. E estava em Belém de Judá, como havia sido predito! Eu pedi, tendo sobre
o coração o meu menino, notícias e mais notícias, dizendo: “Escuta, Eliseu!
Procura lembrar-te, tu certamente o verás!” Eu já estava com cinquenta anos, e
não esperava mais vê-lo, nem esperava viver tanto para poder vê-lo, já homem
feito... Eliseu já não o pode mais adorar.”
O velho
chora novamente. Mas continua, e diz: “Os três Sábios falaram com paciente
doçura, e te descreveram em tua santidade infantil, falaram da Mãe e do pai...
Eu teria passado a noite com eles, mas Eliseu estava dormindo em meus braços.
Saudei os três Sábios, prometendo-lhes calar-me para não dar ocasião a
possíveis delações contra eles. Mas a Colomba, no quarto nupcial, eu narrei
tudo, e isso foi o sol em nossas futuras desventuras. Depois ficou-se sabendo
do morticídio..., e, por muitos anos sem saber se Tu te tinhas salvado. Mas
agora o sei. Contudo, somente eu, porque Elisa morreu, Eliseu não está mais
aqui, e Colomba não pode entender a feliz notícia... Mas a fé no poder de Deus,
já viva, tornou-se perfeita, desde aquela longinqua tarde, na qual três homens
de raças diferentes deram testemunho do poder de Deus, com a união que havia
entre eles, pela voz dos astros e das almas, indo pelo caminho de Deus, para
adorarem o seu Verbo.”
“E a tua fé será premiada. Agora
escutai. Que é a fé? É parecida com uma dura semente de palmeira, que as vezes
é minúscula, formada por uma breve frase: “Deus existe”, e alimentada por uma
afirmação: “Eu o vi”. Assim como foi a fé de Abraão em mim pelas palavras dos
três sábios do Oriente. Assim como foi a fé de nosso povo, desde os mais
antigos patriarcas, transmitidas por uns aos outros, de Adão aos pósteros, de
Adão pecador, mas que teve suas palavras acreditadas quando disse: “Deus
existe, e nós aqui estamos, porque Ele nos criou. E eu o conheci.” Assim como
foi aquela fé, cada vez mais perfeita, porque cada vez mais revelada, que veio
mais tarde, e que é a nossa herança, que brilha nas manifestações divinas, nas
aparições angélicas, nas luzes do espírito. São sementes sempre pequeninas, em
comparação com o infinito. Pequeninas sementes. Mas elas, lançando raízes,
abrindo a camada dura da animalidade cheia de dúvidas e com suas tendências,
triunfando das ervas nocivas das paixões, sobre o mofo do aviltamento, sobre a
traça dos vícios, sobre tudo, ergue-se nos corações, cresce, joga-se em direção
ao sol, ao céu, e vai subindo, subindo... até ver-se livre das restrições da
carne, e se une a Deus, em seu conhecimento perfeito, em sua posse completa,
que está para lá da vida e da morte, na verdadeira Vida.
Quem possui a fé, possui o caminho da
Vida. Quem sabe crer não erra. Vê, reconhece, serve ao Senhor, e tem a salvação
eterna. Para ele o Decálogo é uma coisa vital, e cada um dos seus mandamentos é
uma pedra preciosa, com a qual se vai enfeitando sua futura coroa. Para ele é
salvação a promessa do Redentor. Já havia morrido o homem de fé, antes que Eu
estivesse nesta Terra? Não importa. Sua fé o iguala aos que agora estão perto
de mim pelo amor e pela fé. Os justos que morreram logo se encherão de júbilo,
porque a fé deles continua na esperança do prêmio. Eu me irei embora, depois de
ter cumprido a vontade do meu Pai, e direi: “Vinde!” E todos os que morreram
com fé, subirão comigo para o Reino do Senhor.
Imitai na fé as palmeiras das vossas
terras, nascidas de pequeninas sementes, e tão fortes na vontade de crescer, e
de crescer assim tão eretas, já esquecidas do solo, mas enamoradas pelo sol,
pelos astros, pelo céu. Tende fé em Mim. Sabei crer naquilo que muito poucos em
Israel creem, e Eu vos prometo a posse do Reino celeste, pelo perdão da culpa
original, e pela justa recompensa a todos os que praticam a minha doutrina, que
é a dulcíssima perfeição do Decálogo de Deus.
Eu ficarei entre vós hoje e amanhã, que
é o sábado sagrado, e partirei ao romper do dia depois do sábado. Quem estiver
aflito venha a mim! Quem tem dúvidas venha a mim! Quem quer a Vida, venha a mim!
Venha sem temor, porque Eu sou a Misericórdia e o Amor.”
E Jesus
faz um amplo gesto de bênção para despedir-se de seus ouvintes, a fim de que
eles possam ir tomar sua refeição da tarde e o repouso, e já vai tomar o seu
caminho, quando uma velhinha, que até agora estava escondida no canto de uma
pequena rua, vem abrindo a multidão, que ainda está querendo ficar com o
Mestre, e, por entre a gritaria da mesma multidão assombrada, vai ajoelhar-se
aos pés de Jesus, dizendo em alta voz: “Bendito sejas Tu. E o Altíssimo que te
enviou! E as vísceras que te geraram e que são mais do que vísceras de uma
mulher, já que te puderam trazer.”
Um grito
de homem se une ao dela: “Colomba! Oh! Tu estás vendo! Tu estás entendendo. Tu
estás falando e reconhecendo com sabedoria o Senhor! Oh! Deus dos meus pais!
Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó! Deus dos Profetas. Deus de João, o
Profeta! Deus! Meu Deus! Filho do Pai! Rei como o Pai! Salvador, em obediência
ao Pai. Deus como Pai, e meu Deus, Deus do teu servo! Que Tu sejas bendito,
amado seguido e adorado para sempre!”
E o velho
sinagogo cai de joelhos, ao lado da sua velhinha, e, abraçando-a com o braço
esquerdo, apertando-a ao coração, inclina-se e a faz inclinar-se para beijarem
os pés do Salvador, enquanto uma gritaria de alegria de todas as pessoas faz
vibrar os troncos das árvores, de tão forte que ela é, e espantar os pombos,
que já estavam pousados em seus ninhos, e que levantam voo, dão uma volta por
cima de Engadi, como se estivessem querendo espalhar por todos os lugares a boa
nova que é estar o Salvador do lado de dentro de seus muros.
Pg. 208 a
212
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394 – PARÁBOLA DAS DUAS VONTADES E
DESPEDIDA DOS CIDADÃOS DE KERIOT
Diz Jesus:
“Pessoas de Keirot, ouvi a minha
parábola de despedida. Daremos a ela o nome de “Parábola das duas vontades”. Um
pai cuidadoso tinha dois filhos, ambos por ele amados, com um amor igual e
cheio de sabedoria. Ambos iam sendo encaminhados por bons caminhos. Não havia
nenhuma diferença no modo de amá-los, nem no trato dado a eles. Mas havia uma
sensível diferença entre os dois filhos. Um, o primogênito, era humilde,
obediente, e, sem discutir, ia fazer a vontade do pai, sempre alegre e contente
com o seu trabalho.
O outro ainda que menor, estava quase
sempre pensando, e discutia com o pai e consigo mesmo. Sempre ficava pensando
com raciocínios muito humanos, sobre os conselhos e as ordens que recebia. E,
em vez de ir cumpri-las, como haviam sido dadas, prometia a si mesmo
modificá-las todas, ou em parte, como se aquele que lhe dera as ordens fosse
algum tolo.
O mais velho lhe dizia: “Não faças
assim. Estás fazendo nosso pai sofrer!” Mas o outro respondia: “Tu és um bobo.
Grandalhão e gordo como és, e, além disso, o primogênito, e já adulto, oh! Eu
não gostaria de ficar nessas condições em que o pai te colocou. Eu gostaria de
fazer outras coisas. Por exemplo, eu me imporia aos servos. Para que eles
compreendessem que eu sou o patrão. Tu ficas parecendo ser um servo também, com
essa tua mansidão sem limites. Será que não estás vendo como resultado teres
que passar como sem ser visto em todos os teus direitos pela primogenitura?
Vendo isso, qualquer pessoa até zomba de ti...”
O segundo filho estava sendo tentado e
mais do que tentado, ele era um aluno de Satanás, cujas insinuações ele com
atenção punha em prática, ao procurar tentar o primogênito. Mas este fiel ao
Senhor no respeito à Lei, conservava-se fiel ao seu pai, ao qual ele honrava
com um procedimento correto.
Passaram os anos, e o segundo filho
aborrecido porque não podia reinar como queria, depois de ter feito muitas
vezes ao pai este pedido: “Dá-me a ordem de agir em teu nome, para a tua honra,
em vez de ficar sustentando aquele bobalhão, que é mais manso do que uma
ovelhinha”, e depois de ter tentado forçar o irmão a fazer coisas sem ordem do
pai, para assim impor-se aos servos, aos cidadãos e aos confinantes, disse a si
mesmo: “Oh! Já basta! Do modo como vão as coisas, está em jogo até o nosso bom
nome! E, como ninguém quer fazer nada, eu vou fazer”. E começou a fazer coisas
por sua cabeça, entregando-se à soberba e à mentira, e desobedecendo sem
escrúpulos.
O pai lhe dizia: “Meu filho, obedece ao
primogênito. Ele sabe o que faz.” E lhe dizia: “Disseram-me que fizeste tal
coisa. É verdade?” E o segundo filho respondia com um escolher de ombros a cada
uma das observações paternas.
“Sabe, ele é tímido demais e hesitante.
Ele perde as ocasiões de ganhar. ”E dizia: “Eu não fiz assim.” O pai lhe dizia:
“Não fiques indo à procura de ajuda deste ou daquele. Quem queres tu que te
ajude melhor do que nós, para tornar ilustre o teu nome? São os amigos falsos
que te estão incitando, para depois se rirem às tuas custas.” E o segundo filho
lhe respondia: “Estás com ciúme de ser eu quem toma as iniciativas? Afinal, eu
tenho certeza de que farei tudo bem.”
Passou mais algum tempo. O primeiro ia
sempre crescendo em justiça, e o outro continuava a nutrir as paixões más. Por
fim, o pai lhe disse: “É tempo de acabar com isso. Ou aceitas o que te foi
dito, ou perdes o meu amor.” O filho rebelde foi dizer isso aos seus falsos amigos.
“E tu ficas atado só por isso? Nada disso! Há um modo de pôr o teu pai na
impossibilidade de preferir um filho ao outro, Deixa o assunto conosco, e nós
vamos pensar nele. Tu ficarás sem culpa material, e a posse dos bens se tornará
florescente, porque, posto para fora o teu irmão que é bom demais, tu poderás
dar a ela um grande crescimento. Não sabes tu que é melhor tomar uma atitude
forte, ainda que dolorosa, do que ficar na inércia, que faz que se perca o que
já se possui? Foi o que lhe responderam. E o segundo filho, já saturado de má
vontade, aderiu, sem mais, aquela indigna tramoia.
Agora dizei-me. Por acaso, pode-se
culpar o pai por ter dado dois sistemas de educação aos dois filhos? Poder-se-á
dizer que ele foi cúmplice? A vontade do homem, por acaso, lhe foi dada
antecipadamente de dois modos? Não. Ela lhe foi dada de um só modo. Mas o homem
por sua conta a muda, e, quem é bom faz a sua vontade boa, ao passo que o mau
faz a sua vontade má.
Eu vos exorto, a vós de Keirot – e será
esta a última vez que Eu vos exorto a seguir caminhos de sabedoria – a seguir
somente a vontade boa. Já quase no fim do meu ministério, Eu vos digo as
palavras que foram cantadas, quando Eu nasci: “A paz é para os homens de boa
vontade”.
Paz! Seja o êxito feliz, seja a vitória
na terra e no Céu porque Deus está com quem tem boa vontade em obedecer-lhe.
Deus não olha tanto as obras altissonantes, que o homem faz por sua iniciativa,
mas a humilde obediência, pronta, fiel, às obras que Ele propõe.
Eu vos lembro dois episódios da
história de Israel. Duas demonstrações de que Deus não está onde o homem quer
agir por si mesmo, ao contrário da ordem recebida. Vejamos os livros dos
Macabeus. Neles está dito que, enquanto Judas Macabeu com Jônatas ia combater
em Galaad, ao passo que Simão ia livrar os outros da Galiléia, uma ordem havia
sido dada a José de Zacarias e ao Azarias, chefes do povo, para que
permanecessem na Judéia para defendê-la. E o Judas lhes disse: “Tomai cuidado
deste povo, e não traveis batalha com as nações, até a nossa volta.” E foram
feridos e vencidos, e grande foi a fuga do povo, porque não haviam prestado
atenção ao Judas e aos seus irmãos, pensando ainda que estavam agindo como uns
heróis. Mas era apenas soberba e desobediência.
E o que se lê nos livros dos Reis?
Lê-se que Saul foi reprovado uma e outra vez, e na segunda foi tão reprovado
por ter desobedecido, que Davi foi escolhido para o seu lugar. Por haver
desobedecido!
Lembrai-vos! Lembrai-vos!
Por acaso, o Senhor quer holocaustos ou
vítimas, ou quer que se obedeça à voz do Senhor? A obediência vale mais do que
os sacrifícios e a gordura dos carneiros. Porque a rebelião é como um delito de
maga, e não querer sujeitar-se é como um pecado de idolatria. Agora, visto que
rejeitaste a palavra do Senhor, o Senhor te rejeitou para que não sejas mais
rei.
Lembrai-vos! Lembrai-vos! Quando
Samuel, obediente, encheu de novo o chifre de óleo e foi à casa de Isaí, o
Belemita, visto que o Senhor havia escolhido para Si um outro rei, e, quando
Isaí entrou com os filhos para a refeição, depois do sacrifício, foram
apresentados a Samuel os seus filhos. Em primeiro lugar, Eliab, belo de rosto,
pela idade e pela estatura. Mas o Senhor disse a Samuel: “Não fiques olhando
para o rosto dele, nem para a altura de sua estatura, porque Eu o rejeito. Eu
não julgo conforme os modos de ver dos homens. Porque o homem olha para as
coisas que seus olhos veem, mas o Senhor vê o coração.” E Samuel não quis mais
tomar o Eliab para rei. Foi-lhe então apresentado o Aminadah. Mas Samuel disse:
“Não é este também o que o Senhor escolheu.” E Isaí lhe apresentou Sama. Mas
Samuel disse: “Nem este é o eleito do Senhor.” E assim aconteceu com os sete
filhos de Isaí, que estavam presentes à refeição. Então Samuel disse: “Estão
aqui presentes todos os seus filhos?”
“Não”, respondeu Isaí. “Ainda há um,
mas ainda menino. Ele está apascentando as ovelhas.”
Manda, então chamá-lo, porque não
iremos para a mesa, a não ser depois de ter ele chegado.” E Davi chegou. Era
louro e bonito, um menino. E o Senhor disse: “Unge-o. Ele é o rei.” Porque,
ficai sabendo disso para sempre, Deus escolhe a quem quer, e tira alguém que
perde o merecimento, por ter corrompido a sua própria vontade com a soberba e a
desobediência.
Eu não voltarei mais ao meio de vós,
depois desta vinda. O Mestre está para cumprir o seu ministério. Depois Ele
será mais do que Mestre. Preparai a alma para aquela hora, porque recordai-vos
bem de que, assim como o meu nascimento foi salvação para os que tiveram boa
vontade, assim também a minha assunção será salvação para aqueles que tiverem
sido de boa vontade em acompanhar-me como a seu Mestre, em minha doutrina, e
aos que me seguirem nela depois, mesmo depois da minha assunção.
Adeus, homens, mulheres, crianças de
Keriot. Adeus. Olhemo-nos bem nos olhos! Façamos que os corações, o meu e os
vossos, se unam em um abraço de amor e de despedida, e que o amor permaneça
sempre vivo, mesmo quando Eu não estiver mais aqui, nunca mais entre vós...
Aqui, na primeira vez que aqui vim, um justo expirou no beijo do seu Salvador,
em uma visão de glória... Aqui, nesta última vez que Eu venho, Eu vos abençoo
com amor...
Adeus! Que o Senhor vos dê fé,
esperança e caridade na medida perfeita. E vos dê amor, amor, amor. Para com
ele, para comigo e para com os bons, para com os infelizes, para com os
culpados, para com aqueles que levam em si o peso de uma culpa...
Recordai-vos. Sede bons. Não sejais
injustos. Lembrai-vos de que Eu sempre perdoei, não somente aos culpados, mas
envolvi todo Israel em meu amor. Todo Israel, que é composto de bons, e de não
bons, como uma família em que há bons e não bons, e seria injustiça dizer que
toda uma família é má, porque um dela é. Eu me vou... Se algum de vós ainda
precisa falar-me, venha dentro desta tarde, à casa de campo da Maria do Simão.”
Jesus
levanta a mão e abençoa, depois sai logo pela portinha secundária, acompanhado
pelos seus.
O povo
murmura: “Ele não volta mais!”
“Que é
que Ele quis dizer?”
“Na
despedida, Ele tinha lágrimas nos olhos...”
“Vós
ouvistes? Ele diz que vai ser levado!”
“Então,
tem mesmo razão o Judas! E, certamente depois como rei, Ele não estará mais
entre nós como agora...”
“É o Rei
Messias com certeza!”
“Mas,
não. É o Rei Redentor: O homem das dores.”
“Sim.”
“Não.”
Enquanto
isso, Jesus em passos rápidos, vai indo rumo à campina.
Pg.
228-232
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395 – AS DUAS MÃES INFELIZES DE KERIOT.
ADEUS A MÃE DE JUDAS
“Senhor,
não virás comigo, comigo sozinha, à casa de uma mãe infeliz? Isto é que eu
desejo mais do que qualquer outra coisa”, diz Maria de Simão, estando
respeitosamente à frente de Jesus, enquanto, depois da refeição do meio dia, os
apóstolos se espalharam para tomar descanso, antes de retomarem o caminho à
tarde. Jesus, por sua vez, está a sombra das macieiras, cheias de maçãzinhas
verdes, a caminho de amadurecerem, e parece que Maria está voltando a falar do
que já estava falando antes.
“Sim, mulher. Eu também tenho o desejo
de estar contigo, sozinho nestas últimas horas, como naquelas primeiras, quando
estive aqui. Vamos”. E tornam a entrar na casa,
Jesus para apanhar seu manto, e Maria o véu e o manto.
...”Não
me agrada fazer-te caminhar com este calor. Porque depois... nem poderemos
mais. E eu sempre desejei isto, mas sem ter nunca tido a coragem de to pedir.
Há pouco, Tu me disseste: “Maria, para mostrar-te que te amo, como se fosses
minha Mãe, eu te digo: pede-me o que desejas, e eu te contentarei”, e foi aí
que eu criei coragem. Senhor, sabes para onde estamos indo?”
“Não, mulher.”
“Estamos
indo a casa daquela que devia se a esposa do Judas... Devia. Mas não o é, nem
será nunca, porque Judas abandonou a menina, que morreu de dor, e a mãe tem
rancor de mim e do meu filho. Ela nos maldiz sempre... Judas é tão... é tão, é
tão fraco diante do mal, que só de bênçãos tem necessidade! Eu gostaria que Tu
falasses com ela... Tu a podes persuadir... dizer-lhe que foi até uma graça que
não tenha havido casamento... dizer-lhe que eu não tenho culpa nisso... dizer-lhe
que morra sem rancor. Pois a mulher vai morrendo lentamente, e com esse nó em
sua alma. Eu quereria que entre nós houvesse paz... porque com isso tenho
sofrido muito, com vergonha do que aconteceu, e com muita tristeza vejo
desfeita uma amizade, que me acompanha desde quando eu vim para cá, já casada.
Afinal, Tu sabes, Senhor...”
“Sim, não te aflijas. Justo é o teu
pedido, e Eu vou cumprir o encargo, que é bom.”
”Ana está
aqui, desde a morte de sua filha. Está em suas propriedades. Antes, morava em
Keriot. Mas, enquanto lá viveu, e nos encontrávamos, as suas reprovações me
dilaceravam o coração.”
Entram
por um caminho, pouco antes de chegarem ao povoado, e chegam a uma casa baixa,
no meio dos campos.
“Eis! Meu
coração treme, agora que aqui estou... Ela não vai querer me ver, me
expulsará... ficará inquieta, e o seu pobre coração sofrerá ainda mais...
Mestre...”
“Sim. Eu vou. Tu, fica aqui, até que Eu
te chame. E, reza para ajudar-me.”
E Jesus
vai a frente sozinho, e chega até à porta escancarada da casa, aonde entra com
sua doce saudação. Aparece uma mulher: “Que queres? Quem és?”
“Venho dar um alívio à tua patroa.
Leva-me a ela.”
“Um
médico? Não adianta! Não há mais esperança. O coração dela está morrendo.”
“Existe também a alma para se curar. Eu
sou o Rabi.”
“Não
serves, nem mesmo sendo tu o Rabi. Ela está inquieta contra o Eterno e não quer
ouvir pregações. Deixa-a assim.”
“É porque para tal estado é que Eu vim.
Deixa-me passar, e ela será menos infeliz em seus últimos dias.”
A mulher
encolhe os ombros, e diz: “Entra!”
Um
corredor meio escuro e fresco, e algumas portas. No fundo, a última está semi-
aberta, e lá de dentro saem umas lamentações. A mulher vai até ela, e entra
dizendo: “Minha patroa, aí está um Rabi que quer te falar.”
“Para
que? Para dizer-me que estou amaldiçoada? Que não terei paz nem na outra
vida?”, diz arquejante e inquieta a doente.
“Não, para dizer-te que a tua paz será
completa, e feliz serás como a tua Joana para sempre”, diz Jesus, aparecendo sobre a soleira.
A doente,
amarela, inchada, arquejante sobre sua caminha, apoiada a muitas almofadas,
olha para Ele e diz: “Oh! Que palavras! É a primeira vez que um rabi não me
censura... Que esperança! A minha Joana... comigo... na felicidade... não
haverá mais dor... a dor causada por um maldito...não impedido por aquela que o
gerou... e que me traiu... depois de me ter lisonjeado... Infeliz da minha
filha...”, e arqueja sempre mais forte.
“Estás
vendo? Tu a fazes passar mal. Eu sabia disso. Vai para fora.”
“Não. Vai para fora tu. Deixa-me só com
ela.”
A mulher
sai sacudindo a cabeça. Jesus se aproxima lentamente da cama dela. Enxuga com
delicadeza o suor da enferma, que estava procurando fazê-lo com suas mãos
incrivelmente inchadas, e a abana com um leque de palmeira. Dá-lhe de beber,
tendo visto que ela procura um refrigerante entre as bebidas que estão sobre a
mesinha. Ele parece um filho ao lado da mãe enferma. Depois, Ele se assenta de
modo delicado, mas firmemente decidido a cumprir a sua missão. A mulher o
observa, e vai-se acalmando e, com um sorriso sofredor, diz: “És belo, e és
bom. Quem és Tu, ó Rabi? Tens a delicadeza de minha filha dileta, ao me dares
este conforto.”
“Eu sou Jesus de Nazaré.”
“Tu? Tu?
Em minha casa? Porque?”
“Porque Eu te amo. Tenho uma Mãe Eu
também, e em cada mãe vejo a minha, e, nas lágrimas das mães, vejo as da minha
dileta ao dar-me conforto.”
“Porque?
A tua mãe chora? Porque? Ter-lhe-á morrido algum outro filho?”
“Estou vivo... por enquanto. Eu sou o
seu Unigênito, e ainda chora desde já, porque sabe que devo morrer.”
“Oh! Oh!
Infeliz! Saber antes que um filho deve morrer! Mas, como é que ela sabe disso?
Tu estás são. Estás forte. És bom. Eu tive ilusões, até que ela morreu, e
estava tão doente! Mas, como é que pode tua mãe sabes que Tu deves morrer?”
“Porque Eu sou o Filho do homem,
predito pelos Profetas. Sou o Homem das dores visto por Isaías, o Messias
cantado por Davi, o Redentor, mulher. E a morte me espera, horrenda... e minha
mãe assistirá a ela... e minha mãe sabe, desde que Eu nasci, que o seu coração
será aberto, como o Meu, pela dor... Não chores. Com a minha morte, abrirei as
portas do Paraíso para a tua Joana...”
“Também
para mim! Também para mim!”
“Sim. A seu tempo. Mas antes deves
aprender a amar e a perdoar... Senão, não poderás entrar no Céu, com a Joana e
Comigo.”
A mulher
chora com ansiedade. E geme, dizendo: “Amar... Amar, quando os homens nos
ensinam a odiar... quando Deus nos desamou, deixando de ter piedade, é
difícil... Como amar, quando os homens nos torturam, e feriram as amigas, e Deus
nos abandonou?”
“Não! Não abandonou. Eu estou aqui para
fazer-te promessas celestes. Para teres a certeza de que tal dor terminará em
alegria, contanto que tu queiras. Ana, escuta-me... Tu choras por um casamento
anulado, e fazes disso a causa de todas as tuas dores, e acusas de assassino um
homem por causa disso, e de cúmplice a infeliz mãe dele. Escuta, Ana. Não
passarão mais do que poucos meses, e tu verás que foi uma graça do Céu que a
Joana não tenha sido mulher do Judas...”
“Não
digas o nome dele”, grita a mulher.
“Eu o digo. E para dizer-te que deves
das graças ao Senhor, e lhe darás essas graças dentro de poucos meses.”
“Eu
estarei morta em breve...”
“Não. Estarás viva, e te lembrarás de
Mim, e compreenderás que existem dores maiores do que a tua.”
“Maiores?
Não é possível!”
“Que tamanho achas que pode ter a dor
da minha Mãe, que me verá morrer na cruz?” Jesus se
levantou. Está impressionante. “E qual achas que pode ser o tamanho da dor da mãe do filho
que vai trair Jesus Cristo, o Filho de Deus? Pensa, mulher, nessa Mãe. Tu, e
toda Keriot, e as campinas, e o além delas se compadecem de ti em tua dor!
Disso tu tens podido gloriar-te, como de uma coroa de mártir. Mas, e aquela
mãe! Como Caim, sem ser Caim, mas sendo Abel, a vítima do seu filho traidor,
matador de Deus, sacrílego, maldito, ela não poderá suportar olhar o homem,
porque todos os olhares serão para ela como uma pedra de apedrejamento, e na
voz de cada homem, em cada palavra, lhe parecerá estar ouvindo uma maldição, um
impropério, e não encontrará refúgio sobre a terra nunca, até à sua morte,
enquanto Deus, que é justo não tomar consigo a Mártir, fazendo-a esquecer-se de
ser ela a mãe do matador de Deus, e lhe der a posse de Deus... Não é maior a
dor desta mãe?”
“Oh! Uma
dor sem medida!”
“Tu estás vendo... Sê boa, Ana.
Reconhece que Deus foi bom em seu modo de agir.”
“Mas,
minha filha morreu. Judas fez que ela morresse, para ir procurar um dote
maior... e a mãe dele o aprovou.”
“Não. Isto não. Eu te digo que não, Eu
que vejo os corações. Judas é meu Apóstolo, mas Eu o digo, agiu mal, e será
punido por isso. Mas a mãe dele é inocente. Ela te ama, e quereria que tu a
amasses. Ana, vós sois duas mães infelizes. Mas tu ainda podes gloriar-te da
tua menina morta, inocente, pura, que o mundo celebra com honra. Maria do Simão
não pode gloriar-se de seu filho. As suas ações são censuradas pelos homens.”
“Isso é
verdade. Mas se tivesse casado com a Joana, não seria censurado.”
“Mas, dali a pouco terias visto a Joana
morrer de dor, porque Judas morrerá de morte violenta.”
“Que
dizes? Oh! Infeliz da Maria! Quando? Como? Onde?”
“Daqui a pouco. E de uma maneira
horrível... Ana, Ana! Tu és boa. Tu és mãe! Tu sabes o que é a dor de uma mãe!
Ana, volta a ser amiga da Maria! Que a dor vos uma, como antes vos deve ter
unido a alegria. Deixa-me partir contente, por saber que ela terá uma amiga só,
pelo menos uma...”
“Senhor,
amar Maria... Queres dizer que eu a perdoe? É muito penoso... Parece-me estar
sepultando de novo a minha filha... que eu mesma a estou matando...”
“Esses pensamentos vem das Trevas! Não
dês ouvidos a eles. Escuta-me a Mim, que sou a Luz do mundo. A Luz que te diz
que foi menos amarga a sorte da Joana, morrendo virgem, do que morrendo como
viúva do Judas. Podes crer-me, Ana. E pensa que, mais do que tu, quem é infeliz
é Maria do Simão.”
A mulher
pensa, repensa, luta, chora e diz: “Mas eu a amaldiçoei, a ela e ao fruto de
suas vísceras! Eu pequei...”
“E Eu te absolvo do pecado. E, quanto
mais a amares, mais absolvida serás no Céu.”
“Mas, se
eu for amiga dela... terei que encontrar-me com Judas. E eu não posso, Senhor,
fazer isso!”
“Tu não te encontrarás mais com ele. Eu
não voltarei mais a Keriot, e Judas também não. Já nos despedimos das pessoas
da cidade.”
“Oh! Tu o
disseste.”
“Que não voltarei aqui mais. Judas
disse que não poderá mais vir aqui até a assunção. Mas ele pensa que me vai ver
subir a um trono. Ao contrário, porém, o que me espera é a morte na cruz. Mas
tu não dirás isto. Nunca! Que a mãe não saiba disso, enquanto não estiver tudo
consumado. Tu o disseste: “Infeliz! Saber com antecedência que o filho deve
morrer. Mas, se os sofrimentos de minha Mãe, também por causa disso, já vão
aumentar os merecimentos do meu Sacrifício, para Maria do Simão, por piedade
para com ela, é bom o silêncio. Tu não falarás.”
“Não,
Senhor. Eu o juro em nome de minha Joana.”
“Eu quero uma outra promessa! Santa! Tu
és boa. Já me estás amando.”
“Sim.
Muito. Estou em paz, desde que chegaste aqui.”
“Quando a Maria do Simão não tiver mais
filho, e o mundo começar a cobri-la de escárnio, tu, só tu lhe abrirás a tua
casa e o teu coração. Tu me prometes? Em nome de Deus e de Joana, Ela teria
feito assim, porque Maria era sempre para ela a mãe do sempre amado”, insiste Jesus.
“Sim”, e
se põe a chorar.
“Deus te abençoe, ó mulher, e te dê paz
e saúde... “Vem, vamos ao encontro de Maria, para dar-lhe o beijo da paz...”
“Mas,
Senhor. Eu não posso caminhar. Estou com as pernas inchadas e entorpecidas.
Estás vendo? Estou aqui vestida assim, mas não sou mais do que um tronco.”
“Tu estavas assim. Vem”, e lhe estende a mão, convidando-a.
A mulher,
com seus olhos fixos no dele, move as pernas do lugar e as põe para fora da
cama, pousa os pés descalços no chão, levanta-se, caminha... Parece estar
fascinada. Ainda nem se deu conta de que houve uma cura... E vai saindo, sempre
levada pela mão de Jesus, ao longo do corredor meio escuro. E vai indo para a
saída. Já está quase chegando lá, quando encontra aquela empregada de antes, a
qual dá um grito de um alegre espanto. Acorrem outros empregados, com medo de
que aquilo seja um sinal da morte, pois estão vendo a patroa, pouco antes
moribunda e com rancor contra Maria do Simão, indo agora andando, com os braços
estendidos, tendo-se separado de Jesus, indo para a envilecida Maria, e
chamando-a sobre o coração, e as duas chorando...
E ao
voltar para sua casa, depois da saudação de paz, a Maria do Simão agradece ao
seu Senhor, e pergunta: “Quando virás para fazeres outro bem assim?”
“Nunca mais ó mulher. Eu já o disse aos
habitantes da cidade. Mas o meu coração estará sempre contigo. Lembra-te,
lembra-te sempre de que Eu sei que és boa e que Deus te ama por isso. Lembra-te
disso sempre. Até mesmo quando as horas forem terríveis. Não deixes que te
domine o pensamento de que Deus te julgue culpada. Aos olhos dele, tua alma
está e estará sempre ornada pelas pérolas do teu sofrimento, Maria do Simão,
mãe de Judas. Eu quero te abençoar, Eu quero te abraçar e beijar, para que o
teu beijo materno, sincero, fiel, me sirva de compensação por todos os
outros... e para que o meu beijo te compense por todas as dores. Vem, mãe de
Judas. E obrigado, obrigado por tudo o que me deste de amor e de honra”, e a abraça e beija na fronte como faz com Maria de Alfeu.
“Nós nos
veremos ainda! Eu irei à Pascoa!”
“Não. Não vás. Isto Eu te suplico.
Queres fazer-me feliz? Não vás. Mulheres na próxima Páscoa, não.”
“Mas, por
que?”
“Porque...irá haver um tremendo
alvoroço em Jerusalém, na próxima Páscoa. Não é lugar para mulheres! Ao
contrário... Maria, Eu darei ordens ao teu parente que vá ficar contigo. Ficai
juntos. Precisarás disso, porque ... o Judas, de agora em diante, não poderá
mais ajudar-te, nem vir...”
“Farei
como Tu dizes... Então nunca mais verei o teu rosto, no qual está refletida a
paz do Céu? Quanta paz derramaste dos teus olhos em meu coração cheio de dor!”
Maria chora.
“Não chores. A vida é breve. Depois me
verás para sempre no meu Reino.”
“Então,
Tu achas que a tua humilde serva entre nele?”
“Ah! estou vendo o teu lugar, na
formatura das mártires e das corredentoras. Não tenhas medo, Maria. O Senhor
será a tua eterna recompensa. Vamos, a tarde está chegando, e já é hora de nos
pormos a caminho.”
Voltam
pela estrada por onde vieram, por entre os campos e os pomares, até chegarem à
casa, onde os apóstolos estão esperando. Jesus abrevia as despedidas, abençoa,
põe-se à frente dos seus... E lá se vai... Maria chora de joelhos...
Pg. 232 a
239
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397 – DESPEDIDA DOS FIÉIS DE JUTA
“Porque assim é. A habitação de Deus
nos homens, e dos homens em Deus, se faz com a obediência à sua Lei, que começa
com um mandamento de amor, e que é toda amor, desde o primeiro até o último
mandamento do Decálogo. Esta é a verdadeira casa que Deus quer, e na qual Deus
abita, e o prêmio do céu, recebido pela obediência à Lei, e a verdadeira casa
em que habitareis para sempre. Porque, lembrai-vos de Isaias em seu capítulo
56. Deus não tem morada sobre a Terra, que é um escabelo, somente em escabelo
para a sua imensidade, mas tem como seu trono o Céu, que é sempre pequeno, um
nada para conter o Infinito, mas o tem no coração dos homens. Somente a
perfeitíssima bondade do Pai de todo amor é que pode conceder aos seus filhos
que o acolham, e é um infinito mistério, que cada vez mais se aperfeiçoa, isto
de poder estar o Deus Uno e Trino, o puríssimo Triniforme Espírito, no coração
dos homens. Oh! Quando, quando, ó Pai Santo, Tu me darás o poder de fazer
destes que te amam não mais, não mais somente um Templo para o Espírito Santo,
mas, pela Tua perfeição de amor e de perdão, um tabernáculo, fazendo de cada
coração fiel a arca na qual esteja o verdadeiro Pão do Céu, como ele esteve no
seio da Bendita entre todas as mulheres?
Oh! Meus muito amados discípulos de
Juta, que me foi preparada por um justo, tende na mente o Profeta e o que ele
diz, pois é o Senhor quem fala, dirigindo-se aqueles que edificam uns vazios
templos de pedra, nos quais não há justiça nem amor, e não sabem edificar em si
o trono do Senhor, por meio da obediência aos seus mandamentos. Diz o Profeta:
“Que é essa casa que vós me edificareis, e que lugar é esse do meu repouso?” E
Ele quer dizer: “Credes que me tendes convosco, porque erigis para mim umas pobres
paredes? Credes que me dais alegria com as vossas mentirosas práticas das quais
não dais uma prova de sinceridade por meio da vossa santidade de vida?” Não.
Deus não se interessa pelas exterioridades, que escondem chagas e um vazio,
como o manto de ouro jogado sobre um leproso, ou sobre uma estátua de argila,
oca, sem a vida da alma. E diz o Senhor, confessando Ele mesmo, Ele, o dono do
mundo, a sua pobreza como Rei com muito poucos súditos, de Pai com muitos
filhos fugitivos de sua morada: “A quem dirigirei meu olhar, senão ao
pobrezinho, ao contrito de coração, que treme diante da minha palavra?” Por que
ele treme? Só por medo de Deus? Por um profundo respeito, por um verdadeiro
amor. Por humildade de súdito, de filho, que diz, que reconhece que o Senhor é
tudo, e ele nada, e treme de emoção, sentindo-se amado, perdoado, socorrido
pelo Tudo.
Oh! Não procureis Deus entre os
soberbos! Lá Ele não está. Não o procureis entre os duros de coração. Lá Ele
não está. Não o procureis entre os impenitentes. Lá Ele não está.
Mas Ele está nos simples, nos puros,
nos misericordiosos, nos pobres de espírito, nos mansos, naqueles que choram
sem fazerem imprecações, nos que procuram a justiça, nos perseguidos, nos
pacatos. Nestes está Deus. E está naqueles que se arrependem e querem perdão,
procuram fazer expiação. E não fazem, todos esses, o sacrifício de um boi, ou
de uma ovelha, a oblação disto ou daquilo para serem aplaudidos, ou pelo
supersticioso terror de um castigo, pela soberba de parecerem perfeitos. Mas fazem
o sacrifício de seu coração contra o humilhado, se são pecadores, ou do seu
coração obediente, até o heroísmo, se são justos. Eis aí o que agrada o Senhor.
Eis quais são as ofertas pelas quais Ele se doa, com seus inefáveis tesouros de
amor e de delícias sobrenaturais. Aos outros Ele não se doa. Estes já têm as
suas pobres delícias nas abominações, e é inútil que Deus os chame pelos seus
caminhos, visto que eles já escolheram o seu caminho. A esses tais, só lhes
enviará o abandono, o terror, a punição, porque não corresponderam ao Senhor,
não obedeceram, mas fizeram mal diante dos olhos de Deus, com escárnio e com
especial malvadez.
Mas vós, meus diletos de Juta, vós que
tremeis de amor, ao conhecerdes a Deus, vós que, por causa de Mim sois tratados
com escárnio pelos poderosos, como se fôsseis uns estultos, e que continuais a
amar-me, apesar dos escárnios, vós que sois rejeitados, e ainda mais, sempre
mais o sereis por causa de Mim e do meu nome, repudiados como bastardos por
Israel, como bastardos de Deus, enquanto que justamente em vós, e em quem é
como vós, é que está enxertado o sarmento de Vida Eterna, daquele que tem sua
raiz no Pai, e que por isso sois parte de Deus, e viveis da sua seiva, vós a
quem quereriam persuadir de que estais em erro, vós, a cujos olhos simples, mas
iluminados pela graça, quereriam justificar, para não parecerem sacrílegos ou
malfeitores, vós a quem foi dito: “Que o Senhor mostre a sua glória, e o seu
reconhecimento pela vossa própria alegria, só vós tereis a alegria.” Eles ficarão
confusos.
Oh! Eu já estou percebendo, depois da
confusão que os esmagará, mas não os tornará melhores, Eu já percebo as
víboras, que não cessam de fazer mal, a não ser quando lhes é esmagada a cabeça
execranda, e que mordem e matam, mesmo se forem partidas em duas, mesmo quando
conseguem levantar apenas a cabeça, estando sob a esmagadora manifestação de
Deus, já os ouço gritar: “Como pode o Senhor ter dado a luz, assim tão de
repente, o seu novo povo, se nós, que fomos trazidos durante tanto tempo em seu
seio, ainda não nascemos para a Luz? Pode uma mulher dar a luz, sem que o
barulho das dores encha a casa? Antes do tempo, já alguma vez deu à luz o
Senhor? Pode a Terra em um só dia dar à luz, podem ser dadas à luz todas juntas
as pessoas de um povo?”
Eu respondo, e lembrai-vos desta
resposta, para a poderdes dar àqueles, que vos perseguirem, escarnecendo-se de
vós: “Nunca teriam podido nascer para a Luz aqueles que são frutos mortos no
seio de Deus, fruto que secou, porque se afastou do útero e ficou inerte, como
um mal escondido no seio, até parecendo um embrião ainda incompleto. E, para
expelir a semente morta do seu seio, e ter filhos, para que não morra o seu
Nome sobre a Terra. Deus se tornou fecundo em novos filhos, assinalados com o
seu Tau, e, em segredo, no silêncio, a fim de que Satanás e os satanases que
servem a Lúcifer não pudessem causar-lhe dano, começando antes da hora, por
causa do ardor do amor, Ele deu à luz o seu Homem, e dá a luz ao mesmo tempo o
seu povo, porque o Senhor tudo pode.” Oh! Ele bem que o diz pela boca do
Profeta Isaías: “E por acaso, Eu não poderei dar a luz, Eu que faço a outros
darem a luz? Eu, que concedo aos outros a fecundidade, serei Eu estéril?”
Alegrai-vos com a Jerusalém dos Céus, exultai com ela, vós todos que amais o
Senhor! Alegrai-vos com ela em verdadeira alegria, vós que aguardais, vós que
sofreis!
Oh! Voltai, voltai para Mim, ó
palavras! Palavras vindas do Verbo de Deus. Palavras ditas pelo porta-voz de
Deus, Isaías, seu Profeta. Vinde, votai à Fonte, ó palavras eternas, para
serdes espalhadas sobre este canteiro de Deus, sobre este rebanho, sobre esta
prole! Oh! Vinde! Esta é uma das horas e das assembleias para as quais fostes
proferidas, ó palavras proféticas, ó som de amor, ó vozes da verdade!
Eis que elas vêm vindo! Eis que Eu, em
nome do Pai, do meu Ser e do Espírito, as digo a estes amados por Deus, os
escolhidos por entre o rebanho de Deus, que devia ser todo de cordeirinhos, mas
se corrompeu com carneiros e animais ainda mais imundos. Vós sugareis, e
ficareis saciados, nos úberes da Consolação divina, e extraireis abundantes
delícias da copiosíssima glória de Deus.
Eis! Diz-vos o Senhor: “Eu derramarei
sobre vós como que um rio de paz, e como uma torrente que limpa, derramarei
sobre vós muito mais do que a glória das nações.” A glória do Céu vos inundará.
Vós a sugareis, sereis levados sobre o seu seio, e sobre os seus joelhos sereis
acariciados. Assim como a mãe acaricia o menino, assim como Eu estou
acariciando este pequenino, ao qual Eu pus o meu nome, assim Eu consolarei a
vós, que me amais e me continuareis a amar, e logo virá o dia em que sereis
consolados para sempre no meu Reino. Vós o vereis, e o vosso coração estará
cheio de alegria, e os vossos ossos, como a erva, reverdecerão, ó vós, livres
de todo medo, porque sois fiéis a Mim, quando o Senhor vier no fogo, sobre uma
carruagem semelhante a um turbilhão, para guiar no fogo do amor e da justiça, e
para punir ou exaltar, separando os cordeirinhos dos lobos, isto é, daqueles
que achavam estar se santificando, mas, pelo contrário, se tornaram idólatras.
O Senhor que agora vai partir, virá, e
felizes daqueles que Ele encontrar perseverantes até o fim. Este é o meu adeus,
e com ele vos dou a minha bênção. Ajoelhai-vos, para que Eu vos fortaleça com
ela. O Senhor vos abençoe e vos guarde. O Senhor vos mostre a sua face, e tenha
misericórdia de vós. O Senhor vos dê a sua paz. Ide! Deixai que Eu me despeça
dos bons entre os bons de Juta.”
E as
pessoas vão saindo com pesar. Mas quando um menino, por primeiro diz: “Senhor,
deixa que eu te beije a mão”, e Jesus consente, todos querem dar um beijo sobre
as carnes santas do Cordeiro. São beijos de crianças em seu rosto, beijos de
velhos sobe as mãos, beijos de mulheres em seus pés desnudos por entre a grama,
e que se prosternam com palavras de adeus e de bênção. Jesus, com paciência, os
acolhe, e tem para todos uma saudação particular. Finalmente, todos foram
contentados... Só falta a família que o hospedou. Todos dela abraçam a Jesus. E
a Sara diz: “Não voltarás mais mesmo?”
“Não mulher. Nunca mais. Mas não
estaremos separados. Meu amor estará sempre contigo, convosco, e o vosso
comigo. Não vos esqueceis de mim, Eu o sei. Mas Eu vos digo: mesmo nas horas
mais terríveis, que estão para vir, não deis acolhida à mentira, nem mesmo como
a uma hóspede de passagem, ou como a uma invasora imprevista... Dá-me cá o
pequenino, Sara.”
A mulher
lhe entrega Jesai, e Jesus se assenta sobre a grama, com o pequenino no colo, e
fica falando com o rosto inclinado sobre os cabelinhos do pequeno: “Lembrai-vos
sempre de que Eu sou o Cordeiro que Isaque vos ensinou a amar, até mesmo antes
que me conhecêsseis. E que um cordeiro é sempre inocente, como este menino,
mesmo quando ele é apresentado vestido com a pele de lobo, para fazê-lo passar
por um malfeitor. Lembrai-vos de que Eu sou ainda mais inocente do que este
pequenino que, feliz dele, por sua inocência e meninice, não poderá compreender
a calúnia dos homens, a respeito do seu Senhor, e por isso não ficará
perturbado por ela... mas continuará a honrar-me como agora... Tende um coração
como ele, tende-o por cordeiro, considerai-o amigo, inocente como o Salvador,
que vos ama e abençoa de uma maneira toda especial. Adeus Maria! Vem dar-me um
beijo... Adeus, Emanuel! Vem tu também... Adeus, Jesai, cordeirinho do
Cordeiro... Sede bons... Amai-me...”
“Tu estás
chorando, Senhor?!”, pergunta, espantada a menina, vendo brilhar uma lágrima
por entre os cílios de Jesus.
“Ele está
chorando?”, pergunta o marido de Sara.
“Tu estás
chorando, ó Mestre! Por quê?”, pergunta a mulher.
“Não vos entristeçais com o meu pranto,
É amor e bênção...Adeus Sara. Adeus, homem. Vinde, como os outros, beijar o
vosso amigo, que vai-se embora...”, e tendo
recebido em suas mãos o beijo dos dois esposos, coloca de novo o menino nos
braços da mãe, abençoa de novo, e depois, determinado, começa a descida pela
mesma estradinha por onde veio.
As
palavras de adeus dos que ficam e acompanham, profundas são as do homem,
comovidas as da mulher, gritadas as dos meninos, e vão até o pé da colina.
Depois vem a torrente, seguindo a qual, eles tornam a subir, rumo ao norte, e
só ela é que continua a saudar o Mestre, que vai deixando para sempre as terras
de Juta.
Pg. 246 a
251
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398 – DISCURSO DE DESPEDIDA DE HEBRON E
AS ILUSÕES DE JUDAS ISCARIOTES
“Filhos de Deus, povo de Hebron,
escutai! Para que não sejais perturbados e arrastados para o erro no julgamento
de vosso Salvador, como o fostes para com a pecadora, Eu vim para confirmar-vos
e fortalecer-vos na fé. Eu venho dar-vos uma provisão para vossa viagem, a
minha palavra, a fim de que ela permaneça luminosa em vós, na hora das Trevas,
e Satanás não vos faça desencaminhar-vos do caminho do Céu. Dentro de pouco
tempo, horas virão em que os vossos corações gemerão, dizendo as palavras do
Salmo de Asaf, o cantor-profeta, e vós direis: “Por que, ó Deus, Tu nos
rejeitaste para sempre? Por que o Teu furor se acende contra as ovelhinhas, que
por Ti foram apascentadas?”, e, na verdade, em que podereis, então, alegar como
um direito de proteção a Redenção que já se terá completado e gritar: “Este é o
teu povo, e tu o redimiste”. Para invocardes proteção contra os inimigos que terão
praticado toda espécie de males no verdadeiro Santuário, onde Deus está como no
Céu, contra o Cristo do Senhor, e terão abatido o Santo, em primeiro lugar, e
procurarão depois os muros dele, que são os seus fiéis. Verdadeiros
profanadores e perseguidores de Deus, mais do que foram Nabucodonosor e
Antíoco, e mais do que os do futuro, eles já estão levantando as mãos para me
abaterem, em sua soberba sem limites, que não quer converter-se, que não quer
ter fé, caridade, justiça, e que como o fermento em um punhado de farinha,
incha e transborda para fora do Santuário, que se tornou a cidadela dos
inimigos de Deus.
Meus filhos, escutai! Quando fordes
perseguidos por me terdes amado, fortalecei o vosso coração, pensando que,
antes de vós, fui Eu o perseguido. Lembrai-vos de que eles têm na garganta o
uivo dos seus gritos de triunfo, e já estão preparando suas bandeiras, para as
desfraldarem na hora da vitória, e em cada uma delas estará escrita uma mentira
contra mim, que, então passarei por vencido por malfeitor e maldito.
Estais balançando a cabeça? Não credes?
O vosso amor cria um obstáculo para crerdes... Grande coisa é o amor! É uma
grande força... e um grande perigo! Sim, um perigo, o choque da realidade na
hora das trevas será violento de um modo sobre-humano naqueles corações que o
amor, um amor ainda não bem ordenado para a perfeição, os tornará cegos. Não
podeis crer que Eu, o Rei, o Poderoso, possa servir de joguete para os que nada
são. Não podereis crer, sobretudo naquela hora, e, então surgirá esta dúvida:
“Era Ele mesmo? E se o era, como é que pode ser vencido?”
Reforçai os vossos corações para aquela
hora! Ficai sabendo que se “em um momento” os inimigos do Santo quebraram as
portas, derrubaram tudo, puseram um fogo cheio de ódio no Santo de Deus, se
abateram e destruíram o Tabernáculo do Nome Santíssimo, dizendo em seus
corações: “Façamos que se acabem sobre a Terra todas as festas de Deus”, porque
já é uma festa o fato de terdes a Deus no meio de vós, ao dizerem eles: “Não
sejam mais vistas as suas insígnias, não haja mais nenhum profeta que nos
conheça, pelo que somos”, e, mais depressa ainda, Aquele que deu estabilidade
ao mar, e esmagou nas águas profundas as cabeças dos crocodilos sagrados e as
de seus adoradores, Aquele que fez brotarem as fontes e as torrentes, e secarem
os rios perenes, Aquele a quem pertencem o dia e a noite, o verão e a
primavera, a vida e a morte, tudo, fará ressurgir como foi dito, o seu Cristo.
E Rei Ele será. Rei para sempre. E aqueles que tiverem ficado firmes na fé,
reinarão com Ele no Céu. Lembrai-vos disto. E, quando me virdes elevado e
desprezado, não fiqueis vacilando.
Oh! Pai! Meu Pai! Eu em nome destes,
que são amados por Ti e por mim, Eu te peço. Escuta ao teu Verbo, ouve ao
Propiciador. Não abandones às feras, as almas dos que te louvam e que me amam.
Não te esqueças para sempre das almas dos teus pequeninos. Tem em vista, ó bom
Deus, a tua aliança, pois os lugares escuros da Terra são antros de iniquidade,
dos quais sai o terror para atemorizar os teus pequeninos.
Pai! Oh! Meu Pai! Que o humilde, que
espera em Ti, não se vá embora, cheio de confusão! Que os pobres e os
necessitados deem louvor ao teu Nome, pela ajuda que Tu lhes darás! Levanta-te,
ó Deus. Para aquela hora, para aquelas horas Eu te peço agora!
Levanta-te, ó Deus. Pelo sacrifício do
João, pela santidade dos teus patriarcas e profetas! Pelo Meu sacrifício, ó
Pai, defende este Teu e Meu rebanho. Dá-lhe Luz nas trevas, amanhã e sempre,
até o dia da entrada no Teu Reino! Estejamos nos corações deles, até à hora na
qual, onde Nós estivermos, estejam eles, pelos séculos dos séculos. E assim
seja.”
Pag.
253-254
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399 – DISCURSO DE DESPEDIDA EM BETSUR E
AMOR MATERNO DE ELISA
Diz
Jesus:
“Povo de Betsur, escuta. No ano
passado, Eu vos disse o que é preciso fazer para se ganhar o Reino de Deus. É a
última vez que o Mestre fala assim, numa assembleia, à qual não falta ninguém.
Depois poderei encontrar-vos ainda, casualmente, um de cada vez, ou em pequenos
grupos pelos caminhos desta nossa pátria terrena. E, mais tarde, poderei
ver-vos no meu Reino. Mas não será nunca mais como agora.
No futuro muitas coisas vos serão ditas
sobre mim, contra mim, sobre vós e contra vós. Eles quererão aterrorizar-vos.
Eu, com Isaias vos digo> Não temais, porque Eu vos redimi, e vos chamei pelo
nome. Só aqueles que quiserem abandonar-me é que terão razão para temer, mas
não aqueles que, sendo fiéis, são meus. Não temais! Vós sois meus e Eu sou
vosso. Nem as águas dos rios, nem as chamas das fogueiras, nem as pedras, nem
as espadas poderão separar-vos de mim, se em mim perseverardes. Pelo contrário,
sem mais as chamas, as águas, as espadas e as pedras a mim vos unirão, e sereis
outros Eu, e tereis o meu prêmio. Eu estarei convosco nas horas dos tormentos,
convosco nas provas, convosco até à morte. E depois nada mais nos poderá
separar.
Oh! Meu povo! Povo que Eu amei e reuni,
e chamarei e reunirei mais ainda, quando Eu for elevado, atraindo-te todo a mim,
ó povo escolhido, povo santo, não temais, porque Eu estou e estarei contigo, e
tu me anunciaras, o povo meu, e por isso vós que o compondes, sereis chamados
os meus ministros, e a vós Eu darei, e vos dou desde já, a ordem de dizer ao
setentrião, ao oriente, ao ocidente e ao meio dia, que restituam os filhos e as
filhas do Deus Criador, até mesmo os dos extremos confins do mundo, a fim de
que todos me conheçam como seu Rei, e me invoquem por meu verdadeiro nome, e tenham
aquela glória para a qual todos foram criados, e sejam a glória de quem as fez
e formou.
Isaías o diz que as tribos e as nações,
para crerem, invocarão as testemunhas da minha glória. E onde irei encontrar
testemunhas, se o Templo e o Palácio Real, se as castas poderosas me rodeiam, e
mentem, por não quererem dizer que Eu sou quem sou? Onde as encontrarei?
Ei-las: são os que Eu curei em seus corpos e em suas almas, os que eram cegos e
agora estão vendo, eram surdos e agora ouvem, mudos e agora sabem dizer o meu
Nome, estes que eram oprimidos, e agora estão livres, todos, todos estes para
os quais o teu Verbo foi Luz, Verdade, Caminho, Vida. Vós sois as minhas
testemunhas, os servos por mim escolhidos, para que conheçais e creiais e
compreendais que sou Eu mesmo.
Sou Eu o Senhor, o Salvador. Sabei crer
isto, indo contra todas as humanas ou satânicas insinuações. Esquecei-vos de
todas as outras coisas, que vos tiverem sido ditas por outra boca que não seja
a minha, e que não se conformam com a minha palavra. Rejeitai qualquer outra
coisa, que vos possa ser dita no futuro. Dizei, a seja lá quem for, que quiser
fazer-vos abjurar o Cristo, dizei: “As obras dele falam ao nosso espírito”, e
sede perseverantes na fé.
Eu muito me esforcei para dar-vos uma
fé intrépida. Eu curei os vossos males e aliviei as vossas dores, como um
Mestre bom Eu vos instruí, e como um amigo Eu fui ouvido, parti convosco o pão
e reparti a bebida. Mas isto são ainda obras de um santo e profeta. Outras
delas Eu farei, e serão tais, que removerão todas as dúvidas, que as trevas
puderem suscitar, assim como o turbilhão levanta nuvens de tempestade num céu
de verão. Deixai passar os aguaceiros, ficai firmes no amor para com o vosso
Jesus, por este Jesus que deixou o Pai para vir salvar-vos, e que deixará a
vida para dar-vos a Salvação.
Vós, ó vós que Eu amei e amo mito mais
do que a mim mesmo, pois não existe amor maior do que quem se imola pelo bem
daqueles a quem ama. Não queirais ser menos do que aqueles que na profecia de
Isaias são chamados animais selvagens, dragões e abutres, isto é, idólatras,
pagãos, imundos, os quais, quando por mim mesmo Eu tiver dado testemunho do
poder do meu amor e da minha natureza, vencendo sozinho a própria morte – e
isso é uma coisa que se pode averiguar e que ninguém, a não ser algum
mentiroso, poderá negar, -- haverão de dizer: “Ele era o Filho de Deus!”, e,
vencendo obstáculos, aparentemente insuperáveis, de séculos e séculos de um
paganismo imundo de trevas, de vício, virão à Luz, à Fonte, à Vida.
Israel, que não me oferece holocausto,
que não me honra com vítimas, mas, pelo contrário me faz sofrer com suas
iniquidades e me faz vítima do seu coração cruel, e que ao meu amor que perdoa
responde com um ódio subterrâneo, que me tira a terra de debaixo dos pés, para
que Eu caia, a fim de poder dizer: “Estais vendo? Ele caiu porque Deus o
fulminou.”
Cidadãos de Betsur, sede fortes. Amai a
minha palavra, porque ela é verdadeira, é o Meu Sinal, porque ele é Santo. Que
o Senhor esteja sempre convosco, e vós ficai com os servos do Senhor, todos
unidos, para que cada um de vós esteja lá, para onde Eu vou, e a fim de que
seja feita uma eterna morada no Céu para todos aqueles que, tendo superado a
tribulação, vencido a batalha, morrem no Senhor, e no Senhor ressurgem para
sempre.”
“Senhor,
o que, afinal quiseste dizer? Nas tuas palavras havia gritos de triunfo e
gritos de dor”, dizem alguns dos cidadãos.
“Sim. Tu
estás parecendo alguém que está cercado por inimigos”, dizem outros.
“E quase
chega a dizer que nós também seremos deles”, dizem outros ainda.
“A
glória”, grita Judas de Keriot.
“A
morte”, suspira Elisa chorando.
“A Redenção. O cumprimento da minha
missão. Não temais. Não choreis. Amai-me. Eu sou feliz por ser o Redentor. Vem,
Elisa. Vamos para tua casa”, e Ele vai a frente, abrindo
caminho por entre o povo, que ficou perturbado com aquelas emoções tão opostas.
“Mas, por
que Senhor, sempre falas estas coisas>”, resmunga, ao mesmo tempo
interrogando e censurando, Judas. E acrescenta: “Não são coisas de Rei.”
Jesus não
lhe responde. Mas responde ao seu primo Tiago, que lhe perguntou, com os olhos
brilhando por causa das lágrimas: “Porque meu irmão, citas sempre passagens do
Livro em tuas despedidas?”
“A fim de que quem me acusa não diga
que Eu estou delirando e blasfemando, e a fim de que quem não quer render-se à
realidade das coisas compreenda que a Revelação se referiu à mim, ao mostrar um
Rei de um reino não humano, com a imolação da Vítima, da única Vítima que pode
restaurar o Reino dos Judeus, que foi destruído por Satanás e pelos
progenitores. A soberba, o ódio, a mentira, a luxúria, a desobediência o
destruíram. A humildade, a obediência, o amor, a pureza, o sacrifício o
restaurarão...
Pg.
257-259
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402 – JUDAS ISCARIOTES SE SENTE
DESCOBERTO NO DISCURSO DE DESPEDIDA DE BETER
“Que era o Paraíso de Adão e Eva? Era
um esplêndido jardim, onde se vivia sem pecado e onde ressoava a voz de Deus,
amada, acolhida com alegria pelos seus dois primeiros filhos... Pois bem. Eu
vos exorto a vigiar, a fim de que não vos aconteça o que aconteceu no Éden: que
se insinue entre vós a serpente da mentira, da calúnia, do pecado, e vos morda
no coração, separando-vos de Deus. Vigiai, e ficai firmes na Fé. Não vos
agiteis. Não cometais atos de incredulidade. Isso poderia acontecer, porque o
maldito entrará, procurará entrar por toda parte, como já entrou em muitos
lugares, para destruir a obra de Deus.
E, desde que ele entra nos lugares, o
Sutil, o Astuto, o Incansável, e perscruta, e se baba, e tenta seduzir, o mal
ainda é pouco. Nada e ninguém pode impedi-lo de o fazer. Ele o fez no Paraíso
Terrestre... Mas mal maior é deixá-lo ficar onde está, sem expulsá-lo. O
inimigo, que não se expulsa, acaba tornando-se dono do lugar, pois nele se
instala e nele constrói as suas defesas, e arma seus ataques. Dai-lhe logo
caça, ponde-o em fuga, usando a arma da Fé, da Caridade, da Esperança no
Senhor. Mal sumo, o maior dos males é, pois, quando ele, não só é deixado,
vivendo sem ser perturbado entre os homens, mas quando se deixa que ele penetre
do exterior no interior, e se deixa que ele faça o seu ninho no coração do
homem. Oh! Então!
No entanto, muitos homens já o
acolheram em seu coração, contra o Cristo. Acolheram a Satanás, com suas más
paixões, e expulsaram o Cristo. E, se eles não tivessem ainda conhecido o
Cristo em sua Verdade, se o seu conhecimento tivesse sido só superficial, tal
como se vê nos viadantes, que se encontram por acaso em um caminho, e que
muitas vezes apenas se olham por um instante, pois são desconhecidos, que se
estão vendo pela primeira e última vez, outras vezes são os que apenas trocam
algumas palavras para perguntar qual o caminho certo, ou para pedir um punhadinho
de sal, ou isca para acender o fogo, ou a faca para preparar as carnes, se
tivesse sido assim o conhecimento do Cristo nesses corações que agora, e amanhã
mais ainda, e sempre mais, expulsam o Cristo para dar lugar a Satanás, ainda se
poderia ter compaixão deles, porque não conhecem o Cristo.
Mas, ai daqueles que me conhecem por
quem Eu sou realmente, que com minha palavra e o meu amor foram nutridos, e que
agora me expulsam acolhendo a Satanás, que os seduz com mentiras, promessas de
trunfos humanos, cuja realidade será a condenação eterna.
Vós, vós que sois humildes, e não
viveis sonhando com tronos e coroas, vós que não procurais as glórias humanas,
mas a paz e o triunfo de Deus, o seu Reino, o seu Amor, a Vida eterna, e somente
isso, não os imiteis nunca. Vigiai! Vigiai! Conservai-vos puros das corrupções,
fortes contra as insinuações, contra as ameaças, contra tudo.
Houve um tempo em que o jezraelita
Nabot tinha uma vinha perto do palácio real de Acab, rei da Samaria. Era uma
vinha recebida de seus pais, por isso muito querida por seu coração, quase
sagrada para ele, porque era herdado do pai dele, e este também do seu, e assim
por diante. Gerações de parentes haviam suado naquela vinha para a fazerem
ficar cada vez mais florida e bonita. Nabot a amava muito. E Acab lhe disse:”
Cede-me a tua vinha, que está perto da minha casa e, por isso, me servirá para
fazer dela uma horta para mim e para os que estão comigo. Em troca eu te darei
uma vinha melhor, ou dinheiro, se o preferires.” Mas Nabot respondeu-lhe:
“Desagrada-me não fazer os teus gostos, ó rei. Mas não posso contentar-te.
Aquela vinha eu recebi como herança de meus pais, e para mim é sagrada. Deus me
livre de dar-te a herança dos meus pais.”
Meditemos nessa resposta. Ela é muito
pouco meditada, e por muito poucas pessoas em Israel. Os outros, a maior parte,
aqueles de quem Eu falei antes, inclinados a expulsar o Cristo, para darem
acolhida a Satanás, não levam em muita consideração a herança de seus pais, e,
sim, o terem muito dinheiro, ou então honras, e a segurança de não serem
suplantadas com facilidade, e aceitam a proposta, cedendo a herança de seus
pais. Assim, a ideia do Messias, sendo o que ela é em verdade, como foi
revelada aos santos de Israel, e que sagrada haveria de ser considerada em seus
menores detalhes, não esbanjada, não a alterada, não aviltada por limitações
humanas.
Quantos, quão numerosos são os que
trocam a luminosa ideia messiânica, toda santa e espiritual, por um fantoche da
realeza humana, agitado como um espantalho, como um prejuízo e uma blasfêmia,
contra as autoridades e contra a verdade! Eu, a Misericórdia, não chego a
maldizer esses tais com as tremendas maldições de Moisés contra os
transgressores da Lei. Mas atrás da Misericórdia vem a Justiça. Que cada um se
lembre disso!
Eu, por minha conta, lembro a esses –
e, se entre os presentes houver algum que ele receba de bom coração esta
advertência – Eu lhes recordo outras palavras de Moisés, ditas àqueles que
queriam ser mais do que Deus estabelecera para eles.
Disse Moisés a Coré, Datã e Abiron, que
se diziam santos como Moisés e Aarão, e se rebelavam por serem somente filhos
de Levi no meio do povo de Israel: “Amanhã o Senhor fará conhecer quem é que
lhe pertence e fará que se aproximem dele os santos, e aqueles que Ele tiver
escolhido se aproximem dele. Ponde fogo em vosso turíbulo, e sobre o fogo ponde
incenso, diante do Senhor, e vinde, vós e os vossos com Aarão. E veremos quem é
que o Senhor irá escolher. Vós vos exaltais um pouco demais, ó filhos de Levi!”
Vós, bons israelitas, conheceis qual
foi a resposta de Deus àqueles que queriam exaltar-se um pouco demais,
esquecendo-se de que só Deus é quem determina os postos para seus filhos e
escolhe, escolhe com justiça, escolhe até o ponto justo. Também Eu devo dizer:
“Há alguns que se querem exaltar um pouco demais, e serão punidos de tal modo,
que os bons compreenderão que eles blasfemaram contra o Senhor.”
Aqueles que trocam a ideia messiânica,
como a revelou o Altíssimo, pela pobre ideia deles, pesada, limitada,
vingativa, por acaso não são eles semelhantes àqueles que queriam julgar o
santo que estava em Moisés e Aarão? Aqueles que, além de atingirem o seu
escopo, à realização de sua pobre ideia, ainda querem tomar suas iniciativas
por si próprios, com soberba dizendo que elas são mais justas do que as de
Deus, não vos parece que estejam querendo exaltar-se demais e, da estirpe de
Levi passar para a de Aarão ilegalmente? Aqueles que sonham com um pobre rei de
Israel e o preferem ao Rei dos reis espiritual, aqueles cujas pupilas eles
tornaram doentes pela soberba e pela ambição, e que, através delas, veem
deformadas as verdades eternas escritas nos livros santos, e aos quais a febre
de uma humanidade cheia de concupiscências faz que fiquem incompreensíveis as palavras
claríssimas da Verdade revelada, não são talvez eles que trocam por um nada sem
valor a herança de toda a estirpe? A mais sagrada das heranças?
Mas, se eles assim fazem, Eu não
trocarei a herança do Pai e dos pais, e morrerei fiel a esta promessa, que vive
desde quando houve necessidade de redimir, a esta obediência, que vem de sempre
porque Eu nunca decepcionei o meu Pai, e nunca o decepcionarei por temor de uma
morte, por mais horrível que ela seja. Procurem os inimigos, os falsos
testemunhos, finjam ter zelo e práticas perfeitas. Isso não mudará o seu delito
nem a minha santidade. Mas aquele e aqueles que, sendo seus cúmplices depois de
terem sido seus corruptores, crerem que poderão estender a mão sobre o que é
Meu, encontrarão os cães e os abutres pastando o sangue deles, o corpo deles
sobre a terra, e os demônios pastando sobre o sacrílego espírito deles,
sacrílego e deicida no Inferno.
Isto Eu vos disse para que o fiqueis
sabendo. Para que cada um saiba. E para que quem é mau possa arrepender-se,
enquanto ainda o pode fazer, imitando Acab, e para que quem é bom não fique
perturbado na hora das trevas. Oh! Filhos de Beter, adeus. O Deus de Israel
esteja sempre convosco e a Redenção faça descer as suas orvalhadas sobre um
campo limpo, a fim de que se abram nele todas as sementes espalhadas em vossos
corações pelo Mestre que vos amou até a morte!”
Jesus os
abençoa, e fica olhando como eles vão indo lentamente. Somente uma cor vermelha
no céu, que vai-se amortecendo pouco a pouco, passando para uma cor arroxeada,
é o que resta como lembrança do Sol. O repouso do sábado terminou. Jesus já
pode partir. Ele beija os pequeninos, saúda as discípulas, saúda Cusa. E, na
soleira da cancela, Ele se vira ainda, e diz com voz forte, para que todos
ouçam: “Eu
falarei, quando puder fazê-lo, àquelas criaturas. Mas tu, ó Joana, procura
fazê-los entender que em Mim, não há nada mais do que o inimigo da Culpa e o
Rei do Espírito. E lembra-te também disso, ó Cusa. E não tremas. Ninguém deve
ter medo de Mim. Nem mesmo os pecadores, pois Eu sou a salvação. Os que ficarem
impenitentes até a morte é que deverão ter medo do Cristo-Juiz, depois de ter
sido Todo Amor. A paz esteja convosco.”
Pg. 275 a
279
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405 – O REPOUSO NUM FENEIRO E O
DISCURSO PERTO DE EMAUS DA PLANÍCIE. O PEQUENO MIGUEL
O
pequenino de pouco antes, muito bonito na pequena camisa curta a que foi
reduzida a sua veste, nesta hora tórrida, põe a cabecinha morena para fora da
porta da cozinha, dá uma olhadela, anda para a frente tomando cuidado com os
seus pezinhos tenros, que estão sofrendo por causa do chão, que está quente,
devido ao sol. A pequena camisa, desabotoada, está para cair, se escapar do seu
ombro gorducho. Ele chega até os discípulos, e procura passar por cima deles,
para ir ver Jesus de novo. Mas suas perninhas são muito curtas para que ele
possa passar por cima dos corpos musculosos dos adultos, e ele tropeça, e cai
ao lado de Matias, que acorda, e vê o rostinho envergonhado, quase para chorar,
do pequenino. Ele sorri, e diz ao entender qual era a manobra do menino: “Vem
cá, que eu te colocarei entre mim e Jesus. Mas fica calado e quieto. Deixa-o
dormir, que Ele está cansado.”
E o
pequeno, feliz, assenta-se em adoração ao belo rosto de Jesus. Olha para ele,
estuda-o, fica com muita vontade de fazer-lhe uma carícia, de tocar em seus
cabelos dourados. Mas Matias o está vigiando, sorrindo, e não lho permite.
Então o pequenino lhe pergunta em voz baixa: “Ele dorme sempre assim?”
“Sempre
assim”, responde Matias.
“Ele está
cansado? Por que?”
“Porque
caminha muito e fala muito.”
“Para que
Ele fala e caminha?”
“Para
ensinar os meninos a serem bons, a amar o Senhor, a fim de irem com Ele para o
Céu.”
“Lá em
cima? Como é que se faz? É longe...”
“A alma,
tu sabes o que é a alma?”
“Não.”
“É a
coisa mais bonita que há em nós, e...”
“Mais
bonita do que os olhos? A mamãe me diz que tenho por olhos duas estrelas. E as
estrelas são bonitas, sabes?”
O
discípulo sorri e responde: “É mais bonita do que as estrelinhas dos teus
olhos, pois a alma boa é mais bonita do que o sol.”
“Oh! E
onde é que ela está? Onde é que a tenho?”
“Aqui. No
coraçãozinho. Ela vê, ouve tudo, e nunca morre. E, quando alguém nunca faz o
mal, e morre como justo, a alma voa lá para cima com o Senhor.”
“Com
Ele?”, e o pequeno mostra Jesus.
“Sim, com
Ele.”
“Mas Ele
também tem uma alma?”
“Sim, Ele
tem uma alma e a divindade. Porque é Deus este homem que estás olhando.”
“Como
sabes disso? Quem foi que te disse?”
“Os
anjos.”
O menino,
que estava sentado bem ao lado de Matias, não pôde receber tranquilamente essa
notícia, mas dá um salto e põe-se em pé, dizendo: “Tu já viste os anjos?”, e
olha para Matias, abrindo seus grandes olhos. E foi tão espantosa a notícia
para ele, que, por um instante, até se esquece de Jesus, e, por isso, não vê
que Ele já está com os olhos abertos, despertado que foi pelo leve grito do
menino, e depois com um sorriso, os fecha de novo, e vira a cabeça para o outro
lado.
“Silêncio!
Está vendo... Eu te mando embora.”
“Vou
ficar bom, mas como é que são os anjos? Quando foi que os viste?” A vozinha
transformou-se num sussurro.
E Matias,
com paciência, fala da noite do Natal ao pequeno, que tornou a ir sentar-se em
seu peito, extasiado. E, com paciência, vai-lhe respondendo todos os porquês.
“Por que foi que nasceu num estábulo? Ele não tinha casa? Não tem uma mãe? Era
tão pobre, a ponto de não ter uma casa? Não tem uma mãe? Onde está a Mãe dele?
Por que é que ela o deixa só. Quando Ela sabe que já o quiseram matar? Ela não
lhe quer bem?”
É uma
chuva de perguntas, e outra de respostas. E a última é que Matias responde:
“Ela lhe quer muito bem, a Mãe Santa do seu Divino Filho. Mas faz o sacrifício
de sua dor, ao deixá-lo, para que os homens se salvem. Para consolar-se, Ela
pensa que ainda haja homens bons, capazes de amá-lo.”, e essa ideia desperta
esta resposta: “É que há meninos bons, que o amam, não sabes? Onde é que Ela
está? Dize-o a mim, que eu irei onde ela está, e lhe direi: “Não chores. Ao seu
filho eu dou amor.” Que achas? Ela ficará contente?”
“Muito
contente, menino”, diz Matias, beijando-o.
“E Ele
também ficará contente?”
“Muito,
muito. E eu lho direi, quando Ele despertar.”
“Oh!
Sim... Mas, quando é que Ele vai despertar?” O menino está ansioso...
Jesus não
resiste mais. Ele se vira, com os olhos bem abertos e com seu sorriso luminoso,
e diz: “Já o
disseste a mim, porque Eu ouvi tudo. Vem cá, menino.”
O menino
não espera ser chamado duas vezes, mas vai correndo para o lado de Jesus,
acariciando-o, beijando-o, tocando seu dedinho na fronte dele, nas
sobrancelhas, nos cílios dourados, espelhando-se nos olhos azuis dele, esfregando-se
sobre sua barba macia e sobre seus cabelos sedosos, e dizendo a cada uma dessas
descobertas: “Como és bonito! Bonito! Bonito!”
Jesus
sorri e Matias sorri... E depois, a medida que os outros vão acordando, visto
que o pequeno não é mais o centro de todas as atenções, os discípulos e os
apóstolos, ao verem aquele exame cuidadoso, feito por aquele homenzinho seminu,
gorducho, que observa Jesus de alto a baixo, da cabeça aos pés e termina
dizendo: “Vira-te!”, e explica depois: “é para ver as asas”, e pergunta
decepcionado: “Porque não as tens?”
“Eu não sou um anjo, menino.”
“Mas és
Deus! Como fazes para seres Deus, se não és cheio de asas? Como farias quando
quiseres ir para o Céu?”
“Eu sou Deus, Mas é que Deus não tem
necessidade de asas, Eu faço o que quero, e tudo posso.”
“Então,
faze que meus olhos fiquem como os teus. Eles são bonitos.”
“Não. Os que já tens, fui Eu quem tos
deu, e assim me agradam. Dize, isto sim, que torne a tua alma de justo, para
que ames sempre mais.”
“Ela
também foi feita por Ti. E então ela te agradará como eu a tenho”, diz, em sua
lógica infantil o menino.
“Sim, agora ela me agrada muito, porque
é inocente. Mas ao passo que os teus olhos serão sempre dessa cor de azeitona
madura, a tua alma, de branca pode tornar-se preta, se te tornares mau.”
“Mau,
não. Eu te quero bem, e quero fazer como os anjos mandaram fazer, quando Tu
nasceste: “Paz a Deus no Céu, e glória aos homens de boa vontade”, diz o
pequenino, trocando as palavras, o que provoca uma fragorosa risada nos
adultos, coisa que o humilha, e faz que ele se cale.”
Mas,
Jesus mesmo corrigindo-o, o consola: “Deus é sempre Paz menino. É a Paz. Mas
os anjos lhe davam glória pelo acontecimento do Nascimento do Salvador, e davam
aos homens a primeira regra para obter-se a paz que do meu nascimento haveria
de provir: ter boa vontade. Esta que tu queres.”
“Sim.
Então dá-me essa paz. Coloca-a em mim, no lugar em que aquele homem diz que eu
tenho minha alma”, e com os dois dedos indicadores, ele mostra muitas vezes o
seu peito.
“Sim, pequeno amigo. Como te chamas?”
“Miguel.”
“Nome do poderoso Arcanjo. Então, que
te seja dada a boa vontade, Miguel. E que tu sejas um dos confessores do
verdadeiro Deus, dizendo aos perseguidores, como disse o teu angélico protetor:
“Quem como Deus?” Sê bendito agora e sempre”, e
lhe impõe as mãos.
Mas o
pequeno não ficou persuadido. Ele diz: “Não. Beija aqui. Em minha alma. E aí
dentro entrará a tua bênção, e aí ficará fechada”, e ele descobre o pequeno
peito para ser beijado, sem que nenhum obstáculo tenha vindo opor-se entre o
seu pequeno corpo e os lábios divinos. Sorriem e ficam comovidos, também os
presentes. E bem que há motivo! A fé maravilhosa do inocente que, por instinto,
como diriam alguns, mas que eu digo, por um estímulo espiritual, foi a Jesus. É
verdadeiramente comovente, e Jesus o faz notar, dizendo:
“Oh! Se todos tivessem o coração das
crianças.”
...
“E os teus milagres vem de Deus, bendito sejas tu”, grita uma voz de mulher, lá
do meio da multidão, e muitos se viram para olhar naquela direção...
“Eis, confirmada por uma mãe
agradecida, a minha Natureza, e confirmado o poder da fé no coração de Deus,
que não decepciona nunca aos que creem e aos justos pedidos de seus filhos. Eu vos convido a lembrar-se de Judas
Macabeu, quando ele se viu colocado sobre esta planície, estudando o formidável
acampamento de Górgias com um exército contando com mil soldados de infantaria,
mil cavaleiros adestrados para a batalha, bem protegidos por couraças e por
armas de guerra. Judas olhava, com seus três mil soldados de infantaria, que
não tinham escudos nem espadas e percebia que o temor ia penetrando nos
corações de seus soldados.
Então, ele falou, na força do seu
direito, o que Deus aprovava, porque não era para praticar abusos, mas para a
defesa da Pátria invadida e profanada. E disse: “Que não vos espante o número
deles, nem tenhais medo do ataque deles. Lembrai-vos de como os vossos pais
foram salvos no Mar Vermelho, quando o Faraó os perseguia com um grande
exército.” E tendo-se reanimado a fé no poder de Deus, que está sempre com os
justos, ensinou aos seus meios para obterem auxílio.
E disse: ”Agora, pois, levantemos nossa
voz até o Céu, e o Senhor terá piedade de nós, e, recordando-se da aliança
feita com nossos pais, destruirá hoje, diante de nós esse exército, e todos os
povos conhecerão que há um Salvador, que liberta Israel.” Eis, Eu vos mostro dois pontos capitais
para termos Deus conosco a ajudar-nos em nossas justas empresas.
A primeira coisa necessária para tê-lo
como nosso aliado, é termos as justas disposições de nossos pais. Lembrai-vos
da santidade, da presteza dos patriarcas em obedecer ao Senhor, fosse, ou não
de pouco ou de muito valor aquilo que Ele pedia. Lembrai-vos de com que
fidelidade eles se mantiveram fiéis ao Senhor. Muito nos lamentamos em Israel,
por não termos mais o Senhor conosco, tão favorável a nós como foi em outros
tempos. Mas Israel tem ainda as disposições de seus pais? Quem foi que rompeu,
e continua a romper continuamente a aliança com o Pai?
A segunda coisa capital para termos
Deus conosco: a humildade. Judas Macabeu era um grande israelita, e era um
grande soldado. Mas ele não diz: “Eu hoje vou destruir este exército, e os
povos haverão de conhecer que eu sou o libertador de Israel.” Não. Ele diz: “E
o Senhor destruirá este exército diante de nós, que somos incapazes de fazê-lo
pois somos muito fracos. Porque Deus é Pai, e tem cuidado dos seus pequenos, e,
para não fazê-los perecer, manda ás suas poderosas fileiras para combaterem com
armas sobre-humanas os inimigos de seus filhos. E, quando Deus está conosco,
quem poderá vencer-nos?
Isto é o que deveis dizer sempre agora,
e mais ainda no futuro, quando quererão vencer-vos, e não só em uma coisa
passageira, como é uma batalha nacional, mas em uma coisa muito mais ampla, tanto
no tempo, como nas consequência para as vossas almas. Não vos deixeis levar
pelo susto, nem pela soberba. Estas duas coisas são prejudiciais. Deus estará
convosco, se fordes perseguidos por causa do meu Nome, e vos dará força nas
perseguições. Deus estará convosco, se fordes humildes, se reconhecerdes que
vós, por vós mesmos, não sois capazes de nada, mas que podeis tudo, se
estiverdes unidos ao Pai. Judas não se vangloria, nem usa título de Salvador de
Israel. Mas dá esse título ao Deus Eterno. De fato,
é inutilmente que os homens se agitam, se Deus não estiver ajudando os esforços
deles.
Ao passo que, sem se agitar, quem vence
é aquele que confia no Senhor, pois o Senhor sabe quando é justo premiar com a
vitória, e quando é justo punir com a derrota. Estulto é o homem que quer
julgar a Deus, dar conselhos a Deus, ou criticá-lo. Pensai em uma formiga que,
observando a obra de um cortador de mármore, lhe dissesse: “Tu não sabes fazer
isso. Eu farei melhor e mais depressa do que tu.” A mesma coisa faz o homem que
quer ensinar a Deus. E a esse papel ridículo ele ainda acrescenta o papel de um
ingrato e prepotente, esquecido do que é: uma criatura, e de que Deus é o
Criador. Pois bem. Se Deus criou um ser bem criado, que ele pode achar-se capaz
de dar conselhos ao próprio Deus, qual será então, a perfeição do Autor de
todas as criaturas? Só este pensamento já deveria bastar para fazer a soberba
baixar a cabeça, e destruir esta má e satânica planta, esta parasita que,
tendo-se insinuado em uma inteligência, a invade e suplanta, a sufoca e mata
toda árvore boa, toda virtude que faz o homem grande sobre a terra,
verdadeiramente grande, não por seus rendimentos, nem pelas coroas
conquistadas, mas por uma justiça e uma sabedoria sobrenatural, e feliz no Céu
por toda eternidade.
E prestemos atenção em um outro
conselho, que é dado pelo grande Judas Macabeu e pelos acontecimentos daquele
dia nesta planície. Tendo-se travado a batalha, as fileiras de Judas, com as
quais Deus estava, venceram e destruíram os inimigos, uma parte pondo-os em
fuga até Jezeron, Azoto, Iduméia e Jâmia, dita a história. E a outra parte,
transpassando-os à espada e deixando-os mortos no campo em número de mais de
três mil. Mas os seus homens armados, desejosos de vitória, Judas disse: “Não fiqueis
parados, a fazer presa, porque a guerra ainda não acabou, e Górgias com o seu
exército, está na montanha, perto de nós. Por enquanto temos que combater ainda
contra nossos inimigos e vencê-los completamente, para depois, tranquilamente
fazer presa.” E assim fizeram. E tiveram uma vitória segura e uma grande presa,
e a libertação, e, ao voltarem cantaram bênçãos de Deus, porque Ele é bom, e
porque sua misericórdia é eterna. Também o homem, qualquer homem, é como os
campos que estão ao redor da cidade santa dos Judeus. Rodeado pelos inimigos
externos, e tendo contra si os internos, todos cruéis, todos na esperança de
combater contra a cidade santa, que é cada homem, isto é, contra a sua alma,
para ataca-la de repente, para toma-la de surpresa, com mil astúcias e
destruí-la.
As paixões, que Satanás cultiva e
excita, e que o homem não vigia com todo cuidado, para pôr nelas um freio, e
que são perigosas se ele não souber domá-las, mas são inócuas, se forem
vigiadas como um ladrão acorrentado, e, por outro lado, que, do lado de fora
conjura com elas por meio de suas seduções, pela carne, os bens materiais, o
orgulho, são todos estes coisas bem parecidas com os poderosos exércitos de
Górgia, encouraçados, munidos de torres de guerra, de arqueiros que acertam bem
os alvos, de cavaleiros velozes, sempre prontos a iniciar o ataque, ás
primeiras ordens do Mal. Mas, que pode o Mal, se Deus estiver com o homem que
quer ser justo?
O homem sofrerá, poderá ser ferido, mas
salvará a liberdade e a vida, e conhecerá a vitória, depois de uma boa batalha,
Contudo, essa vitória não há de ser só uma vez, e sim, há de renovar-se sempre,
enquanto durar a vida ou enquanto ele se despojar da sua humanidade, e se
tornar mais espírito do que carne, um espírito mais unido a Deus do que às
flechas, às feridas, ou às fogueiras da guerra, que não podem fazer-lhe mal em
seu interior, mas caem, depois de o terem atingido superficialmente, como faz
uma gota sobre uma pedra dura e brilhante de jaspe. Não fiqueis preocupados de
fazer presa. Não vos distraiais, enquanto não estiverdes nas soleiras da vida.
Não desta da terra, mas da verdadeira Vida dos Céus. Então, vitoriosos, apanhai
as vossas presas, entrai, andai para frente, gloriosos, diante do Rei dos reis,
e dizei: “Eu venci.
Aqui estão minhas presas. Eu as
consegui com a sua ajuda e com a minha boa vontade, e te bendigo, Senhor,
porque és bom e a tua misericórdia é eterna.” Isto quanto à vida em geral para
todos. Mas para vós, para vós que em Mim credes, vos está esperando de emboscada,
uma outra batalha. E mais outras batalhas. A batalha contra a dúvida. A batalha
contra as palavras que vos serão ditas. A batalha contra as perseguições. Eu
estou para ser levado ao lugar para o qual Eu vim do Céu. Esse lugar vos fará
medo, e vos parecerá um desmentido às minhas palavras. Não! Olhai com olhos
espirituais o que irá acontecer. E vereis que o que vai acontecer será a
confirmação do que realmente Eu sou. Não o pobre rei de um pobre reino, mas Rei
predito pelos Profetas, aos pés de cujo trono, imortal, como uns rios para o
oceano, virão todos os povos da terra dizendo: “Nós te adoramos, ó Rei dos reis
e Juiz eterno, porque pelo teu Santo Sacrifício redimiste o mundo.” Resiste a
dúvida. Eu não minto. Eu sou Aquele, do qual falam os Profetas. Como a mãe de
João há pouco, levantai a lembrança do que Eu vos fiz, e dizei: “Estas obras
são de Deus. Ele no-las deixou para lembrança, como uma confirmação, uma ajuda
para crer, e crer justamente nesta hora.”
Lutai e vencerei na luta contra as
dúvidas, que sufoca a respiração das almas, Lutai contra as palavras que vos
serão ditas. Recordai-vos dos Profetas e das minhas obras. E às palavras
inimigas respondei com os Profetas e com os milagres, que me vistes fazer. Não
tenhais medo. E não sejais ingratos, tendo medo de falar daquilo que Eu vos
fiz. Lutai contra as perseguições. Mas não luteis perseguindo a quem vos
persegue. E sim, praticando o heroísmo de confessar que sois meus, diante de
quem com ameaças de morte quiser persuadir-vos a rogar-me. Lutai sempre contra
os inimigos. Todos. Contra a vossa humanidade, isto é, contra os vossos medos,
contra os compromissos indignos, as alianças interesseiras, as pressões, as
ameaças, as torturas e a morte. A morte! Eu não sou como o chefe de um povo,
que diz ao seu povo: “Sofrei por mim, enquanto eu gozo.” Não. Eu sofro em
primeiro lugar, para dar-vos o exemplo. Eu não sou alguém que está à frente de
exércitos, e diz aos exércitos: “Combatei para defender-me. Morrei para me
dardes a vida.” Não. Eu sou o primeiro que combate. Eu morrerei em primeiro
lugar, para ensinar-vos a morrer.
Assim como Eu tenho sempre feito o que
Eu disse que se deve fazer e, pregando a pobreza. Eu permaneci pobre, pregando
a continência, Eu permaneci casto, pregando a temperança, fui sóbrio, pregando
a justiça, fui justo, pregando o perdão, perdoei e perdoarei, como fiz tudo
isso, farei também a última coisa. Eu vos ensinarei como é que se redime.
Ensinar-vos-ei, não com palavras, mas com fatos. Eu vos ensinarei a obedecer,
obedecendo na mais dura obediência, a da minha morte. Eu vos ensinarei a
perdoar, perdoando no meio dos meus últimos sofrimentos, como perdoei, quando
estava sobre a palha do meu berço, à Humanidade, que me havia arrancado dos
Céus. Eu perdoarei como sempre perdoei.
A todos. A todos por minha conta. Aos pequenos inimigos, aos inertes, aos
indiferentes, aos volúveis e aos grandes inimigos que, não só me causam a dor
de ficarem apáticos diante do meu poder e do meu desejo de salvá-los, mas que
me dão e darão o último espasmo de serem deicidas. Eu perdoarei. E, visto que
aos deicidas impenitentes em vão poderei dar a absolvição, pedirei ainda, com
os últimos espasmos ao Pai por eles... para que os perdoe...pois ficaram
embriagados por um licor satânico...Perdoarei...E vós, perdoai em meu nome. E
amai como Eu amo, como Eu vos amo e vos amarei para sempre.
Pg.
290-299
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406 – EM JOPE. PRÉDICA INÚTIL A JUDAS
DE KERIOT E DIÁLOGO SOBRE A ALMA COM ALGUNS GENTIOS
“O homem tem uma alma. Uma. Verdadeira.
Eterna. Senhora. Merecedora de prêmio e de castigo. Toda dele. Criada por Deus.
Destinada no plano da criação, a voltar para Deus. Vós, gentios, vós dedicais
demais ao culto da carne. Em verdade ela é uma obra admirável, sobre a qual
está o sinal do polegar eterno. Vós admirais demais a mente, que é como uma
joia encerrada no escrínio de vossa cabeça, e que lá emite os seus raios
sublimes. Grande, excelso dom que Deus Criador, que nos fez segundo o seu
pensamento, como formas, isto é, uma obra perfeita, composta de órgãos e de
membros, e vos deu a sua semelhança com o pensamento e com o Espírito. Mas a
perfeição chamada semelhança é pelo espírito. Pois Deus não tem membros, nem a
opacidade como a carne, assim como também não tem a sensualidade nem os desejos
da luxúria, mas é um Espírito puríssimo, eterno, perfeito, imutável, incansável
em seu agir, continuamente renovando-se em suas obras, que paternalmente Ele
proporciona para o trabalho de sua criatura que quiser aperfeiçoar-se. O
espírito criado para todos os homens pela mesma Fonte de poder e de bondade,
não conhece variações de perfeições em seu início. É um só o espírito criado,
perfeito, e que assim permanece. Três são os espíritos perfeitos por
natureza...”
“Um deles
és Tu Mestre.”
“Eu, não. Eu na minha carne, tenho o
Espírito que não foi criado, mas que foi gerado pelo Pai, por uma exuberância
de Amor.”
“Quais,
então?”
“Os dois progenitores, dos quais vem a
raça, que foram criados perfeitos, mas que depois caíram voluntariamente na
imperfeição. O terceiro, criado para delícia de Deus e do universo, está acima
demais da capacidade do pensamento e da fé do mundo, para que Eu vo-lo possa
indicar. Os espíritos, Eu ia dizendo, criados por uma mesma Fonte, com igual
mistura de perfeição, passam depois, conforme seu mérito e sua vontade, por uma
dupla metamorfose.”
“Então,
Tu admites segundas vidas?”
“Não há mais do que uma vida. Nela a
alma, que inicialmente teve a semelhança com Deus, passa pela justiça fielmente
praticada em todas as coisas, para uma mais perfeita semelhança com o seu
Criador, tornando-se capaz de chegar a possuir a Santidade, a qual consiste na
perfeição da justiça e semelhança de filhos com o Pai. Essa existe nos
bem-aventurados, isto é, aqueles que o vosso Sócrates diz que moram no “Hades”.
Enquanto Eu vos digo que, quando a Sabedoria tiver dito suas palavras, e a
tiver consolidado pelo sangue, esses serão os bem-aventurados do Paraíso, serão
do Reino, isto é, de Deus.”
“E onde
estão estes agora?”
“A espera.”
“Espera
de quê?”
“Do sacrifício. Do perdão. Da
libertação.”
“Dizem
que o Messias será o Redentor, e que Tu és o Messias. É verdade?”
“É verdade. Sou Eu, que vos estou
falando.”
“Então.
Tu deverás morrer? Por que, Mestre? O mundo precisa tanto de Luz, e Tu queres
deixá-lo?”
“Tu, que és um grego, me fazes uma
pergunta destas? Tu em quem as palavras de Sócrates têm um trono?”
“Mestre,
Sócrates foi um justo. Tu és um santo. Olha bem, que necessidade de santidade a
Terra tem!”
“Ela aumentará dez mil vezes por cada
dor, por cada ferida, por cada gota de sangue.”
“Por
Júpiter! Nunca houve um estóico maior do que Tu, que não te limitas a pregar o
despreza da vida, mas te apressas em jogá-la fora.”
“Eu não desprezo a vida. Mas a amo como
a coisa mais útil para comprar a salvação do mundo.”
“Mas Tu
és jovem, Mestre para morreres!”
“O teu filósofo diz que é querido pelos
deuses o que é santo, e tu me chamaste de santo. Se Eu sou santo, devo sentir
sede de voltar à Santidade, da qual Eu vim. Portanto, nunca se é muito jovem,
para não ter esta sede. Diz ainda Sócrates que quem é santo gosta de fazer
coisas agradáveis aos deuses. Que coisa pode haver mais agradável que fazer
voltarem ao abraço do Pai os filhos que a culpa afastou dele, e dar ao homem a
paz com Deus, que é Fonte de todo bem?
“Tu dizes
que não conheces as palavras de Sócrates. Como é então que sabes estas que
estás dizendo?”
“Eu sei tudo. O pensamento dos homens,
quando é um pensamento bom, não é mais do que um reflexo de um pensamento meu.
Quando ele não é bom, não é meu, mas Eu o li desde a eternidade, e soube, sei e
saberei, quando ele foi, é e será dito. Eu sei.”
“Senhor,
vai a Roma, o farol do mundo. Aqui o ódio te rodeia. Lá a veneração te
circundará.”
“Ao homem, sim. Mas não ao Mestre do
sobrenatural. Eu vim por causa do sobrenatural. E o devo trazer aos filhos do
Povo de Deus, por mais que eles sejam tão duros para com o Verbo.”
“Então,
Roma e Atenas não te terão?”
“Elas me terão. Não temais. Elas me
terão. Aqueles que me quiserem, me terão.”
“Mas, e
se te matarem...”
“O espírito é imortal. O espírito de
todos os homens, Não será o meu, Espírito do Filho de Deus. Virei com o meu
Espírito atuante... Virei... Vejo as multidões inumeráveis, e as Casas erguidas
em meu Nome... Estou por toda parte... Falarei nas catedrais e nos corações...
A minha evangelização não terá parada... O Evangelho percorrerá a Terra...
Todos os bons virão a Mim... e eis que... Eu passo à frente do meu exército de
santos, e os conduzo para o Céu. Vinde à Verdade...”
“Oh!
Senhor! Nós temos nossas almas enfaixadas com fórmulas e erros. Como faremos
para abrir-lhes as portas?”
“Eu abrirei as portas do Inferno,
abrirei as portas do vosso Hades e do meu Limbo. E não poderei abrir as vossas?
Dizei “Eu quero!”, e, como um tapume feito de asas de borboletas, elas cairão
pulverizadas sob o passar do meu Raio.”
“Quem
virá em Teu Nome?”
“Estás vendo aquele homem que desta vez
está vindo junto com outro pouco mais do que um adolescente? Aqueles irão a
Roma e à Terra. E com eles muitos outros. Tão prontos estarão como agora, pelo
amor a Mim, que os estimula, e que não os deixa tomar repouso, senão a meu
lado, virão pelo amor dos redimidos pelo meu Sacrifício, para irem procurar-vos
e levar-vos para a Luz. Pedro! João! Vinde aqui. Eu terminei, me parece, e
estou convosco. Tendes ainda alguma outra coisa para me dizerdes?”
“Outra
coisa, sim Mestre. Nós vamos levando conosco as Tuas palavras.”
“Que elas germinem em vós com raízes
eternas. Ide. A paz esteja convosco.”
“Salve! A
Ti Mestre.”
Pg.
308-311
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407 – NAS CAMPINAS DE NICODEMOS. A
PARÁBOLA DOS DOIS FILHOS
Diz
Jesus:
“A paz esteja convosco. A vós todos,
que estais ao redor de mim, Eu quero apresentar uma parábola. E cada um tire
dela o ensinamento e a lição que mais lhe convier. Ouvi:
Um homem tinha dois filhos.
Aproximando-se do primeiro, lhe disse: “Meu filho, vai hoje trabalhar na vinha
do teu pai.” Fazer aquilo era, como pensava o pai, sinal de uma honra! Ele
achava que o filho já era capaz de trabalhar no lugar onde até então o pai é
que havia trabalhado. Era sinal de que ele via no filho boa vontade,
constância, capacidade, experiência e amor para com seu pai. Mas o filho, um
pouco influenciado pelas coisas do mundo, e com vergonha de aparecer vestido
como um dos servos – pois Satanás lança mão de tais miragens, para afastar o
homem do bem – com medo de zombarias e até de represália, feitas pelos inimigos
de seu pai, que para ele não tinham a coragem de levantar a mão, mas que menos
temores haveriam de ter do filho, respondeu: “Para lá eu não vou. Não tenho
vontade.” O pai dirigiu-se então ao outro filho, dizendo-lhe o que havia dito
ao primeiro. E o segundo respondeu-lhe logo: “Sim, meu pai. Eu já vou.”
Mas, o que aconteceu? O primeiro filho,
tendo um ânimo reto, depois de um primeiro momento de fraqueza, de revolta,
arrependido de ter desagradado ao pai, sem dizer nada foi a vinha e lá
trabalhou o dia inteiro, até o fim da tarde, voltando depois satisfeito para
sua casa, com a paz no coração pelo dever cumprido.
O segundo ao contrário, mentiroso e
fraco, saiu de casa na verdade, mas foi para ir perder-se na vagabundagem, indo
pela cidade em inúteis visitas a amigos influentes, dos quais ele esperava
conseguir algum proveito. Ele dizia em seu coração: “Meu pai está velho e não
sai de casa. Eu direi a ele que fui à vinha, e ele acreditará.” Mas, quando
chegou a tarde também para ele, tendo voltado para casa, o seu aspecto, de
alguém descansado por não ter feito nada, suas vestes não amarrotadas e a
saudação feita de um modo desconfiado ao pai, que estava olhando para ele, e o
comparava com o primeiro, que de fato estava cansado, sujo, com os cabelos
despenteados, mas jovial e sincero, com um olhar humilde, bom, e sem querer
gabar-se pelo dever cumprido, mas que no entanto, queria dizer ao pai: “Eu te
amo, e com verdade. E, tanto assim é, que para te ver contente, eu venci a
tentação”, e estas palavras falaram claramente à inteligência do pai. E, tendo
ele abençoado ao seu filho, disse: “Bendito sejas tu, porque compreendeste o
que é o amor.”
E, então, que é que vos parece disso?
Qual dos dois é que lhe tinha amor?
Certamente vós direis: “O que fez a
vontade do pai.”
E, qual foi que a fez: o primeiro, ou o
segundo?”
“O
primeiro”, respondeu unânime a multidão.
“O primeiro, sim. Também em Israel, e
vós vos lamentais disso, batendo no peito, sem terdes no coração o verdadeiro
arrependimento de vossos pecados. É bem verdade que os vossos corações se irão
tornando cada vez mais duros, não os que exibem ritos devotos para serem
chamados santos, os que, em particular, são sem caridade e justiça, e se
revoltam, na verdade contra a vontade de Deus que ordena, e a atacam como se
fosse a vontade de Satanás, e isso não lhes será perdoado.
Não são esses que são os santos aos
olhos de Deus. Mas o são aqueles que, reconhecendo que Deus faz tudo bem o que
faz, acolhem o Enviado de Deus, e escutam sua Palavra, para saberem agir
melhor, fazer melhor o que é que o Pai quer, são esses os que são santos e
amados pelo Altíssimo.
Em verdade, Eu vos digo: os ignorantes,
os pobres, os publicanos, as meretrizes passarão à frente de muitos que são
chamados “mestres”, “poderosos”, “santos”, e entrarão no Reino de Deus.
E isso será justiça. Porque veio o João
a Israel, para conduzi-los pelo caminho da justiça, e a maior parte de Israel
não creu nele, esse Israel que, falando de si mesmo, se diz “douto” e “santo”,
enquanto os publicanos e as meretrizes acreditaram nele. Eu vim, e os doutos e
santos não creem em mim, mas em mim creem os pobres, os ignorantes, os
pecadores. E Eu fiz milagres, mas nem neles eles creram, nem se arrependeram
por não crerem em mim. Pelo contrário, é o ódio deles que vem sobre mim, e
sobre os que me amam.
Pois bem. Eu digo. “Felizes aqueles que
sabem crer em mim, e fazem esta vontade do Senhor, na qual há salvação eterna.”
Aumentai a vossa fé, e sede constantes, possuireis o Céu, porque tereis sabido
amar a verdade. Ide. Deus esteja convosco.”
Jesus os
abençoa, despede-se deles, e depois ao lado de Nicodemos, vai para a casa do
discípulo, para lá fazer uma parada, enquanto o sol está muito quente.
Pg.
317-318
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408 – MULTIPLICAÇÃO DOS GRÃOS NAS
CAMPINAS DE JOSÉ DE ARIMATÉIA
Jesus
fala:
“Aqui já pudestes ficar conhecendo que
a fé pode multiplicar os grãos, quando este desejo nasce de um desejo de amor.
Mas não limiteis a vossa fé somente às necessidades materiais. Deus criou o
primeiro grão de trigo e, desde aquela hora, o trigo vem soltando espigas para
o pão dos homens. Mas Deus criou também o Paraíso, e este está à espera de seus
cidadãos. Ele foi criado para aqueles que vivem na Lei, e permanecem fiéis, não
obstantes as provas dolorosas da vida. Tende fé, e conseguireis conservar-vos
santos, com o auxílio do Senhor, assim como José consegui distribuir o trigo em
dupla medida, para fazer-vos duas vezes felizes e confirmar na fé os seus
servos. Em verdade, em verdade Eu vos digo que, se o homem tivesse fé no
Senhor, nem mesmo as montanhas, fincadas com suas vísceras na rocha do chão,
poderiam resistir, mas ao comando de quem tem fé no Senhor elas se deslocariam.
Tendes vós fé em Deus?”, pergunta Ele, virando-se para todos.
“Sim,
Senhor!”
“Para vós quem é Deus?”
“O Pai
Santíssimo, como ensinam os discípulos do Cristo.”
“E o Cristo, quem é para vós?”
“O
Salvador. O Mestre. O Santo.”
“Somente isso?”
“O Filho
de Deus. Mas não é preciso dizer isso, porque os fariseus nos perseguem se o
dissermos.”
“Mas vós credes que Ele o seja?”
“Sim,
Senhor.”
“Pois bem! Crescei na vossa fé, mesmo
que vós vos calásseis, as pedras, as plantas, as estrelas, o solo, todas as
coisas proclamariam que o Cristo é o verdadeiro Redentor e Rei. Elas o
proclamarão na hora da sua assunção, quando Ele estiver na púrpura santíssima,
e com a coroa da Redenção. Felizes daqueles que souberem crer muito desde
agora, e mais ainda o crerem naquela hora, e tiverem fé no Cristo, e a vida
eterna por isso.”
Tendes vós essa fé inabalável no
Cristo?”
“Sim, ó
Senhor. Ensina-nos onde Ele está, e nós lhe pediremos que aumente a nossa fé
para assim sermos felizes.”
E a
última parte da oração, fazem-na, não somente os pobres, mas também os servos,
os apóstolos e José.
“Se tiverdes tanta fé do tamanho de um
grãozinho de mostarda, essa fé vós a tereis em vosso coração como uma pérola
preciosa, para que ela não seja roubada por nenhuma razão humana, ou
sobre-humana, ou malvada, e, então, podereis dizer todos àquela amoreira
gigante, que faz sombra ao poço de José: “Arranca-te daí, e vai transplantar-te
entre as ondas do mar.”
“Mas o
Cristo onde está? Nós o estamos esperando para sermos curados. Os discípulos
não nos curaram, mas nos disseram: “Ele o pode.” Quereríamos ficar sãos para
podermos trabalhar”, dizem os homens doentes ou sem destreza.
“E credes que o Cristo o possa fazer?”,
diz Jesus, fazendo um sinal a José para que não diga que Ele é o Cristo.
“Nós
cremos. Ele é o Filho de Deus. Tudo pode.”
“Sim, Tudo pode... e tudo quer.”, grita Jesus, estendendo imperiosamente o braço direito, e
abaixando-o como para jurar. E termina com um forte grito: “E
assim seja feito, para a glória de Deus!”
E faz
sinal de querer virar-se para a casa, mas os curados, uns vinte, gritam e
correm ao encontro dele, fechando-o em um entrelaçamento de mãos estendidas,
tocando nele, bendizendo-o, procurando suas mãos e suas vestes para beijá-las e
acariciá-las. Eles o separam de José, de todos...
E Jesus
sorri, acaricia, abençoa... E vai-se livrando lentamente. Ainda acompanhado,
até que desaparece na casa, enquanto os hosanas sobem para o céu, que já se vai
tornando arroxeado, com o começo do crepúsculo.
Pg.323-325
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411 – UMA LIÇÃO TIRADA DA NATUREZA E
MILAGRE DA RESPINGADURA PARA UMA VELHINHA. COMO AJUDAR QUEM SE CORRIGE
Jesus,
quando se vê observado, passa saudando: “A paz e a bênção de Deus esteja
convosco”, e eles respondem: “E a bênção de Deus
volte para Ti”, ou simplesmente: “Esteja contigo também.”
Alguns
mais faladores, fazem que Jesus se interesse pela colheita, e lhe dizem: “Foi
boa este ano. Olha só que espigas bem granadas, e como estão bem fincadas no
chão. Dá trabalho ceifá-las. Mas elas são pães!”
“Sede agradecidos ao Senhor por isso.
Vós sabeis que não é por palavras, mas com obras que se há de mostrar a
gratidão. Sede misericordiosos nesta vossa colheita, pensando no Altíssimo que
foi misericordioso com suas orvalhadas e com o sol para os nossos campos, a fim
de que tivésseis muito trigo. Lembrai-vos do preceito do Deuteronômio. Pensai
ao recolherdes a riqueza que Deus vos deu, em quem não a tem, e deixai-lhes um
pouco do que é vosso. Santa mentira é essa que é caridade para com o vosso
próximo, e que Deus está vendo. Melhor é estar pronto a deixar, do que recolher
com avidez. Deus abençoa os generosos. Dar é melhor do que receber, porque
obriga o justo Deus a dar em maior abundância àquele que teve piedade.”
Jesus vai
passando, e repetindo os seus conselhos de amor.
...Em
certo momento, faz sinal a João, a Judas Iscariodes e a um dos mais velhos, que
Ele chama de Bartolomeu, e, tendo-os ao redor de Si, diz: “Mas,
observai este pequeno inseto, que trabalho está fazendo, Olhai. Há tempo que Eu
estou observando. Ele quer tirar deste cálice tão pequeno o mel que está lá no
fundo. Mas, como não consegue passar, olhai. Ele espicha primeiro uma patinha,
depois a outra, e as molha no mel. Depois se alimenta com ele. Em poucos
momentos esvazia o conteúdo do cálice. Vede que coisa admirável é a Providência
de Deus! Não deixando de saber que, sem certos órgãos, o inseto, criado para
ser um crisólito voando sobre o verde dos prados, não podia alimentar-se, por
isso o muniu desses minúsculos pelos, que ele tem ao longo das perninhas. Vós
os estais vendo? Nem tu, Bartolomeu? Não? Olha bem. Agora vou pegá-lo, e to
mostrar contra a luz.” E delicadamente pega o pequeno besouro, que parece de
ouro brunido, e o põe deitado de costas em sua mão.
O besouro se faz de morto, e os três
observam suas perninhas. Depois ele se põe a espernear para fugir. Naturalmente
ele não consegue, mas Jesus o ajuda, e o põe em pé, o animalzinho caminha sobre
a palma de sua mão e vai até a ponta dos dedos, pendura-se e abre as asas. Mas
ele está ainda desconfiado.
“Ele não sabe que Eu só quero o bem de
todos os seres, e só tem o seu pequeno instinto. É perfeito, se o considerarmos
em sua natureza, que é suficiente para tudo aquilo de que ele precisa, mas é
muito inferior ao pensamento humano. E isso é porque o inseto é irresponsável,
se ele fizer alguma má ação. O homem, não. O homem tem em si uma luz de
inteligência superior, e mais a terá quanto mais instruído for nas coisas de
Deus. Por isso ele será responsável pelas suas obras.”
“Então,
Mestre”, diz Bartolomeu, “nós, a quem Tu ensinas, temos muita
responsabilidade?”
“Muita. E mais responsabilidade tereis
no futuro, quando o Sacrifício se tiver consumado, e a Redenção tiver vindo, e,
com ela a Graça, que é força e Luz. E, depois dela, virá quem ainda mais vos fará
compreender para querer. Quem, pois, não quiser, será muito responsável.”
“Então,
bem poucos se salvarão!”
“Por que, Bartolomeu?”
“Porque o
homem é tão fraco!”
“Mas sua fraqueza se fortifica, porque
tendo confiança em mim, ele se torna forte. Pensais que Eu não compreendo as
vossas lutas? E não tenha dó de vossas fraquezas? Estais vendo? Satanás é como
aquela aranha, que está tecendo a sua teia daquele raminho até este fuste. O
fio é tão subtil e traiçoeiro. Olhai como ele brilha. Parece a prata de uma filigrana
impalpável. Ele ficará invisível durante a noite, e amanhã pela manhã estará
brilhando como pedrinhas preciosas, e as mocas imprudentes, que giram pela
noite adentro, procurando alimentos pouco limpos, lá cairão, como também as
pequeninas mariposas, que são atraídas por tudo o que brilha...”
Outros
apóstolos se aproximam, e estão ouvindo as lições tiradas dos reinos vegetal e
animal.
“...Pois bem, o meu amor faz para com
Satanás o que está fazendo agora a minha mão. Está destruindo a teia. Olhai como
a aranha sai fugindo, e vai esconder-se. Ela tem medo do mais forte. Também
Satanás tem medo do mais forte. E o mais forte é o Amor.”
Não seria
melhor destruir a aranha?”, diz Pedro, que é muito prático em suas conclusões.
“Seria melhor. Mas essa aranha cumpre o
seu dever. É verdade que ela mata as pequenas mariposas, tão bonitinhas, mas
também extermina um grande número de moscas sujas, que transmitem doenças e
contaminações de doentes para os sãos, de mortos para vivos.”
“Mas, em
nosso caso, o que a aranha faz?”
“Que ela faz, Simão? Ela faz aquilo que
a boa vontade faz em vós. Destrói as tibiezas, os quietismos, as vãs
preocupações. Ela vos obriga a estar vigilantes. Que é que nos torna dignos de
prêmio: É a luta e a vitória. Podeis ter vitória, sem que tenhais tido luta? A
presença de Satanás nos obriga a uma contínua vigilância. O Amor, pois, que vos
ama, torna a presença dele não inexoravelmente nociva. Se estiverdes perto do
Amor, Satanás tenta, mas tornou-se incapaz de fazer-vos um verdadeiro mal.”
“Sempre?”
“Sempre. Nas grandes, como nas pequenas
coisas. Por exemplo, uma pequena coisa. A ti ele inutilmente aconselha que
tomes cuidado com a tua saúde. É um conselho traiçoeiro, procurando separar-te
de mim. O amor te conserva unido a mim, Simão, e as tuas dores perdem valor até
aos teus próprios olhos. Sim. Mas não fiques desanimado por isso. Eia! Sus! O
Amor te dará tanta coragem, que agora ele é o primeiro a sorrir diante da tua
natureza humana, que treme com as tuas reumas...”
Pg.338-341
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412 – ELOGIO AO LÍRIO DOS VALES,
SÍMBOLO DE MARIA, O SACRIFÍCIO DE PEDRO PELO BEM DE JUDAS
“Mestre,
não te agradam as flores?” Tomé interpela o Mestre, que tinha ficado escutando
tudo, mas sem falar.
“Tudo na Criação me agrada. Mas estas
flores estão entre as minhas prediletas...”
“Por
que?”, perguntam muitos. E, ao mesmo tempo, Judas pergunta: “E as víboras,
também te agradam?”, e ele se ri.
“Elas também. Servem...”
“Para
quê?”, perguntam muitos.
“Para
morder. Ah! Ah! Ah!”, ri-se, zombeteiro, Judas.
“Nesse
caso, deveriam agradar-te, e muito”, replica Tadeu, esmagando a risada com um
subentendido bem claro. Agora, são os outros que se riem, pelo bote bem dado.
Jesus não
se ri. Está até pálido e triste. Olha para os seus doze, e especialmente para
os dois antagonistas, que olham um com ira e o outro com severidade, e responde
a todos, deixando para responder ao Iscariotes em particular.
“Se Deus as fez, é sinal de que servem.
Nada há de inútil nem de totalmente nocivo entre os seres criados. Só o mal é
que é totalmente e somente nocivo, e ai daqueles que se deixam morder por ele.
Um dos pontos de sua mordida é a incapacidade de distinguir melhor entre o Bem
e o Mal, é o desvio da razão e da consciência pervertida para coisa não boas, e
é a cegueira espiritual pela qual, ó Judas do Simão, não se vê mais
resplandecer o poder de Deus sobre as coisas, até sobre as pequeninas. Nesta
flor, ele está escrito pela beleza, pelo perfume, pela forma tão inteligente de
qualquer flor, por esta gota de orvalho, que treme e brilha suspensa do cílio
de cera desta minúscula pétala, e parece uma lágrima de reconhecimento para com
o Criador, que tudo fez, e tudo bem feito, tudo útil, tudo variado. Mas está
escrito que tudo era bonito aos olhos dos progenitores, enquanto eles não
tinham as cataratas do pecado. E tudo lhes falava de Deus, enquanto nas coisas,
ou melhor, nas pupilas deles não foi instilado o líquido que alterou neles a
capacidade de ver a Deus. Também no momento atual, quanto mais Deus se lhe
revela, mais o espírito se torna soberano em uma criatura...”
“Salomão
cantou as maravilhas de Deus, e também Davi... e não tinham com certeza seu
espírito como soberano! Mestre, desta vez te peguei num erro.”
“Um
sem-vergonha é que és tu! Como tens a ousadia de dizer isso?”, detona
Bartolomeu.
“Deixa-o falar. Não lhe dou
importância. São palavras que o vento dispersa, e com as quais não ficarão
escandalizadas nem as ervas nem as plantas. Nós, os únicos que as escutamos,
sabemos dar a elas o peso que realmente têm, não é verdade? E não pensemos mais
nelas. A juventude é muitas vezes irrefletida. Tem dó dela... Mas alguém me
havia perguntado porque é que prefiro o lírio dos convales. Eu lhes respondo
assim: “Pela sua humildade. Nele tudo fala de humildade... Os lugares de que
ele gosta... a postura da flor. Ele me faz pensar em minha Mãe. Esta flor, tão
pequena! E, no entanto, procurai perceber o odor de um só de seus caules. O ar,
ao redor, fica todo perfumado por ele... Também minha Mãe, humilde, modesta,
desconhecida, que só pedia que a deixassem desconhecida... Também o perfume da
santidade dela foi tão forte, que me atraiu do Céu...”
“Estarás
vendo um símbolo de tua Mãe naquela flor?”
“Sim, Tomé.”
“E achas
que os nossos antigos ao louvarem o lírio do vale, já a ressentissem?”,
pergunta Tiago do Alfeu. Naquele tempo eles a comparavam a outras plantas e
flores, à rosa, à oliveira, e aos mais gentis dos animais: às rolas, às pombas...”
“Cada um dizia dela aquilo que achava
ser mais belo entre as criaturas. E, entre as outras criaturas, Ela é realmente
a Toda Bela. Contudo Eu a chamaria lírio do convale, a pacífica oliveira se
tivesse que celebrar os seus louvores”, e Jesus
se alegra e se ilumina, pensando em sua Mãe, e se afasta para ficar só...
Pg.
346-348
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413 – CHEGADA EM JERUSALÉM PARA A FESTA
DE PENTECOSTES E DISPUTA COM OS DOUTORES NO TEMPLO
Diz
Jesus:
“Jeremias já vos disse que haverá
alguns que, ao clarão da ira divina, responderão aumentando os seus pecados, e
tomando a piedade divina como prova de uma fraqueza da parte de Deus. Mas de
Deus não se zomba, meus filhos. Vós, como disse o Eterno por boca de Jeremias,
sois a argila nas mãos do oleiro. Como a argila são aqueles que se julgam
poderosos, como argila são os moradores deste lugar e os do palácio real. Não
há poder humano que possa resistir a Deus. E, se a argila resiste ao oleiro, e
quer tomar formas estranhas, horríveis, o oleiro transforma o que já foi feito
com ela, de novo, em um punhado de argila, e remodela o seu vaso, até que ele
se persuada de que o mais forte PE o oleiro, e que ele não se entrega à força
dela. E ainda pode acontecer que o vaso vire uns cacos porque ele teima em não
deixar-se modelar, por rejeitar a água com a qual o oleiro o molha para podê-lo
modelar, sem que ele trinque. E então o oleiro joga fora a argila teimosa, os
cacos inúteis e impossíveis de ser trabalhados, joga-os no meio das imundícies,
e vai apanhar uma nova argila, e a modela da forma que mais lhe agrada.
Não é assim que diz o profeta, narrando
a parábola do oleiro e do vaso de argila? É assim que ele diz. E, repetindo as
palavras do Senhor, ele diz: “Assim és tu, Israel, na mão de Deus.” E o Senhor
acrescenta, como uma advertência aos teimosos, que só a penitência e o
arrependimento, diante da reprovação de Deus é que podem modificar o decreto de
Deus de punição contra o povo rebelde.
Israel não se arrependeu. Por isso, as
ameaças de Deus continuaram mais fortes uma e dez vezes contra Israel. E Deus,
que sempre teve para com Israel a maior das misericórdias, ainda me mandou, e
agora vos diz: “Pois que não dais ouvidos à minha Voz, Eu me arrependerei do
bem que vos fiz, e prepararei contra vós a desventura.” E Eu, que sou a
Misericórdia, mesmo sabendo que estou perdendo inutilmente a minha voz, ainda
grito a Israel: “Que cada um volte atrás na má estrada por onde vinha. Cada um
de vós torne retas a sua conduta e as suas tendências. Porque, pelo menos,
quando os desígnios de Deus se cumprirem contra a Nação culpada, os melhores
dela, com perda geral de seus bens, da liberdade, da união, conservem pelo
menos seu espírito livre de culpas, unido a Deus, e não percam os bens eternos,
depois de terem perdido os bens terrenos.
As visões dos profetas não deixam de
ter uma meta, que é a de avisar aos homens sobre o que está para acontecer. E
foi-nos explicado pela figura do vaso de argila cozida, que foi quebrado à
vista do povo, o que é que podem esperar as cidades e os reinos que não se
tenham rendido ao Senhor.
...“Tu,
então, és Deus, o Verbo de Deus?”
“Eu o sou.”
“Tu o
dizes? E ainda na presença de tantas testemunhas, que poderiam denunciar-te por
isso?”
“A Verdade não mente. A Verdade não
precisa fazer cálculos. A Verdade é heroica.”
“E isto é
verdade?”
“A Verdade é este que vos está falando.
Porque o Verbo de Deus traduz o Pensamento de Deus, e Deus é Verdade.”
... O
sinedrita Elquias e os seus amigos olham-se uns aos outros... É uma verdadeira
telefonia de olhares. Mas eles se contém. E até um velho doutor, muito cortês
pergunta: “E, para evitar os castigos que Tu prevês que é que se deveria
fazer?”
“Acompanhar-me. E, principalmente crer
em Mim. E, mais ainda, amar-me.”
“Serás Tu
um amuleto?”
“Não. Eu sou o Salvador.”
“Mas Tu
não tens exércitos.”
“Tenho a Mim mesmo. Lembra-te,
lembrai-vos, para o vosso bem, por piedade para com as vossas almas,
lembrai-vos das palavras do Senhor a Moisés e a Aarão, quando ainda estavam na
terra do Egito: “Cada um do povo de Deus tome um cordeiro sem mancha, macho, de
um ano. E um por cada casa, e, se não bastar o número dos familiares para comer
o cordeiro, chame os vizinhos. E o imolareis no décimo quarto dia do mês de
Abid, que agora se chama Nisã, e, com o sangue do cordeiro imolado, molhai os
umbrais da porta das vossas casas. E, na mesma noite comereis as carnes dele
assadas ao fogo, com pão sem fermento e verduras selvagens. E tudo o que sobrar
queimai-o no fogo. E comereis com os cintos colocados ás cinturas, com os
calçados nos pés, um bordão na mão, ás pressas, porque é a passagem do Senhor.
E naquela noite Eu passarei golpeando todos os primogênitos do homem ou do
animal que se encontrarem nas casas não marcadas com o sangue do cordeiro. No
presente, nesta nova passagem de Deus, a mais verdadeira passagem, pois
realmente Deus está passando entre vós, visível, reconhecível pelos seus
sinais, a salvação estará com aqueles que estiverem marcados com o sangue do
Cordeiro, com o sinal da salvação. Porque na verdade, todos sereis marcados por
ele. Mas somente aqueles que amam o Cordeiro, e amarem o seu sinal é que, por
aquele sangue obterão a salvação. Para os outros, o sinal será o de Caim. E vós
sabeis que Caim não mereceu mais ver o rosto do Senhor, e não teve mais parada.
E, perseguido pelo remorso que o acompanhava, pelo castigo e por Satanás, seu
rei cruel, teve que andar errante e fugitivo pela Terra, enquanto teve vida.
Uma grande, grande figura do Povo que
vai ferir o novo Abel...”
“Também
Ezequiel fala do Tau... Crês Tu que o teu sinal é o Tau de Ezequiel?”
“É ele.”
“Então,
Tu nos acusas de que em Jerusalém haja abominações?”
“Eu gostaria de poder deixar de
fazê-lo. Mas assim é.”
“E, entre
os assinalados pelo Tau, não há pecadores? Podes jurar que não?”
“Eu não juro nada. Mas Eu vos digo que,
se entre os assinalados houver pecadores, mais tremendo ainda será o castigo
deles, porque serão os adúlteros do espírito, os renegados, os matadores de
Deus, e, depois de terem sido seus seguidores, serão os maiores no Inferno.”
“Mas
aqueles que não podem acreditar que Tu sejas Deus não terão pecado. Serão
justificados.”
“Não. Se não me tivésseis conhecido, se
não tivésseis podido averiguar minhas obras, se não tivésseis podido controlar
minhas palavras, não teríeis culpa. Se não fôsseis doutores em Israel, não
teríeis culpa, mas vós conheceis as Escrituras, e estais vendo as minhas obras.
Podeis fazer um paralelo... Se o fizerdes com honestidade, me vereis nas
palavras da Escritura, e as palavras da Escritura vós as vereis traduzidas em
atos por mim. Por isso não sereis justificados, por me desconhecerdes e me
odiardes. Há abominações demais, ídolos demais, fornicações demais, onde só
Deus deveria existir. E em todos os lugares onde vós estais. A salvação está em
repudiá-los e em acolher a Verdade que vos está falando. E, por isso, onde vós
matais ou tentais matar, aí sereis mortos. E por isso sereis julgados nas
fronteiras de Israel, lá onde todo poder humano decai, e só o Eterno é Juiz de
suas criaturas.”
“Por que
falas assim, Senhor? Estás sendo severo.”
“Verídico é que Eu estou sendo. Eu sou
a Luz. A Luz foi mandada para iluminar as Trevas. Mas a Luz deve brilhar
livremente. Inútil seria que o Altíssimo tivesse mandado a sua Luz, e depois
sobre essa Luz tivesse colocado um médio. Nem os homens fazem isso quando
acendem uma luz, porque senão, teria sido inútil acendê-la. Se a acendem, é
para que ilumine e para que quem entra em casa a veja. Eu, na escurecida casa
terrena de meu Pai venho colocar a Luz, para que quem está nela veja. E, então,
a Luz brilha. E bendizei-a se, com seu raio puríssimo, ela nos permite ver os
repteis, os escorpiões, as armadilhas, as teias de aranha e as rachaduras nas
paredes. Ele vos faz assim por amor. Para dar-vos um modo de conhecer-vos, de
vos limpar-vos, de dar caça aos animais nocivos: as paixões e os pecados, e de
reconstruir-vos antes que seja tarde demais e poderdes ver onde pôr o pé na
armadilha de Satanás, antes que nela vos precipiteis. Mas para ver além de uma
luz clara, é preciso ter também os olhos limpos. Por um olho que a doença
cobriu de névoas, a luz não passa. Limpai os vossos olhos. Limpai o vosso
espírito, para que a luz possa descer sobre vós. Por que ficar perecendo nas
trevas, quando o Senhor, tão bom, vos manda a Luz e o remédio para vos
curardes?
Por enquanto, não está tarde demais.
Vinde, nesta hora que vos espera, vinde a Luz, à Vida. Vinde ao vosso Salvador,
que vos estende os braços, que vos abre o coração, vos suplica que o acolhais
para o vosso eterno bem.”
Pg.
351-357
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414 – INVECTIVA CONTRA FARISEUS E
DOUTORES NO BANQUETE EM CASA DO SINEDRITA ELQUIAS
Diz
Jesus:
Ai de vós, ó fariseus, que pagais os
dízimos da hortelã e da arruda, da mostarda e do cominho, do funcho e de todas
as outras hortaliças, mas vos descuidais da justiça e do amor a Deus. Pagar os
dízimos é um dever, e se cumpre. Mas há outros deveres, e que também são
cumpridos. Ai de quem observa as coisas exteriores, e se descuida de observar
as interiores, baseados sobre o amor a Deus e ao próximo.
Ai de vós, ó fariseus, que amais os
primeiros lugares nas sinagogas e nas reuniões, e gostais de ser reverenciados
nas praças, mas não pensais em fazer os obras que vos deem um lugar no Céu, e
mereçam para vós a reverência dos anjos. Vós sois parecidos a uns escondidos,
que ficam sem serem observados por quem passa por perto deles e não sente
arrepios, mas que arrepios sentiria, se pudesse ver o que é que está fechado
dentro deles. Deus porém, vê todas as coisas até as mais ocultas, e não se
engana ao julgar-vos.
Jesus
é interrompido por um doutor da Lei, que se levanta, e põe-se de pé para
contradizê-lo:
“Mestre, falando assim nos
ofendes, logo a nós, e isso não te convém, porque nós devemos te julgar.”
“Não. Não vós. Vós não podeis
julgar-me, vós é que sereis os julgados e não juízes, e quem vos julga é Deus.
Vós podeis falar, emitir sons por meio de vossos lábios. Mas nem mesmo a voz
mais poderosa é capaz de chegar aos Céus, nem percorre toda a terra. Num
pequeno espaço de tempo, volta o silêncio... E, depois de pouco tempo, vem o
esquecimento. Mas o julgamento de Deus é uma voz que permanece, e não está
sujeita a esquecimentos. Séculos e séculos já se passaram, desde quando Deus
julgou a Lúcifer, e julgou a Adão. Mas a voz daquele juízo não emudeceu. E as
consequências daquele juiz ainda existem. E, se aos homens, por meio do Sacrifício
perfeito, o juízo sobre o ato de Adão continua sendo o que é, e é chamado
“Culpa de origem”, assim o será sempre. Os homens serão redimidos, lavados por
uma purificação superior a qualquer outra, mas nascerão com aquele sinal,
porque Deus decretou que aquele sinal deva estar em todos os nascidos de
mulher, menos para aqueles que, não por obra de homem, mas pelo Espírito Santo,
foi feito e para a Preservada e o Pré-santificado, virgens para sempre. A
Primeira, para poder ser a Mãe de Deus, e o segundo para poder vir à frente do
Inocente, nascendo já limpo, pela fruição antecipada dos méritos infinitos do
Salvador Redentor.
E Eu vos digo que Deus vos julga... E
vos julga, dizendo:
Ai de vós, doutores da Lei, porque
sobrecarregais o povo com pesos insuportáveis, transformando em castigo o
paterno Decálogo, pelo Altíssimo dado ao seu povo.” Ele com amor e por amor o
havia dado para que o homem fosse ajudado por um justo guia, o homem, esse
eterno imprudente, e ignorante menino. E vós, em vez das amorosas andadeiras
com que Deus havia ajudado as suas criaturas, a fim de que pudessem andar para
a frente, pelo seu caminho, e apertá-las sobre seu coração, substituístes as
andadeiras por montanhas de pedras agudas, pesadas, atormentadoras, com um
labirinto de prescrições, um íncubo de escrúpulos, pelo qual o homem fica
esmagado, extraviado, e para, e fica com medo de Deus, como de um inimigo. Vós
criais obstáculos para a ida dos corações a Deus. Vós separais o Pai dos
filhos. Vós negais, com as vossas imposições, esta doce, bendita, verdadeira
Paternidade. Vós, porém, os pesos que dais aos outros não quereis, nem com um
dedo, tocar neles. Vós vos julgais justificados, só por haver-lhes dado aqueles
pesos.
Mas, ó estultos, não sabeis que sereis
julgados por aquilo que houverdes julgado ser necessário para a salvação? Não
sabeis que Deus vos dirá: “Vós dizeis que era sagrada e justa a vossa palavra.
Pois bem. Eu também a julgo assim. E, visto que a impusestes a todos, e pelo
modo como foi acolhida e praticada é que tendes julgado os irmãos, eis que Eu
vos julgo pela vossa palavra. E, pois que não fizestes o que dissestes a eles
que fizessem, sede condenados!
Ai de vós que ergueis sepulcros para os
profetas, que os vossos pais mataram. E, por que não? Achais que com isso
diminuireis a gravidade da culpa de vossos pais? E que a anulareis aos olhos
dos pósteros? Não, pelo contrário. Vós dais testemunhos desses atos dos vossos
pais. Não somente isso. Mas os aprovais, e estais prontos para imitá-los,
erguendo depois um sepulcro em honra do profeta perseguido, para poderdes
dizer: “Nós lhe prestamos honras”. Hipócritas! É por isso que a sabedoria de
Deus disse: “Eu lhes mandarei profetas e apóstolos. E deles eles matarão
alguns, perseguirão a outros, para que se possa exigir desta geração o sangue
de todos os profetas, que foi derramado desde a criação do mundo até hoje,
desde o sangue de Abel até o sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar e
o Santuário.
Sim. Em verdade, em verdade, Eu vos
digo que de todo esse sangue de santos será pedida conta a esta geração, que
não sabe distinguir onde é que está Deus e persegue o justo, e o mata, porque o
justo é a prova viva da injustiça deles.
Ai de vós, doutores da Lei, que
usurpais a chave da ciência, e fechais o templo para não entrardes nele, a fim
de por ela serdes julgados, e não permitistes que os outros lá entrassem.
Porque vós sabeis que, se o povo fosse doutrinado pela verdadeira Ciência, isto
é, pela Sabedoria santa, poderia julgar-vos. Por isso vós preferis que ele fique
ignorante, para que não vos julgue. E vós me odiais, porque Eu sou a palavra da
Sabedoria, e gostaríeis de ver-me fechado, antes do tempo, em um cárcere, em um
sepulcro, para que Eu não falasse mais.
Mas Eu falarei, enquanto ao Pai agradar
que Eu fale. E depois falarão as minhas obras, mais ainda do que as minhas
palavras. E falarão os meus merecimentos, mais ainda do que as minhas obras, e
o mundo será instruído, e ficarão sabendo, e vos julgará, o primeiro juízo é
sobre vós. Depois virá o segundo, o juízo singular, na morte de cada um de vós.
E finalmente o último, o Universal. E vos lembrareis deste dia, e destes dias,
e vós sozinhos, conhecereis o Deus terrível, que vos tereis esforçado para
apresentar como uma visão de íncubo, diante do espírito dos simples, enquanto
vós, no interior do vosso sepulcro, tiverdes zombado dele e do primeiro e
principal mandamento: O Amor, até o último dado no Sinai, pois não tivestes
respeito a ele, e desobedecestes.
Inutilmente, ó Elquias, é que não
tenhas figurações em tua casa. Inutilmente, ó vós todos, que não tenhais
objetos esculpidos em vossas casas. No interior de vossos corações é que tendes
o ídolo, muitos ídolos. Um deles é que vós creiais uns deuses, os das vossas
concupiscências.
Vinde vós. Vamos embora.”
Pg.363 a
367
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417 – HISTÓRIA DO LEPROSO ZACARIAS, A
CONVERSÃO DO PUBLICANO ZAQUEU
“Zacarias,
vem.”
“Tu eras
leproso?”
“Eu era,
e comigo minha mulher e os meus dois filhos. A doença tomou conta da mulher em
primeiro lugar, e nós não percebemos isso logo. Os meninos pegaram a lepra
dormindo junto com a mãe, e eu ao aproximar-me de minha mulher. Todos estavam
leprosos! Quando perceberam isso, mandaram-nos para fora do povoado... Teriam
podido deixar-nos na casa. Ela era a última... na ponta da rua. Nós não
teríamos aborrecido a ninguém... Eu já tinha feito crescer a sebe alta, bem
alta, para que não pudéssemos ser vistos. Aquilo já era um sepulcro... mas era
a nossa casa... Eles nos mandaram embora. Fora! Fora! Nenhum povoado nos
queria. É justo. Pois nem o nosso nos tinha querido. Nós nos alojamos perto de
Jerusalém, em um sepulcro vazio. Lá estão muitos infelizes. Mas os meninos, com
o frio da caverna morreram. A doença, o frio e a fome bem depressa os
mataram... Eram dois filhos homens... eram muito bonitos, antes de contraírem a
doença. Morenos, como duas amoras de agosto, de cabelos cacheados, cheios de
vivacidade. Eles se viam transformados em dois esqueletos cobertos de chagas...
Não tinham mais cabelos, seus olhos estavam fechados pelas crostas, seus
pezinhos e suas mãos iam caindo como umas escamas brancas. Foram-se esfarelando
à frente de meus olhos os meus filhinhos! Já não tinham mais nem aparência
humana, naquela manhã em que eles morreram, com poucas horas entre a morte de
um e do outro. Eu os sepultei, ouvindo os gritos da mãe, por baixo de uma
camada rasa de muitas pedras, como se fossem as carniças de dois animais...
Depois de alguns meses, morreu também a mãe, e eu fiquei sozinho... Eu só
estava esperando morrer, e não teria tido nem uma cova cavada pelas mãos dos
outros.
Eu já
estava quase cego, quando certo dia, passou por lá o Nazareno. Do meu sepulcro
eu gritei: “Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!” Um mendigo me havia
contado, um que não tinha tido medo de chegar a mim para levar-me o seu pão,
que ele tinha sido curado de sua cegueira, ao invocar o Nazareno com aquelas
palavras. E ele dizia: “Ele, não somente me deu a vista dos olhos, mas também a
da alma. Eu vi que Ele é o Filho de Deus, e vejo todas as pessoas como ele
manda. É por isso que eu não te evito, meu irmão, mas te trago pão e fé. Vai ao
Cristo. Para que haja mais um que o bendiga.”
Andar, eu
não podia. Meus pés, chagados até os ossos, não me deixavam caminhar... e além
disso... eu teria sido feito alvo de pedradas, se fosse visto por alguém.
Fiquei atento à passagem Dele. Por ali Ele passava muitas vezes, para ir a
Jerusalém. Um dia eu vi, como me era possível ver, uma poeirada no caminho e
uma multidão, e ouvi uns gritos. Eu fui me arrastando por cima da colina, onde
estavam as grutas sepulcrais, e, quando me pareceu que eu estava vendo uma
cabeça loura, que se mostrava descoberta no meio das outras cobertas por mantas,
aí eu gritei. Gritei com força. Com toda a voz que eu ainda tinha. Gritei três
vezes. Até que o meu grito chegou a Ele.
Ele
virou-se. E parou. Depois andou para a frente sozinho. Foi parar justamente no
ponto onde eu estava, e olhou para mim. Era bonito, bom, com aqueles dois
olhos, aquela voz e aquele sorriso! Ele disse:
“Que
queres que Eu te faça?”
“Quero
ficar limpo.”
“Crês tu
que Eu possa limpar-te? Por quê? Ele perguntou-me.”
“Porque
Tu és o Filho de Deus.”
“Crês
nisto?”
“Eu
creio”, respondi. “Eu vejo o Altíssimo brilhando com sua glória sobre Tua
cabeça. Filho de Deus, tem piedade de mim!”
E Ele
então, estendeu uma mão, com um rosto que tinha o clarão de um fogo. Seus olhos
pareciam dois sóis azuis, e Ele disse: “Eu o quero. Fica limpo”, e me abençoou
com o seu sorriso! Ah! Que sorriso! Eu percebi que uma força penetrava em mim.
Parecia uma espada de fogo, que me penetrava, procurando o coração, e que
corria pelas veias. Meu coração, que estava tão doente, tornou-se como ele era
aos meus vinte anos, o sangue estava gelado nas veias, ficou quente, e se pôs a
circular velozmente. Não senti mais dor, nem fraqueza, mas uma alegria, que
alegria! Ele continuou a olhar para mim e, com o seu sorriso, me tornava feliz.
Depois Ele disse:
“Vai
mostrar-te aos sacerdotes. A tua fé te salvou.”
Foi então
que eu percebi que estava curado, e olhei para minhas mãos e minhas pernas. Não
havia mais chagas. Onde antes os ossos estavam descobertos, agora já havia
carne rosada e tenra. Fui correndo para um rio, a fim de olhar o meu rosto.
Também o rosto estava limpo! Eu estava limpo, depois de ter sido, durante dez
anos um ser asqueroso! Ah! Por quê é que não passou antes? Nos anos em que
estava viva minha mulher e os meus filhinhos. Ele nos teria curado a todos.
Agora, estás vendo? Estou fazendo compras para minha casa... Mas estou sozinho!”
“Tu,
nunca mais o viste?”
“Não...
Mas eu sei que Ele está por estes lados, e vim para cá de propósito. Eu
gostaria de bendizê-lo de novo, e de ser abençoado para ter força em minha solidão.”
Zaqueu inclina a cabeça, e fica calado.
Diz
Jesus:
“Há fermento e fermento. Há o fermento
do Bem e o fermento do Mal, veneno que fermenta com mais facilidade do que o
fermento do Bem, porque encontra a matéria mais adequada para a sua fermentação
no coração do homem, seduzidos todos os três por uma vontade egoísta, e, por
isso? Contrária à Vontade universal, que é a de Deus. A vontade de Deus é
universal, porque não se limita nunca a um pensamento pessoal, mas tem presente
o bem de todo o universo. Em Deus nada pode aumentar a perfeição por causa
disso, porque Ele sempre possui todas as coisas de uma maneira perfeita. Por
isso não pode haver nele nenhum pensamento de sua própria vantagem, por motivo
de nenhuma ação sua.
Quando se diz: “Isto se faz para a
maior glória de Deus, dentro dos interesses de Deus”, não é porque a glória de
Deus possa em si mesma receber aumento, mas desejando que todas as coisas da
Natureza Criada ofereçam um gesto de bem, e cada pessoa faça o bem, e por isso
mereça possuí-lo, e se orna com um sinal da Glória divina dando assim glória à
própria Glória, que gloriosamente criou todas as coisas. E, em suma, um
testemunho que pessoas e coisas dão a Deus, testemunhando com suas obras, sobre
a Origem perfeita da qual elas vêm.
Por isso, Deus quando vos manda ou vos
aconselha, ou vos inspira uma ação, não faz por um interesse egoísta, mas por
pensar nos outros, com um pensamento de caridade, pensando sobre o vosso
bem-estar. Eis aí, pois, porque é que a vontade de Deus nunca é egoísta, mas,
pelo contrário, é uma vontade inclinada para o bem dos outros, para o bem
universal. A única e verdadeira força do mundo todo, que pode ter consigo o
pensamento do bem universal.
O fermento do Bem, esse germe
espiritual que vem de Deus, cresce, aliás, com muitas circunstâncias adversas e
dificuldades, com muito esforço, tendo contra si as reações naturais dos
outros, da carne, do coração e do pensamento do homem, penetrados por um
egoísmo que é justamente o contrário, o oposto ao Bem que, por sua origem, não
pode ser outra coisa senão o Amor. Falta na maior parte dos homens, a Vontade
do Bem, e, por isso, o Bem se esteriliza, e morre, ou vive com tão grande
dificuldade que não fermenta, e fica naquilo. Não há aí culpa grave. Mas também
não há nenhum esforço para fazer o maior bem possível. E assim é que o espírito
permanece inerte. Não morto, mas infrutífero.
Tomai cuidado, porque deixar de fazer o
mal não basta, senão para evitar o inferno. Para se gozar logo do belo Paraíso
é preciso fazer o bem. Sem ficar duvidando. Tanto quanto cada um puder fazer.
Lutando contra nós mesmos e contra os outros. Porque eu disse que tinha vindo
para trazer a guerra, e não a paz entre os pais e os filhos, entre os irmãos e
as irmãs, quando essa guerra se originasse do fato de defender a Vontade de
Deus e a sua Lei contra os abusos das vontades humanas inclinadas para rumos
contrários àquele que Deus quer.
Em Zaqueu, o pequeno punhado de
fermento do bem chegou a fermentar e a tornar-se uma grande massa. Em seu
coração não havia caído mais do que uma migalhazinha para começo: haviam-lhe
contado o meu Sermão da Montanha. Contado talvez mal, certamente todo mutilado
em muitos pontos, como acontece com os discursos feitos, e dos quais depois se
fala.
Zaqueu, um publicano e um pecador. Ele
era como alguém que, tendo uma nevoa de catarata diante de suas pupilas, visse
mal as coisas. Mas ele sabe que os olhos, quando ficam livres daquela névoa,
voltam a poder enxergar bem. E um que está doente com ela deseja que lhe seja
tirada a névoa. Assim também o Zaqueu. Ele não estava persuadido, nem se sentia
feliz. Não persuadido, quanto às práticas farisaicas, que já haviam tomado o
lugar da verdadeira Lei. E não feliz por seu modo de viver.
Ele procurava como por instinto a Luz.
A verdadeira Luz. E a vislumbrou naquele fragmento do discurso e a guardou em
seu coração, como um tesouro. E, visto que amava, o brilho da luz foi-se
tornando sempre mais vivo, mais abrangente e impetuoso e o levou a ver
distintamente o Bem e o Mal, e a escolher de modo justo, e decididamente todos
os tentáculos de antes: das coisas contra o coração e do coração contra as
coisas, pois eles o tinham enredado na rede de uma maligna escravidão.
“Visto que o amava”, eis o segredo do
bom êxito para mais ou para menos. Tem-se bom êxito, quando se ama. Não se tem
bom êxito quando se ama com dificuldade. E não se tem nenhum bom êxito quando
não se ama. Assim é em todas as coisas. Com maior razão nas coisas de Deus,
porque sendo Deus invisível para os sentidos corporais, é necessário que se
tenha um amor, eu ouso dizer um amor perfeito, tanto quanto uma criatura possa
atingir de perfeição, para sair-se bem em uma empresa. Na santidade, neste
caso.
Zaqueu, desgostoso com o mundo e com a
carne, assim como também desgostoso com as práticas dos fariseus, tão cheias de
cavilações, intransigentes com os outros e condescendentes demais consigo
próprios, sentiu amor por aquele pequeno tesouro de uma palavra minha, que
chegou até ele por puro acaso, humanamente falando, e a amou como a coisa mais
bela que em sua vida de quarenta anos já tivesse possuído, e, desde aquele
momento polarizou seu coração e seu pensamento neste ponto.
Não somente no mal. Onde está o seu
tesouro, aí está o coração do homem. Mas também no bem. Os santos não terão
tido talvez em suas vidas o seu coação lá onde estava o seu tesouro: em Deus?
Sim. E por isso, olhando somente para Deus, souberam passar sobre a terra sem
corromper suas almas na lama da terra.
Naquela manhã, se Eu não tivesse
aparecido, teria do mesmo modo feito um prosélito. Porque o discurso do leproso
tinha completado a metamorfose de Zaqueu. No banco da fiscalização já não
estava mais o publicano fraudador e viciado. Mas o homem arrependido do seu
passado e decidido a mudar de vida. Se Eu não tivesse aparecido em Jericó, ele
teria fechado o seu posto, apanhado o seu dinheiro, e teria vindo procurar-me,
porque não podia mais ficar sem o pão do amor, sem o beijo do Perdão.
Isto, os senhores costumeiros que me
estavam observando, não o viam, nem tampouco o compreendiam. E por isso se
admiravam de que Eu comesse com um pecador. Pedi para que não julgásseis nunca,
deixando para Deus esta tarefa, porque os homens são como um pobre cego,
incapazes de julgar até a vós mesmos!
Eu nunca andei com os pecadores para
aprovar os seus pecados. Eu fazia o possível para afastá-los do pecado, muitas
vezes eles não tinham mais do que só a aparência de pecado, a sua alma
arrependida já se havia cuidado em uma nova alma vivente para fazer expiação. E
então, estava Eu com um pecador? Não. Mas com um redimido, que tinha somente
necessidade de um guia para controlar-se naquela fraqueza de quem ressurgiu da
morte.
Quantas coisas vos pode ensinar o
episódio de Zaqueu! O poder da reta intenção, que suscita o desejo. O desejo
reto que leva a procurar um conhecimento sempre maior do bem, e a procurar a
Deus continuamente, até tê-lo encontrado, um reto arrependimento, que dá a
coragem para a renúncia. Zaqueu tinha a reta intenção de ouvir palavras da
verdadeira doutrina. Tendo ouvido alguma delas, o seu reto desejo o leva a um
maior desejo e, por isso, a uma contínua busca de Deus, oculto na verdadeira
doutrina, o separa dos mesquinhos deuses do dinheiro e da sensualidade, e o faz
um herói na renúncia.
“Se queres ser perfeito, vai, vende
tudo o que tens, e vem acompanhar-me” disse Eu ao jovem rico, e ele não soube
fazer. Mas o Zaqueu, ainda que mais endurecido na avareza e na sensualidade,
sabe fazê-lo. Porque pelas poucas palavras que lhe foram dirigidas, ele tinha
visto Deus, como aquele mendigo cego e o leproso curado por Mim. Pode por
acaso, um espírito que viu a Deus encontrar mais alguma atração nas pequenas
coisas desta Terra? Será que o pode, minha pequena esposa?”
Pg.
380-387
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419 – CURA EM UM PEQUENO POVOADO DA
DECÁPOLE. PARÁBOLA DO ESCULTOR E DAS ESTÁTUAS
Jesus
sobe em uma barca, que foi puxada para a praia, e, daquela tribuna improvisada,
fala aos seus ouvintes, tendo-os à sua frente, à beira d`água e por entre as
árvores. Ele toma como ponto de partida de sua pregação a pergunta que um homem
lhe faz: "A nossa Lei, Mestre, quase nos mostra como feridos por Deus os
infelizes, pois até os proíbe de qualquer serviço junto do altar. Mas, que
culpa têm eles? Não seria justo dizer-se que os culpados são os pais deles, que
os deram à luz assim infelizes? E especialmente as mães? E, como é que temos
que proceder com estes que nasceram assim infelizes?”
Ouvi: Um escultor perito e perfeito fez
um dia a forma de uma estátua, e ficou uma obra tão bem feita, que ele gostou
muito dela, e disse: “Quero que a terra fique cheia de maravilhas como esta”.
Mas, ele sozinho, não podia executar obra de tal magnitude. Então, chamou em
sua ajuda outras pessoas, e lhes disse: “Segundo este modelo, fazei-me até dez
mil estátuas igualmente perfeitas. Depois eu lhes darei os últimos retoques,
infundindo uma expressão em suas fisionomias.
Mas seus ajudantes não eram capazes de
fazer aquilo, porque, além de serem muito inferiores ao seu mestre em
capacidade, tinham ficado um pouco ébrios, depois de terem provado uma fruta,
cujo suco cria delírios e névoas. Então, o escultor deu a eles umas espécies de
formas, e disse: “Modelai nelas o material. Ficará uma obra com medidas exatas,
e eu a completarei, dando-lhe vida, com um último retoque.” E os ajudantes
puseram mãos à obra.
Mas o escultor tinha um grande inimigo.
Era seu inimigo pessoal e inimigo dos seus ajudantes, e procurava por todos os
meios desfazer-se do escultor e semear mal-entendidos entre ele e os seus
ajudantes. Para isso ele colocou no trabalho deles a sua astúcia, primeiro
alterando o material que deveria escorrer pela forma, e depois enfraquecendo o
fogo, e, mais adiante até o trabalho dos ajudantes. Então aconteceu que aquele
que rege o mundo, para procurar impedir o mais possível que a obra fosse
realizada produzindo cópias imperfeitas, decretou sanções graves contra aqueles
modelos que foram fabricados de modo imperfeito. E uma daquelas sanções era que
aqueles modelos não pudessem ser expostos na Casa de Deus. Pois nela tudo deve,
ou deveria ser sempre perfeito. Eu digo deveria, porque não é assim. Ainda que
a aparência deles seja bonita, a realidade não é bonita. Os que estão presentes
na casa de Deus parecem ser sem defeitos, mas o olho de Deus descobre neles os
mais graves defeitos: os que estão no coração.
Oh! O coração! É com ele que se serve a
Deus. Na verdade, é com ele. Não é preciso nem basta ter o olho limpo e o ouvido
perfeito, a voz harmoniosa, membros bem feitos, para cantar louvores agradáveis
a Deus. Não preciso, nem basta ter belas vestes, limpas, perfumadas. Límpido e
perfeito, harmonioso e bem construído deve ser o espírito em seu olhar, seu
ouvido, sua voz, suas formas espirituais, e estas devem ser ornadas de pureza.
Esta é a veste bonita, limpa e perfumada pela caridade. Este é o óleo saturado
da essência que agrada a Deus.
E que caridade seria a de alguém que,
sendo feliz e vendo um infeliz, tivesse para com ele só zombaria e ódio? Mas,
até pelo contrário, dupla e tripla medida será dada a quem, sem ter culpa,
nasceu infeliz. A infelicidade é um sofrimento que traz merecimento para quem
passa por ele e para quem, junto com o desventurado, sofre também com aquilo,
talvez pelo amor a algum parente, ou talvez ainda batendo no peito e pensando:
“A causa deste sofrimento sou eu com os meus vícios.” Mas não deve nunca
converter-se em causa de culpa espiritual para quem a vê. Em culpa ele se
transforma, se transformar-se em uma falta de caridade, Por isso Eu vos digo,
não sejais nunca sem caridade para com o vosso próximo.
Nasceu ele infeliz? Amai-o, porque ele leva consigo o seu grande
sofrimento. Tornou-se ele infeliz por sua culpa? Amai-o, porque sua culpa já se mudou em
castigo. Será ele o pai de um infeliz,
que assim nasceu, ou assim ficou?
Amai-o, porque não há sofrimento maior do que a dor de um pai ferido em
seu filho. É uma mãe que gerou um monstro?
Amai-a, porque ela está literalmente esmagada por aquela dor que ela
acha a mais desumana das dores. Desumana ela não é.
Pois ainda maior é a dor de uma que é
mãe de um monstro em sua alma, pois ela se lembra de ter dado a luz um demônio
e um perigo para a terra, para a Pátria, para os amigos. Oh! Esta não ousa mais
nem levantar a fronte, essa pobre mãe de um feroz, de um abjeto, de um
homicida, de um traidor, de um ladrão, de um corrupto! Pois bem. Eu vos digo:
Amai também a essas mães, as mais infelizes. Pois elas através dos séculos
serão chamadas mães de um assassino, de um traidor.
Por toda parte a terra ouviu o pranto
das mães dilaceradas por uma morte cruel do seu próprio filho. Desde Eva até
hoje, quantas mães sentiram dilacerando-se as suas vísceras, mais do que nas
dores do parto. Mas, que é que Eu estou dizendo? Elas sentiram que lhes estavam
sendo arrancadas vísceras, e com elas o coração por alguma mão feroz, postas
sobre elas diante do filho assassinado, justiçado, torturado pelos homens, e,
uivando em seus espasmos, envolveram-se num delírio de um amor espasmódico e
doloroso, sobre aqueles despojos que não ouviram mais nada, não se acalentavam
mais com o seu calor, nem podiam mais fazer nenhum gesto, quando não acontecia
ter que ouvir ainda daquela boca as palavras: “Mãe, eu te odeio.”
E, no entanto, Eu vos digo que a terra
ainda não ouviu o grito, nem recolheu as lágrimas da mais santa e mais infeliz
das mulheres. Mais santa e infeliz do que aquelas que serão eternas na
lembrança dos homens. A Mãe do Redentor morto e a mãe daquele que será o seu
traidor. Elas duas, mártires de um modo diferente, se ouvirão, apesar da
distância entre elas, se ouvirão gemendo, e será a mãe inocente e santa, a mais
inocente, a Inocente Mãe do Inocente, a que dirá à sua irmã distante, mártir de
um filho incrivelmente cruel: “Minha irmã, eu te amo.” Amai para serdes dignos
desta, que amará por todos, e amará a todos. O amor somente, que salvará a
terra.”
Pg.
396-399
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421 – O ENDEMONINHADO CURADO, OS
FARISEUS E A BLASFÊMIA CONTRA O ESPÍRITO SANTO
...”O fermento dos fariseus é a
hipocrisia. Que nunca haja esta entre vós, nem quanto ao modo de tratar aos
irmãos. Guardai-vos do fermento dos fariseus. Pensai que nada há de oculto, que
não possa ser descoberto, nada de escondido, que não acabe sendo conhecido.
Vós estais vendo. Eles me haviam
deixado partir, e depois semearam a cizânia onde o Senhor havia lançado a
semente escolhida. Eles pensavam ter agido de modo sutil e vitorioso. E teria
bastado que vós não me tivésseis encontrado, que Eu tivesse atravessado o rio,
sem deixar nenhum rasto sobre as águas, pois elas voltam ao seu lugar depois de
terem sido abertas pela proa, a fim de que o mal que eles fizeram, querendo dar
a impressão de estarem fazendo o bem, assim triunfasse. Mas bem depressa é
descoberto o jogo e a obra má deles, é desfeita. E assim é com todas as ações
do homem. Mas um não fica enganado: é Deus, que tudo conhece, e a tudo provê.
Tudo o que é dito no escuro acaba sendo revelado pela Luz, e o que é tramado em
segredo dentro de um quarto pode ser revelado, como se tivesse sido executado
numa praça. Porque qualquer homem pode ter o seu delator. E porque todos os
homens são vistos por Deus, o qual pode intervir para desmascarar os culpados.
Por isso é preciso agir sempre com
honestidade para se viver em paz. E quem vive assim não tenha medo, não tenha
medo desta vida, nem medo da outra vida. Não, meus amigos, Eu vo-lo digo: quem
age como justo, não tem o que temer. Não tenham medo daqueles que matam, sim,
daqueles que podem matar o corpo, mas que depois disso nada mais podem fazer.
Eu vos direi de quem deveis ter medo. Tende medo daqueles que, depois de vos
terem feito morrer, pode mandar-vos para o inferno, isto é, os vícios, os maus
companheiros, os falsos e todos aqueles que insinuam o pecado, ou põem a dúvida
em vossos corações, aqueles que procuram corromper mais a alma do que o corpo e
levar-vos ao afastamento de Deus e a pensamentos da falta de esperança na
Divina Misericórdia. Disso deveis ter medo, Eu vo-lo repito. Porque senão
estareis mostos para sempre. Mas afinal pela vossa existência não temais. O
vosso Pai não perde de vista nem mesmo um desses pequenos passarinhos, que
fazem os seus ninhos por entre as ramagens das árvores. Nem um só deles cai na
rede, sem que o Criador o saiba. E, no entanto é bem pequeno o valor material
deles, a cinco pardais por dois asses. E nulo é o seu valor espiritual. E, não
obstante isso, Deus cuida deles. Como então, não terá Ele cuidado de vós? De
vossa vida? Do vosso bem? Até os cabelos de vossa cabeça são conhecidos pelo
Pai, e nenhuma injustiça que for praticada contra seus filhos ficará sem ser
observada, pois vós sois os seus filhos, isto é, muito mais do que os pardais,
que fazem os seus ninhos por debaixo dos telhados, ou por entre as folhagens.
E permanecei como filhos, enquanto não
renunciardes a sê-lo, por vossa livre vontade. E renuncia-se a essa filiação,
quando se renega a Deus e ao Verbo que Deus manda ao meio dos homens para levar
os homens a Deus. Então, quando alguém não me reconhece diante dos homens
porque teme algum prejuízo por causa desse reconhecimento, nesse caso também
Deus não o reconhecerá por seu filho, e o Filho de Deus e do homem não o
reconhecerá diante dos anjos de Deus. E quem tiver falado mal contra o Filho do
homem será ainda perdoado, porque Eu falarei a favor do seu perdão junto ao
Pai. Mas quem tiver blasfemado contra o Espírito Santo não será perdoado. Por
que é assim? Porque nem todos podem conhecer a extensão do Amor, a sua perfeita
infinidade, e ver a Deus em uma carne semelhante a toda carne humana. Os
gentios, os pagãos não podem crer nisto pela fé, porque a religião deles não é
amor. Também entre nós o respeito por medo, que Israel tem para com Javé, pode
impedir que se creia que Deus se tenha feito homem, e o mais humilde dos homens.
É uma culpa não crer em mim. Quando, porém ela se apoia em um sucessivo temor
de Deus, ainda é perdoada. Mas perdoado não pode ser quem não se rende à
verdade, que transluz dos meus atos, e diz que o Espírito do Amor não foi capaz
de manter a palavra dada, mandando o Salvador no tempo estabelecido, o Salvador
precedido e acompanhado pelos sinais que foram preditos.
Esses tais, que agora me perseguem,
conhecem os profetas. As profecias estão cheias de mim. Ele conhecem as
profecias, e conhecem o que Eu faço. A verdade é evidente. Mas eles a negam,
pela vontade de negar. Sistematicamente ele negam que Eu seja, não só o Filho
do homem, mas o Filho de Deus predito pelos profetas, o nascimento de uma
Virgem, não por vontade do homem, mas do Amor Eterno, do Eterno Espírito, que
me anunciou, para que os homens me pudessem conhecer. Eles, para poderem dizer
que a escuridão da Espera do Cristo ainda existe, obstinam-se em conservar
fechados os olhos, para não verem a Luz que está no mundo, e por isso renegam o
Espírito Santo, a sua Verdade, a sua Luz.
E para esses um juízo mais severo do
que para aqueles que não sabem. E o dizerem que Eu sou Satanás não lhes será
perdoado, porque o Espírito, por meio de Mim, faz obras divinas, e não
satânicas. E levar a outros ao desespero, quando o Amor os levou à paz, não
lhes será perdoado. Porque todas essas são ofensas ao Espírito Santo. A este
Espírito Santo, que é Amor, e dá amor, e pede amor, e que espera o meu
holocausto de amor, para derramar-se em um amor cheio de sabedoria e de luz nos
corações dos meus fiéis. E, quando isso tiver acontecido, e ainda vos
perseguirem, acusando-vos diante dos magistrados e dos príncipes das sinagogas
e nos tribunais, não vos preocupeis, pensando no modo com que havereis de
justificar-vos.
O próprio Espírito vos dirá o que
devereis responder para servirdes à Verdade, e conquistardes a Vida, assim como
o Verbo vos está dando tudo o que é preciso para poderdes entrar no Reino da
Vida Eterna. Ide em paz. Na minha Paz. Naquela paz que é de Deus, e que de Deus
emana, para saciar com ela os seus filhos. Ide, e não temais, Eu não vim para
enganar-vos, mas para instruir-vos, não para perder-vos, mas para redimir-vos.
Felizes daqueles que souberem crer nas minhas palavras.”
Pg. 414-416
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422 – MAU HUMOR DE ISCARIOTES, QUE
PROVOCA A LIÇÃO SOBRE OS DEVERES E OS SERVOS INÚTEIS
Diz
Jesus:
“Ouvi. Em verdade, Eu vos digo que ninguém
deve ficar gabando-se de cumprir o próprio dever e exigir por isso especiais
favores, pois cumpriu sua obrigação. Judas me fez lembrar que vós tudo me
destes. E me disse que por isso Eu tenho o dever de contentar-vos pelo que
fazeis. Mas escutai um pouco. Entre vós há pescadores, donos de terras, mais do
que um têm as suas oficinas, e o Zelotes tinha um sevo. Pois bem. Quando os
empregados da barca, ou os homens que, como servos, vos ajudavam no olival, no
vinhedo ou nos campos, ou os aprendizes na oficina, ou simplesmente o servo
fiel, que cuidava da casa e da mesa, quando terminavam seus trabalhos, por
acaso vós púnheis a servi-los? E não é assim em todas as casas e encargos? Qual
é o homem que, tendo um empregado a arar ou a apascentar, ou um operário na
oficina, lhe diz, quando ele termina o serviço: “Vai logo a mesa?” Nenhum. Mas,
mesmo que ele esteja voltando do campo, ou já tenha ido guardar as ferramentas
de trabalho, qualquer patrão diz: “Prepara-me a comida, vai lavar-te e, com
roupa limpa e cingida, serve-me a comida, enquanto eu como e bebo! Depois tu
comerás e beberás.” E não se pode dizer que isso seja dureza de coração. Porque
o servo deve servir o patrão, e o patrão não lhe fica obrigado por ter o servo
feito o que pela manhã o patrão lhe ordenou fazer. Pois, se é verdade que o
patrão tem o dever de ser humano para com o seu próprio servo, também o servo
tem o dever de não ser negligente e desmazelado, mas de cooperar para o
bem-estar do patrão, que o veste e mata-lhe a fome. Suportaríeis vós que os
vossos empregados na barca, os camponeses, os servos de casas vos dissessem:
“Serve-me, porque eu trabalhei?” Eu creio que não. Assim também vós, olhando o
que já fizestes e o que fazeis por mim, no futuro, olhando o que havereis de
fazer para continuardes a minha obra e continuardes a servir o Mestre devereis
sempre dizer, porque vereis também que tereis feito sempre muito menos do que
era justo que fizésseis, para alcançardes a altura do que recebestes de Deus:
“Nós somos uns servos inúteis, porque não fizemos mais do que o nosso dever.”
Se assim raciocinardes, vereis que não sentireis mais pretensões nem maus
humores surgindo dentro de vós, mas agireis com justiça.”
Jesus se
cala. Todos refletem.
Pedro
toca com o cotovelo em João, que está refletindo, com seus olhos celestiais
fixos sobre as águas, que da cor do anil passam para uma cor azulada, pois a
luz da lua está batendo nelas, e lhe diz: “Pergunta-lhe quando é que alguém faz
mais do que o seu dever. Eu gostaria de chegar a fazer mais do que o meu dever,
eu...”
“Eu
também Simão. Eu estava pensando justamente nisso”, responde-lhe João, com o
seu belo sorriso sobre os lábios, e pergunta em voz alta: “Mestre, dize-me: o
homem, teu servo, não poderá nunca fazer mais do que o seu dever, para dizer-te
com isso que te ama completamente?”
“Menino, Deus te deu tanto, que por
justiça, todo o teu heroísmo sempre seria pouco. Mas o Senhor é tão bom, que
mede o que lhe dais, não com sua medida infinita, mas o mede com a medida
limitada da capacidade humana. E, quando Ele vê que vós destes sem vos
poupardes, aí Ele vos dá uma medida bem cheia, transbordante, generosa, e diz:
“Este meu sevo deu mais do que era do seu dever. Por isso Eu lhe darei a
superabundância dos meus prêmios.”
“Oh! Como
estou contente, eu então te darei uma medida transbordante, para ter essa
superabundância!”, exclama Pedro.
“Sim. Tu ma darás. Vós ma dareis. Todos
aqueles que são amantes da Verdade, da Luz, ma darão. E comigo estarão
sobrenaturalmente felizes.”
Pg. 421- 422
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423 – PARTIDA DE ISCARIOTES, QUE
PROVOCA A LIÇÃO SOBRE O AMOR E O PERDÃO
“Não há limite para o amor e o perdão.
Não há. Nem em Deus, nem nos verdadeiros filhos de Deus. Enquanto há vida, não
há limite. A única barreira que se opõe à descida do perdão e do amor é a
resistência impenitente do pecador. Mas, se ele se arrepende, sempre é
perdoado. Ainda que pecasse, não uma, mas duas ou três vezes por dia, e muitas
mais.
Vós também pecais e quereis o perdão de
Deus, e a Ele ides, dizendo: “Pequei! Perdoa-me.” E para vós é doce o perdão,
como para Deus é doce perdoar. E vós não sois deuses. Por isso é menos grave a
ofensa que um vosso semelhante vos faz do que o que ele faz Aquele que não é
semelhante a nenhum outro. Não vos parece? E, no entanto, Deus perdoa. Fazei
vós também a mesma coisa. Olhai para vós. Cuidado para que a vossa
intransigência não se transforme para vós em prejuízo, provocando a intransigência
de Deus contra vós.
Eu já o disse, e o repito ainda. Sede
misericordiosos, para obterdes misericórdia. Ninguém é tão sem pecado, que
possa ser inexoráveis para com o pecador. Olhai para os vossos pesos, antes de
ficardes olhando os que gravam o coração do outro. Tirai primeiro os vossos do
vosso espírito, e depois voltai-vos para os dos outros, a fim de mostrar para
com os outros, não um rigor que condena, mas um amor que ensina e os ajuda a
ficarem libertados do mal. Para poderdes dizer, e não serdes silenciados pelo
pecador, para poderdes dizer: “Tu pecaste contra Deus e contra o próximo.” É
preciso não ter pecado, ou pelo menos ter dado uma reparação pelo pecado.
Para poderdes dizer aquele que se
rebaixou por ter pecado: “Tem fé, pois Deus perdoa a quem se arrepende, e
deveis mostrar muita misericórdia no perdoar. Então podereis dizer: “Estás
vendo, pecador arrependido? Eu perdoo as tuas culpas sete e sete vezes, porque
sou servo daquele que perdoa vezes sem número a quem outras tantas vezes se
arrepende de seus pecados. Pensa, então, como te perdoa o Perfeito, se eu, só
porque o sirvo sei perdoar. Tem fé!” Assim é que deveis poder dizer.
Por isso se o vosso irmão peca,
repreendei-o com amor, e, se ele se arrepende, perdoai-lhe. E, se no fim do dia
tiver pecado sete vezes, e sete vezes vos disser: “Eu estou arrependido do que
fiz, outras tantas vezes perdoai-lhe. Entendestes?
Prometei-me que o fareis? Enquanto ele
está longe, me prometeis que vos compadecereis dele? Que me ajudareis a curá-lo
com o sacrifício de vos conterdes, quando ele erra? Não quereis ajudar-me a
salvá-lo? Ele é um vosso irmão pelo espírito, vindo de um único Pai, e pela
raça vindo de um único povo, pela missão sendo apóstolo como vós. Três vezes o
deveis amar por isso. Se na vossa família tivésseis um irmão, que dá tristeza
ao pai, e dá que falar de si, não procurareis corrigi-lo para que o pai não
sofra mais, e o povo não fique falando mal de vossa família? E, então? Não é a
vossa uma família maior e santa, a família cujo Pai é Deus, e cujo primogênito
sou Eu? Por que, então, não quereis consolar ao Pai e a Mim, e ajudar-nos a
tornar bom o pobre irmão que, podeis crer, não é feliz por estar assim.”
Jesus
está, com muito esforço, implorando um favor do apóstolo tão cheio de faltas...
E termina dizendo: “Eu sou o Grande Mendigo. E vos peço a esmola mais preciosa:
almas, é o que vos peço. Eu as vou procurando. Mas vós me deveis ajudar...
Matai a fome do meu Coração, que procura amor, e não o encontra, a não ser em
muito poucos. Porque aqueles que não tendem para a perfeição são para mim como
uns pães tomados da minha fome espiritual. Daí almas ao vosso Mestre, que está
aflito por ser desamado e incompreendido...”
Os
apóstolos estão comovidos... muitas coisas quereriam dizer, mas todas as suas
palavras lhes parecem mesquinhas... Eles se unem bem perto do Mestre, e todos o
querem acariciar, para lhe darem a entender que o amam.
Pg.
428-429
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424 – PENSAMENTO DE GLÓRIA E DE
MARTÍRIO À VISTA DA COSTA DO MEDITERRÂNEO
“Mestre...
eu penso... Penso em todas as palavras dos nossos salmistas, no livro de Jó,
nas palavras dos livros sapienciais, nas quais se celebra o poder de Deus. E
não sei porque este pensamento que me vem sobre aquilo que eu vejo, me faz
surgir outro pensamento que é: se tendo sido elevados a uma beleza perfeita,
sobre uma pureza azul e luminosa, se formos justos até o fim, até o dia da
grande contagem, no dia do Teu Triunfo Eterno, no dia que Tu nos descreves e
que será o fim do Mal. E me fica parecendo estar vendo povoada esta imensidão
do céu pelos corpos luminosos ressuscitados por Ti, que estarás brilhando mais
do que mil sóis, no meio dos bem-aventurados, sem que haja mais dores, nem
lágrimas, nem insultos, nem difamações, como aquelas de ontem à tarde... mas
paz, paz, paz... Mas, quando é que o Mal deixará de ser nocivo? Será que ele
quebrará as suas flechas contra o teu sacrifício? Persuadir-se-à ele de ter
sido vencido?”, diz João, que a princípio estava sorrindo, mas agora está
angustiado.
“Nunca. Ele sempre julgará ser um
triunfador, mesmo com todos os desmentidos que os justos lhe darão. E o meu
Sacrifício não quebrará suas flechas. Mas a hora virá, a hora final, na qual o
Mal será vencido, e uma beleza ainda mais infinita do que a que o teu espírito
prevê, os eleitos serão o único Povo, Eterno, Santo, o Povo verdadeiro do Deus
verdadeiro.”
“E nós
estaremos lá todos?”, perguntam os apóstolos.
“Todos.”
“E nós?”,
pergunta um grupo de discípulos.
“Vós também lá estareis todos.”
“Todos os
aqui presentes, ou todos os que somos discípulos? Nós que já somos muitos,
apesar dos que se separaram.”
“E sempre mais vós sereis. Mas nem
todos sereis fiéis até o fim. Contudo, muitos estarão comigo no Paraíso. Alguns
terão o prêmio depois da expiação. Outros, desde o primeiro momento depois da
morte, mas o prêmio será tão grande que, assim como vós esquecereis da Terra e
de suas dores, assim vós esquecereis do Purgatório com suas nostalgias
espirituais de amor.”
...Um que
morrer assim(torturado), será muito perdoado”, diz um velho discípulo, cujo
nome eu não sei.
“Não somente muito, mas será perdoado
de tudo, Papia. Porque o amor é uma absolvição, e o sacrifício é uma
absolvição, e a confissão heroica da fé é uma absolvição. Vai, portanto, com um
tríplice banho, será dado aos mártires.”
Pg.
431-432
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425 – EM CESARÉIA MARÍTIMA. ROMANOS
ALEGRES E PARÁBOLA DOS FILHOS QUE TEM SORTES DIVERSAS
“Escutai. Um pai de muitos filhos deu a
cada um deles, quando se tornaram adultos, duas moedas de grande valor, e lhes
disse: “Eu não pretendo mais trabalhar para cada um de vós. Já estais na idade
de ganhardes o vosso pão. Por isso, eu dou a cada um uma quantia igual de
dinheiro, para que a empregueis como vos agradar, e como vos for útil. Eu
ficarei aqui esperando, pronto para vos aconselhar, e pronto também para vos
ajudar, se, por algum contratempo perderdes tudo, ou uma parte do dinheiro, que
eu agora vos dou.
Mas lembrai-vos bem de que eu serei
exigente com quem o perder por suas más intenções, e com os preguiçosos que o
gastarem, ou o deixarem de usar bem, levando uma vida de ócio e nos vícios. A
todos ensinei o que é o Bem e o que é o Mal. Portanto não deveis dizer que
ireis enfrentar a vida, sem estardes sabendo de nada. A todos vós eu dei um
exemplo de como trabalhar sabiamente e de como levar uma vida honesta. Por
isso, não podeis dizer que eu desvirtuei a vossa boa disposição dando-vos algum
mau exemplo. Eu cumpro com os meus deveres. Agora cumpri vós o vosso, pois
tolos vós não sois, nem desamparados, nem analfabetos. Ide”, e deu-lhes a
liberdade de irem começar seus trabalhos, ficando ele sozinho em sua casa, na
expectativa de ver o que aconteceria.
Os filhos se espalharam pelo mundo.
Todos eles possuíam as mesmas coisas: duas moedas de grande valor, das quais
podiam dispor livremente, e um tesouro ainda maior, que era a saúde, bastante
energia, conhecimentos e os exemplos do pai. Por isso todos deveriam sair-se
bem igualmente.
Mas, que aconteceu? Aconteceu que entre
os filhos alguns usaram bem das moedas e fizeram delas logo grandes e honestos
tesouros, por meio de um trabalho incansável e honesto, e com uma vida
morigerada, bem regrada pelos ensinamentos paternos, e os outros que a
princípio adquiriram fortuna, mas depois a desfizeram, por se entregarem ao
ócio a à crápula. E houve ainda outros que procuraram ganhar dinheiro por meio
da usura e de negócios indignos, e os que não fizeram nada por terem ficado
inertes, preguiçosos, hesitantes, e acabaram com as moedas de grande valor, sem
terem chegado a conseguir nenhuma ocupação.
Depois de algum tempo, o pai de família
mandou os seus servos para todos os lados por onde sabia que estavam os seus
filhos, e disse aos servos: “Direis aos meus filhos que venham reunir-se em
minha casa. Eu quero que me prestem contas do que é que fizeram durante esse
tempo e me digam aqui em casa em que condições estão.” E os servos lá se foram
por todos os lados e chegaram até os filhos do seu patrão, terminaram a
embaixada, e cada um deles voltou em companhia do filho do patrão que ele havia
encontrado.
O pai de família os recebeu com muita
festa. Como pai, mas também como juiz. E todos os parentes da família estavam
presentes e, com os parentescos amigos, os conhecidos, os servos, os
companheiros do lugar e os dos lugares limítrofes. Foi uma reunião solene. O
pai estava sentado em sua cadeira de chefe da família, e, ao seu redor, em
semicírculo, todos os parentes, amigos, conhecidos, servos, companheiros do
lugar e dos lugares vizinhos. Na frente dele, em fila, estavam os filhos.
Mesmo sem terem sido ainda
interrogados, o aspecto deles já dava a resposta de qual era a verdade. Os que
haviam trabalhado bem e haviam sido honestos, morigerados, e que tinham formado
uma santa fortuna, apresentavam uma aparência festiva, pacifica e de um
bem-estar de quem dispõe de abundantes meios e goza de boa saúde, e serenidade
de consciência. Estes olhavam para o pai com um sorriso bom, de um
reconhecimento humilde, mas, ao mesmo tempo triunfante, contentes pela alegria
de terem honrado seu pai e a família, e por terem sido bons filhos, bons
cidadãos, e bons em sua fidelidade.
Os que haviam gastado na indolência ou
no vício os seus haveres, estavam humilhados, tristes, mirrados na aparência e
pobres nas vestes, com os sinais da crápula ou da fome claramente impressos em
todos eles. Os que tinham feito fortuna por meio de manobras delituosas,
mostravam em seus rostos a agressividade, a dureza, um olhar cruel e
perturbado, como o das feras, que temem o domador, e estão preparadas para
reagir.
O pai começou o interrogatório por
esses últimos: “Como é que vós estáveis tão calmos, quando partiram e agora
estais parecendo umas feras dispostas a dilacerar? Qual a origem dessa vossa
aparência?”
“Foi a vida que no-la deu. E a dureza
de mandar-nos para fora de casa. Foste tu que nos puseste em contato com o
mundo.”
“Está bem. E que foi que fizestes no
mundo?”
“O que nós pudemos fazer para obedecer
à tua ordem de ganharmos a vida com aquele nada que nos deste.”
“Está bem. Ide colocar-vos naquele
canto... E agora pergunto a vós que estais magros, doentes e mal vestidos. Que
foi que fizestes para ficardes assim? Pois estáveis bem sadios e bem vestidos
quando partiram?”
“Com dez anos, as roupas estão
puindo... em...”, objetaram os fazedores de nada.
“Não existem mais teares no mundo, que
façam tecidos para as roupas dos homens?”
“Sim... Mas é necessário o dinheiro
para comprá-los...”
“E vós tínheis o dinheiro.”
“Mas em dez anos... já era tempo de ele
ter acabado. Pois tudo o que tem um princípio tem um fim.”
“Sim. Se só se tira, e nada se põe.
Mas, por que ficastes só tirando?” Se tivésseis trabalhado, poderíeis pôr e
tirar, sem que o dinheiro acabasse, mas, ao contrário, até aumentasse. Por
acaso estivesses doentes?”
“Não, pai.”
“E, então?”
“Nós nos sentimos desorientados... Não
sabíamos o que fazer, o que fosse bom fazer... Tínhamos medo de fazer coisas
mal feitas. E para não as fazermos mal, não fizemos nada.”
“E não estava aqui o vosso pai, a quem
podíeis pedir um conselho, pois eu não sou um mau pai, intransigente e
receoso.”
“Não! Não! Nós estávamos com vergonha
de te pedir, de tomar iniciativas. Tu foste sempre um homem de tanta
atividade... Nós nos escondemos por vergonha.”
“Está bem. Ide lá para o meio da sala.
Agora, vós. E que me dizeis vós. Vós que a esta aparência de famintos, unis a
da doença? Por acaso ficastes doentes por trabalhardes demais? Sede sinceros, e
eu não vos agredirei.”
Alguns dos interpelados se jogaram de
joelhos, batendo no peito, e dizendo: ”Perdoa-nos, ó pai. Deus já nos castigou,
e nós o merecemos, mas tu que és nosso pai, perdoa-nos! Nós começamos bem, mas
não perseveramos. Julgando-nos já ricos com facilidade, nós dissemos: “Pois
bem. Agora, vamos gozar um pouco, como nos sugeriram os amigos, e depois
voltaremos ao trabalho, e refaremos o que foi gasto.” E, em verdade, assim nós
queríamos fazer. Voltar às duas moedas, e depois fazê-las produzir frutos, como
se fosse uma brincadeira. E, por duas vezes (dizem dois), por três (diz um),
nós conseguimos, mas depois a fortuna nos abandonou... e acabamos com o
dinheiro.”
“Mas, por que foi que não parastes.
Depois da primeira vez?”
“Porque o pão e o vício estraga o
paladar, e não se pode mais fazer nada sem ele...”
“Mas aqui estava o vosso pai...”
“É verdade. E por ti suspirávamos com
saudade e nostalgia. Mas nós te havíamos ofendido. E suplicávamos ao Céu que
nos inspirasse, para te chamarmos, a fim de recebermos a tua censura e o teu
perdão. Isto era o que pedíamos, e pedimos agora, mais do que as riquezas, que
não desejamos mais, visto que elas nos transviaram.”
“Está bem. Ide, vós também colocar-vos
juntos com os de antes, no centro da sala... E vós, que estais doentes e
pobres, como estes, mas que estais calados e não pareceis estar sofrendo, que é
que tendes a dizer?”
“Aquilo que os primeiros disseram. Que
te odiamos, porque com teu modo imprudente de agir, nos arruinastes. Tu, que
nos conhecias, não devias ter-nos exposto às tentações. Tu nos odiaste, e nós
te odiamos. Tu fizeste uma armadinha, para te veres livre de nós. Que sejas
maldito.”
“Está bem. Ide ficar com os primeiros,
naquele canto. E agora, vós que estais cheios de vida, serenos, ricos filhos
meus. Falai. Dizei-me como foi que conseguistes chegar a este ponto?”
“Pondo em prática os teus ensinamentos,
os teus exemplos, os teus conselhos, as tuas ordens, tudo. Resistimos aos
tentadores, por amor de ti, ó pai bendito, que nos deste a vida e a sabedoria.”
“Está bem. Vinde para a minha direita,
e ouvi todos o meu julgamento e a minha defesa. Eu dei a todos a mesma medida
de dinheiro, de exemplo e de sabedoria. Mas os meus filhos corresponderam aos
meus gestos de maneiras diferentes. De um pai trabalhador, honesto, morigerado,
saíram, uns semelhantes a ele, outros ociosos, outros fracos, e fáceis para
caírem em tentação, outros cruéis, que odiaram ao pai, os irmãos e o próximo,
sobre os quais, ainda que não o digam, eu o sei, praticaram a usura e o delito.
Entre os fracos e os ociosos, há uns arrependidos, e outros impenitentes.
Agora, eu vou julgar.
Os perfeitos já estão à minha direita,
estando, pois na mesma glória que eu, como o estiveram nas obras. Os arrependidos
estarão de novo, como uns meninos ainda a serem instruídos, tendo que obedecer,
até alcançarem o grau de capacidade, que os torne de novo adultos. Os
impenitentes e os culpados serão jogados para fora dos meus domínios e
perseguidos pela maldição de quem não é mais pai deles, porque o ódio deles
contra mim anula as relações de paternidade filiação entre nós. Mas eu faço
lembrar a todos que cada um fez para si mesmo a sua sorte, pois eu dei a todos
as mesmas coisas que produziram quatro diferentes sortes, e eu não posso ser
acusado de ter desejado o mal deles.”
A parábola terminou, ó vós que a
escutastes! E agora Eu vos dou o significado dela: O Pai do Céu está figurado
pelo pai de uma numerosa família. As duas moedas dadas pelo pai a todos os
filhos, antes de mandá-los pelo mundo, são o tempo e a vontade livre que Deus
dá a cada homem, para que ele use deles como achar melhor, depois de terem sido
ensinados e formado pela Lei e pelos exemplos dos justos. A todos foram dados
dons iguais. Mas cada homem usa deles como sua vontade quer. Uns aproveitam bem
o tempo, os meios, a educação, o patrimônio, tudo para o bem, e se mantêm
sadios e santos, ricos, por terem multiplicado a riqueza.
Outros começam bem, depois se cansam, e
se extraviam. Outros não fazem nada, pretendendo que os outros o façam. Outros
acusam ao pai de seus próprios erros. Outros se arrependem dispostos a fazerem
uma reparação. Outros não se arrependem e ainda acusam e maldizem, como se sua
ruína tivesse sido causada por outros. E Deus, aos justos dá imediatamente o
prêmio. Aos arrependidos, a sua misericórdia e tempo para expiarem, a fim de
alcançarem o prêmio pelo seu arrependimento e expiação. E dá a maldição e o
castigo a quem espezinha o amor, com sua impenitência depois do pecado. Cada um
recebe o que merece.
Portanto não useis mal das duas moedas:
o tempo e o livre arbítrio, mas usai delas com justiça, para estardes à direita
do Pai, e, se tiverdes cometido faltas, arrependei-vos delas, e tende fé no
Amor Misericordioso. Ide. A paz esteja convosco.
Pg. 439 a
442
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428 – PARÁBOLA DA VINHA E DO
VINHATEIRO, FIGURAS DA ALMA E DO LIVRE ARBÍTRIO
Diz
Jesus:
“Quando nós tínhamos só uma carne
animal no seio de nossa mãe, Deus no Céu criou a alma, para fazer à sua
semelhança o futuro homem, e a colocou na carne, que no seio já se ia formando.
E o homem ao chegar o seu tempo de nascer, nasceu com sua alma, a qual, até
chegar o uso da razão, foi como uma terra deixada sem ser cultivada pelo dono.
E, tendo chegado à idade da razão, o homem começou a raciocinar, a distinguir o
Bem do Mal. E foi então que ele descobriu que tinha uma vinha a ser por ele
cultivada a seu gosto. E se lembrou de por um vinhateiro à frente dessa vinha:
o seu livre arbítrio. De fato, a liberdade de guiar-se, dada por Deus ao homem,
seu filho é como um criado muito útil dado por Deus ao homem, seu filho, para
ajudá-lo a tornar fértil a vinha, isto é, a sua alma.
Se o homem não tivesse que afadigar-se
para fazer-se rico, a fim de fazer para si mesmo um futuro eterno de uma
prosperidade sobrenatural, se tudo ele tivesse que receber de Deus, que
merecimento ele teria em criar-se de novo uma vida de santidade, depois de
Lúcifer ter corrompido a santidade inicial da humanidade, que havia sido dada
gratuitamente por Deus aos primeiros homens? Já é muito que às criaturas,
decaídas por terem herdado a culpa, Deus conceda ainda que possa merecer o
prêmio de se fazerem santas, nascendo de novo, por sua própria vontade, para
aquela natureza do começo, de criaturas perfeitas, que o Criador havia dado a
Adão e Eva e aos seus filhos, se os progenitores deles se tivessem conservado
imunes da Culpa original. O homem decaído deve tornar-se homem eleito por sua
livre vontade.
Pois bem. Que é que sucede às almas?
Sucede o seguinte: o homem confia sua alma à sua própria vontade, ao seu livre
arbítrio, o qual se põe a trabalhar a vinha, que ficou até agora como um
terreno sem plantas que durem para sempre. Só umas ervas mirradas e umas
florezinhas caducas, nos primeiros anos ainda se viam aqui e ali sobre ela:
eram caducas da instintiva bondade de um menino, que ainda é bom, porque é como
um anjo, que não conhece o Bem e o Mal.
Vós direis: “por quanto tempo durará
isso?” Geralmente se fala assim: “Até os seis anos.” Mas, na verdade, há um uso
precoce da razão, pelo qual já vemos meninos responsáveis por suas ações, já
antes dos seis anos. Vemos meninos responsáveis por suas ações até aos três
anos, aos quatro anos, responsáveis porque sabem o que é Bem e o que é Mal, e
querem livremente isto ou aquilo. Desde o momento em que uma criatura sabe
distinguir a má da boa ação, ela é responsável. Antes, não. Por isso, o
excepcional, mesmo com cem anos de idade, é um irresponsável. Mas, por sua vez,
já tem responsabilidade os seus tutores, que devem amorosamente velar sobre ele
e sobre o próximo que, pelo excepcional ou pelo louco pode ser atacado, a fim
de que o excepcional não faça mal a si mesmo nem aos outros.
Mas Deus não atribui ao excepcional nem
ao louco nenhuma culpa, porque para sua desgraça ele é privado da razão. Mas
nós estamos falando de seres inteligentes e sãos de mente e de corpo.
Portanto, o homem confia a sua vinha
inculta a um trabalhador: é o livre arbítrio, e ele começa a cultivá-la. A
alma, que é a vinha, tem, porém, uma voz, e a faz ouvir ao arbítrio. É uma voz
sobrenatural, alimentada por vozes sobrenaturais, que Deus não nega nunca as
almas: é o Anjo da Guarda, a de espíritos mandados por Deus, é a da Sabedoria e
das recordações sobrenaturais, de que todas as almas se lembram, ainda que
delas o homem não tenha uma percepção exata. E fala ao livre arbítrio, com uma
voz suave, e até suplicante, para pedir-lhe que a adorne com plantas boas, que
seja ativo e sábio, para não fazer dela uma mata selvagem, maligna e venenosa,
onde ficam aninhadas as serpentes e os escorpiões, onde se entoca a raposa e a
fuinha, e outros quadrúpedes malvados.
O livre arbítrio nem sempre é um bom
cultivador. Nem sempre ele guarda a vinha, nem a defende com uma sebe
intransponível, isto é, com uma vontade firme e boa, atenta para defender a
alma dos ladros, dos parasitas, de todas as coisas perniciosas, dos ventos
violentos que poderiam fazer cair as pequeninas flores das boas resoluções, mal
estas começaram a formar-se no desejo. Oh! Que sebe alta e forte se faz
necessário que se levante ao redor do coração para salvá-lo do mal! Como é
necessário vigiá-la, para que não seja forçada, para que não se abram nela nem
grandes aberturas, pelas quais entram as dissipações, nem aberturas pequenas,
mas traiçoeiras em sua base, nas quais se entocam as víboras: os sete vícios
capitais.
Como pois, é preciso sachar, queimar as
ervas más, podar, fazer arroteios, adubar com a mortificação, curar com o amor
a Deus e ao próximo, a sua própria alma. E vigiar, com olhos abertos e cheios
de luz, e com a mente desperta, para que os mergulhões, que podiam parecer
bons, não se revelem maus depois, e, se isto acontecer, será preciso
arrancá-los sem dó. É melhor uma planta só, mas perfeita, do que muitas que
causem prejuízo ou são inúteis.
Nós temos nossos corações, temos, por
isso vinhas que são sempre trabalhadas, plantadas com novas plantas por um
cultivador desordenado, que amontoa as plantas novas: esse trabalho, essa
ideia, essa vontade, ainda que não sejam más, contudo, depois se tornam más,
pois caindo as plantas no solo, se mestiçam, e morrem... Quantas virtudes
perecem, porque estão misturadas com a sensualidade, pois não são cultivadas,
porque, afinal o livre arbítrio não é ajudado pelo amor! Quantos ladrões
começam a roubar, a pôr a mão nas coisas e a arrebatar, porque sua consciência
está dormindo, em vez de ficar vigilante, ou porque a vontade se enfraqueceu e
se corrompe, ou porque o arbítrio se deixa seduzir, e se faz escravo, ele que
era livre, agora escravo do Mal.
Mas pensai bem! Deus o deixa livre, e o
arbítrio se faz escravo das paixões, do pecado, das concupiscências, do Mal,
afinal. A soberba, a ira, a avareza e a luxúria, que se misturaram antes,
depois triunfam sobre as plantas boas! É um desastre. Grande é a aridez que
resseca as plantas, porque não há mais a oração, que é a união com Deus, e, por
isso, uma orvalhada de sucos benéficos deixa de descer sobre a alma! Muito gelo
vem entorpecer as raízes pela falta de amor a Deus e ao próximo! O terreno está
muito magro, porque rejeita a adubação, que é a mortificação e a humildade, Que
emaranhamento intrincado de ramos bons com ramos não bons, porque não se tem a coragem
de passar pela dor, ou de se ter que cortar o que é nocivo! Este é o estado de
uma alma que tem, para com o seu guarda e cultivador, um arbítrio desordenado
para o Mal.
Ao passo que a alma, que tem um
arbítrio vivendo em ordem e na obediência à Lei dada ao homem, para que ele
saiba o que é, e como se conserva a ordem. Se ele é heroicamente fiel ao Bem,
porque o Bem eleva o homem, e o torna semelhante a Deus, enquanto que o Mal o
enfeita, e o faz semelhante ao demônio. O homem fiel à uma vinha irrigada por
águas puras, abundantes e úteis, de uma fé que há de estar sob a sombra da
esperança, iluminada pelo sol da caridade, corrigida pela vontade, adubada pela
mortificação, atada pela obediência, podada pela fortaleza, conduzida pela
justiça, vigiada pela prudência e pela consciência. E então a Graça cresce,
ajudada por tudo isso, cresce a Santidade, e a vinha se torna um jardim
maravilhoso, ao qual desce Deus para saborear as suas delícias, até que,
tendo-se conservado essa vinha sempre como um jardim perfeito, e tento chegado
a morte, pelos seus anjos Deus faz transportar esse trabalho de um livre
arbítrio, decidido e bom, para o grande e eterno Jardim dos Céus.
Certamente vós quereis ter essa sorte.
E, então, velai para que o Demônio, o Mundo e a Carne mão seduzam o vosso
arbítrio, nem devastem a vossa alma. Velai até o fim e as tempestades poderão
molhar-vos, mas não vos farão mal, e vós, carregados de frutos, ireis para o
vosso Senhor receber o prêmio eterno. Ter minei. Agora meditai, e ficai
descansando até o pôr-do-sol, enquanto Eu vou retirar-me para rezar.
Pg. 468 a
471
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430 – O NINHO CAÍDO E O ESCRIBA CRUEL.
A LETRA E O ESPÍRITO DA LEI
Diz
Jesus:
Quem és tu?
“O dono
desta propriedade, Jocanã Bem Zacai.”
Um ilustre escriba. De que é que me
acusas?
“De teres
violado o sábado.”
Jocanã Bem Zacai, conheces o
Deuteronômio?
“A mim o
perguntas? A mim um verdadeiro rabi de Israel?”
Eu sei o que me queres dizer: que Eu,
visto que não sou um escriba, mas um pobre galileu, não posso ser “rabi”. Mas
Eu te pergunto de novo: Conheces o Deuteronômio?”
“Certamente
mais do que tu.”
Literalmente, pode ser. Mas, tu o
conheces no seu verdadeiro significado?
“O que
foi dito, dito está. Não há outro significado.”
De fato, só há um significado. É um
significado de amor. E, se não queres chama-lo amor, chama de misericórdia, e
até mesmo se te incomoda chama-lo de amor, dize então: de humanidade. Pois o Deuteronômio diz: “Se vires extraviar-se a ovelha ou
o boi do teu irmão, ainda que ele não seja teu vizinho, não irás para adiante.
Mas os levarás a ele, ou tomarás conta deles, até que ele venha apanhá-los.”
Diz também: “Se vires um asno ou um boi
de teu irmão cair, não fiques parecendo não ter visto, mas ajuda-o a
levantá-lo.
E diz ainda: “Se encontras sobre uma
árvore, ou no chão um ninho, com a mãe, que está chocando os ovos, ou já com os
pequeninos nascidos, tu não tentarás pegar a mãe, pois ela é necessária para a
procriação, mas apanharás somente os pequeninos.”
Eu vi no chão um ninho, e uma mãe que
estava chorando sobre ele. E fiquei com dó, porque era uma mãe. E lhe entreguei
seus pequeninos. Não achei, que estava violando o sábado, por ter consolado uma
mãe. Não se há de permitir que fique extraviada a ovelha do irmão, e não diz a
Lei se é culpa levantar um asno em dia de sábado. Ela só diz que se use de
misericórdia para com o irmão, e de humanidade para com o asno, criatura de
Deus. Eu pensei que Deus havia criado aquela mãe para que procriasse, e que ela
havia obedecido à ordem de Deus, e que impedi-la de criar sua prole era criar
um obstáculo à sua obediência a uma ordem divina.
Mas tu não compreendes estas coisas. Tu
e os teus guardais a letra, mas não o espírito. Tu e os teus não pensais que
estais violando duas vezes, e até três vezes aviltando a palavra de Deus até à
mesquinhez da mentalidade humana, pondo obstáculos a uma ordem de Deus, e faltando
com a misericórdia para com o vosso próximo. Para ferirdes com a censura, não
julgais que é um mal mover a língua sem necessidade. Isto, que também é um
trabalho, e que não é nem necessário, nem bom, isto não vos parece uma violação
do sábado.
Jocanã de Zacai, escuta-me. Como hoje
tu não tens dó de uma toutinegra e, pela prática farisaica a farias morrer de
dor e de aflição, farias perecer a prole dela, deixada ao alcance da áspide e
do homem perverso, assim também amanhã não terás dó de uma mãe, e a farias
morrer de dor ao fazeres matar sua prole, dizendo que é bom que assim se faça,
por respeito à tua lei. Não à de Deus. Aquela que tu e os teus pares fizestes
para oprimir os fracos e para triunfartes vós, os fortes. Mas, estás vendo? Os
fracos sempre acham um salvador. Enquanto que os soberbos, os fortes segundo a
lei do mundo, ficarão esmagadas pelo peso de sua própria e pesada lei.
Adeus Jocanã Bem Zacai. Lembra-te desta
hora, e toma cuidado para não violares tu um outro sábado, com a complacência
de um delito praticado.”
E Jesus, fazendo cintilar suas pupilas
sobre o rosto cheio de ira do velho irado, olhando para ele de alto a baixo,
pois o escriba é baixo e gordo, e Jesus parece uma palmeira, em comparação com
ele, passa para a frente, tendo que pisar sobre a grama, porque o escriba não
saiu do caminho.
Diz
Jesus:
“Eu quis elevar o teu espírito com uma
visão verdadeira, ainda que não tenha sido contemplada nos Evangelhos. Para ti
o ensinamento é este: que Eu tenho muito dó dos passarinhos sem ninho, mesmo
quando em vez de terem o nome de toutinegra, se chamam Maria e João. E trato
logo de dar-lhes de novo um ninho, quando algum acontecimento os despojou dele.
Para todos o ensinamento é este. Que
são muitos os que conhecem as palavras da Lei, e muitos mais, e que ainda são
poucos, visto que todos deveriam conhecê-las. Mas conhecem apenas as palavras.
E não vivem as palavras. Eis o erro.
O Deuteronômio prescrevia leis de
humanidade, porque os homens daquele tempo eram, por sua infância espiritual,
uns seres brutais, uns selvagens. Tinham que ser guiados pela mão, pelos
caminhos floridos da piedade, do respeitado amor para com o irmão, que perde um
dos seus animais, e para com o animal que cai, para com o passarinho que está
chocando. Para ensiná-los a se elevar na prática de uma piedade, um respeito e
um amor mais altos. Mas, quando Eu vim, aperfeiçoei as normas mosaicas e abri
horizontes mais amplos. A letra já não era mais o “tudo”. O espírito é que se
tornou o tudo. Acima do pequeno ato humano, a favor de um ninho e dos que
moravam nele, é preciso ver o significado oculto daquele meu gesto: inclinar-me
Eu, o Filho do Criador, diante da obra do Criador. Pois até aquela ninhada é
obra dele.
Oh! Felizes aqueles que em todas as
coisas sabem ver a Deus e servi-lo com um espírito de reverente amor. E ai
daqueles que, como uma serpente, não sabem levantar a cabeça acima de sua lama,
e, não podendo ter um canto de louvor a Deus, que se nos mostra nas obras dos
irmãos, morde, a estes, com a grande abundância do veneno que os sufoca. Há
muitos demais desses, que torturam os melhores, dizendo, para justificarem sua
perversidade, que é bom fazer isso em respeito à Lei. Em respeito à lei deles.
Não é de Deus, pois este, se não pode impedir as obras más deles, contudo sabe
vingar os seus pequeninos. E isto serve para aqueles a quem foi dado. A minha
paz, que te vigia, esteja sobre ti.
Pg. 475 a
479
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432 – COM OS CAMPONESES DE JOCANÃ PERTO
DE SÉFORIS
Diz
Jesus:
“Eu sou o Bom Pastor, e tenho piedade
de todas as ovelhas. Eu amo com particular amor àquelas ovelhas nas quais os
pastores-ídolos andaram dando pancadas, para que elas se afastassem dos meus
caminhos. Para elas, mais do que para quaisquer outras, é que Eu vim. Porque o
meu e vosso Pai me deu esta ordem: “Apascenta estas minhas ovelhas, que estão
esperando o açougue, sendo abatidas sem dó nem piedade por seus donos, que as
venderam dizendo: “Ficamos ricos”, e das quais os pastores não tiveram
compaixão. Pois bem. Agora Eu apascentarei o rebanho para o açougue, ó pobres
do rebanho, abandonado às suas maldades aqueles que vos afligem, e afligem ao
Pai, que sofre nos seus filhos. Eu estenderei a mão aos pequenos entre os
filhos de Deus, e os trarei a Mim para que tenham a minha glória.
Assim o promete o Senhor pela boca dos
profetas que celebram a piedade e o poder de mim Pastor. E Eu o prometo
diretamente a vós, que me amais. Eu tomarei providências, quanto ao meu
rebanho. A quem acusa as ovelhas boas de estarem sujando a água e estragando a
pastagem, para chegarem até mim, Eu direi: “Retirai-vos. Vós sois aqueles que
fazeis faltar a fonte e ficar seco o pasto para os meus filhos. Mas Eu os
levarei para outros pastos, Eu os levarei. Aqueles pastos que saciam o
espírito. Deixarei para vós o pasto para as vossas grosseiras barrigas,
deixarei a fonte amarga que vós fizestes jorrar, e Eu de lá sairei com estes,
separando as falsas ovelhas das verdadeiras de Deus, e não serão mais
atormentados por coisa alguma os meus cordeiros, mas se alegrarão para sempre
nos pastos do Céu. Perseverai, amados filhos!
Um pouco de paciência tende ainda, como
Eu a tenho. Sede fiéis fazendo aquilo que vos é permitido pelo patrão injusto.
E Deus julgará que fizestes tudo, e por tudo vos premiará. Não odieis, mesmo
quando tudo conjura para levar-vos a odiar. Tende fé em Deus. Vós estais vendo:
Jonas foi aliviado em seu sofrimento e Jabé foi levado ao amor. Mas, como fez
com o velho e como fez com o menino, assim o Senhor fará convosco, parcialmente
nesta vida, e totalmente na outra.
Eu só tenho algumas moedas para
dar-vos, a fim de tornar menos dura a vossa condição material. Eu vo-las dou.
Entrega-lhes Mateus. Que eles as repartam entre si. São muitas, mas para vós
que sois tantos e tão necessitados, elas são poucas. Mas Eu não tenho outra
coisa. Outra coisa material. Tenho, ainda, o meu amor, a potência do meu ser
como Filho do Pai, para pedir em vosso favor os infinitos tesouros sobrenaturais,
a fim de consolar os vossos prantos e dar luz às vossas escuridões.
Oh! Que triste vida, mas Deus a pode tornar
luminosa! Só Ele! Só Ele! E Eu digo: “Pai, por eles Eu rezo. Não rezo a Ti
pelos felizes e os ricos do mundo. Mas por estes que só têm a Ti e a Mim. Faze
que eles se elevem tanto nos caminhos do espírito, que encontrem todo o
conforto em nosso amor, e demo-nos a eles com o amor, com todo nosso amor
infinito, para cobrir de paz, de serenidade, de força sobrenatural as suas
jornadas, as suas ocupações, para que como uns estranhos para o mundo, por
nosso amor possam resistir ao seu calvário e, depois da morte, ter a Ti, a Nós,
felicidade infinita.
Pg. 487,
488
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261.1 .
7 -VOLUME 7
433 – CHEGADA A NAZARÉ. LOUVORES À
VIRGEM. CURA DE ÁUREA
“Passaremos pelo beco, e bateremos na
porta. Minha Mãe ficaria com pena, ao ver destruída esta cancela”, lhe responde Jesus.
“É o seu
horto fechado”, exclama Judas de Alfeu.
“Sim. E
ela é a rosa”, diz Tomé.
“O lírio
entre os espinhos”, diz Tiago.
“Melhor, é a mina de água viva que,
jorrando com ímpeto do monte belo, dá a Água da Vida à terra, e jorra, com sua
beleza perfumada, rumo ao Céu”, diz
Jesus.
“Daqui a
pouco, ela estará feliz ao ver-te”, diz Tiago.
“Meu
irmão, dize-me uma coisa que há tempo eu desejo saber. Como tu vês Maria? Como
Mãe, ou como súdita? Ela é tua Mãe, mas é mulher, e Tu és Deus...”, diz Tadeu.
“Como irmã e esposa, como delícia e
repouso de Deus, e como conforto do Homem. Tudo vejo e tenho em Maria, como
Deus e como Homem. Ela, que era delícia da Segunda Pessoa da Trindade no Céu,
delícia do Verbo, como do Pai e do Espírito, é a delícia do Deus Encarnado, e o
será do Homem-Deus glorificado”, responde
Jesus.
“Que
mistério! Portanto, Deus se privou duas vezes de suas complacências. Em ti e em
Maria, e vos deu à terra”, medita o Zelotes.
“Que
amor! Isto é que deves dizer: O amor levou a Trindade a dar Maria e Jesus à
terra”, diz Tiago.
“E não
por Ti, que és Deus, mas pela sua Rosa, não temeis confiá-la aos homens, todos
eles indignos de a tutelar?”, pergunta Tomé.
“Tomé, quem te responde é o Cântico: “O
Pacífico tinha sua vinha, e a confiou aos vinhateiros, os quais, profanadores
instigados pelo Profanador, muitas somas teriam dado para possuí-la, isto é,
todas as seduções, mas a Vinha bela do Senhor se guardou por si mesma, e não
quis dar os seus frutos, a não ser o Senhor, e abriu-se ao mesmo, gerando o
Tesouro sem preço: o Salvador.”
Chegaram
à porta da casa. Judas do Alfeu comenta, enquanto Jesus está batendo na porta
fechada: “Seria o caso de se dizer: “Abre-me, irmã, minha esposa dileta, pomba
imaculada...” Mas, quando a porta se abre e aparece o doce rosto da Virgem,
Jesus não diz senão a doce palavra, abrindo os braços para recebê-la: “Minha
Mãe!”
Oh! Meu
Filho! Bendito! Entra, e que a paz e o amor estejam contigo!”
“E a minha Mãe, à casa, e a quem nela
está”, diz Jesus, entrando acompanhado
pelos outros.
Pg. 10,11
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434 – TRABALHOS MANUAIS EM NAZARÉ.
PARÁBOLA DA MADEIRA ENVERNIZADA
“Vem ver
o meu trabalho, e dize-me que tintas devo usar agora. São coisas ainda humildes,
porque eu sou um aprendiz muito inexperiente.”
“Vamos, Simão...”, e Jesus deixa ali suas ferramentas, e sai com Simão.
Voltam
depois de algum tempo, e Jesus lhe mostra a escada da horta: “Passa
a tinta nela. O verniz torna também impermeável a madeira, e a conserva mais
tempo, além de torná-la mais bonita. É como a defesa e o embelezamento das
virtudes do coração humano. Ele pode ser grosseiro, rústico... Mas, como as
virtudes o vestem, ele se torna bonito, de uma aparência agradável. Vê como para
se conseguir uma cor de bonita aparência e um serviço bem apresentável, são
necessárias muitas precauções. Em primeiro lugar, apanha com muita atenção o
que é necessário para consegui-la, isto é, um recipiente que esteja bem limpo
de todo terriço ou do resto de tintas velhas, usar óleos bons e tintas boas,
misturar com paciência, manipular, fazer da mistura um líquido nem grosso nem
ralo demais. Não cansar-se de trabalhar, até que o mais miúdo dos grumos se
tenha dissolvido. Tendo feito isso, tomar de um pincel que não esteja perdendo
os pelos, nem os tenha excessivamente duros, nem macios demais, que esteja bem
limpo de qualquer outra tinta usada anteriormente e, antes de aplicar o verniz,
limpar a madeira de todas as asperezas, de velhos vernizes descascados, do
barro, e de tudo, com a mão firme para ir sempre em uma direção, estender com
paciência, com muita paciência, a tinta. Porque numa mesma tábua encontram-se
resistências diferentes. Em uma que tem nós, por exemplo, a tinta fica lisa, é
verdade, mas adere mal, como se a superfície da madeira naquele ponto a
estivesse rejeitando. E também vice-versa, sobre as partes macias da madeira a
tinta adere logo, mas as partes macias geralmente são poucos lisas, e então
podem formar-se vesículas, ou riscos... É nesse caso que se conserta, com mão
firme e uma força regulada e constante, ao estender-se a tinta. Depois há, nos
móveis velhos, as partes novas, como esta escadinha, por exemplo. E, para não
se dar que pensar que a pobre escadinha foi feita atabalhoadamente, ou que já
está muito velha, é preciso fazer que tanto o degrau novo, como os antigos
fiquem iguais... Eis aí. É assim!
Jesus,
inclinado aos pés da escada, fala e trabalha ao mesmo tempo... Tomé, que deixou
os seus buris e foi para perto, a fim de ver, pergunta: “Por quê começaste por
baixo, em vez de por cima? Não era melhor fazer do modo oposto ao que foi
usado?”
“Pareceria melhor, mas não é porque a
parte de baixo é a mais estragada, e mais sujeita a estragar-se, por estar
apoiada na terra. Por isso ela deve levar mais mãos. Uma primeira mão, depois
uma segunda, e uma terceira, se for preciso... e, para não se ficar parado,
esperando que o de baixo enxugue, a fim de ficar pronto para uma nova mão,
passa-a primeiro no alto, e depois na parte do meio da escada.”
“Mas
fazendo assim, podemos sujar a roupa, e estragar o trabalho feito antes.”
“Com habilidade, não nos sujamos, nem
se estraga nada. Estás vendo? É assim que se faz. Arrepanha-se a roupa, e
fica-se afastado, não pelo medo de sujar-se, mas para que se tire o que se pôs
antes.”
E Jesus,
estendendo os braços, enverniza a parte do alto da escada. E continua a falar: “Assim
que se faz com as almas. Eu disse no começo que a tinta é como o embelezamento
das virtudes sobre os corações humanos. Embelezamento e preservação da madeira
contra os carunchos, as chuvas, o calor do Sol. Ai do dono de casa que não
cuida das coisas envernizadas, e deixa que se estraguem. Quando se vê que a
madeira vai perdendo o seu verniz, é preciso não perder tempo, e pô-lo de novo.
É preciso restaurar o verniz... Também as virtudes, que receberam um primeiro
impulso para a santidade, podem perecer ou desaparecer completamente, se o dono
da casa não vigiar, e a carne e o espírito, que ficaram nus, entregues às
intempéries e aos parasitas, isto é, as paixões e dissipações, e podem ser por
elas assaltados, perder as vestes que os tornam belos, e acabar tornando-se
bons somente para o fogo.
Por isso seja em nós, ou naqueles que
amamos como nossos discípulos, quando se notam as rachaduras, o esmaecimento
nas virtudes, postas em defesa do nosso eu, é preciso tomar logo providências,
por meio de um trabalho assíduo e paciente, até o fim da vida, para que se
possa adormecer, ou morrer com uma carne e um espírito dignos da ressurreição
gloriosa. E, para que as virtudes sejam verdadeiras e boas, é preciso
iniciá-las com a intenção pura, corajosa, que tira todos os detritos, todo
terriço, e trabalhar para não deixar imperfeições na formação da virtude, e
depois assumir um comportamento nem duro, nem indulgente demais, porque tanto a
intransigência como a excessiva indulgência são nocivas. E o pincel, que é a
vontade, esteja limpo das humanidades passadas que poderiam listrar com cores
diferentes a tinta espiritual, ao esfregá-la com coisas materiais, e
prepararem-se a si mesmos e aos outros, com atividades oportunas, cansativas é
verdade, mas necessárias para expurgar o velho eu de toda lepra antiga, a fim
de conservá-lo limpo para receber a virtude. Pois não se pode misturar o que é
velho com o que é novo.
Depois disso, que se comece o trabalho:
com ordem, com reflexão. Não ficar pulando para lá e para cá, sem um motivo
sério. Não ir numa hora para um rumo, e na outra para outro, é verdade que nos
cansaríamos menos. Mas o verniz ficaria irregular. É assim que acontece com as
almas desordenadas. Elas apresentam pontos perfeitos, e depois, ao lado deles,
há coisas torcidas e cores diferentes... É preciso insistir sobre os pontos que
resistem á tinta, sobre os nós: as maranhas da matéria ou das paixões
desregradas. Mortificados, sim, pela virtude que, semelhante a uma plaina, os
lixou com muito trabalho, mas eles continuam como um nó que foi cortado, mas
não destruído, e que continua a oferecer resistência. E nos enganam as vezes,
parecendo já bem revestidos de virtudes, enquanto que esta não passa de um leve
véu, que bem depressa cai. Cuidado com os nós das concupiscências.
Fazei que a virtude seja repetidamente
exercitada neles, para que eles não tornem a florescer, e deturpem o novo eu.
E, sobre as partes moles, sobre as concupiscências muito fáceis demais para
receberem a tinta, mas para receber como elas querem: com vesídulas e riscos.
Nesse caso, lixar e tornar a lixar, com a cola de peixe própria para lixar,
lixar ainda mais para poder dar uma ou mais mãos de verniz, para que estas
partes fiquem lisas como um esmalte compacto. E atentos para não sobrecarregar.
Um excesso de pretensões nas virtudes o que faz é que a criatura se rebele,
fique agitada e se descontrole, logo ao primeiro choque. Não. Nem tanto, nem
tão pouco. Uma justa medida em sua própria formação de criaturas feitas de
carne e alma.
E se, como na maior parte dos casos –
pois o caso das Àureas são exceções e não regras – há partes novas, misturadas
com as antigas, e também as têm os israelitas, que de Moisés passam para o
Cristo, e os pagãos, com seu mosaico de crenças, que não poderão ser canceladas
de repente, pois aflorarão depois em nostalgias e lembranças, pelo menos nas
coisas mais puras, e nesse caso se requer ainda mais vigilância e tacto, e
insistência, até que o velho se tenha tornado homogêneo ao novo, usando das
coisas preexistentes para completar as novas virtudes.
Por exemplo, nos romanos há muito
espírito patriótico e uma coragem viril. São quase uns mitos essas duas coisas.
Pois bem. Não queirais destruí-las, mas inculcai um espírito novo ao espírito
patriótico, isto é, o espírito de tornar Roma também espiritualmente grande
como centro do Cristianismo, e fazer uso da virilidade romana para tornar
fortes na fé aos que são fortes na batalha. Um outro exemplo: Àurea. A
repugnância por uma revelação a leva a amar o que é puro e a odiar o que é
impuro. Pois bem. Usai dessas duas coisas para levá-la à perfeita pureza,
odiando a corrupção, como se fosse aquele romano brutal.
Estais compreendendo? E dos costumes
fazei meios de penetração. Não destruais brutalmente, vós não teríeis
imediatamente com que edificar. Mas substituí, pouco a pouco, o que não deve
continuar em um convertido, com caridade, paciência e tenacidade. E, visto que
a matéria, especialmente entre os pagãos, já tem uma inclinação que os leva
para isso, mesmo depois que eles se convertem, ficarão eles, sempre apoiados no
mundo pagão, pois estarão vivendo nele, insisti muito para que se livrem da
carnalidade. Atrás de sensualidade penetra tudo mais. Vigiai a sensualidade
exasperada dos pagãos e confessemo-lo – muito viva também entre vós, e, quando
virdes que o contato com o mundo está trincando o verniz preservativo, não
continueis a pintar por cima dele, mas preocupai-vos com a parte de baixo, e
mantende o equilíbrio entre o espírito e a carne, o alto e o baixo. Mas,
começai sempre pela carne, pelo vício, material a fim de preparar para receber
o Hóspede que não mora em corpos impuros, nem com espíritos que têm o fedor das
corrupções carnais... Estais entendendo?
E não tenhais medo de corromper-vos,
tocando com vossas vestes as partes baixas materiais, daqueles de cujo espírito
cuidais. Com prudência, a fim de não servirdes para a ruína, em vez de para a
edificação. Vivei recolhidos no vosso eu nutrido por Deus, enfaixados pela
virtude, andai com delicadeza, especialmente quando deveis ocupar-vos do
sensibilíssimo eu espiritual dos outros, e certamente conseguireis fazer, até
dos seres mais desprezíveis, seres dignos do Céu.”
“Que bela
parábola nos contaste! Eu vou escrevê-la para Marziam!”, diz o Zelotes.
Pg. 16 a
20
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437 – JESUS E A MÃE EM COLÓQUIO
Estão
falando um com o outro dos seus parentes... de José de Alfeu, sempre teimoso,
de Simão, que não é lá muito corajoso em sua profissão de fé, dominado como
está pelo primeiro de seus irmãos, que é obstinado e autoritário em suas
ideias, como era o pai deles. A grande dor de Maria, que gostaria que todos os
seus sobrinhos fossem discípulos do seu Jesus...
E Jesus a
conforta, e, para desculpar o primo, fala bem da forte fé israelita dele: “É um
grande obstáculo, sabes? Um verdadeiro obstáculo. Porque todas as fórmulas e
preceitos formam uma barreira para a aceitação da ideia messiânica em sua
verdade. É mais fácil converter um pagão, desde que seja um espírito ainda não
completamente corrompido. O pagão ainda reflete, e enxerga a boa diferença
entre o seu Olimpo e o meu Reino. Mas, Israel. Israel em sua parte mais culta
sente dificuldade para seguir o conceito novo!”
“E, no
entanto, aquele conceito sempre persiste!”
“Sim. É sempre o Decálogo, são sempre
as profecias. Mas tudo isso foi deturpado pelo homem. E tomou tudo isso,
tirando tudo das esferas sobrenaturais onde estava, e o trouxe para o nível
desta terra, para o clima deste mundo, e o manipulou junto com sua humanidade,
e modificou tudo. O Messias. Rei espiritual do grande Reino, que se chama de
Israel, porque o Messias nasce do trono de Israel, mas que é mais justo dar-lhe
o nome de Cristo, porque Cristo centraliza o que há de melhor em Israel, tanto
do atual, como do passado, e o sublima com sua perfeição de Deus-Homem, e o
Messias para eles não pode ser o Deus manso, pobre sem aspiração para o poder e
a riqueza, obediente aos que nos dominam, por um castigo divino, pois na
obediência está a santidade, desde que essa obediência não desvirtue a grande
Lei. E, por isso, pode-se dizer que a fé deles luta contra a verdadeira Fé.
Desses obstinados e convencidos de serem eles uns justos, há tantos... e em
todas as classes, e até entre os meus parentes e apóstolos. Podes crer, ó Mãe,
que a obtusidade deles para crer em minha Paixão vem daí. Os erros de avaliação
deles é daí que se originam... Até mesmo a teima e obstinação deles, quando
consideram os gentios e os idólatras, não vendo neles o homem, quando deviam
olhar o espírito do homem, aquilo que tem uma única origem e ao qual Deus
queria dar um único destino: o Céu. Olha Bartolomeu... Ele é um exemplo. É
ótimo, e sábio, está disposto a tudo, para dar-me honra e conforto. Mas diante,
Eu já não digo, de uma Aglaé nem de uma Síntique, que já é uma flor, se for
comparada à pobre Aglaé, que somente a penitência é capaz de transformar de
lama em flor, mas nem mesmo diante de uma pobre menina, cuja sorte causa dó, e
cujo instintivo pudor atrai admiração, e nem o meu próprio exemplo o convence,
E, nem as minhas palavras, pois para todos é que Eu vim.”
“Tens
razão. Até o próprio Bartolomeu e Judas de Keriot, os dois mais doutos, ou pelo
menos o douto filho de Tolmai e Judas de Keriot, que não sei exatamente a que
classe poderá pertencer, mas que está impregnado, saturado das auras do Templo,
são os mais resistentes. Mas... Bartolomeu é bom, e sua resistência é ainda
desculpável. Judas... não. Ouviste o que disse Mateus, que foi de propósito à
Tiberíades... E Mateus tem experiência da vida, especialmente daquela vida...
Por isso é justa a observação de Tiago de Zebedeu: “Mas, quem dá tanto dinheiro
ao Judas?” Porque aquela vida custa dinheiro... Pobre Maria de Simão!”
Jesus faz
o seu gesto com as mãos, querendo dizer: “Assim é!”, e suspira. Depois diz: “Já
ouviste dizer? As romanas estão em Tiberíades... Valéria não me mandou dizer
nada, mas eu preciso saber, antes de retomar o meu caminho. Eu, te quero comigo
em Cafarnaum, por algum tempo, minha Mãe... Depois tu voltarás para cá. Eu irei
para os confins da Siro-Fenícia, e de lá voltarei para saudar-te, antes de
descer para a Judéia, a ovelha teimosa de Israel.”
“Meu
filho, amanhã de tarde eu irei. Levarei comigo Maria de Alfeu. Aurea irá para a
casa de Simão de Alfeu, porque não ficaria sem crítica ficar ela convosco mais
dias... Assim é o mundo... E eu irei. Em Caná, como primeira etapa, e, depois
pela manhã partirei, e irei fazer uma parada na casa da mãe de Salomé de Simão.
E, ao pôr do sol, partirei de novo, e chegaremos, pois ainda será sai claro em
Tiberíades. Irei à casa do discípulo José, porque quero, pessoalmente, ir à
casa de Valéria, e, se eu fosse à casa de Joana, ela quereria ir... Não. Eu,
Mãe do Salvador, serei aos seus olhos, diferente da discípula do Salvador... e
não me dirá que não. Não tenhas medo, meu Filho!”
“Eu não tenho medo. O que me preocupa é
que te canses.”
“Oh! Para
salvar uma alma! Que é este nada que é andar vinte milhas, estando o tempo
bom?”
“Mas será um cansaço também moral.
Fazer perguntas... ficar talvez humilhada?”
“Pouca
coisa, e passa logo. Mas uma alma fica!”
“Serás como uma andorinha extraviada do
bando, na Tiberíades corrompida. Leva contigo Simão.”
“Não, meu
Filho. Nós duas somente, duas pobres mulheres... Mas são duas mães e duas
discípulas. Isto significa duas forças morais... Eu agirei logo. Deixa-me ir...
Basta que NE abençoes.”
“Sim, minha Mãe. Com todo o meu coração
de Filho, e com todo o meu poder de Deus. Vai, e que os anjos te acompanhem
pelo caminho.”
“Obrigada,
Jesus. Agora vamos entrar. Eu deverei levantar-me de manhã cedo para preparar
todas as coisas para os que vão viajar e para os que ficam. Dize a oração, meu
Filho...” Jesus se levanta, Maria também, e, juntos dizem o Pai-nosso...
Depois
tornam a entrar em casa, fecham a porta... a luz desaparece, e cessam todas as
vozes humanas. O que continua é só o vento suave por entre as frondes e o
rumorejo leve do fio de água, caindo no pequeno tanque.
Pg. 32 a
35
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441 – PARTIDA DE NAZARÉ. UM INCÊNDIO DE
ÉRICAS DURANTE A VIAGEM TORNA-SE O TEMA DE UMA PARÁBOLA
E Maria e
Maria de Cléofas entram de novo em casa... Na casa onde permanecem, recordando
o que acontecera pouco antes, cadeiras fora de lugar, louças ainda esparsas...
a desordem que segue a uma partida.
Maria
acaricia pensativa, o pequeno tear, no qual ela ensinava Áurea a trabalhar...
Ela está com os olhos já brilhando, por causa de um choro que está sendo por
ela retido.
“Tu
sofres, Maria!”, diz-lhe Maria de Cléofas, que está chorando sem fazer esforço
para reter o choro. “Tu já estavas afeiçoada! Para cá estão vindo... depois lá
se vão... e nós ficamos sofrendo.”
“É a
nossa vida de discípulas. Ouviste hoje o que Jesus dizia: “Assim fareis no
futuro: vendo em todas as criaturas almas fraternas, sereis hospitaleiros,
sobrenaturalmente hospitaleiros, julgando-vos peregrinos. Dareis ajuda, comida,
conselho, e depois deixareis que os irmãos vão para os seus destinos, sem
ficardes segurando com amores ciumentos, certos de que, após a morte vos
encontrareis de novo com eles. Virão perseguições, e muitos vos terão que
deixar e ir para o martírio. Não sejais vós que aconselhareis a ninguém a
vileza. Permanecei na oração em vossas casas, que se esvaziaram para ir
garantir a coragem dos mártires, serenos para fortalecerem os mais fracos, e
fortes para estarem prontos a imitar aqueles heróis. Acostumai-vos com as
separações, com os atos de heroísmo, com o apostolado da caridade fraterna,
desde agora...”
E nós o
estamos fazendo. Estamos sofrendo... isto é certo! Nós somos de carne... Mas o
espírito goza de uma alegria espiritual, que é a de fazer a vontade do Senhor e
cooperar para a sua glória. Por outro lado... Eu sou a Mãe de todos... e não o
devo ser de um só. Eu não o sou com exclusividade nem mesmo com Jesus... Tu
estás vendo como eu o deixo ir, sem ficar detendo-o. Eu gostaria de ficar aqui
até que Ele dissesse: “Vem”. E eu fico.
As
permanências dele aqui? São as minhas alegrias de mãe. As minhas peregrinações
com Ele? São as minhas alegrias de discípula. As minhas solidões aqui? São as
minhas alegrias de fiel, que faz a vontade do seu Senhor.”
“Aquele
Senhor é teu Filho, Maria...”
“Sim. Mas
é sempre o meu Senhor...”
...É um
grupo de umas duzentas e cinquenta pessoas, no máximo, compreendendo neste
número os bem pequeninos, que ainda estão mamando, os que acabaram de ser
desmamados e estão choramingando, um pouco despertos, ou que estão dormindo,
sem nada saberem do perigo que correram.
“A paz esteja com todos vós. O Anjo de
Deus vos salvou. Louvemos juntos ao Senhor.”
“Tu nos
salvaste! Tu estás sempre presente, onde houver fiéis que creiam em Ti!”, dizem
muitas das mulheres... E concordam, sisudos, os homens.
“Sim. Onde há fé em mim, aí está
presente a Providência. Mas, tanto nas coisas do espírito, como nas da matéria,
é necessário agir com uma contínua prudência. Quem foi que acendeu o fogo nas
acendalhas? Provavelmente a centelha que escapou dos vossos fogos, ou então um
raminho que algum dos meninos quis acender no fogo para divertir-se, agitando-o
e jogando-o de cima para baixo, com a falta de juízo de sua idade. De fato, é
bonito ver uma flecha de fogo, sulcando o ar, quando ele já vai ficando escuro.
Mas vede só o que pode fazer uma imprudência! Pode causar grandes ruínas.
Uma centelha, ou um raminho caído sobre
as eriças secas, bastou para incendiar todo o vale, e, se o Eterno não me
tivesse mandado, o bosque se teria transformado em um braseiro, que teria
consumido, com o avançar do fogo, os vossos bens e as vossas vidas.
Assim acontece com as coisas do
espírito. É preciso que seja contínua e prudente a atenção, para que uma faísca
de fogo, uma centelha não se apegue à vossa fé, e a destrua, depois de ter sido
incubada, inadvertidamente, pelo coração, formando um incêndio querido por
aqueles que me odeiam, e, provocado para fazer-me ficar sem meus filhos. Aqui o
fogo, apagado em tempo, mudou-se o maléfico em benéfico, destruindo a charneca
inútil, que tínheis deixado crescer no vale, e preparando-vos com a destruição
e com a adubação pelas cinzas do terreno de que, se fôsseis voluntários,
poderíeis desfrutar com culturas úteis.
Mas nos corações é bem diferente o que acontece!
E, quando nele todo o Bem tiver sido destruído, nada mais, a não ser as sarças,
por serem a palha do demônio, é o que pode nascer. Lembrai-vos disso, e vigiai
contra as insinuações dos meus inimigos que, como umas centelhas infernais,
serão jogadas em vossos corações. Estai, pois, preparados para a luta contra o
fogo.
E qual é essa luta? É uma fé sempre
mais forte, uma vontade inabalável de ser de Deus. É um pertencer ao Fogo
Santo. Porque o fogo não come fogo. Portanto, se vós fordes um fogo de amor ao
Verdadeiro Deus, o fogo do ódio a Deus não vos poderá fazer mal. O fogo do amor
vence qualquer outro fogo. A minha Doutrina é maior, e quem a aceita entra no
Fogo da Caridade, e não pode ser torturado pelo fogo do Demônio.
Do alto daquele outeiro, enquanto Eu
olhava a queimada da charneca e ouvia as palavras de vossas almas ao Senhor
Deus delas, mais ainda do que se estivesse vendo vossas atividades empenhadas
em apagar as chamas, Eu estava sorrindo. E um apóstolo me perguntou: “Poe que
estás sorrindo?” E EU lhe prometi: “Eu te direi, quando estiver falando aos que
tiverem sido salvos.” E agora Eu o faço. Eu estava sorrindo, ao pensar que
assim como as chamas iam-se estendendo pelo meio das eriças do vale, e iam
sendo combatidas pelas vossas manobras, assim a minha doutrina se estenderá
pelo mundo e será perseguida pelos que não querem a Luz. Mas haverá luz. E
haverá purificação. E haverá um saneamento.
Quantas pequenas serpentes morreram no
meio destas cinzas, e com elas outros seres nocivos! Vós tínheis medo deste
vale, porque nele havia cobras demais. Pois bem! Nem uma só delas sobrevive
mais. Igualmente o mundo vai ficar livre de muitas heresias, de muitos pecados,
de muitas dores, quando ele me tiver conhecido, e tiver sido limpo pelo fogo da
minha Doutrina. Limpo e libertado das vegetações inúteis, tornado assim
preparado para as semeaduras, e rico de santos frutos.
Aí está o porquê do meu sorriso... Eu
via, no fogo que ameaçava, um símbolo da minha Doutrina inundando o mundo.
Depois a Caridade para com o próximo, que nunca está separada da fé para com
Deus, me levou a ficar pensando em vossas necessidades. E, então, Eu baixei o
olhar de minha mente da contemplação dos interesses de Deus para a dos
interesses dos irmãos, e apaguei o fogo, para que, em vossa alegria, louvásseis
o Senhor. Vede, pois, que o meu pensamento subiu para Deus, e de lá desceu,
tendo-se tornado ainda mais poderoso, porque a identificação com Deus aumenta
sempre as nossas faculdades, e depois tornou a subir junto com o vosso, para
Deus. De tal modo que, pela caridade, Eu fiz, ao mesmo tempo, o que eram os
interesses do Pai e o dos meus irmãos. Fazei, também vós, do mesmo modo em
vossa vida futura. E agora para estas mulheres, Eu vos peço um abrigo para esta
noite. A lua vai descendo, e o incêndio atrasou nossa viagem. Não podemos,
pois, ir para a frente, até a cidade vizinha.”
“Vem,
vinde. Há lugar para todos. Podíamos nós até ter ficado sem nossas casas. As
nossas casas são vossas. São de pobres, mas são limpas. Vinde! E elas ficarão
abençoadas”, gritam todos. E, pouco a pouco, vão subindo de novo pelo terreno
um pouco a pique, até chegarem ao pequeno povoado, que miraculosamente escapou
da destruição, e cada um vai saindo dali com quem lhe vai dar hospedagem.
Pg. 54-61
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444 – OS DOTES DE MARZIAM. LIÇÕES SOBRE
A CARIDADE. SOBRE A SALVAÇÃO, SOBRE OS MÉRITOS DO SALVADOR
Vós vos estais formando para este amor
ao próximo, que é a segunda parte do preceito básico da Lei de Deus, mas que,
na verdade, tinha sido muito deixado de lado em Israel. Os muitos preceitos, as
minuciosidades vieram ocupar da profunda e simples, e completa Lei do Sinai,
vieram desfigurar a primeira parte do preceito básico, reduzindo-o a um montão
de ritos exteriores, aos quais falta o que lhes dá a consistência, o valor, a
verdade. Isto é, falta-lhes a aderência ativa do interior, com as obras que
manda cumprir, com as tentações que ensina a superar, por meio das obras do
culto externo. Que valor pode ter, aos olhos de Deus, a ostentação de um culto,
quando depois, no interior do coração, não se ama a Deus, deixando de adorá-lo
e admirá-lo, para dar amor às coisas por Ele feitas e, em primeiro lugar ao
homem, que é a obra prima da Criação terrestre?
Estais vendo em que consistiu o erro de
Israel? Foi o de ter feito de um único preceito dois preceitos, continuando,
tendo mais tarde, com a decadência espiritual, separando o segundo do primeiro,
como se corta um ramo inútil. Não era um ramo inútil, e nem eram dois ramos.
Era um único tronco que, desde sua base, se havia ornado com as singulares
virtudes dos dois amores. Olhai aquela figueira grande, que nasceu lá em cima,
naquele outeiro. Nasceu lá espontaneamente e, quase desde a raiz, isto é, mal
brotou do chão, apareceu já com dois ramos, tão perto um do outro, que as duas
cascas aderiram a de um com a do outro. Mas cada um dos dois lançou depois suas
copas para os lados, de um modo tão bonito, que deram o nome de “Casa da
Figueira Gêmea” a este pequeno lugarejo, que está sobre esta pequena colina.
Pois bem. S alguém quisesse agora separar os dois troncos, que no princípio
eram um só tronco, precisaria fazer uso do machado ou do serrote. Mas que
faria? O que faria era matar a planta, ou, se fosse tão perito em manejar o
machado e o serrote, de modo a ferir só um dos dois troncos, dos dois salvaria
um, mas o outro inexoravelmente morreria e o supérstite, embora vivo, estaria
mal em sua vida, ficaria triste sem produzir mais fruto, ou muito pouco fruto.
Foi isso mesmo que aconteceu em Israel.
Quiseram dividir, separar as duas partes, que estavam tão bem unidas, a ponto
de formarem uma só coisa, e quiseram retocar o que já estava perfeito. Pois
toda obra de Deus é perfeita. E, por isso, se Deus no Sinai deu a ordem da amar
ao Deus Santíssimo, e ao próximo, em um único preceito, é claro que não são
dois preceitos, que podem ser praticados independentemente um do outro, mas são
um só preceito. E, não me bastando nunca formar-vos para esta sublime virtude,
a que sobe com a alma ao Céu, porque é a única que continua a existir no Céu,
por isso insisto sobre ela, que é a alma de toda a vida do espírito, o qual
perde a vida, se perder a Caridade, porque perde a Deus.
Ouvi-me. Fazei de conta que em vossa
casa venham bater um dia dois esposos muito ricos, pedindo hospedagem para toda
a sua vida. Vós podeis dizer: “Aceitamos o esposo, mas não queremos a esposa”,
sem quererdes ouvir isto que o esposo responde: “Assim não pode ser, porque eu
não posso separar-me da carne da minha carne. Se vós não a quereis acolher, eu
também não posso ficar junto de vós, e vou-me embora com todos os meus
tesouros, dos quais eu vos teria feito participantes.”
Deus está unido à Caridade. Esta é
verdadeiramente mais íntima do que o amor de dois esposos, que se amam
intensamente, como espírito do seu Espírito. A Caridade é o próprio Deus. A
Caridade não é mais do que o aspecto mais ostensivo, mais ilustrativo de Deus.
Entre todos os seus atributos, ela é o atributo-rei, o atributo-origem, porque
todos os outros atributos de Deus ainda nascem da Caridade.
Que é o Poder, senão a Caridade que
age? Que é a Sabedoria, senão a Caridade que ensina? Que é a Misericórdia,
senão a Caridade que perdoa? Que é a Justiça, senão a Caridade que administra?
E Eu poderia continuar assim, tratando de todos os inumeráveis atributos de
Deus. Agora, conforme o que acabo de dizer, podeis vós pensar que quem não tem
a Caridade tem a Deus? Não tem. Podeis pensar que ele possa acolher a Deus e
não à Caridade. A Caridade que é única, abraçando o Criador e as criaturas, e
que não se pode ter dela somente uma metade, aquela, a que se deve ter para com
o próximo?
Deus está nas criaturas. Nelas está com
o seu sinal indestrutível, com seus direitos de Pai, de Esposo, de Rei. A alma
é o trono dele, seu corpo, seu templo. Mas o que não ama um seu irmão, e o
despreza, faz sofrer e desconhece o Dono da casa do seu irmão, o Esposo do
irmão, e é natural que este grande Ser, que é tudo, e que está presente em um
irmão, em todos os irmãos, tome como feita a Si a ofensa feita ao ser menor, à
parte do Todo, isto é, a cada homem. Por isso Eu vos ensinei as obras de
misericórdia corporais e espirituais, por isso Eu vos ensinei a não julgar, a não
desprezar, a não repelir os irmãos, tanto bons como maus, fiéis ou gentios,
amigos ou inimigos, ricos ou pobres.
Quando em um tálamo se realiza uma
concepção, esta se realiza com um mesmo ato, tanto em um tálamo de ouro, como
sobre a esteira do estábulo. E a criatura que se forma no seio de uma rainha
não é diferente da que se forma no seio de uma mendiga, mas é igual em todos os
pontos da terra, seja qual for a religião delas. Todas as criaturas nascem como
nasceram Abel e Caim, do seio de Eva. E a igualdade da concepção, formação e
modo de nascer dos filhos de um homem e de uma mulher sobre a terra,
corresponde a uma outra igualdade no Céu, a criação de uma alma a ser infundida
no embrião para que ele seja de homem e não de animal, e o acompanhe, desde o
momento em que foi criado até a morte, e lhe sobreviva, na esperança da
ressurreição universal, para se unirem de novo agora, no corpo ressuscitado, e
receber com ele o prêmio ou o castigo. O prêmio ou o castigo, de acordo com as
ações praticadas durante a vida terrena.
Para que não fiqueis pensando que a
Caridade seja injusta e que só porque muitos não serão de Israel ou de Cristo,
mas sendo virtuosos na religião que seguem, convencidos de que ela é
verdadeira, tenham que ficar para sempre sem prêmio. Depois do fim do mundo,
não sobreviverá outra virtude, a não ser a caridade, isto é, a união com o
Criador de todas as criaturas, que viveram com justiça. Não haverá muitos Céus,
um para Israel, um para os cristãos, um para os católicos, um para os gentios,
um para os pagãos. Não haverá mais de um. Haverá um só Céu. E, portanto, haverá
um só prêmio: Deus, o Criador, que se reúne com suas criaturas, que viveram na
justiça, nas quais, pela beleza dos espíritos e dos corpos dos Santos,
admitir-se-á de Si mesmo, com uma alegria de Pai e de Deus. Haverá um só
Senhor. Não um Senhor para Israel, outro para o Catolicismo, outro para cada
uma das outras religiões.
Agora vou revelar-vos uma grande
verdade. Lembrai-vos dela. Transmiti-a aos vossos sucessores. Não fiqueis sempre
esperando que o Espírito Santo esclareça as verdades, depois de anos e séculos
de obscurantismo. Ouvi. Vós talvez direis: “Mas, então, que vantagem há em
sermos da religião que é santa, se no fim do mundo iremos ser tratados todos do
mesmo modo, como o serão os gentios?” Eu vos respondo: É a mesma a justiça que
há, e é uma verdadeira justiça, para aqueles que, mesmo sendo da verdadeira
religião santa, ainda não forem felizes, por não terem vivido como santos. Um
pagão virtuoso, somente por ter vivido virtuosamente, convencido de que sua
religião era boa, terá, no fim o Céu. Mas quando? No fim do mundo, quando, das
quatro moradas dos mortos, (Limbo, Purgatório, Céu e Inferno) só duas
subsistirão, isto é, o Céu e o Inferno. Porque a Justiça, naquele momento, só
poderá conservar e dar ao dois reinos a quem, da árvore do livre arbítrio quis
escolher os frutos bons, ou quis os frutos maus.
Mas quanto se terá que esperar antes
que um pagão virtuoso chegue àquele prêmio! Não pensais nisso? E essa espera,
especialmente a partir do momento no qual a Redenção, com todos os seus
consequentes prodígios, já se tiver verificado, e o Evangelho tiver sido
pregado, é que será a purificação das almas, que viveram como justos em outra
religião, mas não puderam entrar na Verdadeira Fé, depois de a terem conhecido
como existente e de provada realidade. Para esses o Limbo, pelos séculos dos
séculos, até o fim do mundo. Para os que creem no verdadeiro Deus, mas não
souberam ser heroicamente santos, haverá um longo purgatório, que para alguns
poderá terminar no fim do mundo. Mas, depois da expiação e da espera, seja qual
for a sua proveniência, estarão todos à direita de Deus. E os maus, seja qual
for a sua proveniência, à esquerda, e depois, no inferno horrível, enquanto o
Salvador entrará, com os bons, no Reino eterno.”
“Senhor,
perdoa, se eu não te entendo. O que estás dizendo é muito difícil... pelo menos
para mim... Tu dizes sempre que és o Salvador e que redimirás aos que creem em
Ti. E, então, aqueles que não creem, ou porque não te conheceram, por terem
vivido antes de Ti, ou então, como é grande o mundo, por não terem tido notícia
de Ti, como poderão ser salvos?”, pergunta Bartolomeu.
“Eu já to disse, pela vida de justos
deles, por suas boas obras, pela fé deles, que eles creem ser a verdadeira.”
“Mas eles
não recorreram ao Salvador...”
“Mas o Salvador sofrerá também por
eles. Não fazes ideia, ó filho de Tolmai, de qual seja a amplitude de valor que
terão os meus méritos de Homem-Deus.”
“Meu
Senhor, sempre menores que os de Deus, que aos que Tu tens, e desde todo o
sempre.”
“Resposta justa e não justa resposta.
Os méritos de Deus são infinitos, dizes tu. Tudo é infinito em Deus. Mas Deus
não tem méritos, no sentido de não ter merecido. Ele tem os atributos de suas
próprias virtudes. Ele é o que é: a Perfeição, o Infinito, o Onipotente. Mas,
para merecer, precisa cumprir com esforço, alguma coisa que seja superior à
nossa natureza. Não é um mérito comer, por exemplo. Mas pode granjear um mérito
o saber comer. Pois pode granjear um mérito, o saber comer moderadamente,
fazendo até verdadeiros sacrifícios para dar aquilo que economizamos aos
pobres. Também não é nenhum mérito estarmos calados. Mas o pode ser, quando o
fazemos para não rebater a uma ofensa. E assim por diante.
Agora tu compreendes que Deus não tem
necessidade de esforçar-se a Si mesmo, pois é Perfeito e Infinito. Mas o
Homem-Deus pode esforçar-se a Si mesmo, humilhando a infinita Natureza divina
sob uma limitação humana, vencendo a natureza humana, que não está ausente, nem
é metafísica nele, mas é real com todos os sentidos e sentimentos, com as suas
possibilidades de sofrimento e de morte, com sua vontade livre. Ninguém ama a
morte, especialmente se ela é dolorosa, se é antes do tempo e não merecida.
Ninguém a ama. E, no entanto, todo homem deve morrer. Por isso, ele deverá
olhar a morte, com a mesma calma com que ele vê ir-se acabando tudo o que tem
vida. Pois bem. Eu me esforço com minha humanidade para amar a morte.
E não só isso. Eu escolhi a vida para
poder ter a morte, pela humanidade. Por isso na minha veste de Homem-Deus
adquiro aqueles merecimentos que, permanecendo Deus, Eu não podia adquirir. E
com eles que são infinitos por causa da forma com que os adquiro, pela natureza
divina unida à humana, pelas virtudes da Caridade e da obediência, com as quais
Eu me coloquei em condições de os merecer pela Fortaleza, pela Justiça, pela
Temperança e a Prudência, por todas as virtudes que Eu pus no meu coração para
torná-lo agradável a Deus, meu Pai, Eu terei um poder infinito, não só como
Deus, mas como homem que se imola por todos, ou seja, que atinge o limite
máximo da Caridade. É o sacrifício o que dá merecimento, Eu completo o
sacrifício e completo o mérito. Perfeito o sacrifício e perfeito o mérito. E
esse merecimento pode ser usado, segundo a santa vontade da vítima, a qual o
Pai diz: “Seja como tu queres”. Porque ela o amou sem medida, e amou o próximo
sem medida.
Eis que Eu vo-lo digo. O mais pobre dos
homens pode ser o mais rico e beneficiar um número sem medida de irmãos, se ele
souber amar até o sacrifício. Eu vo-lo digo: Ainda que não tivésseis nem mesmo
uma migalha de pão, um copo d`água, uma veste esfarrapada, vós sempre podeis
fazer benefícios. Como? Rezando e sofrendo pelos irmãos. Fazendo benefícios a
quem? A todos. De que modo? De mil modos, todos santos, porque, se vós
souberdes amar, sabereis agir como Deus, ensinar, perdoar, administrar, e, como
Homem-Deus, até redimir.”
“Ó
Senhor, dá-nos essa Caridade”, suspira João.
“Deus vo-la dou, porque a vós Ele se
doa. Mas vós deveis acolhê-la e praticá-la sempre com maior perfeição. Nenhum
acontecimento deve ser por vós separado da caridade. Desde os materiais, até os
do espírito. Que tudo seja feito com caridade e pela caridade. Santificai as
vossas ações, as vossas jornadas, ponde o sal e, vossas orações e a luz em
vossas obras. A luz, o sabor, a santificação e a Caridade. Sem esta, são nulos
os ritos, vãs as orações, e falsas as ofertas. Em verdade, Eu vos digo que o
sorriso com que um pobre vos saúda como irmãos, tem mais valor do que um saco
de moedas que alguém pode jogar a vossos pés, somente para ser notado. Sabei
amar e Deus estará convosco sempre.”
“Ensina-nos
a amar assim, Senhor.”
“Há dois anos que Eu venho ensinando.
Fazei o que me vedes fazer, e estareis na Caridade e a Caridade estará em vós,
e sobre vós estará o selo, o crisma, a coroa que vos fará verdadeiramente
reconhecer como ministros de Deus-Caridade. Agora vamos parar à sombra deste
lugar. Aqui há grama abundante e alta, e as plantas sempre temperam o calor.
Continuaremos a viagem à tarde...
Pg. 75 -
80
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445 – DUAS PARÁBOLAS DURANTE UMA
TEMPESTADE EM TIBERÍADES. CHEGADA DE MARIA SANTÍSSIMA E IMPENITÊNCIA DE JUDAS
ISCARIOTES
“Não tens nada a dizer-me, Judas?
Estamos nós dois sozinhos. Não te aconteceu nada, neste tempo de separação,
nenhum fato sobre o qual sintas necessidade de ouvir a palavra do teu Jesus?”, diz docemente, Jesus, como que para
ajudar o discípulo a confessar, fazendo que ele sinta todo o seu misericordioso
amor.
“E Tu
estás já sabendo de alguma coisa em mim que esteja necessitando da tua palavra?
Se o sabes, eu em verdade não sei de nada que esteja precisando dessa palavra,
então fala. É uma coisa pesada para um homem ter que ficar relembrando suas
culpas e defeitos para confessá-los a um outro...”
“Eu, que te estou falando, não sou um
outro homem, mas...”
“Não. És Deus. Eu sei. Por isso não é
necessário que seja eu que fale. Tu sabes...”
“Eu não sou um outro homem, mas sou o
teu Amigo mais amoroso. Eu não te digo o Mestre, o superior, mas Eu te digo o
Amigo...”
“É sempre
a mesma coisa. E é sempre uma procura aborrecida a que se faz no passado, e
sobre a qual se poderia ter censuras do amigo. E o pior é cair, além disso, é
cair da estima do amigo, o que dói...”
“Em Nazaré, no último sábado em que lá
estive, Simão Pedro falou inadvertidamente a um companheiro, uma coisa sobre a
qual devia calar-se. Não era uma desobediência voluntária, não era uma
maledicência, não era uma coisa capaz de prejudicar o próximo. Simão Pedro a
tinha dito a um coração honesto e a um homem sério, o qual, vendo que estava
sem ser por sua vontade nem pela de Pedro, sendo levado ao conhecimento de uma
coisa secreta, jurou que não teria mais transmitido a outros o segredo. Simão
podia conservar a calma. Mas calmo ele não se conservou, antes que me
confessasse a culpa, e logo. Pobre Simão! Ele achava que era uma culpa! Mas, se
no coração de meus discípulos não houvesse mais do que culpas iguais aquela, e
uma grande, bem grande humildade, uma grande confiança, um grande amor, como os
teve Pedro, ah! Eu deveria proclamar-me Mestre de uma multidão de Santos!”
“E com
isto, queres dizer-me que Pedro é Santo, e eu não. É verdade. Eu não sou santo.
Expulsa-me então...”, replicou Judas Iscariodes.
“Não és humilde, Judas. É a soberba o
que te arruína. E não me conheces ainda...”, termina Jesus com muita tristeza.
... Não
te parece, Mestre, que Bartolomeu nos está propondo o assunto para uma bela
parábola? Diz Zelotes, provocando a Jesus para que fale.
Mas Jesus
está ninando um menininho, que está com medo dos raios, e não diz a parábola,
mas concorda dizendo:
“E tu, como a proporias?”
“Certamente
mal, Mestre. Eu não sou como Tu.”
“Dize-a como souberes. Vai servir-vos
muito o pregar com parábolas. Habituai-vos a isso. Eu te fico escutando,
Simão.”
“Oh!...
Tu, Mestre. Eu... um estulto... Mas obedeço. Eu diria assim: “Um homem tinha
uma bela videira. Mas, não sendo ele possuidor de uma vinha, sua videira havia
sido plantada na pequena horta de casa, a fim de que subisse para o terraço,
desse sombra e produzisse cachos. E muitos cuidados ele tomava com sua videira.
Mas ela ia crescendo no meio das casas, perto da rua, e, por isso a fumaça das
cozinhas e dos fornos e a poeira da estrada subiam para molestar a videira. E,
enquanto ainda desciam do céu as chuvas de Nisã, as folhas da videira se
limpavam das impurezas, e se fortaleciam com o sol, e o ar, sem terem sobre sua
superfície a feia crosta de sujeira para a estorvarem. Quando porém, chegou o
verão e a água não desceu mais do céu, a fumaça, a poeira e os excrementos dos
passarinhos foram-se depositando em espessas camadas, sobre as folhas, ao mesmo
tempo que o sol quente as ia secando. O dono da videira dava água às raízes que
estavam dentro da terra. E por isso a planta não morria, mas ia vegetando com
dificuldade, porque a água chupada pelas raízes subia apenas pelo interior, e
as pobres folhas nada aproveitavam dela. Ao contrário, do solo tórrido, molhado
com pouca água, subiam a água tornada quente, e as exalações que secavam as
folhas, manchando-as com pústulas malignas. Enfim, veio uma grande chuva do céu
sobre as folhas, e escorreu ao longo dos ramos, dos cachos, do tronco, mitigou
o ardor dos muros e do chão, e, tendo passado a tempestade, o dono da videira
viu uma planta limpa, para gozar e produzir alegria, sob um céu sereno.” Aí
está a parábola.”
“Está
bem. Mas e a comparação com o homem?”
“Mestre,
isto faze-o Tu.”
“Não. Tu. Estamos entre irmãos, não
precisas ter medo de fazer má figura.”
“Se é
pela triste figura, dela eu não tenho medo, por ser uma coisa penosa. Pelo
contrário, até gosto dela, porque serve para me tornar humilde. É que eu não
quereria dizer coisas erradas...”
“Eu irei te corrigindo.”
“Oh!
Então! Eis aqui. Eu diria: “Assim acontece com o homem que não vive ocupado nas
hortas de Deus, mas vive no meio da poeira e da fumaça das coisas do mundo,
coisas estas que lentamente vão criando sobre ele sujeira, talvez
inadvertidamente, e ele se encontra esterilizado em seu espírito e sob uma
crosta de humanidade tão espessa, que a aura de Deus e o Sol da Sabedoria não
podem mais ajudá-lo. E inutilmente procura remediar o caso com um pouco de água
apanhada para os usos pessoais, e usada com tantos cuidados nas partes
inferiores, que as partes superiores ficaram sem ela... Ai do homem que não se
limpa com a água do Céu, que o limpa das impurezas, que apaga os ardores das
paixões e que verdadeiramente alimenta todo o eu. Tenho dito.”
“Falaste bem. Eu diria também que, com
a diferença da planta que é uma criatura privada do livre arbítrio e fincada na
terra e por isso não podendo andar em busca do que lhe agrada, nem evitar
aquilo que lhe faz mal, o homem pode andar para ir buscar a água do Céu, para
escapar da poeira, do ardor da carne e do mundo e do demônio. Seria assim mais completo o ensinamento.”
...“Outra
parábola bonita, bem bonita...para mim...”, e isso criou um novo rumo para a
discussão.
“Sobre o que, menino?”, pergunta condescendente, Jesus.
O
pequenino olha ao redor de si, e acaba encontrando. Aponta com um dedinho sua
mãe, e diz: “Sobre a mamãe.”
“A mamãe é para a alma e para o corpo o
que Deus é para eles. O que a mamãe te faz? Ela te vigia. Cuida de ti, te
ensina, te ama, toma cuidado para que não te machuques, te protege, como faz a
pomba com os seus pombinhos, pondo-os sob as asas do seu amor. E a mãe é
obedecida e amada, porque tudo que ela faz é para o nosso bem. Também o bom Deus,
e muito mais perfeitamente do que a mais perfeita das mamães, protege os seus
filhos debaixo das asas do seu Amor, dá-lhe assistência e os ensina, os ajuda
de noite e de dia pensando neles. Mas também o bom Deus, como é muito mais que
a mamãe, porque a mamãe é o maior amor da terra, mas Deus é o maior e eterno
amor da terra e do Céu, é obedecido e amado, porque tudo o que Ele faz, o faz
para o nosso bem...”
Pg. 83-88
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447 – DISCURSO NÃO ESCUTADO EM
CAFARNAUM, SOBRE A MISERICÓRDIA E SOBRE O PERDÃO
Diz
Jesus:
“Não é justo o coração que as formula,
nem o que as acolhe. Quem quer ser meu discípulo, deve imitar-me. Eu tolero e
perdoo. Eu sou manso, humilde e pacífico. Os filhos da ira não podem ficar
comigo, porque são filhos deste século e de suas paixões.
Não vos lembrais do livro quarto dos
Reis? Está dito em um ponto, que Isaías falou contra Senaqueribe, que
acreditava poder ousar tudo, e lhe profetiza que nada o livrará do castigo de
Deus. E o compara a um animal, ao qual se põe uma argola no nariz e um freio
nos beiços, para domar-lhe o furor criminoso. Vós sabeis como Senaqueribe
pereceu, pela mão dos seus próprios filhos. Porque, na verdade, o cruel perece
por sua própria crueldade. Perece, tanto na carne, como no espírito. Eu não amo
os cruéis. Eu não amo os soberbos. Não amo os iracundos, os avarentos, os
luxuriosos. Eu não vos disse nenhuma palavra como exemplo dessas coisas, mas
sempre vos ensinei as virtudes opostas a estas paixões.
Como é bela a oração de Davi, nosso
rei. Quando depois de tornar a santificar-se pelo arrependimento de suas culpas
passadas e com os anos de sábia conduta, louvou o Senhor, humilde e resignado
pelo decreto de não poder ser ele o construtor do novo Templo. Digamos juntos
essa oração, dando louvores ao Senhor Altíssimo...
...Sempre é necessário recordar-nos de
que todas as coisas estão nas mãos de Deus, todo empreendimento, toda vitória.
Magnificência, poder, glória e vitória são do Senhor. Ele ao homem concede esta
ou aquela coisa, se julga que é hora de concedê-la, como um bem seguro, mas o
homem não pode pretendê-la. A Davi, já perdoado, mas ainda necessitado da
vitória sobre si mesmo, depois dos erros passados, Deus não lhe concede que ele
erija o Templo: “Tu derramaste muito sangue, e fizeste guerras demais. Tu não
poderás por isto levantar uma casa ao meu Nome, tendo derramado tanto sangue
diante de Mim. De ti nascerá um filho, que será um homem de paz... e por isso
será chamado o Pacífico... ele edificará a casa em meu Nome.”
Assim falou o Altíssimo ao servo Davi.
Assim vos digo: Estais querendo vós, por serdes iracundos, não merecer que se
construa em vossos corações a casa do Senhor, vosso Deus? Longe, pois, de vós
quaisquer sentimentos que não sejam de amor. Tende um coração perfeito, como o
que Davi pediu para o seu filho, o construtor do Templo, a fim de que,
guardando os meus mandamentos, e fazendo todas as coisas conforme Eu ensinei,
vós consigais edificar em vós a morada do vosso Deus, à espera de irdes morar
na Dele, que é eterna e alegre. Dá-me um rolo, Jairo. Eu lhes vou explicar o
que Deus quer.
Jairo vai
até o lugar onde estão empilhados os rolos e pega ao acaso um deles no centro
da pilha e, depois de limpar dele a poeira, o entrega a Jesus que o desenrola,
e lê: “Jeremias
capítulo cinco. Andai pelas ruas de Jerusalém, olhai, observai, procurai pelas
praças se nela encontrais um homem que pratique a Justiça e procura ser fiel, e
Eu usarei para com ele de misericórdia...”
Jesus
depois de ter lido tudo, entrega o rolo ao Jairo e fala:
“Meus filhos. Vós ouvistes que
tremendos castigos estão reservados para Jerusalém, para o Israel que não é
justo. Mas não vos alegreis com isso. É a nossa Pátria. Não fiqueis
alegrando-vos, e pensando: “Nós talvez não ficaremos mais aqui.” Ela está
sempre cheia de vossos irmãos. Não digais: “Bem feito para ela, porque é cruel
para com o Senhor.” As desventuras da Pátria, as dores dos concidadãos devem
sempre afligir aos que são justos. Não fiqueis medindo como os outros medem,
mas como Deus mede, isto é, com misericórdia.
Que deveis então fazer para com esta
Pátria, para com estes compatriotas, quer se entenda por Pátria e patriotas a
grande Pátria e os seus habitantes, toda a Palestina, quer seja esta pequena
cidade vossa, que é Cafarnaum, quer sejam compreendidos todos os hebreus ou
estes poucos, que me são hostis nesta pequena cidade da Galiléia. Deveis
praticar obras de amor. Procurai salvar a Pátria e os compatriotas. Como?
Talvez por meio da violência? Ou com o desprezo? Não. Com amor, com um paciente
amor, afim de convertê-los para Deus.
Vós ouvistes: “Se Eu encontrar um homem
que pratique a justiça, usarei para com ele de misericórdia. Trabalhai, pois
para que os corações venham a justiça, se tornem justos. Pois, na verdade, eles
em sua injustiça, estão dizendo assim, a meu respeito: “Não é Ele”, e, por
isso, creem eles que perseguindo-me, não lhes advirá disso nenhum castigo. Na
verdade, eles dizem: “Estas coisas não acontecerão nunca. Os profetas falaram a
toa.”
E procurarão levar-vos a vós também a
falar como eles. Vós, que estais aqui presentes, sois fiéis. Mas, onde está
Cafarnaum? Isto que Eu estou vendo é toda Cafarnaum? Onde estão aqueles que nas
outras vezes Eu via como vinham apinhar-se ao redor de mim? Então o fermento
que cresceu depois da última vez que aqui estive, terá produzido a ruína em
muitos corações? Onde está Alfeu? Onde está Josué com seus três filhos? Onde
está Ageu do Malaquias? Onde estão José e Noemi? Onde estão Levi, Abel, Saul e
Sacarias? Tendo ficado esquecido o evidente benefício recebido, por que
palavras mentirosas vieram colocar-se no lugar deles? Será que palavras podem
destruir fatos?
Vós estais vendo! Não é mais do que um
pequeno lugar. Neste lugar onde os beneficiados são em maior número, o ódio foi
capaz de destruir a fé em mim. Somente os perfeitos na fé é que Eu estou vendo
aqui reunidos. E poderíeis pretender que fatos de outros tempos, palavras
antigas, podem manter todo Israel fiel a Deus? Isso deveria acontecer, porque a
fé deve ser tal, ainda que não tenha fatos que a sustentem. Mas isto não
existe. Quanto maior é a ciência, menor é a fé, porque os doutos se creem
isentos da fé simples e sincera, que crê por força do amor, e não pela ajuda da
ciência.
É o amor que precisa estar aceso, e
expandir-se. Para fazer isso ele precisa estar aceso antes. É preciso que
estejais convictos, para poderdes convencer. Em lugar das grosserias, em
resposta aos insultos, humildade e amor. E com estas disposições andar para a
frente, lembrando as palavras do Senhor à quem não se lembra mais delas:
“Temamos o Senhor que nos dá a chuva da primeira estação e a da última.”
“Eles não nos compreenderiam! Pelo contrário,
até nos ofenderiam, dizendo que somos uns sacrílegos, ensinando sem termos o
direito de fazê-lo. Tu não deixas de saber quem são os escribas e os
fariseus...”, grita um dos ouvintes.
“Não. Eu o sei. E, mesmo que Eu não o
soubesse, agora o estaria sabendo. Mas não nos importa o que eles são. Importa
é o que nós somos. Se eles e os sacerdotes batem palmas aos falsos profetas,
que profetizam o que lhes dá alguma vantagem, esquecendo-se de que somente às
boas obras é que o Decálogo manda bater palmas, nem por isso os meus fiéis
devem imitá-los, nem ficar desanimados, nem começar a se considerarem uns
derrotados, vós deveis trabalhar quanto mais o Mal trabalha... para edificardes
em vós e ao redor de vós, a casa do Senhor, como Eu vos dizia no começo. Fazer
com uma grande santidade, que Deus possa descer nos corações, e que não sabe
que nimbos sombrios de desventuras se estão formando para ela no setentrião, na
nação mais forte, que nos domina, e que sempre mais nos dominará, porque as
ações dos cidadãos são tais, que só servem para desgostar o Boníssimo e excitar
o forte. E, com a irritação de Deus e do dominador, quereis, por acaso, ter paz
e bem-estar? Sede, sede bons, ó filhos de Deus. Fazei que não um, mas cem e
mais cem sejam os bons em Israel, para desviar os tremendos castigos do Céu. Eu
vos disse no começo que onde não há paz não pode estar a palavra de Deus que,
pacificamente ouvida, produza frutos nos corações. E, vede bem que esta nossa
reunião não foi tranquila, nem será frutuosa. Há agitação demais nos
corações... Ide. Teremos ainda algumas horas para estarmos unidos. E rezai,
como Eu rezo, para que os que nos perturbam se arrependam.” Vamos, ó Mãe.” E abrindo alas pelo meio da multidão, sai para à rua.
Pg. 95-99
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448 – REUNIÃO DE BARCAS SOBRE O LAGO E
PARÁBOLA SUGERIDA POR SIMÃO PEDRO
Diz
Jesus:
“A Paz esteja convosco. Há pouco um dos
meus Apóstolos me propôs uma parábola e, agora Eu vo-la apresento, porque pode
ser útil a todos, porque todos vós podeis entender. Ouvi-a. Um homem navegando
sobre o lago, em uma tarde serena como esta, e sentindo-se seguro de si mesmo,
presumiu-se ser um homem sem defeitos. Era um homem muito hábil nas manobras, e
por isso se julgava superior aos que ele encontrava sobre as águas, e dos quais
muitos vinham para se divertirem, e vinham sem aquela experiência que se
adquire no trabalho do dia-a-dia e que é boa para sustentar a vida. Além disso,
era um bom israelita, e por isso se julgava possuidor de todas as virtudes.
Enfim, era realmente um bom homem.
E então, numa tarde em que ele ia
navegando muito seguro, começou a permitir-se o direito de expor seus juízos
sobre o seu próximo. Um próximo que, segundo ele, estará tão longe dele, que
nem merecia ser chamado próximo. Entre ele não havia nenhum liame de
nacionalidade, nem de ofício, nem de fé que o unisse aquele próximo e porque
ele sem nenhum obstáculo contra a solidariedade nacional, religiosa ou
profissional, zombava dele tranquilamente, e até severamente, e se lamentava
por não ser dono daquele lugar, porque se o fosse, teria expulsado aquele
próximo daquele lugar, e em sua fé intransigente, quase censurava o Altíssimo
por conceder a outros homens assim diferentes dele poderem viver e fazer o que
quisessem, do modo e no lugar onde vivia e fazia o que ele queria.
Sobre sua barca havia um amigo seu, um
seu amigo muito bom, o qual o amava de verdade, e, por isso queria que ele se
tornasse um sábio, e quando se fazia necessário, corrigia as ideias erradas
dele. Naquela tarde pois, o seu amigo disse ao barqueiro: “Por que esses
pensamentos? Não é um só o Pai de todos os homens? Não é Ele o Senhor do
Universo? O seu sol não desce sobre todos os homens, para aquecê-los e as suas
nuvens, por acaso, não molham tanto os campos dos gentios como os dos hebreus?
E se isso Ele fez para atender as necessidades materiais do homem, não usará
das mesmas providências para as necessidades espirituais? E quererias tu
sugerir a Deus o que Ele deve fazer? Quem como Deus.”
O homem era bom. Em sua intransigência
havia muita ignorância, muitas ideias erradas, mas não era má vontade, não
tinha a intenção de ofender a Deus, pelo contrário, até que havia nele a
intenção de defender os direitos de Deus. Ouvindo aquelas palavras, ele se
jogou aos pés do sábio, e lhe pediu perdão por ter falado como um estulto. Mas
tão impetuosamente ele fez esse pedido, que por pouco não causou uma
catástrofe, fazendo ir para o fundo a barca e os que estavam nela, porque
naquele forte desejo de pedir perdão, não cuidou mais do timão, nem da vela,
nem se lembrou da correnteza das águas. Por isso, depois do primeiro erro por
mau juízo, cometeu um segundo erro de manobra mal feita e provou a si mesmo que
não só era um fraco juiz, mas também um inábil marinheiro.
Esta é a parábola. Agora ouvi. Achais
que aquele homem será perdoado por Deus, ou não? Lembrai-vos que ele havia
pecado contra Deus e contra o próximo, julgando as ações de ambos, e por pouco
se tornava homicida por matar seus companheiros. Meditai e respondei.
A grande
maioria dos ouvintes condenaram-no. Então Jesus depois deste veredicto humano
se pôs a falar...
Assim julga o homem. Mas assim não
julga Deus, ó meus filhos! Vós dizeis: “Não terá sido perdoado.” Eu digo: “O
Senhor não vê nele nem o que ser perdoado. Porque todo perdão supõe uma culpa.
Mas neste caso não havia culpa.
Não, não murmureis. Repito: aqui não
havia culpa. A culpa quando é que se forma? Quando existe a vontade de pecar, o
conhecimento do que é pecado e a persistência em querer pecar, mesmo depois que
se ficou sabendo que aquela ação era pecado. Tudo depende da vontade com que
alguém realiza um ato. Seja uma ação virtuosa ou pecaminosa. Até quando alguém
faz uma coisa aparentemente boa, mas não sabe que está fazendo um ato bom, e
pensa que ele é um ato mau, tem culpa, como se estivesse fazendo um ato mau, e
vice-versa.
Pensai por exemplo: alguém tem um
amigo, e sabe que ele está doente. Sabe que por ordem do médico, ele não deve
beber água fria e nenhum outro líquido. E vai fazer-lhe uma visita, fingindo
que o ama. E lá ele o ouve gemer, dizendo: “Estou com sede! Estou com sede!”,
e, fingindo ter piedade dele, apressa-se em dar-lhe de beber água gelada do
poço, dizendo-lhe: “Bebe meu amigo. Eu te amo, e não te posso ficar vendo
sofrer assim com todo este ardor. Olha, eu te trouxe de propósito esta água bem
fresca. Bebe, bebe, pois grande recompensa é dada a quem presta assistência aos
enfermos e dá de beber aos sedentos”, e, dando-lhe de beber, causa a morte
dele. Crede vós que aquele ato que em si mesmo é bom, porque constou de duas
obras de misericórdia, terá sido bom, quando foi feito com má intenção? Não o
é?
E ainda: Um filho que tenha um pai
beberrão e que, para salvá-lo da morte porque ele bebe continuamente, fecha a
adega, ou tira o dinheiro do pai. E lhe diz severamente que não vá pelo povoado
para beber e arruinar-se, parece-vos que ele vá contra o quarto mandamento, só
porque reprova o que o pai faz, e ele, o filho, tomaria do próprio pai o lugar
de chefe da família? Em aparência o filho faz o pai sofrer, e parece culpado.
Mas na realidade ele é um bom filho, porque a sua intenção é boa, é a de salvar
da morte o seu pai. É sempre a intenção que dá valor ao ato.
E ainda: o soldado que mata na guerra é
homicida? Não, se o seu espírito não consente na mortandade, e ele combate
porque é obrigado, e o faz com aquele mínimo de humanidade, que a dura lei da
guerra e de sua condição de soldado lhe impõe.
Portanto aquele homem da barca, que por
uma boa vontade de quem crê, é patriota e pescador, não suportava aqueles que
em sua opinião eram uns profanadores, não fazia pecado contra o amor ao
próximo, mas somente tinha um conceito errado do amor ao próximo. E ele não
fazia pecado contra o respeito devido a Deus, porque o seu ressentimento contra
Deus provinha de um bom, mas não equilibrado e luminoso espírito de quem tem
fé. E ele não cometia homicídio, porque provocava o desbaratamento com uma boa
vontade de pedir perdão. Procurai sempre saber distinguir.
Deus é misericórdia, mais do que
intransigência. Deus é bom. Deus é Pai. Deus é Amor. O verdadeiro Deus é este.
O verdadeiro Deus abre os corações para todos, dizendo a todos: “Vinde”, a
todos mostrando o seu Reino. Ele é livre para fazê-lo, porque Ele é o único
Senhor, Universal, Criador, Eterno.
Eu vo-lo peço ó vós de Israel. Sede
justos. Lembrai-vos destas coisas. Não façais que as compreendam aqueles que
para vós são imundície, enquanto permanecem incompreensíveis para vós. Até o
excessivo e desordenado amor da religião e da Pátria é pecado, porque se
transforma em egoísmo. E o egoísmo é sempre razão e ocasião de pecado.
Pg.
106-110
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450 – MILAGRES NA VILA PERTO DE HIPO E
CURA DO LEPROSO JOÃO
“Jesus,
escuta. Há uma mulher pedindo uma graça. Ela é estéril...”
“Não
perturbes o Mestre por causa dela, mulher. As vísceras dela estão mortas”, diz
um que não sabe que está falando com a Mãe de Deus. E depois, confuso pelo
erro, pois já o informaram, procura ficar menor e desaparecer, enquanto Jesus
responde a ele e a suplicante, ao mesmo tempo, dizendo: “Eu sou
a vida. Mulher, que te seja feito o que estás pedindo”, e pousa, por um instante a mão sobre a cabeça de Sela.
“Jesus,
Filho de Davi, tem piedade de mim!”, grita aquele cego de antes, que pouco a
pouco foi chegando para perto da multidão, e ao lado dela vai dando os seus
gritos de invocação.
Jesus que
estava com a cabeça inclinada para ouvir as palavras suplicantes de Sela, torna
a levantar o rosto e olha para o ponto de onde, entrecortada como a voz de
alguém que está para afundar-se, chega até ele a voz do cego.
“Que queres que Eu te faça?”, grita Jesus.
“Que eu
veja. Estou na escuridão...”
“Eu sou a Luz. Eu quero!”
“Ah! Eu
vejo. Estou vendo! Estou vendo de novo. Deixai-me passar. Que eu possa beijar
os pés do meu Senhor.”
“Mestre
Tu curaste todos aqui. Mas há um leproso em uma cabana, lá no bosque. Ele nos
fica sempre pedindo que te levemos a ele...”
“Vamos! A caminho. Deixai-me ir. Não
vos machuqueis. Eu estou aqui para todos. Vamos, abri alas! Não atropeleis as
mulheres e as crianças. Eu não estou indo embora. Fico por aqui amanhã e depois
estarei nesta região por cinco dias. Podereis acompanhar-me, se o quiserdes.”
....”Eis-nos
chegados. Paremos aqui, para não nos contaminarmos. Estamos perto da tumba do
que está vivo, e esta é a hora em que ele vem àquele maciço para retirar as
ofertas. Ele era rico sabes? Nós nos lembramos dele. Era bom também. Mas agora
é um santo. Quanto mais o feriu a dor, tanto mais ele se tornou justo. Não
sabemos como foi... Isso é contado pelos peregrinos que ele hospedou. Eles iam
para Jerusalém, como diziam. Pareciam sãos, mas certamente eram leprosos. O
fato é que, depois de sua passagem, antes a mulher, depois os servos, depois os
filhos, e por fim ele, pegaram a lepra. Todos. Em primeiro lugar, e pelas mãos,
aqueles que haviam lavado os pés e as vestes dos peregrinos, e por isso dizemos
que eles devem ter sido a causa de tudo. Dos meninos três morreram cedo, muito
cedo. Depois a mulher, e mais pelo sofrimento, do que pela doença... Ele...
Quando o sacerdote declarou que todos estavam leprosos, comprou para si esta
parte do monte, com seus já inúteis haveres, e para que ai se colocassem
provisões para si mesmo e para os seus, incluindo os sevos as enxadas e
picaretas... e começou a cavar os seus túmulos, e, um por um, os foi colocando
todos: os filhos pequenos, depois a mulher, os servos... E ficou somente ele,
sozinho e pobre, pois tudo com o tempo vai se acabando, e já lá se vão quinze
anos... E tudo sem um lamento. Ele era douto. Repetia de cor as escrituras. Ele
as repete falando com as estrelas, as ervas, as árvores, aos passarinhos, e as
repetia a nós que podemos aprender tantas coisas dele, e consola as nossas
dores... ele, compreendes? Ele é que consola as nossas dores. Vêm pessoas de
Hipo e de Gamala, de Guerguesa e de Afeca para ouvi-lo. Quando ele soube do milagre
dos dois endemoninhados. Oh! Ele começou a pregar a fé em Ti. Senhor, se os
homens te saudaram com o nome de Messias, se as mulheres te saudaram como
vencedor e rei, se os nossos meninos sabem o teu Nome e que Tu és o Santo de
Israel, é devido ao pobre leproso”, narra por todos o velho de idade avançada,
que foi o primeiro a falar de João.
“Tu o
curarás?”, perguntam muitos.
“E vós o pedis? Eu, que tenho piedade
dos pecadores, que não terei para com um justo? Mas, não é ele que está vindo?
Lá pelo meio daquelas moitas...”
“Certamente
que é ele. Mas que vista tens, Senhor! Nós apenas ouvimos o barulho, mas nada
vemos...”
Mas o
barulho parou. Tudo é silêncio e expectativa... Jesus está bem exposto à luz,
sozinho, mas pouco a frente, porque chegou até perto do penhasco, onde foram
colocadas as provisões. Os outros, à meia sombra de algumas árvores,
desaparecem, confundindo-se com os troncos e as moitas da charneca. Até os
meninos se calam, ou porque estão dormindo nos braços de suas mães, o porque
estão com medo do silêncio, dos sepulcros, das estranhas sombras que a lua
forma das plantas e dos penhascos.
Mas o
leproso deve estar vendo. Está vendo a alta e imponente estatura do Senhor, todo
vestido de branco, expondo à brancura do luar. Tudo muito bonito. Os olhares
cansados do leproso certamente se cruzam com os olhares resplandecentes de
Jesus. Que linguagem estará saindo daquelas pupilas divinas, grandes e
fulgentes como umas estrelas? O que sai da boca que se entreabre em um sorriso
de amor? Que é que sai do coração, sobretudo do coração de Cristo? Mistério. Um
dos muitos mistérios entre Deus e as almas em seus relacionamentos espirituais.
Certamente o leproso compreende, porque ele grita: “Eis o Cordeiro de Deus! Eis
Aquele que veio para salvar toda a dor do mundo! Jesus, Mestre, Bendito, nosso
Rei e nosso Salvador, tem piedade de mim!
“Que queres? Como podes crer no
Desconhecido para ti e ver nele o Esperado? Quem Eu sou para ti? O Desconhecido.”
“Não. Tu
és o Filho do Deus vivo. Como eu o sei e o vejo? Isso eu não sei. Mas aqui
dentro de mim, uma voz gritou: “Eis o Esperado! Ele veio premiar a tua fé”.
Desconhecido? Sim. Ninguém já viu o rosto de Deus. Por isso és o Desconhecido”,
em tua aparência. Mas o Conhecido és Tu pela tua Natureza, pela tua Realeza.
Jesus, Filho do Pai, o Verbo Encarnado, e Deus como o Pai. Eis ai quem Tu és, e
eu te saúdo e peço, crendo em Ti.”
“E, se Eu nada pudesse fazer por ti, e
tua fé ficasse desiludida?”
“Eu diria
que isso era a Vontade do Altíssimo, e continuaria a crer e a amar, esperando
sempre no Senhor.”
Jesus se
volta para a multidão que, suspensa, está escutando o diálogo, e diz: “Em
verdade, em verdade Eu vos digo que este homem tem a fé que remove montanhas,
Em verdade, em verdade Eu vos digo que a verdadeira caridade, a fé, a esperança
se provam na dor, mais do que na alegria, visto que o excesso de alegria às
vezes, é ruína para o espírito ainda mal formado. Fácil é crer e ser bons,
quando a vida não é mais do que um tranquilo, senão gozoso decorrer de dias
iguais. Mas aquele que sabe persistir na fé, na esperança e na caridade, mesmo
quando as doenças, as mortes, as desventuras o fazem ficar sozinho, abandonado,
evitado por todos, e que só sabe dizer: “Que seja feito o que o Altíssimo julga
que é útil para mim”, em verdade este homem não só merece a ajuda de Deus, mas,
Eu vo-lo digo, no Reino dos Céus está preparado o seu lugar, e ele não
conhecerá permanência no lugar da purificação, porque a sua justiça já anulou
todas as dívidas de sua vida passada. Vai em paz, que Deus está contigo.”
E se
volta, ao dizer isso, e, com esse seu gesto, quando já está bem perto, bem
visível, dá esta ordem: “Eu quero! Que tu fiques limpo!”, e parece que a luz da lua o limpa e o lave com seus raios
de prata, tirando dele as pústulas, as úlceras, os nódulos e as crostas da
horrenda doença. O corpo se recompõe e readquire todas as formas de um corpo
são.
É um
velho respeitável, ascético em sua magreza, aquele que tendo sido levado ao
conhecimento do milagre pelos gritos de Hosana da multidão, inclina-se para
beijar o chão, sem poder tocar em Jesus, nem em nenhum outro homem, antes do
tempo prescrito pela Lei.
“Levanta-te. Vão trazer-te uma veste
limpa, para que possas ir apresentar-te ao sacerdote. Mas procura andar sempre
com a limpeza do teu espírito, diante do teu Deus. Adeus, homem. A paz esteja
contigo!”
Pg. 122 a
126
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451 – DISCURSO NA VILA PERTO DE HIPO,
SOBRE DEVERES DOS CÔNJUGES E DOS FILHOS
“A paz esteja com todos vós. Estáveis
me esperando? Estáveis com medo de que Eu escapasse, sem saudar-vos? Eu nunca
falto com minhas promessas. Hoje Eu estou convosco para evangelizar-vos e ficar
convosco, conforme prometi, para abençoar as vossas casas, as hortas e as
barcas, para que sejam santificadas todas as famílias, e o trabalho seja também
santificado. Mas, lembrai-vos de que a minha bênção, para produzir frutos, deve
ser ajudada pela vossa boa vontade. E vós sabeis qual é a boa vontade que deve
animar uma família, para que seja santa a casa que a hospeda. Nela o homem deve
ser chefe, mas não déspota, nem da esposa nem dos filhos, nem dos servos e, ao
mesmo tempo, deve ser o rei, verdadeiramente o rei, no sentido bíblico da
palavra. Estais lembrados do capítulo oitavo do primeiro livro dos Reis? Os
anciãos de Israel se reuniram, e foram para Rámata, onde morava Samuel, e lhe
disseram: “Eis que ficaste velho, e os teus filhos não estão andando pelos teus
caminhos. Para julgar-nos, estabelece sobre nós um rei, como o têm todas as
nações.”
Portanto, rei quer dizer “juiz”, e
deveria ser juiz justo para não fazer de seus súbditos uns infelizes no tempo
de guerras, de abusos, de impostos injustos, nem na eternidade, exercendo uma
realeza completamente cheia de molezas e de vícios.
Ai daqueles que faltam com o seu ministério,
que fecham os ouvidos às vezes dos súbditos, que fecham os olhos diante das
chagas da nação, que se tornam cúmplices da dor do povo com alianças injustas,
além de reforçarem o seu poder com a ajuda de aliados!
Mas ai também daqueles pais que faltam com
sua obrigação, que são cegos e surdos às necessidades e aos defeitos, que são
causa de escândalos e dor para ela, que descem dos membros da família
compromissos de núpcias indignas, contanto que possam aliar-se com famílias
ricas e poderosas, sem refletirem que o matrimônio é uma união querida para
elevação e conforto do homem e da mulher, além de o ser para a procriação. É um
dever, é um ministério. Não é um mercado, uma dor, não é aviltamento de um dos
cônjuges, nem do outro. É amor, e não ódio. Portanto que o chefe seja justo,
sem excessivas durezas ou pretensões, e sem excessivas condescendências e
fraquezas. Mas, se tivésseis que escolher entre o excesso de uma coisa ou de
outra, escolhei a segunda, porque pelo menos desta Deus vos poderá dizer: “Por
que foste tão bom assim?”, e não condenar-vos, uma vez que o excesso da bondade
pune o homem, com as prepotências que os outros se permitem contra os bons,
enquanto que a dureza sempre vos reprovaria, porque é uma falta de amor para
com o próximo mais próximo.
E justa seja a mulher, em sua casa para
com o esposo, os filhos e os servos. A seu esposo dê obediência e respeito,
conforto e ajuda. Obediência, enquanto esta não assumir substancialmente um
consentimento para o pecado. A mulher deve ser submissa, mas não degradada.
Olhai, ó esposas, que o primeiro que vos julga, depois de Deus, por certas
condescendências culpáveis, é o vosso próprio marido, que vos leva a elas. Nem
sempre são desejos de amor, mas também são uma prova de vossa virtude. Mesmo
que no momento não se reflita, pode chegar o dia em que o esposo diga a si
mesmo: “Minha mulher é muito sensual”, e por isso fique com suspeitas contra a
vossa fidelidade conjugal.
Sede castas no casamento. Fazei que
vossa castidade imponha ao esposo aquela cautela que se toma diante das coisas
puras, e vos olhe como suas semelhantes, e não como escravas ou concubinas,
mantidas somente para serem “prazer”, e rejeitadas quando não agradam mais. A
mulher virtuosa eu diria, a mulher que, mesmo depois da união conjugal,
conserva ainda aquele “que” de virginal em seus atos, nas palavras, nos
abandonos de amor; pode levar o marido a uma elevação da sensualidade para o
sentimento, pelo qual o esposo se despoja da luxúria e se torna verdadeiramente
um único “que” com sua esposa, que ele passa a tratar com o cuidado com que
cada pessoa trata uma parte de si mesma, e justo é que assim seja, porque a
mulher é “osso de seus ossos e carne de sua carne”, e ninguém maltrata os seus
ossos nem a sua carne, mas, ao contrário, os ama, para que o esposo e a esposa,
como os dois primeiros esposos, olhem um para o outro, e não se vejam em sua
nudez sensual, mas se amem pelo espírito, sem vergonhas aviltantes.
Que a mulher seja paciente, maternal
com o marido. Que ela o considere como o primeiro de seus filhos, porque a
mulher é sempre mãe, e o homem está sempre necessitado de uma mãe, que seja
paciente, prudente, afetuosa, confortadora. Feliz aquela mulher que de seu
próprio cônjuge sabe ser companheira, e, ao mesmo tempo a mãe, para ampará-lo,
e a filha, para ser guiada. Que a mulher seja trabalhadeira. O trabalho,
impedindo os devaneios, faz bem à honestidade, além de fazê-lo à bolsa. Que ela
não fique atormentando o marido com tolos ciúmes, que para nada servem. O
marido é honesto? O ciúme torna-o estulto, obrigando-o a sair de casa, o coloca
no perigo de cair nas malhas de alguma meretriz. Ele não é honesto e fiel? Não
serão as iras da ciumenta que irão corrigi-lo, mas, sim, o procedimento, sem
mau humor e grosserias, com dignidade e amor, com amor digno, e isso é o que
faz refletir e recuperar o juízo. Procurai saber reconquistar o marido, quando
uma paixão o afastou de vós, com a vossa virtude, assim como em vossa juventude
o conquistastes pela vossa beleza. E, para terdes força no cumprimento desse
dever, e resistir à dor que poderia tornar-vos injustas, amai os filhos, pensai
neles, no bem deles.
Tudo uma mulher tem em seus filhos: a
alegria, a coroa real nas horas alegres em que ela é realmente uma rainha da
casa e do marido, e o bálsamo nas horas dolorosas em que uma traição, ou outras
penosa experiências da vida conjugal flagelavam sua fronte e sobretudo o
coração com os espinhos de sua realeza como esposa e mártir. Julgai-vos tão
espezinhadas, que quereis voltar para casa de vossos pais, ou procurar
compensação e, algum amigo fingido, que tem desejo de mulher, mas finge ter
piedade do coração da que foi traída? Não, mulheres, não! Aqueles filhos,
aqueles filhos inocentes, já perturbados, já precocemente entristecidos pelo
ambiente doméstico, que não é mais sereno, não é mais justo, têm os seus
direitos sobre a mãe, sobre o pai, sobre o conforto em uma casa onde, se
pereceu um amor, o outro ainda continua a velar por eles. Aqueles olhares
inocentes deles olham para vós, vos estudam, e compreendem mais do que vós
pensais e formam os seus espíritos pela medida daquilo que veem e compreendem.
Não sirvais nunca de escândalo para os vossos inocentes, mas refugiai-vos
neles, como em um baluarte de lírios adamantinos entre as fraquezas da carne e
as insídias das serpentes.
E que a mulher seja mãe. A mãe justa,
que é irmã, ao mesmo tempo que é mãe, sobretudo e acima de tudo. Velar sobre os
filhos e as filhas, corrigir amorosamente, ajudar, fazer meditar, e tudo sem
preferências, pois os filhos são todos nascidos de uma semente e de um seio, e,
se é natural que eles sejam bem queridos, pela alegria que dão os filhos bons,
é também um dever que sejam amados, ainda que com um amor doloroso, e os filhos
não bons fazem lembrar que o homem não deve ser mais severo do que Deus, o qual
ama não somente os bons, mas também os não bons, e os ama para ver se os faz
bons, e para dar-lhes o modo e o tempo de o serem, e suporta até à morte do
homem, reservando-se o direito de ser justo, quando o homem não pode mais
reparar.
...E, voltando ao assunto de como devem
ser os componentes de uma família, os habitantes de uma casa, para que nela se
mantenha frutuosamente a minha bênção, Eu vos digo, ó filhos, que vós sejais
submissos aos vossos pais, respeitosos, obedientes para poderdes sê-lo também
para com o Senhor vosso Deus. Porque, se não aprenderdes a obedecer as pequenas
ordens de Deus, que vos estais vendo, como podereis obedecer às ordens de Deus,
que vos são ensinadas em seu Nome, mas que vós não estais vendo, nem ouvindo?
E, se não aprendeis a crer que quem ama, como um pai e uma mãe amam, e não
podem mandar senão coisas boas, como podereis crer que sejam boas as coisas que
vos foram ditas como ordem de Deus? Deus ama, é Pai, sabeis disso? Mas,
justamente porque vos ama, e vos quer consigo, ó caros amigos. Ele vos quer
bons. E a primeira escola em que aprendeis a sê-lo é a família. Nela aprendeis
a amar e a obedecer, e nela é que começa para vós o caminho que leva para o
Céu.
Portanto sede bons, respeitosos, dóceis.
Amai vosso pai, mesmo quando ele vos corrige, pois ele faz assim para o vosso
bem, e à mãe, se ela vos afasta de ações que sua experiência julga não boas.
Honrai-os, não os fazendo passar vergonha por vossas más ações. O orgulho não é
coisa boa, mas existe um santo orgulho, que é o de se poder dizer: “Não fiz
sofrer nem a meu pai nem à minha mãe.” E isso que nos faz gozar da convivência
com eles, enquanto estão vivos, é para vós uma paz sobre a ferida, que a morte
deles vos causa, enquanto que as lágrimas que um filho fez seu pai derramar,
hão de marcar com sulcos, como chumbo derretido o coração do filho mau, e,
apesar de todo o trabalho para anestesiar aquela ferida, que continua a doer, a
doer, e sempre dói mais, quando a morte do pau impediu ao filho de fazer uma
reparação... Oh! Filhos, sede bons, sempre, se quereis que Deus vos ame.
Enfim, santa é aquela casa onde, pela
justiça dos donos, tornam-se justos até com os sevos e os empregados.
Lembrem-se os patrões que um mau comportamento irrita e desgasta o servo, e o
servo que o seu mau comportamento desgosta ao patrão. Esteja cada um em seu
lugar, mas com um liame de amor ao próximo, a preencher a separação que há
entre os servos e os patrões. E, então, a casa abençoada por mim conservará a
sua bênção, e Deus morará nela. E assim também conservarão sua bênção, e
portanto a proteção, as barcas, as hortas e as ferramentas de trabalho e de
pesca, quando santamente forem usadas, nos dias permitidos, e santamente
dedicados ao culto de Deus no sábado, e vós vivereis a vossa vida de pescadores
e hortelãos, e não cometereis no vender e no pesar, não amaldiçoareis o
trabalho, nem fareis tanto dele o rei da vossa vida, a ponto de dardes mais
valor a ele do que a Deus. Porque, se o trabalho vos leva a obter um ganho,
Deus vos dá o Céu.
Pg. 128 a
132
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452 – O EX-LEPROSO JOÃO TORNA-SE
DISCÍPULO. PARÁBOLA DOS DEZ MONUMENTOS
“O meu
Senhor, grita o ex-leproso, jogando-se de joelhos, logo que vê Jesus aparecer
na charneca, que fica perto do rochedo onde viveu durante tantos anos. E depois
levantando-se, grita de novo: “Como? Estás voltando a mim?”
“Para dar-te uma provisão de palavras,
depois de ter-te dado a de saúde.”
“A
provisão se dá a quem vai viajar, e, de fato, vou viajar esta tarde para as
purificações... Mas parto, para voltar e unir-me aos discípulos, se Tu me
quiseres acolher. Não tenho mais casa nem parentes, Senhor. Já estou velho para
exercer qualquer atividade, e assim poder viver. Far-me-ão a reintegração dos
bens, mas, como estará a casa, se há quinze anos nela não morou ninguém? O que
encontrarei nela? Talvez as paredes derrubadas... Eu sou um passarinho sem
ninho. Deixa que eu me ajunte à fileira dos que te seguem. Afinal, eu não
pertenço mais a mim mesmo, porque, por aquilo que me deste, eu sou teu, não
pertenço mais ao mundo que me separou do seu convívio, justamente por ser eu um
impuro, e por tanto tempo. Agora sou eu que acho que o mundo é impuro, depois
de ter-te eu conhecido, e fujo do mundo para vir a Ti.”
“E Eu não te rejeito. Mas Eu te digo
que quereria que fizesses uma parada nesta região. Aera e Arbela têm o seu
filho discípulo, que está evangelizando. Que tu faças o mesmo em Hipo, Gamala,
Afeca e lugares vizinhos. Eu, daqui a pouco desço para a Judéia, e não voltarei
mais a estes lugares. Mas quero ter neles meus evangelizadores.”
“A Tua
vontade me torna querida qualquer renúncia. Farei o que Tu queres. E o farei
logo que completar as purificações. Eu tinha pensado que não teria que cuidar
mais de minha casa. Agora, ao contrário, eu digo que a reaverei, de tal modo
que possa morar nela e acolher nela, durante o inverno, as almas desejosas de
ter notícia de Ti, e pedirei a alguns dos discípulos que te seguem que venham
ficar comigo, porque se Tu queres que eu seja um pequeno mestre, eu preciso ser
instruído por alguém que saiba mais do que eu. E na primavera irei com os
outros pregar o teu Nome.”
“Teu pensamento é bom. E Deus te ajudará
a realizá-lo.”
“Eu já
comecei a destruir pelo fogo tudo o que me pertencia, Isto é, a pobre enxerga e
os pobres móveis que eu usava, a veste com que eu estava até ontem, tudo aquilo
em que eu havia tocado com meu corpo doente. A gruta em que eu vivia está
preta, por causa do fogo que eu nela acendia para incinerar coisas e purificar
o ambiente. Ninguém ficará contaminado, se entrar lá para refugiar-se em alguma
noite de tempestade. E depois eu tinha um velho cofre, já bem velho, todo
encarunchado... parecia que a lepra o tivesse corroído também... Mas para
mim... ele era mais precioso do que as riquezas do mundo... Dentro dele estavam
minhas coisas queridas... lembranças de minha mãe... o véu de núpcias da minha
Ana... Ah! Quando eu o tirei, todo feliz, naquela tarde de núpcias, e
contemplei aquele rosto tão belo, e puro como um lírio, quem me poderia ter
dito que, poucos anos depois, eu o haveria de ver como uma chaga só! E... as
roupas dos meus meninos, os seus brinquedos... seguros entre suas pequenas mãos,
enquanto elas puderam segurar alguma coisa... e... É uma grande dor... perdoa o
meu pranto... A chaga dói fortemente, agora que eu tive que queimá-las com
razão... sem podê-las beijar... porque eram de leprosos. Mas Tu compadeces de
mim. Eu destruí as últimas lembranças deles... e agora estou com alguém que se
perdeu no deserto...”
O homem
se agacha chorando junto ao montão de cinzas que é a lembrança do seu
passado...
“Não estais perdido, João, nem estás
sozinho. Eu estou contigo. Aqueles restos que te faziam lembrar-te dos que
tinham ficado desfigurados pela doença, ou bonitos e cheios de saúde, antes
daquela ventura. Tudo são lembranças de dores. Deixa-os entre as cinzas do
fogo. Destrói-os com a certeza que Eu te dou: de que os reencontrarás belos e
felizes na alegria do Céu. O passado morreu, João. Não chores mais por ele. A
luz não para a fim de ficar olhando as trevas da noite, mas fica alegre por
separar-se dela e poder brilhar, à medida que vão subindo para o céu com o sol
de cada manhã. E o sol não fica parado no oriente, mas se ergue, voa para a
frente, até chegar ao alto do firmamento. A tua noite terminou. Não fiques mais
pensando nela. Sobe para lá com o seu espírito, para onde Eu, que sou a Luz, te
levo. Pela doce esperança e pela fé. Lá sim, encontrarás alegria, porque a tua
caridade poderá encontrar-se com Deus e com os teus queridos, que te estão
esperando. Não é mais do que uma rápida subida, e logo estarás lá no alto com
eles, Esta vida é um sopro. A eternidade é um eterno presente.”
“Tens
razão, Senhor. Tu me confortas e me ensinas como superar esta hora com justiça.
Mas Tu és o sol para estares perto de mim, enquanto te for concedido. Retira-te
Mestre. Já me deste o suficiente. Poderia fazer-te mal este sol, que já está
bem forte.”
“Eu vim para estar contigo. Todos nós
viemos para isso. Sai de onde estás, vem para o lado das árvores, e estaremos
juntos sem perigo.”
O homem
obedece, deixando o penhasco, a cujos pés está o montão de cinzas, o passado, e
ele vai na direção do lugar para onde Jesus se dirige, e onde estão comovidos
os apóstolos, as mulheres, os moradores do povoado e aqueles que vieram da
cidade para ouvirem o Mestre.
“Acendei o fogo, para cozinhar o peixe.
Repartiremos o alimento em um banquete de amor”,
ordena Jesus.
...E
Jesus sorrindo: “Ainda há muita água para a sede do Filho do homem. Há água
colocada pelo Pai nos poços profundos. E o Filho do homem ainda tem as mãos
livres para fazer com elas uma concha. Dia virá em que não terei mais nem estas
nem aquela, e não terei mais nem a água do amor para matar a sede do Sedento.
Agora encontro tanto amor ao redor de Mim.”,
e vai para a frente, levando com as duas mãos o cesto grande redondo e fundo,
para colocá-lo sobre a grama, a alguns metros de João, e dizendo-lhe: “Pega
e come. É o banquete de Deus.”
Depois
Ele volta para o seu lugar. Oferece e abençoa o alimento, e o faz distribuir
aos presentes, que ajuntaram com Ele tudo o que tinham. Todos comem com gosto e
com uma pacífica alegria, enquanto Maria se ocupa, cheia de maternal doçura,
com Alfeu. Depois, terminada a refeição, Jesus se coloca entre o povo e o
ex-leproso, começando a falar, enquanto as mães apanham no colo os seus filhos
saciados de alimento e de brinquedos, e os ninam para fazê-los dormir, a fim de
que não fiquem perturbando.
“Ouvi, todos vós. Em um Salmo de Davi,
o Salmista faz esta pergunta: “Quem habitará no Tabernáculo de Deus? Quem
repousará no monte de Deus?” E passa a enumerar quem serão os afortunados, e
por quais motivos o serão. Diz Ele: “Aquele que vive sem mancha e pratica a
justiça. Aquele que fala de coração, com verdade, e não usa de enganos com sua
língua, que não causa dano ao próximo, que não aceita palavras infamantes
contra o seu semelhante.” E, em poucas linhas, depois de ter dito quem entrará
nos domínios de Deus, diz o que é que esses bem aventurados fazem de bem,
depois de já não terem feito o mal. Diz assim: “Aos olhos deles, o malvado é um
nada. Eles honram aos que temem a Deus. Aos que jurando ao seu próximo, não o
enganam. Não emprega o seu dinheiro em usura. Não recebe presentes para
prejudicar um inocente. “E termina: “Quem faz estas coisas nunca vacilará. Em
verdade, em verdade Eu vos digo que o Salmista disse a verdade, e confirmo com
a minha sabedoria que quem faz estas coisas não vacilará nunca.
A primeira das condições para entrar no
Reino dos Céus é: “Viver sem mancha.” Mas pode o homem, uma criatura fraca,
viver sem mancha? A carne, o mundo e Satanás, em um contínuo fervedouro de
paixões, de tendência e de ódio, esguicham seus borrifos para manchar os
espíritos, e, se o Céu fosse aberto somente para aqueles que vivem sem mancha
desde o uso da razão em diante, pouquíssimos seriam os homens que chegariam à
morte sem terem conhecido doenças mais ou menos graves durante sua existência.
E então? Desse modo, o Céu fica fechado aos filhos de Deus? E estes terão que
dizer: “Eu o perdi”, quando um assalto de Satanás, ou uma tempestade da carne
os fizeram cair, e se veem manchados em suas almas? Não haveria mais perdão
para quem tiver pecado? Não haverá nada para cancelar a mancha que deturpa o
espírito? Não temais o vosso Deus com um temor injusto. Ele é Pai, e um pai
estende sempre uma mão aos filhos vacilantes, oferece ajuda aos que querem
levantar-se, conforta-os com meios suaves, para que o aviltamento deles não
degenere em desespero, mas floresça em um humildade cheia da vontade de se
tornarem diletos do Pai.
Eis. O arrependimento do pecador, boa
vontade em querer prestar reparação, são duas coisas nascidas de um verdadeiro
amor para com o Senhor, que limpam a mancha da culpa, e o tornam digno do
perdão divino. E, quando Este que vos está falando tiver cumprido a sua missão
sobre a terra, ás absolvições do amor, do arrependimento e da boa vontade
unir-se-á, poderosíssima, a absolvição que o Cristo vos terá obtido, a preço do
seu Sacrifício.
Mais cândidos em suas almas do que
meninos há pouco nascidos, porque para quem crer em Mim, brotarão de seu seio
rios de água viva, que limpam até a culpa original, que é a causa primeira de
toda fraqueza do homem, podereis aspirar ao Céu, ao Reino de Deus e aos seus
Tabernáculos. Porque a graça que estou para dar-vos, vos ajudará a praticar a
justiça, a qual vai aumentando tanto mais, quanto mais for praticada, e esse
direito vos dará um espírito sem mancha para entrar no Reino dos Céus.
Nele entrarão os pequenos e gozarão,
pela felicidade dada gratuitamente, gozarão porque o Céu é alegria. Mas nele
entrarão os adultos, os velhos, aqueles que viveram, que lutaram e venceram, e
que, à cândida coroa da Graça unirão a coroa multicor de suas obras santas, de
suas vitórias sobre Satanás, sobre o mundo e a carne, e grande, muito grande
será a sua felicidade de vencedores, grande a um tal ponto, que o homem nem
pode imaginar.
Como se pratica a justiça? Como se
conquista a vitória? Com a honestidade de palavras e de ações, com a caridade
para com o próximo. Reconhecendo que Deus é Deus, e não colocando os ídolos das
criaturas, do dinheiro, no lugar de Deus Santíssimo. Dando a cada um o lugar
que o espera, sem procurar dar mais ou dar menos do que é devido. Aquele que,
porque alguém é seu amigo ou parente poderoso, o ama e o serve até nas coisas
não boas, não é justo. Aquele, pelo contrário, dá prejuízo ao próximo, porque
sobre ele não pode esperar levar vantagem daquela espécie, e jura contra ele,
ou se deixa comprar com presentes, para depor contra o inocente, ou para julgar
com parcialidade, não segundo a justiça, mas segundo os cálculos do que aquele
injusto juízo lhe pode obter de quem é o mais poderoso entre os contendores,
não é justo, e vãs são as suas orações, as suas ofertas, porque estão manchadas
pela injustiça aos olhos de Deus.
Vós estais vendo que isto que Eu digo é
ainda do Decálogo. Porque o bem, a justiça, a glória está no cumprimento do que
o Decálogo ensina e ordena que se faça. Não existe outra doutrina. Outrora ela
foi dada por entre os esplendores do Sinai. Agora é dada por entre os fulgores
da Misericórdia, mas a Doutrina é aquela. E não muda. Nem pode mudar. Muitos,
para se desculparem, dirão em Israel, para justificarem o porque não são
santos, mesmo depois de sua passagem pela terra do Salvador: “Eu não tive nem
modo para acompanhá-lo e escutá-lo”. Mas esta desculpa deles não tem valor
algum. Porque o Salvador não veio para estabelecer uma Lei nova, mas veio
reafirmar a primeira, a única Lei. E até mesmo veio para reafirmá-la em sua
santa nudez, na sua simplicidade perfeita. Veio reafirmar com amor e com
promessas de amor certo de Deus, o que antes havia sido mandado com rigor, por
um lado, e ouvido com temor pelo outro. Para fazer-vos compreender bem o que
são os dez mandamentos e qual a importância que há em segui-los, vou contar-vos
uma parábola.
Um pai de família tinha dois filhos
igualmente amados, e dos quais ele queria ser, em medida igual, o benfeitor.
Esse pai tinha além da casa onde estavam os filhos, algumas propriedades onde
havia grandes tesouros escondidos. Os filhos sabiam desses tesouros, mas não
sabiam quais os caminhos para se ir até eles, porque o pai por motivos que só ele
sabia, não tinha revelado aos filhos o caminho para se chegar até lá. E isso
foi assim por muitos e muitos anos. Mas, em certo momento, ele chamou os seus
dois filhos, e lhes disse: “É bom que agora fiqueis sabendo onde estão os
tesouros que o vosso pai pôs de lado para vós e, para poderdes chegar até eles,
eu agora vo-lo direi. Por enquanto, conhecereis bem a estrada, para que vós não
percais o caminho certo. Ouvi-me, então. Os tesouros não estão na planície de
águas estagnadas, onde o sol é ardente, onde a poeira os encobriria, os
espinheiros e os abrolhos os sufocariam, nem onde facilmente os ladrões
poderiam chegar para vo-lo roubar. Os tesouros estão no alto, bem no alto
daquele monte escabroso. Eu os coloquei lá e lá eles estão esperando. Para ir-se
ao monte, há um caminho, ou melhor, há vários caminhos. Mas só um deles é bom.
Dos outros, uns vão dar em precipícios, outros obstáculos, outros em cavernas
sem saída, outros em fossas cheias de água lamacenta, outros em ninhos de
víboras, outros em crateras cheias de enxofre aceso, outros em muralhas
intransponíveis. O bom, por sua vez, é cansativo, mas chega ao cume, sem ser
interrompido por precipícios nem outros obstáculos. Para que vós o possais
reconhecer, eu coloquei ao longo dele, em distâncias regulares, dez monumentos
feitos com pedras, tendo gravadas sobre cada um deles três palavras pelas quais
eles podem ser reconhecidos: “Amor, obediência, vitória.” Ide por esse caminho,
e chegareis ao lugar do tesouro. Eu, porém, por um outro caminho só por mim
conhecido, irei, e vos abrirei as portas, a fim de que sejais felizes.”
Os dois filhos saudaram ao pai que,
enquanto podia ser ouvido por ele, repetia: “Ide pelo caminho de que eu vos
falei. É para o vosso bem. Não vos deixeis tentar pelos outros caminhos, ainda
que possam parecer-vos melhores. Perderíeis o tesouro e a mim também...”
Ei-los chagados aos pés do monte. O
primeiro dos monumentos estava exatamente no começo do caminho, junto ao centro
de um círculo de onde partiam diversos caminhos, que dali saíam para a
conquista do monte, por todos os lados. Os dois irmãos começaram a subida pelo
caminho bom. Ele era muito bom nas primeiras horas, pois não tinha nem um fio
de sombra. Do alto do céu os raios do sol desciam a pino, inundando o monte de
luz e calor. O rochedo esbranquiçado, no qual havia sido escavado o caminho, um
céu límpido acima de suas cabeças e um sol ardente ao redor de seus membros,
era isso o que os dois irmãos podiam ver e perceber. Animados pela boa vontade,
pela lembrança do pai e de suas recomendações, eles ainda iam subindo alegres
para o cume.
Chegaram ao segundo monumento... e
depois ao terceiro. O caminho era cada vez mais cansativo, solitário e sob um
forte calor. Já nem mais se podiam ver os outros caminhos, nos quais havia ervas
e árvores, ou águas claras, ou, pelo menos uma subida mais suave, menos a
pique, e feita sobre a terra, em vez de o ser sobre a rocha.
“Nosso pai quer que cheguemos mortos”,
disse um dos filhos, ao chegarem ao quarto monumento. E começou a dar passos mais
vagarosos. O outro procurou animá-lo a continuar a andar, dizendo-lhe: “Ele nos
ama como fossemos ele mesmo, e mais ainda, porque ele guardou para nós o
tesouro de um modo tão maravilhoso. Este caminho feito na rocha e que, sem erro
vem subindo desde lá debaixo até o cume, foi ele que escavou. Estes monumentos,
ele os fez para nos guiarmos por eles. Pensa, meu irmão! Ele sozinho fez tudo
isso por amor! Para dá-lo a nós. Para fazer que nós cheguemos ao tesouro sem
possibilidade de erro e sem perigo.”
Eles ainda continuaram a caminhar. Mas
os caminhos que eles tinham deixado no vale, de vez em quando passavam por
perto do caminho que fora cavado na rocha, e sempre mais assim o faziam. Quanto
mais se aproximavam do cume, estreitando-se o caminho em que estavam, quando
estavam já perto do ápice do cone. E aqueles caminhos, como eram bonitos,
sombreados, convidativos!
“Eu quase peguei um daqueles”, disse o
descontente, ao chegar ao sexto monumento. “Ele, tanto como este, chega também
lá em cima.”
“Tu não podes dizer isso. Pois não vês
se ele desce ou se sobe”
“Olha a passagem dele lá em cima!”
“Não se sabe bem se é este. Além disso,
o pai disse que não deixássemos o caminho seguro...”
De má vontade, o desanimado prosseguiu.
Eis o sétimo monumento. “Oh! Eu vou-me embora mesmo.”
“Não faças isso, meu irmão!”
A parte mais alta do caminho já ia
ficando verdadeiramente muito difícil. Mas o cume já estava perto. Eis que o
oitavo monumento também já está perto, e está passando rente ao deles o caminho
florido.
“Oh! Estás vendo como se não vai em
linha reta, mas não vai subindo também este?”
“Não sabes se é este.”
“Sim. Eu o reconheço.”
“Tu estás enganado.”
“Não. Eu vou.”
“Não faças isso. Pensa no pai, nos
perigos, no tesouro.”
“Que todos se percam! Que é que eu vou
fazer com esse tesouro, se chego lá em cima quase morto? Que perigo pode haver
maior do que esta estrada? E que ódio maior do que este do pai, que nos burlou
com esta história do caminho, para fazer-nos morrer? Adeus. Eu chegarei antes
de ti, e chegarei vivo...”, e se jogou no caminho ao lado, desaparecendo com
uma exclamação de alegria, atrás dos troncos das árvores que lhe davam sombra.
O outro prosseguiu com tristeza. Oh! O
caminho, em seu último trecho, era realmente horrível! O viandante não
agüentava mais. Estava como um embriagado, por causa do cansaço e do sol! Ao
chegar ao nono monumento, ele parou, ofegante, apoiou-se na pedra gravada, e
leu, maquinalmente as palavras que nela estavam escritas. Ali por perto passava
um dos caminhos sombreados, com fontes de água, com flores... “Vou... ou não
vou? Mas, não. Ali está escrito, e foi meu pai que o escreveu: “Amor,
obediência, vitória”. Eu devo crer. Crer em seu amor, em sua verdade, e devo
obedecer para mostrar-lhe o meu amor... Vamos... Que o amor me sustente! “Ali
está o décimo monumento... O viandante, exausto, queimado pelo sol, ia
caminhando encurvado, como sob um jugo... Era o amoroso e santo jugo da
fidelidade, que é amor, obediência, fortaleza, esperança, justiça, prudência,
tudo... Em vez de apoiar-se, jogou-se sentado àquela meia sombra que o
monumento formava sobre o chão. Sentia-se morrendo... Do caminho ao lado o
rumor de um regato e um cheiro de bosque... “Pai, meu pai, ajuda-me com o teu
espírito, na tentação... ajuda-me a ser fiel até o fim!”
De longe, por entre risadas, ouve-se a
voz do irmão: “Vem, eu te espero. Aqui é um éden... vem...”
“E se eu fosse?” E, gritando bem alto:
“Por aí se sobe mesmo para o cume?”
“Sim, vem, Há uma galeria fresca, que
conduz para cima. Vem! Eu já estou vendo o cume, para lá da galeria do
rochedo...”
“Vou? Ou não vou? Quem é que me
socorre? Eu vou... Firmou no chão as mãos para levantar-se e, enquanto assim
fazia, notou que as palavras gravadas não estavam tão bem esculpidas, como as
do primeiro monumento. Em cada monumento as palavras iam ficando cada vez mais
apagadas, como se o pai, cansado, já estivesse com menos forças para gravá-las.
E... olha! Também aqui aparece aquele sinal vermelho-escuro, que já... era
visível, desde o quinto monumento. A diferença é que somente aqui, é que ele
preenche o vazio de cada palavra, e escorreu para fora, regando o rochedo como
umas lágrimas escuras, parecendo ser de sangue...” Raspou com o dedo no lugar
onde havia uma grande mancha na largura de duas mãos. E a mancha se esfarinhou,
deixando descobertas e frescas estas palavras: “Assim eu vos amei. E derramei o
sangue para conduzir-vos até o Tesouro.”
“Oh! Oh! O meu pai! E poderia eu pensar
em não cumprir a tua ordem? Perdão, meu pai! Perdão!” O filho chorou junto ao
rochedo, e o sangue que enchia o vazio das palavras, tornou-se fresco de novo,
brilhando como um rubi, e as lágrimas foram comida e bebida para o filho bom, e
também lhe deram força... Ele se levantou... Por amor chamou o seu irmão em voz
alta, bem alta. Queria contar-lhe a sua descoberta... o amor do pai, e
dizer-lhe: “Volta!”, mas ninguém lhe respondeu.”
O jovem começou de novo a andar, quase
de joelhos, sobre a pedra quente, porque ele estava quase exausto em sua carne
pelo cansaço, mas seu espírito estava tranquilo. Aí está o cume... E ali está o
pai. “Meu pai!” “Filho querido!” O jovem abandonou-se sobre o peito paterno, e
o pai o acolheu, cobrindo-o de beijos.
“Estás sozinho?”
“Sim. Mas logo chegará o irmão...”
“Não. Ele não chegará mais. Ele deixou
o caminho dos dez monumentos. Ele não voltou atrás depois dos primeiros
desenganos que o advertiam. Queres vê-lo? Ei-lo lá. Está no abismo de fogo...
Ele ficou obstinado na culpa. Eu o teria ainda perdoado e esperado, se, depois
de ter reconhecido seu erro, ele tivesse voltado sobre os seus passos e ainda
que com atraso, tivesse passado por onde o Amor passou primeiro, sofrendo até
derramar o seu sangue, a parte mais querida de Si mesmo, por causa de vós.”
“Ele não sabia.”
“Se tivesse olhado com amor as palavras
esculpidas nos dez monumentos, teria lido o seu verdadeiro significado. Tu o
leste, desde o quinto monumento, e o fizeste notar ao outro, dizendo: “O pai
aqui deve ter-se ferido!” E o leste no sétimo, no oitavo, no nono... cada vez
mais claro, até que tiveste o instinto de descobrir o que é que estava por
debaixo do meu sangue. Sabes qual é o nome daquele instinto?
“A tua verdadeira união comigo”. As
fibras do teu coração, unidas às minhas fibras, estremeceram, e te disseram:
“Aqui terás a medida de quanto te ama o pai”. Agora entra na posse do Tesouro e
de mim mesmo, tu que foste amoroso, obediente e vitorioso para sempre.”
Esta é a parábola.
Os dez monumentos são os dez
mandamentos. O vosso Deus os esculpiu e colocou sobre o caminho que leva ao
Tesouro eterno, e sofreu para conduzir-vos àquele caminho. Vós sofreis? Deus
também. Vós tendes que forçar-vos a vós mesmos? Deus também. Sabeis até que
ponto? Sofrendo por separar-se de Si mesmo e por forçar-se a conhecer o ser
homem com todas as misérias que a humanidade leva consigo: a de nascer, de
passar frio, fome, cansaço, ser tratado com sarcasmos, afrontas, ódio,
insídias, e enfim, a morte, dando o seu Sangue, para dar-vos o Tesouro. Isto
sofre Deus, que desceu para salvar-vos. Isto sofre Deus no alto do Céu, permitindo
a Si mesmo o sofrer.
Em verdade Eu vos digo, que nenhum
homem por mais cansativo que seja o seu caminho para chegar ao Céu, não irá
nunca por um caminho tão cansativo e doloroso como o que o Filho do homem
percorre para vir do Céu à Terra e da Terra ao sacrifício, feito para abrir-vos
as portas do Tesouro. Nas tábuas da Lei já está o meu Sangue. No caminho que Eu
vos traço está o meu Sangue. A porta do Tesouro se abre por baixo da onda do
meu Sangue. A vossa alma se torna cândida e forte, ao banhar-se e ao
alimentar-se com meu Sangue. Mas vós, para que ele não seja derramado em vão,
deveis andar pelo caminho imutável dos dez mandamentos. Agora vamos repousar. Ao pôr do sol, Eu irei
para Hipo. João irá para a purificação e vós para vossas casas. A paz do Senhor
esteja convosco.”
Pg.
133-143
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453 – CHEGADA A HIPO E DISCURSO EM
FAVOR DOS POBRES. CURA DE UM ESCRAVO PARALÍTICO
Diz
Jesus:
“Estou vendo tudo. E todas estas coisas
quem vos ajudou a construí-las não foram esses que agora, por entre queixumes
vos pedem um pão? Vós dizeis que sim? E, então, porquê é que vós estais
aproveitando do que eles vos ajudaram a ter, não dais a eles nem uma migalha de
prazer? O pão, sem que eles o peçam. Uma pequena cama, para que eles não sejam
obrigados a dividir as cavernas com os animais selvagens. Um socorro para as
suas doenças que, se forem curadas, eles teriam ainda um modo de fazer alguma
coisa, em vez de ficarem se aviltando em um ócio forçado e humilhante. Como
podeis sentar-vos contentes à mesa e repartir com alegria o alimento abundante
por entre os filhos sorridentes, sabendo que pouco longe deles estão alguns
vossos irmãos passando fome? Como ir tomar descanso em um leito bem
confortável, quando sabeis que lá fora, no meio da noite, há homens sem uma
enxerga, e sem poderem descansar? Não vos queimam a consciência aquelas moedas
que pondes nos cofres, sabendo que muitos não têm nem uma moedinha para comprar
um pão?
Vós me dissestes que credes no Senhor
Altíssimo e que observais a Lei, que conheceis os profetas, e os livros da
Sabedoria. Vós me dissestes que credes em Mim e que estais ávidos da minha
Doutrina. Mas então, haveis de ter um coração bom, porque Deus é amor e
prescreve o amor, porque a Lei é Amor, porque os profetas e os livros da
Sabedoria aconselham o amor, se a minha doutrina é uma doutrina de amor. Os
sacrifícios e as orações são vazios, se eles não tiverem por base e altar o
amor do próximo, especialmente do próximo indigente, ao qual podem ser dadas as
formas de amor com o pão, a cama, a roupa, junto com o conforto e o ensino e
com um acompanhamento para levá-los a Deus. A miséria, aviltando o homem, leva
o espírito à perda daquela fé na Providência, que é essencial para se poder
resistir nas provações desta vida.
Como podeis pretender que o miserável
seja sempre bom, paciente, piedoso, quando ele vê que os beneficiados nesta
vida, que segundo o conceito comum, assim o são pela Providência, ficam duros
de coração e sem uma verdadeira religião, porque a religião deles faz falta a
primeira e a mais essencial das partes: o amor, e ficam sem paciência, e,
aqueles que tudo têm não sabem suportar nem mesmo o pedido de quem está com
fome? As vezes eles maldizem a Deus e a vós? Mas, quem os leva a este pecado?
Nunca pensais vós, ó ricos cidadãos de uma cidade rica como esta, que tendes um
grande dever: o de ensinar a Sabedoria aos que ficam abandonados pelo vosso
modo de agir.
Eu já ouvi alguém dizer: “Todos
gostaríamos de ser teus discípulos, para pregarmos a tua doutrina.” A todos Eu
digo: bem que o podeis fazer. Esses que vêm com medo, com vergonha, porque suas
vestes estão rasgadas, com seus rostos chupados, são os que estão esperando a
Boa Nova, a que veio sobretudo para os pobres, a fim de que eles tenham um
conforto sobrenatural, na esperança de uma vida gloriosa, depois da realidade
de sua triste vida presente. Vós a podeis viver com menos cansaço material, mas
com mais cansaço espiritual, pois que as riquezas são perigosas para a
santidade e a justiça, esta é a minha doutrina. Eles com cansaços de toda
sorte, o podem fazer. O pão que falta, a roupa insuficiente, o teto inexistente
os movem a fazer esta pergunta: “Como eu posso crer que Deus é meu Pai, se eu
não tenho nem o que um passarinho do ar tem?” As durezas do próximo como é que
podem fazer crer a eles que é preciso que se amem como irmãos? Vós tendes a
obrigação de ensinar-lhes que Deus é Pai e que vós sois irmãos, com o vosso
amor por meio de boas obras. A Providência existe, e dela vós sois os
ministros, vós, os ricos do mundo. Considerai que estes meios são como a maior
honra que Deus vos faz, como único meio para tornar santas as perigosas
riquezas.
E agi como se em cada um deles vísseis
a mim mesmo. Eu estou neles. Eu quis ser pobre e perseguido para ser como eles,
e porque a lembrança do Cristo pobre e perseguido continuasse pelos séculos
afora, projetando uma luz sobrenatural sobre os pobres e os perseguidos como
Cristo, uma luz que vo-los fizesse amar como a outros Mim mesmo. Pois Eu de
fato estou no mendigo, ao qual matastes a fome, ao qual matastes a sede, ao que
vestistes, ao que abrigastes. Eu estou no órfão que foi recolhido com amor, no
velhinho socorrido, na viúva ajudada no peregrino hospedado, no doente curada.
Eu estou no aflito confortado, no ignorante que foi instruído. Eu estou onde se
recebe amor. E tudo o que for feito a um irmão pobre, tanto com meios
materiais, como espirituais, a Mim foi feito. Porque Eu sou o Pobre, o Aflito,
o Homem das dores, e o sou para dar Riqueza, Alegria, Vida sobrenatural a todos
os homens, que muitas vezes nem o sabem, mas assim é, são ricos apenas na
aparência, e alegres com uma alegria apenas aparente, e são todos pobres das
riquezas e alegrias verdadeiras, porque estão sem a Graça por causa da Culpa
Original, que os priva dela.
Vós sabeis que sem a Redenção, não há
Graça, não há alegria nem Vida. E Eu, para dar-vos Graça e Vida, não quis
nascer como um rei ou poderoso, mas como um pobre, um homem do povo, um
humilde, porque nada é a coroa, nada é o trono, nada é o poder para quem vem do
Céu, a fim de conduzir para o Céu, pois tudo isso é o exemplo que um verdadeiro
Mestre deve dar, para dar força à sua Doutrina.
Porque os em maior número são os pobres
e os infelizes, ao passo que os poderosos e os felizes são em menor número.
Porque a bondade é Piedade. Para isto é que Eu vim, e que o Senhor ungiu o seu
Cristo: para que Eu anunciasse a Boa Nova aos mansos, e cuidasse dos que têm o
coração amargurado, para pregar a liberdade a ser dada aos escravos, a
liberdade aos prisioneiros, para consolar aos que choram, colocar nos filhos de
Deus, nos filhos que sabem permanecer tais, tanto na alegria como na dor, o seu
diadema, a veste da justiça, e transformá-los de árvores selvagens em plantas
do Senhor, em seus campeões, em suas glórias.
Eu sou tudo para todos e a todos quero
comigo no Reino dos Céus. Este para todos está aberto, contanto que se saiba
viver na justiça. A justiça está na prática da Lei e no exercício do amor. A
esse Reino não se chega por direitos de censo, mas pelo heroísmo de santidade.
Quem quer entrar nele, que me siga, e faça o que Eu faço: ame a Deus sobre
todas as coisas, e ao próximo como Eu o amo, não blasfeme contra o Senhor, santifique
as suas festas, honre os seus pais, não levante a mão violenta contra o seu
semelhante, não cometa adultério, não roube ao seu próximo de maneira nenhuma,
não dê falso testemunho, não deseje o que não tem e que ou outros têm, mas
fique contente com a sua sorte, pensando que ela é sempre transitória, e é o
caminho e o meio par conquistar uma sorte melhor e eterna, ame os pobres, os
aflitos, os peregrinos da terra, os órfãos, as viúvas, não pratique usura. Quem
fizer isto, seja qual for a sua nação e língua, sua condição e categoria,
poderá entrar no Reino de Deus, do qual Eu vos abro as portas.
Vinde a Mim, todos vós de reta vontade.
Que não vos espante o que sois, ou o que fostes. Eu sou Água que lava o passado
e fortifica o futuro. Vinde a Mim, vós que sois pobres de Sabedoria. Na minha
palavra há Sabedoria. Vinde a Mim. Refazei para vós uma vida nova, baseada em
novos conceitos. Não tenhais medo de não saberdes, de não poderdes fazer. A
minha doutrina é fácil, o meu jugo é leve. Eu sou o Rabi, que dá sem pedir
compensação, sem pedir outra compensação, a não ser o vosso amor. Se me
amardes, amareis a minha Doutrina e por isso também ao vosso próximo, e tereis
a Vida e o Reino. Ricos, despojai-vos do apego as riquezas, e comprai com elas
o Reino, com todas as obras de um misericordioso amor ao próximo. Pobres
despojai-vos do vosso aviltamento, e vinde para o caminho do vosso Rei. Com
Isaías, Eu vos digo: “Sedentos, vinde às águas, vós também, que não tendes
dinheiro, vinde comprar.” Com o amor comprareis o que é amor, o que é alimento
que não perece, alimento que realmente sacia e fortifica.”
Pg.
145-148
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455 – ENTREGA DA IGREJA À MATERNIDADE
DE MARIA. DISCURSO PERTO DE GAMALA EM FAVOR DOS TRABALHADORES
“Deus te
abençoe meu Filho, neste dia.”
“Deus esteja contigo, minha Mãe. Foi
difícil a noite para ti?”
“De fato,
mas também muito feliz. Parecia-me ter-te em meus braços, quando eras pequeno.
E eu sonhei que algo como um nó de ouro saísse de sua boca, produzindo um som
de uma doçura indizível, e que uma voz me estivesse dizendo. Oh! Mas que voz:
“Esta é a Palavra que enriquece o mundo e que dá felicidade a quem a ouve e lhe
obedece. Ela não tem limite em seu poder, nem no tempo, nem no espaço. Ela
salvará.” Oh! Meu Filho! E és Tu, o meu Filho, esta Palavra! Que farei para
viver tanto e para fazer tanto, quanto é necessário para poder agradecer ao
Eterno por me ter feito tua Mãe?”
“Não fiques pensando nisso, minha Mãe.
Cada batida do teu coração já é um agradecimento a Deus. Tu és o louvor vivo a
Deus, e sempre o serás, minha Mãe. Tu lhe agradeces desde que existes.”
“Não me
parece que estou fazendo isso o tanto que é necessário, Jesus. É uma coisa tão
grande, a que Deus me fez! Afinal que eu estou fazendo a mais do que o fazem
todas essas boas mulheres que, como eu, são tuas discípulas? Dize-lhe isto, meu
Filho, dize ao nosso Pai que me dê um modo de agradecer-lhe, como o dom
recebido por mim o merece.”
“Minha Mãe! E achas que o Pai tenha
necessidade que Eu lhe faça essa pergunta por ti? Ele já preparou o sacrifício
que tu lhe deverás oferecer, para este louvor perfeito. E perfeita o serás,
quando o tiveres oferecido.”
“Meu
Jesus! Eu compreendo o que queres dizer. Mas, serei eu capaz de pensar naquela
hora? A tua pobre Mãe.”
“És a bem-aventurada Esposa do Amor
Eterno! minha Mãe, tu és isto. E o Amor pensará em ti.”
“Tu o
estás dizendo, meu filho, e vou descansar sobre a tua Palavra... Mas Tu... reza
por mim, naquela hora, que nenhum desses entende, e que já está para chegar...
Não é verdade? Pois não é verdade mesmo?”
Dizer
qual a expressão do rosto de Maria, durante este diálogo, é impossível. Não há
escritor que possa traduzi-la em palavras, sem deixar de alterá-la com
afetações, ou tintas imprecisas. Somente quem tem coração, e um coração bom,
mesmo sendo um coração viril, é que pode dar ao rosto de Maria, com o poder de
sua mente, a expressão que ela tem neste momento.
Jesus
olha para ela. E essa é outra impressão intraduzível em nossas pobres palavras.
E lhe responde: “E tu, reza por Mim, na hora de minha morte. Sim. Nenhum
desses entende... Mas é culpa deles. É Satanás que cria as fumaças, para que
eles não vejam, e fiquem como uns ébrios, sem entenderem, e por isso, não estão
preparados... e mais fáceis de ser derrubados. Mas Eu e tu os salvaremos das
insídias de Satanás. Desde agora, Eu os confio a ti, minha Mãe. Lembra-te
destas minhas palavras. Eu tos confio. Dou-te a minha herança. Sê para eles a
Nutriz. Há pouco Eu estava pensando em quantos, através dos séculos, irá tornar
a viver o homem de Keriot (Judas Iscariodes), com todas as suas taras. Estava
pensando que alguém, que não fosse Jesus, haveria de repelir este ser tarado.
Mas Eu não o repelirei. Eu sou Jesus. Tu, durante o tempo em que ainda ficares
na terra, como segunda depois de Pedro, na hierarquia eclesiástica, ele como
cabeça e tu como fiel, a primeira de todos como mãe da Igreja, tendo dado à luz
a Mim, que sou Cabeça deste Corpo Místico, tu não repelirás os muitos Judas,
mas socorre e ensina a Pedro, aos irmãos, a João, a Tiago, a Simão, a Felipe, a
Bartolomeu, a André, a Tomé e a Mateus a não repelir, e a socorrer. Defende-me
em meus seguidores, e defende-me contra aqueles que quererão dispersar e
desmembrar a Igreja nascente. E, através dos séculos, sê tu sempre a que
intercede e protege a que defende e ajuda a minha Igreja, os meus sacerdotes,
os meus fiéis do Mal e do Castigo, e também deles mesmos. Quantos Judas, ó Mãe,
através dos séculos! E quantos, como uns deficientes que não sabem entender, ou
uns cegos e surdos, que não sabem ver ou ouvir, ou estropiados e paralíticos,
que não sabem vir. Mãe, todos sob o teu manto! Somente tu podes e poderás mudar
os decretos de castigos do Eterno para um ou para muitos. Porque a Trindade
nunca poderá negar nada à sua flor.”
“Assim
farei meu Filho. No que depende de mim, vai em paz, rumo à tua meta. A tua Mãe
está aqui para te defender em tua Igreja sempre.”
“Deus te abençoe, minha Mãe. Vem! Eu
colherei para ti cálices de flores cheios de orvalho perfumado, e com ele
refrescarás o teu rosto, como Eu fiz. Preparou-os para nós o nosso Pai
Santíssimo, e os passarinhos nos mostraram. Olha como tudo serve na ordenada
criação de Deus! Esta esplanada que está a boa altura, e perto do lago, tão
fértil por causa das névoas, que sobem do Mar da Galiléia, e por causa das
altas árvores, que atraem as orvalhadas, oferecem condições para este vicejar
de ervas e de flores, até mesmo no mais forte calor de verão. Estas chuvas
abundantes de orvalho servem para encher estes cálices, a fim de que seus
filhos possam lavar seus rostos. Vede quantas coisas o Pai pôs à disposição dos
que o amam. Toma. Água de Deus, servida em cálices de Deus, para que se refresque
a Eva do novo Paraíso.
...Jesus
abre, então, os braços, no seu gesto habitual de quando está para falar, afim
de chamar a atenção e impor silêncio. Ele diz:
“Neste lugar, o que veem os olhos do
homem? Vales cavados mais profundamente do que a natureza os criou, colinas com
montões de terra e aterrados feitos pelo homem, estradas sinuosas ou que
avançam pela superfície do monte, formando como que umas tocas de animais. E
tudo isso para quê? Para deter um perigo que não se sabe de onde vinha, mas que
se percebe que nos está ameaçando como uma chuva de pedras que vem num céu
tempestuoso.
Em verdade, aqui se procedeu
humanamente, com forças humanas e meios humanos, até desumanos, a fim de se
defender e preparar, os meios de ofender, esquecidos da palavra do Profeta, o
qual ensina ao seu povo, como pode defender-se das desventuras humanas, com
meios sobre-humanos, que são os mais válidos. Ele grita: “Consolai-vos, tornai
a consolar Jerusalém, porque a sua escravidão terminou, a sua iniquidade está
expiada, tendo recebido da mão do Senhor o dobro do merecimento por seus
pecados.” E, depois da promessa, diz qual o modo a seguir-se para traduzi-la em
realidade: “Preparai os caminhos do Senhor, endireitai na solidão os caminhos
de Deus. Todo vale será terraplenado, toda montanha será arrasada, os caminhos
curvos se tornarão retos, e os acidentados planos. Então, aparecerá a glória do
Senhor, e todos os homens, sem exceção, a verão, porque a boca do Senhor
falou.” Estas palavras foram tornadas do homem de Deus: João, o Batizador, e só
por sua morte é que elas foram canceladas em seus lábios.
Eis ali ó homens, a verdadeira defesa
contra as desventuras do homem. Não arma contra arma, defesa contra defesa, não
orgulho, não ferocidade. Mas armas sobrenaturais, mas virtudes conquistadas na
solidão, isto é, no interior do indivíduo, sozinho consigo mesmo, que trabalha
para santificar-se, elevando montes de caridade, abaixando cumes de soberba,
endireitando os caminhos curvos da concupiscência, tirando de seu caminho os obstáculos
da sensualidade. Então aparecerá a glória do Senhor, e o homem terá a defesa de
Deus contra as insídias dos inimigos, espirituais e materiais. Que quereis que
sejam umas poucas trincheiras, uns poucos bastiões, uns poucos fortes contra o
castigo de Deus, atraído pelas iniquidades ou até pelas tibiezas do homem?
Contra estes castigos, cujos nomes serão: os romanos, como já os tiveram nos
tempos antigos, os babilônios, os filisteus, os egípcios, mas que na realidade
são uma punição divina, e somente esta, como punição atraída pelos demasiados
orgulhos, pelas sensualidades, pelas cupidezes, as mentiras, os egoísmos, as
desobediências a Lei Santa do Decálogo. O homem, por mais forte que seja, pode
ser morto por uma mosca. A cidade, por mais fortificada que seja, pode ser
expugnada, quando para ele ou para ela não houver mais proteção de Deus,
proteção da qual fugiram por causa dos pecados do homem ou da cidade.
Diz ainda o Profeta: “Todo homem é como
a erva, e toda sua glória é como a flor do campo. A erva seca, e a flor cai,
logo que toca nela o sopro do Senhor.”
Vós, por minha vontade, olhai hoje com
piedade para estes que até ontem havíeis olhado como para umas máquinas,
obrigadas a trabalhar para vós. Hoje, porque Eu vo-los enviei, como irmãos
entre irmãos, como pobres irmãos ao meio de vós ricos e felizes, hoje os estais
vendo como o que eles são: homens. O desprezo ou a indiferença caíram de muitos
corações, e entrou neles a piedade. Mas considerai-os mais em seu interior,
além de sua carne oprimida. Dentro desta, dentro dele existe uma alma, há um
pensamento, há sentimentos como em vós. Um dia eles foram como vós: sãos,
livres, felizes. Depois não o foram mais. Porque somos como a erva que seca, e
a vida do homem é ainda mais frágil em seu bem-estar. Aqueles que hoje estão
sãos, amanhã podem estar doentes, os que hoje estão livres, amanhã podem ser
escravos, os que hoje estão felizes, amanhã podem ser infelizes. Entre eles
certamente há culpados. Mas não julgueis a culpa deles, nem vos regozijeis por
sua expiação. Amanhã por muitas causas, poderíeis vós também ser os culpados e
obrigados a pesadas expiações. Portanto sede misericordiosos, porque não sabeis
como será o vosso amanhã, que poderia ser cheio da necessidade de toda
misericórdia divina e humana, poderia ser muito diferente deste dia de hoje.
Sede inclinados ao amor e ao perdão. Não há homem na terra que não tenha
necessidade do perdão de Deus e de qualquer dos seus semelhantes. Procurai,
pois, o perdão, para poderdes ser perdoados.
Diz ainda o Profeta: “A erva seca, a
flor cai. Mas a Palavra do Senhor permanece para sempre.”
Aqui está a arma e a defesa: a Palavra
eterna tendo-se tornado a lei para todas as vossas ações. Levantai este
baluarte verdadeiro contra o perigo que vos ameaça, e sereis salvos. Portanto,
acolhei a Palavra, Este que vos está falando, mas não a acolhais materialmente,
por a terdes durante uma hora dentro dos muros da cidade, mas principalmente em
vosso coração, para sempre, porque Eu sou O que sabe, o que opera e rege com poder.
E sou o Pastor bom, que apascenta o rebanho que se lhe confia, e de nenhum Eu
deixo de cuidar, nem do que é pequeno, nem de quem está cansado, nem de quem
está ferido, ou golpeado pela má sorte, nem de quem está chorando por seus
erros, nem do que está rico e feliz, mas não deixa de dar atenção a tudo o que
faz a verdadeira riqueza e felicidade, que é a de servir a Deus até a morte.
O Espírito do Senhor está sobre Mim,
porque o Senhor me mandou anunciar a Boa Nova aos mansos, curar os de coração arrependido,
pregar a liberdade aos escravos e a libertação aos prisioneiros. E não se pode
dizer que Eu sou um sedicioso, porque Eu não instigo ninguém a revolta, nem
aconselho a evasão aos escravos e prisioneiros, mas ao homem acorrentado, ao
homem escravizado ensino a verdadeira liberdade, a verdadeira libertação, a que
não lhe pode ser tirada, nem tampouco limitada, e que cresce tanto mais, quanto
mais a ela o homem se entrega: a liberdade espiritual, a libertação do pecado,
a mansidão na dor, o saber ver Deus acima daqueles homens que os acorrentam,
saber crer que Deus ama a quem o ama, e perdoa as coisas que o homem não
perdoa, o saber esperar um lugar eterno, que será o prêmio para quem sabe ser
bom na desventura, arrependido dos seus pecados e fiel ao Senhor.
Não choreis, vós, a quem Eu
especialmente estou falando. Eu vim para consolar, para acolher os rejeitados,
para pôr luz em suas trevas e paz em suas almas, para prometer uma morada de
alegria, tanto a quem se arrepende, como a quem não tem culpa. Nem há para vós
um tempo passado, que possa impedir a realidade deste tempo presente, que está
esperando no céu aqueles que agora sabem servir ao Senhor, na sorte em que
agora se encontram.
Não é difícil, ó pobres filhos, servir
ao Senhor. Ele vos deu um modo fácil de servi-lo, porque vos quer felizes no
Céu. Servir ao Senhor é amor. Amar a vontade de Deus, porque amais a Deus. A
vontade de Deus se esconde até nas coisas aparentemente mais humanas. Porque Eu
falo a vós que talvez tenhais derramado o sangue de irmãos; porque, se
certamente não era vontade de Deus que vós fôsseis violentos, agora é vontade
Dele que na expiação anuleis as vossas dívidas para com o Amor. Porque, se não
era vontade de Deus que vós rebelásseis contra os inimigos, agora é vontade Dele
que vós torneis humildes, assim como num tempo passado vos tornastes
orgulhosos, para prejuízo vosso. Porque, se não era vontade de Deus que com
fraude, grande ou pequena, vós apropriásseis daquilo que não era vosso, agora a
vontade de Deus que sejais punidos por não unir-vos a Deus, tendo o pecado em
vosso coração.
E isso não deve ser esquecido pelos
felizes de agora, os que se crêem seguros, os que, por essa estulta segurança
não preparam em si o Reino de Deus, e serão, na hora da prova, como filhos afastados
da casa do Pai, sob o domínio da tempestade, sob o açoite da dor.
Trabalhai todos com justiça, e levantai
os olhos para a Casa do Pai, para o Reino dos Céus, que, quando tiver
escancarado as portas por Aquele que veio para abri-las, não se recusará a
acolher a alguém que tenha praticado a justiça. Ó mutilados na carne, ó
estropiados, ó eunucos, e ó mutilados no espírito, estropiados e eunucos nas
faculdades do espírito, excluídos de Israel, não tenhais medo de não
encontrardes lugar no Reino dos Céus. As mutilações, os aleijões, os defeitos
da carne terminam com a carne. Os defeitos imorais, como a prisão e a
escravidão, cessarão também um dia. Os do espírito, isto é, os frutos das
culpas passadas se reparam com a Boa Vontade. E as mutilações materiais não têm
importância aos olhos de Deus, ao passo que as espirituais se anulam, aos seus
olhos, quando são cobertas por um arrependimento amoroso.
O fato de serem alguns estranhos ao
Povo Santo não é mais impedimento para servir ao Senhor. Porque chegou o tempo
no qual as fronteiras da terra cessam diante do Único Rei, do Rei de todos os
reis e povos, que reúne todos os povos em um só, para fazer deles o seu novo
Povo. Aquele povo do qual ficarão excluídos somente os que procuram enganar o
Senhor, com um mentiroso obséquio ao seu Decálogo, que todos os homens de boa
vontade podem seguir, sejam eles hebreus ou gentios, ou idólatras. Porque, onde
houver boa vontade, há também a tendência natural para a justiça, e quem se
inclina para a justiça, não acha dificuldade em adorar o verdadeiro Deus,
quando chegar a conhecê-lo, a respeitar o seu Nome, a santificar as suas
festas, a honrar os seus pais, a não matar, não roubar, e não dar falso
testemunho, a não ser adúltero e fornicador, a não ser ávido daquilo que não é
seu. E se até agora ainda não fez assim, que de agora em diante o faça, para
que se salve a sua alma e seja conquistado um seu lugar no Céu.
Está escrito: “Eu lhes darei um lugar
na minha Casa, se cumprirem o seu Pacto comigo, e os tornarei alegres.” E isso
está dito a todos os homens de vontade santa, sendo o Santo dos Santos Pai
comum de todos os homens.
Tenho dito. Eu não tenho dinheiro para
esses. Nem ele seria útil a eles. Mas Eu digo a vós, de Gamala, vós que tanto
progredistes no caminho do Senhor, desde a primeira vez que nos encontramos,
que ergais a mais forte defesa de vossa cidade, a do amor entre vós, e por
estes e socorrê-los em meu Nome, enquanto eles se cansam por vós. Vós fareis
isso?”
“Sim, ó
Senhor”, grita a multidão.
“Então, vamos embora. Eu não teria
entrado para dentro dos vossos muros, se a dureza dos corações tivesse
respondido “não” à minha pregação. Vós que ficais sede abençoados...Vamos...”
Pg. 160 a
171
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456 – DESPEDIDA DE GAMALA E CHEGADA A
AFECA. ADMOESTAÇÃO DA VIÚVA SARA E MILAGRE EM SUA CASA
A viúva
vai na frente, mostrando qual é o caminho mais curto. Ela deixa a estrada
caravaneira, para ir por uma pequena estrada, que vai subindo pelo monte, ainda
mais sombreada e fresca. Mas agora estou compreendendo o motivo do desvio,
quando, virando-se na sela, Sara diz: “Eis. Estes bosques são meus. São árvores
estimadas. Até de Jerusalém vêm comprá-las, para fazer os cofres dos ricos.
Estas são árvores antigas. Mas delas eu tenho viveiros sempre renovados. Vinde.
Vede...”, e toca o burrinho para baixo, passando pelos barrancos, e para cima,
indo pelos pontos mais altos, para depois, de novo ir pela estrada, por entre os
seus bosques, onde de fato há faixas de terreno com árvores já bem formadas. Já
boas para serem cortadas, e outras faixas onde as árvores estão ainda bem mais
novas, e outras até a poucos centímetros do chão, crescendo por entre as ervas
verdes e exalando os cheiros de todos os aromas das montanhas.
“Como são bonitos estes lugares. E bem
conservados. Tu és uma sábia”, elogia Jesus.
“Oh! Mas é para mim só. Com mais gosto
eu cuidaria disto por um filho...”
Jesus não
responde. Continuam a andar. Já se vê Afeca, dentro de um círculo de pomares
com muitas árvores frutíferas.
“Aquele
pomar também é meu. Tenho coisas demais para mim, sozinha! Já era demais,
quando eu ainda tinha meu esposo, e a tarde, olhávamos um para o outro, dentro
de uma casa vazia demais, grande demais, diante de dinheiro demais, na contagem
de mantimentos demais, e dizíamos um ao outro: “E para quem tudo isso?” E agora
eu o digo ainda...” E toda a tristeza de um casamento estéril se mostra nas
palavras da mulher.
“Há pobres sempre...”, diz Jesus.
“Oh! Sim.
E a minha casa se abre para eles todos os dias. Mas depois...”
“Queres dizer, quando estiveres morta?”
“Sim.
Senhor. Será uma dor deixar... para quem? Estas coisas que foram tão bem
cuidadas.”
Jesus tem
uma sombra de sorriso, cheio de compaixão. Mas responde com bondade: “Tu és
mais sábia para as coisas da terra do que pata as do Céu, mulher. Tu te
preocupas para que as tuas plantas cresçam bem, e não se formem clareiras em
teus bosques. Tu te afliges pensando que depois elas não sejam tão bem
cuidadas, como agora. Mas esses pensamentos são poucos sábios, pelo contrário,
são até completamente estultos. Achas tu que na outra vida tenham valor essas
pobres coisas, cujos nomes são: plantas, frutas, dinheiro, casas? E que causará
aflição ver que foram descuidadas? Corrige o teu pensamento mulher, Lá os
pensamentos não são os daqui, em nenhum dos três reinos. No Inferno, o ódio e o
castigo fazem que fiquem ferozmente cegos. No Purgatório, a sede que têm de
fazer expiação anula qualquer outro pensamento. No Limbo a feliz espera em que
estão os justos não é profanada por nenhuma sensualidade. A terra ficou longe
com as suas misérias. Mas está perto somente quanto às suas necessidades
sobrenaturais, necessidades de almas, e não de objetos. Os falecidos que não
tiveram sido condenados, só por um amor sobrenatural é que voltam à terra os
espíritos deles, e a Deus dirigem as suas orações por aqueles que estão na
terra. Não para outras coisas. E, quando, então, os justos entrarem no Reino de
Deus, que achas que falte ainda para um que contempla a Deus? Será este
miserável cárcere? Será este exílio que se chama terra? Que será? As coisas
deixadas nela? Poderia o dia ter saudade de uma lamparina, que já está
fumegando, quando ele está sendo já iluminado pelo sol?”
“Oh!
Não!”
“E, então. Por que ficas suspirando por
causa do que vais deixar?”
“Mas eu
gostaria que um herdeiro continuasse a ...”
“A gozar de tuas riquezas terrenas para
encontrar nelas um obstáculo para não ser perfeito, enquanto que o desapego das
riquezas é uma escada para possuir as riquezas eternas? Estás vendo, ó mulher?
O maior obstáculo para conseguir ter este inocente não é bem a mãe dele, com os
seus direitos sobre o filho, mas o teu coração. Ele é um inocente, um triste
inocente, mas sempre um inocente que, pelo seu próprio sofrimento, é querido
por Deus. Mas, se tu fizeres dele um avarento, um cobiçoso, talvez um viciado,
com os meios que tens, não o privaria tu da predileção de Deus? E poderia Eu,
que tomo cuidado desses inocentes, ser um Mestre descuidado que, sem refletir,
permite que um seu inocente discípulo se extravie? Cuida primeiro de ti mesma,
despoja-te dessa humanidade ainda viva demais, livra a tua justiça dessa crosta
de humanidade, que a deprime, e, então, merecerás ser mãe. Porque não é mãe
somente quem gera, ou quem ama um filho adotivo e cuida dele, e o acompanha nas
suas necessidades de criatura animal. A mãe deste também o gerou, mas não é
mãe, porque não cuida nem da carne dele, nem do seu espírito. Mas o é, quando
cuida sobretudo daquilo que no filho não morrerá mais, isto é, do espírito, e
não somente do que nele morre, isto é, a matéria. E acredita, ó mulher, que
quem amar o espírito amará também o corpo, porque terá um amor justo, e
portanto será justo.”
“Eu perdi
o filho, e o compreendo.”
“Ninguém disse isto. Que o teu desejo
te leve à santidade, e Deus te ouvirá. Sempre haverá órfãos no mundo.”
Pg. 174 a
176
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457 – DISCURSO EM AFECA, DEPOIS DE UMA
DISPUTA ENTRE CRENTES E NÃO CRENTES. SARA TORNA-SE DISCÍPULA
Diz
Jesus:
“Quando o povo de Deus, depois da morte
de Maria em Cades, se levantou em sedição no deserto, por causa da falta de
água, e gritou contra Moisés, que tinha sido seu salvador e chefe, desde a
terra do pecado até à terra da promessa, como se ele fosse o seu louco
destruidor, e censurou a Aarão como a um sacerdote inútil. Moisés entrou com
seu irmão no tabernáculo, e falaram ao Senhor, exigindo um milagre para fazer
cessar a murmuração. E o Senhor, ainda que não seja obrigado a atender a
qualquer exigência, especialmente se a exigência for violenta e de espíritos
que perderam a santa confiança na Providência do Pai, falou a Moisés e a Aarão.
Teria podido falar somente a Moisés, porque Aarão, ainda que fosse Sumo
Sacerdote, havia desmerecido um dia a Bondade de Deus, adorando o ídolo. Mas Deus
quis prová-lo ainda, e dar-lhe um modo de crescer na graça aos olhos de Deus.
Ordenou, pois que ele pegasse a vara de Aarão, que estava depositada no
Tabernáculo, depois que ela floresceu e lançou folhas, que depois se tornaram
amêndoas, e com ela foi falar à pedra, porque a pedra daria água para os homens
e para os animais. E Moisés, com Aarão, fez o que o Senhor estava ordenando,
mas os dois não souberam crer completamente no Senhor. E quem menos creu foi o
Supremo Sacerdote de Israel: Aarão. A rocha, golpeada pela vara, abriu-se e
verteu água, que matou a sede do povo e dos animais. E aquela água foi chamada
Água da Contradição, porque lá os israelitas discutiram com o Senhor, e fizeram
sindicâncias sobre suas ações e suas ordens, e nem todos foram igualmente
fiéis, mas ao contrário, logo com o Sumo Sacerdote é que teve lugar e começou a
dúvida sobre a verdade das divinas palavras. E Aarão foi depois tirado desta
vida, sem ter podido chegar à Terra Prometida.
Ainda hoje o povo está tumultuando
contra o Senhor, e dizendo: “Tu nos conduziste à morte como um povo, e como
pessoas singulares, sob o domínio dos opressores.” E gritam a mim: “Faze-te
rei, e liberta-nos.” Mas de que libertação estamos falando? De qual castigo?
Dos castigos materiais? Oh! Não. Nas coisas materiais não há salvação nem
castigo. Um castigo bem maior e uma libertação bem maior está ao alcance de
vossa vontade livre e podeis escolher. Deus vo-lo concede. Isto Eu estou
dizendo para os israelitas presentes, para aqueles que deveriam saber ler as
figuras da Escritura e compreendê-las. Mas, visto que Eu tenho piedade do meu
povo, do qual Eu sou rei no espírito, quero ajudar-vos a compreender uma figura
pelo menos, para ajudar-vos a compreender quem Eu sou.
O Altíssimo disse a Moisés e a Aarão:
“Tomai a vara, e ide falar à pedra, e jorrarão rios para matar a sede do povo,
para que ele não se queixe mais.” Ao Eterno Sacerdote o Altíssimo disse ainda
outra vez: “Pega a vara nascida da estirpe de Jessé, e uma flor nascerá dela,
não tocada pela lama humana, e se mudará em fruto de amendoeira, pleno de unção
e de doçura. E com esta amendoeira da raiz de Jessé, com este broto admirável,
sobre o qual pousará o Espírito do Senhor com seus sete dons, golpeia a pedra
de Israel, para que dela jorre água abundante para sua salvação.”
O Sacerdote de Deus é o próprio Amor. E
o Amor fez uma carne, lançando o seu broto para fora da raiz de Jessé, que pela
lama não foi nutrida, e a Carne era a do Verbo Encarnado, do Messias esperado,
que foi mandado ir falar à rocha, para que ela se abrisse. Para que se abrisse
em sua dura crosta de soberba e de cobiça, e acolhesse as águas que Deus
mandou, as águas que jorram do seu Cristo, o óleo suave do seu amor, para se
tornar maleável, bom, para santificar-se, acolhendo em seu coração o dom do
Altíssimo ao seu povo.
Mas Israel não quer a água viva em seu
seio. Fica fechado, duro, fica assim especialmente nas pessoas dos seus
grandes, contra os quais a vara, florida e cheia de frutos só pelo poder
divino, bate e fala inutilmente. E em verdade, Eu vos digo que muitos deste
povo não estarão no Reino, enquanto que muitos que não são deste povo entrarão,
porque estes terão sabido crer o que os Sacerdotes de Israel não quiseram crer.
Por isso Eu estou no meio de vós como um sinal de contradição, e vós sereis
julgados, conforme o modo como me souberdes compreender, Mas aos outros, que
não são de Israel, Eu digo: “A casa de Deus, evitada pelos filhos do seu povo,
está aberta para os que procuram a Luz. Vinde. Segui-me. Se Eu estou colocado
como um sinal de contradição, também estou colocado como um sinal para todas as
Nações, e quem me amar, será salvo.”
Pg.180-182
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458 – UMA CURA ESPIRITUAL EM GUERGUESA
E LIÇÃO SOBRE OS DONS DE DEUS. VOLTA A CAFARNAUM
Diz
Jesus:
“Não. Ele não está morto, nem está
curado quanto ao corpo. O seu espírito refletiu sobre suas culpas, deu uma
justa direção ao seu pensamento. E foi perdoado, porque pediu expiação para ter
o perdão. Vós todos ajudai-o no seu caminho para Deus.
Pensai que todos nós temos uma
responsabilidade para com a alma do nosso próximo. Ai de quem der escândalo!
Mas ai também de quem, com um tratamento intransigente, amedronta alguém, que
mal acabou de nascer para o Bem, repelindo-o com intransigência do caminho em
que ele se colocou. Todos podem ser um pouco mestres, e mestres bons de seu
próximo, e sê-lo tanto mais quanto mais o próximo for fraco e ignorante da
sabedoria do Bem.
Eu vos exorto a serdes pacientes,
longânimes com Simeão. Não mostreis ódio para com ele, nem rancor, nem
desprezo, nem ironia. Não vos lembreis do passado, nem em vós nem nele. O
homem, que surge depois de um perdão, depois de um arrependimento, depois de um
propósito sincero, tem uma vontade, mas tem também um peso, como herança das
paixões e hábitos do passado. É preciso saber ajudá-lo a livrar-se dela. E com
muita discrição. Sem ficar fazendo alusões ao seu passado. Isto seria ser
imprudentes na caridade para com a criatura humana. Recordar ao culpado a sua
culpa é aviltá-lo. Resta a sua consciência, agora despertada, para fazer isso.
Ficar fazendo que uma criatura se lembre do seu passado, é suscitar lembranças
de paixões e, as vezes trazer de volta as paixões que já estavam superadas e o
consentimento nelas. No melhor dos casos, sempre seria despertar tentações.
Não tenteis o vosso próximo. Sede
prudentes e caridosos. Deus não terá querido que vós cometêsseis certos
pecados? Daí graças a Ele. Mas não fiqueis fazendo ostentação de vossa
santidade, para humilhar a quem não foi santo. Sabei compreender o olhar do
arrependido que implora, e que quereria que vos esquecêsseis daquilo, e que,
vendo que vós não vos esqueceis, pelo menos vos suplica que não o fiqueis
humilhando, ao lembrar-vos do seu passado. Não digais: “Ele foi leproso em seu
espírito”, para vos justificardes, ao abandoná-lo. O leproso pela doença,
depois das purificações pela cura obtida, é admitido de novo no meio do povo.
Que a mesma coisa aconteça com quem foi curado do pecado. Não sejais como
aqueles que se julgam perfeitos, mas que não o são, porque não tem caridade
para com os seus irmãos. Rodeai, pelo contrário, com o vosso amor, os irmãos
que ressurgem pela graça, a fim de que a boa companhia impeça novas caídas.
Não queirais ser mais do que Deus, que
não repele o pecador que se arrepende, e o perdoa, e o readmite em sua
companhia. E, mesmo que o pecador vos tenha feito algum mal, que não pode ser
reparado, não vos vingueis dele, agora que ele não é mais um prepotente tímido,
mas perdoai, e tende uma grande piedade, porque ele foi pobre daquele tesouro
que todos os homens podem ter, contanto que o queiram: a bondade.
Amai-o, porque com a dor que vos deu,
deu-vos também um meio de merecerdes um prêmio maior no Céu. E não desprezeis a
ninguém, nem mesmo se ele for de outra raça. Vós vedes que, quando Deus atrai
um espírito, ainda que ele seja de um pagão, transforma-o de tal modo, que ele
supera a muitos do povo escolhido na santidade. Eu já me vou. Lembrai-vos
sempre destas e das outras palavras.”
Pg.
187-189
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459 – O PERDÃO A SAMUEL DE NAZARÉ E
LIÇÕES SOBRE MÁS AMIZADES
Diz
Jesus:
Escutai. Está
escrito que não devemos confiar nosso coração a um estranho, porque não
conhecemos os costumes dele. Mas poderíamos dizer que conhecemos o coração pelo
menos de quem é nosso compatriota? Ou o coração do amigo? Ou do parente?
Somente Deus conhece de modo perfeito o coração do homem, e o homem só tem um
meio para conhecer o coração de seu semelhante e conhecer se ele é um
verdadeiro seu compatriota, ou amigo verdadeiro, e verdadeiro parente. Qual é
esse meio? Onde é que ele se encontra? No próximo mesmo e em nós. Nas ações e
nas palavras dele e em nosso reto juízo.
Quando nas palavras do próximo, em suas
ações, ou nas ações que ele quereria de nós, percebemos com o nosso reto juízo,
que não há nada de bem, então podemos dizer: “Este homem não tem um coração
bom, e eu devo desconfiar dele.” Deve-se tratá-lo com caridade, porque é um
infeliz, doente da mais grave das enfermidades: a do espírito doente, mas não
devemos acompanhá-lo em suas ações, não aceitar as suas palavras como verdadeiras
e sábias, e, menos ainda seguir os seus conselhos. Que não vos arruíne este
orgulhoso pensamento: “Eu sou forte, e o mal dos outros não penetra em mim. Eu
sou justo e, mesmo ouvindo o que dizem os injustos, justo eu me conservo.”
O homem é um abismo profundo, no qual
estão todos os elementos do bem e do mal. Ajudam a crescer e a se tornarem
reis, os primeiros: são as ajudas de Deus. Ajudam a se desenvolver e a reinar
fazendo mal as paixões e as amizades más. Todos os germes do mal e todos os
anseios do bem estão latentes no homem pela vontade amorosa de Deus e pela
vontade malvada de Satanás, que sugestiona, que tenta, que odeia, enquanto que
Deus ara, conforta, ama. Satanás tenta seduzir. Trabalha para tomar de Deus. E
nem sempre Deus vence, porque a criatura é pesada, enquanto não escolhe o amor
e sua Lei, e, sendo pesada, desce, e apetece mais facilmente o que dá uma
satisfação imediata e nas partes mais baixas do homem.
Vós pelo que Eu digo sobre a fraqueza
humana, podeis compreender quanto é necessário desconfiar de vós mesmos e
prestar muita atenção ao nosso próximo, para não ajuntar o veneno de uma
consciência impura com o que já fermenta dentro de nós. Quando se compreende
que um amigo está sendo ruína de um coração. Quando os seus conselhos nos escandalizam,
é preciso abandonar aquele amizade, que nos está sendo nociva. Se ela
persistisse acabaria perecendo em seu lado espiritual, porque começaria a
praticar ações que afastam de Deus, pois que impedem à consciência endurecida
de compreender as inspirações de Deus. Se todos os homens culpados de graves
pecados pudessem e quisessem falar como foi que chegaram aqueles pecados,
ver-se-ia que no começo sempre houve uma má amizade.”
“É
verdade! Confessa em voz baixa Samuel de Nazaré.
“Desconfiai daqueles que, depois de
haver-vos combatido sem motivo de repente passam a cumular-vos com honras, e
presentes. Desconfiai daqueles que louvam todas as vossas ações, e são homens
que tudo louvam, isto é, louvam tanto o preguiçoso, como o bom trabalhador, o
homem adúltero, como o marido fiel, como o péssimo discípulo, como se estes
fossem uns modelos. Fazem assim para arruinar-vos e servirem-se de vossa ruína
para os seus planos astutos. Fugi daqueles que vos querem embriagar com
louvores e promessas, para levar-vos a praticar ações que, se não estivésseis
embriagados, não aceitaríeis fazer. E, quando juraste fidelidade a alguém, não
fiqueis tratando com os inimigos dele. Estes não fazem outra coisa, senão
ajuntarem-se para fazer mal àquele que eles odeiam, e fazer esse mal com a
vossa própria ajuda.
Abri os olhos. Eu disse. Sede astutos
como as serpentes e também simples como as pombas. Porque para tratar das
coisas do espírito é santa a simplicidade. Mas para viver no mundo, sem
prejudicar a si mesmo e aos amigos, requer-se astúcia para se saber descobrir
as astúcias de quem odeia os santos. O mundo é um ninho de serpentes. Sabei
conhecer o mundo e seus sistemas. E depois, ficando como as pombas, não sobre a
lama onde estão as serpentes, mas na parte alta do rochedo, conservai o coração
simples de filhos de Deus. E rezai, rezai, porque em verdade Eu vos digo que a
Grande Serpente está assobiando ao redor de vós, que estais em grande perigo, e
quem não vigiar, perecerá. Sim. Entre os discípulos haverá quem perece, para grande
júbilo de Satanás, e uma dor infinita do Cristo.”
Pg.
193-195
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460 – FARISEUS EM CAFARNAUM COM JOSÉ E
SIMÃO DE ALFEU. JESUS E A MÃE PRONTOS AO SACRIFÍCIO
“Assim
faremos. Mas agora fala para nós, ouvimos dizer que Tu estás para deixar-nos.”
“Tenho muitas ovelhas espalhadas pela
Palestina. Todas estão esperando o seu Pastor. Mas vós tendes os discípulos,
sempre em maior número, e sábios.”
“Sim. Mas
o que Tu dizes é sempre bom e mais fácil para as nossas mentes ignorantes.”
“Que vos direi?”
“Jesus,
nós te estivemos procurando por toda parte!” Grita José de Alfeu, que junto com
seu irmão Simão e um grupo de fariseus acabou de chegar.
“E onde pode estar o Filho do homem,
senão entre os pequenos e os simples de coração? Vós me quereis? Eis-me aqui.
Mas antes deixai que Eu diga uma palavra a estas pessoas.
Ouvi. Foi-vos dito que Eu estou para
deixar-vos. É verdade. Eu não o neguei. Mas, antes de deixar-vos, dou-vos este
mandamento: o de vigiar-vos muito a vós mesmos, para conhecer-vos muito, e o de
aproximar-vos sempre mais da Luz, para podermos ver-nos.
A minha palavra é Luz. Guardai-a em
vós, e, quando na sua luz, descobrirdes manchas ou sombras, perseguí-as, para
expulsá-las dos vossos corações. Aquilo que éreis antes que Eu vos conhecesse,
não deveis selo mais... Antes, vós estáveis como que em um crepúsculo. Agora
tendes a Luz em vós.
Olhai o céu pela manhã, quando a aurora
o vem clareando, ele pode parecer estar sereno, só porque não está todo coberto
por nuvens de tempestade. Mas, à medida que a luz vai aumentando, e o vivo
clarão do sol se mostra do lado do oriente, eis que nossos olhos espantados,
veem como se vão formando umas manchas rosadas sobre o azul do céu. Que são
elas? Oh! São umas leves nuvenzinhas, tão leves que pareciam estar lá só
enquanto a luz era ainda incerta, mas ligeiras sobre o campo do céu. E lá
estão, até que o sol as derreta e as anule com seu grande fulgor. Vós fazei
assim com a vossa alma. Trazei-a sempre mais perto da Luz, para descobrirdes,
toda névoa, ainda que muito leve, e depois conservai-a sob o grande Sol da
Caridade, e a Caridade operará em vós contínuos prodígios. Ide agora e sede
bons...”
Jesus
se despede deles, e vai para perto dos dois primos, que Ele beija, depois de
ter feito profundas onclinações para os fariseus presentes, entre os quais está
Simão, o farideu de Cafarnaum. Os outros são rostos novos.
“Nós
te procuramos mais por estes, do que por nós. Eles foram a Nazaré para
procurar-te, e então...”
“A paz esteja convosco. De que é que
precisáveis?”
“Oh!
De nada. Queríamos ver-te. Somente ver-te. R ouvir a sabedoria das tuas
palavras.”
“Também
para aconselhar-te, verdade seja dita... Tu és muito bom, e o povo abusa disso.
Este povo não é bom. E Tu sabes disso. Por que não amaldiçoas os pecadores?”
“Porque o Pai me manda salvar, e não
perder.”
“Irás
ao encontro de muitas desventuras.”
“Não tem importância. Eu não posso
transgredir uma ordem do Altíssimo, poe causa de nenhuma vantagem humana.”
“E
se... Sabes... dizem em voz baixa que Tu acaricias o povo, para te servires
dele em alguma revolução. Nós viemos perguntar-te se é verdade isso.”
“Vós viestes ou fostes mandados?”
“É
a mesma coisa.”
“Não. Mas Eu respondo a vós e a quem
vos mandou, que a água que extravasa de meu balde é uma água de paz, e que a
semente que Eu semeio é semente de renúncia. Eu podo os ramos soberbos. Eu
estou pronto para arrancar as plantas más, a fim de que não façam mal às boas, se
elas não aceitarem o enxerto. Mas o que Eu chamo de “bom” não é o que vós
chamais de bom. Porque Eu chamo de boa a obediência, a pobreza, a renúncia, a
humildade, a caridade que se inclina a todas as humildades e misericórdias. Não
tenhais medo de ninguém. O Filho do homem não arma insídias para obter os
poderes humanos, mas vem para ensinar o poder dos espíritos. Ide, e refleti bem
que o Cordeiro nunca será Lobo.”
“Que
queres dizer? Tu nos compreendes mal, e nós te compreendemos mal.”
“Não, Eu e vós até que nos
compreendemos muito bem.”
“Pois
bem, então sabes para o que viemos?”
“Sim, para dizer-me que não devo falar às
turbas. E não pensais que podeis proibir-me de entrar, como qualquer outro
israelita, lá onde se leem e se explicam as escrituras, e onde todo
circuncidado tem o direito de falar.”
Pg. 199
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461 – COMPLÔ JUNTO A CUSA PARA A ELEIÇÃO DE
JESUS COMO REI. O GREGO ZENON E A CARTA DE SÍNTIQUE COM A NOTÍCIA DA MORTE DE
JOÃO DE ENDOR
Mas ouvi agora o que a Síntique
escreve:
“Síntique
de Cristo ao Cristo Jesus, saudações.
O homem
que te levará estas folhas é um compatriota, e prometeu-me procurar-te,
deixando para o último lugar Betânia, onde deixará a carta em casa de Lázaro,
se não tiver podido encontrar-te em nenhum lugar. Ele já um que está refazendo,
como pode, de todos os males que recebeu, ele e os seus avós, da parte de Roma.
Por três vezes Roma os golpeou, e de muitos modos, e sempre com os seus
métodos. Ele, com sua argúcia grega, diz que agora está mungindo as vacas
tiberinas, para fazer que elas cuspam as cabras helênicas. É fornecedor da casa
do Legado e de muitas casas romanas, desta pequena Roma e grande cidade do
Oriente. Além disso, depois de usar de modos refinados para com os ricos,
conseguiu, de um modo astuto, com homenagens servis, para encobrir seu ódio
incurável, o direito de ser o fornecedor das coortes do Oriente. Seu método, eu
não aprovo. Mas cada um faz o que pode. Eu teria preferido o pão pedido pelo
caminho, aos cofres de ouro que o opressor tem. E assim eu teria feito sempre,
se agora um outro motivo, que não me traz vantagem, não me tivesse obrigado a
imitar o grego, para os meu projetos.
Mas no
fundo é um bom homem, e boa é sua mulher, suas três filhas e um filho. Eu os
conheci na pequena escola de Antigônio e, tendo a mãe adoecido no começo da
primavera, eu a curei com o bálsamo, e assim foi que entrei na casa deles.
Muitas casas me teriam recebido com prazer, como mestra e bordadeira. Eram
casas de nobres e casas comerciais, mas eu preferi esta, por um motivo que não
é por ser ela uma casa de gregos. E agora te explicarei.
E te peço
que tenhas dó de Zemon, mesmo que tu não possas aprovar o pensamento dele. Ele
é como certos terrenos áridos, compactados na superfície, mas ótimos por baixo
da crosta dura. Eu espero ter resultado, ao levantar essa crosta criada por
tantas dores, e descobrir o bom terreno. Seria uma grande ajuda para a tua
Igreja, sendo Zenon conhecido, e estando em ligação com muitos da Ásia menor e
da Galácia, além de Chipre, Malta e até da Ibéria, onde, em todos os lugares
ele tem parentes e amigos como ele, gregos e perseguidos, ou então também
romanos das milícias ou das magistraturas, que serão muito úteis um dia a tua
Causa.
Senhor,
enquanto estou escrevendo aqui de um dos terraços da casa, estou vendo
Antioquia com os seus molhes à beira do rio, o palácio do Legado na Ilha, as
suas estradas reais, seus muros com centenas e centenas de torres poderosas e,
se eu me virar, verei o cume do Sulpio, que está para cima de mim com suas
casernas, e o outro palácio do Legado. Estou assim entre as duas manifestações
do poderio romana, eu, uma pobre mulher sujeita e sozinha. Mas eles não me
causam medo. Pelo contrário, eu penso que o que não pode a ira dos elementos
nem a força de todo este povo revoltado, o fará a aparente fraqueza,
desprezível aos olhos dos poderosos, de quem é uma força, porque possui a Deus:
Tu.
Eu penso
que esta força romana será a força cristã quando ela estiver conhecida, e que
das cidadelas da romanidade pagã é que será preciso iniciar-se o trabalho,
porque elas serão sempre as donas do mundo, e uma romanidade cristã quererá
dizer uma cristandade universal. Quando será isso? Não sei. Mas percebo que
assim será. Por isso eu olho com um sorriso estes testemunhos o poder romano,
pensando naquele dia em que porão suas insígnias e sua força a serviço do Rei
dos reis. Eu os olho como se olha para os amigos úteis, que ainda não sabem o que
são, e que farão sofrer antes de serem conquistados. Mas que, quando forem
conquistados, te levarão a Ti, e o conhecimento de Ti até os confins do mundo.
Eu, uma
pobre mulher, ouso dizer aos meus irmãos em Ti, que quando for a hora da
conquista do mundo para o Teu Reino, não será de Israel, fechado demais no seu
rigorismo mosaico, irritado pelo dos fariseus e outras castas para poder ser
conquistado, mas daqui, do mundo romano, das ramificações dele – os tentáculos
com que essa Roma destroça todas as fés, todo amor, toda liberdade que não seja
a que ela quer, e que a ela é útil, -- daqui é que deverá iniciar-se a
conquista dos espíritos para a Verdade.
Tu o
sabes, Senhor. Mas eu falo para os irmãos que não podem crer que também nós, os
gentios, temos anseios pelo Bem. Aos irmãos eu digo que, sob esta couraça pagã,
há corações desiludidos com o vazio pagão, enojados da vida que levam, porque
assim é o costume, cansados como estão de ódio, de vícios e de dureza. Há
espíritos honestos, mas que não sabem onde apoiarem-se para acharem uma
satisfação ao seu anseio pelo Bem. Dai-lhes uma fé que os contente. Eles
morrerão por ela, levando-a sempre mais para a frente, como um archote no meio
da escuridão, como faziam os atletas nos jogos helênicos.
Tão
convicta estou disso, que, tendo ficado sozinha, deixei Antigônio por
Antioquia, certa como estava de poder trabalhar mais neste terreno, onde, como
em Roma, todas as raças se fundem e se misturam, mais do que onde impera
Israel. Não posso eu, uma mulher, partir para a conquista de Roma. Mas, se a
Urbe me é inatingível, da filha mais bela da Urbe, a mais semelhante à mãe em
todo o Orbe, é que eu lanço a semente. Sobre quantos corações ela cairá? Em
quantos deles ela germinará? Por quantos ela será transportada para outros
lugares, e lá ficará esperando os Apóstolos para germinar? Não sei. Não
pergunto para saber. Eu faço. Ofereço ao Deus que eu conheci e que alegra o meu
espírito, o meu intelecto e o meu trabalho. Neste Deus eu creio como sendo o
Deus único e onipotente. Sei que Ele não decepciona a quem é de boa vontade.
Isto me basta e me sustenta no trabalho.
Mestre,
João morreu no sexto dia, antes das nonas de junho, segundo os romanos, quase
na lua nova de Tamus, conforme os hebreus. Senhor... Para que dizer-te aquilo que
tu sabes? Contudo, eu o digo para os irmãos. João morreu como um justo e, para
dizer a verdade sobre os seus sofrimentos, como um mártir. Eu, que o assisti
com toda a piedade que uma mulher pode ter, com todo o respeito que se tem por
um herói, com todo amor que se tem por um irmão. Mas isso não impediu um
sofrimento tão grande, que eu, não por desgosto ou cansaço, mas por compaixão,
rezava ao Eterno, pedindo que o chamasse à paz. E ele dizia: “À liberdade”.
Que
palavras saiam de sua boca! Como pode um homem, que desceu até o fundo, como
ele dizia, subir a um grau tão alto de Sabedoria? Oh! A morte é mesmo o
mistério que revela a nossa origem, e a vida é o cenário que esconde esse
mistério. Um cenário, que se apresenta a nós, não em desenhos, e sobre o qual
podemos fazer o que quisermos. Sobre isso ele havia escrito muitas coisas, mas
nem todas bonitas. As últimas, porém, foram sublimes. Do céu, embaçado por
baixo, sobre o qual havia desenhos de dor humana e de humana violência, como um
sábio artífice, ele tinha passado a sinais sempre mais luminosos, ornando com
virtudes o restante de sua vida cristã, e terminando na luminosidade fulgente
de uma alma perdida em Deus. Eu te digo: não falou, mas cantou o seu último
poema. Não morreu, mas surgiu. Nem eu poderia distinguir com exatidão quando
era ainda o homem que estava falando, ou quando já era o espírito filho de Deus
que falava.
Senhor,
Tu sabes que eu li todas as obras filosóficas, a fim de procurar um alimento
para a alma ligada pelas duplas correntes da escravidão e do paganismo. Mas
elas eram obras de homens, eram palavras de super-homens, de espíritos reais,
de espíritos semi-divinos. Eu velei sobre o mistério, que não teria sido
compreendido de outro modo por aqueles que nos hospedavam: bons com o homem,
mas israelitas no mais amplo e completo sentido do nome... E quando, nos
últimos gestos de amor, o João não era mais do que um amor falante, eu afastei
a todos e recolhi sozinha o que Tu certamente sabes...
Senhor...
aquele homem morreu, saiu finalmente da carne, e foi para a liberdade, como ele
dizia, com aquele fio de voz dos últimos dias, e com o olhar aceso em êxtase,
apertando-me a mão, e revelando-me o Paraíso com suas palavras. Aquele homem
morreu ensinando-me a viver, a perdoar, a crer e amar. Ele morreu,
preparando-me para o último tempo de tua vida. Senhor eu sei tudo. Ele me havia
instruído sobre os Profetas nas tardes de inverno, eu conheço o Livro como uma
verdadeira israelita. Mas sei também aquilo que o Livro não especifica. Mestre
meu e meu Senhor... eu o imitarei! E eu quereria o mesmo favor, mas penso que
seja mais heroico não pedi-lo, e fazer a tua vontade...
João
morreu depois de ter feito toda a purificação, até a última, dando o perdão
àqueles que, com seu modo de agir, o mataram, e te constrangeram a afastá-lo.
João me revelou isso, ao dizer: “Desconfia sempre dele. É um traidor. Ele me
traiu, trairá a Ele e aos seus companheiros. Mas eu perdoo ao Iscariotes, como
Ele o perdoará. É já tão grande o abismo em que ele se meteu, que não quero
torná-lo mais profundo com meu ato de deixar de perdoá-lo, por me ter matado,
ao separar-me de Jesus. O meu perdão não o salvará. Nada o salvará, porque ele
é um demônio. Eu não deveria dizer isso, eu que fui um assassino, mas eu tinha
pelo menos recebido uma ofensa, que me fez enlouquecer. Ele ataca a quem não
lhe fez mal, e acabará traindo ao seu Salvador. Mas eu lhe perdoo, porque a
bondade de Deus fez de sua raiva contra mim o meu bem. Estás vendo? Eu expiei
tudo. Ele, o Mestre, disse a mim ontem a tarde. Eu expiei tudo. Agora estou
saindo do cárcere. Agora estou verdadeiramente na liberdade, livre também do
peso de me ficar lembrando do pecado de Judas de Keriot, contra um infeliz, que
havia encontrado a paz junto ao seu Senhor.”
Eu
também, seguindo o exemplo dele, o perdôo, por me ter arrancado de Ti, da Mãe
bendita, das irmãs discípulas, que te ouvíamos e seguíamos até a morte, a fim
de estarmos presentes no teu triunfo de Redentor. Eu o faço por Ti, em tua
honra e para aliviar os teus sofrimentos, Fica em paz, meu Senhor. O nome do
opróbio que está entre as filas dos teus seguidores não sairá de meus lábios e
com ele não sairá nada de tudo o que eu ouvi de João, quando o seu “eu” falava
com a Tua invisível e confortadora Presença. Eu fiquei na dúvida se devia ir a
Ti, antes de ir para a nova morada. Mas achei que me teria traído com horror
pelo Iscariotes, e que te teria prejudicado, diante dos teus inimigos. Fiz um
sacrifício até desse conforto, certa de que o sacrifício não ficará sem fruto e
sem prêmio.
Mas sei
também o que o Livro não especifica, isto é, que a Tua paixão não tardará a
cumprir-se, visto que João morreu, e tu lhe prometeste uma curta parada no
Limbo. Ele o disse a mim. Ele me disse que Tu lhe havias prometido tirá-lo,
antes que ele conhecesse como e até onde pode chegar o ódio de Israel contra
Ti, e isso para impedir, que, por amor a Ti, ele odiasse os teus torturadores.
Agora ele morreu... e Tu portanto estás perto de morrer... Não. De viver.
Verdadeiramente de viver, com a tua Doutrina, estando Tu mesmo em nós, com a
Divindade em nós, depois que o Teu Sacrifício nos der a vida da alma, a Graça,
a união com o Pai, com o Filho e o Espírito Santo.
Mestre,
meu Salvador, meu Rei, meu Deus... forte é a minha tentação, ou melhor, foi forte,
de ir ao Teu encontro, agora que João está com o seu corpo no sepulcro, e
repousa com o espírito na espera. Ir ao Teu encontro para estar com as outras
pessoas, ao lado do Teu altar. Mas os altares serão ornados não somente com a
vítima, mas com grinaldas, em honra do Deus, por cujo amor se celebra o
Sacrifício. Eu ponho a minha grinalda roxa, grinalda de discípula distante, aos
pés do Teu altar. Ai eu coloco a obediência, o trabalho, o sacrifício de não
poder ver-te e ouvir-te... Ah! Isso vai ser bem duro! É bem duro, agora que
terminaram os teus colóquios sobrenaturais com João, e eu não posso mais ter o
prazer de ouvi-los! Senhor, levanta a Tua mão sobre a tua serva, para que ela
saiba fazer somente a Tua vontade, e Te saiba servir.
Aqui o
querer, não sei distinguir onde que cessa o que é dos homens e começa o que é
de Deus, porque não sou sábia, aqui o querer, mais forte do que o meu desejo,
me arrastou, e talvez isso não tenha sido tudo vontade de Deus. O certo é que,
quase seguramente por uma graça do céu, eu já amo esta cidade que, com os cumes
do Cásio e do Amã a velar por ela de dois lados, e as cristas verdes das
montanhas negras, lá mais ao longe, tudo me faz lembrar da Pátria perdida. E
parece-me que isso seja o primeiro passo de volta para a minha terra, e não
mais um passo de peregrina cansada, que está voltando para morrer, mas de uma
mensageira de vida, que vem dar vida a quem foi sua mãe.
Parece-me
que daqui como uma andorinha descansada para voar, e nutrida pela sabedoria, eu
deva voar para a cidade, onde eu vi a Luz, e da qual eu quero, quereria subir a
Luz, depois de ter dado a Luz que me foi dada.
Os meus
irmãos em Ti, eu sei, não aprovariam este pensamento. Querem somente para eles
a Sabedoria. Mas estão errados. Um dia compreenderão. Um dia compreenderão que
o mundo está esperando, e que o mundo desprezado será o melhor. Eu preparo o
caminho para eles. Não aqui somente, mas com todos os que vão a frente, e
voltam para outros lugares, e eu não distingo nem se são gentios ou prosélitos,
gregos ou romanos, nem se são do Império ou da Diáspora. Eu falo, excito a
vontade de conhecer-te. O mar não é feito só de uma nuvem que se descarrega. É
formado por nuvens, nuvens e mais nuvens, que se descarregam sobre a terra e
tornam a ser derramadas no mar. Eu serei uma das nuvens. O mar será o
cristianismo. Quero multiplicar o conhecimento de Ti, para contribuir na
formação do mar do cristianismo. Eu, uma grega, sei falar aos gregos, não
somente na língua deles, mas à compreensão deles. Eu, que já fui escrava de
romanos, sei trabalhar os romanos, sujos pontos sensíveis eu conheço. E, pelo
fato de ter vivido entre hebreus, sei como tratar com eles, especialmente aqui
onde os prosélitos são numerosos. João morreu pela Tua glória. Eu viverei pela
Tua glória. Abençoa os nossos espíritos.
E agora,
depois de falar de outros, vou falar de mim. Deixei Antigônio, depois do
sepultamento de João. Não porque me maltratassem. Mas porque eu percebi que não
era o meu lugar. Porque eu percebi? Não sei. Mas eu percebi. Como eu te dizia,
eu tinha conhecido muitas famílias, porque muitos haviam vindo anos. E preferi
ir colocar-me perto da família de Zenon, justamente porque ela está no ambiente
onde espero trabalhar.
Uma
mulher romana me queria em sua esplêndida casa, perto das Colunatas de Herodes.
Uma síria riquíssima me convidava para ser mestra na oficina de tecidos que seu
marido de Tiro, implantou na Selêucia. Uma viúva prosélita, mãe de sete
meninas, moradora de perto da ponte Selêucia, me queria por respeito ao João,
mestre dos meninos, uma família grego-assíria, com empórios em uma estrada
perto do Circo, me pedia que eu fosse morar com ela, porque no tempo dos jogos,
eu podia ser-lhe útil. Finalmente, um romano, que eu acho que é centurião, mas
com certeza é um militar, e que por aqui ficou, não sei por qual motivo, e que
também se curou com o bálsamo, insistia para ter-me consigo. Não. Eu não queria
os ricos nem os mercadores. Eu queria almas, e almas gregas e romanas, pois eu
penso que com estas é que deverá ter começo a expansão da Tua Doutrina pelo
mundo.
E aqui
estou, na casa de Zenon, nos declives do Sulpio, perto das casernas. A cidadela
está ameaçadora lá no cume. No entanto, sendo tão carrancuda como é, é melhor
do que os ricos palácios do Onfolo e do Ninfeu, e lá eu tenho amigos. Há um
soldado que te conhece, chamado Alexandre. É um coração simples de criança, em
um corpo robusto de soldado. E o próprio tribuno, há pouco chegado aqui da
Cesaréia, por baixo da sua clâmide, tem um coração reto. Em sua simplicidade
rústica, ele se aproxima da verdade de Alexandre. Mas o tribuno também, que te
admira como um reitor perfeito, um filósofo “divino”, como ele diz, não é
hostil à Sabedoria, mas também, não pode ainda dar acolhida à Verdade. Contudo,
conquistar estes e suas famílias com um mínimo de conhecimento de Ti, já quer
dizer o lançamento da semente desse conhecimento no norte e no sul, porque as
milícias são como os grãos agitados na peneira, ou melhor, são como as folhas
secas que o pé-de-vento, que neste caso significa a conduta dos Césares e as
necessidades de domínio espalhada por toda parte.
Quando
virá o dia em que os teus Apóstolos, como uns pássaros que se puseram a voar,
se espalharão sobre a terra, encontrarão grande ajuda, se encontrarem nos
lugares do seu apostolado, um só que seja, que não ignore quem é que Tu foste.
Por causa desta ideia, eu cuido dos membros dos velhos gladiadores e das
feridas dos jovens gladiadores. Por isso é que eu não evito as mulheres
romanas, e por isso eu suporto aqueles que me causaram sofrimento. Tudo. Por
Ti. Se eu errar aconselha-me com a tua Sabedoria. Só Tu sabes, mas o sabes, que
os meus erros vêm da minha incapacidade, mas não da maldade.
Senhor, a
tua serva já te falou muito... mas ainda é como um nada do tudo que eu tenho no
coração. Mas Tu estás vendo o meu espírito, Senhor... Quando verei o teu rosto?
Quando tornarei a ver a tua Mãe e os irmãos? Esta vida é um sonho que passa. A
separação cessará. Eu estarei em Ti, e com eles, e será para mim a alegria e a
liberdade, também para mim, como o foi para João. Eu me prostro aos teus pés,
meu Salvador. Abençoa-me com a tua paz. A Maria de Nazaré, às discípulas, paz e
bênção. A Ti Senhor, glória e amor.”
Pg. 215 a
224
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462 –
DISCURSO E CURA NAS NASCENTES TERMAIS DE EMAÚS DE TIBERÍADES
O Mestre
eleva a voz para fazer-se ouvir:
“A misericórdia abre as portas para a
graça. Sede misericordiosos, e obtereis misericórdia. Todos os homens são
pobres em alguma coisa, uns em moedas, outros em afetos, outros na liberdade,
outros na saúde. E todos os homens têm necessidade da ajuda de Deus, que criou
o universo, e que pode como único Rei, socorrer aos seus filhos.”
Ele faz
uma pausa, como para dar tempo aos ouvintes de escolherem se vão querer ouvir,
ou se querem ir aos banhos. Mas os banhos são deixados de lado pela maior
parte. Israelitas se aglomeram para ouvir, e alguns romanos escondem sua
curiosidade com uma brincadeira dizendo: “Hoje não falta nem um reitor, para
fazer deste lugar umas termas romanas.”
...Jesus
continua. “Ontem
me foi dito: “É difícil fazer isso que Tu fazes.” Não. Não é difícil. A minha
doutrina se fundamenta no amor, e o amor não é difícil se ter. Que é que prega
a minha doutrina-- O culto de um verdadeiro Deus, e o amor ao nosso próximo. O
homem esse eterno menino, tem medo das sombras, e segue as quimeras, porque não
conhece o Amor.
O Amor é sabedoria e luz. É sabedoria,
porque desce para instruir. É luz porque vem para iluminar. Lá onde há luz,
cessam as sombras, e onde há sabedoria, morrem as quimeras. Entre os que
escutam há gentios. Esses dizem: “Onde está Deus?” Dizem: “Tu me garantes que o
teu Deus seja o verdadeiro?” Dizem: “Com que nos garantes que és verdadeiro em
Tuas palavras?” Não são somente os gentios que dizem isso. Outros também me
perguntam: “Como podes fazer estas coisas?” Com o poder que me vem do Pai, que
colocou todas as coisas a serviço do homem, sua criatura predileta, e que me
manda instruir os homens, meus irmãos. Pode o Pai, que deu às vísceras deste
solo o poder de tornar medicinais as águas das fontes, ter delimitado o poder
do seu Cristo? E quem como Deus, a não ser o Deus verdadeiro, pode conceber ao
Filho do homem, que faça os prodígios que criam os membros destruídos? Em que
templo de ídolos já se viu cegos recuperando a vista, paralíticos o movimento,
em qual deles já foram vistos moribundos que, diante do “eu quero” de um homem,
surgem mais sãos do que os sãos? Pois bem. Eu, para dar louvor ao Deus
verdadeiro, para fazer que Ele por vós seja conhecido e louvado, digo a estes
aqui reunidos, seja qual for a sua raça e religião, que terão a saúde que
vieram pedir às águas, mas a obterão de Mim, que sou a Água Viva, que dou a
vida do corpo e do espírito a quem crê em Mim e pratica a misericórdia com reto
coração.
Eu não peço coisas difíceis. Peço um
movimento de fé, e um de amor. Abri o coração para a fé. Abri o coração para o
amor. Daí para terdes. Daí aos pobres moedas, para terdes a ajuda de Deus.
Começai a amar os irmãos. Sabei ter misericórdia. Dois terços de dentre vós
estão doentes por causa do egoísmo e da concupiscência. Acabai com o egoísmo,
refreai a concupiscência. Ganhareis em saúde física e em sabedoria. Abatei a
soberba. E sereis beneficiados pelo verdadeiro Deus. Eu vos peço a esmola para
os pobres, e depois vos farei o presente da saúde.”
E Jesus
levanta uma aba do manto, e a estende para receber as esmolas. São muitas
moedas que os pagãos e os israelitas se apressam em jogar-lhe. E não são
somente moedas é que lhe são dadas, mas também anéis e outras joias jogadas
despreocupadamente pelas mulheres romanas que, ao chegarem perto de Jesus,
ficam olhando para Ele, e algumas murmuram certas palavras que Jesus aprova ou
responde brevemente. A oferta terminou. Jesus chama os apóstolos para que
conduzam até Ele os mendigos e, com a mesma rapidez com que aquele pecúlio se
havia formado, eis que ele desaparece até a última moeda. Sobram as joias, que
Ele devolve às doadoras, porque no lugar não há quem as admira, trocando-as por
moedas. E, para consolar as doadoras, Ele lhes diz: “O
desejo tem o mesmo valor que o ato. A oferta feita é preciosa, como se tivesse
sido distribuída, porque Deus vê o pensamento do homem.”
Depois,
Ele se põe de pé e grita: “De quem me vem o poder? Do verdadeiro Deus. Pai, faze que
resplendas no teu Filho. Em teu Nome, Eu ordeno às doenças: ide-vos embora!”
E já são
muitas as vozes dos doentes que se levantam sãos, dos aleijados que se põem de
pé, dos paralíticos que se movem, do encherem-se de vida e cor os rostos, dos
olhos que agora brilham, dos gritos de Hosana, das felicitações entre os
romanos, entre os quais há duas mulheres e um homem que ficaram sãos, e querem
imitar os curados de Israel, e, não conseguindo ainda humilhar-se como os
hebreus, beijando os pés do Cristo, se inclinam, pegam uma das abas do manto e
a beijam.
Depois,
Jesus se afasta dali, e vai saindo do meio do povo. Mas não consegue sair,
porque, a não ser um ou outro gentio, ou algum hebreu ainda culpavelmente
obstinado, todos o vão acompanhando pela estrada que vai para Tariquéia.
Pg.229 e 230
463 – EM TARIQUÉIA. CONVITE DE CUSA A
JESUS, NÃO OBSTANTE UM DISCURSO SOBRE A NATUREZA DO REINO MESSIÂNICO E
CONVERSÃO DE UMA PECADORA
Jesus faz
sinal de que vai falar, e todos guardam silêncio.
“Está escrito: “Tu te moveste para
salvar o teu povo, para salvá-lo com o teu Cristo.” Está escrito: “Eu me
alegrarei no Senhor, e exultarei em Deus meu Jesus.”
O povo de Israel tomou para si esta
palavra, e deu a ela um significado nacional, pessoal, egoísta, que não
corresponde à verdade sobre a pessoa do Messias. Deu um significado limitado,
que avilta a grandeza da ideia messiânica, rebaixando-a a ideia de uma
manifestação comum de poder humano e de violência contra os dominadores
encontrados em Israel por Cristo.
Mas a verdade é diferente. É grande,
ilimitada, vem do Deus verdadeiro, do Criador e Senhor do céu e da terra, do
Criador da humanidade, daquele que, como multiplicou os astros no firmamento e
cobriu de árvores de todas as espécies a terra, e a povoou de animais,
colocando peixes nas águas e pássaros no céu, assim multiplicou os filhos do
homem por Ele criado para que fosse o rei da criação e sua criatura predileta.
Agora, como poderia o Senhor, Pai de todo gênero humano ser injusto com os seus
filhos, para os filhos dos filhos nascidos do Homem e da Mulher por Ele
formados com a matéria, a terra, e com a alma, o seu hálito divino? E como
tratar a estes de modo diferente daqueles, como se eles não viessem da mesma
fonte, como se não viessem dele, mas de algum outro ser sobrenatural, e seu
antagonista, é como se tivessem sido criados de outros ramos, e portanto fossem
uns estrangeiros, uns bastardos, uns desprezíveis?
O verdadeiro Deus não é um pobre deus
deste ou daquele povo, um ídolo, uma figura irreal. É a sublime realidade, a
realidade universal, e o Ser Único, Supremo, Criador de todas as coisas e de
todos os homens... É, portanto, o Deus de todos os homens. Ele ama, ainda que
eles, por não o conhecerem, não o amam ou, se o conhecem mal e o amam mal, ou
conhecendo-o, não o sabem amar. A paternidade não deixa de existir, quando um
filho é ignorante, é estulto ou malvado. O Pai procura instruir o filho, porque
instruí-lo é amor. O Pai se sacrifica para tornar menos estulto o filho
deficiente. O Pai, com lágrimas, com condescendências, com castigos salutares,
com perdões misericordiosos, procura corrigir o filho mau, e torná-lo bom.
Este, o pai-homem. O Pai-Deus ama a todos os homens e quer que eles se salvem.
Ele, que é Rei de um Reino infinito, Rei eterno, olha para o seu povo, formado
por todos os povos espalhados pela face da Terra, e diz: “Aí está o povo de
minhas criaturas, o povo que vai ser salvo com o meu Cristo. Eis o povo para o
qual foi criado o Reino dos Céus. E eis que chegou a hora de salvá-lo com o
Salvador.”
Quem é o Cristo? Quem é o Salvador?
Quem é o Messias? Muitos são os gregos aqui presentes, muitos também os não
gregos, e que sabem o que quer dizer a palavra Cristo. Cristo, pois, quer dizer
o consagrado, o que foi ungido com óleo para cumprir a sua missão. Consagrado a
quê? Talvez a pequena glória de um trono? Talvez à glória maior de um
sacerdócio? Não. Consagrado para reunir sob um único cetro, em um só povo, sob
uma única doutrina, a todos os homens para que sejam irmãos entre si e filhos
de um único Pai, e que seguem a Lei Dele, para terem parte no seu Reino.
Rei, em nome do Pai, que no-lo enviou,
o Cristo reina como convém a sua natureza, isto é, divinamente, porque é de
Deus. Deus pôs tudo como escabelo dos pés de seu Cristo, mas não para que Ele
oprima e sim para que salve. De fato, o seu nome é Jesus, que em língua
hebraica quer dizer Salvador. Quando o Salvador salvar das insídias e da ferida
mais violenta, um monte estará sob os seus pés e uma multidão de todas as raças
cobrirá o monte, para simbolizar que Ele reina e se eleva sobre toda a Terra e
sobre todos os povos. Mas o Rei estará nu, sem outra riqueza, a não ser o seu
sacrifício, para simbolizar que Ele não se inclina senão para as coisas do
espírito e que as coisas do espírito se conquistam e se redimem com os valores
do espírito e a heroicidade do sacrifício não com a violência e o ouro. Assim
será para dar a resposta àqueles que temem, como aqueles que o odeiam sem outra
razão, a não ser o tremor que sentem de serem despojados daquilo que por eles é
querido, a resposta é que Ele é um Rei espiritual, somente isso, mandado para
ensinar aos espíritos a conquistar o Reino, o único Reino que Eu vim fundar.
Eu não vos dou novas leis. Para os
israelitas Eu confirmo a Lei do Sinai. Aos gentios, Eu digo: a lei para possuir
o Reino nada mais é do que a lei da virtude que toda criatura de moral elevada
a si mesma se impõe? E quer pela fé no verdadeiro Deus, se transforma de lei
moral e de virtude em lei de moral sobre-humana.
Ó gentios! Vós gostais de proclamar
deuses os grandes homens de vossas nações e os colocais nas fileiras dos
numerosos e irreais deuses com que povoais o Olimpo que criastes para vós, a
fim de terdes alguma coisa em que crerdes, por que a religião, uma religião é
necessária AL homem, assim como é necessária uma fé, sendo a fé o estado permanente
do homem, e a incredulidade uma anomalia acidental. E nem sempre esses homens
elevados à divindade valem, nem mesmo como simples homens, sendo grandes as
vezes, por sua força bruta, outras vezes por sua astúcia poderosa, outras
ainda, pelo poder que de algum modo adquiriram. E assim sendo, eles levam
consigo como dotes de super-homens, as misérias que o homem sábio valoriza por
aquilo que elas valem: podridão de paixões desenfreadas.
Que Eu esteja dizendo a verdade, mostra
o fato de que no vosso Olimpo quimérico, vós não soubestes colocar nem um só
daqueles grandes espíritos que souberam intuir o Ser supremo, e foram agentes
intermediários entre o homem animal e a Divindade, que eles instintivamente
perceberam, com seu espírito meditativo e virtuoso. Do espírito do filósofo que
raciocina, do verdadeiramente grande filósofo para o do verdadeiro crente, que
adora o verdadeiro Deus, o passo é curto, enquanto que do espírito do crente
para o eu do astuto, do prepotente ou do materialmente herói, há um abismo.
Contudo, não foram colocados por vós aqueles que pela virtude de sua vida se
elevaram tanto acima da massa humana até se aproximarem dos reinos do espírito,
mas o foram aqueles que vós temestes como patrões cruéis, ou que quisestes
adular por servilismo de escravos, ou então admirastes como modelos vivos
daqueles libertadores de instintos animais, que aos vossos apetites anormais
parecem um escopo e uma meta de vida. E tendes invejado àqueles que foram
escritos na lista dos deuses, desprezando aqueles que mais se aproximaram da
divindade pela prática e a doutrina ensinadas e vividas em uma vida virtuosa.
Agora, em verdade, Eu vou dar-vos o
modo de tornar-vos deuses. Aquele que fizer o que Eu digo e crer no que ensino,
esse subirá para o verdadeiro Olimpo, e será deus, deus filho de Deus, em um
Céu onde não existe corrupção nenhuma, e onde o Amor é a única Lei. Em um Céu
onde nos amamos espiritualmente, sem obtusidade e sem as insídias dos sentidos,
que poderiam fazer os habitantes de lá inimigos uns dos outros, como acontece
nas vossas religiões. Eu não venho pedir atos rumorosamente heroicos. Venho
para dizer-vos: Vivei como criaturas dotadas de alma e razão, e não como
animais. Vivei de modo que mereçais viver, viver realmente com a parte imortal
de vós, no Reino daquele que vos criou.
Eu sou a vida. Venho para ensinar-vos o
caminho para irdes para a vida. Venho dar a vida por vós todos, e a dá-la, para
dar-vos a ressurreição da vossa morte, do vosso sepulcro de pecado e idolatria.
Eu sou a Misericórdia. Venho chamar-vos, reunir-vos todos.
Eu sou o Cristo Salvador. O meu Reino
não é deste mundo. Contudo a quem crer em Mim e na minha palavra, nasce-lhe no
coração um reino que está preparado desde o princípio do mundo, e é o Reino de
Deus, o Reino de Deus em vós.
De mim foi escrito que Eu sou Aquele
que estabelecerá a justiça entre as nações. É verdade, porque se os cidadãos de
cada nação fizessem o que Eu ensino, os ódios, as guerras, as violências teriam
fim.
Está escrito de mim que Eu não
levantarei a voz para maldizer aos pecadores, nem a mão para destruir os que
são como umas canas fendidas, ou umas torcidas que já estão soltando fumaça,
por sua maneira indecorosa de viver. É verdade. Eu sou o Salvador, e venho para
robustecer aos que estão feridos, para dar o combustível àqueles cuja lâmpada
estiver fumacenta, Poe falta do que é necessário.
Foi dito de mim que Eu sou Aquele que
abre os olhos aos cegos e tira do cárcere os prisioneiros, levando à luz aos
que estavam nas trevas do cárcere. É verdade. Os cegos mais cegos são aqueles
que nem com a vista da alma veem a Luz, isto é, o verdadeiro Deus. Eu venho
como Luz do mundo, para que vejam, os prisioneiros mais prisioneiros são
aqueles que têm por correntes as suas paixões más. Qualquer outra corrente se
torna inútil, se o prisioneiro morrer. Mas as correntes dos vícios duram e
acorrentam até além da morte da carne. Eu venho para despedaçá-las. Eu venho
para tirar das trevas do cárcere subterrâneo a ignorância para com Deus, todos
aqueles que o paganismo sufoca sob acumulação de suas idolatrias.
Vinde a Luz e à Salvação. Vinde a mim,
porque o meu Reino é verdadeiro e a minha Lei é boa. Não se vos pede senão que
ameis o único Deus e ao vosso próximo e por isso, que repudieis os ídolos e as
paixões que vos endurecem os corações áridos, sensuais, ladrões e
homicidas. O mundo diz: “Oprimamos o
pobre, o fraco, o que está só. Que seja a força o nosso direito, a dureza o
nosso hábito, a intransigência, o ódio, a ferocidade as nossas armas. O justo
como não reage, seja conculcado, e oprimidos sejam a viúva e o órfão, que têm
uma voz fraca.
Eu digo: Sede doces e mansos, perdoai
aos inimigos, socorrei aos fracos, sede justos no vender e no adquirir e até no
direito sede magnânimos, não aproveitando-vos do vosso poder para oprimir os
outros. Sede moderados em todas as vossas tendências, pois a temperança é prova
de força moral, enquanto que a concupiscência é prova de fraqueza. Sede homens,
e não animais, e não temais que estejais decaídos demais, a ponto de não
poderdes levantar-vos de novo.
Em verdade Eu vos digo que assim como a
lama pode virar água pura, evaporada pelo sol, purificando-se ao deixar-se
esquentar, e elevar-se ao céu para tornar a cair em forma de chuva ou de
orvalho, livre de impurezas e sadia, com a condição de que saiba deixar-se
golpear pelo sol, assim também os espíritos que se aproximarem da grande Luz
que é Deus, e gritarem a Ele> “Eu pequei, sou uma lama, mas desejo a Ti, que
és Luz”, tornar-se-ão espíritos que sobem purificados para o seu Criador. Tirai
da morte o horror que ela causa, fazendo de vossa vida uma moeda para adquirir
a Vida. Despojai-vos do passado como de uma veste suja, e revesti-vos de
virtude. Eu sou a Palavra de Deus e em seu Nome vos digo que quem tiver fé nele
e boa vontade, quem tiver arrependimento do passado e um propósito reto para o
futuro, seja ele hebreu ou gentio, tornar-se-á filho de Deus e possuidor do
Reino dos Céus.
Eu vos disse no princípio: “Quem é o
Messias?” E agora Eu vos digo: “Sou Eu, que vos estou falando, e o meu Reino
está em vossos corações, se o acolherdes, e depois estará no Céu, que Eu
abrirei para vós, se souberdes perseverar na minha Doutrina. Isto é o Messias,
e nada mais. Rei de um Reino espiritual, do qual com o seu sacrifício abrirá as
portas para todos os homens de boa vontade.”
Pg.
232-236
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464 – NA CASA DE CAMPO DE CUSA, A
TENTATIVA DE ELEGER JESUS REI. O TESTEMUNHO DO PREDILETO
Diz Jesus:
“Eu sabia que era para isso que me
queríeis aqui. E sabia da inutilidade dos passos que estáveis dando. Cusa pode
dizer o que falei a ele em Tiberiquéia. Eu vim para mostrar-vos que não tenho
medo de nenhuma cilada, porque ainda não chegou a hora. E não a temerei, quando
a hora da cilada já estiver sobre Mim, porque foi para isso que Eu vim. E vim
para persuadir-vos. Vós, não todos, mas muitos dentre vós, estão de boa-fé. E
Eu devo corrigir o erro, no qual de boa-fé caístes. Estais vendo? Eu não vos censuro.
Não censuro a ninguém, nem mesmo àqueles que, por serem meus discípulos fiéis,
deveriam saber com justiça e regular suas próprias paixões com justiça. Não te
estou censurando a ti, ó justo Timoneu. Mas Eu te digo que, no fundo, em vez do
teu amor que me quer honrar, é ainda o teu “eu” que se agita e sonha com tempos
melhores, nos quais possas ver feridos aqueles que te feriram. Eu não censuro a
ti, Manaém, ainda que mostres ter te esquecido da Sabedoria e do exemplo, todos
espirituais, que recebestes de mim e do Batista, antes de mim. Mas Eu te digo
que também em ti existe uma raiz de humanidade, que se levanta depois do
incêndio do amor por mim. Eu não te censuro, Eleazar, homem tão justo com a
velha que te foi deixada, sempre justo, mas que agora não és justo. E não te
censuro a ti, ó Cusa, ainda que o devesse fazer, porque em ti, mais do que em
todos aqueles que me quereis por rei, e, sua boa-fé, está vivo o teu “eu”. Rei,
sim, tu me queres. Não há cilada em tuas palavras. Tu não vens para pegar-me em
falta, nem para denunciar-me ao Sinédrio, ao Rei, a Roma. Mas, mais do que o
amor, tu achas que tudo é amor, mas não é; mais do que pelo amor, tu trabalhas
para vingar-te das ofensas que o Paço Real te houver feito. Eu sou teu
convidado. Deveria silenciar sobre a verdade dos teus sentimentos. Mas Eu sou a
Verdade em tudo, em todas as coisas. E falo. Para o teu bem. A mesma coisa digo
a ti, Joaquim de Bozram e de ti, escriba João. E de ti também, e de ti, e de
ti.”
E vai
mostrando este, aquele, aquele outro, sem rancor, mas com tristeza... e depois
continua. “Eu
não vos censuro. Porque não sois vós que quereis isso, espontaneamente. É a
insídia, é o Adversário que trabalha, e vós... Vós sois, sem o saberdes, uns
súculos em suas mãos. Até o amor, o vosso amor, ó Timoneu, ó Manaém, ó Joaquim,
ó vós que realmente me amais, até da vossa veneração ó vós que em mim julgais
ter encontrado o Rabi perfeito, até disso, ele, o Maldito, se serve para fazer
o mal. Mas Eu vos digo, como aos que não pensam como vós, mas têm suas vistas
voltadas para o que desce sempre mais para baixo, até chegarem às traições e
delitos, e gostariam que Eu aceitasse ser rei, Eu lhes digo: Não. O meu Reino
não é deste mundo. Vinde a mim para que Eu instaure o meu Reino em vós, e não
para outra coisa. E agora deixai-me ir.”
Ao se
retirar da sala, Jesus encontra João Apóstolo.
...”Que
foi que te fizeram, meu Senhor? Eles te insultaram? E te bateram?”
“Não. Eles me queriam fazer rei. Um
pobre rei, João. E muitos queriam fazer isso de boa fé, por um verdadeiro amor,
com uma intenção boa... Mas os outros... para poderem denunciar-me e
prender-me.”
“Quem são
estes tais?”
“Não o perguntes.”
“E os
outros.”
“Não perguntes nem o nome destes. Não
deves odiar, nem criticar... eu os perdoo.”
“Mestre,
havia também discípulos?”
“Não, João. E nenhum Apóstolo.”
“É
verdade Senhor?”
“É verdade, João.”
“Ah!
Graças a Deus por isso. Mas, por quê ainda estás chorando, Senhor? Eu estou
contigo. Eu te amo por todos. Também Pedro. André, e os outros... Quando viram
que eu me joguei no lago, disseram que eu estava doido, e o meu irmão dizia que
eu queria morrer nos redemoinhos. Depois é que me compreenderam, e me gritaram:
“Deus esteja contigo. Vi, vai...” Nós te amamos. Mas nenhum como eu, um pobre
rapaz.”
“Sim. Nenhum como tu. Estás com frio,
João? Vem cá sob o meu manto...”
“Não, aos
teus pés, assim. Mestre meu! Por que será que todos não te amam, como este
jovem, que eu sou?”
Jesus o
puxa sobre seu coração, sentando-se ao lado dele. “É
porque eles não têm o teu coração de jovem.”
“Eles te
queriam fazer rei? Mas não compreenderam ainda que o teu Reino não é desta
terra.”
“Não compreenderam.”
“Sem
falar os nomes, conta como foi, Senhor.”
“Mas tu não irás dizer que fui eu quem
te disse?”
“Se assim
o queres, eu não o direi.”
“Tu não dirás, a não ser quando os
homens quiserem mostrar-me como um daqueles caudilhos populares. Um dia isto
vai acontecer. E tu estarás lá. E dirás: “Ele não foi rei da terra, porque não
quis. Porque o seu Reino não era deste mundo. Ele era o Filho de Deus, o Verbo
encarnado, e não podia aceitar o que era terreno. Ele quis vir ao mundo e
revestir-se com uma carne, para redimir as carnes, as almas e o mundo, mas não
se submeteu às pompas do mundo e aos estímulos para o pecado, e nada de carnal ou
mundano houve nele. A Luz não se deixou enfaixar pelas Trevas, o Infinito não
se apegou as coisas finitas, mas sim às criaturas limitadas pela carne e pelo
pecado e fez delas criaturas que lhe fossem iguais, levando os que tivessem fé
nele à realeza verdadeira, e instaurando o seu Reino nos corações, antes de
instaurá-lo nos Céus, onde ele será completo e eterno, estando com todos os que
foram salvos”. Isto é o que dirás, João, aos que quiserem dizer que Eu sou todo
homem, ou que Eu sou todo espírito, e a quem negar que Eu tenha sofrido
tentação... e dor... e que eles, os homens, foram redimidos também pelo meu
pranto...”
“Sim,
Senhor. Como sofres, Jesus!”
“Como Eu redimo! Mas tu me consolas no
sofrimento. Ao raiar da aurora partiremos daqui... E encontraremos uma barca.
Tu acreditas, se Eu te disser que poderemos navegar sem remos?”
“Eu
acreditaria, mesmo se Tu dissesses que poderíamos navegar sem barca.”
Os dois
ficam abraçados, envolvidos no úmido manto de Jesus, e João, sentindo-se
aquecido, acaba adormecendo, cansado como estava, como um menino nos braços de
sua mãe.
Diz
Jesus:
Eis que os retos de coração foi dada
esta página do Evangelho, desconhecida, mas muito, muito instrutiva. João, ao
escrever depois de muitos lustros o seu Evangelho, faz uma breve alusão a esse
fato. Obediente ao desejo do seu Mestre, do qual ele põe em evidência, mais do
que os outros evangelistas, a natureza divina, revela aos homens um ponto
particular e ignorado, e o revela com aquele seu recato virginal, que adornava
todas as suas ações e palavras, e com um pudor humilde e penitente.
João, o meu confidente nos fatos mais
graves de minha vida, nunca quis ficar se gloriando desses meus favores. Antes,
pelo contrário, lede bem, parece que ele sofre, quando precisa revelá-los, e chega
a dizer: “Devo dizer isto, porque é uma verdade que exalta o meu Senhor, mas eu
vos peço perdão por dever mostrar-me como o único a saber dela”, e, com
palavras bem concisas vai fazendo alusão a uma verdade da qual só ele foi feito
conhecedor.
Lede o primeiro capítulo do seu
Evangelho, onde ele narra o seu encontro comigo: “João Batista estava novamente
com dois de seus discípulos... Os dois discípulos, tendo ouvido estas
palavras... André, irmão de Simão Pedro, era um dos que tinham ouvido as
palavras de João, e haviam acompanhado a Jesus. O primeiro com quem André se
encontrou... Ele não diz o seu próprio nome, pelo contrário, ele se esconde
atrás de André, cujo nome ele faz aparecer.
Em Caná ele estava comigo, e diz:
“Jesus estava com os seus discípulos que creram nele.” Eram os outros que
tinham necessidade de crer. Ele já cria. Mas ele se ajunta aos outros como uma
criatura necessitada de ver milagres para crer.
Testemunha da primeira expulsão dos
mercadores do Templo, durante o colóquio com Nicodemos, no episódio da
Samaritana, ele nunca diz: “Eu estava lá”, mas conserva a linha de conduta que
ele escolheu em Caná, e diz: “os seus discípulos”, mesmo quando ele estava
sozinho, ou ele e algum outro, E assim continua, não dizendo nunca o seu nome,
pondo sempre na frente os companheiros, como se ele não tivesse sido o mais
fiel, o sempre fiel, o perfeitamente fiel. Lembrai-vos da delicadeza com que
ele faz alusão ao episódio da Ceia, do qual se conclui que ele era o predileto,
reconhecido como tal até pelos outros, que a ele recorrem, quando querem saber
os segredos do Mestre: “Começaram, então, os discípulos a olhar uns para os
outros, não sabendo a quem o Mestre se referia. Estava um deles, o predileto de
Jesus, pousando a cabeça sobre o peito dele. E a ele Simão Pedro fez um sinal
perguntando: “De quem é que Ele está falando?” E ele, encostado como estava
sobre o peito de Jesus, perguntou-lhe: “Mas, quem é, Senhor?”
Ele nem mesmo põe o seu nome como tendo
sido chamado no Getsêmani, junto com Pedro e Tiago. Também ele não diz: “Eu
acompanhei o Senhor”, mas diz: “Acompanhou-o Simão Pedro e um outro discípulo,
e esse outro discípulo sendo conhecido do Pontífice, entrou com Jesus no átrio
do Pontífice”. Sem João, Eu não teria tido o conforto de vê-lo, junto com Pedro
nas primeiras horas da captura. Mas João não se gaba disso. Sendo um dos
personagens principais nas horas da Paixão, o único apóstolo que esteve sempre
presente, amorosamente, piedosamente, heroicamente presente, perto do Cristo,
perto de sua Mãe, enfrentando uma Jerusalém desenfreada, omite o seu nome até
no episódio tão relevante da Crucifixão e das palavras do moribundo: “Mulher,
eis aí o teu filho.” “Eis aí a tua Mãe. E o “discípulo”, o sem nome, sem outro
nome senão aquele que é a sua glória, depois de ter a sua vocação: discípulo.”
Tendo-se tornado o “filho” da Mãe de
Deus, nem mesmo depois de receber essa honra, ele se exalta, e na Ressurreição
ainda diz: “Pedro e o outro discípulo (ao qual Maria de Lázaro havia falado do
sepulcro vazio) saíram e foram andando... iam correndo... mas aquele outro
discípulo correu mais do que Pedro, chegou antes, inclinou-se e viu... mas não
entrou..., e esta passagem está cheia de uma suave humildade! Pois ele deixa,
ele, o fiel, que Pedro, o chefe, embora pecador por covardia, entre em primeiro
lugar. Ele não o julga. Pois é o seu Pontífice. Mas o socorre com a sua
santidade, porque também os “chefes” sentem necessidade dos seus súditos, e de
serem socorridos. Quantos súditos existem melhores do que os seus “chefes”, os
chefes que não sabem suportar, ou nos quais a fumaça da honra produz cegueira e
embriaguez. Sede, ó súditos santos, sede os cireneus dos vossos Superiores,
sede, e sê tu, ó meu pequeno João, porque a ti Eu falo para todos os Joãos, que
guiam os Pedros, que não sabem compreender e crer, e chegam a mostrar-se e a
fazer crer que são uns obtusos e incrédulos, eles também, como os “Pedros.”
Lede o episódio sobre o lago de
Tiberíades. É ainda João que, repetindo um ato feito outras vezes, reconhece o
Senhor no Homem que está de pé sobre a margem e, depois de ter partido o pão
junto com os outros, a pergunta de Pedro: “E a este que é que acontecerá, é
sempre o discípulo”, e nada mais.
Em tudo o que se refere a ele, ele se
anula. Mas, quando é preciso dizer alguma coisa, que faça resplandecer, com uma
luz cada vez mais divina o Verbo de Deus Encarnado, eis que João levanta os
véus, e revela um segredo.
No sexto capítulo do Evangelho ele diz:
“Tendo percebido que queriam arrebatá-lo para o fazerem rei, fugiu de novo
sozinho para o monte. E tornou-se conhecida para os que tinham fé, esta hora do
Cristo, para que os que têm fé saibam como multíplices e complexas foram as
tentações e as lutas contra o Cristo, nas suas diversas características de
Homem, de Mestre, de Messias, de Redentor, de Rei, e que os homens e Satanás, o
eterno instigador dos homens, não pouparam nenhuma cilada ao Cristo, para
diminuí-lo, abatê-lo, destruí-lo. Contra o Homem, o Eterno Sacerdote, o Mestre,
o Senhor, moveram-se em assalto as malícias satânicas e humanas mascaradas com
os preceitos que podiam ser mais aceitáveis como bons, e assim as paixões dos
cidadãos, dos patriotas, do filho, do homem, tudo foi instigado ou tentado para
descobrirem algum ponto fraco, por baixo do qual introduzissem a alavanca.
Oh! Filhos meus, que não refletis senão
na tentação inicial e na última tentação, e que das minhas fadigas só foram as
extremas, e que amargas e decepcionantes só o foram as últimas experiências,
tomai por uma hora o meu lugar, fazei de conta que sois vós aqueles aos quais
vem a projetada paz com os compatriotas, a ajuda deles, a possibilidade de
completar as purificações necessárias para tornar santo o Pais amado, a
possibilidade de restaurar, reunir os membros espalhados de Israel e de pôr um
fim a dor, a escravidão política e ao sacrilégio. E Eu não digo: tomai o meu
lugar, pensando que vos está sendo oferecida uma coroa. Eu só vos digo que
tenhais o meu Coração de Homem, por uma hora e digais: “é uma proposta
sedutora”. Como tereis vós ficado? Triunfadores, fiéis à divina ideia, ou,
antes, uns vencidos? Nem teríeis ficado santos e espirituais, ou teríeis
destruído a vós mesmos, aderindo à tentação, ou cedendo às ameaças? E, com que
coração teríeis depois de haverdes verificado até que ponto Satanás arremessava
suas armas, para ferir-me em minha missão e em meus afetos, desviando-me para
um caminho errado e também aos discípulos bons, e pondo-me em luta aberta com
os inimigos, agora desmascarados, e tornados ferozes, por terem sido descobertos
em suas tramas.
Não fiqueis com o compasso e a régua na
mão, com o microscópio e a ciência humana, não fiqueis com argumentações
pedantes de escribas, a medir, a confrontar, a discutir se João falou bem, a
até onde é verdade isto ou aquilo. Não apliqueis a frase de João ao episódio
acontecido ontem, a fim de poderdes ver se os contornos das coisas se ajustam.
João não errou por uma fraqueza de velho, como não errou o pequeno João por sua
fraqueza de enferma. Este disse o que viu o grande João, muitos lustros depois
do fato, narrou o que sabia, e, com uma fina concatenação dos lugares e dos
fatos, revelou o segredo, conhecido só por ele, da tentada, e não sem malícia
coroação do Cristo.
Em Tariquéia, depois da primeira
multiplicação dos pães, surge no meio do povo a ideia de fazer do Rabi de
Nazaré o Rei de Israel. Estão presentes Manaém, o escriba e muitos outros que,
imperfeitos ainda no espírito, mas honestos no coração, acolhem a ideia, e dela
se fazem fautores, para prestar honra ao Mestre e pôr um fim à luta injusta
contra Ele, por um erro de interpretação das Escrituras, erro difundido por
todo Israel, encegueirado por sonhos de uma realeza humana e pela esperança de
santificar a Pátria contaminada por muitas coisas.
E muitos, como é natural, aderem
simplesmente a esta ideia. Mas muitos outros fingem, traiçoeiramente que aderem
a ela, para me prejudicarem. Unidos estes últimos pelo ódio contra mim,
esquecem-se dos seus ódios de casta, que sempre os obrigou a ficar separados e
se aliam para tentar-me, a fim de depois poderem dar uma aparência legal ao
delito, que já estava decidido em seus corações. Eles estão esperando por
alguma minha fraqueza, por algum ato meu de orgulho. Estes, o orgulho e a
fraqueza e a minha aceitação da coroa a mim oferecida, teriam servido como uma
justificação para as acusações que queriam lançar contra mim. E depois...
Depois procurariam dar paz ao seu espírito traiçoeiro e castigado pelos
remorsos, porque teriam dito uns aos outros, esperando que se pudesse crer:
“Foi Roma e não nós, quem puniu o agitador Nazareno.” A eliminação legal do seu
inimigo, pois assim era considerado por eles o Salvador deles... Eis as razões
da proclamação que tentaram fazer. Eis a chave que abriu caminho para os mais
fortes e sucessivos ódios. Eis, enfim, a alta lição do Cristo. Vós a
compreendeis? É uma lição de humildade, de justiça, de obediência, de
fortaleza, de prudência, de fidelidade, de perdão, de paciência, de vigilância,
de tolerância para com Deus, para com sua própria missão, para com os amigos,
para com os decepcionados, para com os inimigos, para com Satanás, para com os
homens, seus instrumentos de tentação, para com as coisas, para com as
ideias... Tudo deve ser contemplado, aceito, respeitado, amado, ou não,
olhando-se para o fim santo do homem: O Céu, a vontade de Deus.
Pequeno João. Esta foi uma das horas de
Satanás para Mim. Como as teve o Cristo, assim as têm os pequenos cristos. É
preciso sofrê-las e superá-las sem soberbas e sem desconfianças. Elas não são
sem uma finalidade boa. Mas não temas. Deus durante essas horas, não abandona,
mas ajuda a quem é fiel. E depois desce o Amor para transformar os fiéis em
reis. E, mais ainda, tendo terminado o tempo desta Terra, sobem os fiéis para o
Reino em paz para sempre... A minha paz, pequeno João, coroado de espinhos. A
minha paz.”
Pg.
249-261
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465 – EM BETSAIDA PARA UM ENCARGO
SECRETO COM PORFÍRIA, E PARTIDA APRESSADA DE CAFARNAUM
“Escuta, Porfíria. Tu és uma boa mulher
e uma boa discípula. Eu gostei muito de ti, desde que te fiquei conhecendo, e
com muita alegria te escolhi como discípula, e te confiei o menino. Sei que tu
és prudente e virtuosa como poucas. E sei que sabes calar-te. É esta uma
virtude raríssima nas mulheres. Por todas estas coisas é que Eu vim falar-te em
segredo, e contar-te uma coisa que ninguém sabe, nem mesmo os Apóstolos, nem
Simão. Eu te conto, porque Eu preciso dizer-te como é que deves proceder para o
futuro com Marziam... e com todos... Eu tenho certeza que tu irás contentar o
teu Mestre no que te vou pedir, e que serás prudente como sempre...”
Porfíria
que ficou vermelha como uma púrpura, ao ouvir o elogio do seu Senhor, só fica
fazendo sinal de que sim, com a cabeça, muito comovida, ela que é tão tímida e
habituada a ser sempre pressionada pela vontade de prepotentes, que lhe impõem
suas vontades, sem saberem se ela está disposta a consentir, está por demais
comovida para ser capaz de responder, com palavras, que consente.
“Porfíria... Eu não voltarei nunca mais
a estes lugares. Nunca mais, até que tudo se tenha cumprido... Tu sabes, não é
verdade, o que é que Eu devo cumprir?”
Porfíria,
a estas palavras, deixou cair os seus cabelos, que ela ainda estava segurando
recolhidos sobre a nuca com a mão esquerda, e mais do que um grito, um soluço a
sufoca, e a faz levar as duas mãos ao rosto, enquanto ela cai de joelhos,
gemendo. “Eu já sei, Senhor meu Deus...”, e chora com um pranto silencioso, que
só se nota pelas lágrimas, que vão pingando no chão, passando pelos dedos que
ela tem apertados sobre o rosto.
“Não chores, Porfíria. Para isto é que
Eu vim. Eu estou pronto... e prontos estão àqueles que, a serviço do Mal, estão
servindo ao Bem, na verdade, porque farão chegar a hora da Redenção. Poderia
cumprir-se até agora, porque tanto Eu como eles estamos preparados... e
qualquer outra coisa que aconteça ou evento que sobrevier, não serão nada mais
do que... um aperfeiçoamento para o delito deles... e para o meu Sacrifício.
Mas também estas horas, que ainda são muitas que virão antes daquela hora,
servirão... Há ainda alguma coisa para cumprir-se e a dizer-se, a fim de que
tudo o que estava para cumprir-se, segundo o meu conhecimento, seja feito...
Mas Eu não voltarei mais aqui... Olho pela última vez para este lugar... e
entro pela última vez nesta casa honesta... Não chores... Eu não quis ir-me
embora, sem dar-te o adeus e a bênção do Teu Mestre. Eu levarei comigo Marziam.
Levá-lo-ei comigo, indo para os confins da Fenícia, e depois, quando subir para
a Judéia, para a Festa dos Tabernáculos. Não me faltarão meios para mandá-lo de
volta, antes do inverno rigoroso. Pobre rapaz! Alegrar-se-á comigo por algum
tempo. E depois... Porfíria, não é bom que Marziam esteja presente na minha
hora. Por isso, tu não o deixarás partir para a Páscoa... e”
“E o
preceito, Senhor?”
“Eu o desobrigo do preceito. Eu sou o
Mestre, Porfíria, e sou Deus, como tu sabes. Como Deus, Eu o posso desobrigar,
antecipadamente, por uma omissão assim, que nem chega a ser omissão, porque Eu
ordeno por motivo justo. A Obediência a uma minha ordem já é uma licença de
deixar de cumprir o preceito, porque a obediência a Deus – e esta é até um
sacrifício para Marziam, é sempre superior a qualquer outra coisa. Eu sou o
Mestre. Não é bom Mestre quem não sabe meditar sobre consequências, que um
esforço superior àquele que o discípulo aguenta a suportar, pode produzir nele.
Também, ao querer impor as virtudes, é necessário ser prudentes, e não ficar pretendendo
logo o máximo que a formação espiritual ou as forças gerais não lhe permitam
fazer. Exigindo-se uma virtude ou um domínio espiritual forte demais, e até das
físicas, atingidas já pela criatura humana, pode acontecer que surja uma
dispersão das forças já acumuladas e uma fragmentação do indivíduo nos seus
três graus: o espiritual, o moral e o físico. Marziam, pobre menino, já sofreu
demais e conheceu demais a brutalidade dos seus semelhantes, até o ponto de
quase odiá-los. Ele não poderia suportar o que vai ser a minha Paixão, um mar
de amor doloroso, no qual Eu lavarei os pecado do mundo e um mar de ódio
satânico, que procurará submergir a todos os que Eu amei, e até os mais fortes
se dobrarão sob a maré de Satanás, pelo menos por um breve tempo... Mas Eu não
quero que Marziam se dobre e beba daquela onda de desolação. Ele é um
inocente... e me é muito querido. Eu tenho piedade, muita piedade de quem já
sofreu mais do que as suas próprias forças aguentavam. Eu chamei de novo, mas
outro mundo, o espírito de João de Endor...”
“Morreu
João? Oh! Marziam havia escrito muitos rolos para ele... Vai ser uma nova
tristeza para o rapaz...”
“Eu lhe falarei da morte de João... Eu
dizia que o tirei desta vida justamente para preservá-lo do abalo emocional
daquela hora, o próprio João já havia sofrido muito da parte dos homens. Por
que despertar sentimentos que estavam adormecidos? Deus é bom. Ele prova os
seus filhos. Mas Ele não é um experimentador descuidado... Oh! Se os homens
soubessem fazer assim! Como seria menor o número das ruínas dos corações, como
também simplesmente, quanto menor seria o número de perigosas borrascas nos
corações... “
Pg.
263-265
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467 – PARÁBOLA DA DISTRIBUIÇÃO DAS
ÁGUAS. PERDÃO CONDICIONADO PARA O CAMPONÊS JACÓ. ADMOESTAÇÕES AOS APÓSTOLOS
ENQUANTO VÃO A COROZAIM
Diz
Jesus:
... Eu somente vos digo que quem é
rico, é um depositário dessa riqueza que Deus lhe concede, com a ordem de ser
distribuidor dela aos que sofrem. Pensai em qual é a honra que Deus vos faz
chamando-vos a serdes seus sócios na obra da Providência em favor dos pobres,
dos doentes, das viúvas, dos órfãos. Deus poderia fazer chover dinheiro,
vestes, alimentos, por onde passam os pobres. Mas assim Ele tiraria dos homens
ricos grandes ocasiões de merecimento: os merecimentos da caridade para com os
irmãos, nem todos os ricos podem ser doutos, nem todos podem ser bons. Nem
todos os ricos podem cuidar dos doentes, sepultar os mortos, visitar os
enfermos e os encarcerados. Mas todos os ricos, e também simplesmente quem não
é pobre, podem dar um pão, um copo d`água, uma roupa usada, acolher ao lado do
fogo a quem está tremendo de frio, ou do lado do seu telhado a quem não tem
casa e está tomando chuva, ou exposto ao sol ardente. Pobre é aquele a quem
falta o necessário para viver. Os outros não são pobres, pois têm meios, ainda
que restritos para viver, e que são sempre ricos em comparação com os que
morrem de fome, ou de trabalho, ou de frio.
Eu vou-me embora. Eu já não posso mais
fazer o bem aos pobres destes lugares. E o meu coração sofre, pensando que eles
perdem um amigo... Pois bem. Eu que vos estou falando, e vós sabeis quem Eu
sou, peço-vos que sejais a providência dos pobres, que vão ficar sem o seu
amigo misericordioso. Dai-lhes a esmola, e amai-os em meu Nome, lembrando-vos
de Mim... Sede os meus continuadores. Aliviai o meu coração esmagado com esta
promessa: que nos pobres vereis sempre a Mim, e que os acolhereis como os mais
verdadeiros representantes de Cristo, que é pobre, que quis ser pobre por amor
aos mais infelizes da terra, e para expiar, com suas limitações e com o seu
ardente amor, as prodigalidades injustas e os egoísmos dos homens.
Lembrai-vos disso! A caridade, a
misericórdia é premiada para sempre. Lembrai-vos! A caridade, a misericórdia é
uma absolvição das culpas. Deus muito perdoa a quem ama. E o amor dos
indigentes, que não podem retribuir, é o amor mais meritório aos olhos de Deus.
Lembrai-vos destas minhas palavras até o fim da vossa vida, e sereis salvos e
felizes no Reino de Deus. Que a minha bênção desça sobre quem aceita a palavra
do Senhor, e age de acordo com ela.”
... E
Jesus lhes diz:
“Eu estava dizendo ao Simão, e o digo
que aqueles que são meus inimigos mudaram o modo de prejudicar-me, mas não
mudaram seu pensamento o meu respeito. Por isso, como antes eles usavam o
insulto e a ameaça, agora usam as honras. Isso para Mim, e, certamente também
para vós. Sede fortes e sábios. Não vos deixeis enganar por palavras
mentirosas, nem pelos presentes, nem pelas sedições. Lembrai-vos do que diz o
Deuteronômio: “Os presentes cegam os olhos dos sábios e alteram as palavras dos
justos”.
Lembrai-vos de Sansão. Ele era Nazareu
de Deus, desde o seu nascimento, desde o seio de sua mãe, que o concebeu e
formou na abstinência, por ordem de um anjo, para que ele fosse um justo juiz
em Israel. Mas tantos bens em que foi que deram? E como? E por quem? E não foi
assim noutras vezes, com honras e moedas, e com mulheres vendidas, que foi
abatida a virtude para fazer-se o jogo dos inimigos? Agora estais atentos, e
vigiai, para não serdes enleados pelos enganos e, inconscientemente servir aos
inimigos. Sabeis conservar-vos livres, como os passarinhos, que preferem pouco
alimento e um ramo onde repousar, em vez das gaiolas douradas, onde o alimento
é muito, a caminha é cômoda, mas onde eles são prisioneiros do capricho dos
homens.
Pensai que vós sois meus apóstolos, e
por isso, servos somente de Deus, como Eu que sou servo somente da Palavra do
Pai. Eles procurarão seduzir-vos, e talvez até já o tenham feito, pegando a
cada um pelo seu lado fraco, porque os servos do Mal são astutos, tendo sido
instruídos pelo Maligno.
Não acrediteis nas palavras deles. Elas
não são sinceras. Se o fossem, Eu seria o primeiro a dizer-vos: “Saudemos a
estes homens como a nossos bons irmãos.” Ao contrário. É preciso desconfiar de
suas ações, e rezar por eles, a fim de que fiquem bons. Eu assim faço. Rezo por
vós, para que não sejais arrastados pelos enganos da nova guerra, nem por eles.
Para que cessem de urdir enganos para o Filho do Homem e ofensas a Deus, seu
Pai.
E vós imitai-me. Rezai muito ao
Espírito Santo. Ele vos dê luz para ver. E sede puros, se quereis tê-lo como
amigo. Eu, antes de deixar-vos, quero fortalecer-vos. Eu vos absolvo, se até
aqui houverdes pecado. De tudo Eu vos absolvo. Sede bons para o futuro. Bons,
sábios, castos, humildes e fiéis. A graça da minha absolvição vos fortifique.
Porque estás chorando, André? E tu, porque
estás perturbado, meu irmão?
“Porque
isso me está parecendo um adeus”, diz André.
“E Crês que com tão poucas palavras Eu
iria saudar-vos? Não é mais do que um conselho para estes tempos. Vejo que
estais perturbados. Isso não vos deve acontecer. A perturbação tira a paz. A
paz deve estar sempre em vós. Vós estais a serviço da Paz, e ela vos ama tanto,
que vos escolheu como a seus primeiros servos. Ela vos ama. Deveis pois, pensar
que ela vos ajudará, mesmo quando tiverdes ficado sós. A paz é Deus. Se fordes
fiéis a Deus, Ele estará em vós. E, com Ele em vós, que é que tendes a temer? E
quem poderá separar-vos de Deus, se vós não vos colocais em condições de
perdê-lo? Só o pecado é que separa de Deus. Mas tudo mais: as tentações, as
perseguições, a morte e nem mesmo a morte separam de Deus. Mas, pelo contrário,
a Ele unem, porque cada tentação vencida é mais um degrau que se sobe rumo ao
Céu, pois as perseguições vos obtêm um redobrado amor e proteção de Deus, e a
morte do santo ou do mártir não é mais do que uma união íntima com o Senhor
Deus.
Em verdade Eu vos digo que, a não serem
os filhos da perdição, nenhum dos meus grandes discípulos morrerá antes que Eu
tenha aberto as portas do Céu. Por isso nenhum dos meus discípulos fiéis deverá
ficar esperando o abraço de Deus, depois de ter passado deste escuro exílio
para as luzes da outra vida. Eu não vos diria isso, se não fosse verdade. Vós o
estais vendo. Hoje mesmo vós vistes como um que, depois de ter-se extraviado,
voltou aos caminhos da justiça. Não seria preciso pecar. Mas Deus é
misericordioso, e perdoa a quem se arrepende. E quem se arrepende pode até
superar a quem não pecou, se o seu arrependimento for perfeito, e heroica for a
sua virtude depois do arrependimento.
Será uma coisa tão doce encontrar-nos
lá em cima. Ver-vos subindo até Mim, e correr ao vosso encontro para
abraçar-vos, levando-vos até o meu Pai dizendo: “Aqui está um teu querido. Ele
sempre me amou, e por isso sempre te amou, desde quando Eu lhe falei de Ti.
Agora ele veio. Abençoa-o meu Pai, e a tua bênção seja a sua coroa
resplandecente.”
Meus amigos... Amigos aqui e amigos no
Céu. Não vos parece que todo sacrifício seja leve para obter esta eterna
alegria? Tranquilizai-vos afinal! Separemo-nos aqui. Eu vou lá para cima, e vós
sede bons...”
E os
beija um por um.
Pg.
280-285
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468 – UM ARREPENDIMENTO DE JUDAS
ISCARIOTES E OS EPISÓDIOS QUE ILUSTRAM A SUA FIGURA
Jesus
Diz:
“Que bela noite, Judas, olha como tudo
é puro! Eu creio que mais pura do que esta não foi a primeira noite que sorriu
sobre a terra e sobre o sono de Adão no Paraíso Terrestre. Procura sentir como
agradáveis são os perfumes dessas flores. Procura aspirá-los. Mas não as
apanhes. São tão agradáveis e puras! Eu também me abstive disso, porque
colhê-las é profaná-las. Sempre é um mal fazer uso da violência, tanto a feita
a uma planta, como a um animal. E tanto ao animal, como ao homem. Por que tirar
a vida? Tão bela é a vida, quando seu tempo é bem empregado! E aquelas flores a
empregam bem, porque exalam seus perfumes, alegram com sua beleza e aromas, dão
mel as abelhas e às borboletas, e cedem a estas o ouro dos seus pistilos, para
que o coloquem, como pequenas gotas de topázio sobre a pérola de suas asas, e
serve de cama nos ninhos... Se estivesses aqui, há poucos momentos, ouvirias um
rouxinol cantar de um modo muito agradável, a sua alegria de viver e de louvar
o Senhor. Queridos passarinhos! Como eles servem de exemplo aos homens! Com
pouca coisa eles se contentam, e, assim mesmo, só com coisas lícitas e santas.
Um grãozinho, um vermezinho, porque o Criador lhos dá. E, se eles não obtêm
isso, não sentem ira, nem ódio, mas enganam a fome da carne com o ímpeto do
coração que os faz cantar os louvores do Senhor e as alegrias da esperança.
Eles se sentem felizes por estarem cansados de voar, desde a manhã até à tarde,
para fazerem um ninho morno, macio, firme, não para o seu egoísmo, mas por amor
à sua prole. E cantam pela alegria de se amarem honestamente. O pássaro macho
assim faz por amor à sua fêmea, e os dois fazem por amor aos futuros filhos. Os
animais estão sempre felizes, porque eles não têm remorsos nem censuras em seus
corações. Nós é que os tornamos infelizes, porque o homem é mau, desrespeitoso,
prepotente e cruel. E não lhe basta que ele seja assim com os seus semelhantes.
Ele extravasa sua malvadez sobre os inferiores. E, quanto mais tem dentro de si
os remorsos, tanto mais sua consciência o fustiga, e mais cruel ele se torna
para com os outros. E Eu estou certo de que, por exemplo, aquele cavaleiro que
hoje estava esporeando o seu cavalo até o fazer sangrar, pois já estava tão
suado e cansado, e ainda batia nele, até fazer que ele ficasse com o pelo arrepiado,
e já com vergões no pescoço e nos flancos, e até sobre aquele tão delicado
focinho e sobre os escuras pálpebras que, de doloridas, se fechavam sobre
aqueles olhos tão resignados. Ou ele estava indo praticar algum delito contra a
honestidade, ou estava voltando dele!
Jesus se
cala e fica pensando. Judas fica calado. Também ele está pensando. Depois ele
fala: “Como é belo Mestre, ouvir-te falar assim. Tudo se ilumina diante de
nossos olhos, diante de nossa mente, de nosso coração... e tudo fica fácil.
Fica fácil até mesmo dizer: “Eu quero ser bom!” E até dizer-te... dizer-te:
“Mestre eu também estou com minha alma perturbada! Não tenhas asco de mim,
Mestre, Tu que tanto amas o que é puro!”
“Oh! Meu Judas! Eu ter asco de ti? Meu
amigo, meu filho, que é que tens que te perturba?”
“Conserva-me
contigo, Mestre. Unido a Ti. Eu jurei que vou ser bom, depois que Tu me falaste
tão docemente. Jurei tornar a ser o Judas daqueles primeiros dias, quando eu te
seguia e te amava como um esposo ama a sua esposa, e não desejava nada mais do
que a Ti, e encontrava em Ti todo o meu prazer. Eu te amava assim, Jesus...”
“Eu o sei... e te amei por isso... mas
te amo ainda, ó meu pobre amigo ferido...”
“Como
sabes que estou assim? Por que meio o sabes?”
Silencio.
Jesus olha para o Judas com um olhar muito afetuoso... Parece que um pranto vem
chegando mais abundante e afetuoso e diminuindo-lhe o esplendor. É como o olhar
de um menino inocente e inerte, que em seu amor tudo dá.
Judas se
lhe joga aos pés, com o rosto sobre os joelhos e os braços apertados aos lados,
e diz, gemendo: “Segura-me contigo, Mestre... Segura-me. A minha carne está
urrando como um demônio... e, se eu ceder, daí vem todo o mal. Eu sei que Tu
sabes, mas que estás esperando que eu o diga... Mas é duro, Mestre dizer: “Eu
pequei.”
“Eu sei meu amigo. Por isso seria
necessário agir bem. Para não ter que humilhar-se depois, e dizer: “Eu pequei.”
Contudo, Judas, há nisso também um grande remédio. Tu que fazes esforço para
dizer a culpa, isso já pode conservar longe dela. E, se ela foi consumada, o
mal-estar produzido pela acusação já é uma penitência que redime. Portanto se
alguém sofre, não somente por seu orgulho e medo de castigo, mas porque sabe
que por sua falta fez sofrer, então, Eu te digo, sua culpa se cancela. É um
amor que salva.”
“Eu te
amo, Mestre. Mas sou muito fraco. Oh! Tu não me podes amar! Tu és puro e amas
os puros... Não me podes amar, porque eu sou... eu sou... Oh! Jesus, tira-me a
fome da sensualidade. Sabes Tu que demônio ela é?”
“Eu o sei. Não lhe dei ouvidos, mas sei
que vozes tem.”
“Estás
vendo? Estás vendo? Tens asco que, só ao dizer isso, o teu rosto se
desfigura... Oh! Não me podes perdoar!”
“Judas. E não te lembras de Maria? Não
te lembras de Mateus? Nem daquele publicano que ficou leproso? Nem daquela
mulher, a meretriz romana, cuja sorte no Céu Eu profetizei, porque, depois do
meu perdão, ela terá força para uma vida santa?”
“Mestre...
Mestre... Oh! Que mal eu tenho no coração! Nesta tarde eu fugi... fugi de
Corozaim... porque se eu ficasse lá... se eu ficasse... estaria perdido. Tu
sabes... é como alguém que bebe, e fica doente. O médico lhe tira o vinho e
toda bebida inebriante, e ele fica curado, enquanto não torna a sentir aquele
sabor... Mas, se ele ceder, ainda que só uma vez... já não resiste mais, e
bebe, e torna a beber... e fica doente... doente para sempre... louco...
possesso... possuído por aquele seu demônio... por aquele seu demônio. Oh!
Jesus! Não digas isso aos outros... Não o digas... Eu tenho vergonha de todos.”
“Mas não de mim.”
Judas
entende mal.
“É
verdade! Perdão! Eu deveria ter mais vergonha de Ti do que de qualquer outro,
porque tu és perfeito.”
“Não, meu filho. Eu não queria dizer
isso. A tua dor, a tua angústia, o teu aviltamento não te sirvam de véu. Eu
disse que podes ter vergonha de todos, mas não de mim. Um filho não tem medo e
vergonha de um pai bom, nem um doente de um médico de boa fama. E, tanto a um
como ao outro vai fazer sua confissão sem temor, a um porque o ama e perdoa, a
ao outro porque o compreende e cura. Eu te amo e te compreendo. Por isso Eu te
perdoo e curo. Mas, dizei-me uma coisa, Judas. Quem te põe nas mãos do teu
demônio? Serei Eu? Ou os teus irmãos? As mulheres do vício? Não. É a tua
vontade. Agora Eu te perdoo e curo... Que alegria me deste, ó meu Judas! Eu já
estava tão alegre com esta noite serena, perfumada, cheia de cantos, e por tudo
isso louvava o Senhor. Mas agora a alegria que tu me dás supera até a este
luar, a destes perfumes e desta paz, destes cantos. Estás ouvindo? O rouxinol
parece que se une a mim para dizer-te que estás feliz pela tua boa vontade.
Logo ele, o pequenino pássaro canoro, tão cheio de boa vontade em fazer aquilo
para o que foi criado. E até esta aragem da manhã, que vai passando pelas
flores, e despertando-as, fazendo cair no fundo do cálice um diamante de
orvalho para que o encontrem, daqui a pouco a borboleta e o raio de sol, a fim
de que ela encontre nele o alimento, e ele um pequenino espelho para o seu
majestoso fulgor. Olha, a lua já está desaparecendo no acaso. A aurora já se
está anunciando nesse canto do galo, lá ao longe. As trevas da noite e os
fantasmas da noite já se estão esvanecendo. Vê como passou veloz e docemente o
tempo que, se não tivesses vindo a mim, teria passado entre o desgosto e o
remorso? Vem sempre a mim, quando estiveres com medo de ti mesmo. O próprio eu!
Grande amigo, mas grande tentador e grande juiz, Judas! E, não o estás vendo?
Enquanto ele é amigo sincero e fiel, se tiveres sido bom, sabe ser amigo, não
sincero se não és bom e, depois de ter sido teu cúmplice, se eleva até ser teu
juiz inexorável, e te tortura com suas censuras. E ele é terrível em censurar.
Eu não. Pois bem. Vamos. A noite passou...”
“Mestre,
eu não te deixei descansar... e logo hoje, quando terás que falar tanto...”
“Eu descansei com a alegria que me
deste. Não há descanso melhor do que o de poder dizer: “Hoje salvei alguém que
estava perecendo.” Vem, vem... Desçamos para Corozaim! Oh! Se esta cidade
soubesse imitar-te, Judas!”
“Mestre,
que irás dizer aos meus companheiros?”
“Nada, se não me perguntarem... Se me
perguntarem, direi que falamos sobre as misericórdias de Deus... uma resposta
verdadeira, e tão sem limites, que até a mais longa das vidas não basta para
explicá-la... Vamos...”
E vão
descendo, altos os dois, mas bonitos de modos diferentes, igualmente jovens, um
do lado do outro, e desaparecem, atrás de um capão de mato.
Jesus
diz:
“É um episódio de misericórdia, como
aqueles de Madalena. Mas, se fizeres um livro, será melhor colocar
ordenadamente por época, antes que por categoria, limitando-vos a dizer acima
ou no final de cada episódio a qual categoria pertence.
Por que ilustro a figura de Judas?
Muitos o pediram. Respondo. A figura de Judas foi muito desvirtuada nos
séculos. E ultimamente corrompida totalmente. Em certas escolas, se tem feito
quase a apoteose como o artífice segundo e indispensável da redenção.
Muitos depois, pensam que ele foi pego
de improviso, feroz assalto do Tentador. Não. Cada queda tem premissas de
tempo. Quanto mais a queda é grave, maior é a preparação. Os fatos anteriores
explicam o fato. Não se precipita e não se sobe de improviso. Nem no bem. Nem
no mal. Há coeficientes longos e insidiosos para as descidas, e pacientes e
santos para as subidas. E o desventurado drama de Judas pode dar-vos tantos
ensinamentos para salvar-vos, e conhecer o método de Deus e as misericórdias
para salvar e perdoar aqueles que descem em direção ao Abismo. Não se chega ao
delírio satânico no qual viste debater-se Judas depois do Delito, se não se
está totalmente corrompido pelo hálito do Inferno, aspirado por anos com
vontade.
Quando alguém realiza um delito, mas
levado a este de um improviso acontecimento que o tira da razão, sofre mas sabe
expiar, porque também das partes sãs do coração há veneno infernal.
Ao mundo que nega Satanás, porque tem
tanto em si que não o percebe, aspirou e tornou-se parte do eu. Eu mostro quem
é Satanás, eterno e imutável no método usado para fazer de vós as suas vítimas.
Basta agora. Tu, permanece com a minha paz.”
Pg. 288 a
292
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469 –
DESPEDIDA DOS POUCOS FIÉIS DE COROZAIM
Ainda não
chegou a aurora, quando Jesus se encontra com os onze, que têm no meio deles o
pequeno carpinteiro José, o qual parte como uma flecha, logo que vê Jesus e se
agarra aos joelhos dele, com aquela simplicidade de quem é ainda uma criança.
Jesus se inclina para beijá-lo na fronte e depois, segurando-o pela mão, vai
para onde está Pedro com os outros.
“A paz esteja convosco. Eu não esperava
encontrar-vos aqui.”
“O menino
despertou, quando ainda era noite, e quis vir, porque ficou com medo de chegar
atrasado”, explica Pedro.
“A mãe
estará aqui daqui a pouco, com os outros filhos. Ela te quer saudar”,
acrescenta Judas de Alfeu.
“E também
a mulher que era encolhida, a filha de Isaque, a mãe de Elias, e outros que tu
curaste. Eles nos hospedaram...”
“E os outros?”
“Senhor...”
“Corozaim continua conservando o seu
espírito duro. Eu compreendo. Não importa. A boa semente está lançada, e um dia
germinará... pelo merecimento destes...”, e olha
para o menino.
“Será
discípulo e saberá converter?”
“Discípulo ele já é, não é mesmo José?”
“Sim, mas
não sei falar, e, por ser o que sou, não me darão ouvidos.”
“Não importa. Tu falarás com a tua
bondade.”
Jesus
toma entre as suas longas mãos o rostinho do menino, e lhe fala, estando um
pouco inclinado sobre o rostinho virado para cima.
“Eu já me vou, José. Sê bom. Sê
trabalhador. Perdoa a quem não vos ama. Sê reconhecido a quem te faz
benefícios. Pensa sempre assim: que em quem te faz bem, Deus está presente e,
por isso recebe com respeito todo benefício, sem pretendê-lo, sem ficar
dizendo: “Vou viver sempre à toa, porque há quem pense em mim”, e, sem estragar
o socorro recebido. Trabalha, porque o trabalho é uma coisa santa, e tu menino,
és o único homem da família. Lembra-te de que ajudar à mãe é honrá-la.
Lembra-te de que dar um bom exemplo aos irmãozinhos e velar pela honra das
irmãs é um dever. Procura desejar ter o que é justo, e trabalha para possuí-lo,
mas não tenhas inveja do rico, nem tenhas desejo de riquezas, para poderes
gozar muito. Lembra-te do que o teu Mestre te ensinou, não somente a palavra de
Deus, mas também o amor ao trabalho, a humildade e o perdão. Sê sempre bom,
José, e tornaremos a ficar juntos um dia.”
“Mas, não
voltas mais? Para onde vais, Senhor?”
“Vou para onde a vontade do Pai do Céu
quer. A vontade dele sempre é mais forte do que a nossa, e mais querida por nós
do que a nossa, porque é sempre uma vontade perfeita. Tu também, na vida, não
ponhas a tua vontade na frente da vontade de Deus. Todos os obedientes se
reencontrarão no Céu, e será então, uma grande festa. Dá-me um beijo, menino.”
Um beijo!
Muitos beijos e lágrimas é o que o menino lhe dá, e assim pendurado ao pescoço
de Jesus, é como vem encontrá-lo a mãe que vem chegando, rodeada pela ninhada
dos filhos e por muito poucas pessoas: são sete ao todo, de Corozaim.
“Porque
está chorando o meu filho?”, pergunta a mulher, depois de ter saudado o Mestre.
“Porque todo adeus é doloroso. Mas,
mesmo se estivéssemos sempre separados, sempre estaremos unidos, se o vosso
coração continuar a me amar. Vós sabeis como e em que é que consiste o amor a mim.
Consiste em fazer o que vos ensinei, porque fazer, o que alguém ensinou
demonstra ter-lhe estima, e estima é sempre amor, por aquela pessoa. Fazei,
pois, aquilo que Eu vos ensinei pela palavra e pelo exemplo, e fazei aquilo que
vos ensinarão os meus discípulos, em meu Nome. Não choreis. O tempo é breve, e
logo estaremos reunidos e de um modo melhor. E também não choreis por egoísmo.
Pensai em quantos ainda estão esperando, em quantos deverão morrer, sem me
terem visto, em quantos deverão amar-me, sem me terem conhecido. Vós me tendes
tido mais de uma vez, e podeis ter facilitado a fé e a esperança pela caridade
que há entre nós. Eles, no entanto deverão ter uma fé grande, uma fé cega, para
poderem chegar a dizer: “Ele é verdadeiramente o Filho de Deus, o Salvador, e a
sua palavra é veraz.” Uma grande fé para poder ter a grande esperança da vida
eterna e da imediata posse de Deus, depois de uma vida de justiça. Deverão amar
a quem não conheceram, a quem não ouviram, a quem não viram operar prodígios.
Pois bem. Eles, somente se amarem assim é que terão a vida eterna. Vós,
bendizei ao Senhor, que vos beneficiou, dando-vos o conhecimento de mim.
Agora ide. Sede fiéis à Lei do Sinai e
à minha ordem nova de amar-vos todos como irmãos, porque no amor está Deus.
Amar até a quem vos odeia, porque Deus por primeiro vos deu o exemplo de amar
os homens que com o pecado mostraram seu ódio a Deus. Perdoai sempre, como Deus
perdoou os homens, mandando o seu Verbo Redentor para cancelar a Culpa, motivo
de rancor e separação. Adeus. Em vós esteja a minha paz. Lembrai-vos das minhas
ações, em vossos corações, para fortificá-los contra as palavras de quem quiser
persuadir-vos de que Eu não sou o vosso Salvador. Conservai a minha bênção,
para terdes força nas provações da vida futura.”
Jesus
estende as mãos dizendo a bênção de Moisés, sobre o pequeno rebanho, que está
prostrado a seus pés. Depois Ele se vira, e lá se vai...
Pg. 292 a
294
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470 – LIÇÕES A UMA SOGRA SOBRE OS
DEVERES DO MATRIMÔNIO
Outra vez
Jesus pára, a fim de escutar o que está dizendo uma velhinha que, sem saber
quem Ele é, conta-lhe os seus sofrimentos familiares, por causa de uma nora que
é birrenta e sem respeito. Mas mesmo tendo dó da velhinha, Jesus a exorta a ter
paciência e, com bondade a persuade a ser boa: “Tu deves ser mãe, ainda que
ela não seja tua filha. Sê cinsera: se, em vez de ser nora ela fosse tua filha,
os defeitos dela ainda te pareceriam tão graves?”
A
velhinha pensa e depois confessa: “Não. Mas uma filha é sempre uma filha.”
“E, se tua filha te dissesse que na
casa do esposo a mãe dele a maltrata, que dirias tu?”
“Que ela
é má. Porque devia ensinar os costumes de casa, cada casa tem os seus, com
bondade, especialmente se a esposa é jovem. Eu diria que ela deveria lembrar-se
de quando era esposa ainda nova, e de como sentia amor para com sua sogra, e
tinha tido a grande graça de achá-la boa, e como tinha sofrido, e como teria
sofrido se tivesse tido uma sogra má. E não fazer sofrer o que ela sofreu, não
fazer sofrer, porque já sabe o que é sofrer. Oh! Eu defenderia a minha filha!”
“Quantos anos tem a sua nora?”
“Dezoito,
Rabi. Casou-se com Jacó há três anos.”
“É muito jovem. É fiel ao marido?”
“Oh! Sim.
Em casa sempre é toda amor para com ele, ao pequeno Levi e à pequena Ana, como
a mim. A pequenina nasceu pela Páscoa e é muito bonita.”
“Oh! Quem foi que quis que ela se
chamasse Ana?”
“Ora,
Maria! Levi era o nome do sogro, e quem o pôs no primogênito foi Jacó. E Maria
quando teve o menino, disse: “Nesta vou pôr o nome da mãe.”
“E isso não te parece amor e respeito?”
A velha
fica pensando... Jesus insiste: “Ela, que é honesta, caseira, amorosa
como esposa e mãe, ela preocupada em dar-te uma alegria. Podia pôr na filha o
nome de sua mãe, mas ela pôs o teu, ela honra a tua casa com o seu modo de
proceder.”
“Oh! Isto
sim. Não é como aquela miserável da Jesabel.”
“E, então? Por que te lamentas, e vives
te queixando dela? Não achas que estás usando duas medidas ao julgares a tua
nora de modo diferente de como julgarias a tua filha?”
“É que. É
que... ela me tomou o amor de meu filho. Antes ele era todo para mim, e agora
ele a ama mais do que a mim...” A eterna e verdadeira razão do preconceito das
sogras, que finalmente transborda do coração da velhinha, ao mesmo tempo que
lhe descem lágrimas dos olhos.
“O teu filho te deixa faltar alguma
coisa? Ele deixou de tratar-te bem, depois que se casou?
“Não.
Isso eu não posso dizer. Mas, afinal ele agora é da mulher...”, e o pranto se
torna mais forte.
Jesus tem
um sorriso indulgente de compaixão para com a velhinha ciumenta. Mas, doce como
sempre, não a reprova. Tem compaixão do sofrimento da mãe, e procura curá-la.
Apoia sua mão sobre o ombro da velhinha, como se quisesse guiá-la, pois as
lágrimas a estão cegando, talvez para fazê-la perceber, pelo contato com Ele,
um tão grande amor, que se sinta consolada e curada, e lhe diz:
“Mãe, e não é bom que seja assim? O teu
marido fez assim contigo, e a mãe dele não o perdeu, como tu dizes e pensas, mas
só o teve menos para ela, pois o teu esposo Levi dividia o seu amor entre ti e
a mãe dele. E o pai do teu marido, por sua vez, deixou de ser todo de sua mãe,
para amar a mãe de seus filhos. E assim por diante, de geração em geração,
retrocedendo nos séculos até Eva, a primeira mãe viu os seus filhos dividirem o
amor que tinham, a princípio exclusivamente com os genitores e depois também
com as suas esposas.
Mas, não diz o Gênesis: “Eis afinal, o
osso dos meus ossos e a carne da minha carne... O homem deixará por ela o seu
pai e sua mãe e se unirá a sua mulher, e os dois serão uma só carne?” Tu dirás:
“Foi uma palavra de homem.” É verdade. Mas, de que homem? Ele estava em estado
de inocência e graça. Repetia, portanto, sem sombras, a Sabedoria que o havia criado,
e conhecia a verdade do que dizia. Pela graça e pela inocência, possuía também
os outros dons de Deus, em medida plena. Com uma sensualidade submissa à razão,
ele tinha uma mente não ofuscada pelos vapores da concupiscência. Pela ciência
proporcionada ao seu estado, ele dizia palavras de verdade. Portanto ele era
profeta. Porque tu sabes que profeta quer dizer aquele que fala em nome de
outro. E visto que os profetas verdadeiros falam sempre de coisas referentes ao
espírito e ao futuro, ainda que aparentemente se refiram ao tempo presente e à
carne – porque nos pecados da carne e nos fatos do tempo presente estão as
sementes das punições futuras, ou, os fatos do futuro têm raízes em algum
acontecimento antigo, por exemplo, a vinda do Salvador aconteceu por causa da
culpa de Adão, e as punições de Israel preditas pelos profetas, têm como causa
o mau procedimento de Israel – assim Aquele que move os lábios deles para
dizerem coisas do espírito, não pode ser senão o Espírito Eterno, que tudo vê
como um eterno tempo presente. E o Espírito Eterno fala nos Santos, porque não
pode morar nos pecadores.
Adão era santo, isto é, a justiça era
plena nele, e nele havia a presença de todas as virtudes, porque Deus em sua
criatura havia infundido a plenitude dos seus dons. Agora, para chegar à
justiça e à posse das virtudes, o homem precisa trabalhar muito, porque os
estímulos para o mal estão nele, enquanto que em Adão não havia tais estímulos,
pelo contrário, havia a graça, que o tornava pouco inferior a Deus, seu Criador.
Por isso, seus lábios diziam palavras de graça. Palavras de verdade, como
estas: “O homem pela mulher deixará pai e mãe, e se unirá à sua esposa, e serão
uma só carne.”
E tão incondicional e verdadeiro é
isso, que o Boníssimo, para dar um apoio às mães e aos pais, colocou na Lei o
quarto mandamento: “Honrar pai e mãe.” Esse mandamento não termina, quando o
homem se casa, mas perdura depois do casamento. Primeiro porque instintivamente
os bons já honravam seus pais, mesmo depois que eles os deixaram para formarem
uma nova família. De Moisés para cá, é uma obrigação imposta pela Lei. E isso é
para abrandar os sofrimentos dos pais, que muitas vezes ficavam esquecidos
pelos filhos, depois do casamento destes. Mas a Lei não anulou o dito profético
de Adão: “Pela mulher, o homem deixará pai e mãe”. Era uma palavra justa e por
isso persiste. Ela era o reflexo do pensamento de Deus. E o pensamento de Deus
é imutável, porque é perfeito.
Tu, mãe, deves pois, aceitar sem
egoísmos, o amor do teu filho pela mulher dele. E tu, serás também santa.
Afinal de contas, cada sacrifício já tem uma compensação, desde esta terra. Não
te é doce beijar os netos, filhos do teu filho? E não te será plácida a tarde,
em teu último sono, tendo perto de ti o delicado amor de uma filha, que está
ocupando o lugar das outras que não estão mais em tua casa?”
“Como
sabes que as minhas filhas, todas mais velhas do que o filho homem, estão todas
casadas e longe de casa? Serás Tu também um profeta? Rabi, eu sei que és. Isto
é o que estão dizendo os flocos de tua veste e, mesmo que não os tivestes, a
tua palavra o está dizendo. Tu falas como grande doutor. Por acaso serás amigo
do Gamaliel? Anteontem ele esteve aqui sozinho. Mas, eu não sei, não... E
muitos rabinos estavam com ele. E muitos dos seus discípulos prediletos. Mas Tu
talvez venhas à tarde.”
“Eu conheço o Gamaliel. Mas não vou à
casa dele. Nem mesmo vou entrar em Gíscala...”
“Mas,
quem és? Certamente um Rabi. Pois falas melhor do que o Gamaliel...”
“Então, faze o que Eu te disse. E a paz
estará contigo. Adeus, mãe. Eu vou para a frente. Tu certamente vais entrar na
cidade.”
“Sim...
Mãe! Os outros rabis não são assim humildes, ao tratarem com uma pobre
mulher... Certamente Aquela que te trouxe é mais santa do que Judite, se te deu
este coração tão doce para com todas as criaturas.”
“Santa ela é, na verdade.”
“Dize-me
o nome dela.”
“Maria.”
“E o
teu?”
“Jesus.”
Pg.
298-300
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471 – ENCONTRO COM O LEVITA JOSÉ,
CHAMADO BARNABÉ E LIÇÕES SOBRE DEUS AMOR
O
primeiro que o alcança é o Filipe, que, olhando para o mesmo lado para onde
Jesus está olhando, lhe diz: “Que bonita é esta vista! E Tu a estás
admirando...”
“Sim. Mas Eu não estava olhando somente
para a beleza dela.”
“E para
que mais, então? Talvez estivesses pensando em quando Israel foi grande, como
aqueles lugares para lá do Líbano e do Oriente, que, durante séculos, nos têm
afligido, e ainda nos afligem, porque lá é que está o coração do poder que nos
oprime com o seu Legado? Tremenda é de fato a profecia sobre um deles feita por
um e mais profetas: “Esmagarei o assírio na minha terra, e pisarei nele sobre
minhas montanhas. Está é a mão estendida sobre as nações... E quem poderá
detê-la? Eis. Damasco deixará de existir e dela só sobrará um montão de pedras
como uma ruína... Isto é o que tocará aqueles que nos saquearam.” Assim fala
Isaias! E Jeremias diz: “Porei fogo sobre os muros de Damasco, e esse fogo
devorará os muros de Benadab.” E isso acontecerá quando o Rei de Israel, o
Prometido, receber o seu cetro, e Deus tiver perdoado o seu povo, ao dar-lhe o
Rei Messias... E isto é o que diz Ezequiel “Vós, montanhas de Israel, estendei
os vossos ramos, levai os vossos frutos para o meu povo de Israel, porque ele
está para voltar... A vós Eu conduzirei de novo o meu povo e ele te possuirá
como uma posse hereditária... Não deixarei mais que se ouçam contra ti os
ultrajes das nações...” E os salmos cantarão com Etan Esraíta: “Encontrei o meu
servo Davi e o ungi com o meu óleo santo... A minha mão o assistirá. O inimigo
nada poderá contra ele... Em meu nome ele crescerá em poder... Estenderá sua
mão sobre o mar, e sobre os rios a sua destra... E Eu o farei meu primogênito e
o soberano entre os reis da terra”. E Salomão assim canta: “Durará tanto,
quanto o sol e a lua... Dominando de um ao outro mar, e do rio até às
extremidades da Terra. Adorá-lo-ão todos os reis da terra, todos os povos lhe
estarão sujeitos. Tu és o Messias, porque em Ti estão todos os sinais do
espírito e da carne, todos, os sinais dados pelos profetas. Aleluia a Ti, Filho
de Davi, Rei Messias, Rei Santo!”
Aleluia!
Gritam em coro, os outros, que já se reuniram com Jesus e Filipe, e ouviram as
palavras deste último. E o aleluia repercute, fazendo ecos de uma garganta até
outra...
Jesus,
muito triste, os fica olhando. E, em resposta lhes diz:
“Mas, não vos lembrais daquilo que diz
Davi sobre o Cristo, e o que de Cristo diz Isaias... Tomais o doce mel, o
inebriante vinho dos profetas, mas não pensais que para ser Rei dos reis, o
Filho do Homem deverá beber o fel e o vinagre e vestir-se com a púrpura do seu
Sangue. E o vosso erro em não compreenderdes é por causa do amor. Eu gostaria
que em vós houvesse um outro amor. Mas, por enquanto, não podereis tê-lo.
Séculos de pecado estão contra os homens, a impedir sobre eles a Luz. Mas a Luz
derrubará as muralhas, e entrará em vós. Vamos.”
Voltam a
vereda, que haviam deixado, para subirem para ao afastado altiplano, e vão
descendo, apressados, para o vale. Os Apóstolos falam uns com os outros em voz
baixa. Depois, Filipe corre para a frente, chega até perto do Mestre, e lhe
pergunta: “Eu te desagradei, Senhor? Eu não queria... Estás com raiva de mim?”
“Não, Filipe. Mas Eu gostaria que, pelo
menos vós, compreendêsseis.”
“Estavas
olhando para lá com tanto interesse.”
“Porque Eu estava pensando em quantos
lugares ainda não me tiveram presente. E não me terão... porque o meu tempo
vai-se acabando. Como é breve o tempo do homem! E como é lento o homem para
agir! Como o espírito sente suas limitações da Terra! Pai, seja feita a sua
vontade!”
“Mas
todas as regiões das velhas tribos Tu as percorreste. Mestre meu. Pelo menos
uma vez Tu as santificaste, e por isso se pode dizer que tiveste em tua mão as
doze tribos.”
“Isto é verdade. Portanto, vós fareis o
que o tempo não me permitiu fazer.”
“Tu, que
fazes parar os raios, e que fiquem calmos os mares, não poderias fazer que o
tempo andasse mais devagar?”
“Eu poderia, mas o Pai no Céu, o Filho
na Terra e o Amor no Céu e na Terra ardem pelo desejo de realizar o Perdão”, e Jesus mergulha numa meditação profunda, que Filipe
respeita, deixando-o sozinho, e indo reunir-se com os companheiros, aos quais
conta o seu diálogo.
“Os
homens são perfeitos em seus espíritos?”
“Não.
Porque Adão pecou, e nós temos aquela culpa em nós. E ela nos torna fracos. O
homem perdeu a Graça do Senhor, a única força pela qual podíamos
regular-nos...”
“E
o Senhor sabe disso?”
“Ele sabe
tudo.”
“E então tu achas que Ele não tem
misericórdia, levando em conta as coisas que enfraquecem o homem? Achas tu,
então, que Ele vai exigir dos pecadores o que Ele podia exigir do primeiro
Adão? Nisto é que está a diferença, que vós não levais em conta. Deus é
Justiça, sim. É poder, sim. Pode ser até rigor para com o impenitente, que
continua em seu pecado. Mas, quando Ele vê que um dos seus meninos, todos são
meninos nesta terra, pois a vida aqui é apenas uma hora da eternidade para o
espírito, o qual se torna adulto pelo exame espiritual de sua maioridade, no
Juízo Particular, quando Ele vê que um dos seus meninos falta, porque está
descuidado, porque é lerdo em saber discernir, porque é pouco instruído, porque
é fraco em alguma coisa ou em muitas coisas, pensas tu que o Pai Santíssimo o
possa julgar com um rigor inexorável? Tu o disseste. O homem perdeu a Graça, a
força para reagir à tentação e aos apetites. Tu o disseste. E Deus sabe disso.
E não é preciso ficar tremendo por medo de Deus, nem evitá-lo, como fez Adão
depois da culpa. O que é preciso é recordar-se de que Ele é Amor. O seu rosto
resplende sobre os homens, mas não para reduzi-los a cinzas, mas, sim, para
confortá-los, como o sol nos conforta com seus raios. O Amor, e não o rigor, é
o que é irradiado por Deus. São raios de sol, e não uma chuva de flechas
fulminantes. E, afinal... que é que por Si mesmo o Amor impôs? Terá sido alguma
carga insuportável? Será algum código com uma finalidade de capítulos, que
facilmente se esquecem? Não. Mas somente os dez Mandamentos. Por que se há de
levar o homem como um animal freado, um poldro que, se não estiver freado vai
para sua própria ruína? Mas, quando o homem estiver salvo, quando lhe for dada
de novo a Graça, quando chegar o Reino de Deus, isto é, o Reino do Amor, aos
filhos de Deus e aos súbditos do Rei será dada somente uma ordem, e nela estará
tudo: “Ama ao teu Deus com tudo o que és e tens, e ao teu próximo como a ti
mesmo!” Por que tu crês, ó homem, que Deus-Amor não pode tornar mais leve o
jugo, e até torná-lo suave, e que o amor tornará fácil o serviço de Deus não
mais temido, mas amado? Amado somente, amado por Si mesmo e amado em nossos
irmãos. Como será simples a última Lei. Assim como Deus é perfeito em sua
simplicidade.
Escuta: ama a Deus com tudo o que és e
que tens, ama o teu próximo como a ti mesmo. Medita nisto. Aqueles pesados
seiscentos e treze preceitos, e todas as orações já não está tudo contado
nestas duas frases, livrando-vos das cavilações inúteis, que não são religião,
mas escravidão diante de Deus? Se amas a Deus, certamente tu o honras em todas
as horas. Se amas ao próximo, certamente não lhe fazes nada que lhe cause
sofrimento. Tu não mentes, não roubas, não matas nem feres, não és adúltero.
Não é assim?”
“Assim é,
Mestre justo, eu quereria ficar contigo, mas o Gamaliel já perdeu para Ti seus
melhores discípulos... Eu...”
“Não é ainda a hora para vires a Mim.
Quando ela chegar, o teu próprio mestre te dirá, porque ele é um justo.”
“Ele o é
de verdade? Tu o dizes?”
“Eu o digo, porque é verdade. Eu não
sou como alguém que abate para subir, depois sobre o abatido. Eu reconheço a
cada um o que é seu... Mas, eis que nos estão chamando... Certamente encontraram
alojamento para nós. Vamos.”
Pg. 302,
309
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472 – O PEDIDO INSIDIOSO DE UM JUÍZO
SOBRE UM FATO ACONTECIDO EM GÍSCALA
Diz
Jesus:
“Vós pensáveis talvez que, se me
fizésseis perguntas, Eu estivesse contra a Lei. E foi para isso que me viestes
procurar. Ide dizer a vós mesmos e a quem vos mandou que Eu vim aperfeiçoar a
Lei, e nunca para me manifestar contra ela. Dizei a vós mesmos e aos outros que
aquele que prega o Reino de Deus certamente não pode ensinar que o Reino de
Deus, haveria horror, e que por isso não poderia ser bem recebido. Dizei também
a vós e aos outros que se lembrem do Deuteronômio: “O Senhor teu Deus
suscitará, do meio de tua nação e dos teus irmãos, um profeta. Escuta-o.” Assim
foi que tu pediste ao Senhor teu Deus lá no monte Horeb, quando disseste: “Que
eu não ouça mais a voz do Senhor meu Deus, e não veja mais este fogo tão
grande, e não morra.” E o Senhor me disse: “Eles falaram bem, e Eu suscitarei
para eles, do meio de seus irmãos, um profeta semelhante a ti, e porei as
minhas palavras em sua boca, e ele dirá tudo o que Eu lhe tiver ordenado. E, se
alguém não quiser ouvir as palavras que Ele vai dizer em meu Nome, Eu me
vingarei disso.”
Deus nos mandou o seu Verbo, para que
Ele falasse, sem que sua voz vos matasse. Tudo estava já dito por Deus ao
homem, por mais que o homem já não merecesse mais ouvir a palavra de Deus.
Assim foi que eles fizeram, tanto com a Lei de Deus, como com os profetas. Mas
muito ainda havia de ser dito, e contudo Deus o reservou para ser dito pelo seu
Profeta, quando chegasse o tempo da Graça, por Aquele que foi prometido ao seu
povo, no meio do qual está a palavra de Deus, e no qual se realizará o perdão.
Como fundador do Reino de Deus, Ele codificará a Lei com seus novos preceitos
de amor, porque o tempo do amor chegou. E não pedirá vingança ao Altíssimo para
quem não o escutar, mas somente que o fogo de Deus derreta o granito dos
corações, e a Palavra de Deus possa penetrar neles e fundar entre eles o Reino,
que é o Reino do espírito, assim como o Rei desse Reino será um Rei espiritual.
A todo aquele que amar o Filho do Homem, o Filho do Homem lhe dará o Caminho, a
Verdade e a Vida, a fim de ir para Deus, para conhecê-lo e alcançar a Vida
Eterna. A todo aquele que aceitar a minha palavra, abrir-se-ão fontes de luz,
pelas quais conhecerão o sentido escondido nas palavras da Lei e verão que as
proibições não são ameaças, mas convites de Deus, que quer ver os homens
felizes, e não condenados, abençoados e não amaldiçoados.
Uma vez mais, de uma coisa já decidida,
do modo como a santidade não a teria decidido, vós fizestes um tribunal
inquisidor para me apanhardes em pecado. Mas Eu sei que não estou pecando. E
não tenho medo de dizer que o meu pensamento é este: o homem homicida pecou,
primeiro com a desonra, e depois com a morte, por ter feito do ganho a meta de
sua vida. A mulher pagou com a morte o seu pecado, e isto vos causará espanto,
mas assim é, e a sua confissão, com a intenção de levar o marido a ter piedade
do inocente, diminuiu o seu castigo, aos olhos de Deus. Os outros, tu e tu, e
quem fugiu sem ter piedade nem do filho dele, sois mais culpados do que os dois
primeiros. Estais murmurando? Vós não expiastes com a morte, e em vós não havia
os atenuantes do marido traído, nem existem os atenuantes de ter sido deixada a
mulher e da confissão que ela fez. E todos vós pecastes, todos, menos a nutriz
do inocente. Aquilo de rejeitar o inocente como um mal vergonhoso. Vós
soubestes matar o homicida. Teríeis
sabido matar também os adúlteros. Tudo o que é uma justiça severa, vós o
soubestes fazer, e o teríeis sabido fazer. Mas ninguém soube, nem sabe abrir os
braços para acolher o inocente, mas vós não sois responsáveis completamente.
Vós não sabeis... Nunca sabeis, o que deveria ser feito... E nisso estão os
vossos atenuantes.
Quando este discípulo de Gamaliel veio
a mim, disse-me: “Querem interrogar-te sobre um fato do qual ficaram várias
consequências.” As consequências são o inocente. E então? Agora, que sabeis
qual o meu pensamento, ireis mudar o vosso nos pontos em que ele pode ainda ser
mudado? A este homem Eu disse. “Eu não julgo. Eu perdoo” e Gamaliel disse: “Só
Jesus de Nazaré julgaria com justiça neste caso.” Eu, como já disse a este
homem, teria aconselhado a todos, Eu disse todos, que esperem para condenar somente
depois de um atento exame, e depois que as paixões estiverem acalmadas. Muitas
coisas podiam ser mudadas, sem ofensas à Lei. O que aconteceu, já aconteceu. E
Deus perdoe a quem se arrependeu, ou ainda vai-se arrepender do que fez. Não há
mais nada a dizer, ou melhor, tenho ainda uma coisa. Deus vos perdoa mais uma
vez por haverdes tentado o Filho do Homem.”
Pg. 316,
317
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473 – CURA DE UM MENINO CEGO DE SIDON E
UMA LIÇÃO PARA AS FAMÍLIAS
A mulher
segura pela mão o menino, ou menina de que eu falei. É um belo menino de uns
sete anos. Ele também é robusto, mas sem nenhuma vivacidade. Está muito quieto,
de cabeça inclinada, seguro pela mão da mãe, sem preocupar-se com nada do que
acontece.
A mulher
fica olhando, mas não tem coragem de aproximar-se do grupo que formou ao redor
de Jesus. Ela parece estar indecisa, numa dúvida entre o desejo de ir e o medo
de ir para a frente. Mas depois ela decide a fazer uma coisa para consegui-lo:
chamar a atenção de Jesus. Ela vê que Ele pegou em seus braços um meninão todo
rosado e sorridente, que uma mãe lhe apresentou, e que Ele, falando a um
velhinho, o aperta ao coração, fazendo um movimento como o que faz com um
berço. Ela se inclina sobre o menino, e lhe diz qualquer coisa.
O menino
levanta a cabeça. É então, que eu vejo um rostinho triste, com os olhos
fechados. Ele é cego. “Tem piedade de mim, Jesus “, diz ele. A vozinha infantil
atravessa o ar parado da praça e, com seu lamento, chega até ao grupo.
Jesus se
volta e vê. Move-se sem demora. Com uma solicitude amorosa. Nem entrega o
pequenino, que está em seus braços, à mãe. Vai, com a beleza de sua estatura,
para o rumo do pobre ceguinho que, depois de ter dado aquele grito, baixou a
cabeça, e não atende à mãe que lhe está dizendo que repita o grito. Jesus já
está à frente da mulher. E olha para ela. Eça também para Ele. Depois,
timidamente, ela abaixa o olhar. Jesus a ajuda. Ele entrega o menino que estava
em seus braços à mulher que lho havia apresentado.
“Mulher, este é teu filho?”
“Sim,
Mestre, é o meu primogênito.”
Jesus faz
carícias à cabecinha inclinada. Jesus parece não ter visto a cegueira do
pequeno. Mas eu penso que Ele age assim de propósito, a fim de fazer que a mãe
fale qual o seu pedido.
“Então, o Altíssimo abençoou a tua casa
com uma prole numerosa, dando-te em primeiro lugar o filho do sexo masculino,
consagrado ao Senhor.”
“Eu tenho
um só filho do sexo masculino. As outras três são meninas. E não terei outros
filhos...” E soluça.
“Por que choras mulher?”
“Porque o
meu menino é cego, Mestre.”
“E tu quererias que ele visse? Podes
crer?
“Eu
creio, Mestre. Já me disseram que Tu já abriste olhos que estavam fechados. Mas
o meu filho nasceu com os olhos secos. Olha os olhos dele, Jesus. Debaixo das
pálpebras, não há nada...”
Jesus
levanta para o seu lado aquele rostinho tão precocemente sério, e olha para
ele, levantando as pálpebras com o polegar. Há um vazio por baixo. Jesus torna
a falar, conservando levantado com uma mão o rostinho virado para Si.
“Então para que vieste, mulher?”
“Para
que... eu sei que é mais difícil para o meu menino... mas, se é verdade que Tu
és o Esperado, Tu o podes fazer. O teu Pai foi quem fez os mundos... E, não
poderias Tu dar duas pupilas ao meu filho?”
“Crês tu que Eu venho do Pai, do Senhor
Altíssimo?”
“Eu creio
isso, e que tudo podes.”
Jesus
olha para ela, como para avaliar quanta fé há nela e que grau de pureza tem sua
fé. Depois mostra um sorriso. E, em seguida diz: “Menino vem a mim”, e o leva pela mão para cima de uma mureta com meio metro de
altura, que foi levantada entre a estrada e uma casa, uma espécie de parapeito,
para separar a casa da estrada que neste ponto faz uma curva.
Quando o
menino está bem firme sobre aquela elevação, Jesus fica sério, impressionante.
O grupo de pessoas se comprime ao redor dele, do menino e da mãe, que está
tremendo. Eu estou vendo Jesus de lado, de perfil. Todo empertigado em seu
manto azul muito escuro sobre a veste que é somente um pouco mais clara, está
com um semblante inspirado. Ele parece mais alto e até mais robusto, como
sempre, quando Ele libera um poder miraculoso. E esta é uma das vezes em que
Ele me parece mais majestoso. Põe as mãos sobre a cabeça do menino, as mãos abertas,
mas com os dois polegares apoiados sobre as órbitas vazias. Levanta a cabeça e
reza intensamente, mas sem mover os lábios. Certamente está em colóquio com seu
Pai. Depois diz: “Vê! Eu quero! E louva o Senhor! Seja premiada a sua fé. Eis
aqui para ti o filho que será a tua honra e a tua paz. Mostra-o ao teu marido.
Ele voltará ao teu amor, e a tua casa conhecerá novos dias felizes.”
A mulher,
que já deu um grito muito alto de alegria, ao ver, depois de estarem levantados
os polegares divinos que, das órbitas vazias dois esplêndidos olhos de um azul
escuro, como os do Mestre, a estão fitando, espantados mas felizes por baixo da
franja dos cabelos cor de amora, dá um outro grito e, mesmo segurando o filho
apertado contra o coração, se ajoelha aos pés do Senhor, dizendo: “Até isto Tu
sabes? Tu és verdadeiramente o Filho de Deus”, e beija a veste e as sandálias
dele, depois se levanta, transfigurada de alegria, e diz: “Ouvi todos. Eu venho
das longínquas terras de Sidon, Vim porque uma outra mãe me falou do Rabi de
Nazaré. Meu marido, judeu e mercador, tem naquela cidade os seus empórios, para
o comércio com Roma. Rico e fiel à Lei, não me amou mais, desde quando eu,
depois de ter-lhe dado um filho-homem infeliz, dei-lhe depois três fêmeas,
tornando-me depois estéril. Ele se afastou de casa, e eu, sem chegar a ser
repudiada, fiquei nas mesmas condições de uma repudiada, e já sabia que ele
queria desfazer-se de mim, para ter de outra mulher um herdeiro capaz de
continuar o comércio e gozar das riquezas paternas. Antes de partir, eu fui ao
meu esposo, e lhe disse: “Espera, senhor. Se eu voltar com o filho ainda cego,
repudia-me. Mas, se não for assim, não firas de morte o meu coração, negando um
pai aos teus filhos.” E ele me jurou: “Pela glória do Senhor, mulher eu te juro
que, se me trouxeres o filho são, não sei como poderás fazer isso, pois o teu
ventre não soube nem dar-lhe olhos, eu voltarei a ti, como nos dias do primeiro
amor. O Mestre não podia saber nada de minha dor de esposa, e, contudo me
consolou também neste ponto. Glória a Ti, Mestre e Rei.” A mulher cai novamente
de joelhos, e chora de alegria.
“Vai. Dize ao Daniel, teu marido, que
Aquele que criou os mundos deu duas pupilas claras ao pequeno consagrado ao
Senhor. Porque Deus é fiel ás suas promessas e jurou que quem crê nele verá
toda espécie de prodígios. Que Ele também seja fiel ao juramento que fez, e não
cometa pecado de adultério. Dize isto ao Daniel. Vai. Sê feliz. Eu te abençoo e
a este menino e contigo aos que te são caros.”
A
multidão forma um coro de louvores e de felicitações, e Jesus entra em uma casa
vizinha para repousar. A visão cessa aqui. E eu lhes garanto que ela me deixou
profundamente chocada.
Diz
Jesus:
“Deus, para aqueles que têm fé nele,
atende sempre bem aos pedidos de seus filhos e lhes dá mais do que eles
pediram. Acredita nisto, e credes todos assim. Aquela mulher, que de Sidon
tinha ido a Mim, com duas espadas fincadas no segredo do seu coração, e, como
ter que revelar certas desventuras íntimas é mais penoso do que dizer “Estou
doente”, ela só teve coragem de dizer-me uma das suas desventuras, Eu faço para
ela um segundo milagre.
Aos olhos do mundo, terá parecido e
parecerá, ainda que seja muito mais fácil restabelecer a concórdia entre dois
esposos por um motivo que já cessou de existir, e felizmente assim foi, do que
não das as pupilas a dois olhos que nasceram sem pupilas. Não é assim? Fazer
duas pupilas para o Senhor e Criador é uma coisa muito simples, assim como o é
restabelecer em um cadáver o sopro da vida. O Senhor da vida e da morte
certamente mão sente falta de duas gotas de humor para pingar em um olho seco.
Basta-lhe querer, que Ele pode. Porque isso depende somente do poder dele. Mas,
quando se trata da concórdia entre os homens, é necessária a “vontade” dos
homens, unida ao desejo de Deus. Deus, a não ser raramente, não trata com
violência a liberdade humana. Por via de regra, Ele vos deixa livres para
agirdes como quiserdes.
Aquela mulher, vivendo em uma terra de
idólatras, mas conservando como o seu esposo, a fé no Deus de seus pais, já
merece a benignidade de Deus. E, fazendo caso das dúvidas e negações da maioria
dos crentes judeus, e o provam estas suas palavras ao seu esposo: “Aguarda a
minha volta”, pois ela estava certa de que voltaria com o seu filho curado:
assim mereceu um duplo milagre. E mereceu ainda o difícil milagre de abrir os
olhos do espírito do seu consorte, olhos para os quais a luz se tinha apagado,
e não podiam ver o amor e a dor de sua esposa, e atribuíam a ela a culpa de uma
coisa que culpa não é.
Eu quero também, e isto sirva para as
esposas, que se reflita sobre a humildade respeitosa desta irmã delas. “Eu fui
ao meu esposo, e lhe disse: “Espera, senhor”.
Ela estava com a razão, porque pôr a
culpa em uma mãe por um defeito de nascimento é uma estultice e uma crueldade.
O coração dela está ferido, só ao ver seu infeliz filho. De dois modos ela está
com a razão, porque, mesmo tendo sido deixada pelo marido por ter-se tornado
estéril, e conhecendo a intenção dele de divorciar-se, contudo ela continua
sendo sua “mulher”, isto é, companheira fiel e submissa, como é da vontade de
Deus e ensinado na Escritura. Nada de rebelião nem sede de vingança ou intenção
de achar outro homem, para não ser a “mulher sozinha”.
“Se eu não voltar com o filho curado,
repudia-me. Mas, se eu voltar, não fiques ferindo de morte o meu coração e não
negues um pai aos teus filhos.” Não está até parecendo ouvirmos falar Sara e as
antigas mulheres hebréias? Como é diferente, ó mulheres, a vossa linguagem de agora!
Mas também como é diferente o que obtendes de Deus e do esposo. E as famílias
vão-se destruindo sempre mais.
Como sempre, ao realizar o milagre,
tive que dar um sinal que o tornasse ainda mais incontestável. Eu devia
persuadir um grande número de pessoas, fechadas atrás de barreiras de uma
antiga maneira de pensar, e guiadas por uma flecha que era minha inimiga. E eis
que chegou a necessidade de fazer brilhar com toda a claridade o meu poder
sobrenatural. Mas o ensinamento da visão não é este. Ele está na fé, na
humildade, na fidelidade ao cônjuge, na humildade na tomada do caminho certo, ó
mulheres e mães que tendes encontrado espinhos, onde esperáveis encontrar
rosas, e para verdes nascerem sobre os acúleos que vos picam, novos ramos
floridos.
Voltai-vos para o Senhor vosso Deus,
que instituiu o matrimônio, para que o homem e a mulher não ficassem sozinhos,
mas se amassem, formando uma só carne, inseparáveis, tendo sido unidos por Ele,
que vos deu o Sacramento, a fim de que sobre as núpcias descesse a sua bênção
e, pelos meus merecimentos, tivésseis tudo o que vos é necessário em vossa vida
de cônjuges e procriadores. E, a fim de voltar-vos para Ele, com um rosto de
disposições firmes, sede honestas, boas, respeitosas, fiéis, verdadeiras
companheiras de vosso esposo, não umas simples hóspedes da casa. Ou pior ainda,
umas estranhas, que um acaso fez que estejam reunidos debaixo de um telhado, e
outro acaso fez que se encontrem em algum albergue de peregrinos.
Muitas vezes isso está acontecendo
agora. O homem cai em falta? Mas isso não justifica a maneira de agir de muitas
mulheres. E ainda menos a justifica, quando a um bom companheiro, vós não
sabeis retribuir bem com bem e amor com amor. Eu não quero nem ver o que
infelizmente é tão comum, o caso de vossas infidelidades carnais, que não vos
tornam diferentes das meretrizes, com o agravante de praticar o vício
hipocritamente e o de sujar o altar da família, ao redor do qual estão as almas
angelicais dos vossos inocentes. Mas Eu falo da vossa infidelidade moral, sendo
infiéis ao pacto de amor, jurado diante do meu altar.
Pois bem. Eu disse: “Aquele que olha
para uma mulher, para desejá-la, já cometeu adultério em seu coração”. Eu
disse: “Aquele que manda embora a mulher com o libelo de repúdio, a expõe ao
adultério”. Mas agora, agora que muitíssimas mulheres são umas estranhas para o
marido, Eu digo: “Essas não amam com sua alma, sua mente e seu coração ao seu
companheiro, o empurram para o adultério, e, se a esse homem Eu perguntar a
causa do seu pecado, não o farei menos com aquela que não o comete, mas que o
faz existir.”
A Lei de Deus, é necessário
compreendê-la em toda a sua extensão e profundidade, é preciso saber vivê-la em
sua plena verdade. Fica com a minha paz, tu a quem este assunto não interessa,
e conserva o teu coração fixo em Mim.”
Pg.
319-325
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474 –
UMA VISÃO QUE SE PERDE NUM ÊXTASE DE AMOR
Como muitas vezes fazem, enquanto vão
caminhando, talvez para quebrar com esta distração, a monotonia do muito
caminhar, os apóstolos falam um com os outros, lembrando e contando o último
acontecimento, fazendo ao Mestre perguntas que ele quase sempre responde em
poucas palavras, só para não ser descortês, reservando as forças que ainda tem
somente para quando tem que falar ensinando o povo e seus apóstolos, corrigindo
ideias erradas ou confortando os infelizes.
Jesus era a “Palavra”, mas certamente
não era um “palavrório”. Paciente e gentil como nenhum outro, sem mostrar nunca
que estivesse aborrecido por ter que repetir um conceito uma, duas, dez, cem
vezes, a fim de fazer que ele penetrasse nas cabeças encouraçadas pelos
preceitos dos fariseus e dos rabinos, sem cuidar do seu cansaço, que as vezes
chegava a ser tão grande, que passava a ser um sofrimento, contanto que
aliviasse os sofrimentos morais ou físicos de alguma criatura. Mas é evidente
que ele precisa calar-se, separar-se dos outros em silêncio meditativo, capaz
de durar horas se ele não for perturbado por alguém que lhe faça alguma
pergunta. Geralmente e sempre um pouco na frente de seus apóstolos, ele vai com
a cabeça um pouco inclinada, levantando-a de vez em quando, a fim de olhar para
o Céu, para o campo ou para as pessoas e para os animais. Para olhar eu disse,
mas falei mal. Devo dizer: para Amar. Porque é um sorriso, sorriso de Deus, o
que sai daquelas pupilas e se derrama em carícias sobre o mundo e as criaturas,
um sorriso amor. Porque é o amor que transluz, que se expande, que abençoa, que
purifica a luz do seu olhar, sempre intenso, mas muito mais intenso quando ele
sai dos seus recolhimentos.
Mas, que serão os seus recolhimentos?
Eu penso, e tenho certeza de não estar errada, porque basta observar a
expressão do seu rosto para ver o que eles são, eu penso que são muito mais do
que nossos êxtases, durante os quais uma criatura já esta vivendo no Céu. Eles
são a união sensível de Deus com Deus. Sempre presente e unida á Divindade ao
Cristo, que é Deus como o Pai. Na Terra como no Céu, o Pai esta no Filho e o
Filho esta no Pai, e eles se amam, e amando-se geram a terceira pessoa. O poder
do Pai e a geração do Filho e o ato de gerar e de ser gerado cria o fogo, isto
é o Espírito do Espírito de Deus. O poder se volta para a sabedoria, que ele
gerou, e esta se volta para o Poder, na alegria de ser um pelo outro e de se
conhecerem pelo que são. E, visto que todo conhecimento bom e recíproco cria
amor, assim também são nossos conhecimentos ainda que imperfeitos, eis ai o
Espírito Santo. Eis aquele que se fosse possível introduzir uma perfeição nas
perfeições Divinas, dever-se-ia chamar a Perfeição da Perfeição. O Espírito
Santo! É ele que, só ao pensarmos nele, já nos enche de luz, de alegria de
paz...
Nos êxtases do Cristo, quando o incompreensível
mistério da Unidade e da Trindade de Deus se renovava no Santíssimo Coração de
Jesus, como uma completa, perfeita, incandescente, santificante, gozosa,
pacífica produção de amor devia gerar-se e produzir-se como o calor de uma
fornalha ardente, como o incenso em um turíbulo aceso, para beijar com o beijo
de Deus as coisas criadas pelo Pai, feitas por meio do Filho Verbo, feitas pelo
amor, só pelo amor, porque todas as operações de Deus são amor. E isto e o
olhar do homem Deus, quando, como homem e como Deus, levanta os olhos que
contemplaram em si mesmo o Pai. A si mesmo e ao amor, olhando o Universo,
admirando como homem o poder criador de Deus, admirando-se de poder salvá-lo
nas criaturas reais dessa criação, que são os homens, e de fazer isso como
Deus.
Oh! Não se pode, ninguém poderá nem um
poeta, nem um artista, nem um pintor, tornar visível para as multidões aquele
olhar de Jesus, que sai do abraço, da união sensível com a Divindade, unida
hipostaticamente sempre ao homem, mas nem sempre tão profundamente sensível ao
homem que era Redentor, e que por isso as suas muitas dores, aos seus muitos
aniquilamentos devia acrescentar ainda este, grandíssimo, de não poder mais
estar sempre no Pai, no grande vértice do amor, como quando estava no Céu, onipotente,
livre, gozoso. Esplêndido o poder do seu olhar na hora do milagre, dulcíssima a
expressão do seu olhar de homem, tristíssima a luz de dor na hora da dor. Mas
são olhares ainda humanos, e contudo de uma expressão perfeita. Este, este é o
olhar de Deus que se contemplou e se amou na Triniforme Unidade, que não pode
ter comparação, nem há adjetivo para isso.
E a alma prostra-se, adorando, tornada
um “nada” no conhecimento de Deus, tornada bem-aventurada no contemplar o seu
infinito amor. As torrentes de delícia se derramam em minha alma...Eu sou bem
aventurada! Toda dor, cada recordação se anula sob as ondas de amor de Jesus
Deus... e essas ondas me elevam ao Céu, ao Céu, a Ti...
Obrigada, meu adorável amor! Obrigada!
Agora te sirvo ainda...A criatura foi tornada mulher, foi tornada “portadora”
depois de ter sido por um instante “Serafim”. Torna mulher, criatura-mártir,
talvez um outro tormento já lhe está as costas... Mas no meu espírito brilha a
luz que tu me deste, a beatífica luz de ter-te contemplado, nem torrentes de
lágrimas, nem torturas cruéis poderão arrancá-la. Obrigada, meu bendito! Tu
somente me amas!
Compreendo Paulo como jamais antes!
“Quem poderá separar-me do amor de Cristo? De todas essas coisas somos
vencedores em virtude daqueles que nos amou...Eu estou seguro que nem a morte,
nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as virtudes, nem as coisas
presentes, nem as futuras, nem a potência, nem a altitude, nem a profundidade,
nem qualquer outra coisa poderá separar-nos do amor de Deus que esta em Cristo
Jesus Nosso Senhor.” É o canto vitorioso, jubiloso, que jorra das fileiras dos
vitoriosos, dos amantes, dos salvos pelo amor, porque esta é a santidade, a
salvação tida porque fomos amados sobre a Terra, o percebe e canta a sua alegria,
a sua confiança, a sua certeza...E luz, ainda mais luz vem, e as palavras
luminosas do Apóstolo se iluminam ainda mais, ainda mais.” o amor de Deus que
está em Cristo Jesus, Senhor nosso”.
Eis agora compreendo as palavras de
Azarias, deste inverno: “Jesus é o compêndio do amor dos três”. Eis! Todo o
amor está nele. Nós podemos encontrar este amor de Deus, nós homens, sem
esperar o retorno de Deus, sem esperar o Céu, amando Jesus. Eis! Para quem crê
se abrem dentro das fontes de água viva, fontes de luz, fontes de amor, porque
quem crê vai a Jesus, porque quem crê que Jesus está na Eucaristia com o seu
corpo, sangue, alma Divindade, como estava na Terra, como está no Céu, com o
coração, com o seu coração! E no coração de Jesus está o amor de Deus. E quando
o homem recebe o Corpo Santíssimo de Jesus acolhe em si o coração de Jesus. Tem
por isso em si não só Jesus, mas tem o amor de Deus, ou seja, tem Deus Pai,
Filho e Espírito Santo, porque o amor de Deus é a Santíssima Trindade, que é
uma única coisa: O Amor. O amor que se reparte em três chamas para fazer-nos
triplicemente felizes. Felizes por ter um Pai, um irmão, um Amigo. Felizes por
ter quem providencia, quem orienta, quem ama. Felizes por ter Deus!
Oh! Não posso mais! Senhor muito grande
é o teu dom! Quem o obtêm de mim dos
Céus? És tu, beatíssima Mãe, contemplada no teu fulgor de Rainha Assunta aos
Céus? És tu, amoroso de Cristo, João de Betsaida, meu amigo? És tu, amável
patriarca protetor dos perseguidos, solicito provedor de conforto, José veneradíssimo?
És tu minha grande irmãzinha, Tereza do Menino Jesus, que me obténs aquilo que
desde os meus vinte e um anos peço: que transbordem na minha alma as ondas do
amor? Oh! És tu, realiza a obra. Obtém-me de morrer não em um desses assaltos
de amor. Sou eu ainda uma pequena alma e não desejo coisas extraordinárias. Mas
de morrer depois de um destes assaltos de amor, quando sou tornada “pequena
alma, pequeníssima”, feita ainda mais pequena pelo conhecimento daquele que é o
infinito amor, depois de um desses assaltos, porque depois estou como que
rebatizada pelo amor e não restam sombras de manchas em mim. O amor arde... Ó,
és tu, Azarias, bom amigo que por todas as lágrimas que recolheste de maus
cílios e levaste ao Céu, me obtiveste esta hora de bem-aventurança? Se és tu,
que sejas bendito!
Porém a ti, Teresa, a José, a João e
Maria Santíssima, eu não peço que este êxtase retorne ainda, a encher-me de
jubilo e de fogo. Mas vos peço, vos suplico, que vá a outros corações, e
especialmente aqueles que vós sabeis, aqueles corações que torturam o meu, e
desagradam a Deus, que não sabem sentir e não sabem obedecer. Se aqueles
corações tiverem ainda que um instante só desses assaltos de amor, se
converterão ao amor, ao verdadeiro amor. Amarão. Com tudo de si. Com o intelecto
sobretudo, do qual cairão as muralhas do racionalismo, da ciência humana, que
negam e que obstaculizam a fé simples e boa e colocam confins ao poder de Deus.
E com o coração onde se fundirão, como cera ao fogo, as crostas do egoísmo, da
inveja, do ódio...
Fazei-o meus caríssimos. Eu aceito de
não colocar mais os lábios sobre o cálice restaurador do amor, aceito de beber
sempre, até o retorno de Deus, o cálice amargo de todas as renúncias, mas que
esses tornem sobre caminho luminoso, que esses se santifiquem em cada ação
deles, para merecer o olhar de Jesus-Deus, assim como me foi concedido de gozar
hoje. Merecê-lo aqui, possuí-lo para sempre no Céu, assim como, esperando no
meu Senhor, confio possuí-lo eu também.
... Digo a Jesus: “Senhor, ontem Tu me
envolveste e tudo se apagou em ti, A visão...” Sorri com doce e divina alegria
e responde acariciando-me: “Cantaste ao invés de contar, cantaste. Todo o Paraíso
cantava ontem as glórias de minha Mãe, e tu cantaste junto no Paraíso, e o
Paraíso ouviu num certo momento o teu solo. Sabes quando? Quando tu pediste
para não gozar, mas que “aqueles” sejam invadidos pelo amor para serem salvos.
O Céu amante escutou a ti, porque renunciar à beatitude para que outros tenham
a vida é concedido somente a quem está sobre a Terra sendo já cidadão do Céu.
Os Santos, pelo seu canto, recordaram-se de quando eram cantores sobre a Terra.
Os anjos ouviram olhando com fraterna complacência o teu Azarias. Maria sorriu
oferecendo o teu canto de amor. E o amor! Oh! Minha Maria! E o amor te
beijou...e te beija ainda. Permanece no gáudio. Tu compreendeste o amor. Eu
estou em ti, e em mim está Deus Uno e Trino, como compreendeste. Percorre os
caminhos da alegria sobrenatural hoje, em vez das estrelas da Palestina, ao
encontro do amor de Jesus... Maria, não és feliz de estar nas condições em que
estavam os meus no último ano de minha vida? É um dom também isto, e uma luz
para compreender-me. Sem uma experiência própria, e proporcionada, a criatura
não poderia compreender o que foi a minha longa Paixão. Mas hoje, como ontem,
percorre os caminhos da alegria celeste. Deus está contigo. Permanece em paz.”
Pg. 325 - 329
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476 – LIÇÕES SOBRE A CURA DAS ALMAS E O
PERDÃO AOS DOIS PECADORES QUE SE TORNARAM LEPROSOS
Diz
Jesus:
“As obras de misericórdia corporais
aplainam o caminho para as espirituais, as quais o tornam tão liso e plano, que
a entrada de Deus em um homem, preparado desse modo para o encontro divino,
acontece até sem que o indivíduo o fique sabendo. Ele encontra a Deus em si, e
nem sabe por onde Ele terá entrado. Por onde? Ás vezes, acompanhando um
sorriso, uma palavra de piedade, ou um pão, que faz a abertura da porta de um
coração fechado para a graça, e assim é que começa o caminho de Deus para
entrar naquele coração.
As almas! Elas são coisas da maior
variedade que possa existir. Nelas não há nada de material, e são tantas as
coisas materiais sobre esta terra, e tão variadas em suas aparências, assim
como as almas o são em suas tendências e reações.
Estais vendo este robusto terebinto?
Ele está no meio de um grande parque de terebintos, todos parecidos com ele em
sua espécie. Quantos são? Centenas e centenas, talvez mil, talvez até mais.
Eles cobrem este lado áspero do monte, dominando com o odor áspero e saudável
de suas resinas, todos os outros odores do vale e do monte. Mas, olhai bem. São
mil, ou mais e não há nem um só, pela grossura, a altura, a robustez, a inclinação,
a posição, que seja igual a outro, se observarmos bem. Um está reto como uma
lâmina, outro inclinado para o norte ou para o sul, para o oriente ou para o
ocidente. Um nasceu em terra firme, outro sobre a beira de um barranco, que nem
se sabe como possa sustentá-lo, nem como possa manter-se assim suspenso no ar,
como se estivesse fazendo uma ponte com outro que vem de lá, outro sobre uma
torrente, que agora está seca, mas que no tempo de chuva é uma cachoeira. Uns
são contorcidos, como se algum malvado os tivesse comprimido, quando eram umas
plantinhas tenras, outros são sem defeitos. Uns são revestidos de folhas, quase
desde o chão, outros são escabelados, e têm apenas uma moitinha de folhas, lá
no alto. Uns têm ramos só do lado direito. Outros bem cobertos de folhas em
baixo e queimados lá em cima por algum raio. Um está quase morto, e ainda
sobrevive em um único e obstinado galho, um galhinho, uma folha, -- que é que
eu estou dizendo: uma folha, no meio dos milhares de folhas que ele tem? – que
seja semelhante a outra. A princípio parece que o sejam. Mas não são. Olhai
este galho. O mais debaixo de todos. Observai nele a ponta, somente a ponta do
galho. Quantas folhas haverá naquela ponta? Talvez umas duzentas agulhinhas
verdes e leves. Estais vendo bem? Haverá aí alguma semelhante a outra em cor,
robustez, frescor, flexibilidade, postura e idade? Não há.
Assim são as almas tantas quantas
forem, tantas serão suas diversidades e tendências e reações. E não será bom
mestre e médico das almas quem não as souber conhecer e trabalhar, de acordo
com suas diversas tendências e reações. Não é um trabalho fácil, meus amigos. É
necessário um estudo contínuo, o hábito de meditar, que ilumina mais do que
qualquer outra leitura sobre textos limitados. O livro que um mestre e um
médico de almas deve estudar são as próprias almas. Tantas são as folhas do
livro, quantas são as almas, e em cada folha muitos sentimentos e paixões
passadas, presentes e em embrião.
Por isso é um estudo contínuo, atento,
meditativo, uma paciência constante, tolerância, fortaleza em saber fazer os
curativos das feridas mais purulentas, para saneá-las, sem mostrar repugnância,
pois esta entristece o doente, e sem uma falsa piedade, que, para não
desgostá-lo ao descobrir a podridão, e não limpá-la, por medo de fazer sofrer a
parte podre, deixa assim que o mal se vê agravando, e corrompendo todo o resto
do corpo. É preciso prudência, enquanto se faz o curativo, para não se agravar
o caso, se se tratar com modos rudes demais as feridas dos corações e para não
se ficar infectado por elas, ao quererem bancar os experientes, que não têm
medo de infectar-se ao tratarem com os pecadores.
E todas estas virtudes, necessárias ao
mestre e ao médico das almas que, onde encontram a sua luz para ver e compreender,
a sua paciência, talvez heroica, para perseverarem, recebendo só frieza, e
algumas vezes até ofensas, e a fortaleza para medicarem com sabedoria, com
prudência a fim de não danificarem ao doente nem a si mesmos?
No amor. Sempre no amor. Ele dá luz a tudo,
dá sabedoria, fortaleza e prudência. Ele nos preserva das curiosidades, que são
o caminho que leva a querer assumir as culpas que foram curadas. Quando alguém
é todo amor, não pode entrar nele nenhum desejo nem outra ciência, que não seja
a do amor.
Estais vendo? Dizem os médicos que,
quando alguém está para morrer de uma doença, dificilmente torna a adoecer
dela, porque o sangue dele já a teve e a venceu. Este conceito não é
completamente certo, mas também não é totalmente errado. Mas o amor, que é saúde
e não doença, faz isso que dizem os médicos, e o faz com todas as más paixões.
Quem ama firmemente a Deus e aos irmãos nada faz que desagrade a Deus e aos
irmãos, e por isso se aproxima dos doentes do espírito e, ao tomar conhecimento
de coisas que o amor tinha até então ocultado, não se corrompe por elas, pois
fica fiel ao amor, e o pecado não penetra nele. Que quereis que seja a
sensualidade, para alguém que venceu a sensualidade com a caridade? Que é que
são as riquezas para quem no amor de Deus e das almas encontra todo o seu
tesouro?
Que poder tem a gula, a avareza, que é
que pode a incredulidade, a preguiça ou a soberba contra quem só deseja a Deus,
e se entrega a si mesmo ao serviço de Deus, contra quem, em sua fé encontra
todo o seu bem, contra quem se sente estimulado pela chama incansável da
caridade, e trabalha incansavelmente para agradar a Deus, por quem conhece a
Deus – pois amá-lo é conhecê-lo – e não pode mais encher-se de soberba, porque
ele se vê quem é em comparação com Deus?
Um dia vós sereis sacerdotes da minha
Igreja. Portanto, sereis os médicos e mestres dos espíritos. Lembrai-vos destas
minhas palavras. Não será o nome que tereis e as vestes que usareis, nem as
funções que exercereis que vos farão ser sacerdotes, isto é, ministros de
Cristo, médicos e mestres das almas, mas será o amor que possuirdes o que vos
tornará tais. Ele vos dará tudo o que é necessário para o terdes, e as almas,
todas diferentes umas das outras, chegarão a ter uma única semelhança, a
semelhança com o Pai, se vós as souberdes trabalhar com amor.”
Pg.337-340
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477 – COLÓQUIO COM A MÃE NO BOSQUE DE
MATATIAS. OS SOFRIMENTOS MORAIS DE JESUS E DE MARIA
E,
enquanto Jesus come, ela vai tirando do saco as vestes que preparou para os
meses do inverno, mais pesados, quentes, prontas para proteger contra o frio e
a chuva, e as mostra a Jesus, que lhe diz: “Quanto trabalho, minha Mãe! Eu ainda
tinha aquelas do inverno passado.”
“Os
homens, quando estão longe de suas mulheres, devem receber tudo de novo, para
não terem necessidade de consertar nada, a fim de poderem estar com tudo
direito. Mas eu não estraguei nada. Este meu manto é o teu, mais curto e
tingido de novo. Para mim ele ainda está bom. Mas para ti ele não servia mais.
Tu és Jesus.”
Dizer o
que esta frase significa é impossível: “Tu és Jesus.” É uma frase simples. Mas
todo o amor da Mãe, da discípula, da hebréia antiga para com o Messias
Prometido, e mais ainda da hebréia deste tempo bendito, que já possui Jesus,
tudo isso está naquelas poucas palavras. Se a Mãe se tivesse prostrado,
adorando o seu Filho como Deus, não teria usado mais do que de uma forma ainda
limitada, como forma de sua veneração. Mas nestas palavras há mais do que uma
adoração formal, de joelhos que se dobram, de uma coluna que se curva, de uma
fronte que toca no chão, pois aqui está todo o ser de Maria, a sua carne, o seu
sangue, a sua mente, o seu coração, o seu espírito, o seu amor, que adora
totalmente, perfeitamente o Deus-Homem.
Eu nunca
vi uma coisa mais grandiosa, mais singular do que estas adorações de Maria ao
Verbo de Deus, que é o seu Filho, mas que ela sempre se lembra de que é o seu
Deus. Nenhuma daquelas criaturas, que foram curadas ou convertidas por Jesus eu
vejo virem adorar o seu Salvador, nem mesmo as mais amorosas, nem aquelas que,
sem o perceberem estão sendo teatrais, sob o ímpeto do amor, nenhuma delas pode
amar totalmente, mas sempre como umas criaturas às quais sempre falta alguma
coisa para serem perfeitas. Maria ama mais do que uma criatura. Oh! É de fato a
filha de Deus imune da culpa! Por isso é que pode amar assim! E fico pensando
no que é que o homem perdeu com o Pecado original... E fico pensando no que foi
que Satanás nos roubou, ao fazer cair os nossos progenitores. Ele nos tirou
essa capacidade de amar bem.
E,
enquanto estou considerando estas coisas, olhando para a dupla perfeita, Jesus,
tendo acabado de comer, deslizou de onde estava, indo assentar-se sobre a
grama, aos pés de Maria, pondo sua cabeça sobre os joelhos dela, como faz um
menino cansado e triste, que vai refugiar-se junto a única que o pode animar. E
Maria o acaricia, passando a mão por sobre seus cabelos, e tocando de leve a
fronte do seu Jesus. Parece que ela quer afugentar todos os cansaços e todos os
sofrimentos que estão naquele seu Filho, com as suas carícias. Jesus fecha os
olhos e Maria para de fazer aquelas carícias, ficando com a mão posta sobre os
cabelos, olhando para sua frente, pensativa e imóvel. Ela talvez pense que
Jesus quer dormir. Ele está muito cansado.
Mas Jesus
abre os olhos, quase de repente, vê que a tarde vem chegando. Vê que não lhe é
concedido prolongar aquela hora de conforto, e, então, levanta a cabeça,
érmanecendo sentado onde está, e diz: “Tu sabes minha mãe. De onde estou
vindo?”
“Sim meu
Filho. Sim. Eu sei. Eu não me lamento de nada. Certamente eu gostaria de estar,
preferiria estar contigo, no meio da lama, exposto ao vento, ao relento,
perseguida, cansada, sem telhado e sem fogão, sem pão, como Tu tantas vezes.
Ainda em minha casa, enquanto Tu estás longe, e eu nem sei como estás na hora
em que penso em Ti. Tu comigo, e eu contigo, Tu sofrerias menos, e eu menos
sofreria. Porque Tu és meu Filho, e eu te poderia ter sempre em meus braços, e
defender-te do frio, da dureza das pedras e sobretudo da dureza dos corações,
com o meu amor, com o meu peito, com os meus braços. Tu és o meu Filho. Eu te
segurei bem sobre o coração lá na gruta, na viagem para o Egito, e na volta de
lá, sempre, quando as insídias da estação e dos homens podiam fazer-te mal.
Porque não poderia eu fazer o mesmo agora? Por acaso, não serei eu mais a tua
Mãe, porque agora Tu és homem? Então, não pode mais uma mãe ser tudo para o
filho, porque ele não é mais pequenino? Eu penso que, se eu estiver contigo,
não te poderão fazer mal. Não. Eu sou uma tola... Tu és o Redentor... e os
homens, eu já o tenho visto, não têm piedade nem mesmo da própria mãe deles...
Mas deixa-me ir para perto de Ti. Tudo é melhor para mim, do que estar longe de
Ti.”
“Se os homens fossem melhores, eu teria
voltado para Nazaré de novo. Mas também Nazaré... Não importa. Eles virão a
mim. Por enquanto, eu estou indo a outros... E não posso levar-te comigo. E não
voltarei aqui, senão quando eles souberem quem Eu sou. Agora Eu vou para a
Judéia. Subirei até o Templo... Depois ficarei por aquelas regiões. Percorrerei
uma vez mais a Samaria. Trabalharei onde há mais coisas a fazer. Por isso, ó
Mãe, Eu te aconselho a preparar-te para ir ao meu encontro no começo da
primavera e a estabelecer-te perto de Jerusalém. Nós nos veremos mais uma vez,
e nos veremos ainda...
Assim Eu espero. Mas, na maior parte do
tempo, ficarei na Judéia. Jerusalém é a ovelha mais necessitada de cuidados,
porque, em verdade, é mais teimosa do que um carneiro velho, e mais rixenta do
que um bode que ficou selvagem. Eu irei semear lá a Palavra, como um orvalho
que não se cansa de cair sobre sua aridez.”
Jesus se
põe em pé, fica parado, olha para sua Mãe, que o está fitando com atenção, Ele
abre a boca e depois sacode a cabeça dizendo: “Há ainda uma coisa a dizer, antes da
última coisa... Minha Mãe, se José quiser falar-me, que esteja lá pela aurora
de depois de amanhã, na estrada que de Nazaré, passando pelo Tabor, vai para
Jezrael. Eu lá estarei sozinho, ou com João.”
“Eu o
direi meu Filho.”
Há um
silêncio, um profundo silêncio, pois os passarinhos já pararam de brigar por
entre os ramos, e até o vento se calou, enquanto o crepúsculo vai-se
aproximando. Depois, Jesus que parece ter procurado com dificuldade as palavras
a dizer por últimas, diz: “Minha Mãe, a permanência acabou. Um beijo, minha Mãe. E a
tua bênção.”
E eles se
beijam e se abençoam um ao outro.
Em
seguida, Jesus, inclinando-se para pegar o véu de sua Mãe, e chamando João,
como que para tornar menos pesadas suas palavras, diz: “Quando
fores para a Judéia, leva-me a minha veste mais bonita. Aquela que me fizeste
para as festas solenes. Em Jerusalém devo ser Mestre, no sentido mais amplo e
até mais perceptível pelos homens, visto que aqueles espíritos, fechados e
hipócritas, olham mais para as exterioridades, mais para a veste do que para o
interior, que é a doutrina. E assim, até Judas de Keriot ficará contente... e
contente ficará José, que me verá de fato vestido com uma veste real. Oh! Será
um triunfo! E a veste feita por ti contribuirá...”, e sorri sacudindo a cabeça para abrandar um pouco a
verdade evidente que aquelas palavras encerram.
Mas Maria
não se engana. Ela põe-se de pé, e se apoia no braço de Jesus, exclamando: “Meu
Filho!”, e com uma angústia que me faz sofrer, Jesus a acolhe sobre o seu
coração, e ela chora sobre o coração dele.
“Minha Mãe, Eu quis falar-te nesta hora
de paz por isso... Eu te confio o meu segredo, e tudo o que Eu tenho de mais
querido aqui embaixo. Nenhum dos discípulos sabe que não voltaremos mais a
estes lugares, a não ser quando tudo se tiver cumprido. Mas tu... Para ti não
há segredos... Assim Eu te havia prometido. Minha Mãe. Não chores. Temos ainda
muitas horas para estarmos juntos. Por isso, Eu te digo: “Vem para a Judéia.” O
ter-te perto de mim, compensar-me-á por aquele trabalho da mais difícil das
evangelizações, feita àqueles duros de coração, que criam obstáculos à Palavra
de Deus. Vem com as discípulas da Galiléia. Vós me ajudareis muito. João
proverá no que diz respeito ao alojamento para ti e para elas. Agora antes que
ele volte, vamos rezar juntos. Depois, tu voltarás ao povoado, e Eu também irei
de noite...”
Os dois
estão rezando juntos, e estão dizendo as últimas palavras do Pai-Nosso, quando
aparece João que, a meia luz, ao chegar mais perto, vê e fica espantado pelos
sinais de choro sobre o rosto de Maria. Mas não fala nada sobre isso. Ele saúda
o Mestre, e lhe diz: “Estarei
lá pelo romper da aurora, na estrada, perto de Nazaré...”
“Vem minha Mãe. Por fora do bosque,
ainda está claro, e lá embaixo a estrada está alumiada de fato pelas lanternas,
que foram colocadas nos carros pelo caminho...”
Maria
beija de novo a Jesus, chorando por baixo do seu véu, e depois, ajudada por
João, que a segura pelo cotovelo, desce para o caminho, e logo se dirige para o
vale. Jesus fica sozinho, rezando, pensando e chorando. E Jesus continua a
chorar ao ver sua Mãe que vai descendo. Depois Ele volta para onde estava antes,
toma de novo a posição anterior, enquanto a sombra e o silêncio se vão tornando
cada vez mais completos ao redor dele.
Diz
Jesus:
“Também isto não esqueci, das dores de
Maria. Ter estraçalhado a ela com a espera do meu sofrimento, tê-la visto
chorar. É por isto que não lhe nego nada. Ela me deu tudo. Eu lhe dou tudo. Ela
sofreu toda a dor. Eu lhe dou toda a alegria.
Desejo que, quando pensas e, Maria,
medites esta sua agonia que durou trinta e três anos e culminou aos pés da
Cruz. Ela sofreu por vós. Por vós as derrisões da multidão que a julgava mãe de
um louco. Por vós as reprovações dos parentes e das pessoas importantes. Por
vós, a minha aparente indiferença: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que
fazem a vontade de Deus”. E quem mais do que ela fazia essa vontade, e uma
vontade tremenda, que lhe impunha a tortura de ver supliciar o Filho?
Por vós as fadigas de encontrar-me aqui
e ali. Por vós os sacrifícios, aquele de deixar a sua casinha e misturar-se às
multidões, aquele de deixar a sua pequena pátria pelo tumulto de Jerusalém. Por
vós o dever estar em contato com aquele que alimentava no coração a traição.
Por vós a dor de ouvir-me acusado de possessão diabólica, de heresia. Tudo, por
vós.
Vós não sabeis quanto amei minha Mãe.
Vós não refletis como o coração do Filho da Maria fosse sensível aos afetos. E
credes que minha tortura tenha sido puramente física, no máximo percebeis a
tortura espiritual do abandono final do Pai.
Não, filhos. Também as paixões do homem
Eu as provei. Sofri por ver minha Mãe sofrer por dever conduzi-la, como
cordeirinha mansa, ao suplício, de ter de estraçalhá-la com os sucessivos
adeus, em Nazaré na primeira evangelização, nisto que vos mostrei e que precede
a minha iminente Paixão, e naquilo quando já estava em andamento a traição de
Iscariodes, antes da Ceia, ou naquele atroz sobre o Calvário.
Sofri por ver-me escarnecido, odiado,
caluniado, procurado por curiosidade má, que não envolvia um bem mas antes um
mal. Sofri por todas as mentiras que fui obrigado a ouvir ou ver agindo em
minha frente. Aquelas dos fariseus hipócritas, que me chamavam mestre e me
faziam perguntas, não pela fé um minha inteligência, mas para me armar ciladas;
aquelas dos beneficiados por Mim, e que se voltaram aos acusadores no Sinédrio
e no Pretório; aquela premeditada, longa, sutil de Judas, que me vendeu e
continuou a fingir-se discípulo, que me indicou aos perseguidores com o sinal
do amor. Sofri pela mentira de Pedro, tomado de medo humano.
Quanta mentira, e tão revoltante para mim
que sou a Verdade! Quanta mentira, ainda agora, há em relação a mim! Dizeis
amar-me, mas não me amais. Tendes o meu Nome sobre os lábios, e no coração
adorais a Satanás e seguis uma lei contrária à minha.
Sofri pensando que diante do valor
infinito do meu Sacrifício, o Sacrifício de um Deus, tão poucos se salvariam.
Todos, digo: todos aqueles que nos séculos dos séculos da terra haveriam
preferido a morte do que a Vida Eterna, tornando vão o meu Sacrifício, Eu os
tive presentes. E com este conhecimento caminhei de encontro a morte.
Vê pequeno João, que o teu Jesus e a
Mãe sofreram agudamente no seu eu moral. E longamente. Paciência, então, se
deverás sofrer. “Nenhum discípulo é maior que o Mestre”, Eu o disse.
Pg. 348 e
356
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478 – EM COLÓQUIO COM JOSÉ E SIMÃO DE
ALFEU QUE VÃO À FESTA DOS TABERNÁCULOS
Diz
Jesus:
“Eu vos compreendo, e tenho pena de
vós. Não guardo rancor de vós. Também não sinto cansaço, nem tédio, pela vossa
cegueira... Vós não sabeis, mas Eu sei. Vós não sabeis. Vós só vedes o exterior
do rosto do mundo. Eu vejo a profundidade. O mundo vos mostra ainda um rosto
bom, e não vos odeia, não porque vos ame, mas porque não mereceis o seu ódio.
Vós sois muito pouca coisa. Mas ele me odeia, porque Eu sou um perigo para o
mundo. Um perigo por causa da falsidade, da cupidez, da violência que é o
mundo.
Eu sou a Luz, e a Luz ilumina. O mundo
não ama a luz, porque ela revela as más ações do mundo. O mundo não me ama, não
me pode amar, porque sabe que Eu vim para vencê-lo no coração dos homens e no
rei tenebroso, que o domina e extravia. O mundo não quer convencer-se de que Eu
sou o seu Médico e seu Remédio, e, como um louco, quereria abater-me, para não
ser curado. O mundo ainda não quer persuadir-se de que Eu sou o Mestre, porque
o que Eu digo é o contrário do que ele diz. E, então ele procura sufocar a Voz
que fala ao mundo para doutriná-lo sobre Deus, para mostrar-lhe a verdadeira
natureza das suas ações, que são más.
Entre Mim e o mundo há um abismo. E não
por minha culpa. Eu vim para dar ao mundo a Luz, o Caminho, a Verdade e a Vida.
Mas o mundo não me quer acolher e por isso minha luz se transforma em trevas,
porque ela será a causa da condenação daqueles que não me quiseram. No Cristo
está toda a Luz para aqueles, entre os homens que o querem acolher, mas também
estão no Cristo todas as trevas para aqueles que me odeiam e me repelem. Por
isso, no começo dos meus dias mortais, Eu fui profeticamente indicado como
“Sinal de contradição”. Porque, conforme o modo Eu fui recebido, haverá
salvação ou condenação, morte ou vida, luz ou trevas. Mas os que me acolhem, em
verdade em verdade Eu vos digo que se tornarão filhos da Luz, isto é, de Deus,
nascidos por terem acolhido a Deus, a Deus.
Portanto, se Eu vim para fazer dos
homens filhos de Deus, como é que Eu posso fazer de um rei, por amor ou por
ódio, por simplicidade ou por malícia, como muitos em Israel estais querendo
fazer? Não compreendeis que Eu estaria destruindo a Mim mesmo, isto é, ao
Messias, e não o Jesus de Maria e José de Nazaré. Eu destruiria o Rei dos reis,
o Redentor, o nascido de uma virgem chamado Emanuel, o chamado o Admirável, o
Conselheiro, o Forte, o Pai do século futuro, o Príncipe da Paz, Deus, Aquele
cujo império e cuja paz não terão limites, sentando-se Ele sobre o trono de
Davi, conforme a descendência humana, mas tendo o mundo por escabelo de seus
pés, e como escabelo de seus pés todos os seus inimigos, e o Pai a seu lado,
como está escrito no livro dos Salmos, por um direito sobre-humano de origem
divina? Não compreendeis que Deus não pode ser homem por outro motivo, mas pela
perfeição de sua bondade, para salvar o homem, e que Ele não pode, não deve
aviltar-se nas pobres coisas humanas? Não compreendeis que se Eu aceitasse a
coroa, este reino como vós o concebeis, Eu estaria confessando que sou um falso
Cristo, mentiria a Deus, renegaria a mim mesmo e ao Pai, e seria pior do que
Lúcifer, porque privaria a Deus da glória de ter-vos. Seria pior do que Caim
para convosco, porque vos condenaria a um perpétuo exílio, longe de Deus, em um
Limbo sem esperança do Paraíso.
Não entendeis nada disso? Não entendeis
a armadilha dos homens para fazer-me cair nela? Nem a armadilha de Satanás para
ferir o Eterno em seu Dileto e em suas criaturas, os homens? Não compreendeis
que este é o sinal de que Eu sou mais do que homem, que Eu sou o Homem-Deus?
Isto de Eu apetecer somente às coisas espirituais para dar-vos o Reino
espiritual de Deus? Não compreendeis que o sinal que Eu...não sou um rei, mas o
Rei, é esse ódio do inferno inteiro e de todo o mundo para comigo? Eu devo
ensinar, sofrer, salvar-vos. Isto devo. E isto Satanás não quer, e também não o
querem os satanases.”
Pg. 362 a
364
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483 – OS APÓSTOLOS DISCUTEM SOBRE O
ÓDIO DOS JUDEUS. OS DEZ LEPROSOS CURADOS NA SAMARIA
Os
apóstolos estão de tal modo preocupados pela ideia de o ódio dos inimigos não
ter ainda chegado a seu fim, que nem falam mais, de algum tempo para cá. Depois
Tomé se volta de novo para Zelotes dizendo: “E, então, se eles não estão
ébrios, nem são uns estultos, se o ódio deles explica tantas coisas, mas não
esta, que é que ele explica? Que é que são eles? Isto não disseste.”
“Que são?
São uns possessos. Aquilo que eles dizem dele, eles é que são. Isto é o que
explica o seu furor, que não conhece pausa, que pelo contrário, cresce sempre
mais, e mais se evidencia o seu poder. Falou bem aquele samaritano. Em Jesus,
Filho do Pai e de Maria, Homem e Deus, está a infinidade de Deus. E infinito é
o ódio, que separa, e essa infinidade perfeita se opõe, mesmo quando sem ser
sem limite, o ódio não é perfeito em suas ações. Mas, se o ódio pudesse chegar
ao abismo da perfeição, este é que desceria para poder tocar nele, para fazê-lo
saltar depois, pela sua própria veemência da sua queda no abismo do Inferno,
para o Cristo, a fim de feri-lo com todas as armas arrancadas do abismo infernal.
O
firmamento controlado por Deus, tem apenas um sol. Ele se levanta, emite seus
raios, e depois desaparece, deixando seu lugar para outro sol menor, que é a
lua, e esta, depois de ter emitido seus raios ao redor de si, some no acaso,
para dar lugar ao sol. Os astros ensinam muito aos homens, pois eles se
sujeitam aos desejos do Criador. Mas os homens, não. E um exemplo é este: esta
vontade de se opor ao Mestre. Que aconteceria se a lua, um dia pela manhã
dissesse: “Eu não quero desaparecer, e volto pelo caminho já feito.”?
Certamente pareceria ir chocar-se contra o sol, com grande horror e prejuízo
por parte de toda a natureza criada. É isso o que querem fazer os que querem
despedaçar o sol...”.
“É a luta
das trevas contra a Luz. Nós vemos esta luta cada dia nas auroras luminosas e
nas tardes que vão escurecendo. Essas duas forças que se contrastam, que tomam
cada um por sua vez, o domínio da terra. Contudo as trevas são sempre vencidas,
porque elas nunca são completas. Um pouco de luz sempre paira no ar, mesmo mas
noites mais privadas da luz dos astros. Parece que o ar, por si mesmo a crie
nos infinitos espaços do firmamento, e a difunda, ainda que seja muito pouca,
para persuadir os homens de que os astros não estão apagados. E eu digo que
igualmente nestas trevas particulares do Mal contra a Luz, que é Jesus sempre,
não obstante todo o esforço da trevas, a luz estará confortando os que creem
nela”, diz João, sorrindo por esse seu pensamento, e recolhido em si mesmo,
como se estivesse falando sozinho.
...“Jesus!
Rabi Jesus! Filho de Davi e Senhor nosso, tem piedade de nós.”
“São
leprosos! Vamos Mestre, senão o povoado virá correndo e nos deterá em suas
casas”, dizem os Apóstolos.
Mas os
leprosos levam a vantagem, de já estarem mais na frente do que eles, a certa
altura acima da estrada, a pouco menos de uns cento e cinquenta metros do
povoado, e descem, andando com dificuldade, e procurando correr até Jesus,
repetindo sempre aquele grito.
“Vamos
entrar no povoado, Mestre. Eles lá não podem entrar”, dizem alguns dos
Apóstolos, mas outros discordam: “Já as mulheres estão aparecendo nas janelas
para olhar. Se nós entrarmos, nos livraremos dos leprosos, mas não de sermos
conhecidos e detidos.”
E,
enquanto estão na incerteza do que fazer, os leprosos vão ficando sempre mais
perto de Jesus que, sem dar atenção aos “mas”, e aos seus Apóstolos, foi
continuando por sua estrada. E os Apóstolos se resignam a acompanhá-lo,
enquanto as mulheres, com os meninos agarrados às suas saias, e um ou outro
homem de idade, que ficou no povoado, aproximam-se para ver, ficando a uma
prudente distância dos leprosos, que vão parar a alguns metros de Jesus, e
continuam suplicando-lhe: “Jesus, tem piedade de nós.”
Jesus os
observa por um instante, depois, sem aproximar-se deste grupo de sofredores,
pergunta: “Sois
deste povoado.”
“Não,
Mestre. Somos de diferentes lugares. Mas aquele monte onde estamos, do outro
lado, está virado para a estrada, que vai para Jericó, e aquele lugar é bom
para nós.”
“Ide, então, ao lugarejo que fica perto
do vosso monte, e mostrai-vos aos sacerdotes.”
E Jesus
continua a caminhar, começando a andar pela beira da estrada, a fim de não
tocar nos leprosos, que o veem indo aproximando-se deles, sem terem mais do que
um olhar cheio de esperança em seus pobres olhos doentes. E Jesus, tendo
chegado à altura deles, levanta a mão para abençoá-los. As pessoas do povoado,
decepcionadas, voltam para suas casas. Os leprosos sobem de novo pelo monte, a
fim de se dirigirem para a gruta ou para a estrada que vai para Jericó.
“Fizeste
bem em não curá-los. Não teriam mais deixado que fôssemos para a frente os
habitantes do povoado.”
“Sim, e
seria preciso chegarmos a Efraim antes da noite.”
Jesus vai
caminhando e guardando silêncio. O povoado já vai desaparecendo de sua vista,
por causa das curvas da estrada, que é muito sinuosa, devido aos caprichos do
monte, no qual ela foi traçada.
Mas uma
voz chega até eles: “Louvor ao Deus Altíssimo e ao verdadeiro Messias. Nele
está todo o poder, sabedoria e piedade! Louvor ao Deus Altíssimo que nele nos
concedeu a paz. Louvai-o, homens todos dos povoados da Judéia e da Samaria, da
Galiléia e do Além-Jordão. Até as neves do altíssimo Hermon, até às ardentes
pedreiras da Iduméia, até às areias molhadas pelas ondas do Mar Grande, ressoem
os louvores ao Altíssimo e ao seu Cristo. Eis que está cumprida a profecia de
Balaão. A Estrela de Jacó brilha sobre o céu reintegrado da Pátria, de novo
unida pelo verdadeiro Pastor. Eis também cumpridas as promessas feitas aos
patriarcas. Eis a palavra de Elias, que nos amou. Ouvi-a, ó povos da Palestina,
e compreendei-a. Não se deve mais ficar claudicando, dos dois lados, mas
deve-se escolher, por meio da luz espiritual e, se a intenção for reta, então
se escolherá bem. Isto é o que o Senhor ensina. Segui-o! Ah! Como temos sido
castigados até agora, porque não nos esforçamos para compreender! O homem de
Deus amaldiçoou o falso altar, profetizando: “Eis que nascerá da Casa de Davi
um filho chamado Josué, o qual imolará o altar e queimará os ossos de Adão. E,
então, o altar se abrirá até as vísceras da Terra, e as cinzas da imolação se
espalharão para o norte e o sul, para o oriente e para o lado do ocaso do sol.”
Não queirais fazer como o estulto Ocosias, que mandava consultar o deus de
Acaron, enquanto o Altíssimo estava em Israel. Não queiras ser menos do que a
mula de Balaão, a qual, pela atenção prestada por ele ao espírito de luz, teria
merecido a vida, enquanto teria caído ferido o profeta, que não via. Eis a Luz
que passa pelo meio de nós. Abri os olhos, ó cegos de espírito, e vede”.
E um dos
leprosos os acompanha sempre mais de perto pela estrada mestra à qual já
chegaram, e está mostrando Jesus aos peregrinos.
Os
Apóstolos, depois de se terem enxugado, tornam a ir duas ou três vezes ao
leproso, que já está perfeitamente curado, intimando-o a calar-se. E quase que
até o ameaçam, na última vez. Mas, ele, deixando por um momento de ficar
levantando a voz, para falar a todos, responde: “E que quereis? Que eu não dê
glória a Deus pelas grandes coisas que Ele me fez? Quereis que eu não o
bendiga?”
“Bendize-o
em teu coração, e cala a boca!”, respondem-lhe eles com impaciência.
“Não, eu
não posso calar-me. Deus vai pondo as palavras em minha boca”, e recomeça a
dizer em voz alta: “Pessoas dos dois lugares da divisa, pessoas que estais
passando por acaso, parai aí para adorardes Aquele que reinará em nome do
Senhor. Eu me ria por estar dizendo tantas palavras. Mas agora eu as repito,
porque vejo que elas se cumpriram. Vede como estão em movimento todos ao povos
para virem jubilosos até o Senhor, pelos caminhos do mar e dos desertos, pelas
colinas e pelos montes. E também nós, um povo que tem vindo a caminhar pelo
meio das trevas, iremos para a grande Luz que surgiu para a vida, saindo da
região da morte. Lobos, leões e leopardos era o que nós éramos, mas nós
renascemos no Espírito do Senhor, e nos amaremos nele à sombra do Rebento de
Jessé, que se tornou um cedro, sob o qual acampam as nações reunidas por Ele
nos quatro pontos da terra. Eis que aí vem o dia no qual o ciúme de Efraim
terminará, porque não existe mais Israel e Judá, mas um Reino só: o do Cristo
do Senhor. Eis que eu canto os louvores do Senhor que me salvou e consolou. Eis
que eu digo: louvai-o, e vinde beber a salvação na fonte do Salvador. Hosana!
Hosana às grandes coisas que Ele faz! Hosana ao Altíssimo, que colocou no meio
dos homens o seu Espírito, revestido de carne, para que se tornasse o
Redentor!”
É
inexaurível. O número de pessoas aumenta, se alegra, e entulha a estrada. Quem
estava atrás corre para a frente, quem estava adiante volta para trás. Aqueles
que vieram de algum pequeno povoado, perto do qual já estão, unem-se aos que
vão passando.
“Mas,
Senhor, faze que ele se cale. Ele é samaritano. Assim está dizendo o povo. Ele
não deve falar quem és, se Tu nem a nós permites que vamos à tua frente falando
quem és”, dizem, inquietos, os Apóstolos.
“Meus amigos, Eu vos repito as palavras
de Moisés a Josué, filho de Num, que se estava lamentando, porque Eldad e Medad
estavam profetizando nos acampamentos: “Estás ciumento por mim, em meu lugar?
Oh! Se assim profetizasse todo o povo, e o Senhor desse a todos o seu
espírito!” Contudo eu pararei, e o despedirei, para contentar-vos.”
E Jesus
para, e chama a si o leproso curado, que se aproxima, e se prostra aos pés de
Jesus, beijando o pó.
“Levanta-te. E os outros, onde estão?
Não éreis dez? Os outros nove não sentiram a necessidade de agradecer ao
Senhor. Entre os dez leprosos, dos quais só um era samaritano, não se achou
outro, sendo este estrangeiro, que julgasse ser seu dever voltar atrás para dar
glória a Deus, antes de ir reintegrar-se na vida e na família. Ele é chamado de
samaritano”. Não são mais uns bêbados os samaritanos, porque agora eles veem,
sem se enganarem, e correm pela estrada da Salvação sem vacilações. Portanto, a
Palavra fala uma linguagem estrangeira e a entendem os estrangeiros, mas não a
entendem os que são do seu povo?”
Ele corre
seu belo olhar por sobre a multidão, que veio de todos os lugares da Palestina,
e que ali se encontram presentes. E são insuportáveis aqueles olhos em seus
lampejos... Muitos inclinam as cabeças, outros esperam as cavalgaduras, ou
põem-se a caminhar, afastando-se dali.
Jesus
inclina seu olhar sobre o samaritano, que está ajoelhado a seus pés. E seu
olhar se torna muito suave. Ele levanta a mão, que estava descida ao longo do
lado, em um gesto de bênção, e diz: “Levanta-te, e vai. A tua fé te salvou,
mais ainda do que a tua carne. Anda na Luz de Deus. Vai.”
O homem
beija outra vez o pó e, antes de levantar-se, faz-lhe um pedido: “Um nome,
Senhor. Um nome novo, porque tudo é novo em mim, e para sempre.”
“Em que terra nos encontramos?”
“Na terra
de Efraim.”
“E Efrém de chamarás, de agora em
diante, porque duas vezes a Vida te deu vida. Vai.”
O homem
se levanta, e se vai. As pessoas do lugar, e um ou outro peregrino quereriam
deter a Jesus. Mas Ele os domina com seu olhar, que não é de severidade, mas é
até muito suave ao olhar para eles, mas que deve estar exalando uma força tal,
que ninguém pode fazer nem um gesto para detê-lo.
Pg. 387 a
394
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484 – PERMANÊNCIA OBRIGATÓRIA PERTO DE
EFRAIM E PARÁBOLA DA ROMÃ
Jesus
pega as frutas, parte duas delas em tantos pedaços, quantos são os seus
pequenos amigos, e os distribui entre eles. Depois tomando na mão a terceira,
põe-se de pé, e começa a falar, tendo sobre a palma da mão esquerda a
maravilhosa romã.
“A que poderei Eu comparar este mundo
todo, e, em particular a Palestina de tempos atrás e, no pensamento de Deus,
unida em uma única nação, e depois dividida, por um erro e por um obstinado
ódio entre os irmãos? A quê compararei Israel, assim como ficou reduzida por
sua vontade? Eu o compararei a esta romã. E, na verdade, Eu vos digo que os
desentendimentos que há entre os judeus e os samaritanos, se repetem, em forma
e medida diferentes, mas com uma única base, que é o ódio, por entre todas as
nações do mundo, e às vezes entre províncias de uma mesma nação. E eles se
dizem invencíveis, como se fossem umas coisas criadas pelo próprio Deus. Não. O
Criador não fez tantos Adãos e tantas Evas, quantas são as raças levantadas
umas contra as outras, como inimigas. Deus fez um só Adão e uma só Eva, e deles
é que vieram todos os homens, espalhados depois para povoar a terra, como se
formassem uma só casa, que cada vez mais enriquece em número de quartos, á
medida que os filhos vão crescendo, vão se casando e procriando os netos para
os seus pais. Por que então, tanto ódio entre os homens, tantas barreiras,
tantas incompreensões?
Vós dissestes: “Sabemos ser unidos,
sentindo-nos irmãos.” Mas não basta. Deveis amar também aqueles que não são
samaritanos.
Olhai este fruto. Vós sabeis qual o
sabor e qual a beleza dele. Fechado como é, ele já vos está prometendo o suco
doce do seu interior. Quando é aberto, alegra também a vista, com as fileiras
cheias de grãozinhos semelhantes a outros tantos rubis fechados em um escrínio.
Mas, ai do incauto que a morder, sem antes ter tirado as separações fortemente
amargas, que estão entre uma e outra família dos grãozinhos. Ela intoxicaria
seus lábios e vísceras, e ele, repeliria a fruta dizendo: “Isto é veneno”.
Igualmente as separações e os ódios entre um povo e outro, entre uma e outra
tribo, transformam em “veneno” o que havia sido criado para ser doçura. São
inúteis, e não fazem como nesta fruta, nada mais do que criar limites, que
reduzem o espaço, e produzem compressão e dor. São amargos para quem lhes dá
uma dentada, isto é, para quem morde o vizinho, ao qual não ama, para fazer-lhe
uma ofensa e causar-lhe um aborrecimento. Dão-lhe uma amargura que envenena o
espírito.
São indestrutíveis? Não. A boa vontade
os desfaz, assim como a mão de um menino tira esses enchimentos amargos da doce
fruta, que o Criador fez para delícia de seus filhos. E a boa vontade tem como
o primeiro entre todos o mesmo Único Senhor, que é Deus tanto dos judeus, como
dos galileus, dos samaritanos, como dos bataneus. E Ele vo-lo demonstra, mandando-vos
o Único Salvador, que vos está falando, e que passará derrubando as barreiras
inúteis, destruindo o passado que vos dividiu, a fim de substituí-lo por um
presente que vos irmana em seu nome. Vós todos, de aqui e de além dos limites,
não precisais fazer outra coisa mais, mas ajudá-lo, e o ódio cairá, cairá esse
aviltamento que produz o rancor, cairá o orgulho que suscita a injustiça.
O meu mandamento é este: que os homens
se amem, como irmãos que eles são. Amem-se como o Pai dos Céus os ama, e como os
ama o Filho do Homem que, pela natureza humana, que Ele assumiu, sente-se irmão
dos homens, e que pela sua Paternidade, se sabe capaz de vencer o Mal, com
todas as suas consequências. Vós dissestes: “Nossa lei é não trair.” Então,
como primeira coisa, não trai mais as vossas almas, privando-as do Céu.
Amai-vos uns aos outros, amai-vos em mim, e a paz virá aos espíritos dos
homens, como foi prometido. E virá o Reino de Deus, que é Reino de Paz e de
Amor, para todos aqueles que têm uma vontade constante de servir ao Senhor seu
Deus. Agora Eu vos deixo. A Luz de Deus ilumine os vossos corações...”
Pg.
398-399
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486 – NO TEMPLO PARA A FESTA DOS TABERNÁCULOS.
DISCURSO SOBRE A NATUREZA DO REINO
Um
fariseu diz: “Não façais assim. Desse modo nunca saberemos que é que Ele
entende por reino, quais são as leis, que manifestações esse reino terá. E, que
quereis? Por acaso o antigo Reino de Israel foi de repente perfeito como nos
tempos de Davi e de Salomão? Não vos lembrais daquelas incertezas e horas
obscuras, antes do resplendor real do rei perfeito? Para termos o primeiro rei,
foi necessário antes formar o homem de Deus, que ungisse, e, para isso, tirar a
esterilidade de Ana de Elcana, e inspirar-lhe a ideia de oferecer o fruto do
seu seio. Medita no cântico como o Senhor... não queirais multiplicar,
gabando-vos, as palavras cheias de soberba... O Senhor faz morrer e viver...
Ele eleva o pobre... Ele torna seguros os passos de seus santos, e os ímpios se
calarão, porque o homem não é por sua força que é forte, mas pela que lhe vem
de Deus.” Oh! Lembrai-vos bem: “O Senhor julgará os confins da Terra e dará o
império ao seu rei, e exaltará o poder do seu Cristo.” O Cristo das profecias,
acaso não devia vir de Davi? E, então, todas as promessas, desde o nascimento
de Samuel em diante, não são promessas do Reino de Cristo? Tu, Mestre, por
acaso não és de Davi, nascido em Belém?”, pergunta diretamente a Jesus para
terminar.
“Tu o disseste”, responde Jesus em poucas palavras.
“Oh!
Então, dá uma satisfação às nossas mentes. Tu estás vendo que ficar calado não
é boa coisa, porque faz crescerem as nuvens da dúvida nos corações.”
“Não da dúvida. Mas da soberba, o que é
ainda mais grave.”
“Como?
Duvidar de Ti é menos grave do que ser soberbo?”
“Sim. Porque a soberba é a luxúria da
mente. É o maior dos pecados, sendo o mesmo pecado de Lúcifer. Deus tantas
coisas perdoa, e sua Luz resplende cheia de amor para iluminar as ignorâncias e
afugentar as dúvidas. Mas não perdoa a soberba, que zomba Dele, dizendo-se
maior do que Ele.”
“Quem
entre nós diz que Deus é menor do que nós? Nós não blasfemamos...”, gritam
muitos.
“Vós não o dizeis com os lábios. Mas o
confirmais com os vossos atos. Vós quereis dizer a Deus: “Não é possível que o
Cristo seja um Galileu, um homem do povo. Não é possível que seja esse homem
aí. Que é impossível para Deus?”
A voz de
Jesus parece um trovão. Se antes Ele estava um pouco reservado em sua aparência,
apoiado a uma coluna, como um mendigo, agora Ele se endireita, afasta-se da
pilastra, ergue majestosamente a cabeça acima do pescoço, e fita a multidão com
seus olhos fulgurantes. Ele está ainda sobre o degrau, mas é como se estivesse
no alto de um trono, de tão régia que está a sua aparência. As pessoas se
afastam, como que amedrontadas, e ninguém responde à última pergunta.
Depois um
rabi, baixinho e cheio de rugas, de uma aparência feia, como deve ser a de sua
alma, pergunta, dando antes uma risadinha sem graça e com a voz meio rouca: “A
luxúria se pratica entre duas pessoas. E a mente, com quem é que a pratica? A
mente não é corpórea. Como é, então que ela pode pecar por luxúria? Sendo ela
incorpórea, a que é que ela se une para pecar?”, e se ri, depois de ter
arrastado as palavras e continuado na risadinha.
“Com quem? Com Satanás. A mente do
soberbo comete fornicação com Satanás contra Deus e contra o amor.”
“E
Lúcifer, com quem fornicou para tornar-se Satanás, se ainda não era Satanás?”
“Consigo mesmo. Com o seu próprio
pensamento inteligente e desordenado. Que é a luxúria, ó escriba?”
“Mas...
eu já te disse! E quem é que não sabe o que é a luxúria? Todos nós já a
experimentamos.”
“Tu não és um rabi sábio, pois não
sabes qual a essência verdadeira deste pecado universal, fruto triplo do Mal.
Assim como o Pai, o Filho e o Espírito Santo são a forma Trina do Amor. A
luxúria é uma desordem, ó escriba. A desordem guiada por uma inteligência livre
e consciente, que sabe que seu apetite é um mal, mas assim mesmo quer saciá-lo.
A luxúria é uma desordem e uma violência contra as leis naturais, contra a
justiça e o amor para com Deus, para conosco mesmos e para com os nossos
irmãos. Qualquer luxúria. Tanto a luxúria carnal, como a que ambiciona as
riquezas e poderes da Terra, como também a daqueles que querem impedir ao
Cristo de cumprir sua missão, porque eles vão atrás da excessiva ambição, que
treme de medo por saber que Eu vou castigá-la.”
Um grande
sussurro se espalha pelo meio da multidão. Gamaliel, que ficou sozinho sobre o
seu tapete, levanta a cabeça e lança um olhar indagador sobre Jesus.
“Mas,
então, quando virá o Reino de Deus? Tu não respondeste...”, volta a falar o
fariseu de antes.
“Quando o Cristo estiver no trono que
Israel lhe está preparando, mais alto do que qualquer outro trono, mais alto
até do que este Templo.”
“Mas onde
é que ele está sendo preparado, se nenhum sinal de preparação se vê? Será
possível mesmo, será verdade que Roma vá deixar que Israel ressurja? As águias
terão ficado cegas para não verem o que está sendo preparado?”
“O Reino de Deus não vem com pompa. Só
o olho de Deus é que vê como ele se vai formando, porque o olho de Deus vê o
interior dos homens. Por isso não andeis procurando onde é que está esse Reino,
e onde é que ele está sendo preparado. E não creiais em quem diz: “Há uma
conspiração em Batanéia, conjura-se nas cavernas do deserto de Engati,
conjura-se mas praias do mar.” O Reino está em vós, dentro de vós, no vosso
espírito que acolhe a Lei vinda dos Céus como Lei da verdadeira Pátria, lei
que, se for praticada, forma os cidadãos do Reino. Para isso, antes de Mim veio
o João, para preparar o caminho dos corações pelos quais haveria de penetrar
nelas a minha Doutrina. Com a penitência foram preparados os caminhos, com o
amor o Reino surgirá e cairá a escravidão do pecado, que interdiz aos homens o
Reino dos Céus.”
“Mas
realmente este homem é grande. E vós dizeis que Ele é um carpinteiro?”, diz em
voz alta um que estava escutando atentamente. E, os outros judeus pelas vestes
que usavam, e talvez subornados pelos inimigos de Jesus, olham um para o outro,
surpresos, e para os seus subordinadores, perguntando: “Mas, que foi que vós
nos insinuastes? Quem pode dizer que este homem desencaminha o povo, e outros
também dizem: “Nós perguntamos a nós mesmos e a vós o seguinte: se é verdade
que nenhum de vós o instruiu, como é que Ele tem tão grande Sabedoria? Onde foi
que Ele a aprendeu, se não estudou com nenhum mestre”, e, virando-se para
Jesus, diz: “Dize-me uma coisa: Onde foi que aprendeste esta tua doutrina?”
Jesus
levanta o seu rosto inspirado e diz: “Em verdade, em verdade Eu vos digo que
esta doutrina não é minha, mas é daquele que me mandou ao meio de vós. Em
verdade, em verdade Eu vos digo que não foi nenhum mestre que me ensinou, nem
Eu a encontrei em nenhum livro, nem em nenhum rolo, nem em monumento de pedra.
Em verdade, em verdade Eu vos digo que Eu me preparei para esta hora ouvindo o
Vivente falar ao meu espírito. Agora chegou a hora de Eu dar ao povo de Deus a Palavra
vinda dos Céus. E Eu o faço, e o farei até o meu último suspiro, e depois que
Eu o tiver dado, as pedras que me ouvirem, e que não se amolecerem, conhecerão
um temor de Deus mais forte do que aquele que Moisés sentiu no Sinai e no
temor, transmitindo uma verdade ou amaldiçoando as palavras da minha rejeitada
doutrina, se gravarão nas pedras. E aquelas palavras não serão mais destruídas.
O sinal delas permanecerá. Como Luz para quem o acolher bem, pelo menos naquele
momento, com amor. E como trevas completas para quem, nem mesmo naquela hora,
compreender que foi a vontade de Deus que me mandou fundar o seu Reino. No
princípio da Criação foi dito: “Faça-se a luz”. E a luz apareceu sobre o caos.
No princípio de minha vida foi dito: “A boa vontade é a que faz a vontade de
Deus, e não a combate.” Agora quem faz a vontade de Deus e não a combate,
percebe que não me pode combater, porque percebe que a minha doutrina vem de
Deus e não de Mim mesmo. Por acaso, estarei procurando a minha glória? Por
acaso, digo que sou o Autor da Lei da graça e da era do perdão? Não. Eu não
tomo a glória que não é minha, mas dou glória à Glória de Deus. Autor de tudo o
que é bom. Mas minha glória é fazer o que o Pai quer que Eu faça, porque isso
lhe dá glória. Quem fala em seu favor para ser louvado, procura a sua própria
glória. Mas quem, podendo mesmo sem procurá-la receber glória dos homens pelo
que faz ou diz, e a rejeita, dizendo: “Não é minha, nem por mim foi criada, mas
ela procede do Pai, como Eu dele procedo, está na verdade, e nele não há
injustiça, dando a cada um o que lhe pertence, sem nada reter daquilo que não é
seu. Eu existo, porque Ele quis.”
Jesus faz
uma parada. Corre o olhar por sobre a multidão, investiga as consciências. Ele
as lê. E as pesa. Depois abre a boca outra vez: “Vós estais calados. A metade
de vós está admirada, e a outra metade está pensando como podereis fazer-me
calar. De quem são os dez Mandamentos? De onde é que eles vêm? Quem foi que
vo-los deu?”
“Moisés!”,
grita a multidão.
“Não. Foi o Altíssimo! Moisés, servo de
Deus, foi quem vo-los trouxe, Mas eles são de Deus. Vós, que tendes as
fórmulas, mas que não tendes fé, estais dizendo em vossos corações: “A Deus nós
não vemos. Nós não. Nem os hebreus aos pés do Sinai.” Oh! Não vos bastam, para
crerdes que Deus estava presente, nem os fulgores que incendiavam o monte,
enquanto Deus fulgurava, trovejando diante da presença de Moisés. Não vos
bastam nem mesmo os fulgores e terremotos, para crerdes que Deus está acima de
vós, escrevendo o Pacto eterno de salvação e de condenação. Uma epifania nova e
tremenda vós havereis de ver, e logo, do lado de dentro destes muros. E os
esconderijos sagrados sairão das trevas, porque será iniciado o Reino da Luz, e
o Santo dos Santos será exaltado à vista do mundo, não mais velado pela
tríplice cortina. E não crereis ainda. Que é, então, que será preciso para cós
fazer crer? Que os fulgores da Justiça caiam sobre vossas carnes? Mas nesse
tempo a Justiça estará aplacada. E descerão os fulgores do Amor... E, no
entanto, nem eles escreverão em vossos corações, em todos os vossos corações a
Verdade, mas suscitarão o Arrependimento, e depois o Amor...”
Os olhos
de Gamaliel agora estão fitando, com um rosto atento o rosto de Jesus.
“Mas Moisés, vós sabeis que era um
homem como os outros, e dele vos deixaram a descrição os cronistas do seu
tempo. Pois bem. Mesmo sabendo quem ele era, de quem foi e como foi que recebeu
a Lei, por acaso vós a observais? Não. Nenhum de vós a observa.”
Ouve-se
uma gritaria de protesto pelo meio da multidão.
Jesus
impõe silêncio: “Estais dizendo que não é verdade> E que vós a Observais?
E, então, por que procurais matar-me? Não o proíbe o quinto mandamento: “Não
matar?” Vós não admitis que Eu seja o Cristo? Mas não podeis negar que Eu seja
homem. E, então, por que procurais matar-me?”
“Mas, Tu
estás louco. És um endemoninhado! É um demônio que está falando em Ti, e que
faz delirar, e dizer mentiras! Nenhum de nós pensa em matar-te! Quem é que quer
matar-te?”, gritam justamente aqueles que o querem fazer.
“Quem? Vós. E estais procurando
desculpas para fazê-lo. E me acusais de culpas não verdadeiras. Vós me
reprovais, e não é a primeira vez, porque Eu curei um homem no sábado. E Moisés
não diz que é preciso ter piedade até do asno e do boi que caíram, pois aquilo
representa um bem para o teu irmão? E Eu não deveria ter piedade do corpo
doente de um irmão para o qual a saúde reconquistada é um bem material e um
meio espiritual para bendizer a Deus e amá-lo por sua bondade? E a circuncisão,
que Moisés vos deu, por a terdes tido desde os Patriarcas, não a fazeis vós
também nos sábados? Se, ao circuncidar um homem no sábado não fica violada a
Lei mosaica do sábado, porque ela serve para fazer de um filho homem um filho
da Lei, por quê é que vos indignais comigo, se no sábado Eu curei um homem
todo, no corpo e no espírito, porque a letra, as fórmulas, as aparências são
coisas mortas, cenários pintados, mas não vida verdadeira, enquanto que o
espírito das palavras e aparências é que é vida real e fonte de eternidade. Mas
vós não compreendeis estas coisas, porque não as quereis compreender. Vamos.”
E vira as
costas para todos, indo em direção as sala, acompanhado e rodeado pelos seus
Apóstolos e discípulos, que olham para Ele com dó e com indignação para com os
inimigos.
E Ele,
pálido, sorri para eles, dizendo: “Não fiqueis tristes. Vós sois meus
amigos. E fazeis bem em o serdes. Porque o meu tempo já vai chegando ao fim.
Logo vai chegar o tempo em que desejaríeis ver um destes dias do Filho do
Homem. Mas não podereis vê-lo. Então, vos servirá de consolo o poderdes
dizer-vos uns aos outros: “Nós o amamos e lhe fomos fiéis, enquanto esteve ente
nós.” E, para se rirem de vós e fazer que pareçais uns doidos, eles vos dirão:
“O Cristo voltou. Ele está aqui. Ele está ali.” Não acrediteis nessas palavras.
Não vades, não vos ponhais a seguir esses falsos escarnecedores. O Filho do
Homem, depois de ter ido, não voltará mais, senão em seu Dia. E, então, o seu
aparecimento será semelhante ao de um relâmpago que fulgura e brilha, de um
lado do céu até o outro, e tão velozmente, que vosso olhar nem pode
acompanhá-lo. Vós, e não somente vós, mas nenhum homem poderia seguir-me no meu
aparecimento final, a fim de recolher a todos os que existiram, que existem e
que existirão. Mas, antes que isso aconteça é necessário que o Filho do Homem
sofra muito. Sofra tudo. Toda a dor da Humanidade e além disso, seja rejeitado
por esta geração.”
“Mas,
assim sendo, meu Senhor, Tu terás que sofrer todo o mal, com que será capaz de
golpear-te esta geração”, observa o pastor Matias.
“Não. Eu disse: “Toda a dor da
Humanidade.” Ela existia antes desta geração, e existirá, por gerações e
gerações, depois desta. E sempre pecará. E o Filho do Homem provará todo o
amargor dos pecados passados, presente e futuros, até o último pecado, em seu
espírito, antes de ser o Redentor. E, além de sua glória, sofrerá também em seu
espírito de Amor. Vós não podeis compreender por enquanto. Vamos agora para
aquela casa. Ela é minha amiga.”
E bate a
uma porta, que se abre, deixando-o entrar, sem que o porteiro mostre nenhum
espanto por causa do número de pessoas que vão entrando atrás de Jesus.
Pg. 409 a
414
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487 – NO TEMPLO PARA A FESTA DOS
TABERNÁCULOS. DISCURSO SOBRE A NATUREZA DE CRISTO
Diz
Jesus:
“Vós me acusastes sem razão, como se Eu
houvesse blasfemado, em vez de dizer a verdade. Eu, não é para defender-me mas
para dar-vos luz, afim que possais conhecer a verdade que Eu falo. E não falo
por mim mesmo. Mas falo lembrando-vos as palavras nas quais vos credes e sobre
as quais jurastes. Elas dão testemunho de mim. Vós Eu o sei não vedes em mim
mais do que um homem semelhante a vós, e inferior a vós. Ou pelo menos pensais
que deveria ser um Anjo este Messias, e que Ele deve ser de uma origem de tal
modo misteriosa que possa ser rei, bastando-lhe para isso a autoridade que sua
origem lhe confere. Mas quando foi na história do nosso povo, nos livros que
formam a nossa história e que serão livros tão antigos como o mundo, para que a
eles os doutores de todos os países de todos os tempos hajam de recorrer para
consolidarem sua ciência e suas pesquisas sobre o passado, com as luzes da
verdade, quando foi que nesses livros foi escrito que Deus tenha falado a um
dos seus anjos para dizer-lhe: “De agora em diante tu serás meu Filho, porque
Eu te gerei.”
Os Anjos criaturas espirituais, servos
do Altíssimo e seus mensageiros foram criados por Ele, como o homem, como os
animais, como tudo mais que foi criado. Mas não foram gerados por Ele. Porque
Deus somente pode gerar um outro Si mesmo, não podendo o Perfeito gerar outro
que não seja um Perfeito, um outro Ser igual a Si mesmo, para não aviltar a sua
perfeição, ao gerar uma criatura inferior a Si. Portanto se Deus não pode gerar
os Anjos, nem elevá-los á dignidade de filhos seus, qual será o Filho ao qual
Ele diz: “Tu és o meu Filho, e que o adorem todos os Anjos de Deus.” E como
será esse Filho, para merecer ouvir o Pai dizer-lhe, o Pai, que existe por sua
graça, onde os homens podem dizer o seu Nome, aniquilando-se para adorá-lo:
“Vem sentar-te á minha direita, até que Eu faça dos teus inimigos o escabelo de
Teus pés.”
Esse Filho não poderá ser outro, senão
Deus, com o qual Ele divide os atributos e os poderes, e com o qual goza da
caridade que alegra nos inefáveis e incognoscíveis amores da Perfeição por Si
mesma.
Mas se Deus não julgou conveniente
elevar ao grau de Filho um Anjo, teria porventura podido dizer de um homem o que
Ele disse deste que vos está falando? E muitos de vós que agora me estais
combatendo estáveis presentes quando Ele o disse lá no vau de Betábara há dois
anos. Vós ouvistes e tremestes. Porque a voz de Deus é inconfundível, e sem uma
graça especial abate a quem a ouve e lhe sacode o coração. Quem é então o homem
que vos fala? Será talvez um nascido da semente e da vontade do homem como
todos vós?
E poderia o Altíssimo ter posto o seu
Espírito a habitar em uma carne privada da graça como é a dos homens nascidos
de um desejo carnal? E poderia o Altíssimo para dar uma satisfação pela grande
culpa, ser pago pelo sacrifício de um homem?
Pensai nisso. Ele que não escolhe um
homem para ser Messias e Redentor, poderá então escolher um homem para sê-lo? E
poderia o Redentor ser somente Filho do Pai sem assumir natureza humanas? E o
primogênito de Deus poderia ter pais se Ele é o Primogênito Eterno? Não ficam
confusos os vossos pensamentos diante dessas interrogações que se levantam
contra os reinos da verdade, cada vez mais perto dela e que encontram resposta
somente em um coração humilde e cheio de fé? Quem deve ser o Cristo? Um Anjo?
Mais do que um Anjo, um Deus! Sim um Deus!
Mas estando unido a uma carne, afim de
que essa possa cumprir a expiação de uma carne culpada. Cada coisa há de ser
redimida por meio da matéria com a qual pecou. Por isso Deus teria devido
mandar um Anjo para expiar as culpas dos Anjos decaídos e, que expiasse por
meio de Lúcifer e dos seus seguidores. Porque como sabeis também Lúcifer pecou.
Mas Deus ama o homem, e lhe manda o Homem, o único Perfeito para redimir o
homem, e obter a paz com Deus. E é justo que somente um homem-Deus possa
cumprir a redenção do homem e aplacar a Deus.
O Pai e o Filho se amam e se
compreendem. O Pai disse: “Eu quero”. E o Filho disse: “Eu quero”. Depois o
Filho disse: “Dá-me”. E o Pai disse: “Toma”. E o verbo assumiu uma carne, cuja
formação é misteriosa, e esta carne se chamou Jesus Cristo, o Messias, aquele
que deve redimir os homens, levá-los ao Reino, vencer o demônio e acabar com a
escravidão.
Vencer o demônio um Anjo não podia, nem
pode fazer o que o Filho do Homem pode. E por isso para a grande obra eis que
Deus não chama os Anjos, mas o homem. Eis o homem de cuja origem vós não tendes
certeza, ó negadores ou pensadores. Eis o Homem, o Homem aceitável por Deus. O
Homem representante de todos os seus irmãos. O Homem que é como vós pela
semelhança. Mas o Homem superior a vós e diferente de vós por sua proveniência,
o qual não por homem mas por Deus foi gerado e, consagrado ao seu ministério, e
estando diante do excelso altar para ser Sacerdote e vítima, pelos pecados do
mundo, eterno e supremo Pontífice, Sumo Sacerdote segundo a ordem de
Melquisedeque.
Não temais, Eu não estendo a mão para a
tiara pontifical. Uma outra grinalda me espera. Não tremais, Eu não tomarei de
vós o Racional. Um outro já está pronto para mim. Mas tremei somente que não
sirva para vós o Sacrifício do Homem e a misericórdia do Cristo. Eu vos amei
tanto que obtive do Pai que pudesse aniquilar a mim mesmo. Eu vos amei tanto e
vos amo tanto, que pedi para assumir toda dor do mundo a fim de dar-vos a
salvação eterna. Por que não quereis acreditar em mim? Ainda não podeis crer?
Não está dito do Cristo: “Tu és
sacerdote eternamente segundo a ordem de Melquisedeque? Mas quando foi que teve
início o sacerdócio? Terá sido nos tempos de Abraão? Não! E vós o sabeis. O Rei
de justiça e de paz que aparece para anunciar-me como uma figura profética,
ainda na aurora de nosso povo, não vos adverte que existe um sacerdócio mais
perfeito que vem diretamente de Deus, assim como Melquisedeque, do qual ninguém
pôde dizer quais eram suas origens e que é chamado “O Sacerdote”, e sacerdote
que permanecerá para sempre? Não credes mais nas palavras inspiradas? E se credes
nisso como nunca acreditastes ó doutores, não sabeis dar uma explicação
aceitável daquelas palavras que dizem, que falam de mim: “Tu és sacerdote
eternamente segundo a ordem de Melquisedeque”? Portanto existe um outro
sacerdócio além de Aarão. E dele se disse “tu és”, não se diz “tu foste”, não
se diz “serás”. És sacerdote eternamente. Eis pois que esta frase preanuncia
que o eterno sacerdote não nascerá da conhecida estirpe de Aarão, não será de
nenhuma estirpe sacerdotal. Mas será de uma proveniência nova, misteriosa, como
a de Melquisedeque. É dessa proveniência. E se o poder de Deus comanda, isso é
sinal de que quer renovar o sacerdócio e o rito, para que se torne proveitoso a
toda a humanidade.
Conheceis vós a minha origem? Não!
Sabeis quais são as minhas obras? Não! Será que estais percebendo bem os frutos
delas? Não! Vós não conheceis nada a respeito de mim. Estais vendo pois que
também neste ponto Eu sou o Cristo, cuja origem, natureza e Missão devem ficar
desconhecidas até quando a Deus lhe aprouver revelá-las aos homens. Felizes
aqueles que irão saber, que sabem crer antes que a Revelação tremenda de Deus
os esmague com o seu peso sobre o chão e os pregue e esmague sob os raios da
fulgurante e poderosa verdade, trovejada pelos Céus e proclamada aos brados
pela Terra: “Este era o Cristo de Deus”.
Vós dizeis: “Ele é de Nazaré, seu pai é
José, sua mãe é Maria. Não!
Eu não tenho pai que me tenha gerado
como homem. Eu não tenho mãe que me tenha gerado como Deus. E contudo Eu tenho
uma carne, e a assumi pela misericórdia obra do Espírito Santo, e vim até o
meio de vós, passando por um Tabernáculo Santo. Eu vos salvarei fazendo sair o
verdadeiro Mim mesmo do Tabernáculo do meu corpo, para consumar o grande
sacrifício de um Deus que se imola para a salvação do homem.
Pai, meu Pai! Eu te disse no começo dos
dias: “Eis-me aqui para fazer a tua vontade.” Eu te disse naquela hora de
graça, antes de deixar-te para revestir-me de carne, com a qual Eu pudesse
padecer: “Eis-me pronto para fazer a tua vontade.” Eu te direi ainda, e sempre,
até que a tua vontade se cumpra.”
Pg.
418-421
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489 – EM NOBE. PARÁBOLA DO REI
IMCOMPREENDIDO PELOS SÚDITOS E MILAGRE SOBRE O VENTO
Diz
Jesus:
“Um rei poderoso, cujo reino era muito
vasto, quis um dia ir visitar os seus súbditos. Morava o rei num palácio
majestoso, do qual, por meio de seus servos e mensageiros, mandava suas ordens
e fazia distribuir os seus favores aos seus súbditos que, por isso, sabiam de
sua existência, do amor que ele tinha por eles, de seus propósitos, mas ainda
não o conheciam pessoalmente, não tinham ainda ouvido sua voz e suas palavras.
Afinal, eles só sabiam que ele existia e que era o seu Senhor, e nada mais. E,
como muitas vezes acontece, por causa disso muitas de suas leis e providências
iam sendo alteradas, ou por má vontade, ou pela incapacidade de compreendê-las,
a tal ponto, que os interesses do rei, que desejava que eles fossem felizes,
ficavam prejudicados. Ele, se via obrigado a puni-los às vezes e com isso
sofria mais do que eles. Mas as punições não traziam nenhum melhoramento.
Então, ele disse: “Eu irei até eles. Falar-lhes-ei diretamente. Eu me darei a
conhecer. Eles me amarão, me obedecerão, e ficarão felizes.” E deixou sua
majestosa morada, para ir até o meio do seu povo.
Grande surpresa causou a sua chagada. O
povo ficou comovido, agitou-se, uns com alegria, outros com desconfiança, e
outros até com ódio. O rei, com paciência, sem deixar-se vencer pelo cansaço,
foi-se aproximando dos que o amavam e dos que o temiam, e dos que o odiavam.
Pôs-se a explicar a sua lei, a escutar os seus súbditos, a dar-lhes assistência
e a suportá-los. E muitos acabaram amando-o, não fugindo mais dele, por ser ele
grande demais, e alguns poucos foram até cessando de desconfiar dele e de
odiá-lo, Esses eram os melhores. Mas muitos ficaram como eram, pois não tinham
boa vontade. Contudo o rei, que era muito sábio, suportou também isso,
refugiando-se no amor dos melhores, para ter neles um prêmio por seus esforços.
Mas, que foi que aconteceu? Aconteceu
que até entre os melhores, nem todos o compreenderam. Ele vinha de muito longe!
Sua linguagem para eles era nova! Suas vontades eram tão diferentes das dos
seus súbditos! E não foi compreendido por todos... Alguns até lhe causaram
desgosto, e, com o desgosto lhe deram prejuízo, ou pelo menos correram o risco
de lho darem, pôr o terem compreendido mal. E, quando compreenderam que lhe
haviam dado aborrecimento e prejuízo, fugiram, com tristeza de sua presença, e
não se lhe apresentaram mais, tendo medo que ele iria dizer.
Mas o rei tinha lido no coração deles,
e todos os dias amorosamente os chamava, pedia ao Eterno que o ajudasse a
encontrá-los de novo, para dizer-lhes: “Por que me temeis?” É verdade. A vossa
falta de compreensão me fez sofrer, mas eu olhei para ela sem malícia, apenas
como um fruto da incapacidade de compreender a minha linguagem que é tão
diferente da vossa. O que me fazia sofrer era o temor que tínheis de mim. Isto
me diz que não só não me compreendestes como rei, mas nem como amigo. Por que
não vindes a mim? Voltai, pois. Naquilo que a alegria de amar-vos não vos tinha
feito compreender, ficou claro para vós pela dor por me terdes causado
sofrimento. Oh! Vinde, vinde, meus amigos. Não aumenteis as vossas ignorâncias,
ficando longe de mim, nem a vossa escuridão, escondendo-vos, nem as vossas
amarguras, criando obstáculos ao meu amor. Estais vendo? Sofremos muito, tanto
como vós, por estarmos separados. E mais ainda eu do que vós. Vinde, pois, e
dai-me alegria.”
Assim queria falar o rei. E assim fala.
E Deus também fala assim àqueles que pecam. E assim fala o Senhor aos que podem
ter errado. E assim fala o Rei de Israel aos seus súditos. O verdadeiro Rei de
Israel, o que do pequeno reino da terra quer levar os seus súditos para o
grande Reino dos Céus. Neste não podem entrar aqueles que não seguem o Rei,
aqueles que não aprendem a compreender as suas palavras e o seu pensamento.
Mas, como aprender, se ao cometer o primeiro erro, logo se foge do Mestre?
Ninguém fique abatido por ter pecado e
ter-se arrependido, se errou e reconhece o seu erro. Que ele venha à fonte que
corrige os seus erros, e que dá a Luz a Sabedoria, e mate sua sede nela, que está
ansiosa por doar-se, e veio do Céu para doar-se aos homens.”
...“Estais vendo como se está bem aqui?
Não é melhor aqui do que em um pobre palácio do rei? Onde me acharíeis melhor,
e mais poderoso, mais afável, mais rico de tesouros sem fim, senão ao me terdes
como Salvador, Redentor, Rei espiritual e Amigo amoroso?”
“É
verdade. É verdade. Oh! Eles nos seduziram, e parecia-nos te estar prestando
honras, e que o pensamento deles fosse justo.”
“Não penseis mais nisso. Já passou.
Pertence ao passado. Deixai que o tempo, passando veloz, como um turbilhão que
nos está atacando, o leve para longe e o perca para sempre... Mas entremos em
casa. Não é possível ficarmos aqui...”
E, de
fato, é um verdadeiro turbilhão, o que se arroja, vindo do norte, sobre o povoado.
Galhos são arrancados, telhas estão voando, um ou outro dos pequenos muros dos
terraços sobre os tetos, caem com fragor. A nogueira e a macieira se torcem,
como se quisessem arrancar-se do chão.
Entram em
casa, e os quatro apóstolos olham, espantados o rosto ainda úmido dos dois
discípulos, por causa das lágrimas, em contraste com o sorriso que agora está
em seus rostos, Mas não dizem nada.
“Alguma
desgraça está para acontecer”, diz o velho João.
“Sim.
Aqueles que agora estão debaixo das cabanas, não sei como farão...”, diz Pedro.
O vento
está tão forte, que as chamas de uma candeia de três bicos que foram acesos
para iluminar o quarto fechado, estão vacilando, mesmo com as portas fechadas.
Com o grande barulho que o vento está fazendo, e ao levantar por sobre a casa o
terriço e os detritos, a tal ponto que parece estar caindo uma chuva de granizo
muito miúdo, a tudo isso se ajuntam os gritos das mulheres, ouvidos cada vez
mais perto. São as esposas espantadas e as mães angustiadas: “Ai de nossos maridos!
Ai de nossos filhos. Eles estão na estrada. Estamos com medo. Um muro da casa
abandonada já caiu... Senhor! Jesus! Piedade.”
Jesus
põe-se de pé, abre com dificuldade a porta, que o vento está empurrando com
toda a sua violência. Algumas mulheres, que se inclinaram para melhor poderem
resistir ao vento, -- uma verdadeira tromba de ar, sob um céu apavorante –
gemem estendendo os braços.
“Entrai. Não temais!”, diz Jesus. Ele olha para o céu e para as árvores que já
estão para ser arrancadas.
“Vem para
dentro, Jesus! Não vês como os galhos já estão sendo arrancados e as telhas
estão caindo? Não é prudente ficar do lado de fora”, grita Judas de Alfeu.
“Pobres
oliveiras! Agora é chuva de pedras! Onde ela está caindo, acabaram de fazer a
colheita”, diz Pedro.
Jesus não
vai para dentro. Ao contrário, sai completamente para fora, no meio do
turbilhão, que lhe torce a veste e faz esvoaçarem seus cabelos. Ele abre os
braços, reza, e depois dá esta ordem: “Basta! Assim Eu quero!” E torna a entrar em casa.
O vento dá
um último gemido, e cessa de repente. É impressionante o silêncio que se faz,
depois daquele fragor todo tão estranho que, nas casas veem-se nas janelas os
rostos assombrados. O que sobra são os sinais do aeromoto, as folhas, os galhos
quebrados, os farrapos das tendas. Mas está tudo quieto. O firmamento responde
à terra, não mais transtornada, mas com o amenizar-se das nuvens que, de
escuras se tornam claras, espalham-se sem fazer mal, mas deixando cair uns
borrifos de chuva, que acaba de purificar o ar, que ficou ainda turvo de tanta
poeira.
“Mas, que
aconteceu?”
“Terminou
assim?”
“Parecia
o fim de tudo, e agora o tempo está sereno.”
São estas
as perguntas que estão fazendo em cada uma das casas. As mulheres, que haviam
recorrido a Jesus, saem para fora.
“O
Senhor! O Senhor está conosco! Ele fez o milagre! Fez o vento parar! Rasgou as
nuvens! Hosana! Hosana! Louvor ao Filho de Davi. Paz! Bênção! Cristo está
conosco! Conosco está o Bendito! O Santo! O Santo! O Messias está conosco!
Aleluia!”
O povoado
derrama para fora todos os seus moradores reais e os ocasionais, isto é, os
apóstolos e discípulos, que acorrem todos para a casinha onde está Jesus. Todos
querem beijá-lo, tocar nele, exaltá-lo.
“Louvai
ao Senhor Altíssimo. Ele é o dono dos ventos e da águas. Se Ele ouviu ao seu
Filho assim o fez para premiar a fé e o amor que vós tendes tido para com Ele.”
E
quereria despedir-se deles. Mas, quem é que pode acalmar um povoado em festa,
agitado por um evidente milagre? Especialmente quando é um povoado cheio de
mulheres. Os esforças de Jesus foram em vão. Ele sorri, paciente, enquanto o
velho, que o hospeda, o lava com suas lágrimas, e lhe beija a mão esquerda.
Eis os
primeiros homens ofegantes, apavorados, que estão chegando de volta de
Jerusalém. Talvez estejam com medo de alguma desgraça. Mas eles estão vendo o
povo em festa. “Que é? Que houve? Mas não tivestes uma tempestade? Lá do monte
se via como a cidade ia desaparecendo sob nuvens de poeira. Nós pensávamos que
ela estivesse destruída. Mas aqui está tudo salvo!”
“O
Senhor! Foi o Senhor! Ele veio a tempo para salvar-nos da ruína. Somente caiu a
casa maldita e alguma telha, algum galho. E a vós? Que aconteceu em Jerusalém?”
As
perguntas e as respostas se cruzam. Mas os homens abrem caminho para irem
venerar o Salvador. Somente depois é que explicam que na cidade o medo era da
tempestade iminente, e que todos fugiam das cabanas para as casas e que os
donos dos olivais já estavam chorando, pensando na colheita... quando, de
repente o vento se acalmou e o céu foi clareando com pouca chuva... e que a
cidade estava assombrada. E, como a fantasia trabalha rapidamente em certos
casos, os homens contavam que, enquanto o povo ia fugindo, muitos que tinham
ficado no Templo nos dias anteriores, vendo que o Monte Mória era o mais
atacado pelas rajadas, a tal ponto que os bancos dos trocadores de moedas
haviam sido derrubados e que estragos haviam sido feitos na casa do Pontífice.
E diziam que era o castigo de Deus pelos insultos feitos ao Messias. E por aí
afora... Quanto mais homens iam chegando, com mais cores iam contando a
história. Em alguns momentos torna-se mais apocalíptica a história do que a do
dia da Sexta-Feira Santa...
Pg. 431 a
436
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491 – NO TEMPLO NO ÚLTIMO DIA DA FESTA
DOS TABERNÁCULOS. DISCURSO SOBRE A ÁGUA VIVA
Enquanto
isso, a multidão vai aumentando, sempre mais. Jesus levanta a cabeça e fica
olhando. Como o pórtico está alguns degraus mais acima, Ele mesmo que esteja
sentado no chão, pode dominar uma boa parte do Pátio por aquele lado, e vê
rostos e mais rostos. Ele se põe de pé, e diz em alta voz, com toda aquela sua
voz trovejada e forte: “Quem tem sede, venha a mim, e beba. Do seio daqueles que
creem em mim jorrarão rios de água viva.”
Sua voz
enche o amplo pátio, atravessa as esplêndidas séries de pórticos, e certamente
também as deste lado, propaga-se para além delas, domina qualquer outra voz,
como um trovão harmonioso e todo cheio de promessas. Ele fala depois se cala
por alguns instantes, como se tivesse querido somente anunciar qual vai ser o
assunto do sermão, e dar tempo a quem não sente interesse de ouvi-lo, para que
se vá embora, e não fique perturbando depois. Os escribas e os doutores estão
calados, isto é, abaixaram suas vozes, até chegarem a um sussurro que com
certeza é maldoso. Não estou vendo Gamaliel.
Jesus vai
para a frente, atravessando o semicírculo, que se abre à sua chegada, para
fechar-se logo as suas costas, transformando-se de um semicírculo em um anel.
Ele vai caminhando devagar, com majestade, Parece ir deslizando por sobre os
mármores multicores do pavimento, com o seu manto um pouco afrouxado, que vai
fazendo atrás dele uma espécie de cauda. Levanta o braço direito, no seu gesto
habitual de quando vai começar a falar, e, ao mesmo tempo, com a esquerda
espalmada sobre o peito, acomoda em seu lugar o manto.
Ele
repete as palavras iniciais: “Quem tem sede, venha a mim, e beba. Do seio daqueles que
creem em mim jorrarão rios de água viva! Aquele que viu a teofania do Senhor, o
grande Ezequiel, sacerdote e profeta depois de ter visto como profeta os atos
impuros na casa profanada do Senhor, depois de ter sempre profeticamente, visto
que só os assinalados com o Tau é que serão os viventes da verdadeira
Jerusalém, enquanto que os outros só conhecerão uma e uma carnificina, só uma e
uma condenação, um só e um castigo—o tempo está perto, ó vós que ouvis, está
perto, mais perto do que vós pensais, e por isso Eu vos exorto, como Mestre e
Salvador, a não tardardes a pôr em vós o Sinal que salva, a não tardardes a pôr
em vós a Sabedoria, a não tardardes a arrepender-vos e a chorar por vós e pelos
outros, a fim de poderdes salvar-vos. Ezequiel, depois de ter visto tudo isso,
e mais ainda, fala de uma terrível visão. A dos ossos ressequidos.
Um dia virá em que, sobre um mundo
morto, sob um firmamento apagado, aparecerão, ao toque da trombeta dos anjos,
ossos e mais ossos dos mortos. Como um ventre que se abre para parir, assim a
terra expelirá de suas vísceras todos os ossos dos homens que morreram sobre
ela, e foram sepultados no seu barro, desde Adão até o último homem. E, então,
será a ressurreição dos mortos, pelo grande e supremo julgamento, depois do
qual, como uma maça de Sodoma, o mundo se esvaziará, tornando-se um nada, e
terá fim o firmamento com os seus astros. Tudo terá fim, menos duas coisas
eternas, distantes, que estão nas extremidades de dois abismos de uma
profundidade incalculável, e, uma antítese total, na forma e na aparência, e no
modo com que neles se prosseguirá para sempre o poder de Deus: o Paraíso, que é
luz, alegria, paz e amor. E o Inferno, trevas, dor, horror e ódio.
Mas acreditais vós que, visto que o
mundo ainda não morreu, e as trompas dos anjos ainda não tocaram a recolher e
que o imenso campo da terra não esteja já coberto dos ossos sem vida,
excessivamente dessecados, separados e mortos, bem mortos? Em verdade Eu vos
digo que assim é entre os viventes, porque eles ainda respiram, inumeráveis são
os que são semelhantes a uns cadáveres, aos ossos áridos que foram vistos por
Ezequiel. Quem são eles? São aqueles que não têm em si a vida do espírito.
Há desses em Israel, como em todo o
mundo. E que, entre os gentios e idólatras não haja mais do que mortos, que
estão esperando receber a Vida, é uma coisa natural, e preocupa somente aqueles
que possuem a verdadeira Sabedoria, pois esta os faz compreender que o Eterno
criou as criaturas para Ele, e não para as idolatrias, e se aflige por ver
tantos deles na morte. Mas, se o Altíssimo tem essa preocupação, que já é tão
grande, quanto maior não será a dor que sofre por aqueles do seu povo que são
uns ossos esbranquiçados, sem vida, sem espírito?
Os eleitos, os prediletos, os
protegidos, os nutridos, por Ele diretamente instruídos, ou por seus servos os
profetas, porque haverão de ser, culpavelmente, uns ossos áridos, quando para
eles sempre correu um fio de água vital, vindo do Céu e que os abeberou de Vida
e Verdade. Por que eles ficaram assim dessecados, plantados que foram na terra
do Senhor? Por que o espírito deles há de ser morto, quando o Espírito Eterno
pôs à disposição deles um tesouro espiritual, para nele se abeberassem, e
vivessem? E eles, com que prodígio poderão voltar à Vida, se deixaram de lado as
fontes, as pastagens, as luzes dadas por Deus, e ficam tacteando na escuridão,
bebendo da água de fontes não puras, e comendo de pastagens não santas?
Não voltarão nunca mais a ser vivos?
Sim. Em nome do Altíssimo Eu o juro. Muitos ressuscitarão. Deus já preparou o
milagre, e ele já está em ação, já foi operado sobre alguns, e alguns ossos
ressequidos já foram revestidos de vida, porque o Altíssimo, ao qual nada é
proibido, manteve sua promessa, e a mantém, e cada vez mais a completa. Ele, do
alto dos Céus, grita a esses ossos que estão esperando: “Eis que Eu vou
infundir em vós o espírito, e vivereis.” E lançou mão do seu Espírito, Lançou
mão de Si mesmo, e formou uma carne para revestir a palavra, e a mandou a esses
mortos, a fim de que, falando a eles, de novo se infundisse neles a Vida.
Quantas vezes, durante séculos, Israel
gritou: “Nossos ossos ficaram ressequidos, nossa esperança morreu, estamos
segregados!” Mas toda promessa é sagrada, toda profecia é verdadeira. Eis
chegado o tempo, no qual o Enviado de Deus abre as tumbas, para tirar delas os
mortos e dar-lhes vida de novo, para levá-los consigo para o verdadeiro Israel,
para o Reino do Senhor, o Reino do Pai meu e vosso.
Eu sou a ressurreição e a Vida! Eu sou
a luz que veio para iluminar aos que jaziam nas trevas! Eu sou a fonte da qual
jorra a Vida Eterna. Quem vem a mim, não conhecerá a Morte. Quem tem sede de
vida, venha e beba. Quem quer possuir a Vida, isto é, Deus, creia em mim, e do
seu seio jorrarão, não umas gotas, mas rios de água viva. Porque quem crê em mim,
formará comigo o novo Templo, do qual nascerão as águas salutares de que fala
Ezequiel.
Vinde a mim, ó povos! Vinde a mim, ó
criaturas! Vinde para formar um único Templo, porque Eu não repilo a ninguém,
mas, por amor vos quero comigo, no meu trabalho, nos meus merecimentos, na
minha glória.
“E eu vi as águas, que nasciam por
debaixo da porta da casa, do lado do oriente... E as águas desciam pelo lado
direito, ao sul do altar.”
Aquele Templo são os que creem no
Messias do Senhor, no Cristo, na Lei Nova, na Doutrina do tempo da Salvação e
da paz. Assim como de pedras são formadas os místicos muros do Templo, assim de
espíritos novos serão formados os místicos muros do Templo, que não morrerá
nunca, e que da terra se elevará ao Céu, como o seu Fundador depois da luta e
da prova.
Aquele altar do qual jorram as águas,
aquele altar do lado do oriente, sou Eu. E as minhas águas brotam do lado
direito, porque o lado direito é o lugar dos que foram eleitos para o Reino de
Deus. Brotam de Mim, para se derramarem nos meus eleitos, e os tornarem ricos
das águas vitais, e portadores delas, espalhadores delas para o norte e para o
sul, para o oriente e para o ocidente, para darem vida à terra, em seus povos,
que estão esperando a hora da Luz, a hora que está para chegar, que
infalivelmente virá para todos os lugares, antes que a Terra deixe de existir.
Jorram e se espalham as minhas águas,
misturadas com as que Eu mesmo dei, e darei aos meus seguidores, e, ainda que
sejam espalhados para beneficiar a terra, estarão unidas em um só rio da Graça,
sempre mais profundo, sempre maior, crescendo cada dia mais, passo a passo, com
aquelas águas, que são os novos seguidores, até se tornarem como um mar, que
banhará todos os lugares, a fim de santificar toda a terra.
Deus quer isso. E Deus faz isto. Um
milagre. Um dilúvio já lavou o mundo, dando morte aos pecadores. Um dilúvio,
com outro líquido que não é a chuva, lavará o mundo, dando-lhe Vida. E, por uma
misteriosa ação de graças, os homens poderão ser uma parte daquele dilúvio
santificador, unindo suas vontades à minha, suas fadigas à minha, seus
sofrimentos aos meus. E o mundo conhecerá a Verdade e a Vida. E quem quiser
participar delas poderá. E somente quem não quiser ser nutrido pelas águas da
vida, se tornará um lugar brejento e pestilencial, ou permanecerá assim, e não
chegará a conhecer as gordas colheitas dos frutos da graça, da sabedoria, da
salvação, que irão conhecer aqueles que viverem em mim.
Em verdade Eu vos digo, mais uma vez,
que quem tem sede e vem a mim, beberá e não terá mais sede, porque a minha
Graça fará nascer dele fontes de rios de água viva. E quem não crê em mim
perecerá, como numa salina, onde a vida não pode subsistir.
Em verdade Eu vos digo que, depois de mim,
não cessará a fonte, porque Eu não morrerei, mas viverei, e depois que Eu me
tiver ido embora, ido embora, e não morrido, para abrir as Portas dos Céus, um
outro virá, que é igual a mim, e que completará a minha obra, fazendo-vos
compreender o que Eu vos disse e incendiando-vos para fazer de vós “luzes”,
visto que tereis recebido a Luz.”
Jesus se
cala.
Pg. 446 a
450
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------493 –
DISCURSO PERTO DA FONTE DE EM ROGEL, QUE FOI LUGAR DE PERMANÊNCIA DOS TRÊS
SÁBIOS
“Agora nos demoraremos por aqui um
pouco. É sempre um lugar de boa evangelização.”
“Não mais
do que os outros. Não sei porque preferes este.”
“Por que, Judas? Por muitas razões, que
Eu direi aos que se unem e por uma que Eu vos digo a vós em particular. Neste
poço da fonte de Rogel, foi onde pararam, incertos e decepcionados os três
Sábios do Oriente, pois foi neste ponto que desapareceu a estrela, que os havia
guiado desde tão longe. Qualquer outro homem teria desconfiado de Deus e de si
mesmo. Eles rezaram até a manhã seguinte, ao lado de seus camelos já cansados,
os únicos que estavam acordados no meio dos servos já adormecidos, e, tendo
chegado a manhã, levantaram-se, dirigindo-se para as portas, desafiando até um
perigo de vida. Reinava Herodes, o sanguinário. Lembrai-vos disso. E bastava
até muito menos do que a frase que eles, os Sábios queriam dizer-lhe, para que
ele decretasse a morte deles. Mas eles me estavam procurando. Não estavam indo
atrás de glória, riquezas e honras. Procuravam a Mim somente. Um pequenino era
o Messias deles, o Deus deles. A procura de Deus porque é boa, dá sempre todas
as ajudas e a coragem. Os medos, as coisas baixas são a herança de quem só
sonha com coisas baixas. Eles suspiravam por adorar a Deus. Eram fortes, por
causa desse seu amor. E poucas horas depois, seu amor teve um prêmio, por que
aqui, em uma noite de luar, reapareceu-lhes a estrela, a seus olhos. A estrela
de Deus não falta nunca a quem, com justiça e amor, procura a Deus. Os três
Sábios! Podiam fazer uma parada por entre as falsas honrarias que Herodes lhes
prestaria, depois da resposta dos príncipes dos sacerdotes, dos escribas e
doutores. Eles bem que estavam tão cansados! Mas não pararam nem por uma noite
e, antes que fechassem as portas da cidade, saíram para fazer sua parada até à
aurora. Depois... não a aurora do sol, mas a aurora de Deus reapareceu, para
fazer virar de prata a estrada, a Estrela os chamou com suas luzes, e eles
foram para a Luz. Felizes deles e de quem os sabe imitar!”
Os
apóstolos e Marziam, com Isaque, estão atentos a escutar com aquele rosto
feliz, que eles sempre têm, quando Jesus relembra o seu nascimento, e Isaque
concorda, suspira, sorri, ao lembrar-se com um rosto extático, longe daquele
lugar e daquele tempo, tendo voltado atrás, há mais de trinta anos, aquela
noite, aquela estrela, que ele viu com toda a certeza, quando estava no meio do
seu rebanho.
Outras
pessoas se aproximam, pois a estrada é de grande movimento, e ficam escutando,
e algumas se lembram de fantástica caravana e da notícia que ela trouxe...e,
das consequências dela.
“Este é sempre um lugar de conselho. A
história sempre se repete. Este é um lugar de prova. Para os bons e para os
maus. Mas toda a vida é uma prova de fé e da justiça do homem. Eu vos lembro a
fidelidade de Cusai, de Sadoque e de Abiatar, de Jônatas e de Aquimás, que
deste lugar partiram para salvarem o seu rei, e foram protegidos por Deus,
porque agiam com Justiça. Eu vos lembro um acontecimento conexo a este mesmo
lugar, e que não terminou bem, porque foi um abuso, e por isso não foi
abençoado por Deus. Perto da pedra de Zoelet, junto à fonte de Rogel, Adonias
conspirou contra a vontade de seu pai, e se fez proclamar rei pelos do seu
partido. Mas não lhe foi favorável o abuso, porque, antes que terminasse o
banquete, os hosanas que ressoaram em Gion o fizeram ciente, antes mesmo que
lhe falasse o Jônatas de Abiatar, de que Salomão era o rei, e ele, que havia
querido usurpar o trono, devia confiar somente na misericórdia de Salomão.
São muitos os que repetem os gestos de
Adonias e combatem o verdadeiro Rei, ou conjuram contra Ele, seguindo o partido
que parece ser o mais forte. E muito poucos, assim fazendo saberão depois
aproximar-se do altar, pedindo perdão e confiados na misericórdia de Deus.
Poderemos nós que acabamos de relembrar
três acontecimentos que houve junto a este poço, dizer que o lugar está sujeito
a influxos bons ou não bons? Não. Não é o lugar. Nem o tempo. Não são os
acontecimentos, mas é a vontade do homem que perturba as ações do homem. Em
Rogel viu a fidelidade dos servos de Davi e o pecado de Adonias, assim como viu
a fé dos três Sábios. O poço é o mesmo. Sobre suas pedras e em suas águas
mataram a sede e buscaram apoio Jônatas e Aquimaas, o Adonias e os seus, bem
como os três Sábios. Mas a água e as pedras viram três coisas diferentes: uma
fidelidade ao rei Davi, uma traição ao rei Davi e uma fidelidade ao Rei dos
reis. É sempre a vontade do homem que faz que se realize o bem ou o mal. E
sobre a vontade do homem projeta suas luzes a Vontade de Deus, e os vapores
venenosos a vontade de Satanás. Compete ao homem acolher a luz ou o veneno, e
tornar-se justo ou pecador.
Junto a este poço foi colocado um
guarda, a fim de que ninguém corrompa as águas. E, além do guarda, foram-lhe
dados uns muros e um teto para que o vento não jogasse dentro dele folhas e
sujeiras que contaminassem as águas preciosas. Também ao homem Deus colocou um
guarda: é a vontade inteligente e consciente do homem, e, ale, disso alguns
reforços: os mandamentos e conselhos angelicais, para que o espírito do homem
não fosse corrompido cientemente, ou sem o saber. Mas, quando o homem corrompe
a sua consciência, a sua inteligência, já não ouve as inspirações do Céu, viola
a Lei, e é como um guarda que deixa de guardar o poço, ou como um doido que
desmantela as defesas. Ele depois deixa indefeso o campo para os inimigos
satânicos, para as concupiscências do mundo e da carne e para que não sejam
aceitas as tentações sempre é prudente estar atentos contra elas e repeli-las.
Filhos de Jerusalém, hebreus,
prosélitos, viajantes por acaso aqui reunidos para ouvirdes a palavra de Deus,
sede sábios com a verdadeira sabedoria, que consiste em saber defender o
próprio eu das ações que desonram o homem.
Estou vendo aqui muitos gentios. A eles
Eu digo que não basta ficar somente adquirindo riquezas e mercadorias, mas há
uma outra coisa, que é a vida para a própria alma. Porque o homem tem uma alma
em si, uma coisa impalpável. Mas é ela que o faz estar vivo, é uma coisa que
não morre, mesmo depois que a carne já morreu, uma coisa que tem o direito de
viver a sua verdadeira e eterna vida, e que o homem não pode viver, se matar o
seu verdadeiro ser com as suas mas ações.
A idolatria e a gentilidade não são
coisas difíceis de ser superadas. O sábio medita, e diz: “Por que terei eu de
dar culto aos ídolos, e viver sem a esperança de uma vida melhor, ao passo que,
caminhando para o verdadeiro Deus, poderei conquistar a alegria para sempre?” O
homem sobre-estima seus dias nesta vida, e a morte lhe causa horror. Quanto
mais ele estiver envolvido nas trevas das religiões falsas, ou na falta de fé,
tanto mais ele teme a morte. Mas aquele que adere à verdadeira fé, não sentirá
mais horror a morte, porque sabe que depois da morte há uma vida eterna, na
qual os espíritos se encontrarão, e não haverá mais sofrimentos nem separações.
Não é difícil sugerir o caminho da Vida. Basta crer no Único Deus verdadeiro,
amar o próximo e amar a honestidade em todas as ações.
Vós de Israel sabeis quais são as
coisas mandadas e quais as proibidas. Mas Eu digo a estes que estão ouvindo e
que levarão para longe consigo as minhas palavras, que são estas coisas (e diz
o Decálogo). A verdadeira religião consiste nisto, e não nos sacrifícios vazios
e pomposos. Obedecer os preceitos de uma moral perfeita, de uma virtude sem
defeito, usar de misericórdia, fugir daquilo que desonra o homem, deixar a
vaidade, as adivinhações do erro, os augúrios mentirosos, os sonhos dos maus,
como diz o livro sapiencial, usar com justiça os dons de Deus, isto é, a saúde,
a prosperidade, as riquezas, a inteligência, o poder, não ter soberba que é um
sinal de estultice, porque o homem é vivo, são, rico, sábio, poderoso, enquanto
Deus lho concede, não ter desejos exagerados, que as vezes conduzem até ao
delito.
Viver numa palavra como homens e não
como animais, e com uma dignidade também para consigo mesmos.
Descer é fácil, subir de novo é
difícil. Mas quem gostaria de viver em um abismo podre, só porque lá caiu, e
não procuraria sair dele, subindo de novo para os cumes floridos e cheios de
sol? Em verdade, Eu vos digo que a vida do pecador está situada em um abismo e,
portanto no erro. Mas aqueles que acolhem a Palavra da Verdade, e vem a
Verdade, sobem para os cumes, para a Luz.
Ide agora todos para os vossos
trabalhos. Mas lembrai-vos de que junto à Fonte de En Rogel, a Fonte da
Sabedoria vos deu de beber as suas águas para que não tenhais mais sede e
volteis a Ela.
Pg. 456 a
460
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494 – A MULHER ADÚLTERA E A HIPOCRISIA
DOS SEUS ACUSADORES
Estou
vendo o interior do recinto do Templo, isto é, um dos muitos pátios contornados
por séries de pórticos. Vejo também Jesus que, muito enrolado em seu manto, que
Ele traz sobre a túnica, não a branca, mas a de um vermelho escuro (parece de
um tecido pesado de lã), e está falando à multidão que o circunda.
Eu diria
que este é um dia de inverno, pois vejo que todos estão com seus mantos, e que
está fazendo frio, porque, em vez de estarem parados, todos estão caminhando, e
depressa, como par se aquecerem. Está soprando um vento que levanta os mantos e
a poeira dos pátios.
O grupo
que está reunido ao redor de Jesus é o único que está parado, pois todos os
outros estão ao redor de um ou de outro mestre, e andam para adiante e para
trás, abrem alas para deixar passar algum grupo de escribas e fariseus, que
gesticulam, e estão mais venenosos do que nunca. Estão esguichando veneno pelos
olhos, pela cor do rosto, e pela boca. Que víboras! Mais do que conduzindo,
eles vão arrastando uma mulher de seus trinta anos, com os cabelos
desgrenhados, com suas vestes em desordem, como tendo sido maltratada, e
chorando. Eles chegam e a jogam aos pés de Jesus, como se fosse um montão de
trapos, ou os despojos de algum morto. E lá ela fica encolhida sobre si mesma,
com o rosto apoiado sobre os dois braços e escondido por eles, e servindo de almofada
entre ele e o chão.
“Mestre,
esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. Seu marido a amava e não lhe
deixava faltar nada. Em sua casa ela era uma rainha. E ela o traiu, porque é
uma pecadora, uma viciada, uma ingrata, uma profanadora. É uma adúltera, e,
como tal, deve ser apedrejada. Moisés assim ordenou. Em sua lei ele assim
manda, que tais mulheres sejam apedrejadas como uns animais imundos. Porque
elas traem a fidelidade do homem que as ama e cuida delas, porque, como uma
terra que nunca se seca, elas são esfaimadas pela luxúria. Piores do que as
meretrizes elas são, porque sem serem mordidas pela necessidade, elas se
entregam a si mesmas, para dar alimento à sua Impudicícia. Elas são umas
corruptas. E contaminadas. Devem ser condenadas à morte. Moisés assim ordenou.
E Tu, Mestre, que achas disso?”
Jesus,
que havia interrompido sua conversa, por causa daquela tumultuosa chegada dos
fariseus, e que tinha olhado para aquela malta cheia de ódio, com seus olhares
penetrantes, e que depois tinha inclinado o olhar para aquela mulher aviltada e
jogada aos seus pés, fica calado. Depois Ele curvou-se, e, estando sentado, com
um dedo começou a escrever sobre as pedras do pórtico, que estão cobertas pela
poeira levada pelo vento. Eles vão falando, e Ele está escrevendo.
“Mestre!
Nós estamos falando contigo. Escuta-nos. Responde-nos. Não estás entendendo?
Esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Na casa dela. No teto do
marido dela. Ela o sujou com a sua libidinagem.”
Jesus
continua escrevendo.
“Mas é um
bobo, este homem. Não estais vendo como ele não entende nada, e fica fazendo
esses sinais sobre a poeira, como um pobre doido?”
“Mestre,
pelo teu bom nome, fala! Que a tua sabedoria dê uma resposta à nossa pergunta.
Nós te repetimos, a esta mulher não falta nada. Tinha vestes, comida e amor. E
traiu.”
Jesus
continua a escrever.
“Ela
mentiu ao homem que tinha confiança nela. Com uma boca mentirosa, ela o saudou
e acompanhou até a porta, e depois abriu a porta secreta, e fez entrar o seu
amante. E, enquanto o seu marido estava ausente, trabalhando para ela, ela,
como um animal imundo, se revolvia em sua luxúria.”
“Mestre,
ela é uma profanadora da lei, além de o ser do tálamo. É uma rebelde, uma
sacrílega, uma blasfemadora.”
Jesus
está escrevendo. Escreve, apaga o escrito com o pé calçado com a sandália, e
continua a escrever, tendo mudado aos poucos sua posição, para encontrar outro
lugar com mais espaço. Mais parece um menino que está brincando. Mas o que Ele
está escrevendo são palavras de brincadeira. Ele escreve, em seguida, palavras
como estas: Usuário, Falso, Filho irreverente, Fornicador, Assassino,
Profanador da Lei, Ladrão, Libidinoso, Usurpador, Marido e pai indigno,
Blasfemador, Rebelde a Deus, Adúltero. Escreveu e tornou a escrever, cada vez
que algum novo acusador fala.
“Mas,
afinal, Mestre! Queremos o teu julgamento. A mulher deve ser julgada. Ela não
pode, com o seu peso, contaminar a Terra. O seu hálito é um veneno que perturba
os corações.”
Jesus se
levanta. Misericórdia! Que rosto! É um reluzir de relâmpagos que se lança sobre
os acusadores. Ele parece estar mais alto, pelo tanto que conserva a sua cabeça
erguida. Parece um rei em seu trono, de tão severo e majestoso que está. O
manto lhe caiu por um dos ombros, e se arrasta com um leve barulho atrás dele.
Mas Ele não se preocupa com isso. Com um rosto fechado, e sem ter, nem de
longe, algum sinal de sorriso em sua boca nem em seus olhos, dirige esses olhos
para os rostos da multidão que estaca, como diante de duas lâminas bem pontudas.
Ele fita a um por um. E, com uma intensidade de pesquisa, que causa medo. E os
que foram fitados vão procurando ir para trás, pelo meio da multidão, e
esconder-se nela. O cerco, assim, vai-se encompridando e se fragmentando, como
se estivesse sendo movido por uma força oculta.
Finalmente
Jesus fala: “Aquele
de vós, que estiver sem pecado, atire sobre a mulher a primeira pedra.” E sua voz parece um trovão acompanhado de um reluzir, mais
vivo ainda do que os seus olhares. Jesus cruzou os braços sobre o peito, e
assim fica, ereto, como um juiz, na expectativa. O seu olhar não os deixa em
paz, Mas investiga, penetra, acusa.
Primeiro
um, depois dois, depois cinco, depois aos grupos, os presentes vão-se afastando
de cabeças baixas. Não somente os escribas e fariseus, mas também os que antes
estavam ao redor de Jesus e os outros que se haviam aproximado para ouvirem o
julgamento e a condenação, e que, tanto aqueles como estes se haviam unido para
insultar a culpada e pedir o seu apedrejamento.
Jesus
acaba ficando sozinho com Pedro e João. Não vejo os outros apóstolos.
Jesus
começou de novo a escrever, enquanto os acusadores estão fugindo, e agora
escreve: Fariseus, Víboras, Sepulcros de podridão, Mentirosos, Traidores,
Inimigos de Deus, Insultadores do seu Verbo.
Quando o
pátio todo ficou vazio, e se fez um grande silêncio, nada mais ficando senão o
frufru do vento e o barulho de uma pequena fonte em um canto. Jesus levanta a
cabeça e fica olhando. Agora o seu rosto se aplacou. Está triste, mas não
irado. Dá uma olhadela para Pedro, que se havia afastado um pouco, apoiando-se
a uma coluna, e outra para João, que, quase atrás de Jesus, olha para Ele com
seu olhar enamorado. Jesus tem uma leve sombra de sorriso, ao olhar para Pedro,
e um vivo sorriso ao olhar para João. São dois sorrisos diferentes.
Depois
olha para a mulher, ainda prostrada e chorando a seus pés. E a observa.
Levanta-se e põe o manto, como se estivesse prestes a pôr-se a caminho. Faz um
sinal aos dois apóstolos, a fim de que se preparem para a saída.
Quando
fica só, Ele chama a mulher: “Mulher, escuta-me. Olha para mim.” Ele teve que repetir a ordem, porque a mulher não tem
coragem de levantar o rosto. “Mulher, estamos sozinhos. Olha para mim.”
“Onde estão, ó mulher os que te
acusavam?” Jesus fala em voz baixa. Com uma
seriedade piedosa. Conserva o rosto e o corpo levemente inclinados para a
terra, para aquela miséria, e seus olhos estão cheios de uma expressão
indulgente e renovadora. “Ninguém te condenou?”
A mulher,
entre um soluço e outro, responde: “Ninguém,
Mestre.”
“Pois nem Eu te condenarei. Vai. E não
peques mais. Vai para tua casa. E aprende a fazer-te perdoar. Por Deus e pelo
ofendido. Não abuses da benignidade do Senhor. Vai.”
E Ele a
ajuda a levantar-se, tomando-a pela mão. Mas, não a abençoa, nem lhe dá a paz.
Ele ainda olha para ela, que se vai pondo a caminho, com a cabeça inclinada e
balançando levemente, por causa de sua vergonha, e depois, quando ela
desapareceu, também Ele, por sua vez, põe-se a caminho com os dois discípulos.
Diz Jesus:
“O que me estava ferindo era a falta de
caridade e de sinceridade dos acusadores. Não é que eles estivessem mentindo em
suas acusações. A mulher era realmente culpada. Mas eles não eram sinceros,
fazendo-se de escandalizados por uma coisa por eles cometida milhares de vezes,
e que somente com grande astúcia, e grande sorte, haviam conseguido que
permanecesse oculta. A mulher, em seu primeiro pecado, tinha sido menos astuta
e de menos sorte. Mas nenhum de seus acusadores, porque as mulheres, ainda que
não levantassem a voz para acusá-la, no fundo de seus corações a acusavam,
nenhum deles e delas estava livre de culpa.
Adúltero é quem vai além do ato, e
deseja o ato com todas as suas forças. A luxúria existe, tanto em quem peca,
como em quem deseja pecar. Não basta deixar de fazer o mal. É necessário também
não desejar fazê-lo. Lembra-te, Maria, da primeira palavra do teu Mestre,
quando te chamei da beira do precipício onde estavas: “O mal, não basta deixar
de fazê-lo, é necessário também não desejar fazê-lo.” Quem acaricia pensamentos
de sensualidade, e os excita por meio de leituras e espetáculos, procurados
propositalmente, e com hábitos mal, são provocados os desejos da sensualidade,
é tão impuro como quem materialmente comete a culpa. Eu ouso dizer: é ainda
mais culpado. Porque vai com o pensamento contra a natureza. O único atenuante
desse homem é alguma doença orgânica ou psíquica. Quem não tem tal atenuante,
está dez graus abaixo do animal mais imundo.
Para condenar com justiça, seria
necessário que estivessem imunes de culpa. Eu vos remeto a ditados passados,
quando falo das condições essenciais para ser Juiz. A mim não eram
desconhecidos os corações daqueles fariseus e daqueles escribas, nem daqueles
dos que se haviam unido a eles para investirem contra a culpada. Pecadores
contra Deus e contra o próximo, estavam com suas culpas, contra o próximo e
sobretudo as culpas numerosas contra as suas próprias mulheres. Se, por um
milagre, Eu tivesse mandado ao sangue deles que escrevesse o pecado sobre suas
frontes, entre as muitas acusações, teria o primeiro lugar a de adúlteros de
fato, ou por desejo.
Eu já o disse: “O que vem do coração é
o que contamina o homem.” E, exceto o meu coração, não havia nenhum outro entre
os juízes que tivesse o coração não contaminado. Sem sinceridade e sem
caridade. Nem mesmo o fato de serem semelhantes a ela na fome da concupiscência
os levava a ter caridade. Eu é que tinha caridade para com a aviltada. E Eu era
o único que teria devido ter repugnância por ela. Mas, recordai-vos disto: “Que
quanto mais alguém é bom, mais é compassivo para com os culpados.” Ele não
perdoa a culpa em si mesma. Isto não. Mas se compadece dos fracos que, diante
da culpa não souberam resistir.
O homem! Oh! Mais frágil do que um
caniço ou um leve convólvulo, o fácil de ser vencido pela tentação, e inclinado
a se agarrar ao que ele espera que lhe traga algum conforto. Porque muitas
vezes a culpa vem, especialmente no sexo mais fraco, é por causa desta procura
de conforto. Por isso, Eu vos digo que quem falta ao afeto para com a mulher, e
tem para com sua própria filha, é noventa por cento responsável pela culpa de
sua mulher ou de sua filha, e nisso ele terá que responder por elas. Tanto o
afeto estulto, que é apenas uma estúpida escravidão de um homem e uma mulher,
ou de um pai a uma filha, como também uma falta de cuidado nos afetos, ou pior,
uma culpa de sua própria sensualidade, que leva um marido a outros amores, ou
os pais a outros cuidados, que não sejam os com as filhas, são estímulos para o
adultério e a prostituição e, como tais, são por Mim condenados.
Sois seres dotados de razão, guiados
por uma Lei divina e por uma Lei moral. Aviltar-se por isso é ter uma conduta
de selvagens ou de animais, isso deveria causar horror a vossa grande soberba.
Mas a soberba que, neste caso até que seria útil, vós a tendes para coisas
muito diferentes.
Eu olhei para Pedro e João de maneira
deferente, porque ao primeiro, um homem, eu quis dizer: “Pedro, não faltes tu
também, com a caridade e a sinceridade”, e dizer-lhe ainda, como a meu futuro
Pontífice: “Lembra-te desta hora, e julga como o teu Mestre, no futuro.” E ao
segundo, um jovem com alma de criança, Eu quis dizer: “Tu podes julgar e não
julgas, porque tens o mesmo coração que Eu.”
Eu havia afastado os dois, antes de
chamar a mulher, para não aumentar a humilhação dela com a presença de duas
testemunhas. Aprendei, ó homens sem piedade. Por mais que alguém seja culpado,
seja sempre tratado com respeito e caridade. Não te alegres com o seu
aniquilamento, não te irrites contra ele nem com olhares curiosos. Piedade,
tende piedade de quem cai!
À culpada Eu mostro o caminho que deve
seguir para redimir-se e voltar para sua casa, humildemente pedir perdão, e
consegui-lo com uma vida honesta. Não ceder à carne. Não abusar da bondade
divina nem da bondade humana para não ter que descontar mais duramente do que
agora uma dupla ou múltipla culpa. Deus perdoa, a perdoa porque é Bondade, Mas
o homem por mais que Eu tenha dito: “Perdoa ao irmão setenta vezes sete vezes”,
não sabe perdoar nem duas vezes.
Eu não dei a ela paz e benção, porque
não havia nela aquele completo rompimento com o pecado, que é requerido para
sermos perdoados. Em sua carne, e, infelizmente em seu coração não havia ainda
nela a repugnância pelo pecado. Maria de Magdala, ao perceber o sabor o meu
Verbo, passou a sentir desgosto pelo pecado, e veio a mim com uma vontade total
de ser outra. Nesta mulher havia ainda uma hesitação se devia atender ás vozes
da carne ou as do espírito.
Nem ela, nem a perturbação daquela
hora, nada tinha podido ainda mover o machado contra o tronco da árvore, e
cortá-lo, para assim poder ela ir, sem aquele peso tão indesejado, para o Reino
de Deus. Estaria mutilada nas coisas que causavam sua ruína, mas restabelecida,
a caminho das coisas que levam à salvação.
Queres saber se depois se salvou? Nem
para todos fui Salvador. Para todos quis ser, mas não o fui porque nem todos
tiveram vontade de ser salvos. E isto foi uma das mais penetrantes dores de
minha agonia no Getsêmani. Vai em paz, Maria de Maria, e não queiras mais
pecar, nem mesmo por inépcia. Sob o manto de Maria, só há coisas puras.
Lembra-te disso.
Pg.460 a
466
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498 – EXORTAÇÃO A TADEU E A TIAGO DE ZEBEDEU
EM SEGUIDA DE UMA DISCUSSÃO COM ISCARIOTES
Diz
Jesus:
“Tiago, Eu quereria de ti, e de todos,
uma coisa. Eu sofro muito por muitas incompreensões que Eu encontro... por
tantas persistentes resistências. Vós o estais vendo... Por um lugar que me dá
alegria, há três anos que não me dão, e me expulsam com a um malfeitor. Mas a
compreensão que os outros não me dão, Eu gostaria de recebê-la pelo menos de
vós. Que o mundo não me ame, que Eu me sinta sufocado por todo esse ódio, essa
antipatia, inimizade, suspeita que me rodeiam, pelas torpezas de todas as
espécies, pelos egoísmos, por tudo quanto só i meu infinito amor pelo homem me
faz suportar, é penoso. Mas Eu o sofro ainda com paciência. Eu vim para sofrer
isso da parte daqueles que odeiam a Salvação. Mas da parte de vós, não. Isso Eu
não suporto! Isto de não serdes capazes de amar-vos uns aos outros e, portanto,
de compreender-me. Isto de vós não aderirdes ao meu espírito, esforçando-vos
para fazerdes o que Eu faço.
Crede, podeis crer todos vós, que eu
não esteja vendo os erros de Judas e que Eu deixe de saber alguma coisa sobre
ele? Oh! Persuadi-vos de que não é assim. Mas, se Eu tivesse querido pessoas
perfeitas no espírito, teria feito encarnarem-se anjos, e me teria feito rodear
por eles. Eu o teria podido fazer. Teria sido um verdadeiro bem? Não. De minha
parte teria sido egoísmo e desprezo. Eu teria evitado a dor que sinto pelas
vossas imperfeições, e teria desprezado os homens criados por meu Pai, e tão
amados por Ele, a ponto de mandar-me salvá-los. E da parte do homem teria um
dano para o futuro. Terminada a minha missão, teria voltado ao Céu com os meus
anjos, e que é que teria sobrado de apto para continuar a minha missão, e quem?
Qual o homem que teria podido esforçar-se para fazer o que Eu digo, se somente
um Deus e alguns anjos tivessem dado o exemplo de uma vida nova, regulada pelo
espírito? Foi necessário que Eu me revestisse de uma carne para persuadir o
homem de que, querendo, ele pode ser casto e santo de todos os modos. E foi
necessário que Eu tomasse dos homens, assim, aqueles que com o seu espírito
responderam ao apelo do meu espírito, sem olhar se eram ricos ou pobres, doutos
ou ignorantes, cidadãos ou aldeãos. E os tomasse, assim como os encontrasse, e
a minha vontade junto com a deles os fosse transformando lentamente em mestres
de outros homens.
O homem pode crer em outro homem, em
outro homem que ele está vendo. É difícil para o homem, de tão decaído que ele
está, acreditar em Deus que ele não vê. Ainda não haviam terminado os raios no
Monte Sinai, e já aos pés do monte havia surgido a idolatria contra aquele para
cujo rosto não se podia olhar, Moisés ainda não havia morrido e já se estava
contra a Lei. Mas, quando vós, transformados em mestres, fordes como um
exemplo, como um testemunho, como um fermento entre os homens, eles não poderão
dizer: “Esses são como uns deuses, que desceram ao meio dos homens, e nós não
podemos imitá-los.” Mas eles deverão dizer: “São homens como nós, Certamente
neles haverá os mesmos estímulos e instintos que há em nós, as mesmas reações,
e com tudo eles sabem resistir aos estímulos e instintos, e ter reações bem
diversas das nossas, que são brutais.” E se persuadirão de que o homem se pode
divinizar, contanto que queira entrar pelos caminhos de Deus.
Observai os gentios e os idólatras.
Todo o Olimpo deles e os seus ídolos, por ventura se tornarão bons? Não. Porque
eles, se são incrédulos, dizem que seus deuses são mentira. E, se neles
acreditam, pensam assim: “Eles são deuses, e eu sou homem”, e não se esforçam
para imitá-los. Por isso, procurai, vós, tornar-vos um outro Eu. E não tenhais
pressas. O homem evolui lentamente, passando de animal racional a um ser
espiritual. Suportai-vos uns aos outros. Suportai-vos. Ninguém é perfeito, mas
somente Deus.
Pg.
483-485
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261.1 .
8 - VOLUME 8
501 – PARÁBOLA DOS FILHOS DISTANTES.
CURA DOS DOIS FILHOS DO HOMEM DE PETRA
Diz
Jesus:
“Ouvi. Um pai tinha muitos filhos. Uns
tinham sempre vivido em estreito contato com ele, enquanto que os outros, por
diversas razões estavam mais ou menos afastados do pai. Contudo, sabendo eles
quais eram os desejos do pai, podiam agir como se ele estivesse presente. E
outros ainda, visto que estavam mais longe e desde o dia do seu nascimento
haviam sido criados entre os servos, que falavam outras línguas e tinham outros
costumes, esforçavam-se para servir ao pai naquele pouco que, mais por instinto
do que por terem aprendido, sabiam que lhe agradava. Um dia, o pai que não
ignorava como, apesar de suas ordens, os seus servos haviam deixado de tornar
conhecido os seus pensamentos por aqueles que moravam longe, porque, em seu
orgulho os julgavam inferiores e não amados pelo pai, pois não moravam com ele.
Então o pai quis fazer uma reunião com toda a sua família. E mandou chamá-los
todos. Pois bem. Credes vós que ele os irá julgar pelas normas do direito
humano, dando a posse dos bens somente aqueles que tinham estado sempre em sua
casa, e não tão longe, a ponto de ficarem impedidos de saber quais eram suas
ordens e seus desejos? Pelo contrário, ele quis seguir uma norma completamente
diferente e, observando bem o que faziam os que tinham sido justos por amor do
pai, que eles conheciam apenas de nome, mas que tinham honrado em tudo o que
faziam, chamou-os para perto de si e, lhes disse: “Duplo é o vosso mérito por
serdes justos, uma vez que o fostes somente por vossa vontade e sem serdes
ajudados. Vinde e ficai ao redor de mim. Bem que tendes esse direito! Os
primeiros sempre me tiveram, e todas as ações deles eram reguladas pelo seu
conselho e premiadas pelo meu sorriso. Vós tivestes que agir por confiança e
amor. Vinde. Pois em minha casa está preparado um lugar para vós, e faz tempo
que está preparado, e, meus olhos, não faz diferença ter estado sempre em casa,
ou ter estado longe dela. Mas existe diferença nas ações que, perto ou longe de
mim, os meus filhos tiverem realizado.”
Esta é a parábola. E sua explicação é
esta: que os escribas e fariseus, que vivem ao redor do Templo, podem no Dia
eterno, não estar na Casa de Deus e que muitos que estão longe, a ponto de mal
saberem das coisas de Deus poderão entrar no seu Seio. Porque o que dá o Reino
é a vontade do homem, empenhada em obedecer a Deus, e não empenhada em inventar
e acumular regras criadas por sua ciência.
...“Ontem
Tu estavas dizendo que há sacrifícios mais agradáveis a Deus do que o do
cordeiro e carneiros, e também que existem lepras mais vergonhosas do que as da
carne. Eu não compreendi o teu pensamento.” Diz um pastor...
“Homem em verdade Eu te digo que o
sacrifício não está no animal que foi imolado, mas no esforço que tu fizeste
para conservá-lo e imolá-lo depois. Em verdade Eu vos digo que está chegando o
dia no qual como diz a parábola inspirada, Deus dirá: “Eu não preciso do sacrifício
de cordeiro e carneiros”, e exigirá um sacrifício único e perfeito. E, a partir
daquela hora, todos os sacrifícios serão espirituais. Mas já foi dito, há
séculos qual o sacrifício da predileção do Senhor. Davi exclama chorando: “Se
Tu tivesses desejado um sacrifício, eu o teria oferecido, mas a Ti não agradam
os holocaustos. O sacrifício oferecido a Deus há de ser o espírito ungido, e Eu
acrescento: obediente e amoroso, porque se pode oferecer também sacrifício de
louvor, de alegria e de amor, e não somente de expiação. Sacrifício oferecido a
Deus há de ser um espírito compungido: “Um coração contrito e humilhado, ó
Deus, Tu não o desprezas.” Não. Ele não despreza nem mesmo o coração que pecou,
e se arrependeu, pois é vosso Pai. E então como não haverá Ele de acolher o
sacrifício do coração puro e justo que o ama? Este é o sacrifício mais
agradável a Deus. O sacrifício de cada dia, da vontade humana á vontade Divina,
que se manifesta na Lei, nas inspirações e nos acontecimentos de cada dia. E
assim não é a lepra da carne a mais vergonhosa e que exclui alguém da vista dos
homens e dos lugares de oração, mas é a lepra do pecado. É verdade que esta
passa muitas vezes ignorada pelos homens. Mas vós viveis para os homens, ou
para o Senhor? Tudo terá fim aqui, ou continua na outra vida? Vós o sabeis. E
então sede santos, para não ficardes leprosos aos olhos de Deus, olhos que veem
os corações dos homens, e conservai-vos limpos em vosso espírito, a fim de
poderdes viver para sempre.
“E se
alguém pecar gravemente?”
Que ele não faça como Caim, não faça
como Adão e Eva. Mas vá prostrar-se aos pés de Deus e, com um verdadeiro
arrependimento, lhe peça perdão. Um doente, um ferido, vai ao médico para ficar
curado, Que o pecador vá a Deus para obter o perdão.
...
Poderia acontecer algum incidente, pois os moradores do lugar querem defender
Jesus. Mas quem abre caminho gritando é o homem de Petra, acompanhado por um
servo. Tanto ele como o servo tem uma criança nos braços, e diz: “Deixai-me
passar. Senhor, eu me fiz esperar demais?”
“Não, homem. Vem a mim.”
As
pessoas abrem caminho para deixá-lo passar. Ele vai a Jesus, e se ajoelha,
pondo no chão uma menininha que traz na cabeça uma faixa de linho. O servo o
imita, pondo no chão um menino de olhos opacos.
“Os
meus filhos, Mestre e Senhor!” Diz ele e, nesta brece frase manifesta toda a
sua dor e esperança de pai.
“Tiveste muita fé, homem. E, se Eu te
tivesse decpcionado? E, se não me tivesse encontrado? Se Eu dissesse que não
posso curar?
“Eu
não acreditaria em Ti. Não acreditaria, nem mesmo diante da evidência de não te
estar vendo. Eu te diria que Tu te terias escondido, para provar a minha fé, e
te ficaria procurando até te encontrar.”
“E a caravana? E os teus negócios?”
“Estas
coisas? E que são elas em comparação contigo, que podes curar os meus filhos e
dar-me uma fé firme em Tu?”
“Descobre o rosto da menina”, manda Jesus.
“Eu
o cobri porque ele sofre muito com a luz.”
“Será
somente um instante de dor”, diz Jesus.
Mas
a pequenina se põe a chorar desesperadamente, e não quer se lhe tire a faixa.
“Ela
está fazendo assim, porque pensa que Tu a vais atormentar com fogo, como os
médicos”, explica o pai, lutando para tirar das faixas as mãozinhas da menina.
“Oh! Não tenhas medo, menina, Como te
chamas?”
A
pequenina chora e não responde. Responde o pai por ela: “Tamar, nome do lugar
em que ela nasceu, E o menino chama-se Fara.”
“Não chores Tamar. Não te faço mal.
Apalpa as minhas mãos, elas não tem nada entre os dedos. Vem ao meu colo.
Enquanto isso, vou curar o teu irmão, e ele te dirá o que sentiu. Vem cá
menino.” O servo lhe põe perto dos
joelhos o pobre ceguinho com os olhos apagados pelo tracoma. Jesus lhe faz uma
carícia sobre a cabeça, e lhe pergunta: “Sabes quem Eu sou?”
“Jesus
de Nazaré, o Rabi de Israel, o Filho de Deus.”
Queres crer em mim?” “
“Sim!”
Jesus
lhe põe as mãos sobre os olhos, cobrindo-lhe mais da metade do rosto, e diz:
“Eu quero. E que a luz das pupilas abra o caminho para a luz da fé.” E tira a
mão. O menino dá um grito, levando as mãos aos olhos, e depois diz: “Meu pai!
Eu estou vendo!” Mas ele não corre para o pai. Em sua expontaneidade de menino,
ele se agarra ao pescoço de Jesus, e o beija nas faces, e assim continua,
agarrado ao seu pescoço, com a cabecinha inclinada sobre o ombro de Jesus, procurando
que as pupilas voltem a acostumar-se com o sol.
A
multidão grita ao ver o milagre, enquanto o pai quereria tirar o menino do
pescoço de Jesus.
“Deixa-o. Não está me aborrecendo. Mas
tu, Fara, dize à tua irmã o que foi que Eu te fiz.”
“Foi
uma carícia, Tamar. Parecia a mão da mamãe. Oh! Fica curada tu também e iremos
brincar juntos outra vez.”
A
menina ainda com um pouco de relutância, vai colocar-se sobre os joelhos de
Jesus, que a quereria curar, até sem precisar tocar nas faichas. Mas os
escribas e seus companheiros gritam: “É um truque! A menina nos está vendo. É
um conluio para fazer uma surpresa à vossa boa fé, ó moradores deste lugar.”
“Minha
filha é doente. Eu...”
“Podes
deixar! Tu, Tamar, agora estás boa, e deixa que Eu te tire as faixas.”
A
menina agora persuadida, o deixa fazer. E, que vista, quando a última faixa
cai. Duas feridas vermelhas estão no lugar dos olhos e delas gotejam lágrima e
pus. O povo solta um sussurro e sente um calafrio de dó, enquanto a menina leva
suas mãozinhas ao rosto para proteger-se contra a luz, que a deve fazer sofrer
de um modo horrível e, por sobre as têmporas avermelhadas, estão umas recentes
queimaduras.
Jesus
lhe afasta as mãozinhas, e toca de leve aquela ruína, apoiando sobre ela sua
mão e dizendo: “Ó Pai, que criaste a luz para alegria dos viventes, e deste
pupilas até aos mosquitinhos, dá luz a esta pequena criatura para que veja, e
creia em Ti e, da luz desta Terra, entre na Luz do teu Reino.” E tira a mão.
“Oh!
Gritam todos.”
As
feridas desapareceram. Mas a pequenina está ainda com os olhos fechados.
“Abre
os olhos Tamar. Não tenhas medo. A luz não te fará mal.”
A
menina obedece um pouco tímida, e abre as pálpebras de sobre dois brilhantes
olhos negros.
“Meu
pai, eu te estou vendo”, e ela também se inclina sobre o ombro de Jesus, a fim
de ir-se acostumando, pouco a pouco, coma luz.
A
multidão está num alvoroço de festa, enquanto o homem de Petra se lança,
soluçando de alegria aos pés de Jesus.
“A tua fé recebeu o seu prêmio. De
agora em diante, o teu reconhecimento leve a tua fé no Homem até a mais alta
esfera, à do verdadeiro Deus. Levanta-te e vamos.”
Pg. 10-12
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502 – OUTRO DESCONFORTO DE PEDRO E
LIÇÃO SOBRE AS POSSESSÕES, SEJA DIVINAS OU DIABÓLICAS
Que tens?
Estás sentindo-se mal? Perguntan-lhe.
Não. Mas
não posso mais com isto. No alto do Nebo, aquela violência. Antes foi em
Esebon, e antes de lá, em Jerusalém, e em Cafarnaum. Depois do Nebo, em Caliroé
e agora em Betábara...Oh!
Ele
inclina a cabeça entre as mãos e chora...
Não te entristeças, Simão. Não te faças
ficar privado até da tua, da vossa coragem! Diz-lhe
Jesus, indo para perto dele e pondo uma mão sobre a pesada veste cinzenta com
que se cobre o Apóstolo.
Não
posso, não posso nem ver. Não posso ver-te sendo maltratado assim. Se me
deixasse reagir, talvez eu pudesse. Mas assim eu ter que conter-me... e ficar
ouvindo os insultos deles aos teus sofrimentos, como um pequenino inocente. Oh!
Isso me arrebenta todo por dentro, e viro um trapo... Mas olhai se é possível
ficar vendo-o assim. Parece um doente, alguém que está morrendo de febre.
Parece um culpado que está sendo perseguido e não encontra onde parar, onde
encostar a cabeça. Aquela hiena do Nebo! Aquelas serpentes de Caliroé. Aquele
doido, que ainda está lá. Sem falar no segundo, que tu dizes ser dominado por
Belzebu! Eu tenho medo dos endemoninhados. Penso que Satanás assim os prendeu,
devem ter sido muito maus. Mas... o homem pode cair, sem nenhuma vontade de
fazê-lo. Contudo aqueles que, sem serem possessos, fazem o que estão fazendo,
com todo o seu raciocínio livre! Oh! Não os vencerá nunca, visto que não os
queres castigar? E eles... te vencerão. E o pranto do Apóstolo fiel, que se
havia enxugado sob o fogo da ira, recomeça forte...
Meu Pedro, e tu crês que eles não sejam
possessos? Crês que para o serem, precisam ser como aquele de Caliroé e outros
que temos encontrado? Crês que a possessão se manifeste somente com aqueles
gritos indecentes, com aqueles pulos, aquelas fúrias, a mania de viver em
furnas, com os mutismos, com os membros encolhidos, com a razão entorpecida, de
modo que o possesso fala e age inconscientemente? Não. Há também as obsessões e
as possessões, mais sutis e fortes, e mais perigosas, porque criam obstáculos á
razão e a enfraquecem, a fim de que não faça coisas boas, mas até a
desenvolvem, a aumentam para que seja poderosa, a fim de servir aquele que a
possui. Deus, quando toma posse de uma inteligência, e faz uso dela a fim que o
sirva, transfunde na mesma e nas horas em que o próprio indivíduo está a
serviço de Deus, a inteligência sobrenatural, que aumenta de muito a
inteligência natural dele. Credes, por exemplo, que Isaías, Ezequiel, Daniel e
os outros profetas, se tivessem devido ler e explicar aquelas profecias, como
se elas tivessem sido escritas por outros, não teriam eles encontrado nelas as
dificuldades indecifráveis que nelas encontram nossos contemporâneos? E no
entanto, Eu vos digo que eles, quando as recebiam, as compreendiam
perfeitamente.
Olha Simão, apanhemos esta flor, que
nasceu aqui, aos teus pés. O que tu estás vendo na sombra que envolve o cálice?
Nada. Vês um cálice profundo, uma pequena boca, e nada mais. Agora, olha para
ele, enquanto eu apanho e o trago para cá, para baixo deste raio de sol. Que
estás vendo?
“Vejo uns
estames, vejo o pólen, uma coroazinha de pequenos pelos, que parecem uns
cílios. E ao redor dos estames, uma tirinha toda cheia de cílios pequeninos,
que orna a pétala larga e as duas menores... e vejo uma gotinha de orvalho no
fundo do cálice... e... oh! Aí está! Um mosquitinho cheio de cílios, que não
consegue livrar-se mais... Mas, então! Deixa-me ver melhor! O pequeno pelo
parece ter sido untado com mel, e está pegajoso... Já entendi! Deus o fez
assim, ou para que a planta se nutra, ou para que se nutram os passarinhos que
vêm apanhar as moscas, ou para que o ar fique limpo delas... Que maravilha!”
Mas, sem a forte luz do sol, não terias
visto nada.
É
verdade. Não teria.
Igualmente acontece com o que é da
propriedade de Deus. A criatura que de seu “eu”, leva somente a boa vontade de
amar totalmente ao seu Deus, com o abandono de seus desejos, com a prática das
virtudes e o domínio de suas paixões, fica absorta em Deus, na Sabedoria que é
Deus, tudo vê e compreende. Depois de terminada essa ação, penetra na criatura
um estado no qual o que foi recebido se transforme em norma de vida e
santificação, mas faz ficar escuro, ou melhor, crepuscular, o que antes parecia
tão claro. O demônio, perpétuo inimigo de Deus, produz um efeito análogo nos
obsessos da mente, ainda que mais limitado, porque somente Deus é infinito,
naqueles que espontaneamente se lhe entregam para triunfarem, e comunica-lhes
uma inteligência superior, mas unicamente voltada para o mal, para prejudicar,
para ofender a Deus e ao homem. Mas a ação de Satanás encontrando o
consentimento da alma, é contínua, levando-lhe assim, gradualmente à ciência
total do mal. Estas são as piores possessões. Nada disso aparece externamente,
e por isso não são evitados esses possessos. Como Eu já disse muitas vezes, o
Filho do homem vai ser ferido pelos possessos desta qualidade.
Pg. 17-19
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505 – NO TEMPLO, UMA GRAÇA OBTIDA COM A
ORAÇÃO INCESSANTE E A PARÁBOLA DO JUIZ E DA VIÚVA
E Jesus
olha para as pessoas que se reuniram, mais ou menos umas cem pessoas, e diz: “Escutai
esta parábola, que vos ensinará o valor da oração constante. Vós sabeis o que diz o Deuteronômio, ao tratar dos juízes e
magistrados. Eles deveriam ser justos e misericordiosos ouvindo com serenidade
de espírito a quem s eles recorre, pensando sempre em julgar, como se o caso
que lhes é apresentado, fosse um caso acontecido com eles próprios, sem levar
em conta os presentes nem as ameaças, sem condescendência para com os amigos
culpados, e sem durezas para com os que estão de mal com os amigos do juiz. Mas
se são justas as palavras da Lei, não são igualmente justos os homens, e não
sabem obedecer a Lei. Por aí se vê que a justiça humana é muitas vezes
imperfeita, pois raros são os juízes que sabem conservar-se puros da corrupção,
misericordiosos, tão pacientes para com os ricos como para com os pobres, para
com as viúvas e os órfãos, como eles o são para com aqueles que tais não são.
Em uma cidade havia um juiz muito
indigno do seu ofício, que foi conseguido por meio de parentes muito
influentes. Ele era extraordinariamente desigual em seus julgamentos, estando
sempre propenso a dar razão ao rico e ao poderoso, ou a quem pelos ricos e
poderosos era recomendado, ou então para quem o comprava com grandes donativos.
Ele não temia a Deus, escarnecia dos lamentos do pobre e de quem era fraco, por
estar este sozinho e sem boas defesas. Quando não queria atender a quem tivesse
tão evidentes razões de vitória contra um rico, a ponto de não poder dar razão
a este de maneira alguma, fazia que expulsassem o outro de sua presença,
ameaçando-o ainda de pô-lo na cadeia. E os presentes ao julgamento sofriam com
suas violências, retirando-se de lá derrotados, e resignados com a derrota. Até
mesmo antes que a causa tivesse sido discutida.
Mas naquela cidade havia também uma
viúva carregada de filhos, a qual feitos por seu falecido esposo. E ela,
obrigada pelas necessidades e pelo amor materno, havia procurado receber do
rico aquela soma, que lhe daria as condições de matar a fome de seus filhos e
dar-lhes roupas no inverno que se aproximava. Mas, tendo-se tornado inúteis
todas as pressões e súplicas que ela fazia ao rico, ela então recorreu ao juiz.
O juiz era amigo do rico, o qual lhe
havia dito: “Se me deres ganho de causa, a terça parte da soma será tua.” Por
isso o juiz se fez de surdo ás palavras da viúva, que assim lhe rogava:”
Faze-me justiça contra o meu adversário. Tu estás vendo se eu estou ou não
precisando disso. Todos podem dizer se estou, ou não precisando daquela soma.”
O juiz se fez de surdo, e mandou que seus ajudantes a expulsassem. Mas a mulher
voltou, uma, duas, dez vezes, pela manhã, ás nove horas, ao meio-dia e á tarde,
incansavelmente. E o acompanhava pela rua gritando: “Faze-me justiça. Meus
filhos estão com fome e frio. E eu não tenho dinheiro para comprar farinha e
roupas.” Depois ela ia ficar esperando na soleira da casa do juiz, quando ele
voltava para casa, e ia sentar-se á mesa com seus filhos. E a viúva gritava:
“Faze-me justiça contra meu adversário, porque eu estou com fome e com frio e
também os meus filhos.” E entrava pela casa adentro, até a sala de jantar, e no
quarto de dormir á noite, insistindo sempre, como se fosse o grito de uma
poupa: “Faze-me justiça. Lembra-te de que a viúva e os órfãos são consagrados a
Deus, e ai de quem os conculcar! Faze-me justiça, se não queres sofrer um dia o
que nós estamos sofrendo. A nossa fome e o nosso frio, tu os encontrarás na
outra vida, se não fizeres justiça. Infeliz de ti!
O juiz não temia a Deus, nem temia ao
próximo. Mas de ficar sendo sempre molestado, de ser feito objeto de chacota
por parte da cidade inteira, por causa da perseguição que lhe fazia a viúva, e
de ser feito também de censura de todos, de tudo isso já estava cansado. Por
isso, um dia ele disse a si mesmo: “Ainda que eu não tema a Deus nem ás ameaças
da mulher nem em que pensam os cidadãos, contudo, para pôr fim a coisas tão
aborrecidas, eu vou dar ouvidos á viúva, e farei justiça, obrigando o rico a
pagar. Basta que ela não me persiga mais, e saia de ao redor de mim.” E tendo
chamado o amigo rico, lhe disse: “Não é mais possível que eu te contente.
Cumpre o teu dever, e paga, porque eu não suporto mais ser molestado por tua
causa. É isto. “E o rico teve que desembolsar a soma conforme a justiça.
Esta é a parábola. Agora aplicai-a a
vós.”
E se
encaminha para a saída. Já está quase nos muros, quando levantando a cabeça
para observar os poucos que o acompanham e os muitos indiferentes ou hostis,
que o ficam olhando de longe, exclama com tristeza: Mas,
quando o Filho do homem voltar, encontrará ainda fé sobre a terra? E, suspirando, envolve-se mais ainda no seu manto, e vai
caminhando com longos passos para o subúrbio de Ofel.
Pg. 43-45
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506 – NO TEMPLO O CONTESTADO DISCURSO
QUE REVELA EM JESUS A LUZ DO MUNDO
Diz
Jesus:
“Eu sou a luz do mundo, e quem me segue
não caminhará nas trevas, mas terá a luz da vida.” E fica calado, depois de ter enunciado o assunto da
pregação, que Ele vai desenvolver, como faz habitualmente, quando está para pronunciar
algum grande sermão. Cala-se para dar tempo ao povo de decidir se o assunto lhe
interessa, ou não, e dar também tempo àqueles aos quais o tema proposto não
interessa, para que se vão embora. Dos ali presentes, ninguém foi-se embora. E
até os fariseus, que estavam de pé na porta, ocupados em uma conversação
dissimulada e mentirosa, e que se calaram, e forçaram sua entrada na sinagoga,
com aquele rompante de costume, abrindo alas para o interior.
Depois
que cessou todo aquele barulho, Jesus repete a frase que antes disse, com voz
ainda mais forte e continua:
“Eu sou a luz do mundo, sendo Filho do
Pai, que é o Pai da Luz. O Filho é sempre semelhante ao Pai que o gerou, e dele
tem a mesma natureza. Igualmente Eu a Ele sou semelhante e tenho a natureza daquele
que me gerou. Deus, o Altíssimo, o Espírito perfeito e infinito, é Luz de Amor,
Luz de Sabedoria, Luz de Poder, Luz de Bondade, Luz de Beleza. Ele é o Pai das
Luzes, e quem vive dele e nele, vê, porque está na Luz, assim como é do desejo
de Deus que as criaturas vejam. Ele deu aos homens inteligência e sentimento,
para que eles pudessem ver a Luz, isto é, a Ele mesmo, e compreendê-la e
amá-la. E deu aos homens olhos para que pudessem ver a coisa mais bela entre as
coisas criadas, a perfeição dos elementos, aquelas coisas pelas quais se torna
visível a Criação, a que é uma das primeiras ações de Deus Criador, e traz o
sinal mais visível daquele que a criou, a luz incorpórea, brilhante,
extasiante, consoladora, necessária, como é o Pai de todos: Deus Eterno e
Altíssimo.
Por uma ordem de seu pensamento, Ele
criou o firmamento e a terra, isto é, a massa da atmosfera e a massa do pó, o
incorpóreo e o corpóreo, o que é leve e o que é pesado, mas ambos ainda pobres
e vazios, ainda informes, porque encobertos pelas trevas e vazios ainda de
astros e de vida.
Mas, para dar á terra e ao firmamento
sua verdadeira fisionomia, para fazer deles duas coisas belas, úteis, aptas
para o prosseguimento da obra criadora, o Espírito de Deus, que pairava sobre
as águas, e que fazia um Ser com o Criador que criava e o Inspirador que o
impelia a criar, a fim de poder amar não somente a Si mesmo no Pai e no Filho,
mas também um número infinito de criaturas com os nomes de astros, planetas,
águas, plantas, flores, animais que voam, que saltam, que se arrastam, que
correm, que pulam brincando, que sobem e finalmente o homem, o mais perfeito
entre as criaturas, mais perfeito que o sol, porque tem a alma; além de ter a
matéria, a inteligência além do instinto, a liberdade além da ordem, o homem
semelhante a Deus pelo Espírito, semelhante ao animal pela carne, o semideus
que se torna Deus pela graça de Deus e por sua própria vontade, o ser humano
que, se quiser, pode transformar-se em Anjo, o mais amado das criaturas
sensíveis, pelo qual, mesmo sabendo que é pecador, antes que existisse o tempo,
preparou o Salvador, a vítima no Ser amado sem medida, no Filho, no Verbo, pelo
qual tudo foi feito, mas para dar á terra e ao firmamento sua verdadeira
fisionomia, como Eu dizia, mas que o Espírito de Deus, pairando sobre o cosmo,
grita, e é a Palavra que, pela primeira vez se faz ouvir: “Que exista a luz”, e
eis a luz, boa, saudável, forte durante o dia, mais atenuada durante a noite,
mas imperecível, enquanto existir o tempo.
O oceano de maravilhas, que é o trono
de Deus, o seio de Deus. Deus tira a joia mais bela e é a luz que vem à frente
da joia mais perfeita, que é a criação do homem, no qual não está uma joia de
Deus, mas está o próprio Deus, com o seu sopro inspirado sobre o barro, para fazer
dele uma carne, uma vida e um herdeiro no Paraíso Celeste, onde Ele espera os
justos e os filhos, para felicitar-se neles, e eles Nele.
Se no início da criação Deus quis a luz
sobre suas obras, e se para fazer a luz se serviu de sua palavra, se Deus aos
mais amados dá a sua semelhança mais perfeita, a luz, luz material alegre e
incorpórea, a luz espiritual sábia e santificante, poderá ter deixado de dar ao
Filho do seu amor aquilo que é Ele mesmo? Aquele no qual Ele, desde a
eternidade Ele se compraz, o Altíssimo deu tudo, e do tudo Ele quis que fosse a
primeira e poderosíssima a Luz, porque sem esperarem subir ao Céu, os homens
conhecessem a maravilha da Trindade, o que faz que os céus cantem em alegres
coros, cantem pela harmonia de alegria admirável, que sentem os Anjos ao
olharem para a Luz, isto é, para Deus, Luz que enche o Paraíso, e o faz ser a
felicidade de todos os seus habitantes.
Eu sou a Luz do Mundo. Quem me segue
não anda nas trevas, mas terá a luz da Vida. Assim como a luz sobre a terra informe
permitiu a vida ás plantas e aos animais, assim a minha Luz permite aos
espíritos a Vida Eterna. Eu, a Luz que eu sou, crio em vós a Vida e a mantenho,
a aumento, vos recrio nela, e vos transformo, vos levo para a morada de Deus,
por caminhos de sabedoria, de amor, de santificação. Quem tem em si a luz, tem
Deus em si, porque a luz é uma só coisa com a caridade, e quem têm caridade tem
a Deus. Quem tem em si a luz, tem Deus em si a Vida, porque Deus está onde é
bem acolhido o seu Filho dileto.”
Um dos
fariseus diz: “Tu dizes palavras sem fundamento. Quem foi que viu o que é Deus?
Nem mesmo Moisés viu a Deus, porque sobre o Horeb, mal ele soube que era Deus
que estava falando do meio da sarça ardente, cobriu o próprio rosto. E também
nas outras vezes não pôde vê-lo, por entre os fulgores ofuscantes. E, tu dizes
que já viste a Deus? A Moisés, que apenas o ouviu falar, ficou-lhe um
resplendor no rosto. E tu que luz é que tens no rosto? Tu és um pobre Galileu,
de rosto pálido, como a maior parte de nós. Tu és um doente cansado e magro. Em
verdade, se tivesse visto a Deus, e Ele te amasse, não serias como um que está
para morrer. Queres tu dar a vida, quando não a tens, nem mesmo para ti?”, e
sacodem a cabeça, apiedando-se ironicamente dele.
“Deus é Luz, e Eu sei qual é a sua Luz,
porque os filhos conhecem os seus pais e porque cada um conhece a si mesmo. Eu
conheço a meu Pai, e sei quem Eu sou. Eu sou a Luz do mundo. Eu sou a Luz,
porque meu Pai é Luz, e me gerou, dando-me a sua natureza. A Palavra não é diferente
do Pensamento, porque a palavra expressa o que o intelecto pensa. E, afinal,
vós não conheceis mais os profetas? Não vos lembrais de Ezequiel, e
principalmente de Daniel? Descrevendo a Deus, visto na visão, sobre o carro de
quatro animais, diz o primeiro: “Sobre o Trono estava um que em seu aspecto
parecia um homem e, dentro dele, e ao redor dele, eu vi uma espécie de âmbar
amarelo, com uma aparência de fogo, que resplandecia ao redor, com o aspecto do
arco-íris, quando se forma na nuvem em dia de chuva. Tal era o aspecto do
esplendor ao redor.” E Daniel diz: “Eu estava observando, antes de se terem
levantado dos tronos e de ter-se assentado, o Antigo em dias. Suas vestes eram
brancas como a neve, e seus cabelos como uma lã alva. Vivas chamas formavam o
seu Trono, e as rodas do seu Trono eram fogo ardente. Um raio de fogo escorria
velozmente diante de sua face.” Assim é Deus, e assim é que Eu estarei, quando
vier julgar-vos.”
O fariseu
diz: “O teu testemunho não é válido. Tu dás testemunho de ti mesmo. Por isso,
que valor tem o teu testemunho? Para nós ele não é verdadeiro.”
“Ainda que Eu preste testemunho a favor
de mim mesmo, o meu testemunho é verdadeiro, porque Eu sei de onde vim, e para
onde vou, mas vós não sabeis nem de onde Eu vim, nem para onde vou. Vós
considerais sabedoria o que vedes. Mas Eu conheço tudo o que é desconhecido
pelo homem, e vim para que vós também o conheçais. Por isso é que Eu disse que
sou Luz. Porque a luz é que faz conhecer o que estava escondido no escuro. No
céu há luz, mas na terra domina as trevas, e escondem as verdades aos
espíritos, porque as trevas odeiam aos espíritos dos homens e não querem que
eles conheçam a verdade, nem as verdades a fim de que se santifiquem. E papa
isso é que Eu vim. Para que tenhais a Luz e, portanto a Vida. Mas vós não me
quereis acolher. Vós quereis julgar o que não conheceis, e isso não podes
julgar, porque está muito mais alto do que vós, e é uma coisa incompreensível
para quem quer que não a contemple com os olhos do espírito, um espírito
humilde e alimentado pela fé. Mas vós julgais segundo a carne. E por isso não
podeis estar na verdade em vosso julgamento Eu, ao contrário, não julgo a
ninguém, sempre que Eu possa abster-me de julgar. Eu olho para vós com
misericórdia, e rezo por vós. Para que vós abrais à Luz. Mas, quando Eu devo
julgar mesmo, então o meu julgamento é verdadeiro, porque Eu não estou sozinho,
mas estou com o Pai, que me enviou, e Ele vê, lá de sua glória, o interior dos
corações. E, como Ele vê o vosso, vê também o meu. E, se Ele visse em meu
coração um julgamento injusto, por amor a Mim e pela honra da justiça, Ele me
adverteria. Mas Eu e o Pai julgamos de um só modo, e por isso somos dois, e não
somente para julgar e testemunhar. Em vossa lei está escrito que o testemunho
de duas testemunhas, que afirmam a mesma coisa, deve-se aceitar como verdadeira
e válido. Portanto Eu dou testemunho de minha natureza, e comigo o Pai me
enviou testemunhar a mesma coisa. Por isso, o que Eu digo é verdade.”
O
fariseu: “Nós não ouvimos a voz do Altíssimo. Tu dizes que Ele é teu Pai...”
“Ele falou de mim no Jordão...”
O
fariseu: “Está bem. Mas não estavas Tu sozinho no Jordão. Estava lá também
João. Podia estar falando dele. Pois era um grande profeta.”
“Vós vos condenais com vossas próprias
bocas. Dizei-me: quem é que fala pelos profetas?”
O
fariseu: “O Espírito de Deus.”
“E para vós João era profeta?”
O
fariseu: “E um dos maiores, se não o maior.”
“E, então, por que não crestes nas
palavras dele, e não credes em nós? Ele me mostrou como o Cordeiro de Deus, que
veio cancelar os pecados do mundo. A quem o interrogava se ele era o Cristo,
ele dizia: “Eu não sou o Cristo, mas sou aquele que o precede. Atrás de mim vem
alguém que na realidade vem a minha frente, porque ele já existia antes de mim,
e eu não o conhecia, mas Aquele que se apoderou de mim, desde o ventre de minha
mãe, e que me falou no deserto, me disse: “Aquele sobre o qual vires descer o
Espírito Santo, É Ele que batizará com o Espírito Santo e com o fogo.” Não vos
recordais disso? E, no entanto muitos de vós estáveis presentes... Por que é
então que não credes no profeta, que me mostrou, depois de ter ouvido as
palavras do Céu? Será que isso é o que Eu devo dizer ao meu Pai, que o seu povo
não crê mais nos profetas?”
O
fariseu: E onde é que está o teu pai? José, o carpinteiro, dorme, há anos no
sepulcro. Tu não tens mais pai.”
“Vós não conheceis nem a mim, nem a meu
Pai. Mas, se me quisésseis conhecer, conheceríeis também o meu verdadeiro Pai.”
O
fariseu: “És um possesso e um mentiroso. És um blasfemador, querendo sustentar
que o Altíssimo é Teu Pai. E merecias ser apedrejado, como manda a Lei.”
Os
fariseus e outros do Templo gritam ameaçadoramente, enquanto as pessoas olham
para eles com olhares cheios de ira, querendo defender o Cristo. Jesus olha
para ele, sem acrescentar nenhuma palavra, e depois sai do salão por uma
portinha lateral, que dá para um pórtico.
Pg. 45 a
51
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507 – A GRANDE DISPUTA COM OS JUDEUS E
A FUGA DO TEMPLO COM A AJUDA DO LEVITA ZACARIAS
Os judeus
gritam, lívidos pela ira e pelo ódio: “O nosso pai é Abraão. Não temos nenhum
outro pai.”
O Pai dos homens é Deus. O próprio
Abraão é filho do Pai universal. Mas muitos repudiam o Pai verdadeiro por um
pai que não é pai, mas que eles escolhem como tal, porque ele parece mais
poderoso para contentá-los em seus desejos imoderados. Os filhos fazem as obras
que eles veem seus pais fazendo. Se vós sois filhos de Abraão, porque é que não
fazeis as obras de Abraão? Não as conheceis? Deverei enumerá-las para vós em
sua natureza e em seus símbolos? Abraão adoeceu, indo para a terra que Deus lhe
indicou, uma figura do homem que deve estar pronto a deixar tudo a fim de ir
para o lugar aonde Deus o manda ir. Abraão foi condescendente com o filho do
seu irmão, e o deixou escolher a região que preferisse, uma figura do respeito
á liberdade de ação e da caridade que devemos ter para com o nosso próximo.
Abraão ficou humilde, depois dos sinais da predileção de Deus, e o honrou em
Mambré, julgando-se sempre um nada diante do Altíssimo, que lhe havia falado,
figura da postura de amor reverencial que o homem deve sempre tomar para com o
seu Deus. Abraão creu em Deus e lhe obedeceu até nas coisas mais difíceis de
serem cumpridas e, para sentir-se seguro, não procedeu como um egoísta, mas
orou a Deus pelos d Sodoma. Abraão não pactuou com o Senhor, querendo algum
prêmio pelas suas muitas obediências, mas, pelo contrário, para honrá-lo até o
fim, chegou ao máximo de sacrificar-lhe seu filho amado.
“Não o
sacrificou.”
Ele lhe sacrificou o filho amado porque
na verdade o seu coração já o havia sacrificado, durante a viagem, tendo sido
sustada pelo Anjo a sua vontade de obedecer, quando já o coração do pai estava
ferido, no momento de ferir o coração do filho. Matava o filho para honrar a
Deus. Vós matais o Filho de Deus para honrardes a Satanás. Fazeis vós as obras
daquele que dizeis ser o vosso pai? Não. Vós não as fazeis. Vós procurais
matar-me, porque Eu digo a verdade, assim como Eu a ouvi de Deus. Não procurava
matar a voz que vinha do Céu, mas obedecia a ela. Não. Vós não fazeis as obras
de Abraão, mas sim as que vos mostra o vosso pai.
“Nós não
nascemos de uma prostituta. Bastardos, nós não somos. Tu o disseste, Tu mesmo,
que o pai dos homens é Deus, e nós então, somos o povo eleito, e das castas
escolhidas do meio desse povo. Por isso temos a Deus como o nosso único Pai.”
Se reconhecêsseis a Deus por Pai, em
espírito e verdade, e em verdade me amásseis, porque Eu procedo de Deus, venho
de Deus. Eu não venho de mim mesmo, mas foi Ele que me mandou. Portanto se
verdadeiramente conhecêsseis o Pai, me reconheceríeis a Mim também, como seu
Filho, vosso irmão e Salvador. Podem os irmãos deixar de conhecer-se? Podem os
filhos de Um só não reconhecer a linguagem que se fala na casa do Único Pai?
Porque é então que não compreendeis a minha linguagem, e não tolerais as minhas
palavras? Porque Eu venho de Deus, e vós não. Vós deixastes a morada paterna, e
esquecestes como era o rosto e a linguagem daquele que nela mora, vós saístes,
por vossa vontade, para outras regiões, para outras moradas, onde reina um
outro Deus, que não existe, e onde se fala uma outra língua. E, quem ali reina
exige que para entrar lá, cada um se faça filho dele e lhe obedeça. E vós
fizestes assim, e o fazeis. Vós abjurais, renegais a Deus Pai, para escolherdes
um outro pai. E esse é Satanás. Vós tendes por pai o demônio, e quereis cumprir
o que ele sugere. E os desejos do demônio são de pecado e violência, e isso vós
aceitais. Desde o princípio ele foi homicida, e não perseverou na verdade,
porque ele rebelando-se contra a Verdade, não pode ter em si o amor á Verdade.
Quando ele fala, fala como ele é, ou seja, fala como um mentiroso, um ser
tenebroso, porque na verdade ele é mentiroso, gerou e pariu a mentira. Depois
de ter sido fecundado pela soberba, e nutrido com a rebeldia.
Toda concupiscência está em seu seio, e
ele a cospe e a inocula, a fim de envenenar as criaturas. É o tenebroso, o
escarnecedor, o rastejante réptil maldito, é o opróbrio e o horror. Desde a
séculos e séculos suas obras atormentam o homem e os sinais e frutos delas
estão diante das inteligências dos homens. E no entanto é a ele que mente e
arruína, que vós dais ouvidos, enquanto que se Eu falo o que é verdadeiro e
bom, vós não me credes, e ainda me chamais de pecador. Mas quem é que entre os
muitos que se aproximaram de Mim, com ódio ou com amor, pode dizer que me viu
pecar? Quem é que o pode dizer com verdade? Onde estão as provas para
convencer-me a Mim e a quem crê em Mim que Eu sou um pecador? Contra qual dos
mandamentos foi que eu faltei? Quem diante do altar de Deus, pode jurar que me
viu violar a Lei e os costumes, os preceitos, as tradições, as orações? Quem
entre todos os homens poderá fazer que se altere a cor do meu rosto, para ficar
Eu com provas seguras, convencido de pecado? Ninguém pode fazer isso. Ninguém
dentre os homens e ninguém dentre os anjos. Deus no coração dos homens grita:
“Ele é o Inocente.” Disso todos vós estais convictos, e mais ainda, vós que me
acusais do que esses outros que não têm a certeza sobre quem, entre Mim e vós,
é que tem razão. Mas somente quem é de Deus é que escuta as palavras de Deus.
Vós não as escutais, por mais que elas ressoem em vossas almas noite e dia, e
vós não as escutais porque não sois de Deus.
“Nós, nós
que vivemos dentro da Lei, e na mais estrita observância dos preceitos para
honrar o Senhor, não somos de Deus? E Tu ousas dizer isso? Ah!” E parecem estar
asfixiados pelo horror, como se estivessem com um cabresto. “E não devemos
dizer que és um endemoninhado e um samaritano?”
Eu não sou uma coisa nem outra, mas
honro a meu Pai, ainda que vós o negueis para me injuriar. Mas essa vossa
ofensa não me causa mágoa. Eu não procuro a minha glória. Há quem cuide dela e
julgue. Isto Eu vos digo a vós, que me quereis aviltar. Mas a quem tem boa
vontade Eu digo que quem acolher a minha palavra, ou que já a acolheu, e a
souber guardar, não verá a morte para sempre.
“Ah!
Agora estamos vendo bem que, pelos teus lábios fala o demônio que te possui! Tu
mesmo disseste: “Ele fala como um mentiroso.” Isto que Tu disseste é uma
mentira, e portanto uma palavra demoníaca. Abraão morreu, e os profetas
morreram. E Tu dizes que quem guardar a tua palavra nunca verá a morte. Então
Tu não morrerás?”
Eu só morrerei como homem, para
ressurgir no Tempo da Graça, mas como Verbo não morrerei. A Palavra é Vida, e
não morre. E quem acolhe a Palavra tem em si a Vida, e não morre para sempre,
mas ressurge em Deus, porque Eu o ressuscitarei.
“Blasfemador!
Louco! Demônio! És mais do nosso Pai Abraão que morreu, e do que os profetas?
Quem é que pretendes ser?”
O Princípio, Eu que vos estou falando.
Acontece
um pandemônio. E enquanto isso acontece, o levita Zacarias, empurra
delicadamente Jesus para um canto do pórtico, ajudado pelos filhos de Alfeu e
por outros que o ajudam, talvez até sem saberem o que estão fazendo. Quando
Jesus já está bem encostado na parede e com a proteção dos mais fiéis colocados
diante dele e, quando já se acalma um pouco o tumulto que se alastrou até o
pátio, Ele diz, com uma voz muito firme e bela, sempre calma, até nos momentos
de maior perturbação:
Se Eu me glorificar a mim mesmo, não
terá valor a minha glória. Cada um pode dizer de si mesmo o que quiser. Mas
quem me glorifica é meu Pai, que vós dizeis que é vosso Deus, ainda que Ele
seja tão pouco vosso, que vós nem o conheceis, e nunca o conhecestes, nem o
quereis conhecer por meio de mim, que dele vos falo porque o conheço. E se Eu
dissesse que não o conheço, para acalmar o vosso ódio conte mim, Eu seria um
mentiroso como vós o sois, vós que dizeis que o conheceis. Eu sei que não devo
mentir por motivo algum. O Filho do homem não deve mentir, nem se o dizer a verdade
for causa de sua morte. Porque se o Filho do homem mentisse, não seria mais
verdadeiramente filho da verdade, e a verdade o repeliria de Si. Eu conheço
Deus, como Deus e como homem. E como Deus e como homem, Eu conservo as suas
palavras e as observo. Israel, reflete! Aqui é que se cumpre a promessa. Ela se
cumpriu em Mim. Reconhecei-me pelo que Eu sou! Abraão vosso pai suspirou por
ver o meu dia. E ele o viu profeticamente, por uma graça de Deus, e saltou de
alegria por isso. E vós que na realidade estais vivendo.
“Mas cala
a boca! Ainda não tens cinquenta anos, e queres dizer que Abraão te viu. E que
Tu o viste? E a risada zombeteira deles se ouve ao longe, como uma onda de
veneno ou de ácido corrosivo.
Em verdade, em verdade, Eu vos digo:
desde antes que Abraão nascesse, Eu Existo!
Pg. 59-62
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508 – JOÃO SERÁ A LUZ DE CRISTO ATÉ O
FIM DOS TEMPOS. O PEQUENO MARCIAL-MANASSÉS ACOLHIDO POR JOSÉ DE SÉFORIS
“Por que vieste?” Pergunta Jesus a João.
Não
podíamos deixar-te assim sozinho... e eu vim.
E crês que tu sozinho me poderias
defender contra tantos?
Não estou
bem seguro disso. Mas, pelo menos eu morreria antes de Ti. E para mim bastaria.
Morrerás muito tempo depois de mim,
João. Mas não fiques triste por isso. Se o Altíssimo te deixa no mundo, é para
que o sirvas, e sirvas o seu Verbo.
Mas
depois...
Depois servirás. Quanto deverias viver
para servir-me, como os nossos dois corações gostariam. Mas mesmo depois de
morto, tu me servirás.
Como é
que eu farei, Mestre meu? Se eu estiver contigo no Céu, te adorarei. Mas eu não
poderei servir-te na terra, quando a tiver deixado.
Tu achas que será mesmo assim? Pois
bem. Eu te digo que tu me servirás até a minha nova vinda, a última. Muitas
coisas ficarão áridas, antes do último tempo, assim com os rios que ficam secos
e, daqueles belos cursos de água azul e saudável que eles eram, se
transformarão em uns torrões de poeira e em grandes pedras áridas. Mas tu serás
ainda um rio, produzindo o som da minha palavra, e refletindo a minha Luz. Tu
serás a última luz que ficará, para tornar lembrado o Cristo. Porque serás uma
luz toda espiritual, e os últimos tempos serão de luta das trevas contra a Luz,
da carne contra o espírito. Aqueles que souberem perseverar na fé encontrarão
força, esperança e conforto naquilo que tu deixarás depois de ti, que serão tu
ainda... e que sobretudo serão Eu ainda, porque Eu e tu nos amamos e onde tu
estás, Eu estou, e onde estou, tu estás. Eu prometi a Pedro que a Igreja que
terá como chefe e base a minha Pedra, não será destruída pelo Inferno em seus
numerosos e sempre mais ferozes assaltos, mas agora Eu te digo que o que será
ainda Eu, e que tu deixarás para quem procura a Luz, não será destruído, apesar
de o Inferno, por todos os meios, procurar anulá-lo. E haverá até mais. Também
aqueles que crerão em mim de um modo imperfeito, porque, mesmo acolhendo a mim,
não acolherão o meu Pedro, estarão sempre correndo juntos, á luz do teu farol,
como uns pequenos navios sem piloto e sem bússola, que se dirigem durante a sua
tempestade, para a luz, porque luz quer dizer salvação.
Mas que é
que eu vou deixar, Senhor meu? Eu sou pobre... ignorante... Só tenho o amor...
Eis. Deixarás o amor. E o amor ao teu
Cristo se tornará palavra. E muitos, muitos, mesmo aqueles que não serão da
minha Igreja, mas que estarão procurando uma luz e um conforto para estímulo de
seu espírito insatisfeito, pela necessidade de uma compaixão nos sofrimentos,
virão a ti, e me encontrarão.
Eu
gostaria que os primeiros a te acharem fossem estes cruéis judeus, estes
fariseus e escribas... Mas não sirvo para tanto.
Nada entra mais num lugar que já está
cheio, até a plenitude.
Pg. 65-66
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512 – PROFECIA DIANTE DE UM POVOADO
DESTRUÍDO
“Porque
ficas aqui Mestre? Este lugar de causa aflição, como estamos vendo. Eu me
arrependo de ter-te feito passar por aqui, porque é um caminho mais curto”, diz
Cléofas de Emaús.
Oh! Não vejo aquilo que vós vedes!
“E o que
vês Senhor? Talvez revês algum evento passado? Certamente foi amedrontador. É
esse o sistema de Roma...”, diz o outro de Emaús.
E isto devia fazer refletir. Vede todos
vós. Aqui foi uma cidade, não muito grande, mas bonita. Era composta mais de
casas senhoris, do que de casas humildes. E eram de ricos estes campos
esterilizados, agora cobertos de sarças, de joio, de urtigas... Antes havia
belos pomares e campos cheios de messe. E as casas de então eram bonitas, com
jardins cheios de flores, e com poços e fontes, onde se banhavam os pombos, e
os meninos brincavam. Eram felizes todos os habitantes deste lugar, mas a
felicidade não os fez ficar justos. Eles se esqueceram do Senhor e de suas
palavras... E eis o que aconteceu. Não há mais casas, não mais flores, nem
fontes, nem messes, nem frutas, só focaram os pombos, e não mais felizes como
naquele tempo, pois, em lugar do trigo loiro e do cominho, dos quais eles eram
gulosos, e com que se saciavam, agora eles têm que lutar para conseguirem um
pouco de ervilhas ásperas e de joios amargos. E é uma festa quando ainda
encontravam uma espiga de cevada, nascida por entre os espinhos.
E, olhando não vejo mais nem mesmo os
pombos. Mas rostos e mais rostos. Dos quais muitos ainda não nasceram... e vejo
ruínas e mais ruínas, e sarças e lambrusca e ervilhacas selvagens, que cobrem
as terras da Pátria. E tudo isso porque não quis escolher ao Senhor. Ouço
choros de meninos definhados, mais infelizes do que estes passarinhos, para os
quais Deus provê ainda com um mínimo de ajuda, para viverem, enquanto que os
pequeninos ficarão privados de toda ajuda, feridos pelo castigo geral,
enfraquecidos junto aos peitos enxutos das mães, que estão morrendo de inédia,
de dor e de um espanto sem nome. E ouço os lamentos das mães por seus filhos,
que estão morrendo de fome, agarrados aos seus seios. E os lamentos das esposas
sem esposo, das virgens capturadas para darem prazer aos vencedores, dos homens
amarrados com correntes, depois de terem passado por toda a humilhação da
guerra, e de velhos que viveram até verem cumprida a profecia de Daniel.
E ouço a voz incansável de Isaías, ao
sopro deste vento sobre as ruínas, nos queixumes dos pombos por entre os
escombros: “Em palavras bárbaras, em uma língua estrangeira, falará o Senhor a
este povo, ao qual Ele disse: “Aqui é o meu repouso. Restaurai o cansado. Este
é o meu refrigério.” Mas eles não quiseram escutar. Não. Não quiseram, e o
Senhor não pôde achar repouso do meio de seu povo. O cansado que se cansou
percorrendo as suas regiões e ensinando, curando, convertendo e confortando,
não acha restauração, mas perseguição. Não refrigério, mas ciladas e traições.
O Pai e o Filho formam uma única unidade. E, se a Verdade vos ensinou que até
um copo d`água dado a um homem terá recompensa, porque todo ato de misericórdia
feito ao irmão é feito ao próprio Deus, que castigo não será então, para
aqueles que brigam até pela pedra do caminho, usada como travesseiro pelo Filho
do Homem, e a fonte da montanha, que jorra por bondade do Criador, e o fruto
que ficou esquecido no ramo, lá deixado, porque estava doente ou verde, a
espiga disputada aos pombos, e já estão com o laço pronto para fechar a
respiração na garganta, e com a respiração, a vida? Oh! Infeliz Israel, que em
ti perdeste a Justiça, e que perdeste a misericórdia de Deus!
Eis, eis de novo a voz de Isaías neste
vento da tarde, mais tremenda do que o grito do pássaro da morte, tremenda,
quase como aquela que soou no Paraíso Terrestre para condenação dos dois
culpados, e, oh! Que coisa horrível! E não está unida esta voz do Profeta á
promessa de um perdão, como naquele tempo, como naquele tempo! Não. Não há
perdão para os escarnecedores de Deus, para aqueles que dizem: “Nós fizemos
aliança com a Morte, fizemos um pacto firme com o Inferno. Os flagelos quando
vierem, não virão sobre nós, porque nós pusemos nossas esperanças na Mentira e
por ela, que à poderosa, estamos protegidos.”
Eis Isaías, repetindo o que ouvira do
Senhor: “Eis que Eu, como fundamento de Sião, porei uma pedra angular,
escolhida, preciosa. E farei julgamento quanto ao peso e a justiça, quando á
medida, e o granizo destruirá a esperança na Mentira, e as águas destruirão os
diques, e vossa aliança será destruída pela Morte, e não existirá mais o vosso
pacto com o Inferno. Quando passar o tempestuoso flagelo vos matará, e vos
matará cada vez que passar, a cada hora, e somente o castigo vos fará aprender
a lição.”
Infeliz Israel! Assim como estes
campos, nos quais persistem somente as áridas ervilhacas e o amargo joio, não
há mais trigo, assim será em Israel, e a terra que não quis o Senhor, não terá
pão para os seus filhos, e os filhos que não quiseram acolher aos cansados, aos
feridos, escravizados como os galeotes aos remos, súbditos daqueles que eles
desprezavam como inferiores, irse-ão embora. Deus triturará verdadeiramente o
povo soberbo, sob o peso de sua justiça, e o despedaçará com a máquina de seu
julgamento.
Eis o que Eu estou vendo nestas ruínas.
Ruínas e mais ruínas. Ao norte, ao sul, a leste e a oeste, e sobretudo no
centro, no coração, onde a cidade culpada será transformada em uma fossa
fétida.
E lentas
vão descendo as lágrimas sobre o rosto pálido de Jesus, que levanta o seu manto
para enxugá-lo, deixando descobertos somente os olhos, que estão dilatados pela
horrível visão. E Ele começa a andar, enquanto os que estão com Ele cochicham,
gelados de espanto.
Pg.
101-103
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513 – EM EMAÚS DA MONTANHA, UMA
PARÁBOLA SOBRE A VERDADEIRA SABEDORIA E UMA ADMOESTAÇÃO A ISRAEL
Diz
Jesus:
“Ouvi todos. Porque o que serve para os
pequenos, serve também para os homens. Um dia um homem ouviu dizer que estava
sendo chamado por um grande rei, o qual lhe disse: “Fiquei sabendo que tu és
merecedor, porque és sábio e honras a tua cidade com o seu trabalho, e tua
ciência. Pois bem. Eu não te darei isto ou aquilo, mas te levarei até o salão de
muitos tesouros, e tu escolherás o que quiseres, e eu to darei. Desse modo eu
também poderei julgar se tu és o que tua fama me diz de ti.”
E, ao mesmo tempo, o rei encostado ao
terraço que estava ao redor do seu átrio, lançou um olhar sobre a praça que ficava
diante do palácio real, e viu passar um meninozinho vestido com vestes muito
pobres, certamente de alguma família muito pobre, talvez até órfão e mendigo. O
rei virou-se para os seus servos e disse: “Ide aquele menino e trazei-me aqui.”
E os servos foram, e voltaram com o
menino, que tremia de medo ao ser levado á presença do rei. Por mais que os
dignitários da corte lhe dissessem: “Inclina-te, e saúda ao rei, dizendo:
“Honra e glória a ti meu rei. Eu dobro o joelho diante de ti. Ó poderoso, que a
terra exalta como um ser, que maior não pode haver.””, e o menino não queria
inclinar-se, nem dizer aquelas palavras e os dignitários, contrariados, o
sacudiram com violência e diziam: “Ó rei este menino é idiota e sujo, e é uma
vergonha em tua morada. Deixa que nós o tiremos daqui, e o levemos para o meio
da rua. Se desejas muito ter ao teu lado um menino, nós iremos procurá-lo entre
os ricos da cidade se já estiveres cansado com os nossos, e o encontraremos
para ti. Mas não este bobo, que não sabe nem saudar!”
O homem rico e sábio que antes se havia
humilhado em muitas inclinações servis e profundas, como se estivesse diante do
altar, disse: “Os teus dignitários falaram bem. Pela majestade de tua casa
deves impedir que deixe de ser prestada á tua sagrada pessoa a homenagem que se
deve prestar”, e, ao dizer estas palavras, ainda prostrou-se para beijar o pé
do rei.
Mas o rei disse: “Não. Eu quero este
menino. E não só isso. Mas quero conduzi-lo, a ele mesmo, até o salão dos meus
tesouros, para que ele escolha o que quiser, e eu lho darei. Porque não me será
concedido, sendo eu o rei, que eu faça feliz uma pobre criança? Por acaso não é
ele meu súbdito, como todos vós? Por acaso tem ele culpa de ser um infeliz?
Não, viva Deus, que eu quero fazê-lo contente pelo menos uma vez! Vem cá,
menino, e não fiques com medo de mim”, e lhe estendeu a mão, que o menino
segurou com simplicidade, dando nela espontaneamente um beijo. O rei sorriu. E,
pelo meio de duas filas de dignitários inclinados em homenagem ao rei, indo por
sobre tapetes de púrpura e flores de ouro, ele se dirigiu para o salão dos
tesouros, tendo á direita o homem rico e sábio, e á esquerda, o menino
ignorante e pobre. E o manto do rei fazia um grande contraste com a roupinha
esfarrapada e os pezinhos descalços do pobre menino.
Entraram no salão dos tesouros, do qual
dois grandes da Corte haviam aberto a porta. Era um salão alto, redondo, sem
janelas. Mas a luz entrava pelo teto, que era uma grande placa de mica. Havia
lã dentro de uma luz mansa, mas que fazia brilhar as brochas de ouro dos cofres
e as fitas purpurinas de muitos rótulos colocados sobre altos e adornados
facistóis. Rótulos pomposos e de lombadas preciosas, portando um fecho e um
sinal ornado com pedras reluzentes. Obras raras que somente um rei podia
possuir. E abandonado sobre um facistol mais simples, escuro e baixo, estava um
pequeno rolo, todo enrolado em um pauzinho branco, amarrado com um fio rústico,
coberto de poeira, como coisa sem valor.
O rei disse, mostrando as paredes:
“Eis: aí estão todos os tesouros da terra e outros maiores ainda do que os
tesouros terrestres. Porque estão todas as obras filhas do engenho humano, e há
ainda obras que são de fontes sobre-humanas. Ide, e apanhai o que quiserdes.” E
foi colocar-se no centro do salão. Com os braços cruzados, observando.
O homem rico e sábio, dirigiu-se logo
aos cofres, levantou as tampas deles, com uma ânsia cada vez mais febril, ouro
em barras e em joias, prata, pérolas, safiras, rubis, esmeraldas, opalas... O
reluzir de todos os cofres, os gritos de admiração a cada um deles que era
aberto... E depois dirigiu-se aos facistóis e, ao ler os títulos dos rótulos,
novos grifos de admiração saiam de seus lábios, e, enfim, o homem, cheio de
entusiasmo, virou-se para o rei e disse: “Mas tu tens um tesouro incomparável,
e as pedras igualam-se aos rótulos em valor, e os rótulos a elas. E posso eu
escolher livremente?”
Eu já o disse. Como se tudo te
pertencesse.
O homem se jogou com o rosto por terra
dizendo: “Eu te adoro, ó grande rei!” E levantou-se correndo primeiro para os
cofres, depois para os facistóis, apanhando destes e daqueles o melhor que ele
via.
O rei, que havia sorrido uma primeira
vez por entre a barba, ao ver a febre com que o homem corria de um cofre ao
outro, e na segunda vez, ao vê-lo jogar-se no chão para adorar, e que agora
sorria pela terceira vez, vendo com que cupidez e com critério e preferência o
homem escolhia as gemas e os livros, virou-se para o menino, que havia ficado a
seu lado, e lhe disse: “E tu, não vais escolher belas pedras, ou rótulos de
valor?
O menino balançou a cabeça, para dizer
que não.
-E por quê?
-Porque quanto os rótulos, não os sei
ler. E, quanto ás pedras, não conheço o valor delas. Para mim elas são umas
pedrinhas, e nada mais.
-Mas tu ficaria rico.
-Não tenho pai, nem mãe, nem irmão.
Para que me serviria ir para o meu refúgio com um tesouro no seio?
-Mas poderias com ele comprar uma casa.
-Eu moraria sempre sozinho.
-Comprarias roupas.
-Ficaria sempre com frio, pois falta o
amor dos pais.
-Comprarias alimentos.
-Eu não poderia saciar-me com os beijos
de minha mãe, nem comprá-los por preço nenhum.
-Podias pagar a mestres e aprender a
ler.
-Isto é o que mais me agradaria. Mas,
ler o que depois?
-As obras dos poetas, dos filósofos,
dos sábios, e as palavras antigas, as histórias dos povos. Coisas inúteis,
vazias e passadas. Não vale a pena.
-Que menino tolo! Exclamou o homem, que
já estava com os braços carregados de rótulos, com a cintura e a túnica sobre o
peito cheias de pedras preciosas.
O rei continuava a rir por entre sua
barba. E, pegando o menino pelo braço, levou-o aos cofres e, mergulhando a mão
pelo meio das pérolas, dos rubis, dos topázios e das ametistas, e fazendo-as
cair como uma chuva reluzente, tentou fazer que o menino pegasse alguma delas.
-Não ó rei, não quero disso. Eu
gostaria de uma outra coisa.
O rei o levou aos facistóis e leu
estrofes de poetas, episódios de heróis, descrições de lugares.
-Oh! Ler é mais bonito. Mas não é isso
que eu queria.
-E que é afinal? Fala e eu te darei
menino.
-Oh! Não creio. Ó rei que tu o possas
fazer, mesmo com todo o teu poder. Não é coisa daqui de baixo.
-Ah! Queres obras que não sejam da
terra! Então, aqui estão as obras ditadas por Deus aos seus servos. Escuta, e
lhe leu algumas páginas inspiradas.
-Isto é muito mais bonito. Mas para
compreendê-lo, bem é necessário saber a linguagem de Deus. Não existe algum
livro que ensine isso, que nos faça compreender quem é Deus?
O rei fez um gesto de espanto, e não se
riu mais, mas apertou contra o seu coração o menino.
O homem, ao contrário, se riu,
zombeteiro, dizendo: “Nem os mais sábios sabem o que é Deus, e tu, menino
ignorante queres sabê-lo? Se quiseres tornar-te rico com isso!
O rei olhou muito sério para ele, e o
menino respondeu-lhe: “Eu não ando atrás de riquezas, o que eu procuro é amor,
e um dia me disseram que Deus é Amor.
O rei o levou para perto do facistol
simples, onde estava o pequeno rótulo atado com uma cordinha e coberto de
poeira. Ele o apanhou, o desenrolou e leu nas primeiras linhas: “Quem é
pequeno, venha a Mim, e Eu, Deus lhe ensinarei a ciência do amor. Neste livro
ela está, e Eu...
-Oh! Isso é que eu quero! E conhecerei
a Deus, e terei tudo se o tiver. Dá-me este rótulo, ó rei, e eu serei feliz.
-Mas em dinheiro, ele não tem valor.
Aquele menino é bobo. Ele não sabe ler, e quer um livro! Não é sábio, e não
quer instruir-se. É um que não tem nada, e não nega os tesouros.
-Eu me esforçarei para possuir o amor,
e este livro me ensinará. Que tu sejas bendito, ó rei, pois me estás dando o
modo de não sentir-me mais órfão e pobre.
-Pelo menos adora-o, como eu fiz, se
crês que te tornaste tão feliz por meio dele.
-Eu não adoro o homem, mas a Deus, que
o fez tão bom assim.
Este menino é um verdadeiro sábio em
meu reino, ó homem, que usurpas a fama de sábio. Tu te tornaste embriagado pelo
orgulho e pela avidez, até o ponto de pôr prática a adoração a criatura, em vez
de oferecê-la ao Criador. E isso, porque a criatura te dava pedras e obras
humanas. E ainda não pensastes que as pedras tu as tens, e que eu as tive,
porque Deus as criou, e teus rótulos raros, onde estão os pensamentos do homem,
porque Deus deu ao homem a inteligência. Este pequeno, que passa fome e frio,
que está sozinho e que foi atacado por tantas dores, e que seria desculpado e
desculpável, se se tornasse embriagado diante das riquezas, eis que o que ele
faz é justamente dar graças a Deus, por ter feito bom o meu coração, e não
procura outra coisa, senão a necessária: amar a Deus, conhecer o amor, para ter
as verdadeiras riquezas aqui e no além. Homem, eu prometi que te teria dado
aquilo que tivesses escolhido. Palavra de rei é sagrada. Vai pois, com as tuas
pedras e os teus rótulos, são pedrinhas multicores e, palha do pensamento
humano. E vai viver, tremendo por medo dos ladrões e das traças, os primeiros
inimigos das pedras, e o segundo dos pergaminhos. E ofusca-te com os fátuos
brilhos daquelas escamas, e desgosta-te com o dulçoroso sabor da ciência
humana, que teve apenas sabor, mas que não alimenta. Vai, Este menino ficará ao
meu lado, e juntos nos esforçaremos para lermos o livro que é amor, isto é, que
é Deus. E não teremos esplendores fátuos de pedras frias, nem o dulçoroso sabor
de palha das obras do saber humano. Mas os fogos do Espírito Eterno nos darão
desde agora o êxtase do Paraíso, e possuiremos a sabedoria, que fortalece mais
do que o vinho, e nutre mais do que o mel. Vem menino, ao qual a sabedoria
mostrou o seu rosto, para que tu a desejasse como uma esposa verdadeira.
E tendo mandado embora o homem, tomou
consigo o menino e, o instruiu na divina Sabedoria, para que se tornasse um
justo e um rei digno da sagrada unção nesta terra e um cidadão do Reino de Deus
depois desta vida. Esta é a parábola prometida aos pequeninos e, proposta aos
adultos.
Estais lembrados de Baruc? Ele diz:
“Por qual motivo ó Israel estás em terra inimiga. E vais ficando velho num
lugar estrangeiro, estás contaminado entre os mortos, e colocado no número
daqueles que vão descer para o abism0.” E ele responde: “Porque tu abandonaste
a fonte da sabedoria. Se tu tivesses caminhado pelo caminho de Deus, terias
vivido uma longa vida, em paz e para sempre.”
Escutai, ó vós que estais sempre
queixando-vos de estardes no exílio, ainda que estejais em vossa pátria, pois a
tal ponto a pátria não é mais nossa, mas do dominador. Queixais-vos disso, e
não sabeis que, em comparação com o que vos espera no futuro, isso é semelhante
a uma gota de água, em comparação com o cálice inebriante que se dá aos
condenados, e que vós o sabeis, é amargo, mais do que qualquer outra bebida.
O povo de Deus sofre, porque abandonou
a Sabedoria. Como podeis ter prudência, força, inteligência, como podeis saber
onde são encontradas, para saberdes depois as coisas menores, se não ides mais
abeberar-vos nas fontes da Sabedoria? O seu Reino não é desta terra, mas a
misericórdia de Deus nos concede ir à fonte dela. Ela é o próprio Deus. Mas
Deus abre o seu seio, para que ela desça até vós. Pois bem. O que Israel tem
agora, ou teve para crer que ainda tem, em sua soberba estulta, aqueles prodígios
que eles desperdiçaram, e que se creem ainda ricos, e exigem o favor, crendo
que são tais, enquanto recebem somente a compaixão e o escárnio, Israel, que
tem, ou teve, riquezas, conquistas, honras, possui ainda o único tesouro? Não.
Mas perde até os outros, porque quem perde a Sabedoria, perde a capacidade de
ser grande. E Israel conhece muitas coisas, até demais, mas não conhece mais a
Sabedoria.
Bem que diz Baruc: “Os jovens deste
povo viram a luz, moraram sobre esta terra, mas não conheceram o caminho da
Sabedoria, nem suas sendas, e os seus filhos não a receberam, e ela foi para
longe deles.” Para longe deles! Seus filhos não a receberam. E, que proféticas
palavras!
Eu, que vos falo, sou a Sabedoria. E
três quartos de Israel não me conhecem. Então, a Sabedoria se afasta. E mais se
afastará, deixando-o sozinho. E, que farão, então, esses que se julgam uns
gigantes, e por isso capazes de forçar o Senhor a ajudá-los e a servi-los?
Haverá gigantes que possam ajudar a Deus na fundação do seu Reino? Não. E Eu,
com Baruc, o digo: “Para fundar o Reino Verdadeiro de Deus, Deus não escolherá
estes soberbos, e os deixará morrer em sua estultice”, fora de suas sendas.
Porque para subir ao Céu com o espírito, e compreender as lições da Sabedoria,
é preciso ter um espírito humilde, obediente, e sobretudo “todo amor”, pois a
Sabedoria fala a sua linguagem, isto é, fala a linguagem do amor, pois ela é
Amor. Para conhecer as suas sendas, requer-se um olhar límpido e humilde, livre
da tríplice concupiscência. Para possuir-se a Sabedoria, é preciso comprá-la
com as moedas vivas: as virtudes.
Isto Israel não tinha, e Eu vim para
explicar a Sabedoria, para levar-vos ao caminho dela, para semear em vossos
corações as virtudes. Porque Eu tudo conheço, e tudo sei, e vim para ensiná-lo
ao Jacó, meu servo, e a Israel meu dileto. Eu vim à terra para conversar com os
homens, Eu, a Palavra do Pai, a tomar pela mão os filhos do homem, a mim, Filho
de Deus e dos homens, a Mim, Caminho da Vida. Eu vim para fazer-vos entrar no
salão dos tesouros eternos. Eu vim, Eu o Amor Eterno, para tomar como minha
esposa a Humanidade, que Eu quero elevar ao meu trono e ao meu tálamo, para que
esteja comigo no Céu, para introduzi-la no compartimento dos vinhos, a fim de
que ela se inebriasse com a verdadeira Videira, da qual os sarmentos recebem
Vida.
Mas Israel é uma esposa indolente, que
não se levanta do leito para abrir a porta para Aquele que chegou. E, então, o
esposo vai-se embora e passará ao largo. Ele está para passar. E depois Israel
o procurará em vão, e achará, não a misericordiosa Caridade do seu Salvador,
mas os carros de guerra dos dominadores, e será esmagado, esvaziando-se de sua
soberba e de sua vida, depois de ter querido esmagar até a Misericordiosa
Vontade de Deus.
Ó! Israel, Israel, que perdes a
verdadeira Vida, para conservar uma mentirosa ilusão de poder! Oh! Israel, que
crês estares salvando, e que estás querendo salvar-te, indo por caminhos que
não são os da Sabedoria, e te perdes, vendendo-te à Mentira e ao Delito, ó
Israel náufrago, que não te agarras à forte amarra, que te é jogada para teu
salvamento, mas, sim, aos bancos de areia do teu passado de transgressões, e,
então, a tempestade te leva para outro lugar, para o alto mar, um mar pavoroso
e sem luz, e aí, ó Israel, que vale salvar a tua vida ou presumir salvá-la por
uma hora, um ano, dez anos, dois ou três decênios, à custa de um delito, e
depois morrer para sempre? A vida, a glória, o poder, afinal, o que são? Uma
bolha de água suja, que está em um canal, sendo usada pelos lavradores, e que
está iridescente, não porque tenha sido feita de pedras preciosas, mas pela
sujeira gordurosa do nitro, se incha, formando bolhas vazias, destinadas a
escorrer, sem que delas nada sobre, a não ser um círculo sobre a água lodosa dos
mares humanos. Uma só coisa é necessária, ó Israel. Possuir a Sabedoria. Ainda
que a custo da vida. Porque a vida não é a coisa mais preciosa. É melhor perder
cem vidas do que perder a própria alma.
Jesus
terminou com um silêncio, que causou admiração. Mas as crianças reclamam o seu
beijo. E os adultos, a sua bênção. E somente depois destas duas coisas,
despedindo-se de Cléofas e de Hermes de Emaús, é que Ele pode sair de lá.
Pg.
104-111
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514 – CONSELHOS SOBRE A SANTIDADE A UM
JOVEM INDECISO. REPROVAÇÃO AOS CIDADÃOS DE BETERON DEPOIS DA CURA DE UM ROMANO
E DE UMA JUDIA
Um jovem
sai de entre a multidão e alcança o Mestre, saudando-o com respeito. Jesus
retribui a saudação.
Eu
desejaria pedir-te uma coisa, Mestre.
Fala.
Eu te
ouvi por acaso numa manhã depois da Páscoa, perto de um monte vizinho do Carit.
E, desde então, fiquei pensando que eu também podia estar entre aqueles que Tu
chamas. Mas, antes de vir, eu quis saber muito bem o que é necessário fazer e o
que não se deve fazer. Eu fiz estas perguntas aos teus discípulos, todas as
vezes que os encontrava. E um me dizia uma coisa, e outro outra. E eu ficava
incerto, quase espantado, em uma coisa todos estavam concordes, uns com mais
intransigência, e outros com menos, e era sobre a obrigação de ser perfeitos.
Eu, sou um pobre homem, Senhor, e a perfeição é somente para Deus. Eu te ouvi
uma segunda vez, e Tu mesmo dizias: “Sede perfeitos”. E eu fiquei desanimado.
Uma terceira vez, faz poucos dias, foi no Templo. E, por mais que fosses
severo, já me pareceu que fosse possível sê-lo, porque, nem eu sei porque...
nem eu sei explicá-lo, nem a mim próprio, nem a Ti. Mas me parecia que, se
fosse uma coisa impossível, ou tão perigosa como se quiséssemos fazer-nos
deuses, Tu que nos queres salvar, não no-lo proporias. Porque a presunção é
pecado. Querer ser deuses foi o pecado de Lúcifer. Mas talvez haja uma maneira
de sê-lo, sem pecarmos, e é seguindo a tua doutrina, que certamente é de
salvação. Falei bem?
Falaste bem. E, então?
E então,
eu continuei a perguntar isto ou aquilo. E, tendo sabido que estavas em Ramá,
fui para lá. E, desde então, com licença de meu pai, eu passei a acompanhar-te.
E, aí está, cada vez mais eu queria ir...
Pois bem! De que tens medo?
Eu não
sei... Nem eu mesmo sei... Pergunto, pergunto... Mas sempre, enquanto estou te
ouvindo, parece-me fácil, e resolvo ir. E, depois fico pensando no assunto, ou
pior, fico perguntando a um e a outro, e me fica parecendo muito difícil.
Vou dizer-te o que é que está
acontecendo: é uma cilada do demônio, para impedir que tu venhas. Ele te
amedronta com fantasmas, te confunde e te faz ficar perguntando a quem, como
tu, está precisando de luz. Porque é que não vieste a mim diretamente?
Porque...
eu tinha... não era medo, mas... os nossos sacerdotes e rabis! Eles são tão
duros e soberbos! E Tu... Eu não tinha coragem de aproximar-me de Ti. Contudo,
em Emaús, ontem, creio ter compreendido que não devo ter medo. E agora estou
aqui, a perguntar-te o que gostaria de saber. Há pouco tempo, um dos teus
Apóstolos me disse: “Vai, e não tenhas medo. Ele é bom, até com os pecadores.”
E um outro me disse: “Faze-o sentir-se feliz com a tua confiança. Quem confia
nele o acha mais doce do que uma mãe.” E um outro ainda: “Eu não sei se estou
errado, mas eu te digo que Ele vai dizer-te que a perfeição está no amor.” Eis
o que me disseram os teus Apóstolos, alguns pelo menos mais doces do que os
discípulos. Não todos, mas são até muito poucos. E entre os Apóstolos há alguns
que fazem medo a um pobre homem como eu. Um me disse, com um riso que não era
bom: “Queres tu tornar-te perfeito? Nós que somos seus Apóstolos não o somos, e
tu já queres sê-lo? É impossível. Acho que não é preciso dizer qual foi o
apóstolo que disse esta frase. Se os outros não me tivessem falado, eu teria
fugido, desanimado. Mas estou tentando uma última prova... e, se Tu me disseres
que é impossível.
Meu filho, achas que Eu poderia ter
vindo para propor coisas impossíveis aos homens? Quem achas tu, que tenha
estado a pôr em teu coração este desejo de te tornares perfeito? Terá sido o
teu próprio coração?
Não,
Senhor. Eu penso que tenhas sido Tu, com as tuas palavras.
Não estás longe da verdade. Mas, responde-me
ainda. Para ti a minhas palavras, que palavras são?
Justas.
Está bem. Mas achas que são palavras de
homem ou de alguém mais que homem?
Oh! Tu
falas com sabedoria, e mais doce e mais claro ainda. Por isso eu digo que as
tuas palavras são mais do que de homem. E não creio estar falando mal, se é que
compreendi bem o que estavas dizendo no Templo. Porque lá pareceu-me que
estavas dizendo que Tu és a Palavra de Deus, pois falavas como Deus.
Compreendeste bem e falas-te bem. E,
então quem foi que te pôs no coração o desejo da perfeição?
Foi Deus
que o pôs nele, por meio de Ti, que és a Palavra Dele.
Portanto foi Deus. Agora pensa bem se
Deus, que conhece a capacidade dos homens, lhes diz: “Vinde a mim, sede
perfeitos.”, é sinal de que Ele sabe que o homem, se quiser, pode tornar-se
perfeito. É esta uma palavra antiga. Ela ressoou, pela primeira vez, quando foi
dirigida a Abraão, como uma revelação, como uma ordem, um convite: “Eu sou o
Deus Onipotente. Caminha em minha presença. Sê perfeito.” E Deus se lhe
manifesta, a fim de que o Patriarca não tivesse dúvidas sobre a Santidade
daquela ordem, nem da verdade do convite. Ele o manda caminhar em sua presença,
porque quem caminha nesta vida, convicto de estar fazendo sob o olhar de Deus,
não pratica más ações. Por conseguinte, Ele se põe na condição de quem pode
tornar-se perfeito, como Deus o convida a tornar-se.
É
verdade! É verdade! Se Deus o disse, é porque pode ser feito. Oh! Mestre! Como
tudo se compreende quando Tu falas! Mas, então porque foi que os teus
discípulos e até aquele Apóstolo me transmitiram uma ideia tão cheia de medo da
Santidade? Por acaso não creem eles serem verdadeiras aquelas palavras e as
Tuas? Ou não saberão eles andar na presença de Deus?
Não fiques pensando assim. Não julgues.
Vê, meu filho, ás vezes o próprio desejo deles de ser perfeitos, e sua
humildade, lhes dão o medo de nunca poderem sê-lo.
Mas então, o desejo da perfeição e a
humildade não são obstáculos. Pelo contrário, é até necessário esforçar-se por
tê-los profundamente, mas bem ordenados. São bem ordenados quando não têm
pressas imprudentes, desânimos sem razão, dúvidas e faltas de confiança, como
aquelas de quem crê que, por causa de sua perfeição, o homem não possa
tornar-se perfeito. Todas as virtudes são necessárias, e uma delas é um vivo
desejo de chegar à perfeição.
Sim. Isto
já me diziam aqueles a quem eu interroguei. Diziam-me que é necessário ter as
virtudes. Mas uns me diziam ser necessária uma, e outros, outra. E todos me
afirmavam a absoluta necessidade de ter aquela que eles diziam ser
indispensável para sermos Santos. E isso me enchia de medo, porque como é que
se vai poder ter todas as virtudes em grau perfeito, fazendo-as nascer juntas,
como um ramalhete de diversas flores? É preciso tempo... e a vida é tão breve.
Tu, Mestre explica-me qual é a virtude indispensável.
É a caridade. Se amares, serás Santo,
porque do amor a Deus e ao próximo é que vêm todas as virtudes e todas as boas
obras.
Sim.
Assim é mais fácil então, a Santidade é o Amor. Se eu tiver a caridade, terei
tudo. É disso que é feita a caridade.
Disso e das outras virtudes. Porque a
Santidade não é somente ser humildes, ou somente prudentes, ou somente castos,
e assim por diante. Mas consiste em ser virtuosos. Vê, meu filho, quando um
rico quer dar um jantar, será que ele manda fazer só um alimento? Ou, ainda,
quando quer fazer um ramalhete de flores, para oferecer como homenagem, por
acaso ele irá colocar no ramalhete só uma flor? Não, não é verdade? Porque,
ainda que colocasse sobre as mesas grande quantidade do mesmo alimento, os
convivas o criticariam como um anfitrião sovina, que se preocupa somente em
querer mostrar as suas posses, mas não em demonstrar sua fineza, como um
anfitrião que se preocupa com os diversos gostos de seus convidados, e que quer
ver cada um deles, servindo-se deste ou daquele alimento, e não se sacie com
ele, mas sinta prazer em comê-lo. É assim que se faz um ramalhete. Não com uma
só flor. Mas com muitas flores juntas, ele faz que as diversas cores e os
diversos perfumes agradem a todos os olhos e olfatos, e são causa de elogios ao
anfitrião. A Santidade, que devemos considerar como um ramalhete de flores
oferecido ao Senhor, deve ser formada por todas as virtudes. Em um espírito
predominam a humildade, em outro a fortaleza, em outro a continência, em outro
a paciência, em outro o espírito de sacrifício e de penitência, todas estas
nascidas da planta real e finalmente perfumada, que é o amor, e cujas flores
predominarão sempre no ramalhete, pois todas as virtudes é que compõem a
Santidade.
E qual
delas deve cultivar com mais cuidado?
A caridade. Eu já te disse.
E depois?
Não existe um método meu filho. Se tu
amares o Senhor, Ele te dará os seus dons, isto é, Ele se comunicará a ti, e
então as virtudes que tu queres ver crescer robustas, crescerão sob o sol da
Graça.
Em outras palavras, na alma que ama, é
Deus quem opera fundamentalmente, deixando que o homem use de sua livre
vontade, em tender à perfeição, e de seus esforços para repelir as tentações e
manter-se fiel aos seus propósitos, em suas lutas contra a carne, do mundo e do
demônio que o assaltam. E isso para que o seu filho tenha merecimento em sua
Santidade.
Ah! Agora
sim! Portanto é muito justo dizer-se que o homem é feito para ser perfeito,
como Deus quer. Obrigado, Mestre. Agora eu sei. E agora assim farei. E Tu, reza
por mim.
Eu te terei em meu coração. Vai, e não
fiques com medo de que Deus te deixe sem sua ajuda.
O jovem
muito contente se separa de Jesus.
...Quando Deus está com os homens, os
homens tudo podem contra a desventura, seja ela qual for. Mas, quando Deus está
do lado oposto, não está com os homens, nada eles podem contra a desventura.
Esta cidade, em suas crônicas faz que se recorde isso mais de uma vez. Deus
estava com Josué, e Josué derrotou os reis cananeus e, sobre esta estrada, Deus
o ajudou a destruir os inimigos de Israel, mandando do céu sobre eles grossas
pedras, e deles pereceram muitos, mais pelas pedras de granizo do que pela
espada, como se lê no livro de Josué. Deus estava com Judas Macabeu, o qual se
postou sobre esta colina, com o seu pequeno exército, para ver o poderoso
exército de Seronf, chefe das milícias sírias, e Deus deu grande valor ás
palavras do chefe de Israel, com uma vitória fragorosa. Mas a condição
necessária para termos Deus conosco, é pôr-nos em movimento, por um motivo
justo.
Nas batalhas a vitória não depende do
número, mas da ajuda que vem do Céu, diz o Macabeu. Em todas as coisas da vida,
o bem não vem da renda, do poder ou de outra causa, mas da ajuda que vem do
Céu. E ela vem porque se pede ajuda para coisas boas. Para nossas vidas e para
as nossas leis, diz ainda o Macabeu. Mas, quando se recorre a Deus para um fim
mau, ou impuro, é inútil invocar à sua ajuda. Deus não responderá, ou
responderá com castigos, e não com bênçãos.
Esta verdade está muito esquecida agora
em Israel. E quer-se a ajuda de Deus, e se invoca a Deus para fins não bons.
Não se praticam as virtudes, e os Mandamentos se guardam, mas não com uma
verdadeira observância. Do que eles mandam, se faz o que pode dar na vista e é
louvado pelos homens. Mas o que está atrás da aparência é outra coisa. Eu venho
para dizer: sede sinceros em vossas ações, porque Deus vê todas as coisas, e
são inúteis os sacrifícios, e vãs são as orações, se forem feitas como mera
ostentação de culto, enquanto que o coração está cheio de pecados, de ódio e de
desejos maus.
Beteron, não faças em teus habitantes
aquilo que Abdias diz de Edom, crendo-se seguro, permitia a si mesmo poder
oprimir a Jacó, e alegrar-se com suas derrotas. Não faças assim, ó cidade
sacerdotal. Toma em tuas mãos e medita sobre o rótulo de Abdias. Medita.
Medita. Medita. E muda de caminho. Anda com a justiça, se não queres conhecer
dias de horror. Porque se não, não te salvará o estares neste alto, nem estares
na aparência, fora dos caminhos de guerra. Eu vejo em ti muitos que não tem a
Deus consigo, e que não querem estar com Deus. Estais murmurando? Eu vos estou
dizendo a verdade. Eu subi até aqui para vo-la dizer. Para tentar salvar-vos
ainda.
O nosso nome não era um só? Todo ele
não era Israel? Porque é então que ele se dividiu, e tomou dois nomes? Oh!
Verdadeiramente isso me fez lembrar do casamento de Oséias com a mulher das
prostituições e dos filhos nascidos de uma que fornicou. Mas, que é que diz o
Profeta? O número dos filhos de Israel será como a areia do mar.
E, então em vez de dizer-lhes: “Vós
sois o meu povo”, se lhes dirá: “Vós sois o filho do Deus vivo”. E os filhos de
Judá e de Israel se reunirão e elegerão um só chefe, e subirão da terra, porque
grande é o dia de Israel, Oh! Mas porque então criticais aquele que deve reunir
tudo e fazer um só povo, um grande povo, único, como único é Deus, e que deve
fazer filhos do Deus vivo até aqueles que neste momento parecem estar mortos? E
vós podeis julgar as minhas ações, os corações deles e o vosso? De onde vos vem
a luz? A luz vem de Deus. Mas, se Deus me manda com a tarefa de reunir todos,
sob um sã cetro, como podeis vós ter uma luz, que seja verdadeiramente Divina,
e que vos mostre as coisas justamente do modo oposto aquele como Deus as vê?
Pois vós as estais vendo ao oposto de como Deus as vê.
Não fiqueis murmurando. É verdade. Vós
estais fora do que é justo. Mas, ainda mais do que vós estão, aqueles que vos
seduzem para não serdes justos. Eles serão duplamente punidos. Vós me acusais
de fornicar com o inimigo, com o dominador. Eu estou lendo nos vossos corações.
Mas, e vós não estais fornicando com o Satanás, fazendo-vos seguidores daqueles
que combatem o Filho, o Enviado por Deus? Aí está o porque me odiais. Mas Eu
conheço o rosto de quem instila em vós o ódio. Como está dito em Oséias, Eu vim
com as mãos cheias de dons, e o coração cheio de amor, procurei atrair-vos de
todas as maneiras mais agradáveis, para fazer-me ser amado. Eu falei ao meu
povo como o esposo é esposa, oferecendo-lhe um amor eterno, e paz, e justiça,
misericórdia. Ainda há uma hora, para impedir que o povo que me repele, e aos
chefes que estimulam o povo, Eu os conheço, que fiquem sem rei, sem príncipe,
sem sacrifício e sem altar. Mas perto da toca, onde mais forte é o ódio e mais
forte será o castigo, lá estão trabalhando para comprar as consciências e
encaminhá-las para o delito. Oh! Como em verdade, aqueles que desviam ou
extraviam as consciências serão julgados sete vezes sete vezes mais severamente
do que os que foram transviados.
Vamos. Eu vim, e fiz um milagre, e vos
disse a verdade para persuadir-vos de quem dou Eu. Agora, vou-me embora. E, se
entre vós houver pelo menos um que seja justo, que ele me siga, porque triste é
o futuro deste lugar, onde se aninham as serpentes para seduzir e trair.
E Jesus
se volta, retomando a estrada por onde veio.
Por quê,
Rabi, falaste assim? Eles te odiarão, perguntam os Apóstolos.
Eu não procuro conquistar amor por meio
de compromissos e de mentira.
Mas, não
teria sido melhor não ter vindo?
Não. É necessário não deixar nenhuma
dúvida.
E a quem
foi que convenceste?
A nenhum. Por enquanto, a nenhum. Mas,
logo alguns irão dizer: “Não podemos maldizer a ninguém, porque fomos avisados,
e nada fizemos.” E, se acusarem a Deus por os estar castigando, sua acusação
será como uma blasfêmia.
Pg.
112-122
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515 – AS RAZÕES DA DOR SALVÍFICA DE
JESUS. ELOGIO DA OBEDIÊNCIA E LIÇÕES SOBRE A HUMANIDADE
Jesus
sorri. Depois diz:
“No entanto, se vos lembrardes de
minhas palavras, encontrareis a razão. Mas, não podeis lembrar-vos de tudo por
enquanto. Mas um dia vos lembrareis.
Escutai. Vamos subir de novo pelo curso
dos séculos, até além dos limites do tempo. Quem foi que desgastou o espírito
do homem, vós o sabeis, foi Satanás, o Adversário, o Inimigo, o ódio. Dai-lhe o
nome que quiserdes. Mas, porque o desgastou? Por uma grande inveja: a de ver o
homem destinado ao Céu, do qual ele havia sido expulso. Quis para o homem o
exílio que ele tinha recebido. Porque ele foi expulso? Por ter-se rebelado
contra Deus. Vós o sabeis. Mas em quê? Na desobediência. E então, não é também
necessariamente lógico que, para restabelecer a ordem, que é sempre Alegria,
não deva existir uma obediência perfeita? Obedecer é difícil, especialmente se
se trata de matéria grave. O que é difícil faz sofrer a quem a executa. Pensai,
pois que se Eu, que fui interrogado pelo Amor, e queria trazer Alegria aos
filhos de Deus, se Eu não devo sofrer infinitamente, para cumprir o dever da
obediência ao Pensamento de Deus. Portanto, Eu devo sofrer para vencer, para
cancelar não um ou mil pecados, mas o próprio Pecado por excelência que, no
espírito angélico de Lúcifer, ou naquele que animava Adão. Esteve e estará
sempre, até o último homem, o pecado da desobediência a Deus.
Vós, homens, deveis obedecer
limitadamente aquele pouco, parece-vos muito, mas é tão pouco, que Deus exige
de vós. Em sua justiça, Ele exige de vós somente o que podeis cumprir. Mas Eu
conheço todo o Pensamento, quanto aos grandes e pequenos acontecimentos. Para
mim não foram postos limites quanto ao conhecer e ao realizar. O amoroso
sacrificador, o Abraão Divino, não poupa sua Vítima, o seu filho. É o Amor, não
saciado e ofendido, que exige reparação e oferta. Se Eu vivesse mil e mais mil
anos, não seria nada, se não consumasse o Homem até sua última fibra, assim
como nada teria acontecido, desde a eternidade, Eu não tivesse dito “Sim” ao
meu Pai, dispondo-me a obedecer, como Filho de Deus e como homem, no momento
achado justo por meu Pai.
A obediência é dor e glória.
A obediência, como o espírito, não
morre nunca. Em verdade Eu vos digo que os verdadeiros obedientes se tornarão
deuses, mas depois de uma luta continua contra si mesmos, contra o mundo e
contra Satanás.
A obediência é luz. Quanto mais
obedientes formos, mais luminosos seremos e veremos.
A obediência é caridade, porque é um
ato de amor e paciência, e quanto mais obedientes formos, mais suportaremos as
coisas e as pessoas.
A obediência é humildade e, quanto mais
obedientes formos, mais humildes seremos para com o próximo.
A obediência é heroicidade. E o herói
do espírito é Santo, o cidadão dos Céus, o homem divinizado. Se a caridade é
virtude na qual se reencontra a Deus Uno e Trino, a obediência é a virtude na
qual se encontra a Mim, o vosso Mestre.
Fazei que o mundo vos conheça como meus
discípulos por uma obediência absoluta a tudo o que é Santo.
...Diz
Jesus:
“Uma pequena parábola para vós, futuros
mestres de espíritos. Tanto mais vereis, quanto mais subirdes pelo caminho da
perfeição, que é árduo e penoso. Antes, nós víamos as duas planícies, a
Filistéia e a de Saron, com muitos povoados, campos e pomares, e até um azul
longínquo, que era p grande mar, e o Carmelo, lá no fundo. Agora não vemos mais
do que um pouco. O horizonte se restringe, e mais ainda se restringirá, até
desaparecer no fundo do vale. O mesmo acontece com quem desce nas coisas do espírito,
em vez de subir, sempre mais limitada vai-se tornando a sua virtude e
sabedoria, e seu juízo vai-se restringindo, até anular-se. Nesse caso, um
mestre de espírito morreu em sua missão. Já não discerne mais, nem guia. É um
cadáver e pode corromper, como ele mesmo se corrompeu. A descida ás vezes, ou
quase sempre convida, porque lá embaixo estão as satisfações da sensualidade.
Nós também descemos ao vale para achar repouso e alimento. Mas, se isto é
necessário ao nosso corpo, não é necessário satisfazer ao apetite da
sensualidade e à preguiça do espírito descendo aos vales do sensualismo e à
preguiça do espírito, descendo aos vales do sensualismo moral e espiritual.
Somente em um vale é permitido tocar: no da humildade. Mas é porque nesta o
próprio Deus desce para arrebatar o espírito humilde e elevá-lo a si. Quem se
humilha, será exaltado. Qualquer outro vale é letal, porque se afasta do Céu.”
E Jesus
explica a parábola dizendo:
“Todos os homens podem alcançar,
conseguir e possuir a verdade, isto é, Deus. Seja lá qual for o ponto de onde
eles partirem, para chegar a ela. Quando não há soberba na mente, nem
depravação na carne, mas uma sincera busca da Verdade e da Luz, pureza de
intenção, e o desejo de Deus, uma criatura está com toda a segurança no caminho
para Deus.”
...”Então,
eles não podem chegar a Deus, porque são uns depravados.”
“Não eras bem isso que tu querias
dizer, Judas. Por quê puseste uma mordaça em teu pensamento e tua consciência?
Oh! Como é difícil que o homem suba até Deus! Pois o obstáculo maior está nele
mesmo, que não quer confessar, refletir sobre si mesmo e sobre seus defeitos.
Na verdade, também o Satanás é caluniado muitas vezes, pois muitos debitam a
ele todas as causas de ruína espiritual. E, mais caluniado ainda é Deus, no
qual debitam tudo o que acontece. Deus não viola a liberdade do homem. E
Satanás não pode prevalecer contra a vontade firme no Bem. Em verdade, Eu vos
digo que, setenta vezes por cento, o homem peca por sua vontade. E, não se
pensa nisso, mas assim é, e não se levanta do pecado, porque evita examinar-se
e, mesmo quando a consciência, com um movimento imprevisto, se levanta nele e
grita a verdade sobre a qual ele não quis meditar. O homem sufoca aquele grito,
apaga aquela figura que se levantou, enérgica e aflita, diante de sua
inteligência, e altera, contrariado, o pensamento que lhe foi sugerido por
aquela voz acusadora, e não quer dizer, por exemplo, assim: “Mas, então, nós,
eu, não podemos alcançar a verdade, porque temos a soberba da mente e a
corrupção da carne.” Sim, na verdade, entre nós não se vai pelos caminhos de
Deus, porque entre nós há a soberba da mente e a corrupção da carne. Uma
soberba, verdadeiramente semelhante a de Satanás, enquanto são julgadas ou
obstaculizadas as ações de Deus, quando elas são contrárias aos interesses dos
homens e dos partidos. E este pecado fará de muitos de Israel os condenados
para sempre.”
Pg.
125-129
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519 – INESPLICÁVEL AUSÊNCIA DE JUDAS
ISCARIOTES E PERMANÊNCIA JUNTO A LÁZARO EM BETÂNIA
Diz
Jesus:
“De fato, saber calar-se é uma grande
virtude. Mas, fica sabendo que o prever mais ou menos exatamente o futuro de um
coração, não livra ninguém da obrigação de perseverar até o fim, trabalhando
para arrebatar da ruína um coração. Não caias tu também no fatalismo dos
fariseus que afirmar ter, que aquilo que o destino quer se há de cumprir, e
nada impede que se cumpra daquilo que o destino exige, e é com este raciocínio
que eles avaliam as suas culpas, e a avaliarão até o seu último ato de ódio contra
mim. Muitas vezes Deus espera o sacrifício de um coração que supera suas
náuseas, seus desprezos e antipatias, mesmo as justificadas, para arrancar um
espírito do tremendal em que ele se está afundando. Sim, Eu vo-lo digo. Muitas
vezes o Onipotente, o Tudo, espera que uma criatura, um nada, faça ou não faça
um sacrifício, uma oração, para que Ele confirme, ou não, a condenação de um
espírito. Nunca é tarde, nunca é tarde demais, para tentar e esperar uma
alma. E disso Eu vos darei algumas
provas. Mesmo já estando no momento da morte, quando tanto o pecador como o
justo, que por ele se aflige, estão perto de deixar a terra, para irem ao
primeiro julgamento de Deus, pode-se ainda salvar e ser salvos. Entre o corpo e
os lábios, diz o provérbio, há sempre um lugar para a morte. Eu, ao contrário,
vos digo: entre a extrema agonia e a morte há sempre tempo para se obter o
perdão para si mesmos, ou por aqueles que queremos ver perdoados.”
Pg. 151
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522 – CHEGADA A JERICÓ, O AMOR TERRENO
DA MULTIDÃO E O AMOR SOBRENATURAL DO CONVERTIDO ZAQUEU
A paz esteja contigo Zaqueu. Vem, pois
para que Eu te dê o beijo da paz. Bem que tu mereceste, diz Jesus sorrindo, com um sorriso realmente alegre,
juvenil, que de fato o faz parecer rejuvenescido.
Oh! Sim,
Senhor. Eu bem que o mereci. Como é difícil chegar até Ti, diz Zaqueu,
erguendo-se o mais que pode, para pôr-se à altura de Jesus, que se curva para
beijá-lo e, ao fazer isso, deixa ver um rosto que está sangrando por um
arranhão na face direita e que está com um olho arroxeado por alguma cotovelada
que o acertou na órbita.
Jesus o
beija e diz: Mas
Eu não te estou recompensando por este cansaço. E sim, pelos outros, que muitas
pessoas não conhecem, mas que por mim são conhecidos. Sim, é verdade. Chegar
até mim é difícil, e não é a multidão o único obstáculo, e nem é este o
obstáculo mais difícil que se encontra para chegar até mim. Mas, o povo que
quase me transportaste em triunfo, o obstáculo mais difícil, o mais complexo, e
que cada vez mais complexo se torna, depois que se tentou quebrá-lo ou
vencê-lo, é o próprio “eu”.
Eu parecia não estar vendo, mas Eu vi
tudo, e a tudo dei o seu valor. E que foi que Eu vi? Vi um pecador convertido,
um que era duro de coração, que era amante de comodidades, que era soberbo,
vaidoso, luxurioso e avarento. E o vi despojar-se do seu antigo, até nas
menores coisas, transformar-se em suas maneiras e afetos, como eram aqueles,
para ir correndo ao seu Salvador, e lutar para chegar até Ele, e suplicar
humildemente, e receber as caçoadas e censuras com paciência, sofrer no corpo
os esbarros da multidão, e no coração por ver-se repelido por todos lá para
trás, sem poder nem mesmo receber um olhar meu. Eu vi outras coisas nele.
Coisas que vós também conheceis, mas que não quereis levar em que por meio
delas tenhais recebido alívio.
Vós direis: “E como é que Tu as
conheces, se Tu não moras no meio de nós?” Eu vos respondo. Assim como Eu leio no
coração dos homens, assim não deixo de saber quais as ações dos homens, e sei
ser justo e recompensar a proporção do caminho feito para chegar até Mim, dos
esforços feitos para arrancar a floresta selvagem que cobria o seu espírito,
beneficiá-lo, tirar dele tudo o que não fosse a árvore da vida, e fazê-lo rei
sobre o seu “eu”, rodeá-lo com plantas das virtudes, a fim de que seja honrado,
velando para que nenhum animal, ou algum ser rastejante, ou insaciável na
corrupção da lascívia, ou ocioso, estas são as diversas paixões más, viesse
fazer seu ninho, logo na parte mais viçosa, mas somente habitasse em vosso
espírito o que é bom e capaz de louvar ao Senhor, isto é, os afetos
sobrenaturais, como outros tantos pássaros canoros e mansos cordeirinhos, dispostos
a ser imolados, dispostos ao louvor perfeito, por amor de Deus.
E como Eu não deixava de conhecer as
obras de Zaqueu, os seus pensamentos, os seus cansaços, assim também não deixei
de saber que, em muitos de que me aclamavam, existe mais um amor sensível do
que espiritual. Se me amásseis de um modo justo, teríeis tido piedade do vosso
concidadão, e não o teríeis humilhado, recordando-lhe o seu passado. Aquele
passado que ele cancelou, e do qual Deus não se lembra, porque se o perdão já
foi concedido, e não precisa ser dado de novo, a não ser que o homem volte a
pecar. E se torna a julgá-lo pelo pecado novo, contudo não o faz quanto aquele
que já lhe foi perdoado.
Agora Eu vos digo, e vo-lo dou como
companheiro nas meditações da noite, que não consiste somente em fazer
aclamações de que me amais de verdade, mas em fazer aquilo que Eu faço e
ensino, em praticar um amor recíproco, em ser humildes e misericordiosos,
lembrando-vos de que um mesmo barro vos formou, quanto a parte material, e que
o barro está sempre inclinado para o pântano e que por isso, se até agora
aquilo que em vós é força vos conservou acima do pântano o espírito que nunca
conheceu desfeitas, o que é uma coisa impossível, porque o homem é pecador, e
só Deus é sem pecado. Amanhã vosso espírito poderia conhecê-las em número e
grau ainda maiores do que as do velho pecador, que agora renasceu pela Graça,
tornado novo por ela, a até como um menino que acabou de nascer, tendo a seu
favor a humildade, que lhe vem da lembrança de ter sido pecador, e a vontade
ardente de fazer para o resto de sua vida, tanto bem quanto for necessário para
encher uma vida longa e toda consagrada ao bem, e também para reparar, com
medida cheia e transbordante, todos os males que possa ter praticado.
Amanhã Eu vos falarei. Para esta tarde,
Eu já falei. Ide com a minha admoestação, e bendizei a Deus que vos manda o
médico, que faz a amputação de vossa sensualidade oculta, escondida por baixo
de um véu de santidade espiritual, como umas doenças ocultas, que roem a vida,
por baixo de aparências de saúde. Vem aqui Zaqueu.
Sim, meu
Senhor. Não tenho mais do que um velho servo, e eu mesmo é que abro a porta, e
com ela também o meu coração comovido. Oh! E quanto, pela tua infinita bondade.
Pg.
173-175
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523 – EM JERICÓ, O PEDIDO A JESUS DE
JULGAR SOBRE UMA MULHER. A PARÁBOLA DO FARISEU E DO PUBLICANO DEPOIS DE UMA
COMPARAÇÃO ENTRE PECADORES E DOENTES
...Depois,
subindo para o alto da escadaria de uma casa, faz o seu gesto habitual de abrir
os braços, gesto de que Ele faz uso antes de começar a falar, e para impor
silêncio. E, tendo-o conseguido, recolhe as dobras do seu manto que, com aquele
gesto abriu-se sobre o peito, conserva-o firme com a esquerda, enquanto abaixa
a direita, como no gesto de quem faz um juramento, e diz:
“Escutai, ó cidadãos de Jericó, as
parábolas do Senhor, e cada um depois as medite em seu coração, e delas tire,
com que nutrir o seu espírito. E o podes fazer, porque não é de ontem, nem do
mês passado, nem mesmo desde o outro inverno, que vós conheceis a palavra de
Deus. Antes que Eu fosse Mestre, João, meu precursor, vos havia preparado para
a minha vinda, e, depois que Eu vim, os meus discípulos araram sete e mais sete
vezes este chão, para semear nele toda a semente que Eu lhes havia dado.
Portanto, vós podeis compreender a palavra e a parábola.
A que compararei Eu aqueles que, depois
de terem sido pecadores, se convertem? Eu os compararei a uns doentes, que
ficam sãos. E a que compararei os outros que publicamente não pecaram, ou,
então, raros como pérolas negras, nunca cometeram, nem mesmo ocultamente,
culpas graves? Eu os compararei a pessoas sãs. O mundo é composto dessas duas
categorias. Tanto em seu espírito, como na carne e no sangue. Mas, se iguais
são as comparações, diferente é o modo que o mundo usa com os doentes curados,
que estavam doentes em sua carne, do modo que ele usa para com os pecadores
convertidos, isto é, com os doentes em seu espírito e que voltam a ter saúde.
Nós vemos que quando, por exemplo, um
leproso que é o doente mais perigoso, e o mais isolado por ser perigoso, obtém
a graça da cura depois de ter sido examinado pelo sacerdote e purificado, é
readmitido no convívio das pessoas, até os da sua cidade se congratulam com
ele, porque ficou são, porque ressuscitou para a vida, para a família, para os
negócios. Grande festa se faz na família e na cidade, quando alguém que era
leproso consegue obter graça, e sarar! É uma competição o que se faz os
parentes e os concidadãos para levar-lhe isto ou aquilo, e procuram saber se
ele está só, ou sem casa, ou sem móveis, e lhe oferecem cama ou mobília, e
todos dizem: “Ele é um predileto de Deus. O dedo de Deus o curou. Prestemos-lhe
pois, uma homenagem, honremos Aquele que o curou e recriou.” É justo fazer
assim. Mas quando, desventuradamente alguém tem os primeiros sinais de lepra,
com que amor angustiado os parentes e os amigos o acumulam de ternuras,
enquanto ainda é possível fazê-lo, como que para dar-lhe tudo de uma vez, o
tesouro dos afetos que lhe teriam dado durante muitos anos, para que ele o leve
consigo, para o seu sepulcro de vivo.
Mas, por quê então, não se faz assim
com os outros doentes? Um homem começa a pecar, e seus familiares, e sobretudo
os concidadãos, não o estarão vendo? Por quê então, não procuram com amor,
arrancá-lo do perigo do pecado? Uma mãe, um pai, uma esposa, uma irmã, ainda o
fazem mas é mais difícil que o façam os irmãos, e não digo que o façam os filhos
do irmão do pai ou da mãe. Os concidadãos afinal, só sabem criticar,
escarnecer, xingar, ficar escandalizados, exagerar os pecados do pecador,
mostrá-lo com o dedo, conservá-lo afastado como um leproso aqueles que são mais
justos, ou, então tornaram-se seus cúmplices, para gozarem ás costas dele
aqueles que não são justos. Mas não há, a não ser raramente nem uma boca, e
muito menos um coração, que vá ao infeliz com piedade e firmeza, com paciência
e amor sobrenatural, e se empenhe em frear a queda dele no pecado. E como? Por
acaso não é mais grave, verdadeiramente grave e mortal, a doença do espírito?
Não nos priva ela, e para sempre do Reino de Deus? A primeira das caridades
para com Deus e para com o próximo não deve ser este trabalho de curar um
pecador para o bem de sua alma e para a glória de Deus?
E quando um pecador se converte, para
que aquela obstinação de julgá-lo, aquele quase amargurar-se por ter ele
voltado à saúde espiritual? Será porque vedes desmentidos os vossos
prognósticos certos da condenação de um vosso concidadão? Mas vós deveríeis
sentir-se felizes com isso, porque Quem vos está desmentindo é o Deus
misericordioso, que vos dá a medida de sua bondade, para dar-vos coragem em
vossas culpas mais ou menos graves. E, porque ficar persistindo em querer ver
que está sujo, desprezível, digno de ficar num isolamento aquilo que Deus e a
boa vontade de um coração fazem puro, admirável, digno da estima dos irmãos,
antes, de sua admiração? Bem que vos rejubilais se um boi vosso, um asno ou
camelo, ou uma ovelha da grei, ou o pombo preferido se curam de uma doença! Bem
que vos alegrais, se um estranho, de cujo nome mal vos lembrais, porque o
ouvistes falar no tempo em que ele ficou isolado como leproso, mas tendo saído
do isolamento curado. E, por que, então, não vos alegrais com essas curas do
espírito, com essas vitórias de Deus? O Céu se alegra, quando um pecador se
converte. O Céu: Deus, os anjos puríssimos, aqueles que não sabem o que é
pecar. E vós, vós homens, quereis ser mais intransigentes do que Deus?
Tornai, tornai justo o vosso coração, e
reconhecei o Senhor, não somente como estando presente por entre as nuvens de
incenso e os cânticos do Templo, no lugar onde somente a Santidade do Senhor,
no Sumo Sacerdote, é que deve entrar, e deveria ser santo, como o seu nome o
indica. Mas também no prodígio desses espíritos ressuscitados, desses altares
reconsagrados, sobre os quais o amor de Deus desce, com os seus fogos, para
acender o fogo do sacrifício.
...E, se de um pecador que, há tempo,
vos fez ver um espetáculo escandaloso, recebeis agora espetáculos edificantes,
não queirais zombar dele, mas imitá-lo, porque nunca ninguém foi tão perfeito,
que fosse impossível a um outro poder ensiná-lo. E o Bem é sempre uma lição que
se acolhe, mesmo quando aquele que está praticando, em tempos passados era
objeto de reprovação. Imitai e ajudai. Porque assim fazendo dais glória ao
Senhor, e demonstrareis que entendestes o seu Verbo. Não queirais ser como
aqueles que em vossos corações, vós criticais, porque as ações deles não
correspondem ás suas palavras. Mas fazei que toda vossa boa ação seja o
coroamento de toda boa palavra. E, então, verdadeiramente sereis olhados e
ouvidos benevolamente pelo Eterno.”
Ouvi esta outra parábola, para
compreenderdes quais são as coisas que têm valor aos olhos de Deus. Ela vos
ensinará a corrigir-vos de algum pensamento não bom que existe em muitos
corações. A maior parte dos homens se julga por si mesma e, visto que só um
homem entre mil é verdadeiramente humilde, por isso acontece que o homem se
julga perfeito, enquanto que no próximo nota centenas de pecados.
Um dia dois homens foram a Jerusalém
para negócios, subiram ao Templo, como convém que faça todo bom israelita,
todas as vezes que põe o pé na Cidade Santa. Um deles era Fariseu. O outro era
um publicano. O primeiro tinha ido para receber o aluguel de alguns empórios e
para acertar as contas com os seus feitores, que moravam nas cercanias da
cidade. O outro para pagar os impostos cobrados e para pedir piedade em nome de
uma viúva, que não podia pagar a taxa da barca e das redes, porque a pesca,
feita pelo filho mais velho mal bastava para dar de comer a muitos outros
filhos.
O Fariseu antes de subir para o Templo,
havia passado pelos administradores dos empórios, viu que eles estavam cheios
de mercadorias e de compradores, ficou muito contente consigo mesmo, depois
chamou o administrador do lugar e lhe disse: “Vejo que os teus negócios vão
bem.”
Sim, graças a Deus. Estou contente com
o meu trabalho. Tendo pedido aumentar as mercadorias, e espero poder fazer isso
ainda mais. Melhorei o meu ponto, e no ano que vem terei mais as despesas com
as barcas e prateleiras, e assim ganharei mais.
Bom! Está bem! Fico feliz com isso.
Quanto é que tu pagas por este ponto?
Cem dragmas por mês. É caro mas o ponto
é bom.
Por isso eu vou dobrar o teu aluguel.
Mas, Senhor! Exclamou o comerciante.
Desse modo tu me tiras todas as vantagens!
Mas é justo! Será minha obrigação
enriquecer-te? E com o que é meu? Vamos logo, ou tu me dás duas mil e quatrocentas
didracmas e já, ou eu te expulso para fora, e fico com a mercadoria. O ponto é
meu, e eu faço dele o que quero.
Assim ele fez com o primeiro, com o
segundo e com o terceiro dos seus arrendatários, dobrando o preço de cada um, e
surdo a todos os pedidos.
E, como o terceiro, carregado de filhos
resolveu oferecer resistência, ele chamou os guardas e mandou pôr os sinetes de
apreensão, levando para fora o infeliz.
Depois em seu palácio, examinou os
registros de seus feitores, achando motivos para puni-los como preguiçosos, e
apreendendo deles a parte ele retinham como de direito. Um deles estava com o
filho á morte e, por causa das muitas despesas, tinha vendido uma parte do seu
azeite para pagar os remédios. Por isso não tinha mais o que dar ao avarento
patrão.
Tem piedade de mim, patrão. O meu pobre
filho está para morrer e depois eu farei trabalhos extraordinários, para te
ressarcir com o que te parecer justo. Mas agora, tu o compreendes, não me é
possível.
Não podes? Eu vou te fazer ver se podes
ou não podes. E, tendo ido com o pobre feitor ao lagar do azeite, o privou até
do resto do azeite que o homem havia reservado para um miserável alimento e
para a lâmpada que o ajudava a tomar os cuidados com o filho durante a noite.
O publicano, por sua vez, foi ao seu
superior e, tendo entregue os impostos cobrados, ouviu o que lhe dissera: “Mas
aqui estão faltando trezentos e sessenta asses. Como é isto?
Já te direi. Na cidade há uma viúva com
sete filhos. Somente o primeiro é que está na idade de poder trabalhar. Mas ele
não pode ir para longe da margem com a barca, porque seus braços ainda são
fracos para trabalhar com o remo e a vela. Estando perto da margem, pouco
pesca, e o que ele pesca mal dá para manter a fome daqueles oito infelizes. Eu
não tive coração para exigir a taxa.
Eu compreendo. Mas lei é lei. Que
aconteceria se a lei fosse piedosa? Todos teriam uma razão para não pagar. Que
o jovenzinho mude de ofício, e venda a barca, se não podem pagar.
Ela é para eles o pão do dia de amanhã,
e é uma lembrança do pai.
Eu compreendo. Mas não se pode
transgredir.
Está bem. Mas eu não posso ficar
pensando naqueles oito infelizes, privados do seu único bem. Eu pagarei,
trezentos e setenta asses.
E tendo combinado assim, os dois
subiram para o Templo e passando por perto do gazofilácio, o fariseu tirou, com
ostentação uma grande bolsa do seu seio, e a sacudiu até cair a última moeda no
Tesouro. Naquela bolsa estavam as moedas recebidas de quase todos os
negociantes e do azeite arrecadado do feitor, e logo vendido a um mercador. O
publicano, porém, só lançou um punhadinho de pequenos trocados, depois de ter
tirado o tanto que era necessário para voltar para seu lugar. Um e outro deram,
pois, o que tinham. O fariseu na aparência foi o mais generoso, porque deu até
a última moedinha, que tinha consigo. Mas é preciso refletir que, em seu
palácio, ele tinha outras moedas, e tinha crédito aberto junto a ricos
cambistas.
De lá eles foram para diante do Senhor.
O fariseu ia justamente na frente para perto do limite do Átrio dos hebreus,
rumo ao Santo, enquanto que o publicano ficou lá no fundo do Templo, quase por
debaixo da abóbada, que ficava no Pátio da Mulheres, e estava encurvado,
esmagado, só por pensar em sua miséria, em comparação com a Perfeição Divina. E
rezavam, tanto um, como o outro.
O fariseu bem aprumado, cheio de
insolência, como se fosse o dono do lugar. E como se estivesse prestando
homenagem a algum visitante, dizia: “Eis que eu vim venerar-te na Casa que é a
nossa glória. Eu vim, ainda que perceba que Ti estás em mim, pois eu sou justo.
E eu sei que o sou. Mas por mais que eu saiba, que somente por meu merecimento
é que sou assim, eu te agradeço, como é de lei, por isso que eu sou. Eu não sou
ladrão, injusto, adúltero, pecador como aquele publicano, que jogou ao mesmo
tempo que eu, um punhadinho de moedas no Tesouro. Eu, como Tu, viste, te dei
tudo o que eu tinha comigo. Aquele avarento, porém repartiu em duas partes, e a
Ti deu a menor. A outra parte, com certeza ele guardou para as patuscadas e as
mulheres. Mas eu sou puro. Eu não me contamino. Eu sou puro e justo, jejuo duas
vezes na semana, pago os dízimos de tudo que possuo. Sim! Eu sou puro, justo e
bendito, porque eu sou santo. Recordai-vos disso, ó Senhor!
O publicano, de longe, lá do seu canto,
sem nem ousar levantar o olhar para as portas preciosas do Templo, e batendo no
peito, assim rezava: “Senhor, eu não sou digno de estar neste lugar. Mas Tu és
justo e Santo, e ainda me concedes isso, porque sabes que o homem é pecador e,
se não vem a Ti, torna-se um demônio. Oh! Meu Senhor!
Eu quereria honrar-te noite e dia, mas
tenho que obedecer aos meus superiores, porque aquele trabalho é o meu pão.
Faze, ó meu Deus, que eu saiba temperar o meu dever para com os meus
superiores, com a caridade para com os meus pobres irmãos, a fim de que no meu
trabalho não venha a achar a minha condenação. Todo trabalho é Santo, se for
feito com caridade. Conserva a sua caridade sempre presente no meu coração,
para que eu, miserável como sou, saiba compadecer-me dos sujeitos a mim, como
Tu te compadeces de mim, grande pecador. Eu teria querido honrar-te mais, ó
Senhor. Tu sabes disso, mas eu pensei que tirar o dinheiro destinado ao Templo
para ajudar oito corações infelizes, fosse coisa melhor do que colocá-lo no
gazofilácio para ir, depois, derramar lágrimas de desolação por oito inocentes
infelizes. Mas se eu errei, faze que eu o compreenda, ó Senhor, e eu te darei
até a última moedinha, e voltarei ao povoado a pé, pedindo a esmola de um pão.
Faze-me compreender a tua justiça. Tem piedade de mim, ó Senhor, pois eu sou um
grande pecador. Esta é a parábola.
Em verdade, em verdade Eu vos digo que,
enquanto o fariseu saiu do Templo com mais um pecado juntado aqueles que ele já
havia feito, antes de subir ao Mória, o publicano saiu de lá justificado, e a
benção de Deus o acompanha até a sua casa, e lá ficou. Porque ele foi humilde e
misericordioso, e suas ações tinham sido ainda mais santas do que as suas
palavras. Enquanto o fariseu, somente por palavras e externamente era bom, mas
no seu interior fazia as obras de Satanás, por sua soberba e dureza de coração,
e Deus o odiava por isso. Quem se exalta será sempre, antes ou depois,
humilhado. Se não aqui, na outra vida. E quem se humilha será exaltado,
especialmente lá em cima no Céu, onde se veem as ações dos homens em sua
verdadeira verdade.
Pg.
181-187
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524 – EM JERICÓ. EM CASA DE ZAQUEU COM
OS PECADORES CONVERTIDOS
Então, que é que queres saber?
Nós não
sabíamos que tínhamos uma alma. Isto é, nós pelo menos devíamos sabê-lo, porque
os nossos antigos... Éramos uns animais. E já não sabíamos mais o que é essa
alma. E nem agora o sabemos. Que á a alma? Será talvez a nossa razão? Não o
cremos, porque em tal caso teríamos ficado sem ela, e temos ouvido dizer que
sem a alma não há vida. E, então, que é essa alma, que nos dizem ser
incorpórea, que dizem que é imortal, se ela não é a razão? O pensamento é
incorpóreo. Mas ele não é imortal, cessando com a nossa vida, Mesmo o mais
sábio, já não pensa mais depois da morte.
A alma não é o pensamento homem! A alma
é o espírito, é o princípio imaterial da vida, o princípio impalpável, mas
verdadeiro, que anima todo o homem, e que continua depois do homem. Por isso se
diz que ela é imortal. E é uma coisa tão sublime, que até o mais poderoso dos
pensamentos é um nada em comparação com ela. O pensamento tem um fim. Feliz, ou
condenada, ela continua a existir. Felizes aqueles, que sabem conservá-la pura,
ou fazer que fique pura de novo, depois de a terem tornado impura, a fim de
entregá-la ao seu Criador, como Ele a deu ao homem, a fim de animar a sua
humanidade.
Mas ela
está em nós ou acima de nós, como o olho de Deus?
Está em nós.
Em nós?
Na prisão, em nós até a morte, como uma escrava?
Não. Ela é Rainha. No pensamento
eterno, a alma, o espírito é o que reina no homem, nesse animal, que foi
criado, e que se chama o homem. Ela veio do Rei e Pai de todos os reis e pais,
ela é o seu sopro e sua imagem, é um dom e um direito dele, tendo como missão a
de fazer da criatura chamada homem, um rei do grande reino eterno, de fazer da
criatura chamada homem um deus depois desta vida, um “vivente” na morada do
Altíssimo e único Deus, e foi criada Rainha, com a autoridade e o destino de
uma Rainha. Suas servas são todas as virtudes e as faculdades do homem, seu
servo é o pensamento, servo e aluno é o pensamento do homem. É do espírito que
o pensamento adquire poder e verdade, adquire justiça e sabedoria, e pode
elevar-se a uma posição régia. Um pensamento privado da luz do espírito estará
sempre com lacunas e trevas, não podendo nunca compreender verdades que, para
quem está separado de Deus, por ter perdido a realeza da alma, são mais
incompreensíveis do que os mistérios. E será cego o pensamento do homem, será
ele um hebetado, se estiver faltando o ponto básico, a alavanca indispensável
para compreender, para elevar-se, deixando a terra, e atirando-se para o alto,
ao encontro da Inteligência, do Poder, da Divindade, em uma palavra. Eu falo
assim a ti, Demetes, porque não estiveste sempre trabalhando como cambista e
podes compreender e explicar aos outros.
És
verdadeiramente um vidente Mestre. Não, eu não tenho sido somente um
cambista... Mas esse foi o último degrau da minha descida... Dize-me Mestre.
Se, porém a alma é Rainha, porque então que ela não reina, e não domina mau
pensamento e a má carne do homem?
Dominar não seria nem liberdade, nem
merecimento. Seria opressão.
Mas o
pensamento e a carne oprimem também a alma, eu falo de mim, de nós, fazem dela
uma escrava muitas vezes. Por isso é que eu perguntava se ela estava em nós em
forma de escrava. Como pode Deus permitir que uma coisa tão sublime, pois Tu a
definiste como o “sopro de Deus” e imagem Dele, seja aviltada pelo que é
inferior a ela?
No pensamento Divino estava
estabelecido que a alma não conhecesse escravidão. Mas Tu te esqueces do
inimigo de Deus e do homem? Os espíritos inferiores são conhecidos por vós
também.
Sim, e
todos com intenções cruéis. E eu posso dizer que, lembrando-me do menino que eu
era, somente com esses espíritos inferiores é que eu posso entender o homem que
eu me tornei, e que eu fui, até chegar ás soleiras da velhice. Agora, eu me
encontro com o menininho, que perdeu o caminho naquele tempo. Mas, poderei eu
tornar-me de novo tão pequeno, a ponto de voltar á pureza? O caminho por onde
se vai andando para trás, no tempo, porventura nos é permitido?
Não é preciso andar para trás. Tu não
poderias fazer isso. O tempo passado não volta mais, nem se pode fazer que ele
volte, nem nós podemos voltar a ele. Mas não é necessário.
Alguns de vós são de lugares onde é
conhecida a teoria da escola pitagórica. Teoria cheia de erros. As almas, ao
terminarem sua parada nesta terra, não voltam nunca mais a esta terra, em corpo
nenhum. Nem do dos animais, não sendo conveniente que uma coisa tão
sobrenatural, como ela é, venha habitar dentro de um animal bruto. Nem no corpo
humano, porque não seria dado nenhum prêmio ao corpo que se reunisse com a alma
no Último Juízo, se aquela alma tivesse tido vários corpos para vesti-la. Dizem
os que creem na teoria de que falamos, que será o último corpo que gozará,
porque por sucessivas purificações, em vidas sucessivas, a alma somente na
última encarnação é que atinge a perfeição, digna de prêmio. Um erro e uma
ofensa. Erro e ofensa contra Deus, ao admitir-se que Ele não tenha podido criar
mais do que um número limitado de almas. Erro e ofensa contra o homem,
julgando-o tão corrompido, que dificilmente possa merecer prêmio. Não haverá
prêmio imediatamente, mas dever-se-á passar por uma purificação na outra vida,
em noventa e nove por cento dos casos. Mas a preparação há de ser uma
preparação para a alegria. Portanto quem se purifica, é já alguém que se salvou,
e, tendo-se salvado, gozará a partir do último dia, também em seu corpo.
Não poderá ter mais do que um corpo
para sua alma, mais do que uma vida aqui, e, com o corpo que lhe deram seus
procriadores, já com a alma que o Senhor criou para vivificar sua carne, gozará
do prêmio.
Reencarnar-se não é concedido, como não
é concedido retroceder no tempo. Mas, recriar-se, com um gesto de livre
vontade, sim, isso é concedido, e Deus abençoa a essas vontades, e as ajuda.
Todos vós as tivestes. Eis que agora o homem pecador, viciado, sujo,
delinquente, ladrão, corrupto, corruptor, homicida, sacrílego, submetendo-se ao
banho do arrependimento, renascendo espiritualmente, destruindo a polpa
corrompida do velho homem, acabando com o seu “eu” mental, ainda mais corrompido,
como se a vontade de redimir-se fosse um ácido que ataca e destrói o invólucro
frágil em que se guarda um tesouro, e põe a nu o próprio espírito, tendo-o
purificado, saneado, revestido com um novo pensamento, com uma nova veste
limpa, pura, rejuvenescida. Oh! Uma veste que pode aproximar-se de Deus, que
pode dignamente cobrir a alma criada de novo, protegê-la e ajudá-la até chegar
à super-criação desta que é a santidade completa, que amanhã, um amanhã talvez
ainda distante se for olhado com uma mente e uma medida humana do tempo, e que
está muito perto, se for contemplado com o pensamento na eternidade, será
gloriosa no Reino de Deus.
E todos podem, se quiserem, criar de
novo em si um menino puro dos dias infantis, o menino amoroso, humilde,
sincero, bom, que a mãe apertava contra o seio, que o pai olhava gloriando-se
dele, que o anjo do Céu amava, e que Deus admirava com amor. As vossas mães!
Talvez fossem mulheres de grande virtude. Deus não deixará sem prêmio a virtude
delas. Trabalhai, para terdes uma assim, para vos reunirdes, quando para todos
os virtuosos haverá um só prêmio: o Reino de Deus para os bons. Talvez não
tinham sido boas, e tenham cooperado para vossa ruína, mas, se essas não o
amaram, se vós não conheceis o amor, se a falta dele nos tornou maus, agora,
que um amor Divino vos acolheu, sede Santos para poderdes, numa alegria Celeste
gozar do Amor, que supera todos os outros amores.
Pg.
193-196
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525 – O JUÍZO SOBRE SABÉIA DE BETLEQUE
Perto de
uma curva, aparecem alguns escribas, que vêm se aproximando: “A paz esteja
contigo, Mestre. Nós ficamos esperando aqui para... venerar-te.”
“Não. Para certificar-vos de que Eu não
cometo fraude. Fizestes bem. Persuadi-vos de que Eu não tive meios para ver a
mulher, e nenhum daqueles que estão com ela, vós, tu e tu, estáveis de guarda
na casa do Zaqueu, e vistes que nenhum de nós tinha saído. Vós chegastes antes
de Mim à estrada, e vistes que nenhum de nós foi para a frente. Vós tendes a
intenção de impor-me certas cláusulas, quando ao encontro com aquela mulher, e
Eu vos digo que as aceito, antes mesmo que a façais...”
“Mas...
se não sabes quais são.”
“Não é verdade que as quereis fazer?”
“É
verdade.”
“Assim como Eu sei dessa vossa
intenção, que só vós conheceis, assim também Eu sei o que me ireis dizer. E Eu
vos digo que aceito o que quereis propor-me, porque servirá para dar glória à
verdade. Falai.”
“Sabes
como estão as coisas?”
“Sei que a mulher é por vos julgada
endemoninhada, e que por isso nenhum exorcista pode expulsar dela o demônio.
Mas Eu sei que ela não profere palavras de demônio. Assim dizem aqueles que a
ouviram falar.”
“Podes
jurar que não a viste nunca?”
“O justo não jura nunca, porque sabe
que tem o direito de ser acreditado, quanto ao que diz. Eu vos digo que nunca a
vi, e que nunca passei pela terra dela, e todos daquela terra podem confirmar
isso.”
“E no
entanto, ela persiste em dizer que conhece o teu rosto e a tua voz.”
“Foi-me dito que ela profere palavras
inspiradas.”
“Também o
demônio fala de Deus.”
“Mas com erros misturados de propósito,
para desviar os homens para pensamentos de erro.”
“Pois
bem. Nós quereríamos que Tu nos deixasses fazer a mulher passar por uma prova.”
“De que modo?”
“Tu não a
conheces mesmo?”
“Eu vos digo que não.”
“Está
bem. Nós mandaremos à frente alguém que vá gritando: “Eis o Senhor”, e nós
ficaremos olhando se ela saúda o que vai com ele, como se fosses Tu.”
“É uma pobre prova. Contudo, Eu aceito.
Escolhei vós, entre os que me acompanham, quais são os que serão mandados à
frente. E Eu vos acompanharei com os outros. Mas, se a mulher falar, vós a
deveis deixar falar, a fim de que Eu julgue as palavras dela.”
“É justo.
O pacto está feito, e o manteremos fielmente.”
“Mestre,
não somos todos teus adversários. Alguns entre nós estão em posição de
expectativa... e com sincera vontade de ver a verdade, para te seguirem”, diz
um escriba.
“É verdade. E esses serão muito amados
por Deus.”
Os
escribas examinam os apóstolos e estranham a ausência de muitos, especialmente
a do Iscariotes, e depois escolhem Judas Tadeu e João. Além disso, tomam
consigo o ladrão convertido, que está pálido e magro e com os cabelos
avermelhados. Afinal, eles tomam consigo os que pela idade e pela fisionomia
têm certos pontos em que se parecem com o Mestre.
“Nós
iremos à frente com estes homens. Tu, fica aqui com os nossos companheiros e
com os teus, e, um pouco depois acompanha-nos.”
E assim
fazem. Já estão à vista os bosques que margeiam o rio. Um sol de inverno já no
acaso, doura as pontas das árvores e espalha uma luz amarela e bem clara sobre
as pessoas que se abrigaram junto às árvores.
“Eis
aqui! Aqui está o Messias. Levantai-vos! Vinde ao seu encontro!”, gritam os
escribas, que foram à frente, desviando-se para uma trilha, que termina em um
gigantesco carvalho de grossas raízes meio descobertas, parecendo umas cadeiras
para os que se abrigam ao redor de seu tronco.
O grupo
de pessoas, que lá estão ao redor da árvore, se vira, se levanta, abre ala,
encaminhando-se para ir ao encontro dos que vem chegando. E, junto ao tronco
ficam somente três escribas. João de Éfeso, um homem e uma mulher já de idade,
e mais uma mulher está sentada sobre uma raiz saliente, encostada no tronco,
com a cabeça inclinada sobre os joelhos que estão apertados por entre os braços
que a cingem, coberta de alto a baixo por um véu de um roxo tão carregado, que
parece preto. Ela parece alheia a tudo. Nem dá sinal de ouvir a gritaria.
Um
escriba toca no ombro dela: “Está aqui o Mestre, Sabéia. Levanta-te e saúda-o.”
A mulher
nem responde, nem se move. Os três escribas olham um para o outro e sorriem,
irônicos, fazendo a outros que vão a frente, o sinal de que entenderam. Mas,
como os que estavam esperando, não tendo visto Jesus, ficaram silenciosos, eles
gritam mais forte ainda, eles e seus companheiros, para que a mulher não
perceba o engano.
“Mulher”,
diz um escriba à velha mãe, que está com a filha, “pelo menos saúda o Mestre, e
dize à tua filha que também o faça.” A mulher se prostra, junto com seu marido,
diante de Tadeu, de João e do ladrão arrependido, e depois, levantando-se, diz
à filha: “Sabéia, o Senhor está aqui, vem venerá-lo.”
A jovem
não se move. O sorriso irônico dos escribas se acentua, e um deles, magro e
narigudo, diz com uma voz anasalada e arrastada: “Não esperavas esta prova, não
é mesmo? E o teu coração está tremendo. Escuta, porque a tua fama de profetisa
está em perigo, e não brinques com a sorte... Parece que isto basta para
mostrar que és mentirosa.”
A mulher
levanta de repente a cabeça. Joga para trás o véu, e olha com os olhos bem
abertos, dizendo: “Eu não minto ó escriba. E não tenho medo, porque estou com a
verdade. Onde está o Senhor?”
“Como?
Dizes que o conheces, e não o estás vendo? Ele está diante de ti.”
“Nenhum
destes é o Senhor. Por isso eu não me movia. Não é nenhum destes.”
“Nenhum
destes? Como? Aquele Galileu louro não é o Senhor?”
“Eu não o
conheço, mas sei que é louro e de olhos azuis. Não é o Senhor.”
“Então é
aquele alto e sério. Cuidado, que se trata de um rei. E certamente é Ele.”
“Não é o
Senhor. E entre estes não está o Senhor”, e a mulher torna a baixar a cabeça
por entre os joelhos, como antes.
Passa
algum tempo. Depois, eis Jesus que vem vindo. Os escribas impuseram silêncio
àquelas poucas pessoas. Por isso, a chegada de Jesus não foi saudada por nenhum
Hosana.
Jesus vem
vindo à frente, caminhando lentamente, silenciosamente... A erva viçosa abafa
todo o barulho dos passos. Enquanto isso, a velha enxuga suas lágrimas com o
véu, e um escriba a ofende, dizendo: “Vossa filha é doida e mentirosa”, e,
enquanto o pai suspira, e até censura a filha, Jesus chega ao fim da trilha e
para.
A jovem,
que não pode ouvir nada, que não pode ver nada, põe-se de pé, tira o véu, descobre
assim completamente a cabeça e estende os braços, dando um forte grito: “Ei-lo
que vem a mim o meu Senhor! Este é o Messias, ó homens. Eu vejo sobre Ele a luz
de Deus, que no-lo mostra, e lhe presto honra!”, e se joga no chão, mas ficando
em seu lugar, a uns dois metros de Jesus, com o rosto no chão, por entre a
grama, e ela grita: “ Eu te saúdo, ó Rei dos Povos, ó Admirável, ó Príncipe da
Paz, Pai do século sem fim, Chefe do novo povo de Deus!”, e fica prostrada, por
baixo do amplo manto escuro, de um roxo quase preto, como o véu. Mas, no
momento em que ela se pôs de pé junto ao tronco negro, - e depois de ter tirado
o véu, ficou com os braços estendidos para a frente, como se fosse uma
estátua...
... Ei-la
levantando-se e mostrando suas mãos longas, meio amorenadas, muito bonitas,
unidas aos braços por uns pulsos delicados. Ei-la de novo de pé junto ao muro
escuro. Ela está agora olhando para o Mestre, e sacode a cabeça porque alguns
escribas estão dizendo: “Estás enganada, Sabéia. Ele não é o Messias, mas é
aquele que viste por primeiro, sem que o reconhecesses.” Ela sacode a cabeça, e
continua firme, séria, e não tira os olhos do Senhor. Depois, seu rosto se
transfigura, em uma expressão que eu não sei dizer se é de uma viva alegria, ou
de uma sonolência extática. Mas tem de uma e de outra coisa, pois parece
empalidecer, como quem está perto de desmaiar, enquanto toda a sua vida se
concentra nos olhos, que se tornam luminosos, com uma luz de alegria, de
triunfo, de amor...
Não sei.
Estarão rindo aqueles olhos? Não. Eles não riem, como também não ri aquela boca
séria. No entanto, há uma luz de alegria neles, e cada vez mais aqueles olhos
vão adquirindo um grau de intensidade impressionante.
Jesus
olha para ela com seu olhar manso, um pouco triste. “Estás vendo como é uma
doida?”, sussurra-lhe um escriba. Jesus não responde uma palavra. Sua mão
esquerda está pendente ao longo do lado, a direita a segurar o manto sobre o
peito, e fica olhando sem nada dizer. E a mulher abre a boca e estende os
braços, como antes. Parece uma enorme borboleta, de suas asas roxas, e de corpo
cor de marfim velho. E um novo grito sai de seus lábios: “Ó Adonai, Tu és
grande! Somente Tu és grande, Adonai! Grande és Tu no Céu e na Terra, no tempo
e nos séculos dos séculos, e além do tempo, desde sempre e para sempre. Ó
Senhor, Filho do Senhor. Debaixo dos teus pés estão os teus inimigos, e mantém
firme o teu poder no amor daqueles que te amam.”
Sua voz
vai-se tornando sempre mais firme e forte, enquanto os olhos se afastam do
rosto de Jesus, e se voltam para um ponto distante, olhando por cima das
cabeças dos que estão perto dela e que ela, estando de pé, encostada ao tronco
de carvalho, que está sobre uma elevação do solo, domina sem dificuldade, como
se fosse um barranco de pequena altura.
Depois de
uma pausa, ela continua: “O trono de meu Senhor está ornado com as doze pedras
das doze tribos dos justos. Na grande pérola, que é o trono, o branco e
precioso trono resplandecente do Santíssimo Cordeiro, estão encastoados
topázios com ametistas, esmeraldas com safiras, rubis e sardônicas, ágatas e
crisólitos, e berilos, ônix, jaspes, opalas. Os que creem? Os que esperam, os
que amam, os que se arrependem, os que vivem e morrem na justiça, os que
sofrem, os que deixam o erro pela verdade, os que eram duros de coração, mas se
tornaram mansos em seu Nome, os inocentes, os arrependidos, os que de despojam
de todas as coisas, para ficarem ágeis e seguir o Senhor, as virgens de
espírito resplandecente, com uma luz parecida com uma aurora do Céu de Deus...
Glória ao Senhor! Glória a Adonai! Glória ao Rei sentado em seu Trono!”
Sua voz é
como um som agudo. As pessoa se sentem sacudidas por um tremor. E a mulher
parece estar realmente vendo o que diz, como se a nuvem dourada, que lá se vai
navegando por um céu sereno, que ela parece estar acompanhando, com seu olhar
arrebatado, fosse para ela uma lente, para ver as glórias celestes.
Ela
repousa, como se estivesse cansada, mas sem mudar de posição. Somente o seu
rosto fica transfigurado pela palidez da pele e o brilho dos olhos. Depois ela
continua a falar, abaixando o seu olhar sobre Jesus, que a está escutando
atentamente, no meio de um grupo de escribas, que sacodem a cabeça, irônicos e
zombeteiros, e de apóstolos e seguidores que estão pálidos, por uma sagrada
emoção. Ela começa de novo a falar, em voz clara, mas menos alta: “Eu estou
vendo. Eu vejo o Homem o que se esconde no Homem. Santo é o Homem, mas o meu
joelho se dobre diante do santo dos santos, encerrado no Homem.”
Sua voz
se torna forte, imperiosa como uma ordem: “Olha o teu Rei, ó povo de Deus!
Procura conhecer o seu Rosto! A Beleza de Deus está diante de ti. A Sabedoria
de Deus veio usar de uma boca para te instruir. Não são mais os profetas, ó
povo de Israel, que te falam do Inominável. Ele mesmo. Ele que conhece o
mistério que é Deus e que te fala de Deus. Ele que conhece o Pensamento de
Deus, e que te aproxima do seu seio, ó povo ainda pequeno, depois de tantos
séculos, e te nutre com o leite da Sabedoria de Deus para tornar-te adulto em
Deus. Para fazer isso, Ele se encarnou em um seio. No seio de uma mulher de
Israel, grande mais aos olhos de Deus e dos homens, do que qualquer outra
mulher. Ela roubou o coração de Deus com um só de seus suspiros de pomba. A
beleza do seu espírito seduziu ao Altíssimo, e Ele dela fez o seu trono. Maria
de Aarão pecou, porque nela estava o pecado. Débora julgou o que se devia
fazer, mas não trabalhou com suas mãos. Jael foi forte, mas sujou-se com
sangue. Judite era justa, e temia o Senhor, e Deus esteve em suas palavras, e
lhe permitiu o ato, para que Israel fosse salvo, mas, por amor à Pátria usou de
uma astúcia homicida. Mas a mulher que o gerou supera essas mulheres, porque
Ela é a serva perfeita de Deus, e o serve sem pecar. Toda pura, inocente e bela,
Ele é o belo Astro de Deus, desde o seu surgir, até o seu ocaso. Toda bela,
resplendente e pura, para ser Estrela e Lua.
Luz para
os homens encontrarem o Senhor. Ela não vai à frente, nem atrás da Arca Santa,
como não vai à frente Aarão, pois a Arca é Ela mesma. Sobre a onda escura da
terra, coberta pelo dilúvio das culpas, Ela desliza e salva, porque quem nela
entra encontra o Senhor. Pomba sem mancha, ela sai e leva consigo a oliveira da
paz aos homens, porque Ele é p Azeitona formosa. Ela se cala e em seu silêncio
está falando e trabalhando mais do que Débora, do que Jael e do que Judite, e
não aconselhas batalhas, não incita a matanças, não derrama outro sangue, a não
ser o mais escolhido, aquele com o qual fez o seu Filho. Mãe infeliz! Mãe
sublime... Temia Judite ao Senhor, mas de um homem tinha sido sua flor. Ela deu
ao Altíssimo sua flor intacta, e o Fogo de Deus desceu no cálice do lírio
suave, e um seio de mulher foi capaz de conter e transportar o Poder, a
Sabedoria e o Amor de Deus. Glória à Mulher! Cantai, ó mulheres de Israel, os
louvores dela.”
A mulher
se cala, como se tivesse esgotado sua voz. De fato, eu não sei como é que ela
faz para sustentar aquele timbre tão forte. Os escribas dizem: “Está doida!
Está doida! Faze que ela se cale, ou está doida ou possessa. Ordena ao espírito
que se apoderou dela se vá embora.”
“Não posso. Nela há somente o Espírito
de Deus, e Deus não se expulsa a Si mesmo.”
“Não o
fazes porque ela te louva, e isso lisonjeia o teu orgulho.”
“Escriba, pensa no que sabes de mim, e
verás que Eu não conheço orgulho.”
“E, no
entanto, só um demônio pode falar nela, para exaltar assim uma mulher! A
Mulher! E, que é que vale em Israel e para Israel essa mulher? Que é senão o
pecado aos olhos de Deus? A seduzida e a sedutora! Se não fosse pela fé,
difícil seria pensar-se que existe alma na mulher. Pois é proibido a ela
aproximar-se do Santo, por causa de sua impureza. E esta mulher diz que Deus
desceu nela!”, diz um outro escriba, escandalizado, e os seus companheiros
concordam com ele.
Jesus
então diz, sem olhar ninguém no rosto, e parecendo que está falando a Si mesmo:
“A
mulher esmagará a cabeça da serpente... A virgem conceberá e dará à luz um
Filho, que será chamado Emanuel... Um rebento brotará da raiz de Jessé, uma
flor nascerá dessa raiz e sobre Ela repousará o Espírito do Senhor.” Essa
Mulher é a minha Mãe, escriba. Em honra do teu saber, lembra-te das palavras do
Livro, e procura compreende-las.”
Os
escribas não sabem o que responder. Aquelas palavras já foram lidas mil vezes
por eles, e julgadas verdadeiras. Poderão negar isso agora? Então, eles se
calaram.
Alguém dá
ordens para que se acendam as fogueiras, porque o frio está forte por perto das
margens, por onde está passando agora o vento da tarde. Os outros obedecem, e
labaredas sobre os galhos secos logo se levantam, formando uma coroa ao redor
do grupo, que se ajuntou.
A luz
movediça do fogo parece estar despertando a mulher, que estava emudecida e com
os olhos fechados, como que recolhida em si mesma. Ela reabre os olhos, e
acorda. Olha de novo para Jesus, e grita de novo: “Adonai Adonai, Tu és grande!
Cantemos ao Divino um cântico novo! Shalém! Shalém! Malquich! Paz! Paz! O Rei,
ao qual nada resiste...”
De
repente, a mulher se cala. Olha ao redor pela primeira vez desde que começou a
falar, olhando para aqueles que rodeiam a Jesus, e fita bem os escribas, como
se os estivesse vendo pela primeira vez, e, sem nenhum motivo aparente,
Formam-se lágrimas em seus grandes olhos, seu rosto fica triste e sem
esplendor. Agora, ela fala lentamente, e com uma voz profunda, como quem está
falando de coisa dolorosas: “Não. Há alguém que resiste. Escuta, ó povo. Desde
que começou a minha dor, ó povo de Betleque, tu me tens ouvido falar. Depois de
anos de silêncio e de dor, eu ouvi, e disse o que ouvi. Agora já não estou mais
entre os verdes bosques de Beltleque, como a virgem viúva que acha no Senhor
sua única paz. Eu não tenho em torno de mim somente os meus concidadãos para
lhes dizer: Temamos o Senhor, porque chegou a hora de estarmos prontos para o
seu chamado.
Embelezemos
a veste do nosso coração para não sermos indignos de sua presença entre nós.
Cinjamo-nos de fortaleza, porque a hora do Cristo é hora de prova.
Purifiquemo-nos como vítimas para o altar, a fim de que possamos ser escolhidos
Poe Aquele que no-lo ensina. Quem é bom, faça-se melhor. Quem é soberbo,
torne-se humilde. Quem sofre de luxúria, livre-se da carne, a fim de que possa
acompanhar o Cordeiro. O avarento se transforme em benfeitor, pois Deus nos faz
o bem por seu Messias, e cada um pratique a justiça, para poder pertencer ao
povo do Bendito que vem. Agora eu estou falando diante dele, e diante de quem
crê nele e também diante de quem não crê, e zomba do Santo, e daqueles que
falam e creem em seu Nome e nele. Mas eu não tenho medo. Vós dizeis que eu sou
doida, vós, dizeis que quem fala em mim PE um demônio. Eu sei que poderíeis
fazer-me apedrejar como blasfemadora. Sei que isto que eu vos direi vos
parecerá um insulto e blasfêmia e me odiareis. Mas eu não tenho medo. Sou a
última, talvez das vozes que falam dele antes de sua manifestação, e terei
talvez a sorte de muitas outras vozes, mas não tenho medo. Muito longo é o
exílio, no frio e na solidão da terra, para quem pensa em ir para o Seio de
Abraão, ao Reino de Deus, que o Cristo abre para nós, mais santo do que o seio
de Abraão. Sabéia do Carmelo, da estirpe de Aarão não teme a morte, Mas teme o
Senhor. E fala quando Ele a faz falar, para não desobedecer a sua vontade.
E diz a
verdade, porque fala de Deus, com as palavras que Deus lhe dá. Eu não temo a
morte. Mesmo que me chamásseis de demônio, e me apedrejásseis como
blasfemadora, mesmo que o pai, a mãe e os meus irmãos por essa desonra
morrerem, eu não tremerei de medo, nem de dó. Eu sei que o demônio não está em
mim, porque em mim está calada toda concupiscência, e toda Betleque sabe disso.
Eu sei que as pedras não poderão fazer outra coisa, além de colocarem uma
parada mais breve do que um respiro em meu canto, e, depois, mais ampla na
liberdade do Além-terra. Eu sei que a dor daqueles que são do meu sangue, Deus
a confortará, e que ela será breve, enquanto que eterna será depois a sua
alegria de parentes mártires, por causa de uma mártir. Não temo a vossa morte,
mas sim a que me viria, se eu não lhe obedecesse. Eu falo. E falo aquilo que me
foi dito, ó povo escuta e escutai vós ó escribas de Israel.”
Levanta
de novo a voz amargurada, e diz: “O antigo povo de Deus não pode cantar o
cântico novo, porque não ama ao seu Salvador. Cantarão o cântico novo os que
forem salvos de todas as nações, os do povo do Cristo Senhor, e não aqueles que
odeiam o meu Verbo. Que horror (ela dá realmente um grito que faz estremecer).
A voz produz luz, e que a luz produza vista. Que horror! Que é que estou
vendo?”
O grito é
quase como um uivo. Ela se contorce, como se estivesse fincada, diante de algum
espetáculo tremendo, que lhe torturasse o coração, ele estivesse tentando
acabar com aquilo, fugindo dali. Seu manto caiu-lhe dos ombros, e ela fica com
sua veste branca, ao lado de um grande tronco preto. No meio da luz, que vai
diminuindo lentamente no reflexo verde do bosque e ao avermelhado e oscilante
movimento das chamas, seu rosto toma um ar fortemente trágico. Formam-se
sombras sob os olhos, ao redor das narinas e sob os lábios. Parece um rosto
escavado pela dor. Ela toca suas mãos, repetindo em voz mais baixa: “Eu estou
vendo! Estou vendo!”, e, bebendo suas lágrimas ela continua: “Estou vendo os
delitos deste meu povo. E sou impotente para fazê-los cessar. Eu vejo os
corações dos meus compatriotas, e não os posso mudar. Que horror! Que horror!
Satanás deixou os seus lugares e veio fazer sua morada nos corações destes.”
“Faze-a
calar!”, mandam os escribas a Jesus.
“Vós prometestes deixá-la falar”, respondeu Jesus.
E a
mulher continua: “Eu volto à terra, ao barro, ó Israel, que ainda sabes amar ao
Senhor, Cobre-te de cinzas, veste e cilício. Por ti mesma e por eles!
Jerusalém! Salva-te, Jerusalém! Eu vejo uma cidade tumultuada, pedindo um
delito. Eu ouço, estou ouvindo o urro dos que estão invocando com ódio um sangue
sobre eles. Eu vejo que estão levantando a vítima na Páscoa de sangue, vejo
escorrendo aquele sangue, ouço aquele sangue gritar mais do que o sangue de
Abel, enquanto se abrem os céus, a terra se sacode, e o sol escurece. E aquele
sangue não grita vingança, mas pede piedade para com o seu povo assassino,
piedade para nós! Jerusalém, converte-te. Aquele sangue! Aquele sangue, um rio.
Um rio que lava o mundo, curando-o de todos os males, cancelando todas as
culpas. Mas para nós, para nós de Israel, aquele sangue é um fogo, para nós ele
é um escopo que escreve sobre os filhos de Jacó o nome dos deicidas e a
maldição de Deus. Jerusalém! Tem piedade de ti mesma e de nós...”
Mas
faze-a calar-se, nós te ordenamos!”, gritam os escribas, enquanto a mulher
soluça, cobrindo seu rosto.
“Eu não posso impor à Verdade que se
cale.”
“A
Verdade! A Verdade! É uma doida que está delirando. Que Mestre és Tu, se tomas
por verdade as palavras de uma mulher que delira?” “E, que Messias és, se não
sabes nem fazer calar uma mulher?” “E, que profeta és, se não sabes pôr em fuga
o demônio? No entanto em outras ocasiões o fizeste!” “Ele o fez, sim. Mas agora
não lhe convém. É um plano bem engenhado para aterrorizar as multidões!”
“E teria Eu escolhido logo esta hora,
este lugar e este punhado de homens para fazê-lo, quando Eu podia fazê-lo em
Jericó, quando Eu tive cinco e mais de cinco mil pessoas que me seguiram e me
rodearam muitas vezes quando o recinto do Templo ficou pequeno para acolher
todos aqueles que me queriam ouvir? E, por acaso, pode o demônio dizer palavras
de Sabedoria? Quem de vós, em consciência, pode dizer que algum erro escapou de
seus lábios? Não é verdade que saem, ressoando de seus lábios, com voz de
mulher, as terríveis palavras dos profetas? Não estais ouvindo a voz de Deus
através da criatura, a voz que procura ser acolhida para o vosso bem? Mas esta
mulher, que para Mim é desconhecida, que favor estará esperando por suas
palavras? Que é que receberá por elas, senão o vosso desprezo, as vossas
ameaças, e talvez a vossa vingança? Não. Eu não lhe imponho silêncio! Pelo
contrário, para que estes poucos a ouçam, e vós também a ouçais, e possais
arrepender-vos, Eu lhe ordeno: “Fala! Fala! Eu te mando em nome do Senhor! Fala,
Eu te ordeno. Não ficarão sem fruto as
tuas dolorosas palavras Sabéia, da estirpe de Aarão, fala!”
A mulher
obedece. Mas ela fala baixo, a tal ponto que todos vão mais para perto dela, a
fim de ouvi-la melhor. Ela parece estar falando a si mesma, olhando para o rio
que passa, rente à sua direita, com os últimos reflexos de suas águas naquele
dia. E ela parece estar conversando com o rio: “Ó Jordão, rio sagrado de nossos
pais, que tens a onda azul e encrespada, como um bisso precioso, e por ela
refletes as claras estrelas e a cândida lua, e acaricias os salgueiros de tuas
margens, que és um rio de paz e, contudo conheces tantas dores. Ó Jordão, que
nas horas de tempestade, sobre as ondas inchadas e agitadas, transportas as
areias de milhares de torrentes com as suas rapinas, e às vezes até troncos de
tenros arbustos, sobre os quais está um ninho, e sem teres dó do casal de
passarinhos, que o vão acompanhando, piando de dor, vendo o seu ninho destruído
pela tua rapina. Assim verás, ó Sagrado Jordão, atingido pela ira divina,
arrancado das casas e do altar, e indo para a ruína para perecer na maior das
mortes, o povo que não quis o Messias. Salva-te meu povo! Crê no teu Senhor!
Segue o teu Messias! Reconhece-o pelo que Ele é. Não é rei de povos e milícias.
É Rei das almas, das tuas almas e de todas as almas Ele é. Desceu para recolher
as almas justas, e subirá de novo para conduzi-las ao Reino eterno.
Ó vós,
que estais preocupados com o futuro da Pátria, uni-vos ao Salvador. Que não
morra completamente a semente de Abraão! Fugi dos falsos profetas, das bocas
mentirosas, dos corações rapinantes que querem arrancar-vos dos braços da
Salvação. Sai das trevas que vêm crescendo ao redor de vós. Escutai a voz de
Deus. No decreto de Deus, os grandes que vós hoje temeis, já são pó. Mas um só
é o Vivente. Os lugares nos quais eles reinam, e dos quais eles vos oprimem, já
são ruínas. Um só é o que dura, Jerusalém! Onde estão os orgulhosos filhos de
Sião, de que te gabas? Onde estão os rabis e sacerdotes, com os quais te ornas
e dos quais tanto admiras? Olha para eles! Estão oprimidos com grilhões, vão
para o exílio, passando pelo meio dos escombros dos teus palácios, pelo meio do
fedor dos mortos pela espada e pela fome. Sobre ti está o furor de Deus, ó
Jerusalém, que rejeitas o teu Messias, e o golpeias no rosto e no coração. E,
ti toda beleza está destruída. Toda esperança para ti está morta. Profanados estão
o Templo e o altar, foram-lhes arrancados os éfodes. Não valem mais nada porque
eles não reinam mais. Agora há um outro, o Pontífice eterno, e ele é Santo e colocado
por Deus. Rei e Sacerdote eterno, por Aquele que faz suas as ofensas feitas ao
Cristo, e delas toma as vinganças. Um outro Pontífice, o verdadeiro, o Santo,
Ungido por Deus e pelo seu Sacrifício, no lugar daqueles sobre cuja fronte a
tiara é até um desdouro, pois ela cobre pensamentos de horror!
Ele veio
para trazer-te a paz. E tu fizeste guerra. Saúde, e escarneceste dele. Amor, e
tu o odiaste. Milagre, e tu o chamaste de demônio. Suas mãos curaram os teus
doentes, e tu as traspassaste. Ele te trazia a luz, e tu cobriste de cuspo e
sujeira o rosto dele. Ele te trazia a vida, e tu lhe deste a morte. Israel,
chora o teu pecado, e não maldigas o Senhor, enquanto vais indo para o teu
exílio, que não terá fim como aqueles de outros tempos. Percorrerás a terra
toda, Israel, mas como um povo vencido e maldito, perseguido pela voz de Deus,
e com as mesmas palavras que Ele disse a Caim. E aqui não poderás voltar a
construir um ninho firme, a não ser quando reconheceres com os outros povos que
este é Jesus, o Cristo, o Senhor, Filho do Senhor.”
...Põe os
pés no chão, ó povo que ainda sabes amar. Cobre-te de cinzas, veste-te com o
cilício. O furor de Deus está suspenso sobre nós, como uma nuvem carregada de
granizo e de relâmpagos por cima de um campo amaldiçoado.”
...Paz,
paz, ó Rei de justiça e de Paz, ó Adonai, grande e poderoso, ao qual nem mesmo
o Pai resiste! Impetra paz para nós, pelo teu Nome, ó Jesus, Salvador e
Messias, Redentor e Rei, e Deus três vezes Santo.”
...”Então,
Tu não queres curar a mulher, nem condená-la?”
“Não.”
“E achas
que ela é profetisa?”
“Inspirada, sim.”
“Tu és um
demônio com ela. Vamos. Não nos convém perder mais tempo com demônios”, diz
Sadoque, dando um empurrão de carregador em Jesus, para afastá-lo de sua
frente. Muitos o acompanham. Alguns ficam. Entre estes está aquele que eles
chamaram de Joel Alamot.
“E vós, não os acompanhais?”, pergunta Jesus, mostrando os que lá se vão.
“Não
Mestre. Nós vamos embora, porque já é noite. Mas queremos dizer-te que cremos
no teu julgamento. Deus tudo pode, é verdade. E, para nós que caímos em muitas
culpas, Ele pode suscitar espíritos, que nos chamem de novo à justiça”, diz um
de idade bem avançada.
“Disseste bem. E esta tua humildade é
mais aos olhos de Deus do que o teu saber.”
“Então,
lembra-te de mim, quando estiveres no teu Reino.”
“Sim, Jacó.”
“Como é
que sabes o meu nome?”
Jesus
sorri sem responder.
“Mestre,
lembra-te de nós também”, dizem os outros três. E o último a falar, Joel
Alamot, diz também: “E bendizemos o Senhor que nos deu esta hora.”
“Bendigamos o Senhor!”, responde Jesus.
Pg.
197-213
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526 – CURA PERTO DO VAU DE BETÁBARA E
DISCURSO EM RECORDAÇÃO DE JOÃO BATISTA
Ele sobe
para um ponto mais alto do terreno, coberto por uma grama fina, e começa a
falar: Que foi
que vós viestes procurar neste lugar? A saúde do corpo, ó doentes, e ela vos
foi dada. A palavra que evangeliza, e a encontrastes. Mas a saúde do corpo deve
ser a preparação para o vosso desejo de justiça. Ai de nós, se a saúde do corpo
se limitasse apenas a uma alegria da carne e do sangue, permanecendo inerte
quanto ao espírito. Eu vos fiz louvar o Senhor, que vos fez o benefício da
saúde. Mas, tendo passado o momento de alegria, não deve cessar o vosso
reconhecimento ao Senhor, E esse reconhecimento se manifesta na boa vontade de
amá-lo. Todos os dons de Deus nada são, ainda que sejam cheios de forças para a
ação, se faltar no homem a vontade de retribuir a Deus com o dom do próprio
espírito de Deus.
Este lugar ouviu a pregação de João.
Muitos de vós certamente a tereis ouvido. Muitos em Israel a ouviram, mas nem
em todos produziu os mesmos resultados, não obstante ter o Batista dito as
mesmas palavras. E, então, porque é que há tanta diferença? De onde ela provém?
Vem da vontade diferente dos homens que ouviram aquelas palavras. Para alguns
elas foram, uma real preparação, a fim de aproximá-los de mim, e, portanto,
para a santidade deles. Para outros no entanto, foi a preparação deles contra mim,
e, portanto, para a injustiça praticada por eles. Como o grito de uma escolta,
elas ressoaram, e o exército dos espíritos se dividiu, mesmo tendo sido o grito
um só. Uma parte dele se preparou para seguir o seu Chefe. Outra parte se
armou, e estudou planos para me combater a mim e aos meus seguidores. E por
isso Israel será vencido, porque um reino dividido contra si mesmo não pode ser
forte, e os estrangeiros se aproveitam disso para subjugá-lo.
Igualmente, porém, acontece com cada
espírito em particular. Em cada homem há forças boas e forças não boas. A
Sabedoria fala a todos os homens, mas poucos são os homens que sabem fazer
reinar somente uma das duas partes: a boa. Nisto de querer escolher uma só
parte, e fazê-la rainha, os filhos do século são mais capazes de agir. Eles
sabem ser completamente maus, quando querem sê-lo, e jogam fora vestes inúteis
as partes boas que ainda poderiam resistir. Mas, ao contrário, os homens que
são deste século, e que sentem um impulso para a Luz, não sabem, a não ser com
dificuldade, imitar os filhos do século, e jogar para longe de si, como umas
vestes rejeitadas, as partes, mas que neles ainda tentam resistir.
Eu disse que, se um olho serve de
escândalo, seja arrancado, se uma mão serve de escândalo, seja amputada, porque
é melhor entrar na Luz eterna mutilados, do que nas Trevas eternas com os dois
olhos e com ambas as mãos.
O Batista era homem do nosso tempo.
Muitos de vós o conhecestes. Imitai o seu heroico exemplo. Ele por seu amor ao
Senhor e á sua alma, jogou fora bem mais do que um olho ou uma mão, mas a sua
própria vida, para ser fiel á Justiça. Muitos de vós terão sido discípulos
dele, e ainda dirão que o amam. Mas lembrai-vos de que o amor a Deus e o amor
aos mestres, que nos levam para Deus se demonstra fazendo o que eles ensinaram,
imitando as suas obra de justiça e amando a Deus com todo o nosso ser, até o
heroísmo. Eis, então que assim fazendo, os dons de salvação e sabedoria, que
Deus nos concedeu, não ficam inativos, e não se tornam nossa condenação, mas,
ao contrário, são uma escada para subirmos até a morada do meu e vosso Pai, que
nos espera a todos nós em seu Reino.
Fazei, para o vosso bem, fazei que o
sacrifício do Batista, isto é, sua vida inteira de sacrifício, e que terminou
com o martírio, e que o meu sacrifício, que termina em um martírio cem vezes e
mais de cem vezes maior do que o Precursor, não fiquem inúteis para vós. Sede
justos, tende fé, tende obediência á palavra do Céu, renovai-vos na Lei Nova. A
Boa Nova seja para vós verdadeiramente boa, tornando-vos bons e merecedores de
gozar da Bondade, isto é, do Senhor Altíssimo, em um dia eterno. Sabei
distinguir os verdadeiros dos falsos pastores, e segui aqueles que vos dão
palavras de vida aprendidas de Mim.
Está perto a festa das Luzes, a
celebração da dedicação do Templo. Lembrai-vos de que nada são as luzes de
muitas lâmpadas em honra da festa do Senhor, se fica sem a luz o vosso coração.
É luz a caridade e a porta-luz é a vontade de amar ao Senhor com as boas obras.
Recordar a dedicação do Templo é boa coisa, mas muito maior e melhor, e aceita
ao Senhor é dedicar a Deus o próprio espírito e consagrá-lo de novo com amor.
Espíritos justos em corpos justos, porque o corpo é semelhante ás paredes que
cingem o altar sobre o qual desce a glória do Senhor. Deus não pode descer
sobre altares profanados pelos pecados próprios ou por contatos pelos pecados
próprios, ou por contatos com carnes mordidas pela luxúria, ou por maus
pensamentos.
Sede bons. A fadiga de sê-lo nas
contínuas provas da vida é compensado, com usura, pelo prêmio futuro e, desde
agora, pela paz que consola os corações dos justos, ao termo de cada um dos
seus dias, quando se deitam para o repouso, e encontram o seu travesseiro livre
de remorsos, que são os íncubos daqueles que querem gozar ilicitamente, e não
conseguem senão ter um desejo, mas sem paz. Não invejeis os ricos, não odieis a
ninguém, não desejeis o que pertence a outros. Ficai contentes com o vosso
estado, pensando que, ao fazerdes a Vontade de Deus em todas as coisas, tendes
a chave que abre as portas da eterna Jerusalém.
Eu vou deixar-vos. Muitos entre vós não
me verão mais, porque Eu estou para ir-me embora, a fim de preparar os lugares
dos meus discípulos...Eu abençoo especialmente as vossas crianças e as vossas
mulheres, que Eu não verei mais. E depois a vós homens... Sim, Eu quero
abençoar-vos... A minha bênção servirá para não deixar cair os mais fortes, e
fazer que se levantem os mais fracos. Somente para aqueles que me entregarão, odiando-me,
é que a minha bênção não terá valor.
Ele os
abençoa todos juntos, depois abençoa as mulheres, beija as crianças e
lentamente vai-se voltando para o vau, com os cinco apóstolos que ainda estão
com Ele, e com os discípulos ex-pastores.
Pg.
216-218
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527 – IGNORÂNCIAS E TENTAÇÕES NA
NATUREZA HUMANA DE CRISTO
“Mestre!”
“João, que queres?”, e Jesus, com a luz no sorriso no rosto, abarca com um braço
o seu predileto, segurando-o perto de si, enquanto vai caminhando.
“Estávamos
falando uns com os outros, mas não tínhamos certeza sobre uma coisa. É esta: se
Tu sabes todo o futuro, ou se uma parte te fica escondida. Uns dizem uma coisa,
e os outros, outra.”
“E tu, que dizias?”
“Eu dizia
que o melhor seria pergunta-lo a Ti.”
“Assim tu vieste. Fizeste bem. Isto,
pelo menos serve para mim e para ti, a fim de gozarmos um momento de amor...
Está tão difícil poder ter-se um momento de paz!
“É
verdade. Como eram belos aqueles primeiros tempos...”
“Sim. Para o homem, como somos nós,
eram belos. Mas, para o espírito que há em nós, estes são melhores. Porque
agora é mais conhecida a Palavra de Deus, e porque sofremos mais. Quanto mais
se sofre, mais se redime, João. Por isso, mesmo lembrando-nos daqueles tempos
serenos, devemos amar mais a estes que nos fazem sofrer, e, com os sofrimentos,
nos dão almas. Mas Eu vou responder à tua pergunta. Escuta. Como Deus, Eu não
deixo de saber nada, E como homem não deixo de saber. Conheço os acontecimentos
futuros, porque Eu existo com o Pai, desde antes de existir o tempo e vejo além
do tempo. Como um homem isento das imperfeições e limitações causadas pela
Culpa e pelas culpas, Eu tenho o dom de ver os corações. Este dom não é
limitado só ao Cristo. Mas é, em medidas diferentes, de todos aqueles que,
tendo atingido a Santidade, estão de tal modo unidos a Deus, que podem dizer
que não operam por si próprios, mas pela perfeição que á há neles. Por isso
posso responder-te que, como Deus, Eu não ignoro o futuro dos séculos e, como
homem justo, não ignoro o estado dos corações.”
João
reflete e se cala. E Jesus o deixa assim por alguns momentos, e depois lhe diz:
“Por exemplo, agora Eu estou vendo em ti este pensamento. “Mas, então, o meu
Mestre sabe exatamente qual é o estado de Judas Iscariotes!”
“Oh!
Mestre!”
“Sim, Eu o sei, e continuo a ser o seu
Mestre, e quereria que vós continuásseis a ser os seus irmãos.”
“Mestre
Santo! Mas, então, conheces mesmo tudo sempre? Algumas vezes dizemos que não é
assim, porque Tu vais a lugares onde encontras inimigos. Antes de ires para lá,
sabes que os vais encontrar, e para lá vais para combatê-los com o teu amor, a
fim de vencê-los para o amor, ou então... não sabes, e somente vês teus
inimigos, quando eles já estão a tua frente, e ai lês os corações deles? Uma
vez Tu me dissente – estavas muito triste naquela ocasião, e sempre pela mesma
causa – que estavas como um que não vê...”
“Eu também suportei este martírio do
homem: o de ter que ir para a frente sem enxergar, confiando totalmente na
Providência. Eu devo conhecer o homem todo. Menos a culpa cometida por ele. E
isso, não por uma barreira posta por meu Pai em frente à carne, ao mundo e ao
demônio, mas pela minha vontade de homem. Eu sou como vós. Mas sei querer mais
do que vós. Por isso sinto as tentações. E nisto está, como também para vós, o
meu mérito.”
“Tentações,
também, Tu! Parece-me impossível.”
“Porque tu passas por poucas. És puro,
e pensas que sendo-o Eu mais do que tu, não devia conhecer a tentação. De fato,
aquela carnal é tão fraca em relação à minha castidade, que nem chega a ser
sentida por mim. Ela ricocheteia para fora... Até o demônio se cansou de jogar
esse dardo contra mim. Mas, ó João, não pensarás tu em quantas outras tentações
estejam ao redor de mim?”
“Ao redor
de Ti? Tu não és ávido de riquezas, nem de honras, Quais são elas, então?”
“E não pensarás que tenho uma vida,
tenho afetos e deveres também para com minha Mãe, e que essas coisas me tentam
para que Eu fuja do perigo? Ela, a Serpente, dá-lhes o nome de “perigo”. Mas o
verdadeiro nome é “Sacrifício”. E não pensarás que Eu também tenho sentimentos?
O eu moral não está ausente de mim, e sofre com as ofensas, com os escárnios,
com os fingimentos. Oh! Meu João! Não perguntas a ti mesmo que repugnância eu
sinto pela mentira e pelo mentiroso? Sabes quantas vezes o demônio me tenta
para Eu reagir contra essas coisas que me fazem sofrer, saindo da mansidão para
tornar-me duro e intransigente? E, enfim, não pensarás quantas vezes ele sopra
o seu ardente hálito de soberba, para dizer: “Gloria-te disto ou daquilo. Tu és
grande. O mundo te admira. Os elementos estão a teu serviço.
A tentação de comprazer-se ou ser
Santo. É a mais sutil. Quantos perdem a santidade já conquistada, por causa
dessa soberba. Com que foi que Satanás corrompeu a Adão? Tentando a
sensualidade dele, seu pensamento e seu espírito. Não sou Eu o homem que deve
recriar o homem? De mim virá a nova humanidade. E eis que Satanás procura os
mesmos caminhos, a fim de destruir, e para sempre a raça dos filhos de Deus.
Agora, vai aos teus companheiros, e repete-lhes as minhas palavras. E não
fiques pensando se Eu sei, ou não, o que Judas está fazendo. Pensas somente que
Eu te amo. Não será suficiente este pensamento para ocupar um coração?” E Jesus o beija e o despacha. E, tendo ficado sozinho,
levanta de novo os olhos para o céu, que se pode ver entre as folhagens das
oliveiras, e dá um gemido: “Meu Pai! Faze que, pelo menos até a última hora Eu possa
conservar oculto o Delito. Para impedir que estes meus diletos se sujem de
sangue. Tem piedade deles, meu Pai! Eles são fracos demais para deixarem de
reagir à ofensa. Que eles não tenham ódio no coração, na hora da Caridade
Perfeita!”, e enxuga suas lágrimas que só Deus está
vendo.
Pg.
221-223
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531 – EM NOBE, DOENTES E PEREGRINOS DE
TODA REGIÃO. VALÉRIA E O DIVÓRCIO. CURA DO PEQUENO LEVI
Jesus
está no meio dos doentes ou dos peregrinos que vieram até Ele de muitos lugares
da Palestina. Entre eles há também um navegante de Tiro, que um desastre no mar
fez que ele ficasse paralítico, como ele mesmo conta: foi a queda de um fardo,
que tombou por causa do balanceamento do navio. As mercadorias pesadas foram
para cima dele, e o atingiram na espinha dorsal. Ele não morreu, mas está pior
do que um morto, porque, tendo perdido tudo, quer que os parentes deixem de
trabalhar para cuidarem dele. Diz ter ido com eles a Cafarnaum, depois a
Nazaré, e ter ficado sabendo que o Senhor estava na Judéia, e podia ser
encontrado em Jerusalém. Deu-me os nomes dos amigos que te poderiam hospedar.
Fiquei sabendo que Tu não desprezas ninguém, nem mesmo os samaritanos. E espero
que me atenderás. Eu tenho muita fé.
A mulher
dele não fala. Mas, estando acocorada perto do pequeno colchão sobre o qual
puseram o doente, fica olhando para Jesus com uns olhos que suplicam mais do
que quaisquer palavras.
Em que ponto é que foste atingido?
Por baixo
do pescoço. Foi nesse ponto que eu senti o choque mais forte e senti um barulho
na cabeça, como o do bronze quando é percutido. Depois se transformou em um
mugido contínuo, como o do mar na minha frente... Depois, não senti mais nada,
durante muitos dias. Estávamos navegando nas águas de Cintium e eu me dei conta
de que estava em minha casa, sem saber como. E tornei a ouvir o mugido na
cabeça, a as luzes na vista, por muitos e muitos dias. Depois tudo passou...
mas meus braços ficaram mortos, e as pernas também. Eu estava um homem acabado,
aos quarenta anos. E tenho sete filhos Senhor.
Mulher, soergue o teu marido, e descobre
o ponto em que ele foi atingido.
A mulher
obedece, sem nada falar. Com movimentos bem ajeitados e maternais, ajudada
pelos que vieram com ela, não sei se é seu irmão, ou cunhado, ela enfia um
braço por baixo do ombro do esposo, enquanto com a outra mão, e com aquela
delicadeza com que trataria um recém-nascido, ela levanta da pequena cama o
pesado corpo. Uma cicatriz, ainda vermelha, mostra o ponto da ferida maior.
Jesus se
inclina. Todos espicham o pescoço para olhar. Jesus apoia as pontas dos dedos
na cicatriz, dizendo: “Eu Quero.”
O homem
sente uma sacudida, como se tivesse sido tocado por uma corrente elétrica, e dá
um grito: “Que Fogo.”
Jesus
tira os dedos de sobre as vértebras lesadas, e diz: “Levanta-te.”
O homem
não espera que Jesus o diga duas vezes. Apoia-se nos braços, que havia meses,
estavam inertes sobre a pequena cama, sacode para ficar livre do que o prendia,
joga as pernas para baixo da padiolinha e pôr-se de pé, tudo isso foi feito em
muito menos tempo do que eu usei para descrever as fases do milagre.
A mulher
grita, o parente grita, o homem curado levanta aos braços para o céu, emudecido
de alegria. É só um instante de uma estonteante alegria, e depois ele dá meia
volta sobre si mesmo, com a firmeza de um homem bem ágil, e se encontra frente
a frente com Jesus. Aí ele adquire de novo a voz, e grita: “Bendito és Tu, e
quem te mandou! Eu creio no Deus de Israel e em Ti, seu Messias.” E se joga no
chão, para beijar os pés de Jesus, em meio à gritaria do povo.
Em
seguida, os outros milagres sobre as crianças pequenas, as mulheres e os velhos
em geral. Depois Jesus fala.
Vistes o milagre dos ossos quebrados
que se tornam inteiros de novo e de membros que se tornam vivos. Isto vos foi
concedido pelo Senhor, poderdes ver para confirmar a fé naqueles que creem, e
suscitá-la naqueles que não a têm. E o milagre foi concedido a pessoas de todos
os lugares, que vieram até aqui em busca de saúde, impelidas pela fé no meu
poder de curar.
Aqui há judeus e galileus, libaneses e
siro-fenícios, habitantes da longínqua Batanéia e das costas marítimas. E todos
vieram sem se preocuparem com a estação, nem com o comprimento do percurso, e
os parentes os acompanharam se murmurar, sem se lamentarem pelos trabalhos que
eles deixaram interrompidos, e pelos negócios deixados por terminar. Porque
todo sacrifício era nada em comparação com o que eles iam conseguir.
E, assim como caíram as ideias
políticas ou religiosas, que antes formavam como que uma muralha, colocada para
impedir que se considerassem todos irmãos, todos iguais no viver e no sofrer,
no desejar e esperar saúde e conforto. E Eu, a todos os que souberam unir-se em
uma esperança, que já é fé, concedi a saúde e o conforto. Porque é justo que
assim seja.
Eu sou o Pastor Universal, e devo
acolher a todas as ovelhas que querem entrar no meu rebanho. Eu não faço
distinção entre as ovelhas sãs e as doentes, entre as fracas e as fortes, entre
as que me conhecem, porque já são do rebanho de Deus, e as ovelhas que até
agora não me conheciam e nem mesmo ao verdadeiro Deus. Porque Eu sou o Pastor
da Humanidade, e recolho as minhas ovelhas de qualquer lugar onde estiverem, e
se dirigirem á mim. São ovelhas magras, sujas, maltratadas, ignorantes, feridas
por pastores que não as amavam e as rejeitaram, dizendo que eram imundas. Mas
não há imundície que não possa ser limpa. E não há imundície que, querendo
ficar limpa, e pedindo para sê-lo, possa ser rejeitada com a desculpa de que
está suja.
Os bons desejos são suscitados por
Deus. Se Ele os suscita, é sinal de que deseja que se tornem realidade. É o
próprio Espírito de Deus que pede com orações inefáveis essa absorção de todos
os homens, que parte do amor, porque o Espírito de Deus deseja efudir-se e
enriquecer-se e fundir-se amando um número ilimitado de seres, que são atraídos
por Ele, pela doçura de seus perfumes. Por isso não é lícito a ninguém
desprezar ou rejeitar a quem quer entrar no rebanho Santo.
Isto seja dito para aqueles entre vós
gostam de cultivar nos corações as ideias de muitos em Israel, ideias de distinções
e de julgamentos não amados por Deus, porque são contrários aos seus desígnios
de fazer de todos os povos um só Povo que leve o Nome do Messias por Ele
enviado.
Por enquanto, Eu falo também aqueles
que vieram de fora, as ovelhas até agora selvagens, e que sentem o desejo de
entrar no único rebanho do único Pastor. E digo: nada os faça desconfiar, nada
os envileça. Não existe paganismo nem idolatria, nem vidas diferentes da que eu
ensino, que não possam ser renegadas e rejeitadas, permitindo ao espírito poder
refazer-se e tornar-se livre de todas as plantas más, para poder ficar apto, a
fim de receber as novas sementes e revestir-se de novas fardas. E isso, mais
ainda do que a saúde para os membros, é que deveria empurrar as pessoas para mim.
Como, e sirva o que digo, tanto para os
hebreus da Palestina, como para os hebreus e prosélitos e como para os gentios,
como sabeis vir a Mim, para que seja tirado de vossas carnes doentes o jugo das
enfermidades, assim, sabei vir, para que seja tirado do vosso espírito o jugo
do pecado e do paganismo. Deveríeis todos pedir-me em primeiro lugar esta
libertação, que é querer o Reino de Deus em vós como o primeiro milagre. Porque
tendo esse Reino em vós, todas as outras coisas vos serão dadas, e dadas de tal
modo, que o presente não fique pesado como um castigo na outra vida.
Não tendes ficado pensando nas
intempéries, nas canseiras, nas perdas de dinheiro quando íeis atrás de saúde
para os vossos membros que, mesmo estando hoje cansados, qualquer dia destes
perecerão em uma morte física. Com a mesma disposição deveríeis saber enfrentar
todas as dificuldades, para conseguirdes a saúde para o vosso espírito, e a
vida eterna, com a posse do Reino de Deus.
Escárnios e ameaças dos parentes, ou
dos concidadãos, ou das autoridades, que é que são, em comparação com aquilo
que todos vós tendes, de qualquer lugar que tenhais vindo, se souberdes
dirigir-vos para a Verdade e a Vida? Quem é que deixaria de ir para um lugar,
onde soubesse que está esperando uma vida feliz, para se entreter durante um
dia com uma festa que dura só até o pôr do sol? No entanto muitos fazem assim.
E, para se saciarem com uma fração de tempo, com as insípidas e inúteis
alegrias do mundo, deixam de ir ao lugar onde achariam para sempre o verdadeiro
alimento, a verdadeira saúde, a verdadeira alegria e sem ter o medo de vê-la
ser-lhe tirada pelo ódio do inimigo.
No Reino de Deus não há ódio, nem
guerra, nem injustiças. Quem entra nele não conhece mais a dor, a aflição, a
violência, mas possui a alegria da paz que emana de meu Pai. Eu me despeço de
vós. Ide. Voltai ás vossas terras. Os meus discípulos já são numerosos, e estão
espalhados por todas as regiões da Palestina. Escutai, se quereis conhecer a
minha doutrina, e estar prontos para o dia da decisão, da qual dependerá a vida
eterna de muitos. Eu vos dou a minha Paz, para que ela vá convosco.
E Jesus
tendo abençoado o povo, volta para a casa...
Diz
Jesus:
Tu gostarias de entrar em nossa
religião? Um dos preceitos Divinos dela é que a mulher é carne da carne do
esposo, e que nenhuma coisa ou pessoa pode separar, o que Deus fez uma só
carne. Entre nós também temos o divórcio. Mas ele veio como um fruto mau da
luxúria humana, do pecado original, da corrupção dos homens. Mas não veio da
vontade de Deus. Deus não muda sua palavra. E Deus havia dito, ao soprar sobre
Adão, que ainda era inocente, e, por isso falava com uma inteligência ainda não
ofuscada pela culpa, estas palavras: “que os esposos, tendo-se unido, deviam
ser uma só carne. Ora, a carne não se separa da carne, a não ser por algum
acidente mortal, ou por doença. O divórcio mosaico, concedido para evitar
pecados atrozes, não concede a mulher mais do que uma liberdade bem escassa. A
divorciada assim fica, como quando passa a segunda núpcias. Portanto no juízo
de Deus ela é uma infeliz, se torna-se divorciada pela aversão que lhe tem o
marido, e assim fica divorciada. Mas não passa de uma pecadora, uma adúltera,
se assim fica por suas próprias culpas, e se casa de novo. Mas tu, querendo
entrar em nossa religião, o fazes para me acompanhar. E, então, Eu, o Verbo de
Deus, quando chegar o tempo da verdadeira religião, te digo o que sempre digo a
muitos. Não é permitido ao homem separar o que Deus uniu, e é sempre adúltero
aquele que, tendo seu consorte vivo, passar a outras núpcias.
O divórcio é uma prostituição legal,
para pôr o homem e a mulher em condição de cometer pecados de luxúria.
Dificilmente fica viúva de um vivo, e viúva fiel. O homem divorciado não foi
nunca fiel ao primeiro casamento. Tanto um como a outra, passando a outras
uniões, descem ao nível de homens para o dos animais, aos quais é permitido
mudar de fêmea a qualquer desejo da sensualidade. A fornicação legal, perigosa
para a família e para a Pátria é delituosa para com os inocentes. Os filhos dos
divorciados devem julgar seus progenitores. É um severo juízo, o dos filhos. Os
filhos se tornam, pelo egoísmo de seus progenitores, condenados a uma vida
ativa mutilada. Porque se, depois das consequências familiares do divórcio, que
priva do pai ou da mãe os filhos inocentes, se une em novo matrimônio o
cônjuge, que ficou com os filhos, vai ficar condenado a uma vida afetiva
mutilada em um membro, a uma perda mais ou menos total do afeto do outro membro
separado, ou totalmente dominado pelo novo amor e pelos filhos do novo
casamento.
Falar de núpcias, de casamento em caso
de nova união a um divorciado ou de uma divorciada é profanar o significado e a
essência do que é o casamento. Somente a morte de um dos cônjuges e a viúves
consecutiva do outro pode justificar as segundas núpcias. Por mais que Eu
julgue que seria melhor inclinar a cabeça ao veredicto sempre justo de quem os
destinos dos homens, e fechar-se na castidade, quando a morte pôs um fim ao
estado matrimonial, dedicando-se toda aos filhos, e amando o cônjuge, que
passou desta para a outra vida nos filhos que ele lhe deixou. Este é um amor
despojado de todo materialismo, amor Santo e Verdadeiro. Pobres filhos!
Conhecer depois da morte ou o desmoronamento do lar, ou a dureza de um segundo
pai ou de uma segunda mãe, a angustia de ver as carícias divididas com outros
filhos, que não são irmãos.
Não, na minha religião não haverá
divórcio. O adultério, o pecador será aquele que quiser o divórcio civil para
contrair uma nova união. A lei humana não mudará o meu decreto. O casamento em
minha religião não será mais um contrato civil, uma promessa moral, feita e
sancionada na presença de testemunhas para isso chamadas. Mas será um
indissolúvel ligame, reforçado, solidificado e Santificado pelo poder Santificante
que a ele Eu darei, fazendo dele um Sacramento. Para fazer-te compreender
melhor, será um rito sagrado. Será um poder que servirá de ajuda para praticar
Santamente todos os deveres matrimoniais, mas que será também uma sentença da
indissolubilidade do vínculo. Até agora o matrimônio foi um mútuo contrato
natural e moral entre duas pessoas de sexo diferente. Quando chegar a minha
lei, ele se estenderá também á alma dos cônjuges. Tornar-se-á por isso também
um contrato espiritual sancionado por Deus, através de seus ministros. Agora tu
sabes que nada é superior a Deus. Por isso o que Ele tiver unido nenhuma
autoridade ou capricho humano poderá desunir.
E aquilo de dizer: “Onde tu estiveres
Caio, eu Caia estarei”, conforme o vosso rito, se perpetua, para além do nosso,
no meu rito, porque a morte não é o fim, mas uma separação temporária do esposo
da esposa, e o dever de amar continua, mesmo depois da morte.
Por isso Eu digo que quereria a
castidade dos viúvos. Mas o homem não sabe ser casto. E também por isso é que
Eu digo, que os cênjuges têm o dever recíproco de melhorar o outro cônjuge. Não
sacudas a cabeça, este é o dever, e o dever há de ser cumprido, se se quer
verdadeiramente acompanhar-me.
Pg.
241-255
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532 – PREPARATIVOS PARA AS ENCÊNIAS.
UMA PROSTITUTA MANDADA PARA TENTAR JESUS, QUE DEIXA NOBE
Atrás do
grosso tronco da nogueira, está uma figura humana. Jesus dá dois passos para o
lado dela e diz: Acompanha-me. E vai colocar-se na banqueta de pedra colocada
perto da casa, do lado do oriente.
A mulher
vai indo para frente, toda velada e inclinada. Jesus coloca a lâmpada sobre a
pedra, ao lado dele. Fala. Ele deu esta ordem com a severidade de um Deus, e a
mulher, em vez de continuar para frente e de falar, dá uns passos para trás,
inclina-se mais ainda e fica calada.
Fala, Eu te mando. Querias falar
comigo. E Eu vim. Fala, diz Jesus com tom de doçura na
voz.
Silêncio.
Então Eu vou falar. E Eu te pergunto:
porque me odeias tanto, a ponto de servir aos que querem a minha ruína, e a
desejam de todos os modos e para ela procuram todas as causas possíveis?
Responde. Que foi que Eu te fiz de mal, ó infeliz? Que foi que te fez de mal o
Homem, que nem em seu coração zombou da vida infame que tu levas? Será que este
homem te corrompeu, Ele que, nem em seu coração te desejou, para que possas
odiar assim, e mais do que aqueles que te prostituíram, e te rebaixam cada vez
que eles vêm a ti? Responde! Que foi que te fez Jesus de Nazaré, o filho do
Homem, que tu apenas conheces de vista, por te teres encontrado com Ele nas
ruas da cidade, Jesus que nem conhece o teu rosto, nem ás tuas graças dá
importância, e que somente da tua alma é que Ele quer ver suja e enfeada
figura, para conhecê-la e curá-la? Então, fala!
Não sabes quem Eu sou? Sim, em parte tu
o sabes. E até em duas partes o sabes. Sabes que Eu sou um homem jovem e que a
minha pessoa te agrada. Quem te disse isso foi a tua animalidade desenfreada. E
a tua língua de ébria te disse a quem pôde ficar ouvindo a confissão de tua
sensualidade, e te deu uma arma com que fazer-me mal. Sabes que Eu sou Jesus de
Nazaré, o Cristo. Isto te disseram aqueles que desfrutando do teu desejo
carnal, te pagaram para que viesses aqui a fim de me tentar. Eles te disseram:
“Ele se diz o Cristo. As multidões o chamam de Santo, o Messias. Ele não é mais
do que um impostor. Precisamos ter a prova de sua miséria como homem. Dá-nos
essas provas, e te cobriremos de ouro.” E, porque tu, se tens ainda um resto de
justiça, a última migalha daquele tesouro de justiça, que Deus havia colocado
em tua carne junto com tua alma, mas que tu quebraste e esparramaste por aí,
não querendo fazer-me mal, porque, a teu modo tu me amavas, e, então eles te
disseram: “Nós não lhe faremos mal! Pelo contrário! Nós abandonaremos contigo o
homem, dando-te os meios de fazê-lo viver como um rei ao teu lado. Basta-nos
podermos dizer a nós mesmos, para pormos em paz a nossa consciência, que Ele é
um simples homem. Dá-nos essas provas, e te cobriremos de ouro. Será uma prova
de que temos razão, não crendo que Ele é o Messias.” Assim disseram eles. E tu,
então, vieste. Mas, se Eu aderisse ás tuas adulações, teria o Inferno sobre mim.
Eles já estão prontos para cobrir-me de lama e para prender-me. E tu estás
sendo o instrumento para que possam fazer isso.
Estás vendo que não te faço perguntas.
Eu falo, porque sei. Sem necessidade de perguntar, se é que tu sabes destas
duas coisas. Mas há uma terceira que tu não sabes. Tu não sabes quem Eu sou,
além de ser um homem e ser Jesus. Em Mim, tu vês o homem. Os outros te dizem:
“È o Nazareno”. Mas Eu te digo quem sou. Eu sou o Redentor. E, para redimir,
devo ser sem pecado. A minha possível sensualidade de homem, olha como Eu a
espezinhei. Assim como faço com esta nojenta lagarta que, na escuridão, vinha
de uma lama para outra lama, a fim de realizar os seus lascivos amores. Assim,
Eu a espezinhei sempre. E assim a espezinho agora também. E assim estou
disposto a arrancar de ti a tua doença e espezinhá-la, livrando-te dela, para
tornar-te sã e santa. Porque Eu sou o Redentor. Somente isso. Tomei um corpo
para salvar-vos, para destruir o pecado, e para amar-vos, mas com um amor que
dá a sua vida, o seu sangue, a sua palavra, tudo, a fim de levar-vos para o
Céu, para a Justiça, não para amar-vos como a um animal. E, nem mesmo como
homem, porque Eu sou mais do que homem.
Sabes tu exatamente quem Eu sou? Não o
sabes. Tu não sabias nem mesmo qual era a importância do que tinhas vindo
fazer. E disso Eu te perdoo, sem que tu mo peças. Tu não sabias. Mas, e a tua
prostituição? Como pudeste viver nela? Tu ao eras assim. Eras boa. Oh! Infeliz!
Não te lembras de tua infância? Não te recordas dos beijos de tua mãe? Nem das
palavras dela? Nem das horas de oração? Das palavras de Sabedoria, que ouvias
ser explicadas de tarde por teu pai, e aos sábados pelo sinagogo? Quem foi que
te fez ficar assim hebetada e ébria? Não te lembras? Não tens saudades daqueles
tempos? Dize-me: Estás verdadeiramente feliz? Não respondes? Eu falo em teu
lugar. E Eu digo: não, não és feliz. Quando despertas, encontras sobre o teu
travesseiro a tua vergonha, a dar-te a primeira tortura do dia, cada dia. E a
voz da consciência te grita a sua reprovação, enquanto te ficas enfeitando e
perfumando com prazer. E sentes um cheiro insuportável, até nas essência mais
finas. E um sabor nauseante, até nos alimentos mais gostosos. E as tuas joias
te pesam como umas correntes. E elas o são. E, enquanto te ris e seduzes, alguma
coisa geme dentro de ti. E te embebedas para vencer os aborrecimentos e a
náusea que te causa a tua vida. E odeias aqueles que dizes amar, a fim de
receber algum lucro deles. E maldizes a ti mesma. E teu sono é cheio de
íncubos. E a lembrança de tua mãe é uma espada em teu coração. E a maldição de
teu pai não te deixa em paz. Além disso, recebes as ofensas dos que se
encontram contigo as crueldades dos que abusam de ti, sem piedade, e sempre. Tu
és uma mercadoria. Tu és vendida. E uma mercadoria comprada se usa como se
quer. Rasga-se, consome-se, pisa-se nela, cospe-se sobre ela. Está sob os
direitos do comprador. Tu não te podes rebelar... E será que uma situação assim
te faz feliz? Não. Estás desesperada. Estás acorrentada. Estás sendo torturada.
Sobre a terra és um farrapo nojento, que por qualquer um pode ser pisado. Se tu
procuras, nas horas de sofrimento encontrar conforto e levantar o teu espírito
para Deus, sentes a ira de Deus sobre ti, uma prostituta, e vês o Céu fechado,
e mais ainda do que o foi para Adão. Se te sentes mal, ficas com grande medo de
morrer, porque sabes qual é a tua sorte. Pois o abismo te espera. OH! Infeliz!
E tudo isso ainda não bastava? Gostarias de acrescentar a torrente de tuas
culpas também a culpa de teres sido a ruína do Filho do homem? Deste que te
ama? Ele é o único que te ama. Porque foi por tua alma também que Ele se
revestiu com a carne humana. Eu poderia salvar-te, se tu o quisesses. Sobre o
abismo de tua objeção, inclina-se o Abismo da Misericordiosa Santidade, e fica
esperando um teu desejo de Salvação, para arrancar-te do abismo de tua
imundície. Em teu coração tu ainda pensas ser impossível que Deus te perdoe. E
ficas ainda procurando bases para este teu pensamento no confronto que fazes
com o mundo, que não te perdoa, por seres uma prostituta. Mas Deus não é o
mundo. Deus é bondade, Deus é perdão. Deus á Amor.
Tu vieste a Mim, tendo sido paga para
me fazer mal. Em verdade Eu te digo que o Criador, contanto que salve uma sua
criatura, pode transformar em bem o que é mal. E, se tu quiseres, em bem vai se
mudar a tua vinda a Mim. Não te envergonhes do teu Salvador. Não te envergonhes
de lhe mostrares nu o teu coração. Ainda que o queiras esconder. Ele o vê, e
chora sobre ele. Chora. Ama. Não te envergonhes de arrepender-te. Sê ousada em
arrepender-te, como o foste na culpa. Não és tu a primeira prostituta que vem
chorar a meus pés, e que Eu reconduzo à Justiça... Eu nunca expulsei nenhuma
criatura, por mais culpada que ela fosse. Pelo contrário, sempre procurei atraí-la
e salvá-la. Esta é a minha missão. Não me causa horror o estado de um coração.
Eu conheço Satanás e as obras dele. Conheço os homens e suas fraquezas. Conheço
a condição da mulher que paga, como é de justiça, mais duramente do que o
homem, as consequências da culpa de Eva. Portanto, eu sei julgar e
compadecer-me. E Eu te digo que mais do que para com as mulheres decaídas, Eu
sou severo aqueles que as fizeram cair. Quanto a ti, Eu sou mais severo para
com aqueles que te mandaram, do que para contigo, que vieste, sem saber
exatamente para que estavas sendo usada. Eu teria preferido que tu tivesses
vindo impelida por um desejo de redenção, como outras tuas irmãs. Mas, se tu
obedeceres ao desejo de Deus e se de uma má ação fizeres a pedra angular da tua
nova vida, Eu te direi a palavra de paz.
...Com
rapidez, ela agarra uma pedra aguçada que ela viu no chão, e com ela se fere
até sair sangue do rosto, e arranha com suas unhas pintadas. O sangue goteja
das feridas, as feições ficam inchadas pelos golpes, até que enfim, sua fúria
se aplaca, e ela ofegante, exausta, desfigurada, despenteada, rasgada, com as
vestes sujas de sangue e de terra, enfim se joga no chão aos pés de Jesus,
gemendo: “E agora me podes perdoar, se estás vendo meu coração, porque não há
mais nada do meu passado, nada mais de... Tu venceste, Senhor, na luta contra
os teus inimigos e contra minha carne... Perdoa-me os meus pecados...
Eu os havia já perdoado, desde quando
Eu vim ao teu encontro. Levanta-te, e não peques mais.
Pg.
266-271
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534 – ENSINAMENTOS E CURAS NA SINAGOGA
DOS LIBERTOS ROMANOS. UM MANDATO PARA OS GENTIOS
Vem para a frente, ordena Jesus.
A mulher
vai à frente, mas com medo.
Não deves ter medo de mim, se me amas, Jesus a encoraja.
Eu te
amo. Por isso é que eu vim de Alexandecene. Porque eu pensava que ainda te
teria ouvido e... teria aprendido a suportar meus sofrimentos, e ela chora.
Quando foi que ficaste viúva?
No fim do
vosso mês de Adar. Se tu tivesses estado aqui, o Zeno não teria morrido. Ele
assim dizia... porque ele tinha ouvido a tua palavra e cria em Ti.
Pois então ele não está morto, mulher.
Porque quem crê em mim está vivo. Não é neste dia que a carne vive a verdadeira
vida. A vida é aquela que se obtém crendo, acompanhando o Caminho a Verdade e a
Vida, e agindo conforme a sua palavra. Ainda que tivesse sido uma fé nele e um
seguimento dele por pouco tempo, e trabalhasse por pouco tempo, interrompido
pela morte do corpo, ainda que tivesse vivido por um só dia, por uma só hora,
Eu em verdade te digo que aquela criatura jamais conhecerá o que é a morte.
Porque o Meu Pai é Pai de todos os homens, não irá calcular quanto tempo
transcorreu em minha lei e na fé, mas sim a vontade do homem de viver até à
morte naquela lei e naquela Fé. Eu prometo a Vida eterna a quem crê em mim, e
age segundo o que Eu digo, amando o Salvador, propagando esse amor, praticando,
no tempo que lhe é concedido, os meus ensinamentos.
Os operários da minha vinha são todos
aqueles que vêm e dizem: “Senhor, acolhe-me entre os teus operários”, e nessa
vontade permanecem, enquanto o meu Pai não julgar terminado o seu dia de
trabalho. Em verdade, em verdade, Eu vos digo que haverá operários que terão
trabalhado apenas uma hora, a sua última hora, e que terão preparado para eles
o prêmio daqueles que terão trabalhado desde a primeira hora do dia, mas que
trabalharam sempre com tibieza, empurrados para o trabalho somente pela ideia
de não irem para o Inferno, isto é, por medo do castigo. Não é este o modo de
trabalhar, que meu Pai premia, logo em seguida com a glória, Pelo contrário, a
esses calculadores egoístas, que têm pressa de fazer o bem, mas somente aquele
tanto de bem, que for suficiente para que não se lhes dê o castigo eterno, o
Juiz eterno lhes dará uma sentença: a expiação.
Eles deverão aprender, as suas próprias
custas, com a expiação, a formar em si um espírito alegre no amor, em
verdadeiro amor, todo voltado para a glória de Deus. E vos direi ainda que no
futuro haverá muitos, especialmente entre os gentios, que terão sido operários
por uma hora, e até por menos de uma hora, e que se tornarão gloriosos em meu
Reino, porque naquela única hora, em que corresponderam à Graça, que os terá
convidado a entrar na Vinha de Deus, eles terão atingido a perfeição heroica da
Caridade! Portanto cria coragem, mulher.
Teu marido não está morto, mas está
vivo. Não está perdido para ti, mas somente separado por algum tempo, de ti.
Agora tu como uma esposa que ainda não entrou na casa do esposo, deves
preparar-te para as verdadeiras núpcias imortais com aquele pelo qual choras.
Oh! Felizes núpcias de dois espíritos que se santificaram, e que se unem de
novo e para sempre lá onde não há mais separação, nem medo de desamor, nem
sofrimento, lá onde os espíritos se rejubilarão no amor de Deus e em seu amor
recíproco!
A morte para os justos é verdadeira
vida, porque nada mais pode ameaçar as vitalidades do espírito, isto é, a sua
permanência na justiça. Não chores e não tenhas saudade do que é passageiro, ó
Sira. Levanta o teu espírito, e vê, com justiça e verdade. Deus te amou,
salvando o seu consorte do perigo de que as obras do mundo arruinassem sua fé
em mim.
O
Sinagogo, enquanto Jesus está tentando passar para a frente, diz: “Posso fazer
uma objeção, sem que isso lhe pareça uma ofensa?
Fala. Eu estou aqui como Mestre, a fim
de dar Sabedoria a quem me interroga.
Tu
disseste que alguns se tornarão imediatamente gloriosos no Céu. O Céu está
fechado? Não estão os justos no Limbo, à espera para lá entrarem?
Assim é. O Céu está fechado. E só será
aberto pelo Redentor. Mas a hora deste chegou. Em verdade, Eu te digo que o dia
da Redenção já vem chegando no oriente, e logo já terá chegado. Em verdade Eu
te digo, que não virá outra festa depois desta, antes daquele dia. Em verdade,
Eu te digo que já estou abrindo as portas, estando já no alto do monte do meu
sacrifício... o meu sacrifício já está empurrando as portas dos Céus, pois jê
entrou em ação. Quando ele se completar, lembra-te dele, ó homem, abrir-se-ão
as sagradas cortinas e as portas Celestes. Porque Javé não estará mais presente
com sua glória no Santo dos Santos, e inútil será colocar um véu entre o
incognoscível e os mortais, e a Humanidade que nos precedeu, e que foi justa,
voltará lá para onde fora destinada, com seu Primogênito á frente, já completo
na carne e no espírito, e com os seus irmãos vestidos de luz, que eles terão,
até que também as suas carnes sejam chamadas a participar do Júbilo.
Jesus
toma o tom de quem canta, e que é o tom que o próprio Sinagogo toma, quando
repete palavras bíblicas ou os salmos, e diz:
E Ele me disse: Profetiza a estes
ossos, e dize-lhes: Ossos áridos, escutai a palavra do Senhor... Eis que Eu
infundirei em vós as carnes, estenderei vossa pele, dar-vos-ei o espírito, e
vivereis, e sabereis que Eu sou o Senhor... Eis! Eu abrirei as vossas tumbas...
e vos tirarei dos sepulcros... Quando Eu tiver infundido em vós o meu espírito,
tereis vida, e vos farei repousar na terra que é vossa.
Depois
Ele retoma o seu modo habitual de falar, torna a baixar os braços, que estavam
estendidos para a frente, e diz:
Duas são as ressurreições do que é
árido e morto para a vida. Duas, meio veladas nas palavras do Profeta. A
primeira é a ressurreição para a Vida e na Vida, isto é, na Graça que é Vida
para todos os que acolhem a palavra do Senhor, o espírito gerado pelo Pai, que
é Deus como Pai, do qual é Filho, e que se chama Verbo, o Verbo que é Vida e dá
Vida. Aquela Vida da qual todos tem necessidade, e da qual estão privados
Israel e os gentios. Porque, se para Israel até agora ela era suficiente para
obter a vida eterna, para esperar e receber a vida que vem do Céu, de agora em
diante, para ter Vida, Israel deverá acolher a Vida.
Em verdade, Eu vos digo que aqueles do
meu povo que não me acolherem a Mim-Vida, não terão a Vida, e a minha vida será
para eles uma ocasião de morte, porque terão rejeitado a Vida, que veio
comunicar-se a eles. Chegou a hora em que Israel vai se dividir em vivos e
mortos. É a hora de escolher: ou viver ou morrer. A Palavra falou, mostrou sua
origem e seu Poder, curou, ensinou, ressuscitou, e brevemente terá cumprido a
sua missão. Não há mais desculpas para aqueles que não vêm à Vida. O senhor
passa. E, tendo passado, Ele não volta. Ele não voltou ao Egito para dar de
novo a vida aos filhos primogênitos daqueles que haviam escarnecido Dele e
oprimido os meus filhos. Também desta vez ele não voltará, depois que a
imolação do Cordeiro houver decidido as sortes. Aqueles que não me acolhem
antes da passagem, que me odeiam e me odiarão, não terão sangue para a
Santificação de seus espíritos, e não viverão, e não terão o seu Deus com eles,
por todo o resto de sua peregrinação sobre a Terra. Ficarão sem o Divino Maná,
sem a nuvem protetora e luminosa, sem a água que vem do céu, privados de Deus,
andarão vagando por esse vasto deserto todo, pois aos que a percorrem falta a
união com o Céu, a vizinhança com seu Pai e Amigo, que é Deus. E haverá a
segunda ressurreição: a Universal, na qual os ossos calcinados e espalhados
durante muitos séculos, voltarão a viver, cobertos com seus nervos, suas carnes
e a pele. E, então, se fará o julgamento. A carne e o sangue dos justos se
alegrará com o seu espírito no Reino eterno, enquanto a carne e o sangue dos
condenados sofrerá com o seu espírito no eterno castigo. Eu te amo ó Israel. Eu
te amo, ó Gentilismo. Eu te amo ó Humanidade. E por esse amor Eu vos convido à
Vida e a Ressurreição feliz.
“Oh!
Senhor! Senhor! Dize-nos, então, como é que podemos encontrar-te e conhecer que
és Tu quem nos está falando, e onde é que estás, depois que tiveres ido embora
daqui,” exclamam diversos.
E alguns
ainda continuam: “Nós somos gentios, e não conhecemos a Tua Lei. Não temos
tempo para ficar aqui e acompanhar-te. Como faremos para termos aquela virtude
que nos torne merecedores de conhecer a Deus?”
Jesus
sorri, radiante de beleza, em sua felicidade por estas conquistas no meio dos
gentios e, com doçura explica:
“Não vos preocupeis em saber muitas leis.
Irão estes, (e põe a mão sobre os ombros de
Pedro e de Tadeu), levar minha Lei pelo mundo. Mas, enquanto ele não chegam lá,
tende por norma de lei as seguintes e poucas frases nas quais está resumida a
minha Lei de Salvação. Amai a Deus com todo o vosso coração. Amai as
autoridades, os parentes, os amigos, os servos, o povo, e até os inimigos, como
vos amais a vós mesmos. E, para estardes seguros e não pecardes, antes de fazer
qualquer ação, tanto se ela for mandada, como se for espontânea, perguntai a vós
mesmos: “Gostaria eu que o que estou querendo fazer a este, fosse feito a mim?”
E, se percebeis que não gostaríeis, não o façais. Com estas simples linhas vós
podeis traçar para vós o caminho pelo qual Deus virá a vós, e vós ireis a Deus.
Porque ninguém quereria que um filho lhe fosse ingrato, que alguém o matasse,
que algum outro lhe roubasse, ou lhe levasse a esposa, ou lhe desonrasse a
irmã, ou a filha, ou lhe usurpasse a casa, os campos ou os servos fiéis. Com
esta regra sereis bons filhos e bons pais, bons maridos, irmãos negociantes e
amigos. Portanto sereis virtuosos, e Deus virá a vós.
Eu tenho ao meu redor, não somente
hebreus e prosélitos, nos quais não há malícia, quero dizer, que vêm a Mim, não
para apanhar-me em faltas, como fazem aqueles que vos expulsaram do Templo,
para que não viésseis à vida, mas também aos gentios de todas as partes do
mundo. Eu vejo os cretenses, os fenícios misturados com os habitantes do Ponto
e da Frígia, e há um daquelas praias até onde chegam as águas do mar desconhecido
e que é a passagem para outras terras, onde também serei amado. E vejo gregos
com sicilianos, cirenaicos com asiáticos. Pois bem. Eu vos digo: Ide! Dizei em
vossas cidades que a Luz está no mundo, e que venham à Luz. Dizei que a
Sabedoria deixou os Céus, a fim de fazer-se pão para os homens, e água para os
homens doentios. Dizei que a Vida veio para tornar sãos de novo, e ressuscitar
o que está doente e morto.
E dizei... dizei que o tempo passa
rápido como um relâmpago de verão. Quem tem desejo de Deus, venha. Seu espírito
conhecerá a Deus. Que tem desejo de cura, venha. A minha mão, enquanto estiver
livre, dará cura àqueles que a invocam com fé. Dizei sim! Ide, e ide solícitos,
e dizei que o Salvador está esperando por aqueles que o esperam e desejam uma
ajuda do alto, pela Páscoa, na Cidade Santa.
Dizei-o aqueles que têm necessidade, e
também àqueles que são simplesmente uns curiosos. Daquele movimento impuro da
curiosidade pode brotar para eles a centelha da fé em Mim, da Fé que salva.
Ide! Jesus de Nazaré, o Rei de Israel, o Rei do mundo, convoca os
representantes do mundo para dar-lhes os tesouros de suas graças, e tê-los como
testemunhas de sua elevação, que o consagrará como triunfador pelos séculos dos
séculos, Rei dos reis e Senhor dos senhores. Ide! Ide!
Na aurora de minha vida terrena, de
muitos lugares vieram os representantes do meu povo, para adorar o Pequeno, no
qual o Imenso se ocultava. A vontade de um homem, que se julgava muito
poderoso, mas que era um servo da Vontade de Deus, havia ordenado que se
fizesse um recenseamento do Império. Obedecendo a uma desconhecida e imutável
ordem do Altíssimo, aquele homem pagão devia fazer-se o pregoeiro de Deus, que
queria ver todos os homens de Israel espalhados por todas as partes da terra,
na terra deste povo, perto de Belém Éfrata, assombrados com os sinais vindos do
céu, ao primeiro vagido do menino, e os representantes deles vieram adorar o
Rei dos reis, ainda pequenino, pobre, ainda longe de sua coroação na Terra, mas
já... oh! já Rei, na presença dos Anjos.
Chegou a hora na qual serei Rei na
presença dos povos. Rei, antes de voltar para o lugar de onde vim. Ao
pôr-do-sol do meu dia terreno, a tarde de minha vida de homem, é justo que aqui
estejam homens de todos os povos para verem aquele que vai ser adorado, e no
qual se encerra toda a Misericórdia. E que fruam dela os bons, as primícias
desta messe nova, desta Misericórdia, que se abrirá como uma nuvem de Nisã,
para encher os rios de águas salutares, a fim de que fiquem aptos para tornar frutíferas
as árvores plantadas em suas margens, como se lê em Ezequiel.”
Pg.
279-285
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537 – NO TEMPLO NA FESTA DA DEDICAÇÃO,
JESUS SE MANIFESTA AOS JUDEUS QUE TENTAM LAPIDÁ-LO
...”Eu estou esperando os doentes. Eles
me viram entrar na cidade, e a notícia certamente já se espalhou. Nas horas
mais quentes eles virão. Fiquemos pelo menos até um terço da sexta”, responde Jesus. E recomeça a caminhar para adiante e para
trás, a fim de não ficar parado naquele ar gelado.
E, na
verdade, depois de pouco tempo, quando o sol já está abrandando os efeitos do
vento norte, chega a mulher com uma menina doente, pedindo a cura dela. Jesus a
contenta. A mulher coloca sua esmola aos pés de Jesus, dizendo: “Isto é para
outros meninos que sofrem.” Iscariotes recolhe as moedas. Mais tarde, sobre uma
pequena padiola, levam um homem já velho, doente das pernas. E Jesus o cura.
Em
terceiro lugar vem um grupo de pessoas que estão pedindo a Jesus que saia para
fora dos muros do Templo, para expulsar o demônio de uma menina, cujos gritos
dilacerantes são ouvidos até La dentro. E Jesus sai atrás deles, e vai chegar à
estrada que vai para a cidade.
Algumas
pessoas, entre as quais estão uns estrangeiros, se ajuntaram ao redor dos que
estão segurando a jovenzinha que está espumando e se contorcendo, revirando os
olhos. Palavrões de todos os calibres saem dos lábios dela e, quanto mais eles
vão saindo, mais Jesus se aproxima dela, e mais cresce o debater-se dela. Com
dificuldade a estão segurando quatro homens, jovens e robustos. E, junto com os
impropérios, prorrompem gritos dizendo que ele conhece o Cristo e suplica
angustiado o espírito que a possui, pedindo para não ser expulso, e também
dizendo algumas verdades, repetidas monotonamente. “Fora! Não me faças ver este
maldito! Vai-te embora! Fora! És a causa de nossa ruína. Eu sei quem Tu és...
Tu és o Cristo. Tu és... Não foste ungido por outro óleo, mas pelo lá de cima,
o poder do Céu te cobre e te defende. Eu te odeio. Maldito! Não me expulses.
Porque nos expulsas, e não nos queres, enquanto tens perto de Ti uma legião de
demônios em um só? Sim, que o sabes. Deixa-me aqui, pelo menos até a hora
de...” A palavra fica embargada algumas vezes, como que estrangulada, e outras
vezes muda, ou se detêm, ou se prolonga por entre gritos desumanos, como quando
urra: “Deixa-me entrar pelo menos nele. Não me mandes lá para o abismo! Por quê
nos odeias, ó Jesus Filho de Deus? Não te basta o que já és? Porque queres
mandar em nós? Nós não queremos ser mandados. Porque vieste perseguir-nos, se
nós te renegamos? Vai-te embora. Não mandes sobre nós os fogos do Céu! Esses
teus olhos! Quando ele ficarem apagados, nós nos riremos... Ah! Não! Mas, nem
mesmo assim. Porque Tu nos vences. Sê maldito. Tu e o Pai que te mandou e
Aquele que de vós procede e é vós. Aaaah!”
Este
último grito é realmente espantoso, como o de uma criatura que está sendo
degolada, e na qual vai entrando lentamente o ferro homicida, e é causado, pelo
fato de que Jesus, depois de ter dado muitas vezes a ordem de cessar aquilo,
por meio de um comando mental, põe fim ás palavras da possessa, tocando com um
dedo a fronte da jovenzinha. E aquele grito termina com uma convulsão horrível
e, com o fragor da risada de quem sai de um pesadelo, quando o demônio a deixa,
gritando: “Mas eu não vou para longe... Ah! Ah! Ah!”, o que é acompanhado por
um estampido como o de um raio, ainda que o céu esteja completamente limpo.
Muitos
fogem dali aterrorizados. Outros se aglomeram ainda mais para observarem a
jovenzinha, que se acalmou de repente, descansando nos braços dos que as
estavam segurando. Fica assim por alguns instantes, e depois abre os olhos,
sorri, vê-se entre pessoas que não têm véu sobre o rosto, nem sobre a cabeça, e
inclina seu rosto, para escondê-lo por baixo do braço que lhe levanta o rosto.
Quem está com ela gostaria que ela agradecesse ao Mestre. Mas Ele diz: “Deixai-a
em seu pudor. A alma dela já me agradece. Levai-a de novo para casa, para a
mãe. É o seu lugar de menina.”, e vira as costas para as
pessoas, tornando a entrar no Templo, e indo ficar onde estava antes.
“Tu
viste, Senhor, como muitos judeus vieram às nossas costas? Eu reconheci alguns
deles. Lá estão eles: são aqueles que nos estavam espiando antes. Olha como
estão discutindo entre si.” Diz Pedro.
“Estarão
discutindo sobre quem entre eles o diabo entrou. Lá está também Naum, o homem
de confiança de Anás. É um tipo idôneo”, diz Tomé.
Sim. E tu
não viste, porque estavas de costas. Mas o fogo desceu justamente sobre a
cabeça dela”, diz André, batendo um pouco os dentes. “Eu estava perto e fiquei
com medo.”
“É
verdade estavam todos juntos. Mas eu vi o fogo abrir-se sobre nós, e achei que
ia morrer. E cheguei a tremer mais foi pelo Mestre. O fogo parecia suspenso
sobre a cabeça dele”, diz Mateus.
“Mas,
não. Eu o vi sair da menina e expandir em cima do muro do Templo”, replica
Levi, o pastor discípulo.
“Não fiqueis discutindo uns com os
outros. O fogo não foi para por ninguém, em destaque. Foi o sinal de que o
demônio havia fugido”, diz Jesus.
Mas ele
disse que não iria para longe!”, diz André.
“São palavras de demônio. Não devem ser
ouvidas. Louvemos pois o Altíssimo por esses três filhos de Abraão, curados no
corpo e na alma.
Nesse
meio tempo, muitos judeus que se desentocaram daqui e dali. Mas não faz parte
do grupo deles nenhum fariseu, nenhum escriba e nenhum sacerdote, se
aproximaram de Jesus e o rodearam, e um deles se aproxima mais, e diz: “Grandes
coisas Tu fizeste neste dia! Obras realmente de Profeta, e grande Profeta. E os
espíritos do abismo disseram de Ti grandes coisas. Mas as palavras deles não
podem ser aceitas, se não forem confirmadas pela tua palavra. Nós estamos
assustados por aquelas palavras. Mas também temos medo de algum grande engano,
pois é sabido que Belzebu é espírito de mentira. Não quereríamos enganar-nos a
nós mesmos, nem ser enganados. Dize-nos então, quem és, pela tua boca de
verdade e justiça!
E Eu já não vos disse muitas vezes quem
Eu sou? Há quase três anos que Eu venho dizendo, e, antes de mim, já o disse
João no Jordão e a voz de Deus dos Céus.
É
verdade. Mas nós não estávamos aqui nas outras vezes. Nós... Tu, que és justo,
deves entender a nossa aflição. Nós quereríamos crer em Ti como Messias. Mas
muitas vezes o povo de Deus já foi enganado por falsos Cristos. Consola o nosso
coração, que espera ouvir, e está pronto a ouvir com atenção tua palavra
segura, e nós te adoraremos.
Jesus
olha para eles muito sério. Seus olhos parecem perfurar as carnes e pôr a nu os
corações. Depois diz: Na verdade, muitas vezes os homens sabem dizer mentiras
melhor do que Satanás. Não, Vós não me adorareis nunca. Seja lá o que for que
Eu vos disser. E, ainda que chegásseis a fazê-lo, a quem é que adoraríeis?
A quem?
Ora! Ao nosso Messias!
Seríeis capazes de fazer isso? Para vós
quem é o Messias? Respondei, para que Eu fique sabendo o que valeis.
O
Messias? Mas o Messias é aquele que, mandado por Deus, reunirá o disperso
Israel, e fará dele um povo triunfante, sob cujo poder estará o mundo. E,
então? Tu não sabes o que é o Messias?
Eu o sei. E vós não o sabeis. Pois para
vós será um homem que, superando Davi, Salomão e Judas Macabeu, fará de Israel
a Nação rainha do mundo.
É isso.
Deus o prometeu. Toda vingança, toda glória toda reivindicação virá do Messias
prometido.
Foi dito:
“Não
adorarás a outro, mas só ao Senhor teu Deus”. Porque então, vós me adoraríeis,
se em mim só poderíeis ver o Homem Messias?
E que
mais devemos ver em Ti?
Que mais? E é com estes sentimentos que
me vindes interrogar? Raça de víboras traiçoeiras e venenosas! E sacrílegas
também. Porque, se em mim não pudésseis ver mais que um Messias humano, e me
adoraríeis, seríeis idólatras. Somente a Deus se pode adorar. E em verdade Eu
vos digo que vós estais fingindo estar numa missão, tendo os poderes e os
encargos que vós, privados de espírito e de Sabedoria, imagineis ter. O Messias
não vem para dar ao seu povo um reino como vós pensais, não vem para exercer
vingança sobre outros poderosos. O reino dele não é deste mundo, e o seu poder
supera todos os poderes limitados do mundo.
Tu nos
estás humilhando, Mestre. Se Tu és Mestre, e nós somos ignorantes, porque não
nos queres instruir?
Há três anos que Eu venho fazendo isso,
e vós ficais sempre nas trevas, porque rejeitais a Luz.
É
verdade. Talvez seja verdade. Mas o que aconteceu no passado pode não acontecer
no futuro. E, então? Tu, que tens piedade dos publicanos e das meretrizes, e
que absolves os pecadores, queres ser sem piedade para conosco, só porque somos
de cerviz dura e achamos difícil compreender quem és Tu?
Não é que vós acheis difícil o que não
quereis entender. Ser hebetado não seria culpa. Deus tem tantas luzes, que poderia
fazer brilhar a luz até na inteligência mais obtusa, mas cheia de boa vontade.
E esta em vós está faltando. Ao contrário, vossa vontade é até o oposto dessa.
É por isso que não compreendeis quem Eu sou.
Será como
Tu dizes. Tu estás vendo como somos humildes. Mas nós te pedimos em nome de
Deus. Responde ás nossas perguntas. Não nos deixes mais suspensos. Até quando o
nosso espírito deverá ficar na incerteza? Se Tu és o Cristo, dize-o a nós
abertamente.
Eu já vo-lo disse. Nas casas, nas
praças, pelas estradas, pelos povoados e sobre os montes, ao longo dos rios, á
frente do mar, diante dos desertos, no Templo, nas sinagogas, nas feiras, Eu já
vo-lo disse, e vós não credes. Não há nenhum ponto de Israel que não tenha
ouvido a minha voz. Até os lugares que trazem abusivamente o nome de Israel há
séculos, mas que estão separados do Templo, até os lugares que deram o nome a
esta nossa terra, mas que dominadores se tornaram súbditos, e nunca se livraram
completamente de seus erros, para virem á Verdade, até a Siro-Fenícia, evitada
pelos rabis como terra de pecado, ouviram a minha voz e conheceram o meu ser.
Eu vo-lo disse, e não credes em minhas palavras. Eu agi, e as minhas ações não
prestastes atenção, com boa intenção.
Se o tivesses feito com a reta intenção
a respeito de Mim, teríeis chegado á fé em Mim, porque as obras que Eu faço em
nome do Pai dão testemunho de Mim. Aqueles de boa vontade que vieram
acompanhar-me, porque me reconheceram como Pastor, acreditaram em minhas
palavras e no testemunho que dão as minhas obras. E então? Credes talvez que o
que Eu faço não tenha sido feito para vossa utilidade? E de utilidade para
todas as criaturas? Desenganai-vos. E não queirais ficar pensando que o que é
útil já é dado pela saúde para cada um em particular, apenas readquirida pelo
meu poder, ou pela libertação de uma possessão, ou do pecado deste ou daquele.
Pois esta é uma utilidade circunscrita ao indivíduo.
É pouca coisa comparada com o poder que
foi usado, e com uma fonte sobrenatural, e mais do que sobrenatural: Divina,
que é usada por ser a única utilidade. Eis aí a utilidade coletiva nas obras
que Eu faço. A utilidade, para tirar todas as dúvidas daqueles que não têm
certeza, e convencer os que lhe são contrários, além de reforçar sempre mais a
fé dos que creem. É para essa utilidade coletiva, a favor de todos os homens do
presente e do futuro, pois as minhas obras testemunharão sobre mim e que o meu
Pai me dá poder para Eu fazer o que faço. Lembrai-vos sempre disso. Meditai
nesta verdade.
Jesus
para pôr um momento. Fixa seu olhar sobre um judeu, que está de cabeça baixa, e
depois diz: Tu,
que estás pensando assim, tu, esse da veste da cor da azeitona madura, e estás
te perguntando ser também o Satanás terá um fim bom. Não sejas tolo para seres
contra mim, e ficares procurando erro em minhas palavras. Eu te respondo que
Satanás não é obra de Deus, mas da livre vontade do anjo rebelde. Deus o tinha
feito seu glorioso ministro, e assim o havia criado para um fim bom. Eis.
Agora, tu, falando com o teu próprio eu, dizes: “Então, Deus é estulto, por ter
dado a glória a um futuro rebelde, e confiado seus planos a um desobediente.”
Eu te respondo: Deus não é estulto, mas
perfeito em suas ações e pensamentos. E é perfeitíssimo. As criaturas são
imperfeitas, até as mais perfeitas. Sempre há nelas um ponto de inferioridade,
em comparação com Deus. Mas Deus que as ama, concedeu ás criaturas o livre
arbítrio para que, através dele, a criatura se complete nas virtudes e se faça
por isso semelhante a Deus, seu Pai. E ainda te digo, ó irrisor e astuto
procurador de pecado em minhas palavras, que, do Mal, que voluntariamente te
formou, Deus ainda faz sair um fim bom, que é o de servir para fazer dos homens
possuidores de uma glória merecida. As vitórias sobre o Mal são a coroa dos
eleitos. Se o mal não pudesse suscitar uma consequência boa para os homens
dispostos e de boa vontade, Deus o teria destruído. Porque nada do que existe
em toda a criação deve estar totalmente privado de um incentivo bom ou bons,
por consequência.
Não respondes? Será duro para ti teres
que proclamar que Eu li em teu coração e que venci as ilações injustas de teu
pensamento tortuoso? Eu não te forçarei a fazê-lo. Mas, á vista de todos, Eu te
deixarei com a tua soberba. Eu não exijo que tu me proclames vitorioso. Mas,
quando estiveres sozinho com estes, semelhantes a ti, e com aqueles que vos
mandaram, então, confessa, tu também que Jesus de Nazaré leu os pensamentos de
tua mente, e estrangulou as tuas objeções na garganta, somente com a arma de
sua palavra de verdade.
Mas abandonemos esta interrogação
pessoal, e voltemos aos muitos que me estão ouvindo. Se apenas um só de todos
eles pelas minhas palavras convertesse o seu espírito para a luz, estaria
recompensado o meu cansaço por falar a pedras, ou melhor, a sepulcros cheios de
víboras. Eu estava dizendo que os que me amam me reconheceram como Pastor,
pelas minhas palavras e minhas obras. Mas vós não credes, não podeis crer,
porque não sois as minhas ovelhinhas.
Que é que vós sois? Eu vo-lo pergunto.
Perguntai-o ao interior de vossos corações. Não sejais estultos. Podeis
conhecer-vos pelo que sois. Basta que escuteis a voz de vossa alma, que não
está tranquila por continuar a ofender o Filho daquele que a criou. Vós mesmo
conhecendo o que sois não o direis. Não sois nem humildes, nem sinceros. Mas Eu
vos digo o que sois. Sois em parte uns lobos, e, em parte uns cabritos
selvagens, mas ninguém de vós, apesar da pele de cordeiro, que levais para
fingir-vos de cordeiros, passais por verdadeiros cordeiros. Por baixo do velo
macio e branco, tendes todas as cores ferozes, e chifres pontudos, dentes e
garras de bode ou de fera, e quereis ficar assim, e vos comprazeis ainda por
serdes assim, e só Se entrais no rebanho, é para fazer-lhe mal, ou causar
sofrimento, ou levar para o meio dele a desordem.
As minhas ovelhas têm medo de vós... Se
elas fossem como vós sois, deveriam odiar-vos. Mas elas não sabem odiar. São os
cordeirinhos, do Príncipe da Paz, do Mestre do Amor, do Pastor misericordioso.
Eu não vos odiarei nunca. Deixo para vós o ódio, que é o mau fruto da tríplice
concupiscência, o “eu” desencadeado no animal homem, que vive esquecido de que
é também espírito, e não só carne. Eu fico com o que é meu: o amor. E isso é o
que Eu ensino aos meus cordeirinhos, e ofereço também avós, para vos tornardes
bons. Se vós tornásseis bons, então me entenderíeis, e vos tornaríeis do meu
rebanho, semelhantes aos outros que estão nele. Nós nos amaríamos. Eu e as
minhas ovelhas nos amamos. Elas me escutam, reconhecem a minha voz.
Vós não sabeis o que é em verdade
conhecer a minha vós e não ter dúvidas sobre sua origem e saber distingui-la
entre mil outras vozes de falsos profetas, como se fosse a verdadeira voz vinda
do Céu. Agora e sempre, e até entre aqueles que creem, e que em parte o são,
seguidores as Sabedoria, haverá muitos que não saberão distinguir á minha voz
das outras vozes que falarão de Deus, mais ou menos com justiça, mas que serão
todas elas vozes inferiores à minha...
“Dizes
sempre que em breve te vais embora, e depois queres dizer que falarás sempre?
Se tiveres ido embora, não falarás sempre,” diz um judeu, com um tom de desdém,
como se falasse a um débil mental. Jesus ainda lhe responde, com o seu tom
paciente e amargurado, e que se tornou severo quando falou no começo aos
judeus, e depois, quando respondeu aos pensamentos e objeções daquele judeu.
Eu falarei sempre, a fim de que o mundo
não se torne todo idólatra. E falarei aos meus escolhidos, para repetir-vos as
minhas palavras. O Espírito de Deus falará, e eles entenderão a palavra, a
frase, o modo, o lugar, o como, o instrumento, através dos quais a palavra
fala, enquanto que os meus eleitos não se perderão nesses estudos inúteis, mas
escutarão, atentos só ao amor, e compreenderão, porque será o Amor quem vos falará.
Eles saberão distinguir as ornadas páginas dos doutos ou as mentirosas páginas
dos falsos profetas, dos escritos que ensinam doutrinas inquinadas, ou ensinam
o que não praticam, das palavras simples e verdadeiras, profundas, que por mim
serão proferidas. Mas o mundo as odiará por isso, porque o Mundo me odeia a mim,
a Luz, e odeia os filhos da Luz, esse mundo tenebroso, que ama as trevas,
apropriadas para os seus pecados.
As minhas ovelhas me conhecem e me
conhecerão a mim, e me seguirão sempre, até pelos caminhos de sangue e de dor,
que Eu percorrerei á frente delas, e que elas percorrerão depois de mim. Os
caminhos que levam as almas à Sabedoria, os caminhos que o sangue o pranto dos
perseguidos porque ensinam a justiça e os tornam luminosos para que resplendam
no meio da escuridão das fumaças do mundo e de Satanás, e sejam como fulgores
de estrelas para conduzir quem procura o Caminho, a Verdade e a Vida, mas não
encontra quem a tudo isso os conduza. Porque disso é que precisam as almas de
quem as conduza à Vida, a Verdade, ao Caminho certo.
Deus é piedoso para com as almas, que
procuram e não acham, não por culpa delas, mas pela preguiça dos pastores
ídolos. Deus é piedoso para com as almas que, deixadas a si mesmas, se perdem,
e são acolhidas pelos ministros de Lúcifer, prontos para acolher aos desviados
e fazer deles prosélitos de suas doutrinas. Deus é piedoso para com aqueles que
caem no engano, somente porque os rabis de Deus, os assim chamados rabis de
Deus, se desinteressam por elas. Deus é piedoso para com todos esses que vão ao
encontro do desconforto, das escuridões, da morte por culpa dos falsos mestres,
que de mestres não tem mais do que a veste e o orgulho de serem assim chamados.
E por essas pobres almas, como mandou os profetas para o seu povo, como
mandou-me a mim para todo o mundo, assim, depois de mim mandará os servos da
Palavra, da Verdade e do Amor, para repetirem as minhas palavras. São as minhas
palavras as que dão a Vida. De tal modo que as minhas ovelhas de agora, e de
depois, terão a vida que Eu lhes darei, através da minha palavra que é Vida
eterna para os que a acolhem, e não perecerão nunca mais, e ninguém os
arrancará de minhas mãos.
“Nós
nunca rejeitamos as palavras dos verdadeiros profetas. Sempre respeitamos o
João, o último profeta”, responde com ira um dos judeus, e os seus companheiros
lhe fazem eco.
Ele morreu em tempo, para não ser mal
visto por vós, e ser perseguido também por vós. Se ele ainda estivesse entre os
vivos, suas palavras “não é lícito”, que ele disse referindo-se a um incesto
carnal, ele o diria também a vós, que praticais um adultério espiritual,
fornicando com Satanás contra Deus. E vós o mataríeis, como tendes a intenção
de me matar.
Os judeus
fazem um tumulto, cheios de ira, e já prontos a atacá-lo, cansados como estão,
por precisarem fingir-se mansos. Mas Jesus não se preocupa com isso. Levanta a
voz para dominar o tumulto, e grita.
E vós me perguntastes quem Eu sou, ó
hipócritas? Dizíeis querer saber para ficardes seguros? E agora dizeis que João
foi o último profeta. E assim duas vezes vos condenais pelo pecado da mentira.
Uma vez, porque dizeis que nunca
rejeitastes as palavras dos verdadeiros profetas. E na outra, porque dizendo
que João é o último profeta e que vós credes nos verdadeiros profetas, não
aceitais que Eu seja também profeta, e verdadeiro profeta. Bocas mentirosas!
Corações enganadores! Sim, em verdade, em verdade, Eu aqui na casa de meu Pai,
proclamo que sou mais do que profeta. Eu tenho o que o Pai me deu. E o que o
Pai me deu é mais precioso do que tudo e do que todos, pois é uma coisa sobre a
qual a vontade, e o poder dos homens não pode pôr suas mãos rapinantes. Eu
tenho o que Deus me deu e que, mesmo estando em mim, está sempre em Deus, e
ninguém pode arrancá-lo das mãos de meu Pai nem de Mim, porque é a mesma a
nossa Natureza Divina. Eu e o Pai somos Um.
“Ah! Que
horror! Blasfêmia! Anátema! “A gritaria dos judeus ressoa no Templo e mais uma
vez as pedras usadas pelos cambistas e pelos vendedores de animais para
conservarem em ordem os seus recintos, transformam-se em provisão para os que
estão procurando armas boas para atacar.
Mas Jesus
se ergue, com os braços cruzados sobre o peito. Ele subiu sobre uma cadeira de
pedra, a fim de ficar mais alto e visível, e de lá domina tudo com os raios de
seus olhos de safira. Domina e desfere seus raios. E está tão majestoso, que os
paralisa. Em vez de jogar as pedras, jogam-nas fora, ou seguram na mão, mas já
sem terem a ousadia de jogá-las contra Ele. Até a gritaria se acalma, em um estranho
desânimo. É o próprio Deus que cintila no Cristo. E quando Deus cintila assim,
até o homem mais insolente torna-se pequeno e espavorido. Fico pensando que
mistério está escondido em terem os judeus podido estar tão ferozes na
Sexta-feira Santa. E que mistério houve na ausência desse poder dominador em
Cristo naquele dia, verdadeiramente foi a hora das Trevas, a hora de Satanás, e
só esses é que reinavam... A Divindade, a Paternidade de Deus havia abandonado
o seu Cristo, e Ele não era nada mais do que a Vítima...
Jesus
fica assim alguns minutos. Depois começa de novo a falar para esta multidão
vendida e vil, que perdeu toda a sua arrogância, somente por ter visto um
relâmpago Divino.
Pois bem. Que quereis fazer? Vós me
havíeis perguntado quem Eu era. E Eu vo-lo disse. Vós ficastes furiosos. Eu vos
fiz lembrar de tudo o que Eu fiz, fiz-vos ver e recordar muitas obras que
provieram de meu Pai e foram feitas com o poder que me vem de meu Pai. Por qual
delas é que me apedrejais? Por haver ensinado a justiça? Por ter trazido aos
homens a Boa Nova? Por ter vindo convidar-vos para o Reino de Deus? Por ter
curado os vosso doentes? E dado a vista aos vossos cegos, dado o movimento aos
paralíticos, a palavra aos mudos, a liberdade aos possessos, perdoado aos pecadores.
Amado a todos, mesmo aos que me odeiam, como vós e os que vos mandaram? Por
qual, então, dessas obras é que me quereis apedrejar?
“Não é
pelas boas obras que fizeste que te apedrejamos, mas pela tua blasfêmia, porque
Tu, sendo homem, te fazes Deus.”
Não está escrito na vossa lei: “Eu
disse: vós sois deuses e filhos do Altíssimo?” Pois bem. Se Deus chamou de
“deuses” a quem Ele falou, dando-lhe um mandamento, o de viver de tal modo que
a semelhança e a imagem de Deus, que está no homem, apareça claramente, e o
homem não seja um demônio nem um animal. Se “deuses” são chamados os homens na
Escritura, que é toda inspirada por Deus, e por isso a Escritura não pode ser
alterada nem anulada, segundo o prazer ou o interesse do homem, porque me
dizeis que Eu estou blasfemando, Eu a quem o Pai consagrou e enviou ao mundo,
só porque Eu digo: “Sou o Filho de Deus? Se Eu não fizesse obras do meu Pai,
teríeis razão para não crerdes em mim. Mas Eu as faço. E vós não quereis
acreditar em mim. Crede então pelo menos nessas obras, a fim de que saibais e
reconheçais que o Pai está em mim e que Eu estou no Pai.
A
tempestade dos gritos e das violências recomeça mais forte do que antes. De um
dos terraços do Templo, sobre o qual certamente estavam escutando escondidos os
sacerdotes, os escribas e os fariseus grasnam muitas vezes: “Agarrai esse
blasfemador. Sua culpa já tornou pública. Todos nós já ouvimos. Morte ao
blasfemador, que se proclama Deus. Daí-lhe o mesmo castigo que foi dado ao
filho da Salumit de Dabri. Que seja levado para fora da cidade e apedrejado.
Fazer isso é direito nosso! Está escrito: “O blasfemador seja condenado à
morte.”
Os
incitamentos dos chefes tornam mais aguda a ira dos judeus. E eles tentam
apoderar-se de Jesus para amarrá-lo ás mãos dos magistrados do Templo, que
estão chegando, acompanhados pelos guardas do Templo. Mas, mais ligeiros do que
eles, uma vez mais, são os legionários que, estando de guarda na Fortaleza
Antônia, acompanharam o tumulto e saem para fora da caserna, indo para o lugar
da gritaria.
Pg.
309-318
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539 – JOÃO DE ZEBEDEU SE ACUSA DE
CULPAS INEXISTENTES
João
põe-se a pensar. Depois diz: “Não, Senhor. Examinando-me bem, não, não foi por
isso. Eu esperava poder fazê-lo, porque compreendi que a penitência é um
sofrimento da carne, mas é luz para o espírito. Compreendi que é um meio de
fortalecer a nossa fraqueza e obter muito de Deus. Tu o fazes por isso. E eu
por isso o queria fazer. E creio não estar errado, se disser que, se o fazes
Tu, que és forte, Tu poderoso, Tu Santo, eu, nós o deveríamos fazer sempre, se
sempre fosse possível fazê-lo, para sermos menos débeis e materiais. Mas eu não
fui capaz de fazê-lo. Sempre tenho fome e muito sono..., e o pranto recomeça a
gotejar devagar, humilde, como uma verdadeira limitação das capacidades
humanas.
Pois bem, até esta pequena miséria da
carne, achas, tu que tenha sido inútil? Oh! Como te recordarás dela no futuro,
quando tiveres a tentação de ser severo e exigente com os teus discípulos e os
fiéis. Ela tornará a reflorescer na tua mente, dizendo-te: “Lembra-te de que tu
também caíste no cansaço, na fome.” Não queiras que os outros sejam mais fortes
do que tu. Mas sê um pai dos teus fiéis, como teu Mestre foi um pai para ti
naquela manhã. Mas o Senhor, permitiu que tu passasses por essas necessidades
da carne, para fazer-te humilde sempre mais compassivo para com os teus
semelhantes. Muitos não sabem distinguir entre a tentação e a culpa consumada.
A primeira é uma prova que dá merecimento, e não priva da graça. A segunda é a
queda, que tira o mérito e a graça. Quantos não sabem distinguir entre
acontecimentos naturais e culpas, eles escandalizam por terem pecado, enquanto,
e é o teu caso, não fizeram mais do que obedecer as leis naturais boas. Eu
istingo, chamando de “boas” as leis naturais dos instintos desenfreados, porque
nem tudo o que hoje chamam de leis naturais, é mesmo assim, e é boa. Boas eram
todas as leis conexas com a natureza humana, que Deus havia dado aos
progenitores: a necessidade do alimento, do repouso, da bebida.
Depois com o pecado, se imiscuíram e se
misturaram com as leis naturais, corrompendo o que era bom, os instintos
animais, o desregramento, a sensualidade de todas as espécies. E Satanás
conservou vivo o fogo, o estímulo dos vícios com as suas tentações. Agora, tu
estás vendo que, se não é pecado ceder à necessidade do repouso e da comida,
por outro lado é pecado a libertinagem, a embriaguez, o ócio prolongado. Também
necessidade de se casarem e criarem seus filhos não é pecado, pois Deus deu até
a ordem de fazê-lo para povoar de homens a terra. Mas deixa de ser bom o ato
dos casais, quando é feito só para satisfação da sensualidade. Estás persuadido
também neste ponto?
Sim,
Mestre. Mas então, dize-me uma coisa: Aqueles que não querem criar, pecam por
uma ordem de Deus? Tu disseste uma vez que o estado de virgindade é bom.
É o mais perfeito. Como é o mais
perfeito aquele que, não se vendo bem pago por fazer bom uso das riquezas, se
despoja completamente delas. São as perfeições as quais pode chegar uma
criatura. E grande prêmio elas terão. Três são as coisas mais perfeitas: a
pobreza voluntária, a castidade perpétua e a obediência absoluta em tudo o que não
é pecado. Estas três coisas tornam o homem semelhante aos anjos. E uma é
perfeitíssima: dar a vida por amor de Deus e dos irmãos. Isto torna a criatura
semelhante a Mim, porque a conduz ao perfeito amor. E quem ama perfeitamente é
semelhante a Deus, absorvido em Deus e com Deus unido. Permanece, pois em paz
meu dileto. Não há culpa em ti, Eu te digo. Porque então aumentas o teu pranto?
Pg.
333-334
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540 – JESUS CONFIA A MÃE A JOÃO.
ENCONTRO COM MANAÉM E LIÇÕES SOBRE O AMOR PELOS ANIMAIS. CONCLUSÃO DO TERCEIRO
ANO.
Diz
Jesus:
“Quando o Criador criou as criaturas. E
lhes deu como rei o homem criado à sua imagem e semelhança, mostrou ao homem todas
as criaturas, e quis que o homem lhes desse um nome, para distinguir uma das
outras. E lê-se no Gênesis que “todos os nomes que Adão deu aos animais eram
bons, eram o seu verdadeiro nome.” E ainda no Gênesis se lê que Deus, tendo
criado o homem e a Mulher, havia dito: “Façamos o homem à nossa imagem e
semelhança, para que domine os peixes domar, os voláteis do Céu, os animais de
toda a terra e os répteis, que se arrastam sobre ela.” E, tendo acabado de
criar a companheira de Adão, a mulher, como ele feita à imagem e semelhança de
Deus, não sendo conveniente que a tentação fosse feita por meio de alguma
cilada, e corrompesse de modo ainda mais feio o homem criado à imagem e
semelhança de Deus, disse Deus ao homem e a mulher: “ Crescei e
multiplicai-vos, enchei a terra e tornai-a sujeita a vós, dominai sobre os
peixes do mar, sobre os voláteis do céu e sobre todos os animais que se movem
sobre a terra, e todas as árvores que trazem em si a semente de sua espécie,
para que sirvam de alimento a vós e a todos os animais da terra e aos animais
dos céus e a tudo o que se move e tem em si uma alma viva, para que tenham
vida.”
Os animais e as plantas, e tudo o que o
Criador criou para utilidade do homem, representam, pois um presente de amor e
um patrimônio posto em custódia pelo Pai para os filhos, a fim de que usem dele
com proveito e com gratidão para com o Criador de todas as coisas. Desse modo
eles são amados e tratados com o necessário cuidado. Que direis de um filho ao
qual o pai desse vestes, móveis, dinheiro. Campos e casas, dizendo-lhe: “Eu tos
dou para ti e para os teus sucessores, para que tenhais com que ser felizes.
Usai de tudo isso com amor, como recordação do meu amor que vo-lo doa”, e que
depois deixassem que tudo se arruinasse, ou dilapidassem todos aqueles bens?
Diríeis que não honraram ao seu pai, que não amaram o pai, nem o presente dele.
Igualmente o homem deve ter cuidado com tudo o que Deus, com sua providência,
pôs à disposição dele. Cuidado não quer dizer idolatria, nem afeto desmedido
para com os animais e as plantas, ou qualquer outra coisa. Cuidado quer
dizer: um sentimento de piedade e de
reconhecimento pelas coisa menores que estão a nosso serviço, e que têm sua
vida própria, isto é, sua sensibilidade.
A alma viva das criaturas menores, das
quais fala o Gênesis, não é a alma como a que o homem tem. É a vida,
simplesmente a vida, isto é, o ser sensível as coisas atuais, tanto materiais,
como afetivas. Quando um animal está morto, fica insensível, porque a morte
para ele é o verdadeiro fim. Não existe futuro para ele. Mas, enquanto estiver
vivo, sofre a fome, o frio, o cansaço, está sujeito a ferir-se e a sofrer, a
gozar, a amar, a odiar, a ficar doente e a morrer. E o homem, pensando em Deus,
que lhe deu aqueles meios, para tornar-lhe menos áspero o seu exílio nesta
terra, deve ser humano para com os servos menores, que são os animais. No livro
de Moisés, por acaso não está escrito que tenhamos sentimentos de humanidade
também para com os animais, sejam eles voláteis ou quadrúpedes?
Em verdade Eu vos digo que é necessário
saber ver com justiça as obras do Criador. Se as olharmos com justiça, veremos
que são boas. E uma coisa boa é sempre amada. Vê-se que são coisas dadas com um
fim bom e por um impulso de amor, e tais é que as possuímos e as devemos amar,
vendo nelas, além do ser finito que elas são, o Ser infinito que as criou para
nós. Vê-se que elas são úteis, e como coisas úteis é que são amadas.
Nada, lembrai-vos bem disso, nada foi
feito sem ser para algum uso no Universo. Deus não desperdiça o seu perfeito
Poder em fazer coisas inúteis. Este fiozinho de erva não é menos útil do que o
tronco poderoso ao qual se apoia este nosso abrigo temporário. As gotas de
orvalho, a pequena pérola formada pela geada, não são menos úteis do que o mar
imenso. Um mosquitinho não é menos útil do que o elefante, e o verme que está
na lama da fossa, menos do que uma baleia. Não há nada inútil, na Criação. Deus
tudo fez com um fim bom, com amor para com o homem, e o homem deve usar de tudo
com este fim, e com amor para com Deus, que lhe deu tudo o que está sobre a
terra, para ser um súdito do Rei da Criação.
Tu disseste, ó Mamaém, que o animal
muitas vezes serve os homens melhor do que o homem. Eu digo que os animais, as
plantas, os minerais, os elementos todos superam o homem em obedecer, seguindo
passivamente as leis da natureza, seguindo o instinto neles colocado pelo
Criador, ou entregando-se à domesticação, indo rumo ao fim para o qual elas
foram criadas. O homem que deveria ser a pérola da Criação, muitas vezes é a
feiura da Criação, Deveria ele ser a nota que melhor respondesse ao coro dos
habitantes do Céu, quando louvam a Deus, e, muitas vezes, ou dedica o seu canto
a louvar criaturas em vez de ao Criador. E, portanto, é uma idolatria, é uma
ofensa, é uma sujeira, e isso é pecado.
Portanto fica em paz, Manaém. Isto de
teres dó de um cavalo, que suou para te servir, não é pecado. Pecado são os
amores desenfreados, que são ofenças feitas a Deus, para o qual é que deve
dirigir-se todo o amor do homem.”
Diz Jesus:
O tempo do terceiro ano de vida pública
também chega ao fim. Chegamos agora ao período preparatório para a Paixão. Nele
tudo parece limitar-se a umas poucas ações e a poucas pessoas. E quase uma
diminuição de minha figura e da minha missão... Na realidade, Aquele que já
parecia vencido e esmagado, era o herói, que se preparava para a apoteose, e,
ao redor dele, não as pessoas, mas as paixões das pessoas estavam centralizadas
e levadas aos seus máximos limites.
Tudo o que precedeu, e que talvez em certos
episódios pareceu sem razão de ser aos leitores indispostos ou superficiais,
aqui sei ilumina com sua luz fosca ou esplendente. Especialmente as figuras
mais importantes. Aquelas que muitos não querem reconhecer que são úteis,
precisamente porque nelas está a lição para os mestres de agora, que são mais
do que nunca ensinados para se tornarem mestres espirituais. Como Eu disse ao
João e ao Manaem, nada daquilo que Deus faz é inútil, nem mesmo um fio de erva.
Assim também nada há de supérfluo neste trabalho. Nem as figuras esplendidas,
nem as fracas e tenebrosas. Ao contrário, para os mestres de espírito são de
maior utilidade as figuras fracas e tenebrosas, mais do que as figuras bem
formadas e heroicas.
Como do alto de um monte, perto do
cume, se pode ver toda a conformação do monte e a razão de ser dos seus
bosques, de suas torrentes, dos pardos e das encostas, para se ir desde a
planície até o pico, e de lá se vê toda a beleza do panorama, e, então mais
forte se torna a nossa persuasão de que as obras de Deus são todas úteis e
estupendas e que uma serve e completa a outra, e que todas estão presentes para
formarem a beleza da Criação, assim, para quem é de um espírito reto, todas as
diversas figuras, episódios, lições destes três anos da minha vida evangélica,
contemplados como lá do alto do cume do monte da minha obra de Mestre, servem
para dar uma visão exata daquele complexo político, religioso, social,
coletivo, espiritual, egoísta até o delito ou altruístico até o sacrifício, no
qual Eu fui Mestre, e tornei-me Redentor.
A grandiosidade do drama não se vê
somente em uma cena, mas em todas as partes dele. A figura do protagonista
emerge das diversas luzes com que iluminamos as partes secundárias.
Já perto do cume, e o cume era o
sacrifício, para o qual Eu me havia encarnado, desdobradas todas as pregas
escondidas dos corações e todas as intrigas das seitas, não há mais o que fazer
com o viandante que já chegou perto do cume. Olhar, e olhar tudo e todos.
Conhecer o mundo hebraico. Conhecer o que Eu era: o Homem acima da
sensualidade, do egoísmo, do rancor, o Homem que teve que ser tentado pelo
mundo inteiro para a vingança, para o poder, para as alegrias, mesmo as
honestas das núpcias e do lar, que teve que suportar tudo, vivendo a distância
entre a imperfeição e o pecado do mundo e a minha Perfeição, e que a todas as
vozes, a todas as seduções, a todas as reações do mundo, de Satanás e do eu, e
permanecer puro, manso, fiel, misericordioso, humilde, obediente até a morte na
cruz.
Compreenderá tudo isso a sociedade de
agora, a qual Eu dou este conhecimento de mim, para torná-la forte contra os
assaltos sempre mais fortes de Satanás e do mundo?
Também hoje, como há vinte séculos, a
contradição estará entre aqueles, para os quais Eu me revelo. Eu sou sinal de
contradição, mais uma vez. Mas não Eu por Mim mesmo, ainda que Eu respeite o
que neles Eu suscito. Os bons, os de boa vontade terão as reações boas dos
pastores e dos humildes. Os outros terão as reações más, como os escribas, os
fariseus, os saduceus e os sacerdotes daquele tempo. Cada um dá o que tem. O
bom, que entra em contato com os maus, desencadeia uma efervescência de maior
maldade neles. E o juízo já terá sido feito sobre os homens, como o foi na
Sexta feira de Parasceve, de acordo com o modo que tiverem julgado, aceitado e
seguido o Mestre que, com uma nova tentativa de sua infinita misericórdia, se
faz conhecer mais uma vez. A todos os que se lhe abrirem os olhos, e me
reconhecerem, e disserem: “É Ele. Por isso que o nosso coração ardia em nosso
peito, enquanto Ele nos falava, e nos explicava as Escrituras.”
Pg.
341-346
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547 – JESUS DECIDE IR A BETÂNIA
“O
Senhor esteja convosco. É preciso que nos vamos.”
“Para
onde Mestre? Para a casa daquele das ovelhas?” Pergunta-lhe Pedro.
“Não Simão, para a casa de Lázaro.
Voltemos para a Judéia.”
“O
Mestre, lembra-te de que os judeus te odeiam!” Exclama Pedro.
“Queriam
apedrejar-te, não faz muito tempo”, diz Tiago do Alfeu.
“Mas,
Mestre, isto é uma imprudência!” Exclama Mateus.
“Não
te importas conosco?” Pergunta Iscariotes.
“Oh!
Mestre e irmão meu, eu te esconjuro em nome de tua Mãe, e em nome também da
Divindade que há em Ti. Não permitas que aqueles satanases ponham as mãos sobre
a Tua pessoa, para desvirtuarem a Tua palavra. Tu estás sozinho, sozinho
demais, contra um mundo inteiro que te odeia, e que é nesta terra dono do
poder”, diz Tadeu.
“Mestre,
guarda a tua vida! Que seria de mim, de todos, se não te tivéssemos mais?” E
João, todo transtornado, olha para Jesus, com os olhos dilatados de um menino
espantado e angustiado.
Pedro,
depois de uma primeira exclamação, vira-se para ir tumultuadamente com os mais
velhos e com Tomé e Tiago de Zebedeu. Todos eles são de parecer, que Jesus não
deve voltar para Jerusalém, pelo menos enquanto não chegar o tempo pascal, que
é o que pode tornar segura a permanência lá, pois, como dizem eles, a presença
de um número grande de seguidores do Mestre, que chegam para as festas pascais
de todas as partes da Palestina, é o que será uma defesa para o Mestre. Nenhum
daqueles que o odeiam ousará tocar nele quando o povo todo estiver ao redor
dele com amor. E dizem isso afobados, quase como quem está dando uma ordem. O
amor é que os faz falar.
”Paz! Paz! Não é verdade que são doze
as horas do dia? Se alguém caminha de dia, não tropeça, porque está vendo a luz
deste mundo. Mas, se ele caminha de noite tropeça, porque não pode enxergar. Eu
sei o que estou dizendo, porque a Luz está em Mim. E vós, deixai-vos guiar por
quem enxerga. E depois, ficai sabendo que enquanto não chegar a hora das
trevas, nada de tenebroso poderá acontecer. Portanto quando chegar àquela hora,
nenhuma distância e nenhuma força, nem mesmo as forças armadas de César,
poderão salvar-me dos judeus. Porque o que está escrito deve acontecer, e as
forças do mal já estarão operando ocultamente para completar o seu trabalho.
Portanto, deixai-me agir, e fazer o bem, enquanto Eu estiver livre para fazê-lo.
Chegou a hora na qual não poderei mais mover nem um dedo, nem dizer uma palavra
para operar o milagre. O mundo ficará vazio, sem a minha força. Será uma hora
tremenda de castigo para o homem, mas não para mim. Para o homem que não terá
querido me amar. É uma hora que se repetirá pela vontade do homem que terá
rejeitado a Divindade, até o ponto de fazer de si mesmo um semi-deus, um sequaz
de Satanás e do seu filho maldito. A hora que virá, quando estiver próximo o
fim deste mundo, a falta de fé, que impera tornará mulo o meu poder de milagre.
Não porque Eu o possa perder. Mas porque o milagre não pode ser concedido onde
não houver fé e vontade de obtê-lo, onde do milagre se fará um objeto de
escárnio e um instrumento do mal, usando o bem para fazer um mal maior. Agora
posso ainda fazer o milagre e fazê-lo para dar glória a Deus. Vamos, pois, ao
nosso amigo que está dormindo, vamos despertá-lo deste sono, para que esteja
bem disposto e pronto para servir ao seu Mestre.”
“Mas, se
ele está dormindo, tudo bem. Acabará ficando curado, o sono já é um remédio.
Para que ir despertá-lo?”, ponderam eles.
“Lázaro está morto. Eu esperei que ele
morresse para ir até lá, não por causa de suas irmãs, nem dele. Para que
acrediteis. Para que cresçais na fé. Vamos a Lázaro.”
“Está
bem. Então vamos. Morreremos todos, como ele morreu, e como Tu queres morrer”,
diz Tomé, como um resignado fatalista.
“Tomé, Tomé! E vós todos que em vosso
interior tendes críticas e resmungos, ficai sabendo que quem quiser seguir-me
deve ter para com a vida o mesmo cuidado que tem o passarinho para com a nuvem
que passa; deixá-la passar, de acordo com o vento que a impele. O vento é a
vontade de Deus, e pode dar-vos ou tirar-vos a vida, a seu prazer, e vós não
tendes de queixar-vos disso, como não se queixa o passarinho da nuvem que
passa, mas continua a cantar do mesmo modo, pois tem a certeza de que depois
voltará o tempo sereno. Porque a nuvem e o incidente, e o céu é a realidade. O
céu fica sempre azul, mesmo se as nuvens parecerem torná-lo cinzento. Ele é e
permanece azul acima das nuvens. Assim acontece com a Vida verdadeira. Ela é e
continua a ser, mesmo quando a vida humana cessa.
Quem quer seguir-me não deve conhecer o
que é a ânsia pela vida, nem o medo de perder a vida. Eu vos mostrarei como é
que se conquista o Céu. Mas, como podereis imitar-me, se estais com medo de ir
à Judéia, vós a quem nenhum mal se fará por enquanto? Tendes o escrúpulo de
apresentar-vos em minha companhia? Sois livres, se quereis deixar-me. Mas, se
quereis ficar, deveis aprender a desafiar o mundo, com suas críticas, suas
insídias, suas derisões, os seus tormentos, para conquistardes o meu Reino.
Vamos, pois, tomar da morte Lázaro, que dorme a dois dias no sepulcro, tendo
morrido na tarde em que veio o servo de Betânia. Amanhã, à hora sexta, depois
de ser atendido aos que estão esperando o dia de amanhã, para receberem de mim
algum conforto e um prêmio para sua fé, partiremos daqui e atravessaremos o
rio, parando pela noite na casa da Nique, Depois da aurora, partiremos para
Betânia, indo pela estrada que passa por Ensemes. Estaremos em Betânia antes da
sexta. E lá haverá muita gente. E os corações ficarão estremecidos. Eu prometi,
e o cumprirei...”
“A quem
Senhor”, pergunta temeroso o Tiago do Alfeu.
“A quem me odeia, e a quem me ama, a
ambos de um modo justo. Não vos lembrais da discussão em Quedes com os
escribas? Podiam eles dizer que Eu era mentiroso, por ter ressuscitado uma
menina, que tinha acabado de morrer e um morto depois de um dia. Eles disseram:
“Ainda não soubeste reconstruir uma coisa que se desfez.” De fato, só Deus pode
do barro tirar o homem e da podridão fazer de novo um corpo intacto e cheio de
vida. Pois bem, Eu o farei. No mês de Casleu, ás margens do Jordão, Eu mesmo
fiz que os escribas se lembrassem desse desafio, e lhes disse: “Na lua nova
isso se fará. Isso seja dito aos que me odeiam.” Mas as irmãs, que me amam de
um modo absoluto, Eu lhes prometi premiar a sua fé, se tivessem continuado a
esperar, apesar de tudo o que parecia incrível. Eu as submeti a muitas provas e
a muitas aflições, só Eu conheço os sofrimentos dos corações delas durante
estes dias, e também o seu perfeito amor. Em verdade Eu vos digo que merecem um
grande prêmio, porque além de não terem visto ressuscitado o seu irmão, ainda estão
angustiadas por poder estar Eu sendo escarnecido. Eu vos parecia estar absorto,
cansado e triste.
Eu estava perto delas com o meu
espírito, ouvia os seus gemidos, e contava suas lágrimas. Pobres irmãs! Eu
agora tenho o desejo ardente de reconduzir um justo à vida sobre a Terra, um
irmão aos braços de suas irmãs, um discípulo ao meio de meus discípulos. Tu
estás chorando, Simão? Sim, Tu e Eu somos os maiores amigos de Lázaro, e no teu
pranto há uma dor pela dor de Marta e de Maria, e pela agonia do amigo, mas ela
é também já a alegria de saber que brevemente ele será restituído ao nosso
amor. Levantemo-nos para prepararmos as sacolas e irmos tomar nosso repouso e
pôr de novo as coisas em ordem aqui... aonde não temos certeza de voltar. Será
necessário distribuir aos pobres o que tivermos e dizer aos mais ativos que
detenham os peregrinos para que não vão ao meu encontro, enquanto não
estivermos outro lugar seguro. Também será preciso dizer-lhes que avisem aos
discípulos a fim de que vão procurar-me na casa de Lázaro. Há muitas coisas que
fazer. Todas serão feitas, antes que cheguem os peregrinos... Vamos... Apagai o
fogo, e acendei os tochas, e cada um vá fazer o que deve, e depois vá
descansar. A paz a todos vós.”
Ele se
levanta. Abençoa, e se retira para o seu pequeno quarto.
“Ele
morreu há muitos dias”, diz Zelotes.
“Isto é
um milagre!”, exclama Tomé.
“Eu só
quero ver o que é que vão achar depois, para duvidarem ainda”, diz André.
“Mas,
quando foi que veio o servo?”, pergunta Iscariotes.
“Na tarde
antes da sexta-feira”, responde Pedro.
“Sim? E
por que não o disseste?”, pergunta Iscariotes.
“Porque o
Mestre me havia mandado ficar calado”, rebate Pedro.
“Então...
quando chegarmos lá... já haveria quatro dias que ele está no sepulcro?”.
“Com
certeza. Na tarde de sexta-feira, um dia. Na tarde de sábado, dois dias. Nesta
tarde, três dias. Amanhã, quatro... Por isso serão quatro dias e meio. Poder
eterno! Mas o morto estará em pedaços”, diz Mateus.
“Já
estará em pedaços. Eu também quero ver isso e depois...”
“E depois
o que, Simão Pedro?”, pergunta Tiago de Alfeu.
“Depois,
se Israel não se converter, nem mesmo Javé, com relâmpagos e trovões, o pode
converter.”
E assim
falando eles se vão.
Pg.
392-395
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548 – A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO
Jesus vai
indo de Ensemes para Betânia. Devem ter feito uma marcha bem cansativa,
passando pelos caminhos íngremes e escorregadios dos montes de Adamin. Os
apóstolos já quase sem fôlego, esforçan-se para acompanhar Jesus, que vai com
passos rápidos, como se o amor o estivesse transportando sobre suas asas de
fogo. Jesus está com um sorriso radiante, enquanto vai indo à frente de todos,
de cabeça alta, sob os raios mornos do sol do meio dia.
Antes de
chegarem as primeiras casas de Betânia, Jesus é visto por um rapazinho dscalço,
que está indo para a fonte perto do povoado, com uma vasilha de cobre vasia.
Ele dá um grito. Descansa a vasilha no chão, e sai correndo com toda a velocidade
de que são capazes as suas perninhas, e entra para o interior do povoado.
“Certamente
vai avisar que Tu estás chegando”, observa Judas Tadeu, depois de ter sorrido
como os outros, por causa da resolução corajosa do rapazinho, que abandonou até
a vasilha, exposta para o primeiro que passar.
A pequena
cidade, olhada assim de perto da fonte, que fica em um ponto pouco mais alto do
que ela, parece estar tranquila, e até deserta. Somente a fumaça cinzenta, que
se levanta das chaminés, é que nos diz que lá dentro das casas as mulheres
estão ocupadas em preparar a refeição do meio dia, e uma outra voz grossa de
homem se deixa ouvir por entre as oliveiras, e os vastos e silenciosos pomares,
e nos dão a entender que os homens já estão trabalhando.
Mas mesmo
assim, Jesus prefere tomar um pequeno caminho, que passa por detrás do povoado,
a fim de poder chegar à casa de Lázaro, sem chamar a atenção dos cidadãos.
Já estão
quase no meio do caminho escolhido por Jesus, quando todos ouvem por detrás
deles a vol do rapazinho de antes, que passa correndo e os deixa para trás, e
depois para mo meio do caminho, e, pensativo fica olhando para Jesus.
“A paz esteja contigo pequeno Marcos.
Ficaste com medo de mim, por teres fugido?”
Pergunta-lhe Jesus, acariciando-o.
“Eu não
Senhor. Eu não tive medo, mas assim como há muitos dias que Marta e Maria têm
mandado seus servos para as estradas que vem para cá, a fim de verem se estás
chegando, agora que eu te vi, me pus a correr a fim de ir dizer que já estavas
vindo.”
“Fizeste
bem. As irmãs prepararão seus corações para me verem.”
“Não.
Senhor. As irmãs não se prepararão nada, pois de nada estão sabendo. Não
quiseram que eu o dissesse. Elas me ditiveram quando eu disse ao entrar no
Jardim: “O Rabi está aí”, e me tocaram para fora dizendo: “Ou és um mentiroso
ou um estulto. Ele já não vem mais, porque com certeza não pode mais fazer o
milagre.” E, como eu dizia que era Tu mesmo, elas me deram umas bofetadas tais,
que iguais a elas eu nunca havia recebido. Olha como estou com as bochechas
vermelhas. Ainda estão ardendo! E me expulsaram de lá dizendo: "Isto é
para purificar-te por terres ficado olhando para um demônio.” E eu ficava te
olhando para ver se te tinhas transformado em demônio. Mas não vejo nada disso.
Tu és sempre o meu Jesus belo como os anjos que minha mãe diz que eles são.
Jesus se
inclina para beijá-lo sobre suas faces esbofeteadas, e lhe diz: “Assim
vai-te passar a comichão. Eu sinto que por causa de mim tu tenhas sofrido.”
“Eu não
Senhor, porque aquelas duas bofetadas fizeram que eu ganhasse dois beijos de
Ti, e se agarra nas pernas de Jesus, esperando outros.
“Dize-me
uma coisa, Marcos. Quem foi que te expulsou. Terão sido os de Lázaro?” Pergunta
Tadeu.
“Não,
foram os judeus. Eles vão para lá todos os dias, guardar o luto. E são muitos.
Ficam na casa e no jardim. Eles vem cedo e voltam de tarde. Parecem ser os
patrões. Maltratam a todos. Não estás vendo como não há nenhum deles pelas
estradas? Nos primeiros dias ainda se viam. Agora, só nós, os meninos, é que
estamos por...oh! A minha vasilha. A mamãe está esperando a água. Agora ela
também vai me bater. Todos sorriem, vendo a desolação do rapazinho, diante da
perpectiva de outras bofetadas, e Jesus lhe diz: “Vai, então depressa.”
“É que...
eu queria entrar contigo e ver-te fazer o milagre...” E termina dizendo: “E ver
os rostos deles... para vingar-me das bofetadas.
“Isto não. Não deves desejar vingar-te.
Ser bom e perdoar é o que deves. Mas a mamãe está esperando a água.”
“Eu vou,
Mestre. Eu sei onde mora o Marcos. Explicarei à mulher e depois estarei
contigo.” Diz Tiago de Zebedeu, que sai correndo.
Põem-se a
caminho lentamente, e Jesus segura pela mão o rapazinho, que vai muito alegre.
Chegam a cancela do jardim, e a rodeiam, pois muitos animais de sela estão
amarrados nela, e ela está sendo vigiada pelos servos de cada um dos donos. O
murmurio que se levanta do meio deles chama a atenção de qualquer judeu que se
vire para a cancela aberta, justamente no momento em que Jesus põe o pé no
limiar do jardim.
“Mestre!”
Dizem os primeiros que o veem, e esta palavra escapa como um sopro de vento, de
um grupo para outro, e vai-se propagando, como uma onda que veio lá de longe,
para se esparramar na margem, e indo até as paredes das casas, e nelas
penetrando, certamente levada por muitos dos judeus presentes, ou por algum
fariseu, ou rabi, ou escriba, ou saduceu, que estão espalhados por toda parte.
Jesus vai
entrando muito devagar, enquanto todos, mesmo vindos de todos os lados, se
afastam da alameda, pela qual Ele vai caminhando. E, visto que ninguém o saúda,
Ele não saúda a ninguém, como se nem conhecesse a muitos que estão ali juntos,
a fim de olharem para Ele, com ira nos olhos, menos alguns poucos que, sendo
discípulos ocultos dele, ou, pelo menos sendo reto de coração, mesmo que não o
amem como Messias, o respeitam como a um justo. E esses taissão José,
Nicodemos, João, Eleazar, o outro João, o escriba que foi visto quando se fez a
multiplicação dos pães, e o outro João também, que matou a fome dos que esceram
do monte das Bem-aventuranças, Gamaliel com seu filho, Josué, Joaquim, Manaém,
e o escriba Joel do Abias, encontrado na margem do Jordão no episódio da
Sabéia, José Barnabé discípulo de Gamaliel, Cusa, que fiva olhando Jesus de
longe, um pouco intimidado por vê-lo, depois do erro que fez, talvez tomado
pelo respeito humano, que o impede de ir pôr-se lá na frente como amigo. O
certo é que nem os amigos, ou os que o observam sem ódio, nem os inimigos o
saúdam. Também Jesus não os saúda. Ele limitou-se a uma inclinação para todos
quando pôs os pés na alameda. Depois Ele foi andando para a frente, como se
fosse um estranho para a grande multidão que está ao seu redor. O rapazinho vai
sempre ao seu lado, com suas vestes de canponezinho e com seus pezinhos
descalços de menino pobre, mas com um olhar alegre de quem está em festa, uns
olhinhos negros vivos, bem abertos para verem tudo, e para desconfiarem de
tudo.
Marta
está saindo de casa, no meio de um grupo de judeus visitantes, entre os quais
estão Elquias e Sadoque. Ela está fazendo um anteparo com as mãos, a fim de
ajudar os olhos cansados de tanto chorar, para os quais a luz dificulta a vista
para que ela possa ver onde está Jesus. E finalmente ela o vê, e se afasta dos
que a acompanham, e vai correndo para Jesus, que está a poucos passos do
tamque, cujas águas estão brilhando e espalhando seus reflexos, atingidas como
estão sendo, pelo sol. Ela se joga aos pés de Jesus, depois de uma primeira
inclinação, e os beija, enquanto vai dizendo com um grande processo de choro:
“A paz esteja contigo, Mestre.”
Também
Jesus lhe disse, logo que a viu perto de si: “A paz, esteja contigo.” E levantou a mão para abençoar, deixando solta a mão do
menino, que fica seguro pela mão de Bartolomeu, e puxado um pouco para trás.
Marta
prossegue: “Mas, paz para a tua serva não há mais!” Ela levanta o rosto para
Jesus, ficando ainda de joelhos, e com um grito de dor, que pode ser ouvido
bem, naquele silêncio que se fez, e ela exclama: “Lázaro morreu. Se tivesses
estado aqui, ele não teria morrido. Porque não vieste antes, Mestre?” Al fazer
esta pergunta, ela tem um tom de uma voluntária censura. Depois ela volta ao
tom abatido de quem já não tem mais força para censurar, e acha seu único
conforto em poder recordar-se dos últimos atos e desejos, e um parente ao qual
se procurou dar o que desejava, e por isso não há remorso em seu coração.
“Chamou-te
tanto, Lázaro, o nosso irmão! Agora vês. Eu estou doente e Maria chora e não
tem paz. E ele não está mais aqui. Tu sabes se nós o amávamos! Esperávamos tudo
de Ti!”
Um
murmúrio de compaixão pela mulher e de reprovação para Jesus, um assentimento
ao subentendido énsamento: “E poderíeis ouvir-nos porque nós merecemos pelo
amor que temos por Ti, e Tu ao invés nos desiludiste”, brota de grupo a grupo
entre acenos de cabeça ou olhares desejosos. Somente os poucos ocultos
discípulos espalhados entre a multidão presente têm olhares de compaixão por
Jesus, que escuta, muito pálido e triste, a dolorosa que lhe fala. Gamaliel com
os braços junto ao corpo, em sua rica veste de lã finíssima ornada com flocos
azuis, um pouco afastado no meio de um grupo de jovens, entre os quais estão
seu filho e José Barnabé, olha fixamente para Jesus, sem ódio e sem rancor.
Marta,
depois de ter enxugado o rosto, continua a falar: “Mas mesmo agora, eu espero,
porque sei que qualquer coisa que pedires ao Pai te será concedida.” É uma
dolorosa e heróica profissão de fé, dita com uma voz que treme pelo pranto e
com a ânsia que treme no olhar, com a íntima esperança que ainda treme no
coração.
“O teu irmão ressurgirá. Levanta-te
Marta.”
Marta se
levanta, ficando inclinada em veneração diante de Jesus, ao qual ela responde:
“Eu sei, Mestre. Ele ressurgirá no último dia.”
“Eu sou a ressurreição e a Vida! Quem
crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá. E quem crê e vive em Mim não
morrerá para sempre. Crês em tudo isso?”
Jesus,
que antes havia falado com voz um tanto baixa, ao falar somente à Marta, para
dizer estas frazes nas quais Ele proclama o seu poder de Deus, levanta agora a
voz e o perfeito timbre dela ecoa, como um sino de ouro, por todo o vasto
jardim. Um frémito de espanto sacode os presentes. Mas depois alguns zombam
dele sacudindo a cabeça.
Marta, à
qual Jesus parece querer transfundir uma esperança sempre mais forte,
segurando-lhe a mão apoiada sobre o ombro, levanta o rosto, que ela conservava
inclinado. Ela o levanta para Jesus e, fixando os seus olhos cheios de dor nas
luminosas pupilas de Cristo, e apertando as mãos sobre o peito, com uma ânsia
diferente, responde: “Sim, Senhor. Eu creio nisto. E creio que Tu és o Cristo,
o Filho de Deus vivo que veio ao mundo. E que podes tudo o que queres. Eu
creio. Agora eu vou avisar Maria”, e sai apressada, desaparecendo ao entrar na
casa.
Jesus
fica onde está. Ou melhor, Ele dá alguns passo para adiante, e se aproxima do
canteiro que circunda o tanque, canteiro todo abrilhantado daquele lado pela
água vaporizada por um esguicho e que um leve vento faz inclinar-se, como se
fosse um penachinho de prata achado daquele lado, e que parece desaparecer.
Jesus comtempla os pulos dos peixes, sob o véu da água limpa, os brinquedos
deles, que põem vírgulas de prata e reflexos de ouro no cristal das águas
atingidas pelo sol.
Os judeus
o observam. Sem querer, eles se separam em grupos bem distintos. De um lado, à
frente de Jesus, todos os que são seus inimigos, divididos entre si, como de
costume, pelo espírito sectário, mas que agora estão todos de acordo para
hostilizar a Jesus. A seu lado, atrás dos apóstolos, aos quais se reuniram
Tiago de Zebedeu, José, Nicodemos e outros de espírito mais benévolo. Mais para
lá está Gamaliel, sempre em seu lugar e com aquela pose, e sozinho, porque o
seu filho e seus discípulos se separaram dele e se dividiram entre os dois
grupos principais, para ficarem mais perto de Jesus.
Com o seu
grito habitual: “Raboni!”, Maria sai da casa, correndo para Jesus, com os
braços estendidos e jogando-se aos pés dele, que ela beija, soluçando alto.
Diversos judeus, que estavam na casa com ela, e que a acompanham unem os seus
prantos, que são de uma duvidosa sinceridade, aos prantos dela. Até Maximino,
Marcela, Sara, Noemi acompanharam Maria, e também todos os servos, e os
lamentos são fortes, e em voz alta. Eu creio que na casa haja ficado ninguém.
Marta, vendo Maria chorar assim, chora alto também ela.
A paz esteja contigo, Maria.
Levanta-te! Olha para mim. Por que esse choro parecido com quem não tem mais
esperança? Jesus se inclina para dizer em voz
baixa estas palavras, tendo os seus olhos nos olhos de Maria que, estando de
joelhos, descansando sobre os calcanhares, estende a Ele suas mãos em um gesto
de imolação, e nem pode falar, por causa de seus soluços.
Eu não te disse que esperasses até além
do que se pode crer, para veres a glória de Deus? Será que o teu Mestre mudou,
para teres razão de angustiar-se assim?
Mas Maria
não presta atenção nas palavras que são para prepará-la já para a alegria forte
demais, depois de tanta angustia, e grita forte, mais finalmente podendo
dominar sua voz: Oh! Porque não vieste antes? Por quê foste para longe de nós?
Tu sabias que Lázaro estava doente. Se Tu tivesses estado aqui, meu irmão não
teria morrido. Por quê é que não vieste? Eu devia mostrar-lhe ainda que o amava.
Ele devia viver. Eu devia mostrar-lhe que estava perseverando no bem. Eu
entristeci tanto o meu irmão! E agora. Agora que eu podia fazê-lo feliz, ele me
foi tirado. Tu o podias ter deixado para mim. Podia ter dado à pobre Maria a
alegria de consolá-lo, depois de lhe haver dado tantos desgostos. Oh! Jesus!
Jesus! Mestre meu! Salvador meu! Esperança minha!”, e se prostra de novo com a
fronte sobre os pés de Jesus, que são de novo lavados pelo pranto de Maria, e
diz gemendo: Para que fizeste isso, Senhor? Também para aqueles que te odeiam e
que se alegram com tudo o que acontece... Por quê fizeste isso, Jesus? Mas o
tom em que Maria fala não é de censura, como foi o de Marta, ela revela apenas
aquela angústia de quem além de sua dor de irmã, tem também e de discípula, que
sente como está diminuindo em muitos o conceito sobre o seu Mestre.
Jesus,
muito inclinado para poder ouvir aquelas palavras, murmuradas com a face no
chão, se levanta e diz em voz alta: Maria não chores! Também o teu Mestre
está sofrendo pela morte do amigo fiel, por ter devido deixá-lo morrer...
Oh! Que
sorriso de escárnio, e que olhar de lívido júbilo está naqueles rostos dos
inimigos de Cristo! Eles o consideram um vencido, e se alegram, enquanto que os
amigos dele vão-se tornando cada vez mais tristes.
Jesus
fala ainda com voz mais alta: Mas Eu te digo: Não chores. Levanta-te olha para mim! Crês
que Eu, que te amei muito, tenha feito isso sem motivo? Podes crer que Eu tenha
dado esta dor inutilmente? Vem! Vamos a Lázaro. Onde foi que o colocastes? Jesus, mais do que Maria e Marta, que não falam, tomadas
como estão por um choro mais forte, faz a pergunta a todos os outros,
especialmente aqueles que tendo saído da casa com Maria, parecem estar mais
perturbados. Talvez sejam parentes mais velhos, não sei.
E ele
responderam a Jesus, que está visivelmente aflito: “Vem ver”, e se encaminham
para o lugar do sepulcro que está lá no fim do pomar, lá onde o chão tem
inundações e onde de uma rocha calcária afloram do chão.
Marta, ao
lado de Jesus, que ajudou Maria a levantar-se e a guia, porque ela ficou meio
cega pelo muito choro, mostra com a mão a Jesus onde é que está Lázaro, e,
quando chegam perto do lugar, diz ainda: É ali, Mestre, que o teu amigo está
sepultado, e mostra a pedra colocada obliquamente sobre a boca do sepulcro.
Jesus,
para ir até lá, acompanhado por todos, teve que passar pela frente de Gamaliel.
Mas nem Ele nem Gamaliel se saudaram. Gamaliel depois foi-se unir-se aos
outros, indo parar, como todos os mais rígidos fariseus a alguns metros do
sepulcro, enquanto Jesus vai na frente, bem perto dele, em companhia das irmãs,
do Maximino e daqueles que talvez sejam os parentes. Jesus olha para a pesada
pedra que serve de porta ao sepulcro e de obstáculo pesado entre Ele e seu
amigo falecido, e chora. O pranto das irmãs aumenta, assim como o dos íntimos e
familiares.
Levantai essa pedra. Diz Jesus de repente, depois de ter enxugado suas
lágrimas.
Todos
fazem um movimento de espanto, e um murmúrio se espalha através da multidão,
que aumenta agora, pois alguns de Betânia, que haviam entrado no jardim,
entraram na fila dos que nela já se haviam colocado. Eu estou vendo uns
fariseus, que tocam em suas frontes, e balançam a cabeça, como para dizerem:
Ele está doido! Ninguém executa a ordem. Até entre os mais fiéis, estão na
dúvida, e se rejeitam a fazê-lo.
Jesus
repete sua ordem, em voz mais alta, fazendo que o povo fique ainda mais
apavorado, pois todos estão tomados por sentimentos opostos, e já fazendo um
movimento como quem quer fugir dali, e logo depois outro movimento de quem quer
aproximar-se, para poder ver, enfrentar o fedor do sepulcro que, está ali
perto, e que Jesus quer que seja aberto.
Mestre,
não é possível, diz Marta, fazendo esforço para deter o pranto e poder falar.
Há já quatro dias que ele está aí embaixo. E Tu sabes de que doença ele morreu!
Somente o nosso amor é que o podia curar... E, com toda a certeza já estará
cheirando mal, e fortemente, mesmo com os ungüentos... Que queres ver? A sua
podridão? Não se pode... além disso, pela impureza da corrupção e...
Eu já não te disse que, se creres,
verás a glória de Deus? Levantai essa pedra. Eu o quero!
É um
grito do querer Divino... Um “Oh!” obediente sai de todas as bocas. Os rostos
empalidecem, Cada um treme, como se tivesse passado sobre todos um vento gelado
como a morte. Marta faz um sinal a Maximino, e este ordena aos servos que
apanhem as ferramentas próprias para remover a pesada pedra. Os servos saem
dali e vão apressados, para voltarem com picaretas e alavancas fortes. Põem-se
a trabalhar, enfiando os bicos das picaretas, que brilham, por entre as pedras
do sepulcro, e em seguida vão enfiando as alavancas no lugar em que haviam
posto as picaretas, para um lado, e arrastam depois cuidadosamente,
encostando-a ao paredão rochoso. Um mau cheiro doentio sai do fundo daquela
cova, fazendo que todos recuem.
Marta
pergunta em voz baixa: Mestre queres descer lá dentro? Se queres, vamos
precisar de umas tochas... Mas ela fica lívida, só ao pensar em fazer isso.
Jesus não lhe responde. Ele eleva os olhos para o Céu, abre os braços em cruze
reza com uma voz muito forte, destacando bem as sílabas das palavras: “Pai!
Eu te agradeço por me teres ouvido. Eu sabia que tu me ouves sempre. Mas Eu o
disse por estes que estão aqui presentes, pelo povo que me rodeia, para que
creiam em Ti, em Mim, e que Tu me mandaste.” Fica
ainda assim por alguns momentos, e parece ter sido arrebatado em êxtase, e
ter-se transfigurado, enquanto, sem produzir nenhum som, diz outras palavras
secretas de oração e adoração. Não sei. O que eu sei é que Ele está tão
iluminado, que não se pode nem olhar para Ele, sem que se sinta o coração
tremer dentro do peito. Parece que Ele se torna, em seu corpo, uma luz que se
espiritualize, que cresça em estatura, e até se eleve da terra conservando,
porém, as cores dos seus cabelos, dos olhos, da pele, das vestes, não como
durante a sua Transfiguração no monte Tabor, durante a qual tudo se tornou luz
nele e de um candor ofuscante, e parece emanar dele uma luz, e que tudo o que é
dele se transforme em luz. A luz parece fazer um halo ao redor Dele,
especialmente ao redor do seu rosto, levantado para o Céu, certamente
arrebatado em contemplação do Pai.
Ele fica
assim por algum tempo, depois volta a Si: agora é o homem, mas de uma poderosa
majestade. Ele vai para a frente até à beira do sepulcro. E, tendo mudado a
posição dos braços que até agora estavam abertos em cruz, com as palmas viradas
para o Céu, daí para a frente estarão com as palmas viradas para a terra e, por
isso as mãos já estão dentro da cova do sepulcro e se embranquecem dentro da
escuridão que enche a cova. Ele solta um fogo azul de seus olhos, cujo brilho
miraculoso é insuportável, dentro daquela escuridão muda, e, com uma voz
poderosa, com um grito mais forte do que quando mandou ao vento que cessasse,
com uma voz que em nenhum outro milagre eu ouvi, Ele grita: “Lázaro!
Vem para fora!”
A voz
repercute, produzindo um eco naquela cavidade sepulcral, e se expande saindo
dela, e indo por todo jardim. Repercute, tendo ido por sobre ás primeiras
ondulações das colinas que estão para lá dos campos e de lá volte repetida e
submissa, como uma ordem que não pode cair em vão. E certamente, de muitíssimos
lados se ouve a sua repetição: “Fora! Fora! Fora!
Todos
sentem um arrepio mais intenso e, se a curiosidade parece fincar a todos
naquele lugar, os rostos perdem a cor, os olhos se arregalam, enquanto as bocas
se entrefecham involuntariamente, com o urro de espanto já na garganta.
Marta,
que vai um pouco atrás, e meio ao lado, está fascinada a olhar para Jesus.
Maria cai de joelhos, pois ela nunca se afastou de seu Mestre, cai de joelhos
na entrada do sepulcro, com uma mão sobre o peito, a frear as palpitações do
coração, e a outra que, inconsciente e convulsivamente, segura um pedaço do manto
de Jesus, e compreende-se que ela esteja tremendo, porque o manto tem umas
leves sacudidas, transmitidas pela mão que o segura.
Uma coisa
branca parece vir saindo do ponto mais fundo da cova. No começo apenas uma
pequena linha branca, depois se transforma em uma espécie de oval, depois ao
oval se sub põem umas linhas mais amplas, mais longas, sempre mais longas. E o
que tinha estado morto, apertado em suas faixas, vem vindo lentamente para a
frente, cada vez mais visível, parecendo um fantasma, impressionante.
Jesus
recua, vai recuando, insensível mas continuamente, mais do que ele avança. Por
isso, a distância entre os dois é sempre a mesma. Maria vê-se obrigada a deixar
o pedaço do manto, mas não sai de onde está. A alegria, a emoção, tudo a prende
ao lugar onde estava.
Um “Oh!”
cada vez mais claro, sai das gargantas, antes fechadas por um espasmo de
espera, de um sussurro que mal se notava em voz, e de voz em um grito alto.
Lázaro já
está na entrada, e lá fica parado e rígido, mudo, semelhante a uma estátua de
gesso, que está apenas esboçada, e, por isso, ainda informe, uma coisa
comprida, sutil na cabeça, sutil nas pernas, mais larga no tronco, macabra como
a própria morte, espectral na brancura das faixas colocadas sobre o fundo
escuro do sepulcro. Ao sol, cujos raios o cobrem, das faixas parecem estar
escorrendo, por aqui e por ali, os corrimentos da podridão.
Jesus
grita em voz alta: “Livrai-o das faixas, e deixai-o andar. Dai-lhe roupas e
alimento.”
Mestre! Diz
Marta, e quereria talvez dizer mais alguma coisa, mas Jesus olha fixamente para
ela, sub julgando-a com aquele seu fúlgido olhar, e diz: “Aqui!
Depressa! Trazei uma veste. Vesti-o na presença de todos, e dai-lhe o que
comer.” Ele dá a ordem, mas não se vira nunca
para olhar quem está atrás dele, nem dos lados. Seus olhos olham somente para
Lázaro, para Maria que está perto do ressuscitado, e sem se preocupar com o
nojo que todos sentem, ao verem as faixas cheias de pus, e para Marta que está
arquejante, como se alguém lhe estivesse estourando o coração, e não sabe se
deve gritar por sua alegria, ou chorar.
Os servos
se apressam em fazer o seu trabalho. Noemi corre, indo-se embora por primeira,
e é a primeira que vai voltar com as vestes, que ela traz penduradas no braço.
Alguns desligam os laços das faixas, depois de terem arregaçado as mangas e
erguido suas vestes, para que não tocassem na podridão, que está escorrendo.
Marcela e Sara voltam com ânforas de perfume, acompanhadas pelos servos que uns
com bacias e outros vasilhas, soltando vapores de água quente, e outros com
bandejas, tigelas cheias de leite ou com vinho, frutas e fogaças cobertas de
mel.
As
bandagens baixas e muito compridas de linho, tendo orlas dos dois lados, e que
certamente foram tecidas para aquele uso são desenroladas como uns rolos de
fitas, de uma grande bobina, e vão-se amontoando no chão, pesadas porque cheias
de aromas e podridão, os servos vão afastando tudo isso, fazendo uso de uns
bastões. Eles começaram pela cabeça, pois até nela há podridão, que certamente
desceu do nariz, dos ouvidos, da boca. O sudário que foi colocado sobre o
rosto, está todo impregnado com o que estava gotejando, e o rosto de Lázaro,
que aparece muito pálido e magro, está com os olhos ainda fechados pelas
pomadas neles postas sobre as órbitas, com os cabelos grudados, e também a
barbicha rala sobre o queixo, que com tudo isso ficou sujo. Vai cindo
lentamente o lençol, o sudário posto ao redor do corpo e pouco a pouco as
bandas vão caindo, vão descendo, descendo, deixando livre o tronco, que elas
haviam apertado por dias seguidos, e restituindo a forma humana aquilo que
antes tinham feito ficar parecendo uma grande crisálida. As costas ossudas, os
braços emagrecidos, as costas mal cobertas de pele e o ventre deprimido, tudo
isso vai aparecendo lentamente. E, pouco a pouco, a medida que as bandas vão
caindo, as irmãs, o Maximino e os servos se esforçam para tirar a primeira
camada de sujeira e de bálsamos, insistindo até com água frequentemente
mudadas, e transformadas em detergentes pelos aromas que lhe foram
acrescentados, e a pele ainda não aparece completamente limpa.
Lázaro,
logo que deixaram livre o seu rosto, e ele pôde olhar, dirigiu os seus olhos
para Jesus, antes de fazê-lo para as irmãs, e se esqueceu e se abstraiu de tudo
o que vai acontecendo, e ele vai olhando sempre com um sorriso de amor sobre
seus lábios pálidos e um brilho de pranto nas órbitas profundas para o seu
Jesus. Também Jesus lhe sorri, e tem um brilho de pranto no canto dos olhos, e,
sem falar, dirige os olhares de Lázaro para o Céu, e Lázaro o compreende, e
move os seus lábios em uma silenciosa oração. Marta achou que ele queria dizer
alguma coisa, e que ainda não tinha voz, e perguntou: “Que me dizes, Lázaro
meu?”
Nada
Marta. Eu estou dando graças ao Altíssimo. A pronuncia é firme e a voz está
forte.
O povo
solta um novo “Oh!” de espanto.
Ele já
está livre até nos flancos, livre e limpo. Já o podem revestir com a túnica
curta, uma espécie de camisola, que cobre a virilha e desce por sobre as coxas.
Fazem-no sentar-se para lhe desligarem as pernas e lavá-las. Quando elas
aparecem, Marta e Maria dão altos gritos, talvez mostrando as pernas e as
faixas apertadas sobre as pernas e sobre o sudário colocado sob as faixas, os
escoamentos da podridão são tão numerosos, que se transformam em pequenos rios
sobre os tecidos, mas as pernas, ao aparecerem, já estão cicatrizadas. Somente
as cicatrizes vermelho cianóticas ficaram para mostrar onde estavam as
gangrenas. O povo grita ainda mais alto, estuporado.
Jesus
sorri, e sorri Lázaro, que olha por um instante suas pernas já curadas, e
depois torna a ficar abstraído, olhando para Jesus. Parece que não pode
saciar-se de olhar para Jesus. Os judeus, os saduceus, os escribas, os rabis
vão para a frente, tomando cuidado para não contaminar suas vestes. Olham bem
de perto Lázaro. Olham bem de perto a Jesus. Mas nem Lázaro, nem Jesus lhes dão
atenção. Eles olham então, um para o outro, e nada mais lhes interessa.
Chegaram
as sandálias, e foram colocadas em Lázaro. Ele se põe de pé, ágil e com
firmeza. Pega a veste que Marta lhe entrega, veste-se com ela sozinho, aperta a
cintura e alisa as dobras da roupa. E ei-lo aí, magro e pálido, mas igual a
todos. Ele lava as mãos e os braços até os cotovelos, tendo antes arregaçado as
mangas. Depois, com nova água, lava o rosto e a cabeça, até ver que de fato
está todo limpo. Ele enxuga os cabelos e o rosto, entrega a toalha ao servo, e
vai diretamente a Jesus. Prostra-se diante dele e lhe beija os pés.
Jesus se
inclina, o faz levantar-se e o aperta sobre o coração dizendo-lhe: “Boas
vindas, meu amigo. A paz esteja contigo e a alegria. Que vivas para cumprir a
tua feliz sorte. Levanta o teu rosto para que Eu te dê o beijo de saudação.” E o beija, recebendo de Lázaro, em troca, um beijo nas
faces.
Somente
depois de ter venerado e beijado o Mestre, é que Lázaro fala com suas irmãs e
as beija, depois beija Maximino e a Noemi, que estão chorando de alegria, e
alguns daqueles que eu acho que tenham parentesco com os da casa, ou sejam
amigos muito íntimos. Depois beija José, Nicodemos, Simão Zelotes e alguns
outros. Jesus se dirige pessoalmente a um dos servos que tem em seus braços uma
bandeja com alimentos, e apanha uma fogaça com mel, uma maçã, um copo de vinho,
e os oferece a Lázaro, depois de ter oferecido e abençoado tudo, para que ele
com os alimentos se reconstitua. E Lázaro come com o bom apetite de uma pessoa
sã. E todos soltam de novo um “Oh!” de espanto.
Jesus age
como se estivesse vendo somente Lázaro. Mas na verdade, está observando tudo e
todos, e vendo como com gestos de ira Sadoque e Elquias, Cananias, Félix, Doras
e Cornélio e outros, estão para se afastarem, diz em voz alta: “Espera
um momento, ó Sadoque. Preciso dizer-te uma palavra. A ti e aos teus.” Eles param ali com umas caras de delinquentes. José de
Arimatéia faz um gesto de assustado, e faz sinal ao Zelotes para que entretenha
a Jesus. Mas Jesus já vai indo para o grupo dos que odeiam e já está dizendo em
voz alta: “Será
que já te basta, ó Sadoque, o que viste até agora? Disseste-me um dia que para
crer, precisáveis, tu e os teus iguais de ver um corpo desfeito recompor-se, e
com saúde. Não estás saciado com a podridão que viste? Serás capaz de admitir
que Lázaro estava morto e que agora está vivo e são, como havia muitos anos que
ele não estava? Eu sei disso. Vós viestes aqui para tentar essas pessoas e pô-las
na maior dor e em dúvidas. Vós vieste aqui para procurar-me, esperando
encontrar-me escondido no quarto do moribundo. Vós vieste aqui, não por um
sentimento de amor de desejo de honrar o extinto, mas para terdes a certeza de
que Lázaro estava realmente morto, e continuastes a vir, sempre mais cheios de
júbilo, quanto mais o tempo ia passando. Se as coisas tivessem acontecido como
vós esperáveis, como pensáveis que elas iam indo, teríeis tido razão de
alegrar-vos. Pensáveis no amigo, que a todos cura, mas não é capaz de curar ao
seu amigo. O Mestre que premia toda fé, mas não a de seus amigos de Betânia. É
o Messias impotente diante da realidade de uma morte. Isto é o que vos dava
razão para alegrar-vos. Mas eis! Deus vos deu a resposta. Nenhum profeta jamais
pôde reunir o que estava desfeito, além de estar morto. Mas Deus fez isso. E aí
está o testemunho vivo do que é que Eu sou. Houve um dia em que Deus tomou um
tanto de barro, e com ele formou uma estátua, soprou nela o sopro da vida, e
assim foi feito o homem. Eu mesmo estava para dizer: “Faça-se o homem à nossa
imagem e semelhança.” Porque Eu sou o Verbo do Pai. Hoje, Eu, o Verbo, disse
aquilo que é menos do que o barro: a corrupção: “Vive”, e a corrupção tornou a
transformar-se em carne, e em carne Eu reuni o espírito, que jazia, há dias no
seio de Abraão. Eu o chamei, e fiz voltar por minha vontade, porque Eu tudo
posso, Eu, o Vivente, Eu, o Rei dos reis, ao qual estão sujeitas todas as
criaturas, todas as coisas. E agora, que é que tendes a responder-me?”
E Jesus
está diante deles, alto, fulgurante em sua majestade, verdadeiramente Juiz de
Deus. Eles nada respondem. Mas Ele insiste: Tudo isso não vos basta ainda para
credes. Para aceitardes o indiscutível?
“Só
mantiveste uma parte da promessa. Isto não é o sinal de Jonas”, diz
asperadamente Sadoque.
“Tereis também aquele sinal”, diz o
Senhor. E alguém que aqui está presente, e que está esperando um outro sinal, o
terá. E, como ele é justo, o aceitará. Vós não! Vós ficareis como sois.”
Jesus dá
uma meia volta sobre si mesmo, e vê Simão, o sinedrita, filho de Eliana. E fixa
os olhos nele. E continua a fita-lo, Deixa no ar aqueles de antes, e,
aproximando seu rosto do rosto dele, lhe diz, em voz baixa, mas decidida: “Bom
para ti é que Lázaro não se recorde de ter permanecido entre os mortos! Que é
que fizeste de teu pai, ó Caim?”
Simão sai
dali fugindo, com um grito de medo, que depois se transforma em um urro de
maldição: “Que sejas tu maldito, ó Nazareno!” E ao qual Jesus responde: “A
tua maldição sobe até o Céu, e do Céu o Altíssimo ta devolve. Tu estás
assinalado com a marca, ó infeliz!”
Jesus
volta atrás, por entre os grupos espantados, quase assombrados. Ele se encontra
com o Gamaliel, que está indo para a estrada. Ele olha para Gamaliel, e
Gamaliel olha para ele. E Jesus lhe diz sem parar: “Estás
pronto, rabi? O sinal logo virá. Eu nunca minto.”
O Jardim
vai se esvaziando lentamente. Os judeus estão atordoados, mas, em sua maior
parte eles transpiram ira por todos os poros. Se os olhares pudessem reduzir
alguém a cinzas, há muito tempo Ele já deveria os ter pulverizado. Falam,
discutem entre si, e lá se vão, tão transtornados pela desfeita recebida, que
nem sabem mais como esconder, sob uma hipócrita aparência, qual era a intenção,
qual a razão de sua presença ali. E lá se vão, sem saudar nem Lázaro, nem às
irmãs dele.
Ficam
para trás alguns que são conquistados pelo Senhor. Entre estes está José
Barnabé, que se põe de joelhos diante de Jesus e o adora. Um outro é o escriba
Joel de Abias, que faz a mesma coisa antes de partir por sua vez. E outros
ainda, que não conheço, mas que devem ser influentes.
Lázaro
entretanto, circundado pelos seus mais íntimos, retirou-se para casa. José,
Nicodemus e os outros bons saúdam Jesus e se vão. Partem com profundas saudações,
os judeus que estavam junto a Marta e Maria. Os servos fecham a cancela. A casa
retorna à sua paz. Jesus olha em torno de si. Vê esfumaçar-se e ficar roxo o
céu no fundo do jardim, lá, além do sepulcro. Jesus, sozinho, ereto em meio a
um caminho, diz: “A podridão que é anulada pelo fogo. A podridão da morte.
Mas aquela dos corações... dos corações nenhum fogo anulará. Nem mesmo o fogo
do Inferno. Será eterna. Que horror! Maior que a morte. Maior que a corrupção,
e... Mas quem te salvará, ó humanidade, se tanto amas ser corrompida? Queres
ser corrupta. E Eu... Eu arranquei do sepulcro um homem com uma palavra. E com
um mar de palavras... e um ato de dor não poderei arrancar o pecado do homem,
dos homens, milhões de homens.”
Senta-se
e cobre o rosto com as mãos, angustiado.
23 de
março de 1944
Diz
Jesus:
“Eu teria podido intervir a tempo para
impedir a morte de Lázaro. Mas não o quis fazer. Sabia que esta ressurreição
seria uma arma de dois gumes, porque poderia converter os judeus de reto
pensamento e tornar sempre mais astuciosos aqueles de pensamento não reto.
Destes, e sob este último golpe de meu poder, viria a minha sentença de morte.
Mas Eu tinha vindo para isso, e a hora já estava madura para que isso se
cumprisse. Eu teria também podido ir atendê-los logo. Mas tinha necessidade de
persuadir, com a ressurreição de uma podridão já bem adiantada, aos crédulos
mais obstinados. E até aos meus apóstolos que, destinados a levar a minha fé ao
mundo, precisavam possuir uma fé temperada com milagres de primeira grandeza.
Nos apóstolos havia muita humanidade.
Eu já disse isto. Isto não era um obstáculo insuperável. Era, ao contrário, uma
consequência lógica da condição deles, que era a de homens chamados para serem
meus, mas já em idade adulta. Não se muda uma mentalidade, nem um modo de
pensar, de hoje para amanhã. Nem Eu, na minha sabedoria quis escolher e educar
meninos, e vê-los crescer segundo o meu pensamento, para fazer deles os meus
apóstolos. E o teria podido fazer. Não o quis fazer, para que as almas não me
reprovassem por ter desprezado aos que já não são inocentes e que levassem para
sua desculpa e escusa, o fato de que Eu também tenha dado a entender, com a
minha escolha, que aqueles que já estão formados não podiam mais mudar. E, de
fato, Eu, de uns pusilâmines, de uns rixentos, de usuários, de sensuais, de
incrédulos fiz mártires e santos, evangelizadores do mundo. Somente aquele que
não quis, não mudou.
Eu amei e amo as pequenas coisas – tu
és um exemplo disso – contanto que nelas haja a vontade de amar-me e de
acompanhar-me, e desses nadas é que Eu faço os meus prediletos, os meus amigos,
os meus ministros. Sempre me sirvo deles, e é um milagre contínuo que Eu faço
para levar aos outros a crerem em mim e a não destruirem a possibilidade do milagre.
Como é fraca agora esta possibilidade. Como uma lâmpada à qual falta o azeite e
por isso ela agoniza e morre, morta pela fé, que é pouca ou que de tudo falta,
no Deus do milagre.
Há duas formas de prepotência ao pedir
o milagre. Para uma delas Deus se inclina com amor. Para a outra, Ele vira as
costas indignado. A primeira é a que pede, como Eu já ensinei a pedir, sem
desconfiança e cansaço, e que não admite que Deus não a possa atender, porque
Deus é bom, e quem é bom atende. Pois Deus é poderoso, tudo pode. Esta é amor,
e Deus atende a quem ama. A outra é a prepotência dos rebeldes que querem que
Deus seja seu servo, e que se humilhe a Si mesmo, diante de suas maldades e
lhes dê o que eles não dão a Ele: o amor e a obediência. Este modo de pedir é
uma ofensa que Deus pune negando suas graças.
Vós vos queixais de que não fao mais
milagres coletivos. Como é que Eu os poderia fazer? Onde estão as coletividades
que creem em Mim? Onde estão os verdadeiros crentes? Quantos são os verdadeiros
crentes em uma coletividade? Como as flores que sobraram em um bosque queimado
por um incêndio, delas vejo somente alguma, de vez em quando, os espíritos que
tem fé. O resto queima Satanás com suas doutrinas. E sempre mais o queimará.
Eu vos peço que tenhais essa norma
espiritual: que vos lembreis da minha resposta a Tomé. Não se pode ser meu
verdadeiro discípulo, se não se souber dar à vida humana aquele valor que serve
de meio para conquistar a Vida, e não de fim. Aquele que quiser salvar a sua
vida neste mundo, perderá a Vida eterna. Eu o disse e o repito. Que é que são
as provações? São nuvens que passam. O Céu não passa e vos espera depois das
provações.
Eu conquistei o Céu para vós com o meu
heroísmo. E vós deveis imitar-me. O heroísmo não está reservado somente para
aqueles que devem colher o martírio. A vida cristã é um perpétuo heroísmo,
porque é uma perpétua luta contra o mundo, o demônio e a carne. Eu não vos
obrigo a servir-me. Eu vos deixo livres. Mas hipócritas é que não vos quero. Ou
comigo e como Eu, ou contra Mim. Vós não me podeis enganar. E Eu não admito
alianças com o inimigo. Se vós o preferis a Mim, não podeis ficar pensando em
ter ao mesmo tempo a Mim como amigo. Ou ele, ou Eu, escolhei.
A dor da Marta é diferente da dor de
Maria, pela diferente psique das duas irmãs e pelo modo de proceder das duas.
Felizes daqueles que se conduzem de tal modo, que não precisem ter o remorso de
ter entristecido a alguém, que agora esta morto, e que não pode mais ser
consolado da dor que lhe foi causada. Mas como e mais feliz quem não teve o
remorso de ter entristecido a Deus, a mim Jesus, e não tem medo de encontrar-se
comigo, mas até suspira por isso, como quem espera uma alegria ansiosamente
sonhada durante toda uma vida, e finalmente consegue.
Eu sou o vosso Pai, Irmão, Amigo. Por
que é então que me feris tantas vezes? Sabeis vós quanto é que vos resta de
vida? Uma vida em reparação? Vós não o sabeis. E então, hora por hora, dia por
dia vivei agindo bem. E Me fareis sempre feliz. E se o sofrimento vier também
para vós, visto que a dor é uma purificação, é a mirra que nos preserva da
podridão da carnalidade, tereis sempre em vós a certeza de que Eu vos amo até
naquela dor, e a paz que nasce do meu amor. Tu, pequeno João (Valtorta), bem o
sabes se Eu sei consolar até na dor.
Na minha oração ao Pai está repetido tudo
o que Eu disse a princípio: era necessário um grande milagre, sacudir a
opacidade dos judeus e do mundo em geral. E a ressurreição de alguém já
sepultado a quatro dias, e colocado na cova depois de uma longa crônica
repugnante, conhecida doença, não era isso um coisa que nos deixase
indiferentes, nem mais cheios de dúvidas. Se Eu o tivesse curado enquanto ele
estava vivo, ou tivesse infundido nele o Espírito logo que ele tivesse
expirado, a malícia dos inimigos teria podido criar dúvidas sobre a existência
do milagre. Mas o mau cheiro do cadáver, a sujeira das bandagens, a longa
permanência no sepulcro não deixaram pairar dúvidas. E, um milagre dentro do
outro, Eu quis que Lázaro fosse desfaixado e limpo na presença de todos para
que vissem que, não só a vida, mas também a integrodade dos membros tinham
voltado para lá, onde a carne ulcerada havia espalhado no sangue os germes da
morte. No meu ato de distribuir graças, Eu dou sempre mais do que pedis.
Eu chorei, diante da tumba do Lázaro. E
aquele chora já deram vários nomes. No entanto, ficai sabendo que as graças se
obtêm com a dor misturada com uma firme fé no Eterno. Eu chorei, não somnte
pela perda do amigo e pela dor das irmãs, mas porque, como um fundo que se
agita para cima, afloraram naquela hora, mais viva do que nunca, três ideias
que, como três cravos me haviam sempre cravado suas pontas em meu coração.
A verificação de qual foi a ruína que
Satanás causou ao homem ao seduzí-lo para o mal. Ruína, cuja condenação humana
consistia na dor e na morte. A morte física, que é o símbolo e a metáfora viva
da morte espiritual, que a culpa dá a alma, fazendo-a cair, a essa rainha
destinada a viver no reino da Luz e não nas Trevas infernais.
A persuasão de que nem mesmo este
milagre, colocado quase como uma consequência sublime, depois de três anos de
evangelização, teria convencido o mundo judaico sobre a verdade da qual Eu
tinha sido portador. E que nenhum milagre teria convencido o mundo futuro e
feito dele um convertido para o Cristo. Oh! Que dor que era estar perto de
morrer por tão poucos!
A visão mental da minha próxima morte.
Eu era Deus, mas também era homem. E para ser o Redentor, Eu devia sertir o
peso da expiação. E por isso também o horror da morte, e de tal morte. Eu era
um vivo, um são que dizia: “Brevemente, Eu estarei morto num sepulcro como
Lázaro. Brevemente a agonia mais atroz será a minha companheira. Eu devo
morrer.” A bondade de Deus vos poupa o terdes conhecimento do futuro. Mas a Mim
não. Eu não fui poupado de ter esse conhecimento.
Oh! Podeis crer! Vós que vos lamentais
de vossa sorte, nenhuma foi mais triste do que a minha, pois Eu tive a
constante presciência de tudo o que me devia acontecer, e unida a pobreza, ás
depreciações, às asperezas, que me acompanharam desde o meu nascimento, até a
morte. Por isso, Eu não me lamentava. E esperai em Mim. Eu vos dou a minha
paz.”
Pg.
399-409
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550 – MISSÃO DE AMOR POR LÁZARO E
CONTEMPLAÇÃO ABSOLUTA PARA IRMÃ MARIA. JESUS DEVE FUGIR PARA A SAMARIA
“Vão indo
para casa, e param de vez em quando para observarem o despertar das árvores, e
Jesus levanta um braço, e apanha, alto como Ele é, um raminho com flores de uma
amendoeira que se aquece ao sol, sobre o muro meridional da casa.
Sai Maria
e os vê, e se aproxima para ouvir o que Jesus está dizendo: “Estás
vendo Lázaro? Também a estas o Senhor disse: “Vinde para fora”, e elas
obedeceram para servirem ao Senhor.”
“Que
mistério é a germinação! Parece impossível que de um tronco duro, ou de uma
semente dura possam sair pétalas tão frágeis e caules tão tenros, para se
transformarem em frutas ou plantas. Estará errado Mestre, dizer que a linfa, ou
o germe é como a alma da planta, ou da semente?”
“Não é errado, porque são partes
vitais. Nelas, não eternas, mas criadas para cada espécie, elas foram no
primeiro dia em que as plantas e as gramíneas passaram a existir. No homem é
eterna, semelhante ao seu Criador, criada cada uma por sua vez, para cada nova
criatura humana que é concebida. Mas é por ela que a matéria vive. É por isso
que Eu digo que só pela alma é que o homem vive. Não vive aqui somente, mas
também alhures. Vive por sua alma. Nós hebreus não fazemos desenhos sobre os
sepulcros, como fazem os gentios. Mas, se o fizéssemos, deveríamos sempre
desenhar, não a face morta, mas a clepsidra vazia, ou outro símbolo de um fim,
assim como a semente que, jogada no sulco vai florescer em espiga. Porque é a
morte da carne que livra a alma da casca, e a faz produzir frutos nos canteiros
de Deus. A semente, a centelha de vida, que Deus colocou em nosso pó, e que se
torna espiga, se nós soubermos com a vontade e também com a dor, tornar fértil
a gleba que a encerra, a semente. O símbolo da vida que se perpetua... Mas,
Maximino te está chamando.”
...”E tu Maria, te tornarás uma boa
serva do teu Senhor?”
“Tu é que
podes saber Raboni. Eu... Eu só sei que fui uma grande pecadora.”
Jesus
sorri.
“Viste Lázaro? Ele também era um grande
doente, e agora não te parece que esteja bem são?”
“Assim é
Raboni. Tu o curaste. E o que fazes é sempre bem feito. Lázaro nunca foi tão
forte e alegre, como depois de ter saído do sepulcro.”
“Tu o disseste, Maria. O que Eu faço é
sempre total. Por isso a tua redenção é total, porque Eu a completei.”
“É
verdade, meu Salvador. Redentor, Rei, Deus. É verdade. E, se Tu o fizeres,
serei eu também uma boa serva do meu Senhor. Eu, pela minha parte, o quero
Senhor. Não sei se Tu o queres.”
“Eu o quero, Maria. Uma minha boa
serva. Hoje mais do que ontem. Amanhã mais do que hoje. Até o dia em que Eu te
disser: “Basta, Maria, chegou a hora do teu repouso.”
“Está
dito, Senhor. Eu quereria que então, me chamasses. Como chamaste o meu irmão
para fora do sepulcro. Oh! Chama-me Tu para fora da vida!”
“Não. Para fora da vida, não. Eu te
chamarei para a vida, para a verdadeira vida. Eu te chamarei para fora do
sepulcro que é a carne, e é a terra. Eu te chamarei para as núpcias de tua alma
com o teu Senhor.”
“As
minhas núpcias! São as virgens que Tu amas, Senhor.”
“Eu amo aqueles que me amam, Maria.”
“Tu és
divinamente bom, Raboni! Por isso é que eu não sabia ficar em paz, ao ouvir
dizer que era mau, porque não vinhas. Para mim era como se tudo viesse abaixo.
Que cansaço me dava ter que dizer a mim mesma: “Não! Não! Não deves aceitar as
aparências. Elas te parecem umas evidências, mas são um sonho. A realidade é o
poder, a bondade, a divindade do teu Senhor.” Ah! Quanto eu sofri. Quanta dor
pela morte de Lázaro e pelas palavras dele. Ele não te disse nada? Não te
lembras? Dize-me a verdade.”
“Não minto nunca, Maria. Ele teme ter
falado, ter dito aquilo que tinha sido a dor de sua vida. E Eu o pus em paz,
sem mentir, e ele agora está tranquilo.”
“Obrigada,
Senhor. Aquelas palavras... me fizeram bem. Assim como fazem bem os cuidados de
um médico que põe a nu as raízes de um mal, e as queima. Elas acabaram de
destruir a velha Maria. Eu fazia ainda um alto conceito de mim mesma. Agora...
eu meço a profundidade de minha degradação, e sei que preciso andar por um
longo caminho, e começar de novo a subir por ele. Mas eu o farei, se Tu me
ajudares.”
“Eu te ajudarei, Maria. Mesmo depois
que Eu tiver ido embora, te ajudarei.”
“Como
assim, meu Senhor?”
“Aumentando o teu amor em uma medida
incalculável. Para ti não há outro caminho, senão este.”
“É fácil
demais, pelo tanto que tenho de expiar! Todos se salvam com o amor. Todos
conquistam o Céu. Mas o que é suficiente para os outros, os justos, não é
suficiente pra a grande culpada.”
“Não há outro caminho para ti, Maria.
Porque seja lá qual for o caminho que tomares, ele será sempre amor. Amor fazer
o bem em meu nome. Amor, se evangelizares. Amor, se te isolas. Amor, se te
martirizas. Amos, se fazes que te martirizem. Tu não sabes outra coisa, a não
ser amar, Maria. É a tua natureza. As chamas não podem fazer outra coisa que
não seja arder. Suponhamos que elas se arrastem no chão queimando palhas, ou
que subam, dando um abraço de esplendores ao redor de um tronco, ou de uma
casa, ou de um altar, para subirem ao Céu. Cada um tem sua natureza. A
sabedoria dos mestres espirituais está em saber desfrutar das tendências do
homem, dirigindo-as para o caminho pelo qual elas se transformem em bem. Até
nas plantas e nos animais esta é a lei, e seria tolice querer pretender que uma
planta frutífera desse somente flores, ou desse frutos diferentes daqueles que
a natureza é capaz de dar, ou que um animal executasse tarefas que são próprias
de outras espécies de animais. Poderias tu pretender que uma abelha, destinada
a produzir mel, se tornasse um passarinho que canta por entre as folhas das
sebes? Ou então, que este raminho, que está em minhas mãos, junto com toda a
amendoeira da qual apanhei, em vez de amêndoas, começasse a soltar pela casca
resinas odoríferas? A abelha trabalha, o passarinho canta, a amendoeira dá
frutos e a árvore de resinas dá aromas. E todos trabalham, cada um em seu
ofício. Assim são as almas. E tu tens o ofício de amor.”
“Então,
queima-me, Senhor. Eu te peço esta graça.”
“Não te basta a força do amor que
tens?”
“É pouca
demais, Senhor. Podia servir para amar homens. Não a Ti, que és o Senhor
infinito.”
“Mas, justamente porque Eu sou assim, é
que seria necessário um amor sem limites... Maria, o Altíssimo, que sabe o que
é o amor, disse ao homem: “Amar-me-ás com todas as suas forças.” Não exige mais
do que isso. Porque Ele sabe que já é um martírio amar com todas as forças...”
“Não
importa meu Senhor. Dá-me um amor infinito, para amar-te como deve ser amado,
para amar-te como nunca amei.”
“Estás pedindo-me um sofrimento
semelhante a uma sarça, que se queima e se consome, Maria. Ela se queima e se
consome lentamente... Pensa nisso.”
“É muito
o que eu penso nisso, meu Senhor. Mas eu não tinha coragem de to pedir. Dá-me
esse amor infinito, Senhor.”
Jesus
olha para ela. Ela está em sua gente, ainda emagrecida pelas vigílias e pela
dor, modesta e simples em sua veste e no arranjo dos cabelos, como uma menina
sem malícias, com o rosto pálido que enrubesce pelo desejo, com seus olhares
suplicantes, ou melhor, já brilhantes de amor, já mais de um serafim do que de
uma mulher. É verdadeiramente a contempladora, que pede o martírio da
contemplação, sem restrições ou limites. Jesus diz uma só palavra, depois de
ter olhado bem para ela, como se estivesse medindo a vontade: “Sim.”
“Ah! Meu
Senhor! Que graça é morrer de amor por Ti”, e cai de joelhos, beijando os pés
de Jesus.
“Levanta-te, Maria. Toma estas flores.
Serão as de tuas núpcias espirituais. Sê doce, como o fruto da amendoeira, pura
como sua flor, e luminosa como o óleo, que deste fruto se extrai quando ele é
aceso, e perfumada como este óleo, quando está saturado de essências, e assim
se espalha nos banquetes ou sobre a cabeça dos reis, perfumada pelas suas
virtudes. Então, verdadeiramente estarás espargindo sobre o teu Senhor o
bálsamo que Ele receberá com infinito agrado.”
Maria
pega as flores, mas não se levanta do chão, e logo lança mão dos bálsamos de
amor, com seus beijos e suas lágrimas derramadas nos pés do seu Mestre.
Pg.435-439
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551 – OS APÓSTOLOS SÃO INFORMADOS
DEPOIS DE UMA PERMANÊNCIA JUNTO DE NIQUE, DO DECRETO DO SINÉDRIO. CHEGADA AOS
CONFINS DA JUDÉIA
Diz
Jesus:
“Não me perguntais para onde é que
estamos indo? A preocupação pelo dia de amanhã terá feito ficar muda a vossa
língua, e Eu não vos pareço mais ser o vosso Mestre?”
Os doze
levantam a cabeça. São doze rostos aflitos, ou pelo menos estonteados, os que
se viram para o rosto tranquilo de Jesus, e ouve-se apenas um “Oh!”, que sai
das doze bocas. E, depois dessa exclamação de todos, faz-se ouvir a palavra de
Pedro, que fala por todos: “Mestre, Tu sabes que és para nós sempre o mesmo.
Mas é que, desde ontem de tarde, estamos como quem recebeu uma grande pancada
na cabeça. E para nós tudo está parecendo um sonho. E Tu, nós vemos e sabemos
que és Tu, mas Tu nos pareces... como se estivesses longe. Um pouco já nos
tinha ficado essa sensação, quando falaste com teu Pai, antes de chamar Lázaro,
e desde quando o tiraste de lá, todo amarrado, usando apenas de Tua vontade, e
o tornaste vivo só com o teu poder. Tudo isso nos dá medo. Eu falo por mim...
mas creio que o mesmo se dê com todos. Agora, enfim... Nós... Aquela partida
tão rápida e misteriosa!”
“Será que tendes dois medos? Percebeis
que está chegando o perigo? Não tendes, não sentis a falta de força para
enfrentar e superar as últimas provas? Dizei-o com toda a liberdade. Ainda
estamos na Judéia, mas também estamos perto das estradas baixas para a Galiléia.
Cada um pode ir-se embora, se quiser ir em tempo para não ser odiado pelo
Sinédrio.”
Os
apóstolos se agitam com essas palavras. Os que estão estendidos sobre a grama,
que os raios de sol fizeram ficar morna, se assentam, Os que estavam sentados põem-se
de pé. E Jesus continua: “Porque, a partir de hoje, Eu sou o Perseguido pelo
Sinédrio. Ficai sabendo disso. A estas horas está para ser lido nas quinhentas
tantas sinagogas de Jerusalém, e daquelas cidades que o puderam receber, edital
emitido ontem à hora sexta, onde consta que Eu sou o grande pecador que cada um
que souber onde Eu estou tem o dever de denunciar-me ao Sinédrio, para que ele
me capture.”
Os
apóstolos gritam, como se já o estivessem vendo preso. João se agarra ao
pescoço de Jesus, gemendo: “Ah! Eu sempre o previa”, e soluça fortemente.
Alguns fazem imprecações contra o Sinédrio, outros invocam a Justiça divina,
outros choram, e outros ficam como umas estátuas.
“Calai-vos. Escutai. Eu nunca vos
enganei. Eu sempre vos disse a Verdade. Como Eu pude, vos defendi e protegi. A
vossa proximidade de mim foi-me sempre amável, como e de uns filhos. Também Eu
não escondi de vós a minha última hora. Os meus perigos... a minha Paixão. Mas
aquilo eram coisas minhas, exclusivamente minhas. Agora, são os vossos perigos,
a vossa segurança e a de vossas famílias que hão de ser postos em consideração.
E Eu vos peço que o façais. Tendes para isso liberdade completa. Não
considereis essas coisas, pensando no amor que tendes por mim, nem a escolha
que de vós foi feita por mim. Fazei de conta que Eu vos dispenso de todas as
obrigações para com Deus e para com o seu Cristo. Fazei de conta que nos
encontramos aqui, agora, pela primeira vez, e que vós, depois de me terdes
ouvido, trocais ideias uns com os outros sobre se convém ou não acompanhar o
Desconhecido, cujas palavras vos haviam comovido. Fazei de conta que me estais
ouvindo e vendo pela primeira vez, e que Eu vos diga: “Olhai como Eu sou
perseguido e odiado e que quem me segue é perseguido e odiado como Eu, em sua
pessoa, em seus interesses, em seus afetos. Vede bem que a perseguição pode
terminar até com uma morte e com o confisco dos bens da família.” Pensai, e
decidi. Eu vos amarei igualmente, mesmo se me disserdes: “Mestre, eu não posso
ir contigo.”
Ficais entristecidos? Não deveis ficar
assim. Sejamos bons amigos, que decidem em paz e com amor o que se há de fazer,
com uma compaixão recíproca. Eu não posso deixar-vos ir ao encontro com o
futuro, sem fazer-vos refletir antes. Eu não tenho falta de estima para
convosco. Eu vos amo a todos. Mas Eu sou o Mestre. E o Mestre obviamente
conhece os seus discípulos. Eu sou o Pastor, e o pastor obviamente conhece os
seus cordeiros. Eu sei que os meus discípulos, expostos a uma prova, sem
estarem suficientemente preparados para ela, não somente pela sabedoria que vem
do Mestre, e que por isso é boa e perfeita, mas também pela reflexão, que deve
provir deles, poderiam fracassar, ou, pelo menos, deixar de triunfar, como
alguns atletas nos estádios. Moderem-se a si mesmos e controlem-se, é sempre
uma sábia medida. Tanto nas pequenas como nas grandes coisas. Eu, como Pastor
devo dizer aos meus cordeiros: “Agora, Eu vou entrar em uma terra de lobos e de
sanguinários. Tereis vós coragem de andar pelo meio deles?”
Eu poderia até dizer-vos já, quem é que
não vai ter coragem de passar pela prova, por mais que Eu vos possa garantir, e
com toda certeza, que nenhum de vós cairá pela mão dos carrascos que irão
sacrificar o Cordeiro de Deus. A minha captura será de tal valor para eles, que
só ela já lhes bastará. Por isso, Eu vos digo: “Refleti”.
Há tempo, Eu vos dizia: “Não temais
aqueles que matam”. Eu vos dizia: “Aquele que põe a mão no arado, e se vira
para considerar o passado e o que pode perder ou adquirir, não está apto para a
minha missão.” Mas aquilo eram normas para dar-vos a
medida do que era ser discípulos, eram normas para o futuro, que virá, quando
Eu não for mais o Mestre, mas serão mestres os que forem fiéis. Aquelas normas
vos eram dadas para formar em vós uma alma forte. Mas, mesmo essa fortaleza,
que não se pode negar que vós a deveis ter, junto com o nada que vós éreis – Eu
falo do vosso espírito – é ainda muito pouca, em comparação com o tamanho da
prova. Oh! Não fiqueis pensando em vossos corações: “O Mestre está
escandalizado conosco!”. Eu não me escandalizo. Pelo contrário, Eu vos digo que
nem mesmo vós deveis, nem deveríeis escandalizar-vos com vossa fraqueza. Em
todos os tempos futuros, entre os membros da minha Igreja, tanto os cordeiros
como os pastores serão pessoas inferiores à grandeza de sua missão. Haverá
épocas em que os pastores ídolos serão mais do que os verdadeiros pastores e do
que os verdadeiros fiéis. Haverá épocas de eclipses do espírito de fé no mundo.
Mas o eclipse não é a morte de um astro. Depois a beleza dele reaparece, e
parece até mais luminosa. Assim é que vai ser o meu Ovil.
Eu vos digo: Refleti. Eu vo-lo digo como Mestre, Pastor e Amigo. Eu vos
deixo em plena liberdade de discutir entre vós. Agora vou lá para o meio
daquela vegetação para rezar. E, um por um, cada um me irá dizer o seu
pensamento. Eu abençoarei a vossa honestidade sincera, seja qual for. E vos
amarei por tudo o que até aqui já me destes. Adeus.”
Jesus se
levanta, e lá se vai.
Pg.
446-449
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554 – O SÁBADO EM EFRAIM COM OS
APÓSTOLOS E AS TRÊS CRIANÇAS SOBRE UMA PEQUENA ILHA NA TORRENTE
Diz
Jesus:
Quando os reis de Israel, de Edom e de
Judá se reuniram para combaterem contra o rei de Moab, mas antes voltaram atrás
para pedirem conselho ao profeta Eliseu, mandando que ele fizesse cavar fossas
e mais fossas na torrente seca, a fim de serem enchidas com água para os homens
e os animais. E, na hora do sacrifício matutino, a torrente, sem que estivesse
soprando vento nem caindo chuva, encheu-se como o Senhor havia dito. Quais são
segundo o vosso parecer as lições que podemos tirar deste episódio? Falai!”
Os
apóstolos se consultam um ao outro. Um deles diz: “Deus não fala na perturbação
do coração. O Elizeu quer aplacar a indignação que surgiu dentro dele, ao
ver-se na frente do rei de Israel, para poder ouvir a Deus.” Outro por sua vez
diz: “É uma lição de justiça. Eliseu para não punir o inocente rei de Judá,
salva também o culpado.” E outros dizem: “É uma lição de obediência e de fé.
Eles cavam as fossas, obedecendo à ordem, que aparentemente era tola, e cavam
esperando com fé a água, mesmo estando o tempo sereno e sem sinal de vento no céu.”
“Vós respondestes bem, mas não
totalmente. Na perturbação do coração, Deus não fala. É verdade, mas não são
necessárias as harpas para acalmar o coração. Basta ter a caridade, que é a
harpa espiritual, e que dá notas de paraíso. Quando uma alma vive na caridade,
tem o coração calmo, ouve a voz de Deus, e a compreende.”
“Então
Eliseu não tinha caridade, porque estava perturbado!”
“Eliseu é do tempo da justiça. É
necessário saber transportar para o tempo da caridade os episódios antigos, e
vê-los, não à luz dos fulgores, mas à luz dos astros. Vós sois dos tempos
novos. Por que então, tão frequentemente vós estais mais iracundos e
perturbados do que os do tempo antigo? Despojai-vos do passado. Eu o repito,
mesmo que Judas não goste de ouvir repetição. Extirpai, podai, enxertai,
cultivai plantas novas. Renovai-vos, cavai as fossas da humildade, da
obediência, da fé. Aqueles reis assim souberam fazer, e eram dois contra um,
não de Judá, e não deram ouvidos a Deus, mas sim ao profeta de Deus, que
repetia quais eram as vontades do Altíssimo. Eles teriam morrido de sede no
tempo daquela seca, se não tivessem sabido obedecer. Obedeceram, e as águas
encheram as fossas cavadas, e eles, não somente ficaram livres da sede, mas
venceram os inimigos.
Eu sou a Água de Vida. Cavai fossas nos
vossos corações, para poderdes receber-Me. E agora escutai. Eu não faço longos
discursos. Eu vos dou umas sentenças para que nelas mediteis. Vós sereis sempre
como estes meninos, e até menos do que eles, porque eles são inocentes, e vós
não o sois, e é por isso que é mais fosca em vós a luz espiritual, se não vos
habituardes a meditar. Vós escutais sempre, mas não o conservais, porque a
vossa inteligência está dormindo em vez de estar em atividade.
... Tenho ainda uma coisa a perguntar.
É esta: Qual o significado que tem para vós a farinha que tira o amargor da
sopa dos filhos dos profetas?
A
resposta a esta pergunta foi um profundo silêncio.
E então. Não sabeis responder?
“Talvez
porque a farinha absorve o amargor”, diz duvidoso Mateus.
“Tu
teria ficado amargo, a farinha também”
“Por
um milagre do profeta, que não queria envergonhar o seu servo”, sugere Filipe.
Também, mas não só por isso.
“O
Senhor quis fazer brilhar o poder do profeta, até nas coisas materiais comuns”,
diz Zelotes.
Sim, mas não é ainda o sentido justo.
As vidas dos profetas antecipam o que depois haverá, quando chegar a plenitude
do tempo, o meu. Elas reproduzem o meu dia nesta Terra, sob a forma de símbolo
e figuras. Portanto...
Silêncio.
Olhan-se uns para os outros. Depois João inclina a cabeça, fica com um rosto
brilhante, e sorri.
Por que é que não dizes o teu
pensamento, João? Interroga-o
Jesus.
Não é falta de amor falar, porque não o
fazes para humilhar a ninguém.
“Penso
que queria dizer o seguinte. Que no tempo da fome da verdade e da carestia da
sabedoria, que é este no qual Tu vieste, todas as árvores se tornaram
selvagens, e deram frutos amargos, intragáveis e tóxicos para os filhos dos
homens, e que assim sendo, deixam de ser usadas por eles, pois precisam ser
preparadas para poderem ser usadas. Mas a Bondade te mandou como farinha de
trigo escolhido, e Tu, com tua perfeição, tiras o veneno de todos os alimentos,
tornando-os novamente bons, e as árvores das Escrituras, que os séculos
desnaturaram e também os gostos dos homens que a concupiscência corrompeu.
Nesse caso, aquele que manda levar-lhe a farinha e a louça no caldeirão é o teu
Pai, e Tu és a farinha, que se santifica para fazer-se alimento dos homens. E,
depois Tu terás restabelecido a amizade com Deus. Posso ter errado.”
Não erraste, este é o símbolo.
“Oh!
E como fizeste para pensar nisso?” Pergunta pasmado Pedro.
E Jesus
lhe responde:
Eu to digo, com as mesmas palavras que dissestes, há pouco. Um belo salto por
sobre a ilha pacífica e florida da espiritualidade, mas é necessário ter a
coragem de dar o salto, abandonando a margem, o mundo. Saltar sem ficar
pensando se há alguém que pode rir-se de nosso salto meio indeciso, ou zombando
de nós pela nossa simplicidade em gostar mais de uma ilhazinha solitária do que
do mundo. É preciso saltar sem o medo de ferir-se ou de molhar-se, ou de ficar
desiludidos. Deixai tudo, para refugiar-vos em Deus. Ir colocar-se sobre a ilha
separada do mundo, e de lá sair-se unicamente para distribuir aos que ficaram
nas margens as flores e águas puras apanhadas na ilha do espírito, onde só
existe uma árvore: a árvore da Sabedoria. Estando perto dela e longe dos
fragores do mundo, compreende-se todas as palavras, e nos tornamos mestres, se
soubermos ser discípulos. Isto também é um símbolo.
Mas agora contaremos uma bela parábola
aos pequeninos. Vinde cá, bem para perto de Mim.
Os três
meninos vão tão para perto de Jesus, que chegam a sentar-se precisamente em
suas pernas. Jesus os toma nos braços, e começa a narrar:
Um dia o Senhor Deus disse: Irei fazer
o homem, e o homem viverá no Paraíso Terrestre, onde está o grande rio, que
depois se divide em quatro, e que são: o Fison, o Geon, o Eufrates e o Tigre,
que percorrem a terra. E o homem será feliz, tendo todas as belezas e bondades
da Natureza e o meu amor para alegria do seu espírito. E assim fez. Era como se
o homem estivesse em uma grande ilha, mas ainda mais florida do que esta e com
plantas de todas as espécies e com todos os animais. E que acima dele estivesse
o amor de Deus, a fazer de sol para sua alma, e a voz de Deus estava nos
ventos, mais melodiosa do que o canto dos passarinhos.
Mas aconteceu que nesta bela ilha
florida, por entre todos os animais e plantas, entrou, arrastando-se, uma
serpente, diferente daquelas que haviam sido criadas por Deus, e que eram todas
sem terem veneno nos dentes, nem ferocidade nas espirais de um corpo flexível.
Além disso, aquela serpente se havia vestido com uma pele com as cores das
pedras preciosas que outras tinham, e até se fizera mais bonita do que elas,
chegando até a parecer um grande colar de rei, que estivesse pulando por entre
as esplêndidas árvores do jardim. Ela foi enroscar-se ao redor de uma árvore,
que se erguia no meio do jardim, uma árvore bonita, solitária, muito mais alta
do que esta, coberta de folhas e de frutos maravilhosos. E a serpente parecia
uma joia, ao redor da bela árvore, que cintilava ao sol, e todos os animais
olhavam para ela. Porque eles a olhavam? Porque nenhum deles se lembrava de
terem visto Deus criá-la, nem de tê-la visto antes. Mas ninguém se aproximava
dela, pelo contrário, todos se afastavam da árvore que tinha a serpente ao
redor de seu tronco.
Somente o homem e a mulher é que se
aproximaram de lá, a mulher antes do homem, porque lhe agradava aquela coisa
que Luzia, que brilhava ao sol, e movia a cabeça, parecendo um flor ainda
entreaberta, e ouviu o que a serpente estava dizendo, e desobedeceu ao Senhor,
e fez que Adão lhe desobedecesse. Somente depois de terem desobedecido, é que
viram a serpente como ela era. E compreenderam o pecado, porque já tinham
perdido a inocência do coração. E foram esconder-se de Deus, que os estava
procurando, e ainda mentiram a Deus que os interrogava.
Então, Deus enviou anjos ás fronteiras
do jardim, e expulsou dele os homens. Foi como se os homens tivessem sido
jogados da margem segura do Éden aos rios da terra, cheios de água, como quando
chegaram as cheias da primavera. Mas Deus deixou ainda no fundo dos corações
dos expulsos a lembrança do seu destino eterno, isto é, da passagem pelo belo
jardim, onde ouviam a voz e o amor de Deus, no Paraíso, onde tinham, gozado de
Deus completamente, e, junto com essa lembrança, deixou-lhes o estímulo santo
de procurarem subir de novo para o lugar que haviam perdido, levando agora uma
vida de justiça.
Mas, meus meninos, vós o vistes, há
pouco como, enquanto a barca vai descendo, é fácil o seu caminho, ao passo que,
quando ela tem que subir, sente-se cansada e com dificuldade até só para
flutuar, para não ser revirada pela onda, e para não naufragar por entre as
ervas, as areias ou pedras do fundo do rio. Se Simão Pedro não tivesse amarrado
as vossas barquinhas com os juncos finos da margem, vós teríeis perdido todos,
assim como aconteceu ao Isa que, por ter deixado o junco ir-se embora.
O mesmo acontece com os homens jogados
sobre as correntes desta terra. Eles precisam estar sempre nas mãos de Deus,
entregando suas vontades, como se fez com o junco, as mãos do bom Pai que está
nos Céus, e que é Pai de todos, especialmente dos inocentes, e devem ter os
olhos vigilantes a fim de evitar as ervas e tropeços, as pedras e redemoinhos e
lama que poderiam impedir-lhes a passagem, ou engolir a barca de sua alma,
arrancando o fio da vontade que os conserva unidos a Deus. Porque a Serpente,
que não está mais no jardim, está agora sobre a terra, e procura somente isto:
fazer que naufraguem as almas, procura impedi-las de subir de novo pelo
Eufrates, o Tigre, o Geon e o Fison, para irem ao Grande Rio que corre no
Paraíso Eterno e alimenta as árvores da Vida e da Salvação, que estão
carregadas com os frutos perenes, dos quais gozarão todos aqueles que souberem
subir de novo pela corrente para se reunirem com Deus e com os seus Anjos, sem
terem nunca mais de sofrer nada.
Pg.
469-474
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555 – LIÇÃO NOTURNA PARA SIMÃO PEDRO
SOBRE O PERDÃO DOS PECADOS E SOBRE A DOR DOS SANTOS E INOCENTES
Eu queria
dizer-te, Mestre... Sim, eu queria dizer-te que hoje Tu viste o que eu valho,
Eu apenas sou capaz de divertir uns pobres meninos, consolar uma velhinha,
fazer a paz entre dois pastores que estão discutindo por causa de uma ovelha
que apareceu com as mamas secas. Eu sou um pobre homem. Tão pobre, que não
entendo nem mesmo o que me explicas. Mas isso é outro assunto. Agora o que eu
queria era dizer-te que, justamente por isso, Tu me deixasses aqui. Eu aqui não
preciso ficar dando voltas, quando Tu não estás conosco. Eu não sou capaz de
fazer... Contenta-me, Senhor.
Pedro
fala com firmeza, mas conservando os olhares pregados sobre os rústicos
tijolos, já fragmentados do pavimento.
Olha para mim Simão, ordena-lhe Jesus.
E, tendo Pedro obedecido, Jesus fita nele profundamente e seus olhares, e pergunta:
Já disseste tudo? É esta toda a razão de estares ainda assim acordado? Será
esta a razão do teu pedido para que Eu te conserve aqui? Sê sincero, Simão. Não
é murmuração dizeres ao teu Mestre a outra parte do teu pensamento. É preciso
saber distinguir a palavra ociosa da palavra útil. É ociosa, e em geral no ócio
é que floresce o pecado, quando se fala dos defeitos dos outros com quem nada
pode fazer para corrigi-los. Nesse caso há simplesmente uma falta de caridade,
ainda que as coisas de que se falou seja, verdadeiras. Como também é falta de
caridade censurar mais ou menos asperamente, sem saber unir o conselho a
censura. Eu falo das censuras justas. As outras são injustas e são pecados
contra o próximo. Mas quando alguém vê o seu próximo pecar, e com isso sofre,
porque pecando ele ofende a Deus e causa prejuízo a sua própria alma, e sozinho
percebe que não é capaz de medir qual a gravidade do pecado do outro, e não se
sente com sabedoria para dizer-lhe palavras de conversão, e por isso se dirige
a um justo, a um sábio, e lhe revela sua dificuldade, nesse caso não é pecado,
porque suas confidências são para pôr fim a um escândalo e para salvar uma
alma. É como o caso de alguém que tivesse um parente doente de uma doença
vergonhosa. É certo que ele procurará conservá-la escondida para o povo, mas,
em segredo, ele irá dizer ao médico: “Acho que o meu parente tem isso ou
aquilo, e eu não sei aconselhá-lo, nem curá-lo. Vem tu vê-lo, ou então dizer-me
que é que eu devo fazer.” Será que ele falta com o amor para com o seu parente?
Não. Pelo contrário. Ele cometeria uma falta, se fingisse não saber que a
doença era, e a deixasse agravar-se mais, levando-o á morte, por um sentimento
mal entendido de prudência e de amor. Um dia, e não é daqui a muitos anos, tu,
e contigo os teus companheiros, devereis ouvir as confidências dos corações.
Não como as ouvis agora dos homens, mas como sacerdotes, isto é, como Médicos,
Mestres e Pastores das almas, assim como Eu sou Médico, Mestre e Pastor.
Devereis ouvir, decidir e aconselhar. O vosso juízo terá valor, como se o
próprio Deus o houvesse pronunciado.
Pedro se
afasta de Jesus, que o tinha seguro e apertado a seu lado, e, levantando-se,
diz: Isso não é possível, Senhor. Isso não no-lo imponhas nunca. Como poderemos
julgar como Deus, se não sabemos julgar nem como homens?
Mas depois sabereis, porque o Espírito
de Deus pairará sobre vós e penetrará em vós com suas luzes. Sabereis julgar
considerando as sete condições dos fatos que vos serão propostos, para dardes
conselho ou perdão. Escuta bem e procura lembrar-te delas com a tua
inteligência, pois que Deus ta deu para que tu te sirvas dela sem preguiça nem
presunções espirituais, que nos possam levar a esperar, e no meu lugar e
fazendo as minhas vezes, e quando um fiel meu chorar aos teus pés as suas
perturbações por ações próprias dele ou por ações de outros, tu deverás ter
sempre este setenário de interrogações.
Quem? Quem foi que pecou? Que foi? Qual
foi a matéria do pecado? Onde foi? Em que lugar? Como foi? Em que circunstância
com que ou com quem? Com que instrumento ou que tipo de pessoa? Por quê? Quais
foram os estímulos que criaram o ambiente favorável ao pecado? Quando? Em que
condições e reações ou acontecimentos acidentais ou por algum mau hábito
adquirido?
Porque, vê bem, Simão: uma mesma culpa
pode ter infinitas esfumaturas ou graus, conforme todas as circunstâncias que a
criaram e os indivíduos que a cometeram. Por exemplo... Tomemos em consideração
dois pecados, que são os mais praticados: o da concupiscência da carne ou da
concupiscência das riquezas.
Uma pessoa pecou por luxúria, ou acha
que pecou por luxúria. Porque ás vezes o homem confunde o pecado com a
tentação, ou então julga serem iguais o estímulo artificialmente criado por um
apetite doentio, e iguais aqueles pensamentos que surgem pela reflexão sobre o
sofrimento da doença, ou também porque a carne e o sangue algumas vezes têm
vozes repentinas, que chegam á mente antes que ela tenha tido tempo de pôr-se
em guarda para sufocá-las. Essa pessoa vem a ti e te diz: “Eu pequei por
luxúria”. Um sacerdote imperfeito diria: “Maldição sobre ti!” Mas tu, meu
Pedro, não deves dizer assim. Porque tu és Pedro de Jesus, és o sucessor da
misericórdia. E, então antes de condenações, deves considerar, e tocar, suave e
prudentemente, o coração que está diante de ti chorando, para saber todos os
lados da culpa, ou da suposta culpa, do escrúpulo.
Eu disse: suave e prudentemente.
Lembra-te de que, além de Mestre e Pastor, és Médico. Médico não contamina as
chagas. Ele está pronto para cortar, se houver gangrena, mas também sabe
descobrir e tratar, com mão leve, se for somente uma ferida, com a dilaceração
das partes vivas, que devem ficar reunidas, e não ser arrancadas. E lembra-te
de que, além de Médico e Pastor, és Mestre. Um mestre regula suas palavras,
conforme a idade de seus discípulos. Seria um escândalo o pedagogo que ás
crianças pequenas revelasse leis animais que os inocentes ignoravam,
transmitindo-lhes assim conhecimentos e malícias precoces. Também no trato com
as almas é necessário ter prudência ao interrogar. É preciso respeitar-se e
respeitar. Ser-te-á fácil se em cada alma vires um teu filho. O pai é, por
natureza, médico, mestre e guia dos seus filhos. Por isso seja qual for a
pessoa que estiver a tua frente, perturbada pela culpa, ou pelo temor da culpa,
ama-a com um amor paterno, e saberás julgar sem ferir e sem escandalizar. Tu me
acompanhas?
Sim,
Mestre. Estou entendendo muito bem. Deverei tomar cuidado a ser paciente. Saber
persuadir para descobrir as feridas, mas tomar cuidado comigo mesmo, sem atrair
os olhos dos outros sobre elas, e só mesmo quando eu vir que há uma ferida, é
que poderei dizer” Estás vendo? Fizeste mal a ti mesmo, neste e naquele ponto.”
Mas, se eu vejo que o penitente somente tem medo de estar ferido por ter visto
fantasmas, nesse caso... Basta soprar de cima dele as névoas, sem se deter em
explicações, pois esse seria um zelo inútil, que há de ser usado, quando há
verdadeiros sinais de culpa. Será que falei bem?
Muito bem. Portanto, se alguém te
disser: “Eu pequei por luxúria.”, considera quem está a sua frente. É verdade
que o pecado pode aparecer em qualquer idade. Mas será mais fácil encontrá-lo
em um adulto do que em um menino, e diferentes também por isso hão de ser as
interrogações a serem feitas, e as respostas que hão de ser dadas a um homem,
ou a um menino. A primeira interrogação se faça em seguida, a segunda sobre a
matéria do pecado, a terceira sobre o lugar do pecado, a quarta sobre as
circunstâncias do pecado, e a quinta sobre quem foi cúmplice do pecado, a sexta
sobre o porquê do pecado, a sétima sobre o tempo e o número de vezes do pecado.
Verás que geralmente, enquanto para um
adulto, adulto vivo neste mundo, a cada pergunta irá aparecendo uma
circunstância que mostrará uma verdadeira culpa, para as pessoas que são
crianças pela idade e pelo espírito, a muitas perguntas deverás responder:
“Aqui há umas fumaças, mas não uma substância de culpa.” Poderás até enxergar,
em lugar de arma, algum lírio que esteja tremendo pelo medo de ficar salpicado
de barro, e confundindo a gota de água que caiu sobre o seu cálice com um
borrifo de barro. Há almas tão desejosas do Céu, que temem como uma mancha até
a sombra de uma nuvem que, colocando-se entre elas e o sol, mas que passam
depois sem deixarem sinal de sua passagem sobre a cândida corola. São almas tão
inocentes, e tão desejosas de sê-lo, são essas que Satanás espanta com
tentações mentais, ou estimulando os desejos da carne, ou até a própria carne,
ao aproveitar-se das doenças da carne. Essas almas ficam consoladas e ajudadas,
porque já não são pecadoras, mas mártires. Lembra-te disso sempre.
E lembra-te de julgar também a quem
pecou por avidez de riquezas ou das coisas dos outros, seguindo o mesmo método.
Porque, se é uma culpa maldita ser ávidos sem necessidade, e sem piedade,
roubando do pobre, ou contra a justiça, vexando os cidadãos, os servos, ou os
do povo, menos grave, muito menos grave é a culpa de quem, ao ter-lhe sido
negado um pão de seu próximo, o rouba, para matar a fome de si mesmo ou de seus
filhos. Lembra-te de que, tanto para o luxurioso, como para o ladrão, há uma
medida com a qual se haverá de julgar: o número, as circunstâncias e a
gravidade da culpa, também há uma medida no julgar o conhecimento, da parte do
pecador, do pecado que ele cometeu, do momento em que o cometeu. Porque se
alguém age com a plena consciência, esse peca mais do que quem o faz por
ignorância. E quem o faz com pleno conhecimento e consentimento da vontade,
peca mais do que quem o faz forçado. Em verdade, Eu te digo que as vezes haverá
fatos com aparência de pecado, e que serão um martírio, e terão o prêmio que é
dado a quem sofreu o martírio.
E lembra-te, acima de tudo, que em
todos os casos, antes de condenar, deverás lembrar-te de que tu também foste
homem e que o teu Mestre, que ninguém pôde achar pecado, nunca condenou a
ninguém que se houvesse arrependido do seu pecado. Perdoa setenta vezes sete, e
até setenta vezes setenta os pecados dos teus irmãos e dos teus filhos. Porque
fechar as portas da Salvação para o doente, só porque ele recaiu na doença, é
querer fazer que ele morra. Compreendeste?
Pg.
477-481
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261.1 .
9 - VOLUME 9
556 – UM OUTRO SÁBADO EM EFRAIM.
INSENSIBILIDADES DE JUDAS ISCARIOTES.DISCURSO AOS SAMARITANOS SOBRE O TEMPO
NOVO
Jesus
fala:
“Quando os hebreus foram mandados de
volta para sua pátria por Ciro, rei dos Persas, para que reedificassem o Templo
de Salomão destruído cinco decênios antes, foi construído o altar sobre suas
bases e sobre ele foi queimado o holocausto cada dia, pela manhã e pela tarde,
e também o extraordinário do primeiro dia de cada mês e os das solenidades
consagradas ao Senhor, ou os holocaustos feitos por ofertas individuais.
Depois, em seguida, a primícia indispensável e necessária do culto, e puseram
mãos ao trabalho, no segundo ano depois da volta, no ponto que se poderia
chamar a cornija do culto, porque feita para honrar o Eterno, mas que não era
indispensável, porque o culto de Deus é amor a Deus, e o amor se sente e se
cumpre com o coração e não propriamente com pedras esquadrejadas, com madeiras
preciosas, com ouros e perfumes. Tudo isso é exterioridade, que se faz para
satisfazer o próprio orgulho nacional ou dos cidadãos daquela cidade, do que
para honrar o Senhor.
Deus quer um Templo espiritual. Ele não
se satisfaz com um templo que tenha muros e mármores e que seja vazio de
espíritos cheios de amor. Em verdade vos digo que o templo de um coração limpo
e amoroso é o único que Deus ama e no qual faz sua morada com as suas luzes, e
que são estultas as contendas que conservam separadas as regiões e as cidades,
quando ás belezas de cada um dos lugares de oração. Para que se rivalizam em riquezas
e ornamentação as casas onde se invoca a Deus? Por acaso, poderá o finito fazer
desaparecer o Infinito, ainda que fosse um finito dez vezes mais bonito do que
o Templo de Salomão e do que todos os palácios reais reunidos? Deus o infinito,
não pode ser contido e honrado por nenhum espaço e por nenhuma ostentação
material, mas encontra o único lugar digno de honrá-lo, como convém e deve ser,
e que Ele quer que seja, no coração do homem, porque o espírito do justo é um
templo sobre o qual paira por entre os perfumes do amor, o Espírito de Deus, e
será um templo no qual o Espírito fará realmente morada, Uno e Trino como está
no Céu.
E está escrito que, mal os pedreiros
acabaram de lançar os fundamentos do Templo, foram os sacerdotes com os seus
ornamentos e com as trompas, e os levitas com os címbalos, segundo as
ordenações de Davi. E cantaram dizendo: “Que Deus seja louvado, porque Ele é
bom, e sua misericórdia permaneça para sempre.” E o povo exultava. Mas muitos
sacerdotes, chefes, levitas e anciãos observaram atentamente, pensando no
Templo que havia antes e, contudo, não se podiam distinguir as vozes de pranto
das vozes de júbilo, tal era o modo como elas se misturavam. Mas ainda se lê
que foram os povos visinhos que molestaram aqueles que estavam construindo o
Templo para se vingarem, porque os construtores os haviam rejeitado, quando
eles se haviam oferecido para ajudarem a construir, pois eles também procuravam
o Deus de Israel, o Deus Único e Verdadeiro. E aqueles desentendimentos
interromperam o andamento dos trabalhos, até que a Deus não agradou mais
deixá-los prosseguir no trabalho. Isto se lê no livro de Esdras.
Quantas e que lições nos dá a passagem
a que Eu me referi! Estas, além daquela que já citei sobre a necessidade de que
o culto seja sentido pelo coração, e não feito somente pelas pedras e o
madeiramento, ou, então, pelas vestes, os címbalos e cantos dos quais está
ausente o espírito. Porque a falta de um amor recíproco é sempre a causa de
atraso e perturbação, mesmo quando se trata de uma finalidade boa em si mesma.
Deus não está onde não há caridade. É inútil procurar a Deus, se antes não nos
pomos na condição de podê-lo encontrar. Deus se encontra na caridade, Aquele ou
aqueles que se firmam na caridade encontram a Deus, mesmo sem precisarem para
isso de fazer nenhuma busca difícil. E quem tem Deus consigo sai-se bem em
qualquer empreendimento.
No salmo que nasceu do coração de um
sábio, depois da meditação sobre os penosos acontecimentos que acompanharam a
reconstrução do Templo e dos muros, está dito assim: “Se o Senhor não edificar
a casa, em vão se afadigam em seu trabalho os construtores. Se o Senhor não
vela sobre a cidade, em vão velarão sobre ela os seus defensores.”
Ora, como é que pode Deus estar
edificando a casa, se Ele sabe que os moradores dela não o têm no coração,
porque não tem amor aos vizinhos? Por acaso será útil, ó povos, estar separados
pelas barreiras do ódio? Isto vos terá tornado maiores? Mais ricos? Mais
felizes? Nunca é útil o ódio, nem o rancor, nem é forte quem fica sozinho,
nunca é amado quem não ama. E não adiante como diz o salmo, querer levantar-se
antes da aurora, para se tornarem grandes, ricos, e felizes. Tome cada um o
repouso como um conforto para as dores da vida, pois o sono é um dom de Deus,
assim como também o é a luz e todas as outras coisas boas que Deus deu ao
homem. Tome cada um o seu repouso, mas tenha durante o sono, e durante a
vigília, por sua companheira a caridade, e suas obras prosperarão, e sobretudo
prosperará o seu espírito, e ele conquistará a coroa real dos filhos do
Altíssimo e dos herdeiros do seu Reino.
Dizem que, enquanto os homens cantavam
hosanas, alguns choravam muito, porque pensavam em seu passado, e tinham
saudades dele. Mas não seria possível separar as diferentes vozes, no meio
daquele tumulto e dos gritos.
Filhos de Samaria! E vós, meus
apóstolos, filhos da Judéia e da Galiléia! Também hoje ainda há quem cante
louvores e quem chore, enquanto surge o novo Templo de Deus sobre os
fundamentos eternos. Também agora há quem cria obstáculos aos trabalhos e quem
procura a Deus onde Ele não está. Também agora há quem queira edificar segundo
a ordem de Ciro, e não segundo a ordem de Deus, segundo a ordem do mundo, e não
segundo as vozes do espírito. E também agora há quem chore, como uma tola e
humana saudade de um passado inferior, de um passado que não foi bom nem sábio,
a tal ponto que até provocou a ira de Deus. Também agora temos todas essas
coisas, como se sempre estivéssemos na nebulosidade dos tempos remotos, e não
ainda na luz do tempo da Luz.
Abri o vosso coração para a Luz,
enchei-vos de Luz, para verdes, vós, pelo menos vós, aos quais Eu, que sou Luz,
estou falando. Estamos no tempo novo. Nele tudo se edifica de novo. Mas, ai
daqueles que não quiserem entrar nele e puserem obstáculos aos que edificam o
Templo da nova fé, e do qual Eu sou a Pedra angular, e ao qual também Eu me
darei todo a Mim mesmo, para servir de argamassa entre as pedras e o edifício,
para surgir Santo e forte, e admirável através dos séculos, tão vasto como a
Terra, que ficará toda coberta por Luz. Eu digo Luz, não sombra, porque o meu
Templo será de espíritos, e não de materiais opacos. Pedra para isso serei Eu,
com o meu Espírito Eterno, e pedras também, serão todos os que irão seguir a
minha palavra e a nova fé, pedras incorpóreas, pedras acesas, pedras santas. E
a Luz se estenderá por toda a terra, a luz do novo Templo, e o cobrirá de
sabedoria e santidade. E fora ficarão somente aqueles que, com um pranto
impuro, chorarão com saudade do passado, porque ele era para eles uma fonte de
vantagens e de honras humanas apenas.
Abri-vos ao tempo e ao Templo novo, ó
homens de Samaria! Neles tudo é novo, e as antigas separações e confins
materiais, os de pensamento e espírito, nada disso existirá mais. Cantai, então
porque o exílio dos que estão fora da cidade de Deus está para terminar. Será
que gostais de ficar como uns exilados, como uns leprosos, para os outros de
Israel? Será que gostais de ver-vos como uns expulsos do seio de Deus? Porque
isso vós percebeis, as vossas almas o sentem, as vossas pobres almas,
constrangidas nesses vossos corpos, e sobre as quais fazem dominar o vosso
pensamento obstinado, que não quer dizer aos outros homens: “Nós erramos, mas,
como umas ovelhas dispersas, agora voltamos ao ovil.” Mas vós não quereis dizer
isso aos outros homens, e isso já fica mal. Pelo menos, que queirais dizê-lo a
Deus. Mesmo se vos sufocais o grito de vossa alma, Deus está ouvindo o gemido
de vossa alma, que está infeliz por estar fora da casa do Pai Universal e
Santíssimo.
Escutai a palavra do Salmo gradual. Bem
que vós sois uns peregrinos que, há séculos, vindes andando rumo à cidade, rumo
á verdadeira Jerusalém, á Celeste. De lá do Céu, foi de lá que vossas almas
desceram para animarem uma carne, e para lá não é que elas suspiram por voltar?
Porque quereis sacrificar as vossas almas, e desertá-las do Reino? Que culpa
têm elas por terem descido em carnes concebidas em Samaria? Elas vêm de um
único Pai. Elas têm o mesmo criador que têm as almas da Judéia e da Galiléia,
da Fenícia e da Decápole. Deus é o fim de todo espírito. Todo espírito tende
para este Deus, mesmo quando idolatrias de todas as espécies, ou heresias
funestas, ou cismas, ou a falta de fé o mantém em uma ignorância do Deus
Verdadeiro, que seria absoluta, se a alma não tivesse indelével em si uma
lembrança embrionária da verdade, e um constante desejo dela. Oh! Fazei crescer
esta lembrança e esse desejo.
Abri as portas para vossa alma. Que a
luz entre! Que entre a vida! Que entre a verdade! Que se abra o caminho! Que
tudo isso entre, em fluxos luminosos e vitais, como os raios de sol, como as
ondas, como os ventos dos equinócios, para fazer crescer do embrião a planta,
que se projeta para o alto, sempre para mais perto de seu Senhor. Saí do exílio!
Cantai comigo! Quando o Senhor a faz voltar do cativeiro, a alma parece sonhar
de alegria! Enche-se de sorrisos a nossa boca, e a nossa língua de júbilo. E,
então, se dirá: “O Senhor fez grandes coisas por nós.” Sim. O Senhor fez
grandes coisas por vós, e vós ficareis inundados de alegria.
Oh! Pai meu! Por estes Eu te peço, como
por todos. Faze, ó Senhor, que voltem estes vossos prisioneiros, estes que, por
Ti e por Mim, estão presos nas correntes do erro obstinado. Reconduze-os, ó
Pai, como a torrente que se lança no grande rio, no grande mar da tua
misericórdia e da tua paz. Eu e os meus servos, com lágrimas semeamos neles a
tua verdade. Pai, faze que no tempo da grande messe, nós possamos, nós, todos
os teus servos, ao ensinar a tua verdade, colher com alegria, por entre sulcos,
que agora ainda parecem estar cheios de espinheiros e ervas venenosas, o trigo
escolhido para os teus celeiros.
Pai! Pai! Pelas nossas fadigas e
lágrimas e dores, e suores, e mortes, que foram e serão nossos companheiros,
faze que se possa ir a Ti, levando como feixes as primícias deste povo, as
almas renascidas para a Justiça e a Verdade, para gloria Tua. Amém.
Pg.13-17
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558 – COM A COMITIVA QUE RETORNA A
SIQUÉM. PARÁBOLA DA GOTA QUE ESCAVA A ROCHA
Jesus
fala com os Siquemitas, ou escuta o que eles estão falando. É evidente que os
samaritanos estão orgulhosos por terem em seu meio o Mestre, e estão sonhando
mais do que convém. Chegam ao ponto de dizerem a Jesus, mostrando os altos
montes, que ficam á esquerda de quem está indo para o norte: “Estás vendo? É
feia a fama que tem o Rebal e o Garizim. Mas eles, pelo menos para Ti, são
muito melhores do que Sião. E o seriam totalmente, se Tu o quisesses,
escolhendo-os para a tua morada. Sião é sempre um esconderijo para os Jebuseus.
E os de agora são para Ti ainda mais inimigos do que os antigos para Davi. Ele,
tendo feito uso da violência, tomou a cidadela. Mas Tu, que não usas violência,
lá não reinarás. Nunca. Fica conosco, Senhor, e nós te honraremos.”
Jesus
lhes responde: “Dizei-me: ter-me-íeis amado se, com violência Eu vos
tivesse querido conquistar?
Na
verdade, não. Nós te amamos mesmo, mas porque és todo amor.
Então por ele, isto é, pelo amor, Eu
reino em vossos corações?
Assim é,
Mestre. Mas é porque nós escolhemos o teu amor. Eles, os de Jerusalém, não te
amam.
É verdade. Eles não me amam. Mas, vós
que tendes todos muita experiência no comércio dizei-me: quando quereis vender,
adquirir ou ganhar, será que ficais desanimados porque em certos lugares não
vos amam, ou fazeis tranquilamente o que tendes que fazer, preocupando-vos
somente em fazer boas compras e boas vendas, sem ficardes preocupados em pensar
se o dinheiro que ganhais é um dinheiro sem amor por parte daqueles de quem
comprastes ou a quem vendestes?
É só com
o negócio que nos preocupamos. Pouco nos importa se para isso falta o amor
daquele com quem negociamos. E, terminando o negócio, termina também o nosso
relacionamento. Fizemos um bom negócio... e o resto não tem valor.
Pois bem. Eu também, que vim para
tratar dos negócios de meu Pai, só devo preocupar-me com isso. Agora, se lá
onde Eu trato deles Eu encontro amor ou desprezo, ou aspereza, isso não me
preocupa. Em uma cidade comercial não é com todos que se obtém ganhos e se
fazem boas compras e boas vendas. Mas, mesmo quando só se faz um bom negócio
com um bom ganho, dizemos que nossa viagem não foi inútil, e lá voltamos
repetidas vezes. Porque o que não se obtiver só com um na primeira vez, vai-se
obter com três na segunda, com sete na quarta e com dez mais dez nas outras.
Não é assim? Eu também, a fim de conquistar pessoas para o Céu, faço como vós
em vossas feiras. Eu insisto, continuo, acho que já é bastante até o que é
pequeno, no número, no tamanho, porque até uma só alma, se for salva, já é uma
grande coisa e uma grande compensação para o meu cansaço.
Cada vez que Eu vou lá, e consigo
vencer todo tipo de reações do homem, até conquistar, como Rei do espírito,
ainda que seja apenas um súdito, não, Eu não digo que foi inútil a minha viagem,
inúteis as minhas dores, inúteis os meus cansaços. Mas Eu digo que foram bons,
amáveis e desejáveis os desprezos, as injúrias e acusações. E Eu não seria um
bom conquistador, se parasse diante dos obstáculos e das fortalezas de granito.
Mas te
seriam necessários muitos séculos para venceres tudo isso. Tu... és um homem.
Não viverás muitos séculos. Por quê ficas perdendo o teu tempo onde não te
desejam?
Eu viverei muito menos. Pelo contrário,
daqui a pouco não estarei entre vós, não verei mais auroras e o pôr do sol, que
são como os marcos miliários de dias que surgem e de dias que já se foram, mas
os contemplarei apenas como belezas naturais, e louvarei por elas o Criador que
as fez, e que é o meu Pai. Não verei mais florirem as plantas nem amadurecerem
as frutas, nem terei mais necessidade dos frutos da terra para conservar a
minha vida, porque, tendo voltado para o meu Reino, me nutrirei com o amor. E,
no entanto, Eu abaterei essas muitas fortalezas fechadas, que são os corações
dos homens. Observai aquela pedra ali, por baixo daquela nascente, do lado do
monte.
A nascente é muito fraca, parece, até
que não escorre, mas que somente pinga: é uma gota que cai, talvez há séculos,
sobre aquela rocha que se lança para fora do lado da montanha. E a pedra é
muito dura. Não é um calcário quebradiço, nem um macio alabastro, mas um
basalto duríssimo. E, no entanto, olhai como no centro do penhasco convexo, e que
não obstante seja ele assim, se tenha formado um pequenino espelho de água, não
mais largo do que o cálice de um nenúfar, mas suficiente para refletir o céu
azul e matar a sede dos passarinhos. Aquela convexidade do penhasco talvez
tenha sido feita pelo homem, para fazer aparecer uma pedra preciosa no centro
do penhasco escuro, ou uma taça de refrigerante para os passarinhos? Não. O
homem não se ocupou com isso. Talvez nos muitos séculos em que os homens vieram
passando pela frente deste penhasco, uma gota, há séculos tenha vindo
escavando, com um sincopado, inexorável trabalho – e somos nós os primeiros que
o observamos – este basalto negro, com sua turquesa líquida no centro, e
admiramos sua beleza, e louvamos o Eterno, por tê-la querido para delícia dos
nossos olhos e refrigério para os passarinhos que fazem seus ninhos aqui por
perto.
Mas dizei-me uma coisa. Terá sido
talvez a primeira gota, que brotou por baixo da grande cornija basáltica, que
está sobreposta ao penhasco, e que cai daquela altura sobre esta rocha, a que
escavou a taça para refletir o céu, o sol, as nuvens e as estrelas? Não.
Milhões e milhões de gotas, uma depois da outra, se foram sucedendo, brotando
lá de cima como uma lágrima, e descendo com o seu brilho para bater sobre o
penhasco e, com uma nota de harpa, morrer sobre ele, e foram arranhando cada
vez, até uma profundidade quase nula, pelo tanto que o material era duro. E
assim, durante séculos, com um movimento como o da areia em uma clepsidra
marcando o tempo: há tantas gotas por hora, tantas na duração, de uma vigília,
tantas entre aurora e, o pôr do sol, tantas durante o dia, tantas de um sábado
até o outro, tantas de uma lua nova a outra, de um Nisã a outro, e de um século
a outro. Resistente o penhasco, persistente a gota.
O homem que é soberbo, e por isso
impaciente e ocioso, joga para um lado o macete e a goiva, depois das primeiras
batidas, dizendo: “Isso não se pode escavar.” Mas a gota escavou. E era isso
que ela tinha que fazer. Para isso ela foi criada. E gemeu, soltando uma gota
atrás da outra, durante séculos, até escavar o penhasco. E depois não ficou
parada, dizendo: “Agora que o céu se preocupe com o trabalho de encher a taça,
que eu escavei, com seus orvalhos e chuvas, com suas geadas e neves.” Mas
continuou a cair, e ela sozinha enche a minúscula taça nos calores do verão,
nos rigores do inverno, enquanto as chuvas, violentas ou mansas, enrugam o
espelho, mas não podem nem embelezá-lo, nem alargá-lo, nem torná-lo mais fundo,
mas ele já está cheio, é útil e belo. A nascente sabe que suas filhas, as
gotas, vão morrer lá na pequena bacia, mas não as detém, e sim, as empurra para
o seu sacrifício e, para que não fiquem sozinhas e tristes, manda-lhes novas
irmãs, a fim de que quem morrer não deixe o lugar da morta desocupado, mas seja
ocupado por outras.
Assim, Eu também, batendo uma primeira
vez e depois cem ou mil vezes nas fortalezas duras dos duros corações, e
perpetuando-me em meus sucessores, que Eu hei de enviar até o fim dos séculos,
abrirei nela muitas passagens, e a minha Lei entrará como um sol em todos os
lugares em que estiverem as criaturas. E, se depois elas não quiserem a Luz, e
fecharem as passagens que trabalhadores incansáveis tiverem aberto, Eu e meus
sucessores não teremos culpa disso, aos olhos do nosso Pai. Se aquela nascente
procurasse ir para outro caminho, ao perceber a dureza do penhasco, e tivesse
gotejado mais, lá onde o terreno é de ervas, dizei-me vós, que teríamos tido
aquela joia luminosa, e os passarinhos aquele limpo e cristalino alimento?
Ela não
seria nem vista, Mestre. Quando muito, um pouco de erva, mais viçoso até o
verão, e que mostraria o lugar onde a nascente gotejava. Ou, então... menos
ervas do que em outros lugares, porque murchariam, pela contínua umidade, as
raízes delas. E pela lama. Nada mais. Portanto, seria um gotejar inútil.
Assim o dissestes. É um gotejar inútil
e ocioso. Eu também, se tivesse que preferir unicamente os lugares onde os
corações estão dispostos a acolher-me, por justiça ou por simpatia, Eu faria um
trabalho imperfeito. Porque Eu trabalharia, isto sim, mas sem me cansar, com um
complacente compromisso entre o dever e o prazer. Não é pesado trabalhar onde o
amor nos ordena e onde o amor torna dóceis as almas que hão de ser trabalhadas.
Mas, se não há cansaço, não há merecimento, e não há muito ganho porque poucas
conquistas se fazem, se nos limitarmos só aquelas que são justas. Eu não
sentia, Eu, se não procurasse redimir, primeiro para a verdade, e depois para a
Graça todos os homens.
E achas
que conseguirás? Que mais poderás fazer, além de tudo o que já fizeste, para
persuadir os teus adversários a aceitar a tua palavra? Que mais? Se nem mesmo a
ressurreição do homem de Betânia valeu para que os judeus dissessem que Tu és o
Messias de Deus?
Eu tenho ainda alguma coisa a fazer,
uma coisa muito grande, muito maior do que as já feitas.
Quando
Senhor?
Quando a lua de Nisã estiver cheia.
Portanto, prestai atenção.
Pg.24-27
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560 – COLÓQUIO A NOITE COM JOSÉ DE
ARIMATÉIA, NICODEMUS E MANAÉM, PERTO DE GOFENÁ
“Mas Tu
dizes que é logo... Como? Mas Tu realmente vais ser imolado como um cordeiro.
Não é uma linguagem figurada a tua? Pois a vida de Israel é toda tecida com
símbolos e figuras?”
“E tu quererias que assim fosse comigo.
Mas a minha não é uma figura.”
“Não é.
Tens certeza disso? Eu poderia... Muitos de nós poderíamos repetir gestos
antigos e fazer de Ti o Messias ungido, e defender-te. Bastaria uma palavra e
aos milhares e dezenas de milhares surgiriam logo os defensores do verdadeiro
Pontífice santo e sábio. Não estou falando de um rei terreno, visto que agora
eu sei que o teu reino é todo espiritual. Mas, uma vez humanamente fortes e
livres não seremos nunca mais, pelo menos que seja a tua santidade que reja e
restitua a saúde ao corrompido Israel. Ninguém, e Tu sabes disso, ninguém ama o
atual sacerdócio, nem os que o sustém. Não o queres, Senhor? Dá tuas ordens, e
eu as cumprirei.”
“Já muito te tens adiantado em teu
pensamento, ó Manaém, mas ainda estás tão longe da meta, como a terra está do
sol. Eu serei Sacerdote, e para sempre. Pontífice imortal em um organismo que
Eu vivificarei até o fim dos séculos. Mas não será com óleo de alegria que Eu
serei ungido, nem proclamando e defendido com a violência de atos desejados por
um punhado de fiéis, para lanças a Pátria no mais feroz dos cismas, e torná-la
mais escrava do que como nunca foi. A verdadeira Autoridade, que me ungirá
Pontífice e Messias é a daquele que me mandou. Nenhum outro, a não ser Deus,
poderia ungir a Deus como Rei dos reis e Senhor dos senhores para sempre.”
“Então,
nada? Nada que fazer? Oh! Que dor!”
“Tudo. Amar-me. Nisto está tudo. Amar,
não a criatura que se chama Jesus, mas o que é Jesus. Amar-me com a humanidade
e com o espírito, assim como Eu, com o Espírito e a Humanidade vos amo, para
estardes comigo acima da Humanidade.
Olha que bela aurora. A luz pacífica
das estrelas não chegava até aqui dentro. Mas a luz triunfante do sol, sim.
Assim acontecerá com os corações daqueles que chegarem a amar-me com justiça.
Vem aqui fora. No silêncio do monte, livre de ficar ouvindo vozes humanas, já
roucas, devido aos seus interesses.
Olha lá aquelas águias como, em longos
voos, se afastam indo em busca de presas. Estamos vendo aquela presa? Não. Mas
elas sim. Porque o olho da águia é mais poderoso do que o nosso e, lá do alto
onde ela se move livremente, ela vê um grande horizonte, e sabe escolher o que
quer. Eu também. Eu vejo o que vós não vedes e, do alto onde paira o meu
espírito, Eu sei escolher as minhas agradáveis presas. Não para dilacerá-las,
como fazem os abutres e as águias, mas para levá-las comigo. E seremos muito
felizes lá no Reino de meu Pai, nós que nos amamos!”
E Jesus
que, falando, foi saindo para ir assentar-se ao sol, na entrada da caverna,
tendo a seu lado Manaém, e o puxa para Si, em silêncio, sorrindo, talvez por
alguma visão que está tendo...
Pg. 43-44
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561 – O SAFORIM SAMUEL, DE SICÁRIO A
DISCÍPULO
Jesus
está sozinho, e ainda na caverna. Um fogo está bem aceso, dando luz e calor. Um
forte cheiro de resinas e de ramos queimando se desprende e se espalha, por
entre estalidos e fagulhas, atravessando toda a caverna. Jesus se retirou dela
para o fundo, onde estão jogados os ramos secos. Ele está meditativo. A chama
está vacilante, e de vez em quando se abaixa, torna a avivar-se,
sucessivamente, com os sopros do vento, que passa voando pelo mato a fora, e
entra zumbindo pela caverna a dentro, a qual ressoa como uma buzina. Não é um
vento contínuo. Ele cessa, depois levanta-se de novo, como os fluxos das ondas
longas do mar. Quando ele assobia forte, as cinzas e as folhas secas são
soprados por entre o estreito corredor rochoso para o qual Jesus foi, na gruta
maior, e as chamas se abaixam todas a lamber o chão daquele lado, e depois,
tendo descido a onda do vento, de novo ele se levanta, lançando chispas e
tornando a brilhar diretas.
Jesus não
se preocupa com isso. Ele está meditando.
Depois,
ao zoar do vento se une o barulho da chuva que começa pingando, depois se torna
grossa e bate sobre a ramagem da mata. Um verdadeiro aguaceiro transforma
rapidamente os caminhos das encostas em pequenas torrentes rumorejantes. Agora
é a voz da água que predomina, pois o vento pouco a pouco vai-se calando. A
luz, muito duvidosa, de um crepúsculo tempestuoso, juntando-se á do fogo, que,
ao se acalmarem os ramos, cessa, fica avermelhado, mas não solta mais labaredas
e apenas clareia a caverna, e nos cantos a sombra já é completa. Jesus, vestido
de escuro como está, mal se pode ver. Com dificuldade pode ele também levantar
o rosto, que está inclinado sobre seus joelhos unidos, e dele só se vê uma
brancura por cima da parede escura.
Pelo
barulho de passos e de palavras proferidas com dificuldade, como as de quem
está cansado e extenuado, percebe-se que vem chegando alguém pelo caminho, do
lado de fora da gruta. Depois, vê-se uma sombra escura, pingando água desde
cima até em baixo, e que se apresenta na entrada.
O homem,
pois vê-se que é um homem, pela grande barba preta, solta um “oh!” de alívio, e
joga no chão o chapéu encharcado de água, sacode o manto, e diz para si mesmo:
“Hum! Uma boa sacudida, Samuel! Pareces ter caído na fossa de um pisoador! E as
sandálias? Viraram umas barcas. Barcas no fundo do rio! Eu estou molhado até na
pele! Olha só que córregos descem dos cabelos. Estou parecendo uma telha de
beiral quebrada, que deixa passar a água por mil buracos. Começamos bem. Será
que Belzebu armou mais uma das suas para defender-se? Huumm. O lugar é belo,
mas...”
Ele se
joga sentado sobre uma pedra perto do fogo que, quando as chamas já se
apagaram, está ainda vermelho nos tições, com aqueles desenhos estranhos, que
são o fim da vida da lenha queimada, e procura reavivar o fogo, soprando sobre
ele, tira as sandálias e procura enxugar os pés cheios de barro, com alguma
parte do manto, onde ele estiver menos molhado do que o resto. Mas ele tem que
se lavar com a água. Seu cansaço só serve para tirar o barro dos pés e passá-lo
para o manto.
E
continua o seu monólogo: “Malditos sejam eles e ele, e todos. Eu perdi até a
bolsa. É verdade. Ainda bem, que não perdi a vida... E é esta a estrada mais
segura, como me disseram. É, mas eles não viajam por ela! Se eu não tivesse
visto aquele fogo! Quem é que o teria acendido? Algum infeliz como eu. Mas,
onde estará ele agora? Ali estou vendo um buraco... Quem sabe, será uma outra
caverna, mas não serão ladrões? Ora... que bobo sou eu! Que é que ele vão tomar
de mim, se não tenho nem uma moedinha? Contudo, não importa, este fogo vale
mais do que um tesouro. Se eu pudesse ter um pouco de gravetos para acendê-lo
de novo? Eu tiraria as roupas e as enxugaria. Oh! É isto mesmo. Só tenho isto a
fazer, enquanto eu não voltar...”
Se queres gravetos, meu amigo, aqui
estão. Diz Jesus, sem se mover do seu lugar.
O homem
que estava de costas para Jesus, leva um susto, ao ouvir aquela voz imprevista,
põe-se de pé, e se volta. Parece estar amedrontado. “Quem és tu?”, pergunta
ele, pondo as mãos acima dos olhos, procurando enxergar melhor.
Sou um viandante como tu. Sou eu que
acendi o fogo, e estou contente por ter ele servido de guia. Jesus se aproxima com um feixe de lenha nos braços, e o
joga perto do fogo, dizendo: “Acende logo as chamas, antes que a cinza cubra tudo. Eu não
tenho isca, nem fuzil, pois quem mos emprestou foi-se embora, depois do pôr do
sol.” Jesus fala amigavelmente, mas não anda
para a frente, de modo que o fogo o ilumine. Pelo contrário, Ele continua em
seu canto, envolvido mais ainda em seu manto.
Enquanto
isso, o homem se inclina, põe-se a soprar com força sobre as folhas secas que
ele jogou no fogo, e fica assim ocupado, até que a chama surgiu de novo. Ele se
ri, jogando os gravetos, cada vez mais grossos, que formam de novo as
labaredas. Jesus tornou a ir sentar-se em seu lugar, e está observando.
Agora eu
deveria tirar minha roupa, para poder enxugá-la. É melhor estar nu, do que
ficar molhado assim. Mas nem isso eu consigo. Desmoronou uma das beiras da
gruta, e eu me vi debaixo de uma cascata de terriço e água. Olha só! Agora
estou bem arranjado! Olha rasguei até a veste. Que viagem maldita! Antes eu
tivesse transgredido o sábado! Mas não. Até o pôr do sol, eu fiquei firme.
Depois... E agora, como faço? Para salvar-me, deixei que lá se fosse a minha bolsa,
e a estas horas, ela já deverá estar lá no vale, ou enganchada em alguma moita,
e quem puder que saiba onde.
Aqui está a minha veste. Já está enxuta
e quente. Para mim basta o manto. Toma-o. Eu estou são. Não tenhas medo.
Está bem.
Tu é um amigo. Como irei agradecer-te?
Querendo-me bem, como a um irmão.
Querendo-te
bem, como a um irmão? Mas Tu não sabes quem eu sou. E se eu fosse um malvado,
quererias o meu amor?
Eu o quereria, para fazer-te bem.
O homem,
que é ainda jovem, e mais ou menos da idade de Jesus, inclina a cabeça,
meditando. Está com as vestes de Jesus nas mãos, mas nem o está vendo.
Maquinalmente ele as põe por sobre sua pele nua, pois ele havia tirado toda a
roupa, até as vestes de baixo. Jesus, que havia voltado para o seu canto, lhe pergunta:
Quando
foi que comeste?
Lá
pela sexta hora. Eu teria devido comer, quando eu chegasse ao povoado, lá no
vale. Mas eu perdi o caminho, a bolsa e o dinheiro.
Olha aqui. Eu tenho ainda algumas
sobras de comida. Deviam servir-me amanhã. Mas, toma-as. A Mim não é pesado o
jejum.
Mas, se
tens que caminhar, precisarás de forças.
Oh! Eu não vou longe. Só até Efraim...
Efraim?
És samaritano?
Ficas aborrecido com isso? Eu não sou
samaritano.
De fato o
teu sotaque é Galileu. Quem és Tu? Por que é que não descobres o teu rosto?
Tens que cobrir o rosto por seres culpado? Eu não te denunciarei.
Eu sou um viandante, como já disse
antes. O meu nome não te diria nada, ou te diria muito demais. E, afinal, que é
um nome? Quando Eu te ofereço uma veste para os teus membros gelados, um pão
para a tua fome, e sobretudo a minha piedade pelo teu bom coração, será que
tens a necessidade, para sentires o conforto de umas vestes enxutas, de
alimento e de afeto e de tudo isso, precisarás ainda saber qual o meu nome? Se
queres dar-me um nome, chama-me de “Piedade.” Não tenho nada de vergonhoso que
me obrigue a esconder-me. Mas não será por isso que tu deixarias de
denunciar-me. Porque o teu coração tem dentro dele um pensamento que não é bom.
E os maus pensamentos produzem como frutos as más ações.
O homem
toma um susto, e vai para perto de Jesus. Mas de Jesus ele só vê os olhos, e
assim mesmo cobertos com um véu, pois estão suas pálpebras abaixadas.
Come, come, meu amigo. Não há outra
coisa a fazer.
O homem
volta para perto do fogo, e vai comendo lentamente, sem falar. Está pensativo.
Jesus está como um novelo em seu cantinho. O homem vai ficando bem disposto,
pouco a pouco. O calor das chamas, o pão e a carne assada que Jesus lhe deu, o
tornam alegre. Ele se levanta, se espreguiça, estende o cordão, que era a sua
cinta de uma lasca da rocha até um gonzo enferrujado, quem sabe, fincado por
alguém lá dentro, e quando, e sobre ele estende também a veste, o manto e o
chapéu para enxugar, sacode as sandálias, e aproxima tudo das labaredas, que
vão sendo por ele alimentadas generosamente. Jesus parece estar cochilando. O
homem, por sua vez, vai sentar-se, e fica pensando. Depois ele se vira, e fica
olhando para o Desconhecido. E lhe pergunta: “Estás dormindo?”
Jesus lhe
responde: Não.
Estou pensando e rezando.
Rezando
por quem?
Por todos os infelizes. De todas as
espécies. E são tantos!
És Tu um
penitente?
Sou um penitente. A terra tem muita
necessidade de penitência, para que seja dada força aos fracos que nela
habitam, a fim de que possam repelir a Satanás.
Disseste
bem, falas como um Rabi. Eu entendo disso, porque sou um dos saforins. Estou
com o Rabi Jônatas bem Uziel. E sou o seu mais querido discípulo. E agora, se o
Altíssimo me assiste, ficar-lhe-ei ainda mais querido. E meu nome será exaltado
por todo Israel.
Jesus não
replica nada. O outro, depois de alguns momentos, se levanta, e vai sentar-se
perto de Jesus. E diz, alisando seus cabelos, que estão já quase enxutos, e
alinhando a barba: “Escuta. Dissente que vais a Efraim. Mas, vais lá por acaso,
ou moras lá?”
Estou morando em Efraim.
Mas tu
disseste que não és samaritano!
E o repito. Não sou samaritano!
E quem é
que pode morar lá, a não ser... Escuta, dizem que em Efraim foi refugiar-se o
rabi de Nazaré, o proscrito, o maldito. É verdade isso?
É verdade. Jesus, o Cristo do Senhor
está lá.
Não é o
Cristo do Senhor! É um mentiroso! É um blasfemador! É um demônio! É a causa de
todos os nossos males. E não se levanta nenhum vingador de todo o povo, para
derrubá-lo!, exclama, fanático em seu ódio.
Será que Ele te fez mal, para falares
dele com tanto ódio em tua voz?
A mim,
não. Eu o vi apenas uma vez, na festa dos Tabernáculos, e no meio de um tão
grande tumulto, que eu teria muita dificuldade para reconhecê-lo. Porque, se é
verdade que eu sou discípulo do grande rabi Jônatas bem Uziel, faz pouco tempo
que passei a ficar definitivamente no Templo. Antes... eu não o podia por
muitas razões, e somente quando o rabi estava na casa dele é que eu ia pôr-me a
seus pés para beber Justiça e doutrina. Mas Tu... ao me perguntares se eu o
odeio, percebi uma reprovação escondida em tuas palavras. Serás tu talvez um
dos seguidores do Nazareno?
Não o sou. Mas todo aquele que é um
justo condena o ódio.
O ódio é
Santo quando é contra um inimigo de Deus e da Pátria. E o rabi Nazareno é
assim. Portanto, é uma coisa santa combatê-lo, odiá-lo.
Tu combates o homem, ou a ideia que Ele
representa e a doutrina que Ele prega?
Tudo!
Tudo! Não se pode combater uma coisa, se se poupa a outra. No homem está sua
doutrina e sua ideia. Ou se destrói tudo, ou nada feito. Quando se abraça uma
ideia, abraça-se o homem que a apresenta e sua doutrina, ao mesmo tempo. Eu sei
disso, porque o experimento com o meu mestre. As ideias dele são as minhas. Os
desejos dele para mim são leis.
De fato, um bom discípulo é assim que
faz. Mas é preciso saber distinguir se é bom o mestre, e seguir somente um
mestre bom. Porque não é lícito perder a própria alma por amor de um homem.
Jônatas
bem Uziel é bom.
Não. Não o é.
Que é que
estas dizendo? E a mim é que o dizes? Enquanto estamos aqui sozinhos, eu
poderia matar-te, para tirar vingança por meu mestre. Eu sou forte, sabes?
Eu não tenho medo. Não tenho medo da
violência. E não tenho medo mesmo sabendo que se tu me atacas, Eu não reagirei.
Ah!
Compreendi. És um discípulo do Rabi, um “Apóstolo”. Ele dá esse nome aos seus
discípulos mais fiéis. E vais indo à procura dele. Talvez quem estava contigo
era um outro teu semelhante. E estás esperando algum teu semelhante.
Estou esperando alguém, sim.
Por
acaso, será o Rabi?
Não há necessidade de que Eu o espere.
Ele não tem necessidade da minha palavra para ser curado dos seus males. Não
está com a alma doente, nem tem o corpo doente. Eu estou esperando uma pobre alma
envenenada, que está delirando. Para curá-la.
Então, Tu
és um Apóstolo! Sabe-se de fato que Ele os está dando evangelizar, pois está
com medo de ir Ele pessoalmente, desde quando Ele foi condenado pelo Sinédrio.
É por isso que Tu tens a doutrina dele! Não reagir a quem ofende é uma das
doutrinas dele.
É uma das doutrinas dele, porque Ele
ensina o amor, o perdão, a justiça, a mansidão. Ele ama aos inimigos como aos
amigos. Porque Ele vê tudo em Deus.
Oh! Se
Ele me encontrasse, se, como espero, eu o encontrar, não creio que Ele me
amará. Pois seria um estulto! Mas eu não posso falar contigo, que és Apóstolo
dele. E nem arrependo de tudo o que eu disse. Tu o contarás a Ele.
Não há necessidade disso. Mas em
verdade Eu te digo que Ele te amará, ou melhor, que Ele te ama, apesar de tu
estares indo a Efraim para entregá-lo ao Sinédrio, que prometeu um grande premo
a quem fizer isso.
Tu és...
profeta, ou tens o espírito de Piton? Ou ele te comunicou o seu poder? És,
então, também Tu, um maldito? E eu fui aceitar o teu pão, a tua veste, e foste
meu amigo! Está escrito: “Não levantarás a mão contra quem te fez bem. E Tu o
fizeste! Por que, se sabias que eu... Talvez para impedir-me de agir? Porque,
se eu te vou poupar, porque tu me deste ao e sal, fogo e veste, por que hei de
faltar com a justiça, fazendo-te mal, ao teu Rabi eu não pouparei. Porque a ele
eu não conheço, e Ele não me fez nenhum bem, mas mal.
Oh! Infeliz! Não te lembras de que
estás delirando? Como é que pode alguém que não te conhece ter-te feito mal?
Como podes ter respeito ao sábado, se não respeitas o preceito de não matar?
Eu não
mato.
Materialmente, não. Mas não existe
diferença entre quem mata e quem entrega à vítima nas mãos do matador. Tu
respeitas a palavra de um homem, que diz que não faz mal a quem nos fez o bem,
e depois não respeitas a palavra de Deus e, com uma cilada, por um punhado de
moedas, por um pouco de honra, pela suja honra de ter sabido trair um inocente,
tu te preparas para um delito!
“Eu não o
faço só pelas moedas e pela honra. Mas para fazer uma coisa agradável a Deus e
para salvar a Pátria. Eu repito o gesto de Jael e de Judite.” O homem está mais
fanático do que nunca.
Sísara e Holofernes eram inimigos de
nossa Pátria. Eram invasores. Eram cruéis. Mas, que é o Rabi de Nazaré? Que é
que Ele invade? Que é que Ele usurpa? Ele é pobre, e não quer riquezas. É
humilde, e não quer honras. Ele é bom com todos. São contados aos milhares os
beneficiados por Ele. Por que é que o odiais? Não te é lícito fazer o mal ao
teu próximo. Tu serves ao Sinédrio. Mas, será o Sinédrio que te vai julgar na
outra vida, ou será Deus? E, como é que Ele te julgará? Eu não digo: te julgará
por teres matado o Cristo, ma por teres matado um inocente. Tu não crês que o
Rabi de Nazaré seja o Cristo, e por isso, pela tua convicção de que Ele não é,
por isso não serás acusado deste delito. Deus é justo, e não julga como culposo
um ato praticado sem perfeito conhecimento. E, não te julgará por teres matado
o Cristo, pois estás convencido de que Jesus de Nazaré não é o Cristo. Mas Ele
te acusará por teres matado um inocente. Eles te envenenaram, e te fizeram
ficar ébrio, por meio de palavras cheias de ódio que, proferiam. Mas, tu não
estás tão ébrio, a ponto de não poderes compreender que Ele é inocente.
As obras dele falam a favor dele, o
vosso medo, e mais ainda o medo de vossos Mestres do que o vosso de discípulos,
vos põe todos amedrontados, e passais a ver o que não existe. É o medo dos que
temem que Ele os supere. Mas não temais. Ele vos abre os braços, dizendo:
“Irmãos”. Ele não põe as milícias contra vós. Ele não vos amaldiçoa. A única
coisa que Ele quer é salvar-vos. Vós, os grandes e os discípulos dos grandes,
Ele vos quer salvar, até o último de Israel. A vós, mais do que o último de
Israel, mais do que ao menino que ainda não sabe o que é ódio e o que é amor.
Porque vós dendês necessidade mais do que os ignorantes e do que os meninos,
porque sabeis, e pecais sabendo.
A tua consciência de homem, se a
despojas das ideias que vos impingiram, se a purificas dos tóxicos, que te
fazem delirar, poderás dizer que Ele é que é o culpado? Fala! Mas, sê sincero.
Será que terás visto algum dia pecar contra a Lei, ou aconselhar alguém a pecar
contra a Lei? Será que o terás visto em rixas, ou ávido, luxurioso, caluniador
e duro de coração? Fala! Será que o terás visto desrespeitoso para com o
Sinédrio? Ele é como um proscrito, por obedecer ao veredicto do Sinédrio.
Ele poderia lançar um grito, e toda a
Palestina o seguiria para marchar contra os poucos que o odeiam. Mas Ele, ao
contrário, aconselha aos seus discípulos a paz e o perdão. Ele poderia como dá
a vida aos mortos, a vista aos cegos, o ouvido aos surdos, o movimento aos
paralíticos, a libertação aos endemoninhados, porque nem o Céu, nem o Inferno
são insensíveis a sua vontade, poderia fulminar-nos com o raio Divino, e
livrar-se assim de seus inimigos. Mas Ele ora por vós e cura vossos parentes,
cura-vos o coração, dá-vos pão, vestes e fogo.
Porque Eu sou Jesus de Nazaré, o
Cristo, Aquele que tu estás procurando, para receberes o prêmio prometido a
quem o entregar ao Sinédrio, junto com as honras de libertador de Israel. Eu
sou Jesus de Nazaré, o Cristo. Eis-me aqui. Prende-me, então. Como Mestre e
como Filho de Deus, Eu te livro e te absolvo da obrigação e do pecado de não
levantar ou de ter levantado a mão contra quem te fez o bem.
Jesus se
levantou, tirando o manto de sobre a cabeça, e estende as mãos como para ser
preso e amarrado. Mas, sendo Ele de alta estatura, fica parecendo até mais
esbelto, pois ficou somente com a veste de baixo, curta e ajustada, com o manto
escuro pendente nos ombros, bem aprumado, com os olhos fixos no rosto do seu
perseguidor, diante do reflexo móvel das chamas, que lhe fazem brilhar sobre os
cabelos uns pontos luminosos e brilhar também em suas largas pupilas, por
dentro do círculo de safira do íris, tão majestoso, tão leal e sem medo, que
incute mais respeito do que se estivesse rodeado por um exército em sua defesa.
O homem
ficou como se estivesse fascinado... e paralisado pelo espanto. Só depois de
algum tempo, é que ele conseguiu murmurar: Tu! Tu! Tu!, e parece não saber
dizer outra coisa.
Jesus
insiste: Então,
prende-me! Tira esse inútil cordão, estendido para segurar uma veste suja e
rasgada, e amarra as minhas mãos. Eu te acompanharei, como um cordeiro
acompanha o açougueiro. E não te odiarei porque me levas para a morte. Eu já to
disse. É o fim que justifica uma ação e muda sua natureza. Para ti, eu sou a
ruína de Israel, e tu crês estares salvando Israel, ao me matares. Para ti Eu
sou o culpado de todos os delitos, e estás servindo à justiça, ao suprimir um
malfeitor. Por isso, não és mais culpado do que o carrasco, pois cumpre uma
ordem recebida.
Queres imolar-me aqui neste lugar? Ali,
aos meus pés, está a faca com a qual Eu parti em fatias para ti o alimento.
Apanha-a. A lâmina que serviu ao amor para com o meu próximo, pode
transformar-se no cutelo do sacrificador. A minha carne não é mais dura do que
a carne do cordeiro assado, que o meu amigo me havia deixado para matar a minha
fome, e que Eu dei para matar tua fome, ó meu inimigo. Mas tu tens medo das
patrulhas romanas. Elas não permitem que a justiça seja administrada por nós.
Porque nós somos os súditos, eles são os dominadores. Por isso é que tu não
ousas matar-me, para depois ires a quem te mandou, com o Cordeiro degolado ás
costas, como uma mercadoria que fará ganhar dinheiro. Pois bem, então deixa
aqui o meu cadáver, e vai avisar aos teus patrões. Porque tu não és um
discípulo, mas um escravo, a tal ponto que até renunciaste aquela soberana
liberdade de pensamento e de vontade que o próprio Deus deu aos homens.
E tu serves, e serves ignobilmente, aos
teus patrões. Servos até em cometer delitos. Mas tu não és culpado. És um
“envenenado”. És tu a alma envenenada que Eu esperava. Levanta-se, pois! A
noite e o lugar são próprios para o delito. Digo mal: para a redenção de
Israel! Oh! Pobre menino! Dizes palavras proféticas, sem o saberes!
Verdadeiramente a minha morte será redenção, e não de Israel somente, mas de
toda a Humanidade. E Eu vim para ser imolado. Estou ansioso por sê-lo, para me
tornar o Salvador de todos. Tu, que és um saforim do douto Jônatas bem Uziel,
certamente conheces Isaías. Ei-lo aqui. O Homem das dores está diante de ti. E,
se Eu não pareço ser Ele, se não pareço ser aquele que Davi também viu, com os
ossos á mostra, e deslocados, se não sou como o leproso visto por Isaías, é
porque não vedes o meu coração. Eu sou todo uma só ferida.
O desamor, o ódio, a dureza, a vossa
injustiça, tudo isso me feriu e despedaçou. E Eu não ficava com o rosto
escondido, enquanto tu me maltratavas pelo que Eu realmente sou, o Verbo de
Deus, o Cristo! Mas Eu sou o homem acostumado a sofrer! E, não me julgais vós
como um castigado por Deus? E não me sacrifico porque quero sacrificar-me, para
vos curar com o meu sacrifício? Vamos! Dá o golpe! Olha, Eu não tenho medo, e
tu não deves ter medo. Eu, porque sou inocente, e não temo o juízo de Deus, Eu,
porque expondo o meu pescoço á tua faca, faço que se cumpra a vontade de Deus,
antecipando por algum tempo a minha hora para o vosso bem. Também, quando Eu
nasci, antecipei a hora por amor a vós, para dar-vos a paz antes do tempo. Mas
vós, desta minha ânsia de amor fazeis uma arma de negação. Não temas! Eu não
invoco sobre ti o castigo de Caim, nem os raios de Deus. Eu oro por ti. Eu te
amo. E nada mais. Serei Eu alto demais, para que a tua mão de homem me alcance?
Isso mesmo! De fato o homem não poderia ferir a Deus, se Deus não viesse
voluntariamente colocar-se nas mãos do homem. Pois bem, Eu vou ajoelhar-me
diante de ti. O Filho do homem está diante de ti aos teus pés. Fere-o então!
Jesus de
fato se ajoelha, e estende a faca, segurando-a pela lâmina, ao seu perseguidor,
que se afasta, murmurando: Não! Não!
Vamos! É só um momento de coragem... e
ficarás mais célebre do que Jael e Judite! Olha. Eu rezo por ti. Como diz
Isaías: ... “e rezou pelos pecadores.” Ainda não vens? Por que te afastas? Ah!
Talvez tenhas medo de não poderes ver como morre um Deus. Olha, Eu vou para
ali, para perto do fogo. Pois o fogo não pode faltar nunca nos sacrifícios. Ele
faz parte deles. E, então? Agora, que me estas vendo bem. E se ajoelhou perto
do fogo.
Mas, não
me fiques olhando! Não me fiques olhando! Oh! Para onde irei fugir, para não
ver o teu olhar? Grita o homem.
Quem? A quem é que não queres ver?
A Ti... e
o meu delito. Verdadeiramente o meu pecado está diante de mim! Para onde, para
onde fugir? O homem está aterrorizado...
Sobre o meu coração, meu filho! Aqui,
entre estes braços cessam os íncubos e os medos. Aqui há paz. Vem! Vem! Faze-me
feliz!
Jesus se
levantou, e está estendendo os braços. O fogo está entre os dois. Jesus está
cintilando, pelo reflexo das chamas. O homem cai de joelhos, cobre o rosto, e
grita: Piedade de mim, ó Deus! Piedade de mim! Cancela o meu pecado! Eu queria
ferir o teu Cristo! Piedade! Ah! Não pode haver piedade para com um delito
assim! Eu estou condenado!
Ele chora
com o rosto por terra, sacudido violentamente pelos soluços, e geme dizendo:
Piedade, e imprecando: Malditos!
Jesus
olha ao redor, para as chamas, e vai até o homem, inclina-se, toca a cabeça
dele, e lhe diz: Não maldigas daqueles que te seduziram. Eles conseguiram
para ti o maior dos bens: o de que Eu te falasse, como agora falo, e que Eu te
segurasse entre os meus braços.
Pegou-o
depois pelas costas e o levantou, e tendo-se assentado no chão, puxou-o para
cima de seu coração, e o homem deixou-se ficar sobre os joelhos, em um pranto
menos frenético, mas bem purificador. Jesus o acaricia sobre a cabeça morena,
deixando-o acalmar-se.
Finalmente
o homem levanta a cabeça e, com um rosto mudado, diz: “O teu perdão!”
Jesus se
inclina, e o beija na fronte.
Pg. 44-54
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563 – FALSOS DISCÍPULOS EM SIQUÉM. É
CURADO EM EFRAIM O ESCRAVO MUDO DE CLÁUDIA PRÓCULA
Aquele é o teu criado mudo, não é
verdade?
Sim,
Mestre.
Manda que ele venha para a frente.
Cláudia
dá um grito, e o homem vem para a frente, e se prostra no chão, entre Jesus e
sua patroa. O seu pobre coração de selvagem não sabe a qual dos dois ele deve
prestar maior veneração. Ele tem medo de que, se venerar mais o Cristo do que a
patroa, possa ser punido. Mas, não obstante isso, dirigindo um olhar suplicante
a Cláudia, repete depois o mesmo gesto, que ele fez em Cesaréia: pegou o pé nu
de Jesus em suas mãos grossas e pretas e, jogando-se com o rosto no chão, pôs o
pé de Jesus sobre sua cabeça.
Mulher, escuta. Conforme o teu pensar,
é mais fácil conquistar sozinho um reino, ou fazer renascer uma parte do corpo
que não existe mais?
Um reino,
Mestre. A fortuna ajuda aos audazes. Mas ninguém, a não ser somente Tu sozinho,
podes fazer renascer um morto, ou dar de novo olhos a quem é cego.
E por quê?
Porque
Deus pode fazer tudo.
Então para ti Eu sou Deus?
Sim...
Ou, pelo menos, Deus está contigo.
Pode Deus estar com um homem mau? Eu
falo de Deus verdadeiro, não dos vossos deuses, que são delírios de quem
procura o que ele sabe que existe, mas sem saber o que é, e cria para si mesmo
fantasmas, a fim de contentar sua alma.
Não... eu
diria. Não. Não diria. Os nossos próprios sacerdotes perdem o poder, quando
caem em culpas.
Que poder?
Ora...
aquele de ler nos sinais do céu e nas respostas das vítimas, no voo e no canto
dos pássaros. Tu sabes... Os áugures, os arúspices...
Eu sei. Eu sei. E, então? Olha. E tu,
levanta a cabeça e abre a boca, ó homem, que um cruel poder humano privou de um
dom de Deus. E, pela vontade do Deus verdadeiro e único, Criador dos corpos
perfeitos, recebe o que o homem tirou de ti.
E colocou
o seu dedo branco na boca aberta do mudo. A liberta, cheia de curiosidade, não
se conteve lá onde estava, e foi para a frente. A fim de olhar. E Jesus levanta
o dedo, gritando: “Fala, e usa da parte que renasceu, para louvares o Deus
verdadeiro.”
E, de
repente, como o som de uma trompa, de um instrumento que até agora estava mudo,
um grito gutural, mas bem nítido, responde: “Jesus.”
E o negro
cai por terra, chorando de alegria, e lambendo, verdadeiramente lambendo os pés
nus de Jesus, como poderia fazer um cão reconhecido ao seu dono.
Será que Eu perdi o meu poder, mulher?
Se alguém te insinuar isso, dá-lhe esta resposta. E tu, levanta-te, e sê bom,
pensando em quanto te amei. Eu te trouxe no coração desde aquele dia lá na
Cesaréia. E com todos os teus companheiros. Considerados animais, como uma
mercadoria, menos do que os brutos, mas sois homens e iguais ao César em vossa
concepção, e talvez melhores, pelas vontades de vossos corações... Podes
retirar-te mulher. Não há mais nada a dizer.
Sim. Há
outra coisa. O que há é que eu havia duvidado... o que há é que, com dor, quase
que eu ia acreditando no que de Ti se dizia. E não era eu somente. Perdoa a
todos, menos á Valéria, que sempre teve um pensamento, ou melhor, que sempre
procedeu conforme aquele pensamento.
E tem que aceitar o meu presente: o homem.
Não me
poderia mais servir, agora que ele tem a palavra e o meu dinheiro. Não. Nem
isto, nem aquilo.
Perdão também aqueles do meu povo,
duplamente culpados, por não me conhecerem pelo que sou. E não deveria Eu
perdoar a vós, vazios como sois de todo conhecimento Divino? Eis! Eu disse que
não aceitava nem o dinheiro, nem o homem, Agora eu pego este e aquele, e com
aquele Eu liberto este. Eu te restituo o teu dinheiro, porque compro este
homem. E o compro para dar-lhe liberdade. Para que vá até ás terras deles, e
lhes diga que está sobre aquele que ama a todos os homens, e tanto mais os ama,
quanto mais os vê infelizes... Segura a tua bolsa.
Não,
Mestre. Ela é tua. O homem está livre, do mesmo modo. Era meu. Mas eu to doei.
Que tu o libertes. Não é preciso dinheiro para isso.
E, então... Tens um nome?, pergunta ao homem.
Eles o
chamavam por escárnio de Calisto. Mas, quando foi apanhado...
Não importa. Conserva aquele nome. E
faze que ele seja verdadeiro, tornando-se belíssimo em teu espírito. Vai. Sê
feliz, porque Deus te salvou.
Sair de
lá? O negro não se cansa de beijar e de dizer: “Jesus! Jesus!” E põe de novo o
pé de Jesus sobre sua cabeça dizendo: “Tu és o meu patrão.
Eu sou teu verdadeiro pai. Mulher, Eu
te encarrego dele, para que volte aos seus lugares. Usa do dinheiro para isso,
e o resto seja dado a ele. Adeus, mulher. E não dês mais atenção ás vozes das
trevas. Sê justa. E que saibas conhecer-me. Adeus, Calisto. Adeus, mulher
Pg. 63-65
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564 – O HOMEM DE JABNIA E O FIM DE
HERMASTEU. REPROVAÇÃO AOS SAMARITANOS QUE FALTAM À CARIDADE
Jesus
caminha pelos campos, subindo e descendo, conforme os desníveis do monte. Está
com sua veste de linho, porque sua última veste Ele a deu a Samuel, mas leva
também um pequeno manto, de um azul um tanto vivo, posto sobre um dos ombros e
enrolado no corpo, mas pouco apertado, e seguro por um braço sobre o peito. A
parte colocada sobre o braço flutua levemente ao vento agradável, que está
passando sobre a terra, e seus cabelos ondulados, sobre a cabeça descoberta,
cintilam ao sol. Ele vai indo, e, nos lugares em que há meninos pequeninos, Ele
se inclina sobre eles, para acariciar as cabecinhas inocentes e ouvir as suas
pequenas confidências e para admirar o que eles correm para lho mostrar, como
se fosse um tesouro.
Uma
meninazinha, que ainda tropeça ao correr, de tão pequenina que está, e fica
embaraçada quando quer correr, pois sua pequena saia é comprida demais para
ela, e talvez a tinha ela herdado do irmãozinho que nasceu antes dela. Mas
afinal ela chega, toda sorridente, com uns olhos vivos, e lhe mostrando seus
incisivos por entre os labiozinhos rosados, e segurando um maço de
margaridinhas, um maço grosso seguro nas duas mãos, com tantas margaridinhas,
quantas possam segurar aquelas mãozinhas tão delicadas e pequenas, e ela
levanta o seu troféu, dizendo: “Para Ti! É Teu. Para a mamãe, depois. Um beijo
aqui!, e bate as mãos, que agora estão livres do macinho, e que ela recebeu,
com palavras de admiração e agradecimento, sobre a boquinha, estando ela com a
cabeça virada para trás, de pé sobre os pezinhos descalços, quase perdendo o
equilíbrio, com o inútil tentativa de espichar sua pequenina pessoa até o rosto
de Jesus, que se ri, tomando-a nos braços, e indo com ela, acocorada lá em
cima, como se fosse um passarinho sobre uma árvore alta, enquanto que Ele vai
indo para um grupo de mulheres, que estavam lavando uns tecidos novos nas águas
límpidas de um rio, para estendê-los depois e alvejá-los ao sol.
As
mulheres, inclinadas sobre a água, levantam-se para saudá-lo, e uma delas diz
sorrindo: “Tamar te foi perturbar... Mas ela está desde o raiar do dia,
colhendo flores, com a secreta esperança de ver-te passar. Nem me deu nenhuma
delas, porque antes queria dá-las a Ti.”
“Eu as considero mais caras do que os
tesouros do rei. Porque são inocentes como os passarinhos, e dadas por uma
inocente, tão inocente como as flores.”
Jesus
beija a menina e a põe no chão, saudando-a: “Venha a ti a graça do Senhor.” Saúda as mulheres, e prossegue por seu caminho, saudando os
agricultores ou os pastores, que o saúdam dos campos e dos prados.
...Uma
Estrada, que desce do norte para o sul, atravessa a trilhazinha. Deve ser uma
estrada muito importante, porque no ponto da encruzinhada está um dos marcos
miliários daqueles que usam os romanos, com um letreiro escrito na face
setentrional: “Neápolis” e, por baixo desse nome esculpidas com letras bem
grandes, em moldes lapidares latinos, fortes como eles mesmos mas em letras
menores, está escrito no granito: “Siquém”. E, na face ocidental:
“Silo-Jerusalém e na face do sul: “Jericó”. Na face leste, não há nome algum.
Mas
poder-se-ia dizer que, se não há nome de cidade, lá está o nome de uma
desventura humana. Porque no chão, entre a lápide miliária e o valo que margeia
a estrada, como em todas as estradas sob os cuidados dos romanos, havia um
valo, cavado para o escoamento das águas pluviais e aqui, entre o valo e o
marco miliário, está um homem escolhido, como um monte de trapos e de ossos,
parecendo morto.
Jesus se
inclina sobre ele, quando o descobre entre as ervas da beira da estrada e que
as águas da primavera tornaram viçosas, e toca nele, chamando-o: “Homem,
que é que tens?”
Um gemido
é a resposta. Mas o vulto se move, se descobre, e um rosto emagrecido com a cor
de um morto, aparece, e dois olhos cansados, cheios de sofrimento e languidez,
olha estupefado para Aquele que está inclinado sobre suas misérias. Ele procura
sentar-se, apoiando-se no chão com suas mãos esqueléticas, mas está tão fraco,
que, sem a ajuda de Jesus, não poderia.
Jesus o
ajuda, fazendo que ele se apoie com as costas no marco miliário. E lhe
pergunta: Que
é que tens? Estás doente?
Sim. Mas
é um “sim” dito com voz muito fraca.
Mas, como pôs-se em viagem sozinho, e
neste estado? Não tens ninguém contigo?
O homem
faz sinal que sim. Mas está muito fraco para responder. Jesus olha ao seu
redor. Não há ninguém nos campos. E o lugar é deserto mesmo. Ao norte, quase no
alto de um morro, há um grupinho de casas. A oeste, por entre o verde da
encosta, que vai mudando, à medida que se vai subindo para outros cumes, onde
há prados e bosques e pastores que vão pelo meio um rebanho de cabras
irrequietas. Jesus torna a baixar os olhos sobe o homem. E lhe pergunta: Se Eu o
ajudasse, achas que poderias ir até aquele lugar?
O homem
sacode a cabeça, e duas lágrimas escorrem por suas faces, que já estão murchas
por estarem cheias de rugas, como também pela velhice, enquanto que sua barba,
com reflexos meio azulados, mostra que ele é ainda jovem. Mas ele ajunta todas
as suas forças para dizer: Expulsaram-me... com medo da lepra... eu não sou
leproso... E estou morrendo... de fome. Está ofegante por causa de sua
fraqueza. Ele enfia o dedo na boca, e tira dela uma papinha verdoenga.
Olha...
Eu mastiguei trigo... mas ele é ainda apenas uma erva.
Eu vou falar com aquele pastor. E te
trarei leite morno. Eu volto já. E sai correndo para lá onde está o rebanho, a
uns duzentos metros acima da estrada.
Chega até
o pastor, e lhe fala, mostrando onde é que está o homem. O pastor torna a
olhar, parece que está duvidoso se atende ou não, ao pedido de Jesus. Depois ele
se decide. Tira da cintura a tigela de madeira, que ele leva pendurada, como
todos os pastores, e tira leite de uma cabra, dando a tigela cheia a Jesus, que
desce com cuidado pela encosta, acompanhado por um menino que estava com o
pastor.
Ei-lo de
volta ao esfaimado. Pôs-se de joelhos perto dele, passa-lhe um braço por detrás
das costas, para sustentá-lo, e aproxima de seus lábios a tigela onde o leite
ainda está coberto de espuma. E faz que ele beba em pequenos goles. Depois,
descansa a tigela no chão, dizendo: Por enquanto, é isso. Tudo de uma vez,
te faria mal. Deixa primeiro que teu estômago se reanime, absorvendo o leite
que te dei.
O homem
não protesta. Ele fecha os olhos e fica calado, sendo observado pelo menino com
grande espanto. Depois de algum tempo, oferece de novo a tigela, para ele beber
por mais tempo, e assim vai fazendo, com pausas, cada vez mais breves, até o
leite acabar. Depois entrega a tigela ao menino, e o despacha.
O homem
vai se reanimando lentamente. Procura, com uns movimentos ainda incertos,
compor-se um pouco. Mostra um sorriso de reconhecimento, ao olhar para Jesus,
que está sentado sobre a grama, perto dele. E se desculpa: Eu te estou fazendo
perder tempo.
Não te aflijas! Nunca é perdido o tempo
usado para amar aos irmãos. Quando estiveres melhor, falaremos.
Já estou
melhor. Já me está voltando o calor aos membros, e a vista... Eu pensei que ia
morrer aqui... Pobres de meus filhos! Eu havia perdido toda esperança... Mas
até aquela hora eu tinha tido tanta! Se Tu não viesses, eu estaria morto...
assim... numa estrada.
Teria sido uma coisa muito triste. É
verdade. Mas o Altíssimo olhou para o seu filho, e o socorreu. Descansa um
pouco.
O homem
obedece por algum tempo. Depois torna a abrir os olhos, e diz: Eu me sinto
reviver. Oh! Se eu pudesse ir a Efraim.
Por quê? Tens lá alguém te esperando?
Ou és de lá?
Não. Eu
sou dos campos de Jabnia, perto do Mar Grande. Mas eu fui á Galiléia, ao longo
das beiras, tendo chegado até á Cesaréia, depois eu fui a Nazaré. Porque eu sou
doente é aqui (e bate sobre o estômago). E de um mal que ninguém sabe curar, e
que não me deixa trabalhar a terra. E sou viúvo. E com cinco crianças. Um dos
nossos lugares e Gaza, onde eu nasci, filho de um pai filisteu e de mão
siro-fenícia. Um dos nossos, que era seguidor do Rabi da Galiléia, foi com um
outro ao meio de nós, para falar-nos desse Rabi. E eu também o ouvi. E, quando
eu me vi assim doente, eu disse: Eu sou sírio e filisteu, para Israel é uma
sujeira. Mas o Hermasteu dizia que o Rabi da Galiléia é tão bom, como poderoso.
E eu creio nisto. E estou indo para Ele. E, logo que chegou o tempo bom, deixei
os filhos com a mãe de minha mulher, ajuntei as minhas poucas economias, visto
que muitas já haviam sido gastas com a doença, e vim procurar o Rabi. Mas o
dinheiro acabou na viagem.
E
justamente quando não é qualquer coisa que se pode comer... e tem-se que ficar
esperando nos albergues, quando as dores nos impedem de andar. Em Séforis eu
vendi o burrinho, porque eu não tinha mais dinheiro, para dar o que eu devia ao
Rabi. Eu pensava que, quando eu estivesse são, teria podido comer de tudo pelo
caminho e voltar logo para casa. E lá, com o trabalho nos meus campos e nos dos
outros, eu me restauraria... Mas o Rabi não está em Nazaré, nem em Cafarnaum. A
Mãe dele foi quem disse. Ela me falou assim: Ele está na Judéia. Vai procurá-lo
com José de Séforis em Bezeta ou no Getsêmani. Eles te saberão dizer onde Ele
está.
Então, eu
voltei para trás, a pé. E o mal ia crescendo... e o dinheiro diminuindo. Em Jerusalém,
para onde eu havia sido mandado, encontrei os homens, mas não o rabi. E lá me
disseram:” Oh! Já o expulsaram, há muito tempo. Está amaldiçoado pelo Sinédrio.
E Ele fugiu, não sabemos para onde.” E eu... pensei que ia morrer... como hoje.
E até mais do que hoje. Andei procurando, cem por cento pelas cidades e pelos
campos. Mas ninguém sabia. Alguns choravam comigo. Muitos me bateram. Depois,
certo dia, eu me tinha posto a pedir esmola, fora das muralhas do Templo,
quando ouvi dois fariseus que diziam: “Agora se sabe que Jesus de Nazaré está
em Efraim...” Eu não perdi tempo e, fraco como eu estava, ainda que todo
rasgado e com sinais de doente. E, sem experiência? Errei os caminhos. Hoje
estou vindo de lá. Daquele lugar.
Já havia
dois dias que eu só chupava uns funchos selvagens, mastigava folhas de chicória
ou de trigo. Acharam que eu estava leproso, por causa da minha palidez, e me
expulsaram a pedradas. Eu não queria nada mais do que um pão, e saber qual o
caminho para Efraim... Quando eu cheguei aqui, caí... Mas eu quereria ir a
Efraim. Já estou tão perto da meta! Será possível que eu não o alcance? Eu
creio no Rabi. E não sou israelita. Mas também o Hermasteu não o era, e Ele o
amava assim mesmo. Será possível que o Deus de Israel faça pesar sua mão sobre
mim, para vingar-se das culpas dos que me geraram?
O Deus verdadeiro é pai dos homens. É
justo, mas é bom, Premia a quem tem fé, e não faz que os inocentes paguem por
culpas que não são deles. Mas, porque foi que disseste que, quando ouviste dizer
que não sabia onde o Rabi morava, te sentiste morrendo mais do que hoje?
Eh!
Porque eu disse: “Eu o perdi, antes mesmo de o ter achado.”
Mas foi para tua saúde.
Não. Não
foi por causa disso somente. Mas porque Hermasteu falava dele certas coisas que
me davam a entender que, se eu o tivesse conhecido, não teria virado uma
sujeira.
Então, tu crês que Ele é o Messias?
Creio, eu
não sei bem o que é Messias, mas creio que o Rabi de Nazaré é o filho de Deus.
Jesus
sorri, com um sorriso luminoso, e pergunta: “E estás certo que, sendo Ele assim,
dará ouvido a ti, que és um incircunciso?
Disso eu
tenho certeza, porque Hermasteu o dizia. Ele falava assim: “Ele é o Salvador de
todos. Para Ele não há hebreus ou idólatras. Mas só há criaturas para salvar,
porque o Senhor Deus o mandou para isso.” Muitos se riam. Eu acreditei. Se eu
puder dizer-lhe:” Jesus, tem piedade de mim.” Ele me ouvirá. Oh! Se tu és de
Efraim, leva-me a Ele. Talvez tu sejas um dos seus discípulos...
Jesus
sorri cada vez mais, e o aconselha: “Experimenta pedir a mim que te cure.”
Tu és
bom, homem. Perto de Ti se tem tanta paz. Sim, tu és bom como o próprio Rabi, e
certamente Ele te terá dado poder de fazer milagre, porque para ser bom como Tu
és, não podes deixar de ser um dos discípulos dele. Eu achei todos bons aqueles
que me diziam ser discípulos dele. Mas, que não seja uma ofensa a ti, se eu
disser que tu poderás também curar os corpos, mas não as almas. E eu quereria
curada ela também, como aconteceu com Hermasteu. Tornar-me um justo... E isso só
o Rabi pode fazer. Eu sou pecador, além de doente. Não quero ficar são no
corpo, para morrer depois um dia, e com a alma também. Eu quero viver.
Hermasteu dizia que o Rabi é vida da alma e que a alma que crê nele vive para
sempre no Reino de Deus. Leva-me ao Rabi. Sê bom. Porque estás sorrindo? Talvez
porque penses que eu sou muito ousado, por querer a cura, sem poder dar um
óbolo? Mas, se eu ficar curado, poderia ainda cultivar a terra. Eu tenho frutas
muito bonitas. Que o Rabi venha no tempo das frutas maduras, e eu lhe pagarei
com um hospitalidade tão longa como Ele quiser.
Quem foi que te disse que o Rabi quer
dinheiro? Foi Hermasteu!
Não. Pelo
contrário, ele dizia que o Rabi tem piedade dos pobres e os socorre em primeiro
lugar. Mas é que assim que se costuma fazer com todos os médicos e... afinal
com todos.
Mas não com Ele. Eu to garanto. E te
digo que, se tu souberes aumentar a tua fé, a ponto de pedires aqui mesmo o
milagre, e se creres que isso é possível, tu o terás.
Estás
dizendo a verdade? Tens certeza disso? Se tu de fato és um discípulo, não podes
mentir nem errar. E, ainda que me desagrade não poder ver o Rabi... Quero
obedecer-te... Talvez Ele, perseguido como está sendo... Não queria ser
visto... e não confie mais em ninguém. Ele tem razão. Mas não haveremos de ser
nós que o arruinaremos. Serão os verdadeiros hebreus. Mas, eis aqui! Eu digo
aqui (e com dificuldade se põe de joelhos): “Jesus, Filho de Deus, tem piedade
de mim!”
E que te seja feito conforme a tua fé
merece, diz Jesus com aquele gesto de quem tem
poder sobre as doenças.
O homem
tem como que um deslumbramento, isto é, fica como quem vê uma luz repentina. E
compreende, não sei se por uma abertura do intelecto, ou se por alguma sensação
física, ou pelas duas coisas juntas quem é Aquele que está diante dele e que,
com um grito tão agudo, que o pastor, que desceu para a estrada, talvez para ir
ver o que está acontecendo, até apressa o passo.
O homem
está por terra, com o rosto no meio da grama. E o pastor diz, mostrando-o com
sua vara de pastor: “Morreu? O que é preciso é outra coisa, que não seja o
leite, quando alguém já morreu!”, e sacode a cabeça.
O homem
escutou, e se põe de pé, forte e são. E grita: Morto? Curado é que eu estou.
Foi Ele que me fez isto. Não tenho mais fraqueza pela fome, nem os espasmos
pela doença. Estou como em meus dias de núpcias! Oh! Jesus bendito! E, como foi
que eu não te conheci antes? Tua piedade devia dizer-me o teu Nome! A paz que
eu sentia, ao estar perto de Ti. Como eu fui tolo! Perdoa ao teu pobre servo!”
E se joga de novo no chão, para adorá-lo.
Pg. 67-73
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567 – PARÁBOLA DO TECIDO RASGADO E
MILAGRE DA PARTURIENTE. ADMOESTAÇÃO A JUDAS DE KERIOT, SURPREENDIDO EM ROUBAR
Diz
Jesus:
“Eu comparo a alma a um tecido. Quando
ela é infundida no homem nova e sem rasgões, só tem a mancha original, mas não
tem feridas em sua estrutura, nem outras manchas, nada de puído. Depois, com o
tempo, e com a acolhida dada aos vícios, ela vai-se consumindo, até chegar ao
ponto em que se rompe pelas imprudências, e se mancha, e pelas desordens fica
ferida. E então, quando fica lacerada, não é preciso fazer-se para ela um
remendo mal feito, que dá origem a mais numerosos rasgões, mas, sim, um remendo
suficientemente longo, capaz de anular, quanto possível, a ruína que foi feita.
E, se o tecido estiver rasgado demais, se estiver rasgado até o ponto de ter
perdido um pedaço, não se deve com soberba pretender anular por si mesmo a
ruína, mas é preciso ir a Quem pode tornar novamente inteira a alma, porque
tudo lhe foi concedido fazer, tudo Ele pode fazer. Eu falo de Deus, meu Pai, e
do Salvador, que sou Eu. Mas o orgulho do homem é tal, que maior é a ruína de
sua alma e ele procura remendá-la com remédios incompletos, que vão criando um
mal-estar sempre maior.
Poder-me-íeis objetar que um rasgão
sempre se verá. Até a Salomé já o disse. Sim, ver-se-ão sempre as feridas que
uma alma recebeu. Mas a alma luta em sua batalha, e, por isso, é muito possível
que seja ferida. Pois muitos são os inimigos que ela tem ao redor de si. Mas
ninguém, ao ver um homem coberto de cicatrizes, sinais de outras tantas
gloriosas feridas recebidas na batalha para conseguir a vitória, pode dizer:
“Este homem é imundo”, mas dirá: “Este homem é um herói. Aí estão os sinais
purpúreos do seu valor.” Nunca se verá um soldado que evite os curativos de uma
gloriosa ferida. Pelo contrário, ele vai ao médico, e lhe diz com um santo
orgulho: “Eis-me aqui. Eu combati e venci. Não me poupei, como estás vendo.
Agora, cura-me, á fim de que eu esteja pronto para outras batalhas e vitórias.”
Mas, ao contrário, aquele que está todo chagado com doenças imundas, que lhe
foram causadas pelos vícios infames, se envergonha de suas chagas, diante dos
familiares e amigos, e até diante dos médicos, e ás vezes se torna tão
desvairado, que as conserva escondidas, até que o seu fedor as revele. Mas
nesse ponto já é muito tarde para buscar cura. Os humildes são sempre sinceros,
e também são valorosos, pois não precisam envergonhar-se das feridas
provenientes da luta. Os soberbos são sempre mentirosos e vis por seu orgulho,
até morrerem, sem terem querido ir a quem pode curá-los e dizer-lhe: “Pai, eu
pequei. Mas, se quiseres podes curar-me”. Muitas são as almas que pelo orgulho
não querem confessar uma culpa inicial e chegam assim à morte. E, então, também
para elas sua chegada já é tarde demais. Não refletem como a misericórdia
divina é mais poderosa e ampla do que qualquer gangrena, por mais forte e ampla
que ela seja e que tudo pode ser recuperado. Mas elas, as almas dos orgulhosos,
quando caem em desespero, pois elas estão sem Deus, e dizem: “Já é tarde
demais, e dão a si mesmos a última morte, a condenação."
...Depois de
ser pego roubando em flagrante os óbolos dos fiéis. E Jesus lhe repete em voz
baixa, mas terrível: “Ladrão! Ladrão! Ladrão! Hoje ladrão, amanhã assassino. Como
Barrabás. Pior do que ele.” E
lhe sopra essas palavras no rosto, pois seus rostos naquele momento estavam
muito perto um do outro, a cada palavra que cada um
dizia.
Judas,
depois de tomar fôlego diz: “Sim. Ladrão. E por culpa tua. Todo mal que eu faço
é por culpa tua, e tu não te cansas de me arruinares. Tu salvas a todos. Das
amor e honras a todos. Acolhes os pecadores. Não te causam nojo as prostitutas.
Tratas como amigos os ladrões, os agiotas e os rufiões do Zaqueu, e os acolhes,
como se o Messias fosse o espião do Templo, o estulto que és! E fazes que seja
nosso chefe ignorante, como nosso tesoureiro puseste um cobrador de gabela, e
como teu confidente, um tolo. Para mim medes um dinheirinho, não me dás nem uma
moeda, queres ter-me perto de ti como um galeote, que é obrigado a ficar ao
lado do banco do remo, e não queres que nós, eu digo nós, mas na verdade sou
eu, eu só que não devo aceitar óbolos de peregrinos. E, para que eu não toque
no dinheiro, pois tu ordenaste que não se recebesse dinheiro de ninguém. É
porque me odeias. Pois bem. Eu também te odeio. Tu não soubeste bater em mim,
nem maldizer-me, há pouco. A tua maldição me teria reduzido a cinzas. Por que
não a disseste? Eu a teria preferido a ver-te assim inepto, assim enfraquecido,
um homem acabado, vencido...”
“Cala-te!”
Não!, diz
Judas, retrucando. Tens medo que João ouça? Tens medo que ele finalmente fique
sabendo quem és Tu, que tens este medo, Tu que te fazes de herói! Sim, que o
tens. E tens medo de mim. Sim, que o tens. Tens medo! Por isso não me soubeste
maldizer. Por isso, finges que me tens amor, mas é para adular-me. Para segurar-me
quieto. Pois tu sabes que eu sou uma força. Sim, Tu sabes que eu sou uma força.
A força que te odeia e te vencerá. Eu prometi seguir-te até a morte,
oferecendo-te tudo, e tudo eu te ofereci, e estarei perto de Ti à Tua hora e à
minha hora. Magnífico é esse rei que não sabe amaldiçoar e expulsar! Rei-nuvem!
Rei ídolo! Rei estulto. Mentiroso! Traidor do Teu próprio destino. Tu sempre me
desprezaste, desde o nosso primeiro encontro. Não correspondeste comigo. Tu te
julgavas um sábio. És um hebetado. Eu te ensinava o bom caminho. Mas Tu... Tu
és o puro! És a criatura que é homem, mas que é Deus. E desprezas os conselhos
do Inteligente... Tu erraste desde o primeiro momento, e ainda erras, Tu... Tu
és... Ah!
O rio de
palavras cessa de repente, e, depois dele, vem um silêncio lúgubre depois de
tanto clamor, e uma lúgubre imobilidade, depois de tantos gestos. Porque
enquanto eu estava escrevendo, sem poder dizer o que estava acontecendo, Judas,
parecendo sim, parecendo muito com um cão feroz, que late, ao encontrar a caça,
e que dela se aproxima, pronto para dar o bote, foi-se aproximando cada vez
mais de Jesus, com um rosto que não se podia olhar, com as mãos em forma de garras, os cotovelos bem apertados
junto ao corpo, como se fosse saltar sobre Jesus, o qual não dá sinal de nenhum
medo, e se move, virando até as costas para o outro, que poderia agarrá-lo e
segurá-lo pelo pescoço, mas não o faz, porque vai antes abrir a porta e, olhar
pelo corredor se João foi-se embora, ou não. O corredor está vazio e meio escuro,
tendo João fechado a porta, que vai para a horta, depois que saiu de lá. Jesus,
então, torna a fechar a porta com o ferrolho e se encosta nela, esperando, sem
fazer nenhum gesto e sem dizer nenhuma palavra, que a tempestade se acalme.
Eu não
sou competente. Mas creio não estar errada, se disser que pela boca de Judas,
quem falou foi o próprio Satanás, e que este é um momento de possessão evidente
do apóstolo pervertido por Satanás, e que ele já está para cometer o Delito, já
condenado por sua própria vontade. Até o modo como cessa o rio de palavras,
deixando fora de si o apóstolo, faz-me lembrar de outras cenas de possessão,
vistas nos três anos de vida pública de Jesus.
Jesus,
encostado na porta, todo de branco sobre a madeira escura, não faz nenhum gesto.
Somente os seus olhos poderosos, cheios de dor e de fervor, é que estão,
olhando para o apóstolo. Se se pudesse dizer que os olhos rezam, eu diria que
os olhos de Jesus estão rezando, enquanto ele olha para o desgraçado. Porque
não e somente um poder dominador o que sai daqueles olhos tão aflitos, mas é
também o fervor da oração. Depois, lá pelo fim da falação de Judas, Jesus abre
os braços, que estavam estendidos ao longo do corpo, mas não os abre, nem para
tocar no Judas, nem para fazer gestos da direção dele, nem para elevá-los para
o céu. Ele os abre horizontalmente, tomando a posição em que estão no
Crucifixo, sobre a madeira escura e a parede avermelhada. É aí que da boca de
Judas saem devagar as últimas palavras e sai aquele “ah!”, que interrompe o
discurso.
Jesus
fica como está, com os braços abertos, e olhando para o apóstolo, sempre com
aquele olhar de dor e de oração. E Judas, como alguém que acabou de sair de um
delírio, passa a mão sobre o rosto suado... Depois fica pensando e procurando lembrar-se
de tudo, cai por terra, não sei se chorando, como se lhe houvessem faltado as
forças.
Jesus
abaixa o olhar e os braços e, com uma voz baixa, mas clara, diz:
E então? Eu te odeio? Eu poderia
atacar-te com o pé, achatar-te chamando-te de “verme”, poderia amaldiçoar-te,
assim como te livrei da força que te fazia delirar. Tu pensavas que era uma
fraqueza a minha impossibilidade de amaldiçoar-te. Oh! Não era fraqueza. É que
Eu sou o Salvador. E o Salvador não pode amaldiçoar. Ele pode salvar. E quer salvar...
Tu disseste: “Eu sou a força. A força que te odeia, e que te vencerá?”
Mas Eu é que sou a força, e até sou a
única força. Mas a minha força não é ódio. É amor. E amor não odeia e não
amaldiçoa nunca. A força poderia até vencer as batalhas singulares, como entre
mim e ti, entre mim e Satanás que está em ti, e acabar com o teu patrão para
sempre como Eu fiz agora, transformando-me no sinal que salva, no Tau, que
Lúcifer não pode ver. Ela poderia até vencer estas batalhas singulares, como
vencerá a última, ainda longínqua para quem conta por séculos, mas próxima para
quem mede o tempo com a medida da eternidade.
Mas, que adiantaria violar as regras
perfeitas do meu Pai? Seria justiça? Nisso haveria algum mérito? Não. Não seria
justiça, nem nisso haveria mérito. Não haveria justiça para com os outros
homens culpados, aos quais não é tirada a liberdade de o serem e os quais
poderiam no dia final perguntar-me e reprovar-me quanto ao porque da condenação
e a parcialidade para contigo sozinho. Serão dez, cem mil aqueles, ou setenta
vezes dez mil ou cem mil que farão os teus mesmos pecados e se endemoninharão
por sua própria vontade, e serão ofensores de Deus, torturadores da mãe e do
pai, assassinos, ladrões, mentirosos, adúlteros, luxuriosos, sacrílegos, e no
fim deicidas, matando materialmente o Cristo, num dia próximo, e matando-o
espiritualmente em seus corações nos tempos futuros. E todos poderiam dizer-me,
quando Eu vier separar os cordeiros dos cabritos, a abençoar os primeiros e a
amaldiçoar os segundos, a amaldiçoar, porque, então, não haverá mais redenção,
mas só salvação ou condenação, a tornar a amaldiçoá-los, depois de já tê-los
amaldiçoado singularmente na primeira morte e no juízo particular. Porque o
homem, e tu o sabes, pois me ouviste dizê-lo centenas de vezes que o homem pode
salvar-se, enquanto dura a vida, enquanto estiver vivo, até os seus últimos
suspiros. Basta um instante, a milésima parte de um minuto para que tudo isso
seja dito entre a alma e Deus que seja pedido o perdão, e obtida a absolvição...
Todos, como Eu dizia, poderiam dizer-me, todos esses condenados: “Por que é que
a nós não nos ligastes ao Bem, como fizeste com Judas? E eles teriam razão.
Porque todo homem nasce com as mesmas
coisas naturais e sobrenaturais: um corpo e uma alma. E, enquanto o corpo,
sendo gerado pelos homens, pode ser mais ou menos robusto e são, desde o
nascimento, a alma, criada por Deus, é para todos igualmente dotada das mesmas
propriedades, dos mesmos dons por Deus. Entre as almas do João, falo do Batista,
e a tua, não havia diferença, quando elas foram infundidas na carne. E contudo
Eu te digo que, mesmo que a graça não a tivesse pré-santificado, para que o
Arauto de Cristo fosse sem mancha, como conviria que o fossem todos aqueles que
me anunciam, pelo menos no que diz respeito aos pecados atuais, a alma deles
teria sido, se teria tornado bem diferente da tua. Ou melhor a tua se teria
tornado diferente da dele. Porque ele teria conservado sua alma no frescor dos
que não tem culpa, e a teria até mais ornada de justiça, de acordo com a
vontade de Deus, que vos deseja todos justos e fazendo que cresçam os dons
gratuitos, recebidos com uma perfeição cada vez mais heroica. Tu, ao contrário,
devastaste e destruíste a tua alma e os dons a ela dados por Deus. Que é que
fizeste de tua liberdade de arbítrio? E de tua inteligência? Terás conservado
em teu espírito a liberdade que ele tinha? Tens usado a inteligência de tua
mente com inteligência? Não. Tu, tu que não queres obedecer a mim, não digo a
Mim-homem, mas nem mesmo a Mim-Deus, pois tu obedeceste a Satanás. Tu usaste a
inteligência de tua mente a liberdade do teu espírito para compreender as
Trevas. Porque assim quiseste. Diante de ti foram postos o Bem e o Mal. Depois
foi colocado diante de ti somente o Bem. Eu. O teu Eterno Criador, que tem
acompanhado o desenvolvimento de tua alma, pois que o Eterno Pensamento nada
deixa de conhecer de tudo o que se movem desde quando o tempo existe, e pôs
diante de ti o Bem, somente o Bem, porque Ele sabe que tu és mais fraco do que
uma alga da fossa.
Tu me gritaste, dizendo que eu te
odeio. Mas, sendo Tu um só com o Pai e o Amor, Um só aqui como no Céu, - porque
se em Mim há duas naturezas, e o Cristo por sua natureza humana, enquanto a
vitória não o livrar de suas limitações humanas, está agora em Efraim, e não
pode estar em outro lugar neste instante. Como Deus, o Verbo de Deus, Eu estou
no Céu e na Terra, estando sempre onipresente e onipotente a minha Divindade –
sendo Eu agora um só com o Pai e o Espírito Santo, a acusação a Mim feita, e
tu, foi a Deus Uno e Trino que a fizeste... Aquele Deus Pai, que te criou por
amor, Aquele Deus Espírito, que te falou tantas vezes, a fim de dar-te desejos
bons. É por amor. A este Deus Uno e Trino, que tanto de amou, que te trouxe para
o meu caminho, tornando-te cego para as coisas do mundo, a fim de dar-te tempo
para me veres, a fim de um modo de me ouvires. E tu... E tu... Depois de me
teres visto e ouvido, depois de teres livremente vindo ao Bem, ouvindo, com tua
inteligência que aquele era o único caminho para a verdadeira glória,
rejeitaste o Bem e livremente te entregaste ao Mal. Mas, se tu, com o teu livre
arbítrio, quiseste isso, se sempre mais rudemente tens repelido a minha mão,
que se te oferecia, para trazer-te para fora do sorvedouro, se tu sempre mais
te foste afastando do porto, para te afundares no furioso mar das paixões, do
Mal, podes dizer a Mim, Aquele do qual Eu procedo, Aquele que me formou homem
para procurar a tua salvação, podes tu dizer que te temos odiado?
Tu me tens censurado por ter querido o
teu mal. Também o menino mau reprova o médico e sua mãe, pelos remédios amargos
que o fazem beber e pelas coisas que ele deseja, e eles lhe negam para o seu
bem. Até este ponto Satanás tornou-te cego e doido, papa que tu não entendas
mais a verdadeira natureza, das medidas que Eu tenho tomado para contigo, e
para que tu possas chegar a dizer: “Será uma aversão, um desejo de arruinar-te,
isso é que é o providente cuidado do teu Mestre, do teu Salvador, do teu amigo
para curar-te? Eu te procurei ter sempre perto de mim... Tirei de tuas mãos o
dinheiro... Mas, tu não sabes, não percebes que ele é como certas beberagens
mágicas, que despertam em quem as tomou uma sede insaciável, e colocam dentro
do sangue um ardor, um furor cujo fim é a morte? Tu, estou lendo o teu
pensamento, me censuras, pensando assim: “E, então, porque é que durante tanto
tempo, me deixaste ser o administrador do dinheiro?” Por que assim foi? Porque,
se Eu te tivesse proibido, antes de tocar nas moedas, tu já te terias vendido
antes e terias roubado antes. Mas te vendeste assim mesmo, porque pouco podias
roubar... Mas Eu devia procurar impedir que isso acontecesse, sem violentar a
tua liberdade. O ouro é tua ruína. Pelo ouro tu te tornaste um luxurioso e um traidor...
Eis! Tu
acreditaste nas palavras de Samuel! Eu não sou... Diz Judas.
Jesus que
vinha se tornando cada vez mais claro em suas palavras, e contudo sem assumir
tons violentos, nem ameaçar com castigo, de repente dá um grito, e uma ordem,
que eu diria cheia de furor. Ele dardeja seus olhares sobre o rosto de Judas,
que se levantou para dizer aquela palavra, e lhe impõe um “cala
boca”, que mais se parece com o estampido de
um raio.
Judas se
agacha sobre os calcanhares, e não abre mais a boca. Faz-se um silêncio no qual
Jesus, com um visível esforço, recompõe sua humanidade, em uma compostura, e
sob um domínio tão poderoso, que só isso já dá testemunho do que nele há de
Divino. Recomeça a falar, com sua voz de costume, calorosa, doce, quando não é
severa, é persuasiva, conquistadora. Só os demônios é que resistem aquela voz.
Eu não preciso de que me fale Samuel,
nem ninguém para ficar sabendo de tuas ações. Tu dizes que não entendes mais as
minhas palavras. Pobre infeliz! Não entendes mais nem a ti mesmo. Não entendes
mais nem o bem, nem o mal. Satanás ao qual seguiste em todas as tentações que
ele te apresentava, te fez de bobo. Mas já houve um tempo em que tu me
entendias. E acreditavas que Eu sou quem Sou! E esta lembrança não se extinguiu
em ti. E, como é que podes crer que o Filho de Deus, que Deus tenha necessidade
das palavras de um homem para conhecer os pensamentos e as ações de um outro
homem? Tu ainda não estás tão pervertido, a ponto de não creres que Eu seja
Deus, e nisto está a tua maior culpa. Porque, que tu me creias ser Deus, isso
fica demonstrado pelo medo que tens de minha ira. Tu percebes que não estás
lutando contra um homem, mas contra o próprio Deus, e tremes. Tremes, porque
como Caim, tu não podes ver e pensar em um Deus diferente, que não seja um
vingador de si mesmo e dos inocentes. Tu tens medo de que aconteça como
aconteceu a Coré, Datã e Abiron e aos sequazes deles. E, assim mesmo, tu,
sabendo quem Eu sou, lutas ainda contra mim. Eu deveria dizer-te: Maldito! Mas
Eu não seria mais o Salvador.
Tu quererias que eu te expulsasse. Tu
fazes de tudo, e ainda o dizes, para chegar a isso. Esta razão não justifica as
tuas ações. Porque para separar-se de mim, não é preciso pecar. E tu o podes
fazer Eu te digo. Eu o venho dizendo desde Nobe, quando voltaste a Mim, em uma
linda manhã, todo sujo com tuas mentiras e libidinagens, como se tivesse saído
do Inferno, para ires cair na lama dos porcos ou na cama das macacas
libidinosas, e Eu tive que fazer um esforço contra mim mesmo para não te
repelir com a ponta da sandália, como um farrapo nojento e, para vencer a náusea
que me incomodava, não somente em meu espírito, mas até em minhas vísceras. Eu
sempre te disse isto. Mesmo antes de aceitar-te. Mesmo antes de vir para cá.
Portanto, foi para ti mesmo, para ti somente, que Eu fiz aquele sermão. Mas tu
sempre quiseste ficar... Para tua ruína. Tu! A minha maior dor!
Mas já pensas, e o dizes, ó herético
chefe de muitos que virão, que Eu sou superior á dor. Não. Somente ao pecado Eu
sou superior. Somente a ignorância é que Eu sou superior. Ao pecado, porque sou
Deus. E a ignorância, porque não pode haver ignorância na alma que não é lesada
pela Culpa Original. Mas Eu te falo como Homem, como o Homem, como o Adão
redentor que veio reparar a culpa do Adão pecador, a fim de mostrar como teria
ficado o homem, se tivesse permanecido como foi criado: inocente. Entre os dons
de Deus dados a Adão, por ventura não estava uma inteligência sem enganos e uma
ciência muito grande, visto que a união com Deus infundia no filho abençoado as
luzes do Pai Onipotente. Eu, o novo Adão, estou acima do pecado por minha
própria vontade.
Um dia, em tempo que já vai longe, um
homem decaído a tal ponto, que era inútil pôr diante de seus olhos as pérolas
preciosíssimas das virtudes de Cristo. Não terias compreendido o valor delas...
e as teria trocado por... umas pedras, pois tão grande era o tamanho delas!
Também no deserto Eu te respondi repetindo as palavras que Eu te havia dito
naquela tarde, indo para o Getsêmani.
Se tivesse sido João, ou Simão o
Zelotes que me repetisse aquele pedido, Eu teria respondido de uma outra
maneira, porque João é um puro, e não o teria feito com a malícia com que tu
fazias, pois tu estavas cheio de malícia... E porque Simão é um velho sábio, e,
mesmo sem deixar de conhecer a vida, como a ignora João, ele chegou aquela sabedoria
que sabe contemplar cada episódio sem receber dele alguma perturbação em seu
eu. Mas ele não chegaram jamais á tentação de perguntarem se Eu nunca havia
cedido ás tentações comuns, aquela tentação. Porque na pureza intemerata do
primeiro não há lembrança de luxúria, e, na mente meditativa do segundo há
muita luz para ver a pureza que resplende em mim.
Tu me perguntaste, e Eu te respondi.
Como Eu podia. Com aquela prudência que não deve nunca separar-se da
sinceridade, tanto uma como outra, santas aos olhos de Deus. Aquela prudência
que é como o tríplice véu, estendido entre o Santo e o povo, estendido para
guardar o segredo do Rei e aquela prudência que regula as palavras de acordo
com aquele que escuta, com sua capacidade intelectual para entender, com sua
pureza espiritual e com vossa justiça. Porque certas verdades, ditas aos sujos,
tornam-se motivo de risos, e não de veneração.
Não sei se te lembras de todas aquelas
palavras. Eu me lembro delas. E as repito aqui, nesta hora em que Eu e tu
estamos ambos à beira do Abismo. Porque... mas não é preciso dizer isso. Eu
falei no deserto em resposta aos porquê aos quais minha primeira explicação não
havia satisfeito: “O Mestre nunca se sentiu superior ao homem para ser “O
Messias”. Pelo contrário, sabendo que era o Homem, quis sê-lo em tudo, menos no
pecado. Para sermos mestres, precisamos ter sido alunos. Em tudo sábia, como
Deus. A minha inteligência Divina podia fazer-me, compreender até as lutas do
homem, para poder entender com os recursos de sua inteligência. Mas, algum dia,
meu pobre amigo teria podido me dizer: “Tu não sabes o que quer dizer ser homem
e ter os sentidos e as paixões.” E teria sido este um reparo justo. Eu vim aqui
para preparar-me, não somente para a minha missão, mas também para a tentação
de Satanás. Porque o homem não teria podido ter domínio sobre Mim. Satanás
veio, quando cessou a minha união solitária com Deus, e Eu percebi que era o
Homem, com uma verdadeira carne, sujeita ás fraquezas da carne: a fome, o
cansaço, a sede, o frio. Eu percebi o que é a matéria com as suas exigências, o
moral com as suas paixões. E, se por minha vontade dominei em seu nascimento
todas as paixões não boas, deixei que crescessem as paixões santas.
Lembras-te destas palavras? E Eu disse
também na primeira vez a ti, a ti somente: “A vida é um dom santo e por isso
deve ser amada santamente. A vida é um meio para se atingir um fim, que é a
eternidade.”
Eu disse: “Demos, então à vida o que
lhe serve para ela durar e para ajudar o espírito em sua conquista: continência
da carne em seus apetites, continência da mente em seus desejos, continência do
coração em todas as paixões que tem um sabor humano e um arrojo sem limites
para adquirir as paixões que são do Céu: o amor a Deus e ao próximo, a vontade
de servir a Deus e ao próximo, a obediência à voz de Deus, o heroísmo no bem e
na virtude.”
E foi, então, que me disseste que Eu
podia fazer isso, porque Eu era Santo, mas que tu não podias, porque eras um
homem jovem e cheio de vitalidade. Como se o ser jovem e vigoroso fosse uma
desculpa para entregar-se ao vício, como se somente os velhos e os doentes uns
pela idade e outros pela fraqueza, impotentes para aquilo que desejavas,
ardendo como estás de luxúria, estivessem livres da tentação, da sensualidade!
Nesse caso, Eu teria podido replicar-te em muitas coisas. Mas tu não estás em
condições de entendê-las. Nem mesmo agora o estás, mas pelo menos agora não
podes sorrir com aquele teu sorriso de incredulidade, se Eu te disser que o
homem sadio pode ser casto, se por si mesmo ele não der acolhida ás seduções do
demônio e da sensualidade.
Castidade é um afeto espiritual, é um
movimento que repercute sobre a carne, e a invade toda, a eleva, a perfuma e a
preserva. Quem está saturado de castidade não tem lugar para outros sentimentos
não bons. Nele não entra a corrupção. Não há lugar nele para ela. E, além
disso, a corrupção não entra vindo de fora. Ela não é um movimento de
penetração do exterior para o interior. Mas é um movimento que, do interior do
coração, do pensamento, sai para penetrar e invadir o invólucro que é a carne.
Por isso é que Eu disse que é do coração que saem as corrupções. Todo
adultério, toda luxúria, todo pecado sensual não é que tenham origem no
exterior. Mas vêm das artimanhas do pensamento que, estando corrompido, veste
com uma aparência pruriginosa tudo o que vê. Todos os homens têm olhos para
verem. Mas, como é que acontece, então, que a mulher que deixa indiferentes dez
homens, que olham para ela como para uma criatura semelhante a eles, e a veem como
uma bela obra da natureza, mas sem por isso sentirem que se levantam dentro
deles estímulos e fantasmas obscenos, como é que ela perturba ao undécimo
homem, e o leva até a concupiscências indignas? É porque aquele undécimo homem
já corrompeu o seu coração e seu pensamento e, onde os dez viram uma irmã, ele
só vê a fêmea.
E, mesmo sem dizer-te isso, o que Eu te
disse é que Eu vim, não para os anjos, mas para os homens. Eu vim para
restituir aos homens a sua realeza de filhos de Deus, ensinando-os a viverem
como deuses. Deus é sem luxúria ó Judas. Mas Eu vos quis mostrar que o homem
também pode viver sem luxúria. Eu vos quis mostrar que se pode viver como Eu
ensino. Para mostrar-vos isso, Eu tive que tomar uma carne verdadeira, para
poder sofrer as tentações do homem e dizer ao homem, depois de o ter instruído:
“Fazei como Eu.”
E tu me perguntas-te se Eu pequei ao
ser tentado. Tu te lembras? Eu te respondi, pois Eu estava vendo que não podias
entender que Eu tivesse sido tentado sem ter caído parecendo-te ser uma coisa
inconveniente a tentação para o Verbo, e impossível o não pecar o homem, e Eu
te respondi que todos podem ser tentados, mas que pecadores são somente aqueles
que o querem ser. O teu espanto foi grande, e ficaste tão incrédulo, que
insististe: “Pecaste alguma vez?” Naquele tempo ainda podias ser incrédulo. Nós
nos conhecíamos, havia pouco tempo. A Palestina está cheia de rabis, cuja
doutrina é o contrário da vida que eles levam. Mas agora tu sabes que Eu não
pequei, que Eu não peco. Tu sabes que a tentação, por forte que seja, torna o
homem são, viril, um vivente entre os homens, rodeado por eles e por Satanás,
mas não me perturba até o ponto de Eu pecar. Mas, ao contrário, toda tentação,
ainda que tentar repeli-la aumenta a virulência dela, porque o demônio a fazia
ficar sempre mais forte, para vencer-me, sendo para Mim uma vitória maior. E
isso não somente quanto á luxúria, um turbilhão que me havia rodeado, sem poder
abalar nem arranhar a minha vontade.
Não há pecado lá onde não há
consentimento na tentação, Judas. Mas já há pecado lá onde, mesmo sem consumar
o ato, se acolhe e se fica contemplando a tentação. Será um pecado venial, mas
já está a caminho do pecado mortal, que ele prepara em vós. Porque acolher a
tentação e demorar-se no pensamento, acompanhar mentalmente as fases de um
pecado é enfraquecer-nos anos mesmos. Satanás sabe disso, e por isso lança
diversas chamas, sempre esperando que uma delas penetre e trabalhe dentro de
vós. Depois já seria fácil procurar que o tentado se transforme em culpado.
Tu naquele tempo não compreendeste. Não
podias entender. Agora podes. Agora és menos merecedor do que naquele tempo,
porque já compreendes, e, no entanto, Eu te repito aquelas palavras que te
foram ditas, porque tu, e não Eu, és quem a tentação repelia não dá descanso...
Ela não te dá descanso... Ela não te dá descanso, porque, tu não a repeles
totalmente. Não completas o ato, mas guardas o pensamento dele. Hoje é assim, e
amanhã... Amanhã tu cais no verdadeiro pecado. Por isso é que Eu te ensinei a
pedir a ajuda do Pai contra a tentação. Eu, o Filho de Deus, Eu, o já vencedor
de Satanás, pedi ajuda ao Pai, porque sou humilde. Tu, não. Tu não pediste a
Deus a salvação, a preservação. Tu és soberbo. E por isso vais te precipitando
no abismo.
Lembras-te de tudo isso? E podes agora
compreender o que vem a ser para mim verdadeiro Homem, com todas as reações do
homem, o que é estar te vendo assim: luxurioso, mentiroso, ladrão, traidor e
homicida? Sabes que esforço me impões para tolerar-te perto de mim? Sabes que
cansaço me dás para dominar-me como nesta hora, para cumprir até o fim a minha
missão quanto a ti? Um outro homem qualquer já te teria pegado pelo pescoço, ao
ver que és um ladrão a arrombar e a apanhar moedas, sabendo que tu és o
traidor, e mais do que um traidor... Eis que Eu te falei. Ainda te falei com
piedade. Olha. Agora não é verão, mas pela janela vem entrando a brisa fresca
da tarde. E, no entanto, Eu estou suando como se tivesse ficado cansado pelo
mais rude dos trabalhos. Mas não fazes ideia do que isso me custa? Nem do que
és? Queres que Eu te expulse? Não. Nunca. Quando alguém está se afogando, será
um assassino quem assim o vir, e o deixar afogar-se. Tu estás entre duas
forças, que te puxam. Eu e Satanás.
Mas, se Eu te deixar, ficará só com
ele. E como te salvarás? Tu porém, me deixarás. Com o teu espírito, tu já me
deixaste. Pois bem. Eu ainda detenho junto a Mim a crisálida de Judas. O teu
corpo, já privado da vontade de me amar, esse teu corpo que para o bem é
inerte. Eu o detenho, enquanto tu não exigires também este nada, que são os
teus despojos, para uni-los ao teu espírito, a fim de poderes pecar com todo o
teu ser.
Judas! Não me dizes nada, ó Judas? Não
tens nem uma palavra para o teu mestre? Não tens algum pedido a fazer-me? Eu
não exijo que tu digas: “Perdão!” Eu já te perdoei muitas vezes sem resultado.
Eu sei que esta palavra é apenas um som sobre os teus lábios. Não é um gesto de
um espírito contrito. Eu quereria um gesto do teu coração. Será que já estás
tão morto, que nem sentes mais um desejo? Fala! Tens medo de mim> Oh! Se o
tivesses! Pelo menos isso!
Mas não me temes. Se tu me temesses, Eu
te daria as palavras que Eu te disse naquele dia longínquo no qual falávamos
das tentações e dos pecados: “Eu te digo que, depois do Delito dos delitos, se
o culpado dele corresse aos pés de Deus com verdadeiro arrependimento e,
chorando lhe pedisse o perdão, oferecendo-se para a expiação com confiança, sem
desesperar, Deus o perdoaria, e, por meio da expiação, o culpado ainda salvaria
o seu espírito.” Judas! Mas se tu não me temes, Eu te amo ainda. E a este meu
amor infinito não tens nenhum pedido a fazer agora?
Não. Ou,
pelo menos, uma só coisa. Que proíbas João de falar. Como queres que eu dê uma
reparação, se eu serei o opróbrio entre vós? E diz isso com orgulho.
E Jesus
lhe responde: “E
é assim que falas? João não falará. Mas tu, pelo menos Eu to peço, procura agir
de tal modo, que nada transpareça da tua ruína. Recolhe aquelas moedas, e
coloca-as na bolsa de Joana. Eu procurarei fechar o cofre com o ferro que
usaste para abri-lo.”
E,
enquanto Judas de má vontade, vai recolhendo as moedas que rolaram para todos
os lados, Jesus, como se estivesse cansado, se apóia no cofre aberto. A luz
vai-se apagando no quarto, mas não a ponto de não deixar ver que Jesus está
chorando sem fazer barulho, enquanto Ele olha para o apóstolo que, inclinado
está apanhando as moedas espalhadas.
Judas
terminou. Ele vai ao cofre. Pega a grande e pesada bolsa de Joana, põe nela as
moedas e a fecha dizendo: “Eis.” E se afasta. Jesus estende a mão para pegar a
gazua rudimentar feita por Judas, e, com a mão tremendo faz funcionar o
disparo, e fecha o cofre.
Pg.
112-131
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569 EM SILO, A PARÁBOLA DOS MAUS
CONSELHEIROS
Diz
Jesus:
“Ouvi. Uma vez um grande rei mandou
para uma parte do seu reino, que ele queria provar se lhe era fiel, o seu filho
amado, dizendo a ele: “Vai, percorre todos os lugares, faze benefícios em meu
nome, instrui o povo sobre mim, faze que eu seja conhecido e amado. Eu TR dou
todo poder, e tudo o que fizeres, estará bem feito.” O filho do rei, tendo
recebido a bênção do pai, foi para onde o pai o havia mandado, e levando
consigo algum dos seus escudeiros, seus amigos, incansavelmente pôs-se a
percorrer aquela parte do reino de seu pai.
Ora, aquela região, por uma sucessão de
acontecimentos desventurosos, se havia subdividido em partes, uma contra a
outra, cada uma por sua conta, dando grandes gritos, e enviavam instantes
súplicas ao rei, cada uma dizendo que era a melhor, a mais fiel, e que as
vizinhas eram pérfidas e merecedoras de castigo. Assim sendo, o filho do rei se
encontrou á frente de uns cidadãos cujos humores eram diferentes, conforme a
cidade a que pertenciam, mas iguais em duas coisas: a primeira, que cada um se
julgava melhor do que os outros, e a segunda, era o quererem eles destruir a
cidade vizinha e inimiga, fazendo que ela decaísse no conceito do rei. Mas,
justo e sábio como ele era, o filho do rei tentou então, com muita
misericórdia, tratar com justiça cada uma das partes daquela região, para
torná-la toda unida e bem amada por seu pai. E, como ele era bom, ia
conseguindo, ainda que lentamente, porque como sempre acontece, somente os de
coração reto de cada uma das províncias da região já seguiam os seus conselhos.
Contudo, é justo dizê-lo, justamente lá onde com desprezo se dizia haver menos
sabedoria e boa vontade, foi lá que ele encontrou mais boa vontade de ouvi-lo e
de se tornarem sábios na verdade.
Então os outros das províncias vizinhas
disseram: “Se não começarmos a agir, a graça do rei irá para esses que nós
desprezamos. Vamos então, vamos submeter aqueles que nós odiamos, e unamo-nos
fingindo que estamos convertidos e dispostos a depor os ódios, para prestarmos
honras ao filho do rei.” E começaram. Espalharam-se, fingindo-se amigos, por
entre as cidades da província rival, aconselhando com falsa bondade, as coisas
que haviam de ser feitas para honrar sempre mais e sempre melhor o filho do rei
e, portanto, ao rei seu pai. Porque uma honra prestada ao filho é também sempre
prestada a quem o mandou. Mas eles não honravam o filho do rei, pelo contrário,
eles o odiavam fortemente, até o ponto de quererem torná-lo odioso aos súbditos
ao próprio rei. Foram tão astutos em sua falsa bonomia, e tão bem souberam
apresentar como ótimos os seus conselhos, que muitos da região vizinha
acolheram como bom o que era mau, e deixaram o caminho justo que seguiam, para
tomar um injusto, constatando que sua missão entre muitos ia fracassando.
Agora dizei-me vós: qual foi o maior
pecador aos olhos do rei? Qual o pecado daqueles que aconselhavam e o daqueles
que aceitaram o conselho? E vos pergunto ainda: com quem é que aquele rei bom
terá sido mais severo? Não sabeis responder-me? Eu vo-lo direi.
O maior pecador aos olhos do rei foi
aquele que instigou para o mal o seu próprio próximo, por ódio ao mesmo, pois
queria rechaçá-lo para as trevas ainda mais profundas da ignorância, por ódio
para com o filho do rei, que queria sair-se bem em sua missão, fazendo-o
parecer um incapaz aos olhos do rei e dos súditos, por ódio para com o próprio
rei, porque se o amor dado ao filho é amor dado ao pai, igualmente o ódio dado
ao filho é ódio dado ao pai. Portanto, o pecado daqueles que aconselhavam mal,
com pleno conhecimento de que estavam aconselhando mal, era um pecado de ódio,
além de ser também de mentira, um ódio premeditado, e o daqueles que aceitaram
o conselho, crendo que ele era bom, era simplesmente um pecado de estultice.
Mas vós bem sabeis que é responsável
por suas ações aquele que é inteligente, ao passo que quem por doença ou outra
causa, é estulto, não é responsável, mas os seus pais é que são responsáveis
por ele.
Por isso, enquanto um rapaz não tem
maioridade, é tido como irresponsável, e é o pai que responde pelas ações do
filho. Por isso, o rei, que era bom, foi severo com os maus conselheiros
inteligentes e benigno para com os que foram enganados pelos outros, e lhes fez
apenas uma censura: a de terem acreditado neste ou naquele súbdito, antes de
ter ido perguntar diretamente ao filho do rei, e saber dele quais eram em
verdade as coisas que deviam ser feitas. Porque somente um filho é que sabe
realmente as vontades de seu pai.
Esta é a parábola, ó povo de Silo. De
Silo, onde muitas vezes, no correr dos séculos, foram dados por Deus, pelos
homens e por Satanás conselhos de diversas naturezas, os quais floresceram
produzindo o bem, quando eram conselhos de bem, ou foram rejeitados, quando
foram reconhecidos como conselhos de mal, que floresciam produzindo o mal, não
acolhidos quando eram Santos e acolhidos quando eram maus.
Porque o homem tem esta magnífica
liberdade de querer e pode livremente querer, o bem ou o mal, e tem outro
magnífico dom, o de uma inteligência capaz de discernir o bem e o mal e por
isso não somente o conselho em si mesmo, mas o modo com o qual pode ser aceito,
o faz merecer prêmio ou castigo.
Porque se ninguém há que proíba os maus
de tentar o seu próximo para arruiná-lo, nada pode impedir aos bons de
repelirem a tentação e permanecerem fiéis ao bem. Um mesmo conselho pode fazer
mal a dez e ajudar a outros dez. Porque, se quem o segue fica prejudicado, quem
não o segue ajuda a sua alma.
Por isso, ninguém diga: “Disseram-me
que eu fizesse.” Mas cada um diga sinceramente: “Eu quis fazer.” Tereis assim,
pelo menos o perdão que se dá aos sinceros. E, se não tendes a certeza da
bondade dos conselhos que recebestes, meditai antes de aceitá-los e de pô-los
em prática. Meditai, invocando o Altíssimo o qual não deixa nunca de dar as
suas luzes aos espíritos de boa vontade. E, se a vossa consciência, iluminada
por Deus, vê, ainda que seja um só ponto, pequenino, quase imperceptível, mas
tal que não possa estar em nenhuma obra de fidelidade, então dizei: “Isto eu
não farei, porque é uma fidelidade espúria.”
Oh! Em verdade Eu vos digo que quem
fizer bom uso de sua inteligência e de sua liberdade de escolha, e invocar ao
Senhor para poder ver a verdade das coisas, não será arruinado pela tentação,
porque o Pai do Céu o ajudará a fazer o bem, contra todas as insídias do mundo
e de Satanás...
... Os conselhos têm dois valores: o
valor da fonte da qual eles provêm. E isso já é uma grande coisa, porque pode
ter consequências incalculáveis; e o coração ao qual eles foram dados. O valor
que dá a eles o coração ao qual eles foram propostos é um valor, não só
incalculável, mas imutável. Porque se o coração é bom, e segue o bom conselho,
dá ao conselho o valor de obra justa, e, se não o segue, tira a segunda parte
do valor, ao mesmo tempo que continua como conselho, mas nada produz, pois o
mérito dele será para quem o deu. E, se o conselho é mau, e não é acolhido pelo
coração bom, e em vão tentado com blandícias ou terrores para levá-lo á
prática, então ele adquire um valor de vitória sobre o mal, e de martírio pela
fidelidade ao bem e por isso prepara um grande tesouro no Reino dos Céus.
Quando pois, o vosso coração for
tentado por outros, meditai, pondo-vos sob a Luz de Deus. Se isso pode ser
palavra boa, e se, com a ajuda de Deus, que permite as tentações, mas que não
quer a vossa ruína, olhai se isso é, ou não coisa boa, e sabei dizer a vós
mesmos a quem vos tenta:
“Não. Eu continuo fiel ao meu Senhor, e
que esta fidelidade me absolva dos meus pecados passados, e me readmita, não do
lado de fora, mas do lado de dentro, nos confins dele, porque também para mim o
Altíssimo mandou o seu Filho, a fim de conduzir-me à salvação eterna.”
Pg.
141-145
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570 – EM LEBONA, A PARÁBOLA DOS MAL
ACONSELHADOS
Diz
Jesus:
“Ouvi. Tempos atrás, havia uma família
muito numerosa, que mais parecia uma tribo. Os filhos em grande número se
haviam casado, e formaram, ao redor da primeira muito numerosa, muitas outras
famílias ricas de filhos, e estes, por sua vez, casando-se, haviam formado
outras famílias. Desse modo o velho pai se achou á frente de um pequeno reino,
do qual ele era o rei. Como sempre acontece nas famílias, entre os muitos
filhos e os filhos dos filhos, bem diversos eram os caracteres. Uns eram bons e
justos, outros eram prepotentes e injustos. Uns estavam contentes com o que
tinham, outros estavam invejosos, parecendo a estes que sua parte era menor do
que a do irmão, ou do parente. Ora, ao lado do mais malvado, estava o melhor de
todos. E era natural que o bom fosse mais ternamente amado pelo pai de toda a
grande família. E, como sempre, aconteceu que o malvado e aqueles mais
semelhantes a ele, passaram a odiar o bom, porque ele era mais amado, sem
refletirem que eles também teriam podido ser amados, se tivessem sido bons como
ele. E o bom, ao qual o pai confiava os seus pensamentos, para que ele os fosse
transmitir a todos, era acompanhado pelos outros bons. De tal modo que, depois
de muitos anos, a grande família se havia dividido em três partes. A dos bons e
a dos maus. E, entre esta e aquela, estava a terceira parte, formada pelos
duvidosos, os quais se sentiam atraídos pelo filho bom, mas tinham medo do
filho mau e dos que eram do partido dele. Esta terceira parte procurava
acomodar-se entre uma e a outra das duas primeiras, e não sabia decidir-se nem
por uma nem por outra, com firmeza.
Então o velho pai, vendo aquela
incerteza, disse ao seu filho: até agora, tu fizeste uso da tua palavra,
especialmente a favor daqueles que a recebem bem e por aqueles que não a
recebem, porque os primeiros a querem para me amarem sempre com mais justiça, e
os outros são uns estultos, que devem ser chamados á justiça. Mas tu estás
vendo como estes estultos, não só não o aceitam, ficando como eram, mas a sua
primeira injustiça contra ti, que és cumpridor da minha vontade, eles unem
ainda a de corromper com maus conselhos, aqueles que ainda não sabem querer de
verdade o caminho melhor.
Vai então a eles, e fala-lhes sobre o
que é que eu sou, e sobre o que tu és, e sobre o que é que eles devem fazer
para estarem comigo e contigo. O filho sempre obediente, foi fazer como o pai
queria, e cada dia ia procurando conquistar os corações. Assim o pai pôde ver
claramente quais eram os seus filhos que eram claramente rebeldes, e olhava
para eles com severidade, mas sem reprová-los, porque ele era pai, e queria
atraí-los com paciência, com amor e com o exemplo dos bons.
Mas os malvados, vendo-se sozinhos,
disseram: “Assim, claramente demais fica parecendo que nós somos os rebeldes.
Antes, nos confundiam com aqueles que não eram nem bons nem maus. Agora,
olhai-os lá! Vão indo todos atrás do filho dileto. É preciso agir. Destruir o
trabalho deles. Vamos, finjamo-nos de arrependidos, entre aqueles que acabaram
de converter-se agora, e também entre os melhores dentre os mais simples. E
espalharemos por aí que o filho dileto apenas finge que está servindo ao pai,
mas na verdade, mas na verdade ele se faz um dos seguidores dele, para depois
revoltar-se contra ele. Ou então, digamos que o pai tem a intenção de eliminar
o filho e seus seguidores, porque estão triunfando demais e ofuscando a sua
glória de pai-rei, longe da casa paterna, onde o que o espera é a traição.”
E lá se foram, tão astutamente finos em
sugerir e em espalhar boatos e conselhos, que muitos caíram na armadilha,
especialmente aqueles que havia pouco tempo que se tinham convertido, e aos
quais os maus conselheiros davam este mau conselho: “Estais vendo quanto ele
vos amou? Ele achou melhor vir para o meio de nós do que ficar com o pai, ou,
muito menos, com os bons irmãos e, tanto ele fez, que à vista do mundo, vos
levantou de vossa objeção de seres que não sabiam nem o que queriam, e por isso
eram objeto de zombaria para todos. Por causa dessa predileção dele por vós,
vós tendes o dever de defendê-lo, e até de entregá-lo até com a força, se não
bastarem as vossas palavras para persuadi-lo, ou então, revoltai-vos,
proclamando-o vosso chefe e rei, e marchai contra o pai iníquo e os filhos
iníquos como ele.”
Estavam ainda falando a quem estava
hesitando, e faziam esta observação: “Mas ele quer, sempre quis que nós
fossemos como ele prestar honras ao pai e conseguiu para nós bênçãos e perdão”,
e diziam a esses: “Não acrediteis. Nem tudo o que ele disse é verdade, nem toda
a verdade ele vos mostrou. Ele fez assim porque percebe que o pai está para
traí-lo, e quis submeter à prova os vossos corações, a fim de saber onde
encontrar proteção e refúgio. Mas talvez... ele seja muito bom. Talvez depois
se arrependerá de ter duvidado do pai e quererá voltar para ele. Não permitais
isso.”
E muitos prometeram: “Não o
permitiremos”, e se entusiasmaram com seus planos para deterem o filho
predileto, sem se darem conta de que, enquanto isso, os maus conselheiros
diziam: “Nós vos ajudaremos a salvar o bendito” , e os olhos deles estavam
cheios de um brilho de mentira e de crueldade, e que eles o piscavam, enquanto
esfregavam as mãos, e diziam sussurrando: “ Estão caindo na armadilha! Nós
triunfaremos!”, a cada vez que mais alguém aderia ás traiçoeiras palavras
deles.
Depois eles se foram, os maus
conselheiros. Lá se foram, espalhando por outros lugares o boato de que dentro
em breve se haveria de ver a traição do filho dileto, que sairia das terras do
pai pra criar um reino contra o pai, com aqueles que tinham ódio ao pai, ou
pelo menos tinham um amor duvidoso. E os que acolhiam as sugestões dos maus
conselhos, enquanto isso, tramavam quanto ao modo de fazer o filho dileto cair
no pecado de uma rebelião, que haveria de escandalizar o mundo.
Somente os mais sábios entre eles,
aqueles nos quais havia penetrado mais profundamente a palavra do justo, e
neles havia lançado suas raízes, por terem caído em terreno desejoso de
acolhê-la é que disseram, depois de terem refletido: “Não. Não é bom fazer
isso, é um ato de maldade para com o pai, contra o filho, e até contra nós. Nós
conhecemos a justiça e a sabedoria tanto de um, como do outro. E a conhecemos,
ainda que infelizmente não lhe tenhamos obedecido sempre. E não devemos ficar
pensando que os conselhos daqueles que sempre estiveram abertamente contra o
pai e a justiça, e até contra o filho predileto do pai, possam ser mais justos
do que aquele que nos deu o filho bendito.” E não os acompanharam. Pelo
contrário, com amor e dor, deixaram ir o filho lá para onde queria, e se
limitaram a acompanhá-lo, com sinais de amor até os limites de seus campos, e a
prometer-lhe, ao se despedirem: “Tu vais. Nós ficamos. Mas as tuas palavras
estão em nós e, de agora em diante, faremos o que o pai quer. Vai tranquilo. Tu
nos tiraste sempre do lugar em que nos encontraste. Agora, colocados no bom
caminho, saberemos ir para a frente por ele, até chegarmos à casa do pai, de
tal modo, que sejamos abençoados por ele.”
Do outro lado alguns aderiram aos maus
conselhos, e pecaram tentando levar ao pecado o filho predileto e zombando
dele, chamando-lhe de bobo, quando ele teimava em cumprir o seu dever. Agora Eu
vos pergunto: Porque foi que um mesmo conselho produziu efeitos diferentes? Não
respondeis?
Eu vo-lo direi, como já o disse em
Silo. Foi porque os conselhos ganham valor, ou não valem nada, conforme o caso,
se são ou não são bem recebidos. Inutilmente alguém é tentado com maus
conselhos, porque se ele não quer pecar, não pecará. E não será punido por ter
tido que ouvir as insinuações dos malvados. Não será punido porque Deus é
justo, e não pune por culpas não cometidas. Será punido se, depois de ter
ouvido o Mal que tenta, sem fazer uso da inteligência para meditar na qualidade
do conselho nem na origem dele, o vai pôr em prática. E não terá desculpa se
disser: “Eu pensei que ele era bom.” Bom é aquilo que agrada a Deus. Poderá por
acaso Deus aprovar e receber com agrado uma desobediência? Pode Deus abençoar
uma coisa que redunda em desobediência? Pode Deus abençoar uma coisa que esteja
em contraste com sua Lei, isto é, com sua Palavra? Em verdade Eu vos digo que
não, Eu vos digo que é necessário saber morrer e não transgredir a Lei Divina.
Pg.
149-152
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572 – EM SIQUÉM A ÚLTIMA PARÁBOLA SOBRE
OS CONSELHOS DADOS E RECEBIDOS
A praça
principal de Siquém está incrivelmente cheia de gente. Creio que a cidade toda
esteja nela e que tenham convergido para lá até os habitantes dos campos e dos
lugares vizinhos. Os de Siquém, na tarde do primeiro dia, devem ter-se
espalhado, para darem o aviso em todos os lugares, e todos vieram: os sãos e os
doentes, os pecadores e os inocentes. Estando já cheia a praça, cheios os
terraços até sobre os telhados, as pessoas se empoleiraram até nas árvores que
fazem sombra sobre a praça.
Na
primeira fila, perto do lugar conservado livre para Jesus, na frente de uma
casa construída sobre quatro degraus, estão os três menininhos que Jesus tomou
dos ladrões, e os pais deles. Como os pequenos estão ansiosos por ver o seu
Salvador. Cada grito os faz virar a cabeça, procurando vê-lo. E, quando se abre
a porta da casa nela aparece Jesus, os três pequeninos voam para a frente, com
um só grito: “Jesus! Jesus!”, e sobem pelos degrauzinhos, mesmo sem esperarem
que Ele desça para abraçá-los. E Jesus se inclina e os abraça, levantando-os
depois, como um ramalhete vivo de flores inocentes e Ele os beija nos
rostinhos, e por ele é beijado.
O povo
faz um murmúrio de comoção, e uma voz diz: “Não há quem saiba beijar os nossos
inocentes como Ele.” E outras vozes dizem: “Estais vendo como Ele os ama? Ele
os salvou dos ladrões, deu-lhes uma casa, depois deste-lhes matado a fome e
dado roupas, e agora os beija, como se fosse, filhos de suas vísceras.”
Jesus pôs
os pequeninos no chão, sobre o degrau mais alto, perto do seu corpo, e
respondendo a todos, aquelas últimas palavras, não se sabe de quem:
Em verdade, mais do que filhos de
minhas vísceras, eles existem por Mim, porque Eu sou o pai de suas almas, e
elas são minhas, não pelo tempo que passa, mas pela eternidade que fica. Assim
pudesse Eu dizer a cada homem que é de Mim, que sou a Vida, recebesse vida para
sair da morte.”
Eu vos convidei a isso, quando vim pela
primeira vez ao meio de vós, e vós pensastes que havia ainda muito tempo para
vos decidirdes a fazê-lo. Só uma é que se preocupou em atender o chamado e a
andar pelo caminho da vida: a que era a criatura mais pecadora entre vós.
Talvez, justamente por já sentir-se morta, ter-se visto morta, apodrecida em
seu pecado, é que ela tenha sentido pressa para escapar da morte. Vós não vos
sentis, nem vos vedes mortos, e a pressa que ele tinha, vós não tendes. Mas
qual é o doente que espera ficar morto, para depois ir atrás dos remédios que
dão vida? O morto só tem necessidade do sudário, dos aromas, e de um sepulcro
no qual possa jazer para nele se tornar pó, depois de ter passado pela
podridão. Porque para os seus sábios fins, a podridão de Lázaro, por vós olhada
com olhos arregalados pelo temor e pelo estupor foi pelo Eterno transformada em
saúde, isso não deve servir para que alguém, ao chegar perto da morte do
espírito, diga: “O Altíssimo me dará de novo a vida da alma.” Não tenteis ao
Senhor vosso Deus.
Vinde agora para a Vida. Não há mais
tempo para esperar. As uvas estão para serem colhidas e prensadas. Preparai o
vosso espírito para o Vinho da Graça, que está para ser-vos dado. Não é assim
que fazeis quando tendes que tomar parte em algum grande banquete? Não preparais
o vosso estômago para receber os alimentos e os vinhos finos, fazendo do
banquete uma prudente abstinência, que irá fazer o paladar discernir melhor os
gostos, e o estômago para receber bem, e desejar mais do alimento e das
bebidas? E não é assim que faz o vinhateiro, quando prova do vinho que acaba de
ser feito? Ele não estraga o seu paladar no dia em que vai provar o vinho novo.
Não faz isso, porque quer perceber com exatidão as boas qualidades e os
defeitos, para corrigir estes e melhorar aquelas, e assim poder vender bem a
sua mercadoria. Mas, se sabe fazer assim, o convidado para o banquete, a fim de
poder apreciar com maior prazer as bebidas e os vinhos, e se assim faz o
vinhateiro para poder vender bem o seu vinho, ou então para fazer ficar mais vendável
aquela que, se tiver defeito, seria recusado pelo comprador, não é verdade de
assim deveria fazer o homem, para o bem do seu espírito, como preparação para
os gozos do Céu, a fim de ganhar o tesouro, que é poder entrar no Céu.
Escutai o meu conselho. Este si, é que
é bom escutar. É um bom conselho. Um conselho justo, e dado pelo Justo, que em
vão foi mal aconselhado, porque Ele quer livrar-nos dos frutos dos maus
conselhos que tendes recebido. Sede justos como Eu sou. E procurai saber dar o
justo valor aos conselhos que vos são dados. Se souberdes fazer-vos justos,
dar-lhes-eis o justo valor.
Ouvi uma parábola. Ela termina o ciclo
daquelas contadas em Silo e em Lebona, e sempre fala dos conselhos dados e
recebidos.
Um rei mandou o seu filho querido ir
visitar o seu reino. O reino desse rei estava dividido e, muitas províncias,
pois era um reino muito grande. E as províncias tinham do rei um conhecimento
diferente. Algumas o conheciam tão bem, que pretendiam ser suas prediletas, e
se orgulhavam disso. Segundo elas, se já eram perfeitas por conhecerem o rei, e
por saberem o que ele desejava. Outras o conheciam, mas sem se julgarem sábias
por isso, e se empenhavam em procurar conhecê-lo sempre mais. Outras tinham
conhecimento do rei, mas o amavam a seu modo e tinham feito para si um código
especial, que não era o verdadeiro código do reino, do verdadeiro código elas
haviam aproveitado o que lhes agradava e até onde lhes agradasse, e depois
haviam deturpado até aquele pouco, com a mistura de outras leis copiadas de
outros reinos, ou feitas por elas mesmas, e que não eram boas. Não. Não eram
boas. Outras havia ainda, que conheciam muito menos o seu rei, e outras apenas
sabiam que havia um rei. E nada mais do que isto. E o pouco que sabiam, ainda o
consideravam demais.
O filho do rei saiu para ir visitar o
reino de seu pai, e para levar a todas as regiões um conhecimento exato do rei,
nuns lugares corrigindo os soberbos, noutros se esforçando por animar os
abatidos, e noutros retificando conceitos errados aqui, persuadindo os errados
a tirarem de suas leis as passagens erradas, que não devem constar em uma lei
pura, e lá ensinavam como preencher as lacunas das leis, ou noutros lugares
instruindo para dar um mínimo de conhecimento e de fé no rei verdadeiro, do qual
todos os homens eram súbditos.
Este filho do rei pensava, porém que
nesta primeira vez a todos estava sendo dado um exemplo do que é uma justiça
segundo o código, tanto em suas partes mais graves, como nas coisa menores. E
ele era perfeito, e a tal ponto, que de boa vontade começou a melhorar e a
seguir e imitar tanto as ações, como as palavras do filho do rei, pois suas
palavras e suas ações eram uma coisa só, pelo tanto que umas correspondiam com
as outras, sem nenhuma dissonância.
Mas os das províncias, que se julgavam
perfeitos, só porque conheciam o que estava escrito no código, mas sem saberem
o que aquilo significava, viam que pela observância daquilo que o filho do rei
fazia e daquilo que ele os exortava a fazer era claro até demais, pois eles conheciam
a letra do código, mas não tinham conhecimento do que estava dito nas leis do
rei, e com isso ficava desmascarada a hipocrisia deles. Então pensaram em
acabar com aquilo que os fazia parecer o que não eram. E, para conseguirem
isso, foram por dois caminhos. Um deles era ir contra o filho do rei, e o outro
era ir contra os que o acompanhavam. Ao primeiro deram maus conselhos e lhe
moveram perseguições. Ao segundo, maus conselhos e intimidações.
Há muitas coisas que são maus
conselhos. Por exemplo, é um mau conselho dizer: “Não faças isto, que te pode
prejudicar”, fingindo estar bem interessado. E é um mau conselho perseguir para
persuadir aquele que se quer extraviar e faltar à sua missão. É um mau conselho
dizer aos seguidores: “Defendei, a todo custo, e com todos os meios, o justo
perseguido”, e é um mau conselho dizer aos seguidores: “Se vós protegerdes
ireis ao encontro do nosso ódio.”
Mas Eu não falo aqui dos conselhos
dados ao filho do rei ou que fizeram que fossem dados. Com uma falsa bondade, com
uma lividez de ódio, ou pela boca de recadeiros ignorante, levados a fazer o
mal, crendo que estavam ajudando.
O filho do rei escutou esses conselhos
deles. Ele tinha ouvidos, olhos, inteligência e coração. Mas não podia
ouvi-los, nem vê-los, nem entendê-los, nem examinar o que diziam, O filho do
rei, porém, tinha mais do que tudo, o espírito reto de um verdadeiro justo, e a
todos os conselhos, dados ciente ou inconscientemente para fazê-lo pecar, dando
um mau exemplo aos súbditos de seu pai, respondeu: “Não. Eu faço o que meu pai
quer. Eu sigo o código dele. O fato de ser filho do rei não me exime de ser o
mais fiel dos seus súditos na observância da lei.
Vós que me odiais e me quereis
amedrontar, ficai sabendo que nada me fará violar a lei. Vós que me amais, e me
quereis salvar, ficai sabendo que Eu vos bendigo por esse vosso pensamento, mas
ficai sabendo também que o vosso amor e o amor que Eu vos tenho, visto que sois
mais fiéis do que aqueles que dizem ser “sábios”, não me deve fazer ser injusto
no cumprimento do meu dever com um amor maior, que é o que Eu devo ao meu Pai.
Esta é a parábola, meus filhos. Ela é
tão clara, que cada um de vós pode tê-la compreendido. E nos espíritos retos só
pode surgir esta apreciação: “Ele é realmente o justo, porque nenhum conselho
humano o pode arrastar para o caminho do erro.” Sim, filhos de Siquém. Nada me
pode arrastar ao erro. Ai de Mim, se Eu andasse no erro. Ai de Mim, e ai de
vós. Em lugar de ser o vosso Salvador, seria o vosso traidor, e teríeis razão
de odiar-me. Mas Eu não o farei.
Não vos censuro por terdes aceitado
sugestões, e pensado em tomar medidas contra a justiça. Não sois culpados,
posto que o fizestes Poe espírito de amor. Mas Eu vos digo que o que disse no
princípio e no fim, e a vós Eu o digo: vós me sois queridos, do que se fôsseis
filhos de minhas vísceras, porque sois filhos do meu espírito. Eu o trouxe a
vida, e ainda i farei mais. Sabei, e seja esta a lembrança de mim, sabei que Eu
vos abençoo pelo pensamento que tivestes no coração. Mas crescei na justiça,
querendo somente o que é honra prestada ao Deus verdadeiro, para o qual é
necessário ter um amor absoluto, como o que nenhuma criatura é dado. Vinde a
esta perfeita justiça que esmaga os egoísmos do próprio bem estar, os medos dos
inimigos e da morte, esmaga tudo, para fazer a vontade de Deus. Preparai o
vosso espírito. A aurora da Graça está chegando. O banquete da Graça já vem
perto. As vossas almas, as almas daqueles que querem ir a Verdade, estão na
vigília de suas núpcias, de sua libertação, de sua redenção. Preparai-vos em
justiça para a festa da Justiça.
Pg.
156-160
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575 – HORRÍVEL ACOLHIDA EM TERSA.
EXTREMA TENTATIVA DE REDIMIR JUDAS
...”Estás vendo Judas, como é fácil
morrer. Estejamos sempre de atalaia, pois a morte está ao redor de nós. Estás
vendo como o que parece de pouca importância, quando estamos cheios de vida,
torna-se muito importante, gravemente importante, quando a morte se aproxima de
nós. Mas, porque queres ter esses medos, e ficar criando-os para ficar com eles
no momento de morrer, quando, com uma vida santa, se pode ignorar o que seria o
espanto do próximo julgamento feito por Deus? Não te parece que é melhor para
ti viver como os justos, para teres uma morte tranquila? Judas, meu amigo. A
divina e paterna misericórdia permitiu esse acontecimento, a fim de que ele
fosse um alerta para o teu coração. Ainda estás em tempo, Judas... Por que não
queres dar ao teu Mestre, que está para morrer, a grande alegria de saber que
te voltaste para o bem?”
“Mas, me
podes perdoar ainda, Jesus?”
“E Eu te falaria assim, se Eu não
pudesse? Conheces-me ainda bem pouco! Mas Eu te conheço. Eu sei que tu estás
como quem foi agarrado por um polvo gigante. Mas, se tu quisesses ainda
poderias livrar-te dele! Oh! Sofrerias certamente. Tirar as correntes que te
mordem e envenenam seria uma dor... Mas depois, quanta alegria, Judas! Tens
medo de não teres força para reagir contra os que te sugestionam? Eu posso
absorver-te antecipadamente do pecado de transgressão do rito pascal... Tu és
um doente. Para os doentes a Páscoa não é obrigatória. Ora, ninguém há mais
doente do que tu, acredita Judas, que o comparecimento diante do Senhor, com o
espírito imundo, como o tens agora, não é honrar ao Senhor, mas ofendê-lo. É
preciso primeiro...”
“Porque,
então, não me purificas e curas?”
“Eu não te curo! Quando alguém está
doente, procura por si mesmo a cura. A não ser que ele seja um menininho, ou um
doido, que não sabem querer...”
“Trata-me
como um desses. Trata-me como um doido, e toma Tu as providências, ainda que eu
não o esteja sabendo.”
“Isso não seria justo, porque tu podes
querer. Tu sabes o que é bom e o que é mau para ti. E não valeria o meu ato de
curar-te, sem a tua vontade de permanecer curado.”
“Então
dá-me esta também.”
“Dá-la a ti? Impor a ti uma vontade
boa? E a tua liberdade? Que é que ela se tornaria, então? Que é que ficaria
valendo o teu eu de homem, como criatura livre? Seria um brinquedo?”
“Assim
como sou brinquedo nas mãos de Satanás, poderia sê-lo nas mãos de Deus!”
“Como tu me feres, Judas! Como me
transpassas o coração! Mas disso que me fazes Eu te perdoo... Brinquedo de
Satanás, tu disseste. Eu não diria uma coisa tão horrível...”
“Mas
pensavas nela, porque é verdadeira, e porque Tu a conheces, se é verdade que Tu
lês nos corações dos homens. Se assim é, Tu sabes que eu não sou mais livre por
mim mesmo... Ele me prende e ...”
“Não. Ele não se aproximou de ti
tentando-te, experimentando-te, e tu o acolheste. Não existe possessão, se não
houver no irmão alguma adesão a qualquer tentação de Satanás. A Serpente
intromete a cabeça por entre as barreiras fincadas e colocadas em defesa dos
corações, mas ela não entraria, se o homem não lhe alargasse uma passagem para
ela ir admirar seu aspecto sedutor, e para ouvi-la e seguir seus passos. Se
isto é que o homem é: um súcubo, um possesso, mas porque ele quer. Também Deus
emite dos Céus suas dulcíssimas luzes, as do seu amor paterno, e suas luzes
penetram em nós. Ou melhor, para quem tudo é possível, desce aos corações dos
homens. É um seu direito. Por que é, então, que o homem, que sabe tornar-se
escravo, súcubo do Horrendo, não sabe fazer-se servo de Deus, ou melhor, filho
de Deus, e expulsa seu Pai Santíssimo? Não me respondes? Não me dizes porque
foi que preferiste Satanás a Deus? Contudo ainda estarias sem tempo para te
salvares! Tu sabes que Eu vou morrer. Ninguém, como tu, sabe disso... Eu não me
recuso a morrer. Eu vou. Vou para a morte, porque a minha morte será a vida
para muitos. Por que não queres tu ser um deles? Será que para ti, meu amigo,
meu pobre e doente amigo, é que será inútil a minha norte?”
“Será
inútil para muitos, não te iludas. Farias melhor, se fugisses e fosses viver
longe daqui, gozar a vida, ensinar a tua doutrina, porque é boa, mas não te
sacrificares.”
“Ensinar a minha doutrina! Mas que é
que Eu ensinaria de mais verdadeiro, se Eu fizesse o contrário do que Eu
ensino? Que Mestre Eu seria, se pregasse a obediência à vontade de Deus, e não
a cumprisse, o amor aos homens, e depois não os amasse, a renúncia à carne e ao
mundo e não dar escândalo, e depois escandalizasse, não somente os homens, mas
até os anjos, e assim por diante? Por meio de ti foi o Satanás que falou neste
momento. Como ele falou em Efraim, e como muitas vezes falou e agiu, por meio
de ti, para me perturbar. Eu reconheço todas essas ações de Satanás, levadas a
efeito por meio de ti, e Eu não te odiei, não fiquei cansado contigo, mas
somente senti uma pena infinita.
Como uma mãe que vigia os progressos de
uma doença, que vai levando para a morte o seu filho, assim Eu vim observando o
progresso que o mal vinha fazendo em ti. Como um pai que não toma como incômodo
coisa alguma, contanto que encontre os remédios para o seu filho doente, assim
Eu não me poupei a nada, a fim de procurar salvar-te; superei a repugnância, os
desprezos, as amarguras, os desconfortos... Como um pai e uma mãe desolados,
desiludidos com todos os recursos humanos, e que se voltam para o Céu para
obterem a vida de seu filho, assim Eu tenho gemido, e gemo, implorando um
milagre que te salve, estando tu já á beira do abismo, que já está tirando a
terra debaixo dos teus pés, Judas, olha para mim. Daqui a pouco o meu sangue
será derramado pelos pecados dos homens. Dele não restará nem uma gota. Beberão
dele as covas, as pedras, as ervas, as cordas, os espinhos de nabacá... e o
beberão os espíritos que esperam a salvação... Será que só tu é que não queres
beber? Eu, para ti somente daria todo o meu sangue. Tu és o meu amigo. E de boa
vontade se morre pelo amigo! Para salvá-lo como dizem. Eu morro, mas Eu
continuarei a viver no amigo, para salvá-lo. Dizem: “Eu morro. Mas Eu
continuarei a viver no amigo, ao qual Eu dei a minha vida.
Como uma mãe, como um pai, que
continuam a viver em sua prole, mesmo depois de já terem morrido. Judas, Eu te
suplico isto. Não peço outra coisa, nas vésperas de minha morte. Ao condenado
também os juízes, e até os seus inimigos costumam conceder uma última graça,
atendem ao último desejo dele. Eu te peço que não te condenes. Não o peço
somente ao Céu, mas a ti, á tua vontade. Pensa em tua mãe, Judas. Que será de
tua mãe, depois? Como ficará o nome de tua família? Eu pelo ao teu orgulho,
pois ele é que está mais feroz do que nunca, e não quer defender-te para
livrar-te da desonra. Não te desonres, Judas. Pensa. Passarão os anos e os
séculos, cairão os reinos e os impérios, diminuirá o brilho das estrelas,
mudará a configuração da terra, e tu serás sempre Judas, como Caim é sempre o
Caim, se tu persistires no teu pecado. Os séculos chegarão ao fim, e só ficarão
o Paraíso e o Inferno, e no Paraíso e no Inferno, para os homens que
ressuscitaram julgados merecedores de ficar de alma e corpo para sempre, lá onde
for justo que fiquem, tu estarás para sempre como Judas, o maldito, o maior dos
culpados, se não te arrependeres. Eu descerei para livrar os espíritos do
Limbo, e os tirarei em grande número do Purgatório, e tu... A ti, do lugar para
onde tiveres ido não poderei tirar-te, Judas. Eu vou morrer, mas vou feliz,
porque chegou a hora que Eu esperava, há muitos milênios, é a hora de reunir os
homens com o Pai deles.
Muitos serão os que Eu não reunirei.
Mas o número dos salvos, que Eu contemplarei ao morrer, me consolará na mágoa
de ter morrido inutilmente por tantos. Mas, Eu te digo, será horrível verte
entre eles, a ti, meu apóstolo, meu amigo. Não me causes essa dor inumana... Eu
te quero salvar, Judas. Salvar. Olha: nós estamos descendo para o rio. Amanhã ao
alvorecer, quando todos estiverem dormindo, nós o atravessaremos, nós dois, e
tu irás para Bozra, ou para Arbela, ou Aera, como quiseres. Tu conheces as
casas dos discípulos. Em Bozra procura Joaquim e Maria, a leprosa que por Mim
foi curada. Eu te darei um escrito para eles. Nele Eu direi que para tua saúde
precisas de um repouso tranquilo e de um ar puro. É verdade, infelizmente,
porque tu estás doente no espírito, e o ar de Jerusalém te faria mal. Mas eles
entenderão que tu estás doente de corpo. Ficarás lá, enquanto Eu não for
buscar. Quanto aos teus pensamentos, Eu pensarei neles. Mas não vás a
Jerusalém. Estás vendo? Eu não quis as mulheres, com exceção das mais fortes
entre elas e as que, pelo seu direito de mães, devem estar perto de seus
filhos.”
“A minha
também?”
“Não. Ela não estará em Jerusalém.”
“Ela
também é mãe de um apóstolo, e sempre te prestou honras.”
“Sim. Ela tem o direito, como as
outras, de estar perto de Mim, que ela ama com uma perfeita justiça. Mas,
justamente por isso, ela não estará lá. Porque Eu lhe disse que não estivesse,
e ela sabe obedecer.”
“Por que
é que ela não deve estar lá? Haverá alguma coisa nela que a torne diferente da
mãe dos teus irmãos e da dos filhos de Zebedeu?”
“Tu sabes porque é que digo isso. Mas,
se tu me dás ouvidos, se vais a Bozra, Eu mandarei avisar à tua mãe, e falarei
a ela que vá contigo, para que ela, que é tão boa, te ajude a ficar são. Podes
crer. Só nós é que amamos assim, sem medida. Três são os que te amam no Céu: O
Pai, o Filho e o Espírito Santo, que olharam para ti e estão esperando o tua
vontade para fazerem de ti a joia preciosa da Redenção, a presa maior,
arrebatada do abismo. E outros três na Terra: Eu, tua mãe e minha mãe. Faze-nos
felizes, ó Judas. Nós do Céu, nós da Terra somos os que te amamos com
verdadeiro amor.”
“Tu me
dizes: só três são os que me amam. Os outros não.”
“Não como nós. Mas te amam muito. Eliza
te defendeu. Os outros estavam preocupados contigo. Quando tu estás longe,
todos te têm em seus corações e o teu nome nos lábios. Tu não conheces todo o
amor que te rodeia. O teu opressor te esconde. Mas, crê em minha palavra.”
“Eu creio
em Ti. E procurarei que fiques contente. Mas eu quero agir por mim mesmo. Eu
errei. E agora devo saber curar-me do mal.”
“Unicamente Deus é que pode agir por si
mesmo. Este teu pensamento é de soberba. Na soberba ainda está Satanás. Sê
humilde, Judas. Aperta esta mão amiga, que se te oferece. Refugia-te neste
coração que, para proteger-te, se abre. Aqui comigo, o Satanás não te poderá
fazer mal.”
“Eu já
experimentei estar contigo... Mas fui sempre descendo... É inútil!”
“Não digas isso! Não o digas! Repele
esse desânimo. Deus tudo pode. Abraça-te com Deus. Judas! Judas!”
Pg.
183-187
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576 – INDO PARA DOCO, O ENCONTRO COM O
JOVEM RICO
Jesus
deixa a estrada que vai para Jericó, e toma uma estrada secundária, que vai
para Doco. E mal Ele entrou por essa estrada, quando de uma caravana que
certamente vem vindo de longe, pois as mulheres vêm montadas em camelos,
fechadas em tremulantes berlindas ou em palanquins amarrados sobre os dorsos
corcovados dos animais, e os homens vêm montados sobre fogosos cavalos, ou
sobre outros camelos dela se destaca um jovem, que faz que seu camelo se
ajoelhe, apeia da sela, e vai até Jesus. Um servo foi correndo para segurar o
animal pelas rédeas.
O jovem
se prostra diante de Jesus e, depois de fazer uma inclinação profunda, lhe diz:
“Filipe de Canata, filho de verdadeiros israelitas, e assim sempre eu fui. Fui
discípulo de Gamaliel até que a morte de meu pai me pôs à frente dos negócios
dele. Eu já te ouvi falar mais de uma vez. Conheço as tuas ações. Eu aspiro por
uma vida melhor, por ter aquela vida eterna que Tu garantes para quem crer ter
em si o Teu Reino. Dize-me, bom Mestre, que eu deverei fazer para ter a vida
eterna?
Por que é que me chamas bom? Só Deus é
bom.
Tu és o
filho de Deus, tão bom como o teu Pai. Oh! Dize-me, que é que eu devo fazer?
Para entrares na vida eterna, guarda os
Mandamentos.
Quais
são, meu Senhor? Os antigos, ou os Teus?
Dentro dos antigos já estão os meus, e
os meus não mudaram os antigos. E estes são, e sempre foram: amar com amor
verdadeiro ao único e verdadeiro Deus e respeitar as leis do culto. Não matar,
não roubar, não cometer adultério, não dar falso testemunho, honrar pai e mãe,
não dar prejuízo ao próximo, mas ama-o como a ti mesmo. Fazendo assim, terás a
vida eterna.
Mestre
todas estas coisas eu já tenho observado, desde a minha infância.
Jesus
olha para ele com olhos de amor e docemente lhe pergunta: E o que
tens feito não te parece suficiente ainda?
Não
Mestre. Grande coisa é o Reino de Deus em nós, e depois na outra vida. Deus é
um dom infinito, que a nós se doa. Eu percebo que tudo o que fazemos por dever
ainda é pouco para chegarmos ao Tudo, ao Infinito Perfeito que se doa, e que eu
penso que teremos que obter fazendo coisas maiores do que aquelas que nos são
mandadas para não condenar-nos, e ser-lhe agradecidos.
Tu dizes bem. Para seres perfeito te
falta ainda uma coisa. Se queres ser perfeito, como quer o nosso Pai dos Céus,
vai, vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no Céu, que
te fará amado pelo Pai, porque terás dado o teu tesouro para os pobres da
Terra. Depois, vem e segue-me.
O jovem
ficou triste e pensativo. Depois, pôs-se de pé e disse: “Eu me lembrarei do teu
conselho”, e se afastou, com tristeza.
Judas tem
um leve sorriso irônico, e murmura: “Não sou eu só que gosto de dinheiro!”
Jesus se
vira, e olha para ele... e depois para os outros onze rostos, que estão ao seu
redor, e, aspira, dizendo: Como é difícil que um rico entre no Reino dos Céus, pois a
porta dele é estreita, e o caminho é íngreme. E não podem andar por ele, nem
entrar aqueles que vêm carregando enormes pesos de riquezas! Para se entrar lá
em cima, bastam os tesouros das virtudes, que são imateriais, e saber
separar-se de tudo o que é, apego às coisas do mundo e as vaidades.” Jesus está muito triste.
Os
Apóstolos de cabeça baixa, procuram olhar-se uns aos outros... E Jesus
continua, olhando a caravana do jovem rico que se afasta: “Em
verdade, Eu vos digo que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha
do que um rico entrar no reino de Deus.”
Mas,
então, quem poderá salvar-se?
A miséria muitas vezes é que faz os
pecadores, pelas invejas e falta de respeito ao que é dos outros e pela falta
de confiança na Providência. A riqueza age como um obstáculo da perfeição...
E, então?
Quem poderá salvar-se?
Jesus
olha para eles e lhes diz: “O que é impossível para os homens é possível para Deus,
pois para Deus, tudo é possível. Basta que o homem ajude ao seu Senhor com sua
boa vontade. É sinal de boa vontade o conselho recebido bem e o esforço feito
para chegar a ficar livre das riquezas. E para chegar a toda liberdade, e
seguir a Deus. Porque a verdadeira verdade do homem é esta: seguir as vozes que
Deus lhe sussurra e os seus comandos, não ser escravo nem de si mesmo, nem do
mundo, nem do respeito humano, e portanto, nem escravos de Satanás. Usar da
esplêndida liberdade de arbítrio que Deus deu ao homem, para querer livremente
e somente o bem e conseguir a vida eterna, cheia de uma constante Luz, livre e
feliz. Nem mesmo da própria vida é preciso que sejamos escravos, se para cuidar
dela, temos que fazer resistência a Deus. Eu vo-lo disse: “Aquele que perder a
sua vida por amor de Mim e para servir a Deus, esse a salvará para sempre.”
Eis. Nós
deixamos tudo, até as coisas permitidas. Que resultará disso para nós?
Entraremos no Teu Reino?, pergunta Pedro.
Em verdade, em verdade, Eu vos digo que
aqueles que me tiverem acompanhado desse modo, e me continuarem a seguir,
porque sempre há tempo para reparar o mal feito, esses estarão comigo no meu
Reino. Eu vos digo que os que me tiverem acompanhado nesta regeneração,
sentar-se-ão sobre os tronos para julgar as tribos da terra, juntos com o Filho
do homem, sentado no trono de sua Glória. Em verdade, Eu também vos digo que
não haverá ninguém que tendo, por amor do meu Nome, deixado casas, campos, pai,
mãe, irmãos, esposa, filhos e irmãs, para espalhar a Boa Nova e serem meus
continuadores, nenhum deles deixará de receber o cêntuplo nesta vida e a vida
eterna nos séculos futuros.
Pg.
193-196
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577 – TERCEIRO ANÚNCIO DA PAIXÃO. MARIA
DE ALFEU REMEMORA A FIGURA DE JOSÉ. O INSENSATO PEDIDO DOS FILHOS DE ZEBEDEU
Diz
Jesus:
“Vinde um pouco para frente. Que as
mulheres não ouçam. Há dias que Eu preciso dizer-vos uma coisa. Eu prometi
fazê-lo, quando estávamos nos campos de Tersa. Mas Eu queria que estivéssemos
todos juntos para ouvir. Que estivésseis todos vós, mas não as mulheres.
Deixemo-las em sua humilde paz. Naquilo que Eu vou dizer-vos estará também a
razão pela qual o Marziam não está conosco e também a tua mãe, Judas de Keriot.
Mas não as tuas filhas, Filipe, nem as discípulas de Belém da Galiléia com a
menina. Há coisas que nem todos podem suportar. Eu, o Mestre, sei o que é bom
para os meus discípulos, e quanto eles podem, ou não podem suportar. Nem vós
sois fortes para suportar a prova. E seria uma graça para vós o serdes
excluídos desta tremenda prova, que vos dará a medida daquilo que sois, daquilo
em que vós vos transformastes depois dos três anos que estais comigo. Viestes a
Mim, quase todos ao mesmo tempo. Não serão os poucos dias que vão do meu
encontro com Tiago, com João e André, até o dia no qual também tu foste
escolhido entre nós Judas de Keriot, nem aquele dia de tu, Tiago meu irmão, e
tu Mateus vistes ficar comigo, não serão esses dias que poderão justificar tão
grande diferença de formação entre vós. Todos vós éreis, e também tu, douto
Bartolomeu, a também vós, irmãos meus, muito deficientes no que se refere á
formação em minha doutrina. Aconteceu, então, que a vossa formação, melhor do
que a de outros entre vós, que seguem a doutrina do velho Israel, era para vós
obstáculo para formar-vos na minha doutrina. Poim bem. Nenhum de vós percorreu
estrada tão longa, como a que seria necessário percorrer, e que fosse capaz de
levar-vos a um único ponto. Só um de vós atingiu esse ponto. Outros chegaram
perto dele e outros ficaram longe. E ainda outros ficaram muito atrás. E
outros... sim, devo dizer também isso, em vez de virem para a frente, foram para
trás. Não fiqueis olhando uns para os outros. Não fiqueis procurando entre vós
quem é o primeiro, nem quem é o último. Aquele que talvez pense ser o primeiro
e é tido por primeiro, ainda precisa provar-se a si mesmo. Aquele que se crê o
último está para resplandecer em sua formação, como uma estrela do céu. Por
isso, uma vez mais, Eu vos digo: “Não julgueis”, os fatos julgarão em sua
evidência. Por enquanto, não podeis compreender. Mas brevemente, muito
brevemente vós lembrareis destas palavras, e as compreendereis.”
“Quando?
Tu nos prometestes dizer-nos, explicar-nos também porque é que a purificação
pascal será diferente neste ano, e não o dizes nunca.” Lamenta-se André.
É sobre isso que Eu vos quis falar.
Porque, tanto aquelas palavras como estas, são a mesma coisa, tem sua raiz numa
mesma coisa. Nós, eis que estamos subindo para Jerusalém, pela Páscoa. E, lá se
cumprirão todas as coisas ditas pelos profetas, a respeito do Filho do homem.
Em verdade, foi assim que os profetas viram, como já foi dito na ordem dada aos
hebreus no Egito, como foi ordenado a Moisés no deserto, que o Cordeiro de Deus
está para ser imolado, e o seu sangue está para lavar os pilares dos corações,
e o anjo de Deus passará sem ferir aqueles que tiverem sobre si, e com amor, o
sangue do Cordeiro Imolado, que está para ser levantado, como a serpente de
metal precioso sobre a viga transversal, a fim de servir como um sinal aos que
foram feridos pela serpente infernal, e ser salvação para aqueles que para ela
olharem com amor. O Filho do Homem, vosso Mestre Jesus, está para ser entregue
ás mãos dos príncipes dos sacerdotes, dos escribas e dos anciãos, que o
condenarão a morte, o entregarão aos gentios, para que por eles seja
escarnecido. Ele será esbofeteado, espancado, escarrado, arrastado pelas ruas
como um trapo sujo, e os gentios, depois de o terem flagelado e coroado com
espinhos, o condenarão à morte de cruz, que é própria para os malfeitores, querendo
o povo hebreu a sua morte, tendo-se reunido em Jerusalém para isso, e que Ele
ocupe o lugar de um ladrão.
E assim Ele será morto. Mas, como está
escrito nas profecias, depois de três dias, Ele ressurgirá. Esta é a prova que
vós está esperando. É ela que provará qual é a vossa formação. Em verdade, Eu
vos digo a todos vós que vos credes tão perfeitos, a ponto de desprezar aqueles
que não são de Israel, e até desprezar muitos do nosso próprio povo. Em verdade
Eu vos digo que vós, que sois a minha parte escolhida do rebanho, quando for
preso o Pastor, sereis atacados pelo medo, e debandareis, fugindo, como se os
lobos, que se assanharam contra Mim, de todos os lados, estivessem revoltados
contra vós. Eu vos digo: não temais. Nem um fio de cabelo vos será arrancado.
Eu bastarei para saciar os lobos ferozes...
Os
apóstolos, à medida que Jesus vai falando, parecem umas criaturas sob a chuva
de uma saraivada. Eles vão se inclinando sempre mais enquanto Jesus vai
falando. E, quando Ele termina, dizendo: “E tudo o que Eu vos digo já está para
acontecer. Não é como das outras vezes, quando havia ainda muito tempo pela
frente. Agora, a hora chegou. Eu vou indo para ser entregue aos meus inimigos e
imolado para a salvação de todos. E este botão de flor ainda não terá perdido
as suas pétalas, depois de ter florescido, e Eu já estarei morto.” E nesse ponto Ele protege o rosto com as mãos e geme como se
tivesse sido ferido.
... Os
apóstolos pararam para esperá-los, e estão todos reunidos, até Tiago e João,
que iam atráz de todos com a mãe deles. E, enquanto repousam da viajem, alguns
estão comendo um pouco de pão, e a mãe de Tiago e de João se aproxima de Jesus,
prosta-se diante dele, que ainda nem se assentou pois está com pressa de
prosseguir a viagem.
Jesus a
interroga, pois é evidente nela o desejo de pedir alguma coisa: “Que
queres, mulher? Fala.”
“Concede-me
uma graça, antes que te vás embora, como dizes.”
“Qual é?”
“A de
ordenar que estes meus dois filhinhos, que por ti tudo deixaram, se assentem um
à tua direita e o outro à tua esquerda, quando estiveres já sentado em tua
glória no teu Reino.”
Jesus
olha para a mulher, e depois olha para os dois apóstolos, e diz: “Fostes
vós que sugeristes esse pensamento à vossa mãe, interpretando muito mal as
promessas que Eu fiz ontem? O cêmtuplo pelo que tiverdes deixado, não o tereis
em um reino desta terra. Será que vós também vos tornastes ávidos e estultos?
Mas não sereis vós. É o crepúsculo malcheiroso das trevas, que vem avançando, e
o ar infectado de Jerusalém que vem chegando, o que vos corrompe e vos cega. Eu
vos digo que vós não sabeis o que estais pedindo! Podeis, por acaso, beber o
cálice que Eu vou beber?”
“Nós o
podemos, Senhor.”
“Como podeis dizer isso, se ainda não
compreendestes qual vai ser o amargor do meu cálice? Não será apenas o amargor
que Eu vos descrevi ontem, o amargor que Eu sinto como Homem de todas as dores.
Haverá torturas que, mesmo que Eu as descrevesse, vós não estaríeis em
condições de entender. Contudo, sim, porque mesmo sendo ainda como duas crianças,
que não sabem qual é o valor do que estão pedindo, visto porém, que sois dois
espíritos justos, e que tendes amor a mim, vós certamente bebereis do meu
cálice. Mas, sentar-vos a minha direita e à minha esquerda não cabe a Mim vos
conceder. Isso é concedido àqueles para os quais foi preparado por meu Pai.”
Os
outros apóstolos, enquanto ainda Jesus falava, são duros em criticar o pedido
dos filhos de Zebedeu e da mãe deles.
Jesus
me diz:
“Assinala bem este ponto: “... vós
certamente bebereis do meu cálice.” Nas traduções se diz: “o meu cálice”. Eu
disse “do meu”, e não “o meu”, Nenhum homem teria podido beber o meu cálice.
Somente Eu, Redentor, tive que beber todo o meu cálice. Aos meus discípulos,
aos meus imitadores e amigos, certamente é concedido beber daquele cálice do
qual Eu bebi. Portanto é certo dizer “do meu cálice, e não “o meu cálice.”
Pg.199-200
e 204
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579 – DESCONHECIDOS JUDEUS REFEREN-SE
ÀS ACUSAÇÕES DO SINÉDRIO. ALEGORIA PARA JERUSALÉM
...
Qual é a outra prova, que o acusa e de preferência apresentada pelos
samaritanos?”
“És
acusado de que os amas tanto, que sempre dizes: “Esscuta Israel”, em vez de
dizer: “Escuta Judá”, e que Tu não podes repreender a Judá.”
“É verdade? Então a sabedoria dos rabis
termina aqui? E não sou Eu o Germe da Justiça, posto em justiça por Davi, e
pelo qual, como diz Jeremias, será salvo? Aí o profeta prevê que Judá,
especialmente Judá é que terá necessidade de salvação. E este Germe, como diz
sempre o Profeta, será chamado o Senhor, o nosso justo. Porque diz o Senhor:
“não faltará nunca a Davi um descendente sentado no trono da casa de Israel.” E
como? Terá errado o Profeta? Estaria ele ébrio? Ébrio de que? Certamente de
penitência, e não de outra coisa. Porque para acusar-me, ninguém poderá
sustentar qye Jeremias fosse um homem dado a crápula. E, no entanto ele diz que
o Germe de Davi salvará Judá, e se assentará no trono de Israel. Portanto, se
diria que com as luzes o Prodeta vê que, mais do que Judá, será escolhido
Israel, que o Rei irá para Israel, e já será uma graça se Judá tiver unicamente
a salvação. O Reino será então chamado Reino de Israel? Não. Será chamado Reino
de Cristo. Daquele que une as partes dispersas, e reconstrói no Senhor, depois
de ter, segundo o outro Profeta, em um mês, que é que Eu estou dizendo: em um
mês? Em menos de um dia, depois de ter julgado e condenado os três falsos
pastores, e fechado para eles a minha alma, porque a deles ficou fechada para
Mim e, desejando-me eles em figura, não souberam amar-me em minha natureza.
Agora, pois, aquele que me manda, e que me deu as duas varas, quebrará uma e
outra, para que a graça esteja perdida para os cruéis, porque o flagelo já não
virá mais do Céu, mas do mundo. E nada é mais duro do que os flagelos que os
homens aplicam aos homens. E assim será. Oh! Assim. Eu serei espancado e as
ovelhas serão dispersas, dois terços delas e o das que se salvarão e
perseverarão até o fim. E esta terça parte, ainda passará pelo fogo, por meio
do qual Eu passo em primeiro lugar, e será purificada e provada como a prata e
o ouro, e a ela será dito: “Tu és o meu povo”, e ela me dirá: “Tu és o meu
Senhor.” E haverá quem terá pesado os trinta denários, preço de um trabalho
horrendo, uma recompensa infame. R para lá, de onde saíram, não poderão mais
entrar, porque gritariam de horror até as pedras ao verem aquelas moedas,
manchadas pelo sangue do inocente e pelo suor do perseguido, pelo desespero
mais atrz e servirão, como está escrito, para comprar dos escravos de Babilônia
um campo para os estrangeiros! Sabeis quem são eles? Os de Judá e Israel,
aqueles que, daqui a pouco, por séculos e séculos, não terão mais pátria. E nem
mesmo a terra do seu antigo chão os quererá acolher, mas os vomitará de si,
depois de mortos, pois que eles quiseram rejeitar a Vida. Um horror infinito.”
Jesus
cala-se, como se estivesse sob uma opressão, e com a cabeça inclinada. Depois
Ele a levanta, e passa um olhar ao redor de si, e vê os presentes: os
apóstolos, os discípulos ainda não reconhecidos, e Zaqueu com os seus. Ele
suspira, como quem sai de um pesadelo e diz: “Que é mesmo que estáveis
dizendo? Ah! Que me acusam de amar os publicanos e as meretrizes. É verdade.
São os doentes e os que estão morrendo. E Eu, a Vida, me dou a eles como Vida.
Vinde, redimidos do meu rebanho, vinde e ouvi a minha ordem. A muitos, e que
eram mais brancos do que vós, Eu disse: “Não vades a Jerusalém.” Mas a vós Eu
digo: “Ide.” Isto parecerá uma injustiça.”
“E
de fato o é”, interrompe-o Iscariotes.
Jesus
faz como se não tivesse ouvido. E continua a falar com Zaqueu e os seus
companheiros: “Mas
Eu vos digo: vinde, justamente porque vós sois plantas mais necessitadas do que
as outras, de orvalho, para que a nossa boa vontade seja socorrida pelo
Poderoso, e vós cresçais já livremente na Graça. Sobre outras coisas,
responderá o próprio Céu, com sinais inconfundíveis. Em verdade, poderá ser
destruído o Templo vivo, e em três dias ser reedificado, e para sempre. Mas o
Templo morto, que será somente sacudido, e crerá ter vencido, perecerá para
nunca mais levantar-se. Ide! E não temais. Em penitência aguardai o meu dia, e
a aurora dele vos levará definitivamente para a Luz”, diz Ele virando-se para os que estavam
envoltos em mantos. E depois diz ao Zaqueu: “E vós também ide. Mas não agora. Estai
em Jerusalém na aurora do dia depois do sábado. Ao lado dos justos, Eu quero os
ressuscitados, porque o Reino de Cristo são em grande quantidade os lugares.
Tantos quantos forem os homens de boa vontade.” E Jesus se encaminha para a casa de Nique, atravessando o
viçoso pomar sombreado.
Pg.
214-215
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580 – CRÍTICAS DE ISCARIOTES E
PROFECIAS SOBRE ISRAEL. MILAGRES NO CAMINHO DE JERICÓ A BETÂNIA
Este
é um amanhecer que apesas espalha a sua alvura por sobre o tom levemente rosado
da aurora. O silêncio e o frescor dos campos vão se modificando, pouco a pouco,
e se enfeitando agora com os cantos dos passarinhos que já acordaram.
Jesus
sai da casa de Nique por primeiro, encosta a porta com cuidado e se dirige para
o verde pomar, onde já estão soltando suas afinadas notas as toutinegras, e
flauteando os seus cantos os melros.
Mas
Ele não chegou ainda ao pomar, quando de lá vêm vindo quatro pessoas. São
quatro daquelas que estavam ontem naquele grupo desconhecido, e que não tinham
descobertos os seus rostos. Eles se prostaram até o chão, mas, à ordem e ao
pedido que Jesus lhes faz, depois de os ter saudado, com a saudação da paz: “Levantai-vos!
Que quereis de Mim?” Eles se
levantam, jogam para tráz os mantos e os capuzes de linho nos quais haviam
escondido os rostos como fazem os beduínos.
Eu
reconheço o rosto pálido e magro do escriba Joel de Abias, que foi visto na
visão da Sabéia. Os outros me são desconhecidos, até o momento em que vão
dizendo os seus nomes: “Eu, Judas de Beteron, o último dos verdadeiros
assideus, amigos do Matatias Asmoneu.”
“Eu,
Eliel e o meu irmão Elcana de Belém de Judá, irmãos de Joana, a tua discípula,
e não há para nós título maior do que este. Estáva-mos ausentes quando estavas
forte, e estamos presentes agora, que estás sendo perseguido.”
“Eu,
Joel de Abias, de olhos cegos durante tanto tempo, mas agora abertos para a
Luz.”
“Eu, já me havia despedido de vós. Que
quereis de Mim?”
“Dizer-te
que, se estamos cobertos, não é por causa de Ti, mas...”, diz Eliel.
“Vamos logo. Falai.”
“Sim.
Fala tu Joel. Porque tu és quem sabe mais do que todos.”
“Senhor,
o que eu sei é tão horrendo... Eu quereria que nem o chão soubesse, nem ouviste
o que eu estou para dizer...”
“Em verdade a terra irá estremecer. Mas
não Eu. Porque eu sei o que queres dizer. Mas, fala assim mesmo.”
“Se
já o sabes, deixa que meus lábios não tremam ao dizerem estas coisas horríveis.
Não é que eu pense que Tu estejas mentindo, quando dizes que sabes, mas é
porque...”
“Sim, porque é uma coisa que brada ao
Senhor. Mas Eu a direi para persuadir a todos de que Eu conheço os corações dos
homens. Tum como membro do Sinédrio, mas conquistado para a verdade,
descobriste uma coisa que não consegue carregar sozinho. Porque ela é muito
grande. E fostes procurar estes, verdadeiros judeus, nos quais há unicamente o
espírito bom, para te aconselhares com eles. Fizeste bem, ainda que nada ajude
o que fizeste. O último dos assideus estaria pronto a repetir o gesto de seus
pais, para servir ao Libertador verdadeiro. E não está sozinho. Também o
parente dele, o Barzelai, o faria e muitos com ele. E os irmãos de Joana, por
amor de Mim e a irmã deles, além de ser por amor à Pátria, estariam com ele.
Mas Eu não triunfarei nem pelas lanças, nem pelas espadas. Eu triunfarei com um
triunfo celeste. Tu, e aí está o que te faz ficar mais pálido e esgotado do que
de costume, sabes quem foi que apresentou as testemunhas de acusação contra
Mim, as testemunhas que, se são falsas em seu espírito, são verdadeiras na
realidade de suas palavras, porque Eu, em verdade violei o sábado, quando tive
que fugir, pois ainda não tinha chegado a minha hora, e quando tomei dois
inocentes dos ladrões, e Eu poderia dizer que a necessidade justifica o ato,
como a necessidade justificou Davi, por ter comido dos pães da proposição. Na
verdade eu fui refugiar-me na Samaria, ainda que, tendo chegado a minha hora,
tendo-me sido proposto pelos samaritanos que ficasse junto a eles como
Pontífice. Eu recusei honras e segurança para permanecer fiel à Lei, ainda que
isso quisesse dizer entregar-me aos meus inimigos. E a verdade é que Eu amo os
pecadores e pecadoras, até arrancá-los do pecado. E é verdade que Eu predigo a
ruína do Templo, ainda que estas minhas palavras não sejas mais do que a
confirmação pelo Messias das palavras dos seus profetas. Aquele que fornece
estas e outras acusações, e até os milagres lhe servem como objetos de
acusações e de todas as coisas da terra, eles se tem servido, para procurar
arrastar-me ao pecado, e poder unir outras ocupações às primeiras, é um meu
amigo. Também foi falado do rei profeta do qual, pela Mãe Eu descendo: “Aquele
que comia do meu pão, levantou o calcanhar contra Mim.” Eu sei, Eu morreria
duas vezes, se Eu pudesse impedir que ele cometa o delito... a vontade se
entregou à morte, e Deus não contraria a liberdade do homem. Mas que, pelo
menos... pelo menos a força do estrondo produzido pelo erro cometido, o
jogasse, arrependido aos pés de Deus. Por isso, tu Judas de Beteron admoestavas
ontem Manaém para que se calasse. Porque a serpente estava presente, e podia
fazer mal ao discípulo, e não somente ao Mestre. Não. Somente o Mestre será
atacado. Não temais. Não será por Mim que tereis sofrimentos e desventuras.
Mas, pelo delito de todo o povo, tereis todos vós, aquilo que disseram os
profetas. Infeliz, infeliz de minha Pátria! Infeliz desta terra, que conhecerá
o castigo de Deus! Infelizes os seus habitantes, e os meninos, quando adultos
sofrerão a mordida da maior das desventuras. Olhai para esta vossa terra
florida, bela, florida como um tapete, admirável, fértil como um Éden. Imprimi
a beleza dela em vossos corações, e depois... quando Eu voltar de onde vim,
fugi. Figi enquanto puderdes fazê-lo, antes que, como uma ave de rapina do
Inferno, a desolação e a ruína caiam sobre vós e vos destruam e esterilizem, e
vos queimem mais do que em Gomorra, mais do que em Sodoma... Sim, mais do que
lá, que não passou de uma morte repentina. Aqui, Joel, tu te lembras de Sabéia?
Ela profetizou pela última vez o futuro do Povo de Deus que não quis aceitar o
Filho de Deus.”
Os
quatro ficaram assombrados. O medo do futuro os faz ficar mudos. Finalmente
fala Eliel: “E Tu, que é que nos aconselhas a fazer?”
“Sim, ide. Nada haverá mais aqui, que
sirva para ocupar os filhos do povo de Abraão. Aliás, a vós especialmente, que
sois os principais, não se vos permitiria. Os poderosos, quando são feitos
prisioneiros servem para embelezar o triunfo dos vencedores. O Templo novo é
imortal, encherá de Si a Terra, e todo aquele que me procurar, me encontrará,
porque Eu estarei em todos os lugares onde um coração me amar. Ide, levai
embora as suas mulheres, vossos filhos e os velhos. Vós me ofereceis salvação e
ajuda. Eu vos dou um conselho para a salvação, e vos ajudo com esse conselho.
Não o desprezeis.”
“Mas
agora é que Roma vai fazer-nos mal? Dominados já estamos. E, se dura é a lei
deles, é verdade também que Roma construiu casas e cidades e...”
“Na verdade, nem uma das pedras de
Jerusalém ficará sem ser tocada. O fogo, o aríete, as fundas, os dardos
derrubarão, atormentarão, revolverão cada uma das casas, e a cidade sagrada
virará uma espelunca, e não somente ela. Virará uma espelunca esta nossa
Pátria. Ela virará um pasto de burros selvagens e de lâmias, como dizem os
profetas. E não por um ou mais anos, nem por séculos, mas para sempre. O
deserto, a aridez, a esterilidade... Eis a sorte reservada para estas terras!
Um campo de contendas, lugar de torturas, sonho de reconstrução sempre
destruída por uma condenação inexorável, tentativas de ressurgirem, mas mortas
logo ao nascerem. A sorte da Terra que rejeitou o Salvador, e quis uma
orvalhada de fogo sobre os culpados.”
“Não...
Não haverá nunca mais um Reino de Israel?”
“Não
seremos nunca mais aquilo que é o nosso sonho? Perguntam ansiosos os três
judeus notáveis. O escriba Joel se põe a chorar.
“Já tereis observado uma árvore já
velha e com seu miolo destruído pela doença. Durante anos ela veio vegetando
com muita dificuldade, e com tanta dificuldade que ela nem floresce, nem dá
fruto. Apenas uma ou outra folha que nos ramos nos diz que ainda há um pouco de
seiva que sobe. Depois, no mês de Abril, ei-la milagrosamente florida e coberta
de numerosas folhas. E o dono dela fica alegre, depois de tantos anos que cuidou
dela, sem que ela produzisse frutos, e agora ele se alegra, pensando que a
planta está curada, e que volta a ficar viçosa, depois daquele longo período de
enfraquecimento. Mas, oh! Depois daquela exuberante explosão de vida, viu-se um
triste engano da morte súbita. As flores caíram, as flohas e os frutinhos, que
pareciam ter vingado sobre os ramos, e até prometiam uma boa colheita, um
repentino barulho, a árvore desaba sobre o solo. Ela estava apodrecida em sua
base. Assim acontecerá com Israel. Depois de séculos de um estéril vegetar
disperso, ele se reunirá sobre o velho tronco. E terá uma aparência de
reconstrução. Afinal estará reunido o povo disperso. Reunido e perdoado. Sim.
Deus esperará aquela hora para interromper a série dos séculos. Não haverá mais
séculos, mas já a eternidade. Felizes daqueles que, tendo sido perdoados
formarão a florescencia do último Israel, que se tornou, depois de tantos
séculos, de Cristo, e morrerão redimidos, junto com todos os povos da Terra,
felizes com aqueles que, entre eles, não só conheceram a minha existência, mas
abraçaram a minha Lei de salvação e de Vida. Estou ouvindo as vozes dos meus
apóstolos. Ide, antes que eles cheguem.”
Pg.
216-220
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582 – VIGÍLIA DO SÁBADO ANTES DA
ENTRADA EM JERUSALÉM. OFERTA EXTREMA PELA SALVAÇÃO DE JUDAS ISCARIOTES
Quando
estão longe da cerca, a tal ponto que ninguém que estivesse no jardim de Lázaro
pudesse ouvir nem uma palavra, Jesus diz:
“Ouviste o que disse aquele servo? Ele
é um camponês. Já é muito se ele já sabe ler alguma palavra... E no entanto as
palavras dele teriam podido estar sobre os meus lábios, sem que o meu modo de
falar de Mestre parecesse tolo. Ele percebe que é necessário velar para que os
inimigos do espírito não desgastem o espírito... Eu... por causa deles é que te
conservo perto de Mim, e tu me odeias por causa disso. Eu te ofereço o meio de
te salvares, e ainda o podes fazer, e tu me odeias. Eu de digo mais uma vez:
vai-te embora, Judas. Vai para longe. Não entres em Jerusalém. Tu estás doente.
Não é mentira dizer que tu estás muito doente, e que não podes participar da
Páscoa. Terás a Páscoa suplementar. É permitido pela Lei fazer a Páscoa
suplementar, quando uma doença ou outro motivo grave impedem que se faça a
Páscoa solene. Eu pedirei a Lázaro – ele é um amigo prudente, e nada perguntará
– que te leve hoje mesmo para o outro lado do Jordão.”
“Não. Eu
já te disse muitas vezes que me expulses. E Tu não quiseste. E agora sou eu que
não quero.”
“Não queres? Não queres salvar-te? Não
tens piedade de ti mesmo? Nem de tua mãe?”
“Deverias
dizer-me: “Não tens piedade de Mim?”, serias mais sincero.”
“Judas, meu infeliz amigo, por Mim Eu
não te peço. Por ti é que te peço. Olha só! Estamos aqui sozinhos. Tu sabes
quem Eu sou. Eu sei quem tu és. É este o último momento de graça que ainda nos
é concedido para evitar a tua ruína... Oh! Não fiques rindo assim
satanicamente, meu amigo. Não te rias de Mim, como se Eu fosse louco, porque Eu
falei “em tua ruína”, e não na minha. A minha não é uma ruína. Mas, a tua sim.
Nós estamos sós. Eu e tu, e acima de nós esta Deus... Deus ainda não te odeia,
Deus que está assistindo a esta luta suprema entre o Bem e o Mal, que disputam
a tua alma. Acima de nós está o Empíreo, que brevemente se encherá de santos.
Já estes estão exultantes, lá onde estão, no lugar em que nos esperam, porque
já percebem que a alegria se aproxima... Judas, entre eles está o teu pai...”
“Ele era
um pecador. Não está lá.”
“Era um pecador, mas não foi condenado.
Por isso a alegria se aproxima, também para ele. Por que é que tu lhe queres
dar uma dor, em sua alegria?”
“Não.
Está livre da dor. Está morto.”
“Não! Ele sofre de te ver culpável. Não
queiras que Eu... não queiras que Eu diga esta palavra!”
“Quero
sim. Quero sim. Dize-a! Eu a digo a mim mesmo, há meses. Eu condenado já estou.
Nada mais se pode mudar.”
“Tudo se pode, Judas. Eu estou
chorando. Não queres que as últimas lágrimas do Homem te façam gemer? Judas, Eu
de peço. Pensa bem, meu amigo, a este meu pedido se une o pedido do Céu todo, e
tu, e tu... Será que me deixarás pedir em vão? Pensa bem quem é que está diante
de ti pedindo: o Messias de Israel, o Filho do Pai... Judas, escuta-me! Para,
enquanto ainda o podes fazer!”
“Não!”
Jesus
cobre o rosto com as mãos, e se deixa cair à beira do prado. Ele chora em
silêncio. Mas chora muito. Suas costas tremem, com os soluços profundos...
Judas
olha para Ele que está a seus pés, aniquilado, chorando, e preocupado em
salvá-lo... e sente um momento de dó. E diz, deixando de lado aquele tom duro
de verdadeiro demônio, como ele estava antes: “Não posso ir... Eu dei a minha
palavra...”
Jesus
levanta o rosto, com grande aflição, e o interrompe: “A
quem? A quem? A uns pobres homens! É com esses, com esses é que te preocupas em
parecer ficar sem honra diante deles? E a mim não te entregaste, há três anos?
E ainda ficas pensando nos comentários de um punhado de malfeitores, em vez de
pensares no julgamento de Deus? Mas que é que devo fazer ó Pai, para ver
renascer nele a vontade de não pecar?” Jesus
abaixa novamente a cabeça com um coração dilacerado. Ele está até parecendo o
Jesus sofredor do Getsêmani.
Judas
fica com dó dele, e diz: “Eu fico. Para não sofreres assim. Eu fico... Ajuda-me
a ficar! Defende-me!”
“Sempre! Sempre que tu queiras. Vem.
Não existe culpa de que Eu não me compadeça e não perdoe. Dize: “Eu quero”. E
Eu te terei redimido... “Jesus o tomou entre os braços,
pondo-se de pé.
Mas, se o
pranto de Jesus cai sobre os cabelos do Judas, a boca do Judas continua
fechada. Ele não diz a palavra exigida. Nem mesmo diz: “Perdão”, quando Jesus
lhe sussurra por entre os cabelos: “Olha bem se Eu te amo. Eu teria devido
reprovar-te! Mas Eu te beijo. E assim Eu teria o direito de dizer-te: “Pede
perdão ao teu Deus”, e Eu te peço somente que tenhas desejo do perdão. Estás
muito doente. Não se pode pedir muito a quem está muito doente. A todos os
pecadores que vieram a mim, de todos Eu exigi o absoluto arrependimento para
poder perdoá-los. De ti, meu amigo, Eu exijo somente a vontade de que te
arrependas, e depois... Eu farei o resto.”
Judas
fica calado...
Jesus o
deixa ir, mas diz: “Fica aqui, pelo menos até o dia depois do sábado.”
“Eu
ficarei... Voltemos para casa. Eles devem estar notando a nossa ausência.
Talvez as mulheres te estejam esperando. Elas são melhores do que eu, e não
deves deixá-las por causa de mim.”
“Não te lembras da parábola da
ovelhinha tresmalhada? Tu és aquela ovelha... Elas, as discípulas, são as
ovelhas boas, fechadas no ovil. Elas não correm perigos, ainda que Eu fique
procurando a tua alma, durante um dia inteiro, para trazê-la de volta ao
ovil...”
“Mas,
sim! Isto mesmo! Eu estou de volta ao ovil. Vou fechar-me na biblioteca de
Lázaro, para ler. Não quero ser perturbado. Não quero ver, nem saber de nada.
Assim... não ficareis sempre suspeitando de mim. E se alguma coisa do que
acontecer for contada ao Sinédrio, eu terei que ir procurar as serpentes entre
os teus prediletos. Adeus! Eu vou entrar pela cancela principal. Não tenhas
medo. Eu não fujo. Podes vir verificá-lo, quando quiseres”, e tendo-lhe virado
as costas, sai de lá, dando grandes passos.
Jesus,
todo de branco, com sua veste de linho, se destaca bem a beira do prado
verde-avermelhado. Ele levanta os braços para o céu sereno com um rosto muito
aflito e, elevando sua alma ao Pai, geme, dizendo: “Oh!
Pai meu! E poderias talvez acusar-me por ter deixado de fazer alguma coisa para
salvá-lo? Tu sabes que é pela alma dele, e não pela minha vida que Eu luto, a
fim de impedir o delito dele... Pai! Meu Pai. Eu te suplico, apressa a hora das
trevas, a hora do Sacrifício, porque é uma coisa atroz demais para mim esse
viver junto com o amigo que não quer ser redimido. É a maior das dores!” E Jesus se assenta sobre o trevo alto e macio, muito
bonito, inclina a cabeça sobre os joelhos, que estão elevados e apertados pelos
braços, e chora...
Jesus
para de chorar. Levanta a cabeça, e fica escutando... um rumor de rodas e de
chocalhos, que vem da estrada mestra, e depois cessa o barulho das rodas, mas o
dos chocalhos, não.
Jesus
diz: “Vamos
as discípulas... Elas é que são fiéis... Pai meu seja feita a tua vontade! Eu
te ofereço o sacrifício deste meu desejo de Salvador e de Amigo. Está escrito!
Ele quis. É verdade. Deixa, porém, ó Pai meu, que Eu continue a minha obra por
ele, até que tudo tenha acabado. E, desde agora, Eu te digo: Pai, quando Eu
rezar pelos pecadores, vítimas frágeis de toda ação direta, ó Pai, recebe o meu
sofrimento e minha força junto com ele, em favor da alma de Judas. Eu só te
peço o que a justiça não pode conceder. Mas de Ti é que vieram a Misericórdia e
o Amor, e Tu amas a estes que de Ti vieram, e que são uma só coisa contigo,
Deus Uno e Trino, Santo e Bendito. Eu me darei a Mim mesmo aos meus diletos em
alimento e bebida. Ó Pai, o meu Sangue e a minha Carne deverão ser, então,
condenação para um deles? Ó Pai, ajuda-me! Um germe de arrependimento naquele
coração! Pai, porque te afastas? Já te afastas de teu Verbo, que pede? Pai,
chegou a hora. Eu sei. Seja feita a Tua vontade bendita! Mas deixa a teu Filho,
ao teu Cristo, no qual, pelo teu inescrutável desígnio, a vidência certa do
futuro – e Eu nem te digo que isso é uma crueldade, mas uma piedade tua para comigo
– deixa em Mim a esperança de salvá-lo ainda. Oh! Pai meu! Eu o sei, Eu o soube
desde que existo. Eu o soube desde quando, não só como Verbo, mas como Homem –
Eu vim aqui à Terra. Eu o soube, desde quando encontrei o homem no Templo...
Sempre Eu soube... Mas agora. Oh! Está me parecendo quão grande é a Tua
piedade, Santíssimo Pai! Parece-me que não seja mais do que um sonho horrendo,
provocado pelo comportamento dele, mas que não seja o último... o irremediável,
mas que Eu possa ainda, sempre, ou que infinito é o meu sofrer, e infinito será
o Sacrifício, e valha, ainda que seja para ele, alguma coisa... Ah! Eu estou
delirando... É o homem que quer esperar isso! Que fujam as névoas ligeiras que,
por um momento, não deixavam ver o abismo, já aberto para agarrar aquele que,
prefere as Trevas à Luz... Foi de piedade o teu gesto de mo esconder. Foi de
piedade o teu gesto de o mostrar-me, agora que Tu me reconfortaste. Sim, Pai.
Até isso! Tudo! E Eu serei misericórdia até o fim, porque assim é o meu ser.”
Jesus
reza ainda, em silêncio, de braços abertos em cruz, e seu rosto torturado se
acalma sempre mais e vai tomando a aparência de uma paz majestosa. E torna-se
quase luminoso, pela alegria de uma luz interior, ainda que não se veja o seu
sorriso em seus lábios fechados. É a alegria de seu espírito em comunhão com o
Pai, que se revela para fora dos véus da carne e cancela os sinais que a dor
escavou e pintou sobre o rosto emagrecido e espiritualizado, que cada vez mais
vai-se manifestando no Mestre, quanto mais Ele se adiantou em suportar a dor, a
caminho do Sacrifício. Já não é mais um rosto da terra, o rosto de Cristo
nestes seus últimos tempos mortais, e nenhum artista será capaz de dar-nos
aquele rosto do Homem-Deus lavrado com uma beleza sobrenatural pelo amor e pela
dor, perfeitos e completos.
Jesus
está de novo na porta da cinta, entra, fecha-a com o ferrrolho e se dirige para
casa. O servo de antes o vê, e corre para ir tomar-lhe a grossa chave que Jesus
tem nas mãos.
Ele vai
para a frente. E se encontra com Lázaro: “Mestre, as mulheres chegaram. Eu as
fiz entrar na sala branca, porque na biblioteca está Judas lendo e sofrendo.”
“Eu sei. Obrigado pelas mulheres. São
muitas?”
“Joana,
Nique, Elisa e Valéria com Plautina e uma outra amiga delas ou liberta, não
sei, chamada Marcela, e uma velha que diz que te conhece: chama-se Ana de
Meron, e depois Anália e com ela uma outra jovenzinha chamada Sara. Estão com
as condiscípulas, e Tua Mãe e as irmãs.”
“E estas vozes de crianças?”
“Ana
trouxe os filhos do filho. Joana, também os seus, e Valéria a dela. Eu as levei
todas para o pátio interno.”
Pg.
237-242
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583 – VIGÍLIA DO SÁBADO ANTES DA
ENTRADA EM JERUSALÉM. DESPEDIDA DAS DISCÍPULAS. O INFELIZ NETO DE NAUM
Diz
Jesus:
“Eu vos chamei, porque nos dias futuros
pouco poderemos ver-nos, e em paz. O mundo estará ao redor de nós. E os
segredos dos corações têm um pudor maior do que o dos corpos. Hoje Eu não sou o
Mestre. Sou o amigo. Nem todos entre vós tendes esperanças ou temores para me
contar. Mas a todas agradaria ver-me com paz ainda uma vez. Então, Eu vos
chamei a vós, a flor de Israel e do novo Reino, e vós, flor dos gentios que
deixam o lugar das sombras, para entrar na vida. Conservai isto no coração,
durante os dias futuros, que a vossa honra ao perseguido Rei de Israel, e vós,
que viestes para Israel, ao Inocente acusado, ao Mestre não escutado, mitigue a
minha dor.
Eu vos peço que estejais muito unidas,
vós de Israel, ou que vieste para Israel. Que umas socorram as outras. As mais
fortes em espírito socorram as mais fracas. As mais sabias àquelas que pouco
sabem, ou não sabem nada e só têm desejos de sabedorias novas, de tal modo que
o desejo humano delas, pelo cuidado das irmãs mais adiantadas, desabroche em um
desejo sobrenatural da Verdade. Sede piedosas umas com as outras. Aquelas que
os séculos sob a Lei divina formaram na Justiça, que elas saibam compadecer-se
daquelas que o gentilismo fez ficar diferentes. Não se muda um hábito moral de
hoje para amanhã, a não ser em casos excepcionais, nos quais intervém o poder
divino, para operar a mudança, a fim de ajudar uma vontade muito boa. Não
fiques espantadas se, naqueles que vêm de outras religiões, virdes os que ficam
parados e não progridem e, as vezes, até voltam aos caminhos antigos.
Lembrai-vos do próprio Israel, como ele procedeu comigo, e não pretendais ver
logo nas gentias aquela docilidade e aquela virtude, que Israel não soube, ou
não quis ter para com o seu Mestre.
Procurai sentir-vos irmãs umas das
outras. Irmãs que a vontade de Deus quis reunir ao redor de Mim, nestes últimos
tempos da minha vida mortal... Não choreis. A divina vontade vos reuniu, indo
buscar-vos em lugares bem diversos. Por isso, vossos idiomas e costumes
diversos pode tornar um pouco difícil que vos compreendais humanamente. Mas, na
verdade, o amor tem uma única linguagem, que é esta: fazer o que o amado
ensina, e fazê-lo para dar-lhe honra e glória. E nisso podereis compreender-vos
todas, e aquelas que compreendem melhor ajudem as outras a entender.
Depois num futuro mais ou menos
longínquo, em circunstâncias diversas, tornareis a substituir-vos pelas regiões
da terra, uma parte voltando para suas regiões nativas, e outra parte indo para
um exílio, que não será pesado, porque as que passarem por ele já terão chegado
àquela perfeição a caminho da Verdade, que as fará compreender que não é o
serdes conduzidas para cá ou para lá, o que constitui o exílio longe da pátria.
Porque a verdadeira Pátria é o Céu. Porque quem está na verdade está em Deus, e
tem Deus em si. E por isso já está no Reino de Deus, e o Reino de Deus não tem
fronteiras, e não sai daquele Reino quem vier de Jerusalém, por exemplo, e for
levado para a Ibéria, ou para Panônia, ou para as Gálias ou a Ilíria. Sempre
estareis no Reino, se ficardes sempre com Jesus, ou se fordes para Jesus. Eu
vim para reunir todas as ovelhas, as do rebanho paterno, as de outros, e até
aquelas sem pastor, selváticas, selvagens mais do que selvagens, aprofundadas
em trevas tão escuras, que não lhes permitam ver nem um jota, não da Lei
divina, mas da lei moral. São povos desconhecidos, que esperam tornar-se
conhecidos na hora por Mim destinada para isso, e que depois começarão a fazer
parte do rebanho de Cristo. Quando? Os anos e os séculos são iguais, em
comparação com o que é eterno! Mas vós sereis as antecessoras daquelas que
irão, com os futuros pastores, para conduzi-los ás pastagens divinas. E o vosso
primeiro campo de prova sejam esses lugares.
A pequena andorinha, que bate as asas
para o voo, não se lança de repente à grande aventura. Ela tenta primeiro um
voo, desde o beiral da casa até à videira que faz sombra no terraço. Depois ela
volta ao ninho, e novamente se lança, rumo ao terraço, que fica longe dela, e
volta. Depois, se lança de novo, até mais longe, até perceber que já se tornou
mais forte o músculo da asa, e firme a sua orientação, e, então, ela já vai
brincar com os ventos e com o espaço, vai e volta chilreando, perseguindo os
insetos, dando voos à flor d`água, subindo de novo rumo ao sol, até, na época
certa, ela abre com segurança as asas para o longo voo pelas regiões mais
quentes e ricas de novos alimentos, e nem tem medo de atravessar os mares,
ainda que ela seja tão pequenina, um pontinho de aço brunido, perdido entre as
duas imensidades azuis do mar e do céu, um pontinho que lá se vai, sem medo,
enquanto que antes ela tinha medo do pequeno voo do beiral da casa até o
sarmento cheio de folhas, e com um corpo musculoso, perfeito, capaz de fender
os ares, como uma flecha, a tal ponto que nem se sabe se não será o ar que a
transporta com amor a esta pequena rainha dos ares, que com amor esteja indo
percorrer os seus domínios. Quem é que pensaria, ao ver aquele voo tão seguro,
que tira proveito dos ventos e da densidade atmosférica, para ir, com tanta
velocidade, lembrando-se do seu primeiro e inexperiente voo, cheio de medo?
Assim será convosco. E assim convosco
seja. Convosco e com todas as almas que vos imitarem. Ninguém se torna capaz de
repente. Não se desanime pelos primeiros fracassos. Nada de soberba pelas
primeiras vitórias. As primeiras derrotas servem para que se trabalhe melhor
nas outras vezes. As primeiras vitórias servem como estímulos para se trabalhar
melhor no futuro e para persuadir-nos de que Deus ajuda as boas vontades.
Sede sempre sujeitas aos pastores
naquilo que é obediência aos seus conselhos e ordens. Sede sempre para com eles
umas irmãs, naquilo em que podeis ajudar na missão e no apoio a eles em seus
trabalhos. Dizei isso também àqueles que hoje aqui não estão presentes. E
dizei-o àquelas que virão no futuro. E, tanto agora, como sempre sede como umas
filhas para com minha Mãe. Ela vos guiará em tudo. Pode guiar as mocinhas, como
as viúvas, tanto as esposas como as mães, tendo Ela conhecido todas as
consequências de todos os estados por experiência própria, além de pôr uma
sabedoria sobrenatural. Amai-vos e amai-me em Maria. Não errareis nunca, porque
Ela é a árvore da vida, a Arca viva de Deus, a forma de Deus, na qual a
Sabedoria fez a sua sede, e a Graça se fez Carne.
E agora que Eu falei em geral, agora
que Eu vos vi, desejo ouvir as minhas discípulas, e as que são as esperanças
das discípulas futuras. Eu fico aqui. Aquelas dentre vós que querem falar-me,
que venham. Porque não teremos mais nenhum momento de íntima paz semelhante a
este.”
Pg.
245-248
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584 – O SÁBADO ANTES DA ENTRADA EM
JERUSALÉM. PARÁBOLA DAS DUAS LUZES E PARÁBOLA VIVENTE DO PEQUENO DEFORME
CURADO. O FUTURO DA HUMANIDADE
Diz
Jesus:
“Não uma vos contarei, mas duas. Ouvi.
Um homem quis um dia acender duas luzes
para honrar o Senhor em uma festa. Tomou dois vasos de igual largura, colocou
neles a mesma quantidade de óleo, da mesma qualidade, duas torcidas iguais, uma
em cada um, e as acendeu na mesma hora, a fim de rezarem por ele, com lhe havia
sido permitido.
Ele voltou, depois de certo tempo, e
viu que uma das luzes estava soltando chamas altas, enquanto que a outra tinha
uma chamazinha fraca, muito fraca, que era apenas um pontinho de luz no canto
onde estavam as luzes acesas. O homem pensou que era um defeito da torcida. E
foi observá-la, mas não era. A torcida estava boa. Só, que ela não queria
queimar tão alegremente como a outra luz, que lançava sua chama para o alto,
como se fosse uma língua, e parecia até que murmurasse palavras, de tão alegre
que estava, e tanto que, ao agitar-se chamejando parecia estar soltando um leve
murmúrio: “Esta luz canta de verdade os louvores do Senhor Altíssimo!”. Disse
ele a si mesmo. Mas esta outra! Olha só, minha alma! Parece que lhe seja pesado
honrar o Senhor, pois o faz com tão pouco ardor! E voltou para os seus
trabalhos.
Retornou algum tempo depois. Uma das
chamas tinha ficado ainda mais alta, e a outra havia ficado mais baixa, e sua
chama estava ficando cada vez mais parada, quanto mais a outra esplendia
vibrantemente. Ele voltou uma segunda vez. A mesma coisa. Uma terceira vez, a
mesma coisa. Mas, ao ir pela quarta vez, viu o quarto cheio de uma fumaça mal
cheirosa e escura, e somente uma chamazinha luzindo através dos véus da fumaça
espessa. E dirigiu-se a mísula, onde estavam as luzes, e viu que aquela que
tanto chamejava antes estava agora acabada e enegrecida, e tinha até sujado,
com sua labareda, a parede branca. A outra, ao contrário, continuava constante,
com sua luz a honrar o Senhor.
Ele estava para ir consertar o defeito,
quando uma voz lhe falou bem perto dele: “Não mude as coisas do jeito em que
estão. Mas medita sobre elas, pois são um símbolo. Eu sou o Senhor.”
O homem se jogou com o rosto por terra,
adorando, e, com grande tremor, ousou dizer: “Eu sou um estulto. Explica-me, ó
Sabedoria, o significado dessas luzes, das quais a que parecia mais ativa em
prestar-te honras, só deu prejuízo, mas a outra continua com sua luz.”
“Sim. Eu o farei. Assim é que acontece
com os corações dos homens. E como aconteceu com estas duas luzes. Há aqueles
que no princípio está aceso, e brilham, e são admirados pelos homens, pelo
tanto que parece perfeita e constante a chama deles. E há homens que têm um
esplendor manso, que não chama a atenção, e pode até parecer uma tibieza em
prestar honras ao Senhor. Mas, tendo passado pela primeira labareda, ou a
segunda, ou a terceira, entre a terceira e a quarta começam a dar prejuízo, e
depois se apagam, com perda, porque a luz dela não era de confiança. Quiseram
brilhar mais para os homens do que para o Senhor, e a soberba acabou com eles
em pouco tempo, no meio de uma fumaça negra e pesada, que escureceu até o ar.
Os outros tiveram uma vontade única e constante: a de honrar somente a Deus, e
sem se preocuparem se os homens os louvavam, e se empenharam a si mesmos com
uma chama longa e clara, que não tinha fumaça nem mau cheiro. Procura imitar a
luz constante, porque só ela é agradável ao Senhor.”
O homem tornou a levantar a cabeça, o
ar tinha ficado limpo da fumaça, e a estrela de luz resplendia agora sozinha,
pura, firme em honra de Deus, com o luzir do metal de sua luz, como se fosse de
puro ouro. E ele a ficou olhando brilhar, sempre com um brilho igual, durante
horas e horas, até que docemente, sem fumaça, sem mau cheiro, em uma de suas
palpitações se exalou, parecendo subir para o Céu, para ir fixar-se entre as
estrelas, tendo servido com dignidade ao Senhor, até com sua última gota de
óleo, no último instante de sua vida.
Era uma realidade, pois em verdade Eu
vos digo que muitos são aqueles que produzem uma grande chama no começo, e
chamam a atenção do mundo, que não vê mais do que superficialmente as ações
humanas. Mas depois acabam virando carvão, tendo ficado soltando até o fim suas
fumaças de cheiro desagradável. E, em verdade, Eu vos digo que o chamejar
desses não é tido em conta por Deus, porque Deus vê que aquilo é um orgulhoso
arder para um fim humano. Bem aventurados aqueles que sabem imitar a segunda
luz e não carbonizar-se, mas subir ao céu com a última palpitação de seu
constante amor.
...Eis minha segunda parábola, que pode
ser chamada: “A genuína justiça não tira vinganças, nem faz restrições.” Um
homem, ou melhor, o Homem, o Filho do Homem, tem inimigos e amigos. Muitos
inimigos e poucos amigos. Os inimigos e cujos pensamentos Ele não ignora, e dos
quais ele sabe qual é a vontade que não se desviará de nenhuma ação, por mais
horrenda que ela seja. Nisso eles são mais fortes do que os seus amigos, nos
quais o medo ou a desilusão, ou uma excessiva confiança servem como uns aríetes
destruidores de sua fortaleza.
Este Filho do Homem, que tem muitos
inimigos, e do qual se censuram tantas coisas não verdadeiras, encontrou ontem
um pobre menino, o mais desolado dos meninos, filho de um homem que é inimigo
dele. O menino estava deforme e estropiado, e pedia uma graça estranha: a graça
de morrer.
Todos pedem honras e alegrias ao Filho
do Homem, pedem saúde, pedem vida. Mas este menino pedia a morte, para não
sofrer mais. Ele já conheceu toda a dor da carne e do coração, porque aquele
que o gerou, e que me odeia sem razão, odeia também ao inocente infeliz que ele
gerou. E Eu o curei, para que não sofra mais, porque além da saúde física,
possa conseguir também a saúde do espírito. Também sua pequena alma está
doente. O ódio do pai e o escárnio dos homens a encheram de chagas, fizeram dela
uma despojada de amor. Só o que ficou nele foi a fé no Céu, no Filho do Homem,
ao qual, ou melhor, aos quais ele pede para morrer. Agora, vós o ouvireis
falar.
O menino
limpo e alinhado, com sua vestezinha de lã branca, que a Noemi acordada durante
a noite, coseu, vem para a frente pela mão da velha nutriz. Ele é pequeno,
ainda que, não estando mais corcovado, nem manco, esteja hoje parecendo mais
alto do que ontem. Tem um rostinho irregular e um pouco enrugado de quem a dor
fez que ficasse adulto antes do tempo.
Mas não
está mais deformado. Seus pezinhos descalços pisam com firmeza no chão, com um
passo que não tem mais aquela incerteza dos moncos, e os ombros magros estão
bem de acordo com a sua magreza. Seu pescoço fino passa acima dos ombros e
parece mais longo, em comparação com o tamanho que tinha ontem, quando ele se
afundava por entre as clavículas assimétricas.
“Mas...
mas é o filho de Ana de Naum. Que milagre desperdiçado! Achas que com isso irás
fazer teus amigos o pai do menino e o Naum? Tu os tornarás mais odientos ainda.
Porque eles estavam esperando somente a morte deste menino, fruto de um infeliz
casamento.”, exclama Judas de Keriot.
“Eu não faço milagres para granjear
amigos. Mas por piedade das criaturas e para prestar honra ao meu Pai. Não faço
distinções nem cálculos nunca, quando Eu me curvo com piedade sobre uma miséria
humana. Não me vingo de quem me persegue.”, diz
Jesus.
...Jesus
toma a palavra: “Muitas coisas se mudarão. Mas não todas. Porque contra a
minha doutrina haverá no futuro o que já estão fazendo: o ódio daqueles que não
amam a luz. Porque, contra a força dos meus seguidores estará a dos seguidores
de Satanás, e quantos! E de quantas espécies! A minha imutável, porque perfeita
doutrina, quantas doutrinas de heresias sempre novas se lhe oporão! Quanta dor
germinará delas. Vós não conheceis o futuro. A vós vos parece grande a dor que
agora há no mundo... Mas Aquele que sabe vê horrores que nem seriam entendidos,
se Eu vo-los explicasse... Ai de vós, se Eu não tivesse vindo! Eu vim para dar
aos futuros um código, que freia os instintos até dos melhores, e traz uma
promessa de paz futura” Ai dele, se o homem não tivesse pela minha vinda, os
elementos espirituais capazes de conservá-lo “vivo”, na vida do espírito, e a
conservá-lo confiante em um prêmio!
Se Eu não tivesse vindo, com o correr
dos séculos, a terra se teria transformado em um vasto inferno terrestre, e a
raça humana se teria dilacerado, teria perecido, maldizendo o Criador...”
Pg.
263-272
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586 – O SÁBADO ANTES DA ENTRADA EM
JERUSALÉM. A CEIA DE BETÂNIA. JUDAS DE KERIOT DECIDE
Está
de volta, e vai entrando Maria Madalena. Ela traz nas mãos uma ânfora de gargalo
fino que termina em um pequeno bico, feito tão gracioso, como o pescoço de um
passarinho. É feito de alabastro de uma cor amarela rosada, como a pele de
certas pessoas louras. Os apóstolos olham para ela, talvez pensando que elea
vai levando algum prato raro. <as Maria não vai para o centro, para o meio
do U da mesa, onde está sua irmã. Passa por detráz das cadeiras-leitos, vai
colocar-se entre a de Jesus e a de Lázaro e aquela onde estão os dois Tiagos.
Ela destanpa o vaso de alabastro, e põe a mão por baixo do biquinho, para
recolher algumas gotas de um líquido que pinga e está escorrendo lentamente da
ânfora aberta. Um odor fino de tuberosas e de outras essências, um perfume
intenso e muito agradável se espalha pela sala. Mas a Maria não está contente com
aquele pouco que está caindo. Ela se inclina e quebra, com uma pancada
certeira, o pescoço de uma ânfora, contra o canto da pequena cama de Jesus. O
gargalo cai por terra, espalhando sobre os mármores do pavimento as gotas
perfumadas. Agora a ânfora está com uma boca larga, e a exuberância do unguento
extravasa para todos os lados.
Maria
se coloca atrás de Jesus, e derrama o óleo espesso sobre a cabeça do seu Jesus,
impregna todos os seus cabelos e os puxa, para depois alinhá-los com um pente,
que se levanta por sobre os cabelos e os põe em ordem sobre a adorável cabeça.
A cabela loiro-avernelhada de Jesus brilha, como se fosse de um ouro escuro, e
que fica muito luzidio depois de feita aquela unção. A luz do lampadário que os
servos acenderam, se reflete sobre a cabeça loura de Cristo, como sobre um
capacete de um bronze cobreado muito bonito. O perfume é inebriante. Penetra
pelas narinas, sobe à cabeça. É excitante como o rapé, quando usado assim puro
e sem mistura.
Lázaro
com a cabeça virada para trás sorri, ao ver com que cuidado Maria está ungindo
e alinhando as madeixas de Jesus, para que a cabeça dele apareça em ordem
depois da fricção perfumada. Por enquando só se cuida do entrelaçamento, não
mais sujeito ao pente largo, que ajuda os granpos a cumprirem suas tarefas,
vão-se abaixando cada vez mais por sobre o pescoço, e já perto de se afrouxarem
para baixo, completamente por cima dos ombros. Até Marta está olhando e sorri.
Os outros estão falando entre si, em voz baixa, com diversas expressões nos rostos.
Mas
Maria ainda não está satisfeita. Ainda há muito unguento no vaso quebrado, e os
cabelos, mesmo sendo muitos, já estão saturados dele. Então Maria repete o ato
de amor, que ela fez numa tarde já distante. Ela se ajoelha aos pés da caminha,
tira as fivelas das sandálias de Jesus e, mergulhando no vaso os longos dedos
de sua mão muito bonita, tira de lá o mais que pode do unguento e o passa, o
espalha sobre os pés nus, dedo por dedo, depois pelas plantas dos pés e pelos
calcanhares e por cima dos tornozelos, que ela descobre, jogando para trás a
veste de linho e, por último, passa sobre o dorso dos pés, demorando-se lá
sobre os metatarsos, onde vão entrar os tremendos cravos, e continua a tirar
até não encontrar mais o bálsamo dentro do pequeno vaso, e depois o quebra
jogando-o no chão, e, ficando com as mãos livres, desfaz rapidamente suas
pesadas tranças, e retira com aquela meada de ouro viva, macia e fluente, o
resto que sobrou da unção dos pés de Jesus, dos quais está gotejando o bálsamo.
Judas
–que até aqui tinha ficado calado e observando, com um olhar impuro de luxúria
e de inveja a belíssima mulher e o Mestre, a quem ela estava ungindo ba cabeça
e nos pés – levanta agora a voz, a única voz de aberta censura. Os outros, não
todos, mas alguns, tinham murmurado um pouco, ou feito algum gesto de
desaprovação eespanto, mas de modo pacato. Judas porém se põe de pé para ver
melhor a unção feita nos pés de Cristo, diz atrevidamente: “Eis uma coisa
inútil, um esbanjamento pagão. Para que fazer isso? E depois não se quer que os
membros do Sinédrio murmurem contra o pecado! Esses são atos de cortesãs
lascivas, e não condizem com a nova vida que Tu dizes viver, ó mulher. Elas
fazem recordar-se demais o teu passado.”
O
insulto é tão grande, que todos ficam atordoados. E, então, todos se agitam,
assentam-se nas pequenas camas, outros se põem de pé, e todos ficam olhando
Judas, como se ele fosse alguém que tivesse ficado doido de repente.
Marta
está para explodir. Lázaro se levanta de repente, dá um murro na mesa e diz:
“Em minha casa...” Mas depois olha para Jesus e se contém.
“Sim,
estais olhando para mim? Todos vós estáveis murmurando em vossos corações, mas
agora que eu me fiz vosso eco, e disse abertamente o que estáveis pensando, eis
que estais prontos para dizer que eu não tenho razão. Eu repito aquilo que eu
disse. Não quero chegar a dizer que Maria seja a amante do Mestre. Mas digo que
certos atos não são convenientes nem para Ele, nem para ela. É uma coisa
imprudente. E até injusta. Sim. Para quê todo esse gasto? Se ela queria
destruir a lembrança do seu passado, podia entregar-me aquele vaso e aquele
unguento. Pelo menos uma libra de nardo puro havia nele! E de alto preço. E
além disso, eu podia também vender o vaso, que era bonito e precioso. Eu teria dado
os denários aos pobres que nos assediam. Pobres nunca fltam. E amanhã em
Jerusalém serão muitíssimos dos que pedem uma esmola.”
“Isto
é verdade”, concordam outros. “Podias usar de um pouco dele com o Mestre e o
que sobrasse...”
Maria
Madalena está como se fosse surda. Continua a limpar os pés de Cristo com os
seus cabelos soltos, que agora chegam até em baixo, porque estão pesados pelo
unguento, e mais escuros do que no alto da cabeça. Os pés de Jesus estão lisos
e macios, em sua cor de marfim velho, como se estivessem cobertos com uma
epiderme nova. E Maria põe de novo as sandálias nos pés de Cristo, e beija cada
um dos pés, antes e depois de os ter calçado, surda a todos os outros assuntos,
que não sejam o seu amor por Jesus.
E
Jesus a defende, pousando a mão sobre a cabeça inclinada dela, ao dar ela seu
último beijo e dizendo: “Deixai que ela o faça. Por que é que a fazeis sofrer e a
aborreceis? Vós não sabeis o que ela fez. Maria cumpriu um dever fazendo uma
boa ação para comigo. Pobres sempre o tereis entre vós. Mas Eu estou para ir-me
embora. Pobres sempre haverá. Mas, daqui a pouco não me vereis mais. Aos pobres
podereis sempre dar uma esmola. A Mim, daqui a pouco, ao Filho do Homem entre
os homens, não será mais possível prestar honra alguma, por causa da voltade
dos homens, e porque a hora marcada terá chegado. O amor para ela é luz. Ela
percebe que Eu estou para morrer, e quis antecipar para o meu corpo as unções
que se fazem antes da sepultura. Em verdade, Eu vos digo, nos lugares em que
for pregada a Boa Nova lembrar-se-ão deste ato dela cheio de um amor profético.
Isso em todo o mundo e em todos os séculos. Que Deus quisesse fazer de cada
criatura uma outra Maria, que não faz caso do valor, que não alimenta apego,
que não conserva lembrança, ainda que bem pequena do passado, mas destrói e
espezinha tudo o que é da carne e do mundo. Mas se reparte e se distribui, como
fez com o nardo e o alabastro sobre o seu Senhor, e por amor dele. Não chores
Maria. Eu te repito neste momento as palavras que Eu disse ao Simão, o fariseu,
e a Marta, tua irmã: “Tudo é perdoado, porque soubeste amar totalmente.” Tu
escolheste a melhor parte. E não te será tomada, vai em paz minha doce
ovelhinha reencontrada. Vai em paz. As pastagens do amor serão o teu eterno
alimento. Levanta-te. Beija também as minhas mãos que te absolveram
eabençoaram. Quantos já foram absolvidos e abençoados, curados, beneficiados
porminhas mãos! E no entanto Eu vos digo que o povo ao qual prestei benefícios
está preparando para estas mãos a tortura.”
Faz-se
um silêncio pesado, no ar pesado por causa daquele penetrante perfume. Maria,
com os cabelos soltos sobre os ombros, como se fossem um manto, e sobre o rosto
como se fosse um véu, beija a mão direita que Jesus lhe estende, e já não sabe
afastar dela os seus lábios.
Marta
comovida, vai para perto dela, e lhe ajunta os cabelos soltos e os trança,
acariciando-a depois e espalhando-lhe o pranto pelas faces, procurando assim
enxugá-lo. Ninguém mais tem vontade de comer. As palavras de Cristo os fez
pensar.
Pg.
282-285
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587 – O ADEUS A LÁZARO
“Lázaro, meu amigo, sabes tu quem sou
Eu?”
“Tu? Ora,
Tu és Jesus de Nazaré, o meu doce Jesus, o meu santo Jesus e meu poderoso
Jesus!”
“Isto é o que Eu sou para ti. E para o
mundo, quem Eu sou?”
“Tu és o
Messias de Israel.”
“E que mais?”
“És o
Prometido, o Esperado... Mas, Poe que me perguntas isso? Estarás duvidando de
minha fé?”
“Não, Lázaro. Mas Eu quero
confidenciar-te uma coisa. Ninguém, sem falar de minha Mãe e de um dos meus,
ninguém ainda sabe disso. Minha Mãe, porque ela não deixa de saber nada. E um
outro, porque ele participa desse assunto. Aos outros, Eu lhes falei, durante
estes três anos em que estiveram comigo, muitas e muitas vezes. Mas o amor
deles tem servido de subterfúgio e de cobertura, pairando sobre a verdade que
lhes foi anunciada. Eles não puderam entender tudo... E é bom que não tenham
entendido, porque, sem isso, para impedir um delito, eles iriam cometer outro.
E seria inútil. Porque o que deve acontecer aconteceria com todas as mortes que
houvesse. Mas a ti Eu o quero dizer.”
“Duvidas
que Eu te ame menos do que eles? De qual delito é que estás falando? Que delito
é esse, que deve acontecer? Fala-me, em nome de Deus!”
“Eu falo, sim. Não duvido do teu amor.
E tampouco Eu duvido dele, que nele Eu me fio, contando-lhe quais são as minhas
vontades.”
“Oh! Meu
Jesus! Mas uma coisa dessas só se faz, quando se está para morrer. Eu assim
fiz, quando percebi que Tu não vinhas, e que eu tinha que morrer.”
“E Eu devo morrer.”
“Naão!”
“Não grites. Que ninguém te ouça. Eu
preciso falar-te a ti sozinho, Lázaro, meu amigo, sabes o que é que está
acontecendo neste momento em que estás perto de Mim, com esta amizade fiel, que
me tiveste desde o primeiro momento, e que nunca foi perturbada por motivo
algum? Um homem, junto com outro homem estão combinando que preço dar ao
Cordeiro. Sabes qual é o nome daquele Cordeiro? Seu nome é Jesus de Nazaré.”
“Naão.
Inimigos teus existem, é verdade. Mas ninguém pode vender-te. Quem? Quem é?”
“É um dos meus. Não podia deixar de
ser, senão um daqueles que Eu fortemente desenganei, e que, cansado de esperar,
quer ver-se livre daquele que já não é mais do que um perigo pessoal. Ele pensa
em granjear uma estima, conforme ao seu pensamento, no meio dos grandes do
mundo. Mas, pelo contrário, ele vai ser desprezado pelo mundo dos bons e até
pelo dos delinquentes. Ele chegou a ficar tão cansado de Mim, que na espera
daquilo que, por todos os meios, ele procurou conseguir, isto é, a grandeza
humana, procurada por ele antes no Templo, esperando atingi-la agora, com o Rei
de Israel, e a está procurando novamente no Templo, e em companhia dos romanos...
Ele espera... Mas Roma, que também sabe premiar os seus servos fiéis... sabe
pisar, com o seu desprezo, nos vis delatores. Ele está cansado de Mim, de ficar
esperando, e do peso que é o procurarmos ser bons. Para quem é mau, o ser bom,
e até mesmo ter que fingir que se é bom, já é uma carga de um pesa avassalador.
Ela pode ser tolerada por algum tempo... Mas depois... Não se aguenta mais, e
se procura ficar livre dela. Livre? Assim pensam os maus. E assim também ele
crê. Mas isso não é liberdade. Ser de Deus é que é liberdade. Pois ser contra
Deus é um cativeiro, é estar preso aos cepos e as correntes a grandes pesos e
debaixo dos açoitamentos, como fazem com o galeote, que tem que ficar sempre
junto ao remo, como fazem com o escravo nas construções, que tem que suportar
as chicotadas do capataz.”
“Quem é?
Dize-o a mim. Quem é?”
“Não adianta.”
“Sim, que
adianta. Ah! Não pode ser outro, senão ele: esse homem sempre foi uma mancha
entre os das tuas fileiras, o homem que há pouco tempo, ofendeu minha irmã. É
Judas de Keriot.”
“Não. Satanás... Deus assumiu uma carne
em mim: Jesus. E Satanás assumiu uma carne nele: Judas de Keriot. Um dia... Há
muito tempo... Aqui neste teu jardim, Eu consolei um pranto e desculpei um
espírito que caiu na lama. Eu disse que a possessão é um contágio de Satanás,
que inocula os seus sucos no ser e o desnatura. Eu disse que isso é o casamento
de Satanás com a animalidade de um espírito. Mas a possessão é ainda pouca
coisa, em comparação com a encarnação. Eu serei possuído pelos meus santos, e
eles serão possuídos por Mim. Mas só em Jesus Cristo está Deus, como está no
Céu, porque Eu sou Deus que se fez carne. A Encarnação divina é uma só. Assim
também em um só é que estará Satanás, o Lúcifer, assim como ele está em seu
reino, porque só no assassino do Filho de Deus é que Satanás está encarnado.
Ele enquanto aqui te estou falando, está lá diante do Sinédrio, combinando como
vai ser a minha morte, e se empenhando no assunto. Mas não é ele. É Satanás.
Agora escuta Lázaro, meu amigo fiel. Eu te peço alguns favores. Tu nunca me
negaste nada. O teu amor tem sido tão grande, que sem ultrapassar a linha do
respeito, foi sempre ativo a meu lado, com tantas ajudas, ajudas sempre
previdentes, e com sábios conselhos, que Eu sempre aceitei, porque Eu via no
teu coração um verdadeiro desejo do meu bem.”
“Oh! Meu
Senhor! Mas era minha alegria ocupar-me contigo! Que mais farei agora, se não
tiver que ocupar-me com o meu Mestre e Senhor? É demais. É pouco demais o que
me permitiste fazer. A minha dívida para contigo que fizeste Maria voltar ao
meu amor e à vida honrada, que me fizeste a mim voltar a vida, é uma dívida tão
grande que... Oh! Porque me fizeste voltar da morte à vida para fazer-me viver
uma hora como esta? Já todo o horror da morte e toda a angústia do espírito,
pois fui tentado por Satanás, no momento de apressar-me ao Juiz Eterno, tudo
isso eu superei, e eu estava no escuro... Que tens, Jesus? Por que é que estás
tremendo e ficando pálido ainda mais do que estavas antes? O teu rosto está
mais pálido do que esta rosa branca, que vai murchando à luz da lua. Oh!
Mestre! Parece que o sangue e a vida te estão abandonando.”
“De fato, Eu estou como alguém que
morre, com suas veias abertas. Toda Jerusalém, e Eu quero dizer com isso: todos
os meus inimigos entre os poderosos de Israel, toda Jerusalém está agarrada a mim,
com suas bocas ávidas, e está chupando a minha vida e o meu sangue. Eles querem
fazer silenciar esta voz que, durante três anos atormentou, ainda que o fizesse
por amá-los... Pois toda palavra minha, mesmo sendo palavra de amor, era
sacudida com a intenção de despertar a alma deles, e eles não queriam dar
ouvidos a essa sua alma, e a haviam amarrado com sua tríplice sensualidade. E
isso não era somente com os grandes. Mas Jerusalém inteira está para
enfurecer-se contra o inocente e querer a morte dele. E, com Jerusalém, toda a
Judéia. E com a Judéia a Peréia, a Iduméia, a Decápole, a Galiléia, a
Siro-fenícia. Israel inteiro reune em Sião, para a “Passagem” do Cristo desta
vida para a morte. Lázaro, tu que morreste e foste ressuscitado, dize-me, que
coisa é morrer? Que foi que experimentaste? De que te lembras?”
“Morrer?
Não me lembro exatamente como foi. Depois de um grande sofrimento me sobreveio
uma grande fraqueza. Parecia-me não estar sofrendo mais e estar somente com um
grande sono. A luz e o barulho foram ficando cada vez mais fracos e longínquos.
Dizem minhas irmãs que eu dava sinais de um grande sofrimento. Mas eu... disso
não me lembro...”
“Está bem. A piedade do Pai faz ficar
obtuso para quem está morrendo o uso da inteligência, de tal modo que eles
sofrem somente em sua carne, pois ela que tem que ser purificada nessa
preparação para o purgatório, que é a agonia. Mas eu... e da morte, não te
lembras?”
“De nada,
Mestre. Eu tenho uma faixa escura no espírito. Um espaço vazio. Percebo uma
interrupção no decurso de minha vida, e não sei como preenchê-la. Não tenho
recordações. Se seu olhasse para o fundo daquele buraco escuro, que me encerrou
durante quatro dias, ainda que fosse de noite e houvesse sombra nele, eu
perceberia, mas não veria o gelo que subia das vísceras para ir soprar em minha
face. Isso já seria uma sensação. Mas eu, se pensar bem sobre aqueles quatro
dias, não me lembro de nada. De nada. É o que eu tenho a dizer.”
“Pois bem. Os que voltam não podem
falar. O mistério se revela a cada um por sua vez para aquele que lá entra. Mas
Eu, Lázaro, Eu sei o que vou sofrer. E sei o que sofrerei, com pleno
conhecimento. E não haverá nenhuma bebida doce, ou calmante pela qual se me
torne menos atroz a agonia. Eu perceberei quando estiver morrendo. E já o estou
percebendo. Eu já estou morrendo Lázaro. Como um doente de doença incurável, Eu
continuei a morrer, durante estes trinta e três anos. É sempre mais um morrer,
se ele for acelerado pouco a pouco, à medida que se vai aproximando àquela
hora. Antes já era um morrer somente o saber que Eu tinha nascido para ser o
Redentor. Depois veio o morrer de quem se vê combatido, acusado, escarnecido,
perseguido, impedido! Que canseira! Depois... Morrer tendo a meu lado, cada vez
mais perto, até chegar a tê-lo agarrado a mim, como um polvo ao naufrago,
aquele que é meu traidor. Que nojo! Agora Eu vou morrer com a mágoa de ter que
dizer: “adeus” aos meus amigos mais caros e a minha Mãe.”
“Oh!
Mestre! Tu estás chorando? Sei que choraste também diante de meu sepulcro,
porque me amavas. Mas agora... Tu estás chorando de novo. Estás todo gelado.
Tens as mãos frias como um cadáver. Tu estás sofrendo. Estás sofrendo demais.”
“Eu sou o Homem, Lázaro. Não sou
somente Deus. Do Homem Eu tenho a sensibilidade e os afetos. E minha alma fica
angustiada, ao pensar em minha Mãe... Contudo, Eu to digo, tornou-se tão
monstruosa esta minha tortura de ter que suportar a presença do traidor, o ódio
satânico de todo o mundo, que, se não odeiam, também não sabem amar de fato e
chegar a ser como o amado quer e ensina, ao passo que aqui... Sim, muitos me
amam. Mas continuam a ser “o que eram”. Não se transformaram em outros “eus”,
por amor de mim. Sabes quem foi que soube, entre os meus mais íntimos,
desnaturar-se para se tornarem de Cristo, como o Cristo quer? Apenas uma: a tua
irmã Maria. Ela partiu de uma animalidade completa e pervertida para chegar a
uma espiritualidade angelical. E isso somente pela força do amor.”
“Tu a
redimiste?”
“A todos Eu redimi com a palavra. Mas
somente ela é que mudou totalmente pela atividade do seu amor. E Eu dizia: é
tão monstruosa esta minha tortura de ter que sofrer todas estas coisas, que Eu
não desejo outra coisa senão que tudo se cumpra. As minhas forças vão
diminuindo... Será menos pesada a cruz do que está tortura do espírito e do
sentimento.”
“A cruz?
Naão! Oh! Não.”
Jesus se
aproxima dele, põe-lhe a mão sobre o ombro sacudido pelos soluços, e lhe diz: “E,
então? Deverei ser Eu que morro, Eu que te consolo a ti, que vives? Amigo, Eu
preciso de força e de ajuda. E é o que te peço. Não há mais quem possa dar,
senão tu. Os outros é bom que nem o saibam. Porque, se soubessem... haveria de
correr muito sangue. E Eu não quero que os cordeiros virem lobos, nem mesmo por
amor ao inocente. Minha Mãe... Oh! que dor Eu sinto ao falar nela... minha Mãe,
já vive tão angustiada! Também Ela está para morrer exausta... Há trinta e três
anos que Ela também vem morrendo, e agora Ela é toda uma chaga, como a vítima
de um suplício atroz. Eu te juro que combati com a mente e com o coração,
estando entre a mente e a razão, para decidir se era justo afastá-la, mandá-la
de volta para sua casa, onde ela está sempre sonhando com o Amor que a fez ser
Mãe, e aprecia o sabor de seu beijo de fogo, estremece no êxtase daquela
lembrança, como o ar que está sendo agitado e movido, com um esplendor
angelical. Na Galiléia a notícia da morte chegará quase no momento em que Eu
poderei dizer a Ela: Minha Mãe, Eu sou o vencedor!” Mas não posso, não posso
fazer isso não. O pobre Jesus carregado com os pecados do mundo, tem agora
necessidade de um conforto. E minha Mãe é quem o dará a Mim. Este pobre mundo
ainda precisa de duas Vítimas. Porque o homem pecou em companhia da mulher. E a
mulher tem que redimir, como o homem redime. Mas, enquanto a hora não tiver
chegado, Eu darei à minha Mãe um sorriso calmo... Ela está tremendo... Eu o
sei. Ela percebe que a tortura vem se aproximando. Eu o sei. E Ela a repele por
um natural arrepio e por um santo amor, assim como Eu repilo a Morte, porque
sou um “vivo” que deve morrer. Mas ai se Ela soubesse que dentro de cinco
dias... Ela não chegaria viva até aquela hora, e Eu a quero viva, para tirar
dos seus lábios a força, como tirei vida do seu seio. E Deus a quer sobre o meu
Calvário para misturar a água do seu pranto virginal ao vinho do Sangue divino
e, assim, celebrar a primeira Missa. Não sabes. Nem podes saber. Será a minha
morte aplicada para sempre ao gênero humano, tanto ao que está vivendo, como ao
que está penando. Não chores, Lázaro. Ela é forte. Não está chorando. Ela tem
chorado durante toda a sua vida de Mãe. Agora não chora mais. Ela se crucificou
com o sorriso no rosto... Já viste que rosto Ela tem mostrado nestes últimos
tempos? Ela se crucificou com o sorriso no rosto, para me confortar. Eu te pelo
que imites minha Mãe. Eu não podia mais guardar o segredo comigo sozinho. Por
isso olhei ao redor de Mim, procurando um amigo sincero e firme. E encontrei o
teu olhar leal! E Eu disse: “É Lázaro.” Eu, quando estavas com uma pedra sobre
o coração, respeitei o teu segredo e o defendi até contra a curiosidade natural
do coração. Agora te peço o mesmo respeito para com o meu. Depois... Depois de
minha morte, tu o dirás. E contarás este colóquio, para que se saiba que Jesus
caminhou consciente para a morte e para as conhecidas torturas, unindo mais
esta de não ter ignorado nada, nem quanto às pessoas, nem quanto ao seu
destino. Para que se saiba que ainda, enquanto podia salvar-se, não o quis,
porque o seu infinito amor pelos homens não tinha outro desejo que não fosse o
de consumar o sacrifício de sua vida por eles.”
“Oh!
Salva-te, Mestre! Salva-te! Eu te posso ajudar a fugir. Nesta noite mesmo. Uma
vez Tu já fugiste para o Egito! Foge também agora. Vem, vamos. Tomemos conosco
Maria e minhas irmãs, e vamos. Nenhuma de minhas riquezas me atrai, como Tu
sabes. A minha riqueza, a de Maria e de Marta és Tu. Vamos.”
“Lázaro, naquele tempo Eu fugi, porque
ainda não era a hora. Agora é a hora. E Eu aqui fico.”
“Então eu
vou ficar contigo. Eu não te deixo.”
“Não. Tu ficas aqui. Visto que é
concedida uma licença para os que, dentro do espaço de um sábado, possam
consumir o cordeiro em sua casa, eis que tu, como sempre, consumirás o teu
cordeiro. Mas deixa que as irmãs venham a mim. Por causa de minha Mãe... Ah!
Que coisa te ocultavam, ó Mártir, as rosas do amor divino. O abismo! O abismo!
E dele sobem agora, e vão crescendo as chamas do ódio, a morderem teu coração!
As irmãs, sim. Elas são fortes e ativas... Mas minha Mãe será como um ser
agonizante e inclinado sobre os meus despojos. João não basta. É amor, João.
Mas é ainda imaturo. Oh! e ouvir nos próximos dias. Mas a Mulher precisa das
outras mulheres para tratarem de suas grandes feridas. Tu as deixarás vir?”
“Mas até
tudo o de que precisares. Eu sempre te dei tudo com alegria. E só ficava
sentido por quereres tão pouca coisa!”
“Tu o estás vendo. De nenhuma outra
pessoa Eu recebi tanto, como dos meus amigos de Betânia Esta tem sido uma das acusações
que aquele injusto fez contra mim, mais de uma vez. Mas Eu sempre encontrava
aqui entre vós muita consolação para o Homem por todas as amarguras humanas. Em
Nazaré, como Deus achava meu consolo naquela que é a delícia de Deus. E aqui
estava o Homem. E Eu, antes de subir para a morte, quero te agradecer como a um
meu amigo fiel e amoroso, gentil, dedicado, reservado, douto, discreto e
generoso. Por tudo isso Eu te agradeço. E meu Pai, depois te recompensará...”
“Tudo eu
já recebi do teu amor e com a redenção de Maria.”
“Oh! Não. Tens ainda muito a receber, e
receberás. Escuta. Não percas a esperança assim. Dá-me a tua inteligência, a
fim de que Eu possa dizer-te o que Eu ainda vou pedir. Tu ficarás aqui
esperando.”
“Não,
isto não. Por que Maria e Marta, e não eu?”
“Porque Eu não quero que tu te
corrompas, como todos os do sexo masculino se corromperão. Nos dias futuros
Jerusalém será tão corrompida como o ar perto de uma carniça podre, que foi
pisada pelo calcanhar de um descuidado que ia passando. Ela está cheirando mal
e fazendo que assim fiquem os que nela tocam. Os miasmas que dela emanam farão
que fiquem loucos até os menos cruéis, até meus próprios discípulos. Eles
fugirão. Mas para onde irão eles naquele seu apavoramento? Para a casa de Lázaro.
Quantas vezes, nestes três anos, eles vieram até aqui procurar pão, cama,
defesa, refúgio e o Mestre. Agora eles voltarão. Como umas ovelhas dispersas
pelo lobo, que lhes terá roubado o pastor, elas correrão para um ovil.
Reúne-as. Encoraja-as. Dize-lhes que Eu os perdoo. Eu te confio o meu perdão
para eles. Eles não terão sossego, por terem fugido. Dize-lhes que não caiam
num pecado ainda maior, que é o de perder a esperança do meu perdão.”
“Todos
fugirão?”
“Todos, menos João.”
“Mestre.
Não me irás pedir que eu acolha Judas? Faze-me morrer de tortura, mas não me
peças isso. Muitas vezes senti minha mão tremer no punho de minha espada,
ansiosa por acabar com o opróbrio da família, Mas, eu nunca fiz, porque não sou
violento. Fui apenas tentado a fazê-lo. Mas eu te juro que, se eu tornar a ver
Judas, eu o degolarei, como a um bode expiatório.”
“Não o verás nunca mais. Eu te juro.”
“Ele
fugirá? Não importa. Eu disse: “Se eu o vir”. Mas agora eu digo: “Eu irei ao
encontro dele, ainda que ele estivesse nos confins do mundo, e o matarei.”
“Não deves desejar isso.”
“Eu o
farei.”
“Não o farás, porque aonde ele está tu
não poderás ir.”
“Estará
ele no seio do Sinédrio? Ou no Santo? Mesmo lá eu o encontrarei. E o matarei.”
“Ele não estará lá.”
“Estará
no Palácio de Herodes? Eu serei morto, mas antes o matarei.”
“Estará na casa de Satanás, e tu não
estarás nunca na casa de Satanás. Mas termina já com esse pensamento homicida,
senão Eu te deixo.”
“Oh! Oh!
Mas, se é por Ti...”
Sim. Sou o teu Mestre. Acolherás os
discípulos, e os confortarás. E os conduzirás para a Paz. E, mesmo depois...
Depois tu os ajudarás. Betânia será sempre Betânia, enquanto o ódio não
penetrar neste lar de amor, pensando perder suas chamas, mas, ao contrário, as
irá espalhando pelo mundo, a fim de incendiá-lo totalmente. Eu te abençoo
Lázaro, por tudo o que fizeste e por tudo o que farás.”
“Nada,
nada. Tu me arrebataste das garras da morte, e agora não me permites
defender-te. Então, que é que eu fiz.”
“Já me deste as tuas casas. Estás
vendo? Isso tinha que acontecer. Meu primeiro alojamento foi em Sião, uma terra
que é tua. E o último também será em uma delas. Estava marcado que Eu havia de
ser teu hóspede. Mas da morte não poderias defender-me. Eu te perguntei, no
começo deste colóquio:
“Sabes tu quem Eu sou?
E agora Eu respondo: “Eu sou o
Redentor.” O Redentor deve consumar o sacrifício até à última imolação. Afinal,
bem o podes crer. Aquele que vai ser levantado na cruz, e que vai ser exposto
aos olhares e aos escárnios do mundo, não será um vivo, mas um morto. Eu já sou
um morto. Morto pela falta de amor, muito mais do que pela tortura. E, ainda há
mais uma coisa, meu amigo. Amanhã Eu, ao romper do dia, irei a Jerusalém. E tu
ouvirás dizer que Sião aclamou como um triunfador ao rei manso que entrará nela
cavalgando um jumentinho. Não te iludas por esse triunfo, e não te faça ele
pensar que a Sabedoria, que te está falando, foi não sábia nesta plácida tarde.
Mais rápido do que um astro, que risca o céu e desaparece por espaços
desconhecidos, assim é que desaparecerá o entusiasmo popular, e Eu, daqui a
cinco tardes, a esta mesma hora, começarei a ser torturado, depois de receber
um beijo traiçoeiro, que abrirá as bocas que desde amanhã vão gritar hosanas,
mas que em vozes ferozes e por entre blasfêmias pedirão a minha condenação.
Sim. Tu a terás finalmente, ó cidade de
Sião, ó povo de Israel, terás o Cordeiro Pascal! Tu o terás nesse rito que vai
acontecer. Ei-lo chegado. Será a Vítima preparada pelos séculos. Foi o Amor que
a gerou, preparando para si um tálamo no qual não havia mancha. E o Amor a
consome. Eis. É a Vítima consciente. Não é como o cordeiro que, enquanto o
açougueiro afia a faca para degolá-lo, ele ainda está pastando as ervas do
prado, ou, sem saber de nada, está batendo contra o mamilo redondo de sua mãe.
Mas Eu sou o Cordeiro que, consciente
diz: “Adeus! Para a vida, para a Mãe, para os amigos e vai até o sacrificador,
de diz: “Eis-me aqui! Eu sou o alimento do homem.”
Satanás faz parecer uma fome, que nunca
é saciada. E que não pode saciar. Só um alimento há que a sacia, porque ele
tira aquela fome. E aquele alimento, ei-lo aqui. Eis aqui, homem, o teu pão.
Eis aqui o teu vinho. Consome a tua Páscoa, ó Humanidade!
Atravessa o teu Mar Vermelho, que assim
está por causa das chamas satânicas. Tingido com o meu sangue, tu o passarás, ó
raça humana, preservada do fogo infernal. Tu podes passar. Os Céus, atendendo
aos meu desejos já começaram a entreabrir as portas eternas, Olhai, os
espíritos dos mortos! Olhai, ó homens que viveis! Olhai, ó almas que sereis
incorporadas nos futuros! Olhai, ó anjos do Paraíso. Olhai, ó demônios do
Inferno! Olha ó Pai! Olha, ó Paráclito! A Vítima está sorrindo. Ela não chora
mais.
Tudo já foi dito. Adeus, meu amigo. A
ti também. Pois Eu não te verei antes da morte. Demo-nos o beijo do adeus. E
não fiques duvidando. Eles te dirão: “Ele era um louco! Era um demônio! Era um
mentiroso. Morreu, enquanto vivia dizendo que Ele era a Vida. A eles, e
especialmente a ti mesmo, responde: “Era e é a Verdade, era a Vida. E é o vencedor
da Morte. Eu o sei. Ele não pode ser o eterno Morto. Eu o espero. E não se
consumirá todo o óleo da lâmpada, que o amigo tem pronta para alumiar o mundo,
que foi convidado para as núpcias do Triunfador, quando Ele, o Esposo, voltar.
E a Luz, desta vez não poderá mais se apagar.” Acredita nisso, Lázaro. Obedece
ao meu desejo. Escutaste este rouxinol como está cantando, depois de ter se
calado, por causa do barulho do teu pranto? Também, tu, faze assim. Que a tua
alma depois do inevitável pranto sobre o Morto, cante o canto firme de tua fé.
Que sejas abençoado. Pelo Pai, pelo Filho e o Espírito Santo.
Pg.
290-300
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589 – DE BETÂNIA A JERUSALÉM,
PREDISPONDO OS APÓSTOLOS À PAIXÃO IMINENTE
Diz
Jesus:
“Eu mandei para a frente as mulheres,
pois Eu quero falar a vós sozinhos. Nos primeiros tempos em que Eu estava
convosco, Eu vos disse: “Não perturbeis à Mãe, contando más ações feitas contra
seu Filho.” Pareciam ações muito graves aquelas... Agora, vós três sois
testemunhas das ações que foram o começo de uma série, com a qual será levado à
morte o Filho do Homem, - tu, João, tu Simão e tu, Judas de Keriot – bem podeis
estar vendo como as primeiras eram como uns grãos de areia que estavam caindo
do alto, em comparação com a grande pedra, com as grandes pedras que agora já
estão sendo usadas. Mas, naquele tempo, o que havia em vós, e, Mim e em minha
Mãe era uma falta de preparação para conhecer a maldade humana. Tanto no bem,
como no mal. É isto.
O homem não chega a ser bom ou mau de
repente. Mas sobe ou desce, pouco a pouco. O mesmo acontece com a dor. Agora
vós que sois bons, crescestes no Bem, e podeis verificar, sem vos
escandalizardes, como teria acontecido naquele tempo, e que ponto de
perversidade pode descer o homem que se insataniza, e como Eu e minha Mãe o
vemos e podemos suportar, sem com isso morrermos, apesar de toda dor que nos
causa o homem. Temos agora a nossa alma robustecida. Todos nós. No Bem, no Mal
ou na Dor. Contudo, ainda não chegamos ao cume... Ainda não chegamos ao cume...
Oh! Se soubésseis qual é e como é alto o cume do Bem, o do Mal e o da Dor!
Mas Eu vos repito as palavras daquele
tempo. Não repitais para a Mãe o que o Filho do Homem está para dizer-vos. Ela
sofrerá demais. Aquele que deve ser morto bebe a piedosa mistura que atordoa, a
fim de poder esperar, sem ficar tremendo a cada instante, a hora do suplício. O
vosso silêncio será como a bebida piedosa para Ela, a Mãe do Redentor! Agora Eu
quero, a fim de que nada fique escuro para vós, explicar-vos o que significam
as profecias. E vos peço que fiqueis comigo, pois Eu quero ficar convosco. Eu
sinto necessidade de não ficar sozinho.”
Jesus
está muito triste. Os apóstolos o estão vendo assim, e se sentem angustiados. E
se concentram ao redor dele. Até Judas vai ficar perto do Mestre, como se fosse
o mais afetuoso dos discípulos. Jesus os acaricia e continua a falar:
Eu quero nesta hora, que ainda me é
dada, aperfeiçoar o conhecimento de Cristo em vós. No começo, com o João, o
Simão e o Judas, Eu fiz que se conhecesse a Verdade das profecias a respeito do
meu nascimento. As profecias me anunciaram como melhor não o poderia pintar nem
o mais exímio dos pintores, desde o meu alvorecer, até o fim dos meus dias.
Pois o alvorecer, e o fim de cada dia são as duas fases às quais deram mais
destaque os profetas. Agora o Cristo que desceu do Céu, o Justo que as nuvens
deixaram chover sobre a terra, o Rebento sublime, está para ser morto. Está
como um cedro a ser espedaçado pelo raio. Falemos agora de sua morte. Não
fiqueis suspirando, nem balançando a cabeça. Não fiqueis murmurando em vosso
coração, não maldigais os homens. Isso nada adianta.
Nós estamos subindo para Jerusalém. A
Páscoa já está próxima. Este será para vós o primeiro dos meses do ano. Este
será para o mundo o princípio de um novo tempo. Que não cessará nunca mais.
Inutilmente, de vez em quando, o homem procurara inventar um tempo novo, tendo
o nome de um ídolo deles. Serão fulminados e castigados. Não existe mais do que
um Deus no Céu e um Messias sobre a terra: o Filho de Deus, Jesus de Nazaré.
Ele, visto que de si Ele tudo dá, tudo pode querer, e põe o seu selo real, não
sobre aquilo que é carne, mas sobre o que é tempo e espírito.
No décimo dia deste mês, cada um tome
um cordeiro por família e por casa. E, se não bastar o número das pessoas da
casa para consumar o cordeiro, que ele chame o vizinho com os seus, até o
número que seja capaz de consumir todo o cordeiro. Porque o sacrifício e a
vítima devem ser completas e consumados. Nem uma migalha deve sobrar deles. E
não sobrará. São muitos demais aqueles que desejam alimentar-se com o cordeiro.
É um número sem limites, para um banquete também ilimitado no tempo, e não é preciso
fazer-se fogo para consumir os restos, porque restos não há. Aquelas partes que
tiverem sido oferecidas, e forem rejeitadas pelo ódio, serão consumidas pelo
próprio fogo da vítima, isto é, por seu amor.
Eu vos amo ó homens. E vós, meus doze
amigos, que Eu mesmo escolhi, vós nos quais estão as doze tribos de Israel, e
vós, as treze veias da Humanidade. Tudo Eu reuni em vós, e tudo em vós Eu vejo
reunido... Tudo.”
“Mas nas
veias do corpo de Adão está também a de Caim. Nenhum de nós levantou a mão
contra seu companheiro. Abel, onde está então?” Pergunta Iscariotes.
“Tu o disseste. Nas veias do corpo de
Adão está também a de Caim. E o Abel sou Eu, o doce Abel, pastor de rebanhos,
agradável ao Senhor, porque oferecia as suas primícias ao Senhor, o que era sem
imperfeição, pois entre todas as ofertas, oferecia-se antes a si mesmo. Eu vos
amo, ó homens. Ainda que não me ameis, Eu vos amo. O Amor é que aumenta e
completa a obra dos sacrificadores.
Que o cordeiro seja sem mancha, macho e
de um ano. Não há tempo para o Cordeiro de Deus. Ele existe. Igualmente no
último dia. E existe igualmente no último dia, como existia no primeiro desta
Terra. Aquele que é como o Pai, não conhece em sua natureza divina o que é o
envelhecimento. E sua pessoa conhece apenas uma velhice, apenas um cansaço, e é
para muitos a desilusão por terem vindo em vão.
Quando souberdes como Eu fui morto, e
os outros que virem seu Senhor transformado em um leproso, coberto de chagas,
agora estão brilhando com seu pranto ao meu lado, e já não veem mais esta bela
colina, porque o pranto os cega com sua líquida viseira, então dizeis: “Não é
disso que Ele morreu, mas por ter sido desconhecido pelos seus mais queridos, e
rejeitado por grande parte da humanidade.” Mas, se o Filho de Deus não tem tempo,
e por isso Ele é diferente do cordeiro ritual, contudo nisso é igual a Ele,
porque é sem mancha, é do sexo masculino e consagrado ao Senhor. Sim.
Inutilmente é que os verdugos, isto é, aqueles que me matarão com suas armas,
ou por sua vontade ou por traição, quererão se desculpar, dizendo: “Ele era
culpado.” Ninguém se for sincero, poderá acusar-me de pecado. Será que vós o
podeis?
Estamos na frente da morte. Eu já o
estou. E há outros que também o estão. Quem são eles? Não queres saber quem
são, Pedro? Todos. A morte vem chegando, pouco a pouco, e arrebata a quem menos
a espera. Mas também aqueles que tem ainda muita vida pela frente, de uma hora
para outra, estão diante da morte, pois o tempo é como um relâmpago, em
comparação com a eternidade, e porque na hora da morte, até a mais longa das
vidas se reduz a nada, e as ações dezenas e dezenas de anos que já ficaram para
trás, desde aqueles da primeira idade, voltam agora, em grande número para
dizerem: “Eis, ontem mesmo estava fazendo isso.” Ontem! Sempre se fala de
ontem, quando a gente morre! E sempre é pó tanto a honra como o ouro, pelos
quais tanto sofreu a criatura! E perde todo o sabor o fruto, atrás do qual
corremos, como uns loucos. Ontem! É sempre ontem, quando se morre. A mulher? A
bolsa? A ciência? Que foi que sobrou? Nada! Somente a consciência e o Juízo de
Deus, para diante do qual vai a pobre consciência, desamparada pelas proteções
humanas e pelas riquezas e carregada somente com as obras que houver praticado.
“Apanhem o seu sangue, e ponham parte
dele sobre os umbrais e a arquitrave. E o Anjo, em sua passagem não ferirá as
casas nas quais estiver o sinal do sangue. Apanhai o meu sangue. Ponde-o não
sobre as pedras mortas, mas sobre o coração morto. É uma nova circuncisão. Eu
não ofereço sacrifício com as partes inúteis, mas corto a minha magnífica,
sadia e pura virilidade, e faço dela um completo sacrifício, e também dos
membros mutilados, das veias abertas, e tomo o meu sangue, para traçar com ele
sobre a humanidade anéis de salvação, anéis de eternos esponsais com Deus, que
está nos Céus, com o Pai que me espera, e lhe digo: “Eis ai! Agora não podes
mais rejeitá-los, porque rejeitarias o teu sangue.”
E Moisés disse: “...E depois mergulhai
um pequeno maço de hissopo no sangue e aspergi com ele os umbrais.” Então, será
que não basta o sangue? Não basta. Ao meu sangue deve se ajuntar o vosso
arrependimento. Sem arrependimento, um arrependimento amargo, mas salutar,
inutilmente Eu terei morrido por vós.
Esta é a primeira palavra que no livro
fala do Cordeiro Redentor. Mas o Livro está espargido por ela. Assim como a
cada novo surgir do Sol, mais perfeita se vai tornando a florescência destes
ramos, assim, pouco a pouco, à medida que cada ano sucede aos que já passaram e
se aproxima do tempo da Redenção, pode-se já ver como espessa já se vai
tornando a florescência.
E Eu agora com Zacarias, vos digo a vós
e para Jerusalém: “Eis que o Rei vem, cheio de mansidão, cavalgando uma jumenta
acompanhada pelo jumentinho. Ele é pobre.” Mas Ele arruinará os poderosos que
oprimem o homem. Ele é manso, e, no entanto, o seu braço levantado para
abençoar, vencerá o demônio e a morte. Ele anunciará a paz, pois Ele é o Rei da
Paz. “Ele quando estiver pregado, estenderá o seu domínio de um até o outro
mar.” Ele não grita nem despedaça, não apaga a chama de quem tem mais fumaça do
que luz, daquele que é mais fraqueza do que força, daquele que merece a
verdade. “O teu Messias, ó cidade de Sião, o teu Messias, ó povo do Senhor, o
teu Messias, ó povo da Terra.”
“Sem ficar triste, nem turbulento”, e
vós estais vendo como em Mim não há aquela tristeza, cheia de desgostos, do
vencido, nem aquela odiosa do perverso, mas somente a seriedade de quem está
vendo até que ponto pode chegar o possuído por Satanás, que está no homem, e
vedes como podendo Eu o fazer virar cinza, e isso, só com um ato de minha
vontade, Eu, durante estes três anos vim estendendo as mãos, em um gesto de
amor, a todos, sem parar, e agora estas minhas mãos terão que se estender para
serem feridas! “Sem ser triste ou turbulento, Eu chegarei a estabelecer o meu
Reino. É o Reino de Cristo, ao qual está a salvação do mundo.
Diz-me o Pai, o Senhor Eterno: “Eu te
chamei, te tomei pela mão, fiz de Ti a Aliança entre os povos de Deus, e te fiz
Luz das nações!” E Luz Eu tenho sido. Luz para abrir os olhos dos cegos,
palavra para dar fala aos surdos, chave para abrir os cárceres subterrâneos
daqueles que estavam nas trevas do erro.
E agora Eu que sou tudo isso, vou
morrer. Entro na escuridão da morte. Da morte, entendeis? As primeiras coisas
anunciadas, eis que estão se cumprindo, digo Eu também com o Profeta. As
outras, Eu vo-las darei, antes que o demônio nos separe.
Eis Sião, lá no fundo. Ide pegar a
jumenta e o jumentinho. Dizei ao homem: “O Rabi Jesus precisa deles.” E dizei a
minha Mãe que Eu estou chegando. Ela está sobre aquele outeiro, com as Marias.
Está me esperando. É o meu triunfo humano... Que seja também o triunfo dela.
Sempre unidos. Oh! Unidos!
E quem é que tem um coração de hiena, a
qual, com um golpe de sua pata cheia de garras, arranca o coração do coração
materno, isto é, a Mim, que sou seu Filho? Será um homem? Não. Todo homem nasce
de uma mulher. E, por uma reflexão instintiva e moral, ele não pode tornar-se
feroz para com uma mãe, porque pensa na sua. Portanto o homem não o é. Quem
então será? Um demônio? Mas será que um demônio ofende a Vencedora? Para
ofendê-la precisa tocar nela. Mas Satanás não suporta a Luz virginal da Rosa de
Deus. E então? Quem vós direis que será? Não dizeis nada? Eu, na hora, o direi,
o demônio mais astuto se encarnou no homem mais corrompido e, como o veneno
contido nos dentes da áspide, fica fechado nele, que pode aproximar-se da
Mulher, e assim, traiçoeiramente mordê-la.
Maldito seja o monstro híbrido que é
Satanás, e que é o homem! Eu o amaldiçoo? Não. Esta palavra não fica para o
Redentor. E, então, Eu digo à alma desse monstro hibrido, o que Eu disse em
Jerusalém à monstruosa cidade de Deus e de Satanás: “Oh! Se nesta hora, que
ainda te é dada, tu soubesses ver o teu Salvador!” Não há Amor maior do que o
meu! E não há maior poder! Até o Pai consente que Eu lhe diga: “Eu quero”, nem
Eu sei dizer palavras que não sejam de piedade para com aqueles que caíram e
que me estendem seus braços, lá do seu abismo.
Ó alma do maior dos pecadores, o teu
Salvador, perto já das soleiras da morte, se inclina sobre o teu abismo, e te
convida a que lhe dês a mão. É verdade que não impedirás a minha morte... Mas
tu... te salvarias, tu a quem Eu ainda amo, e a alma do teu amigo não tremeria
de horror, ao pensar em morrer e com uma morte destas...”
Jesus se
cala... Está oprimido...
Pg.
310-315
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590 – O PRANTO SOBRE JERUSALÉM E A ENTRADA
TRIUNFAL NA CIDADE SANTA
Jesus
passa um braço por sobre os ombros de sua Mãe, que se levantou, quando João e
Tiago de Alfeu a alcançaram, para dizer-lhe: “O teu Filho vem vindo”, e depois
voltaram para trás, para se reunirem com os companheiros, que vão andando
lentamente, conversando, enquanto Tomé e o André foram correndo a Betfagé, a
fim de procurar a jumenta com o jumentinho e levá-los a Jesus.
Enquanto
isso, Jesus fica falando com as mulheres. “Eis-nos aqui perto da cidade. Eu vos
aconselho que vades com segurança. Entrai antes de mim na cidade. Perto de En
Rogel estão todos os pastores e os discípulos de mais confiança. Eles receberam
a ordem para servir-vos de escolta e dar-vos proteção.”
“É que...
Nós já falamos com Azer de Nazaré e com Abel de Belém, e também com Salomão.
Eles tinham, vindo até aqui para verem a tua chegada. A multidão prepara uma
grande festa. E nós queríamos ver. Estás vendo como se estão sacudindo as copas
das oliveiras? Não é o vento que as está agitando desse modo. Mas é o povo que
está apanhando ramos para espalhá-los pelo caminho e cobrir-te dos raios do
sol. E aquilo lá? Olha como estão despojando as palmeiras de seus leques.
Parecem ser uns cachos pendurados, mas são homens que subiram pelos fustes das
palmeiras, e estão colhendo o mais que podem. E nos declives os meninos estão
curvados colhendo flores. E as mulheres certamente estão nos hortos e jardins,
apanhando corolas e ervas cheirosas, para encherem de flores o caminho. Nós
queríamos ver e imitar o gesto de Maria de Lázaro, que recolheu todas as flores
pisadas por teus pés, quando entraste no jardim de Lázaro”, diz afetuosamente
por todas, Maria de Cléofas.
Jesus
acaricia sobre a face a sua velha parenta, que mais parece uma menina cheia de
vontade de ver o espetáculo, e lhe diz: “No meio da grande multidão, não
veríeis nada. Ide na frente. Ide à casa de Lázaro, aquela que está sob a guarda
de Matias. Eu passarei por lá, e vós me vereis, lá do alto.”
“Meu
Filho... e Tu vais sozinho? Não posso estar perto de Ti?”, diz Maria,
levantando o seu rosto cheio de tristeza, e fitando seus olhos azuis como o
céu, sobre seu doce Filho.
“Eu quereria pedir-te que fiques
escondida. Como a pomba na fenda do rochedo. Mais do que da tua presença, o de
que eu preciso de ti é da tua oração, minha Mãe querida”.
“Se assim
é meu Filho, nós rezaremos, todas nós, por Ti.”
“Sim.
Depois de tê-lo visto passar, ireis conosco para o meu palácio, em Sião. E eu
mandarei alguns servos ao Templo, e que irão sempre atrás do Mestre, a fim de
que eles nos tragam as ordens dele e suas notícias”, assim decide Maria de
Lázaro, sempre alerta para compreender o que é melhor fazer-se, e para fazê-lo
sem demora.
“Tens
razão, minha irmã. Ainda que eu sofra por não poder acompanhá-lo, compreendo
que a ordem é justa. E, afinal, Lázaro nos disse que não contradigamos ao
Mestre em nada. E que lhe obedeçamos até nas menores coisas. E assim faremos.”
“Então, ide. Estais vendo? As ruas vão
ficando movimentadas. O povo já está quase alcançando os apóstolos. Ide. A paz
esteja convosco. Eu vos farei vir nas horas que Eu julgar oportuno. Minha Mãe,
adeus. Fica em paz. Deus está conosco.” E a beija, e se despede dela. E as
obedientes discípulas lá se vão com cuidado.
Os dez
apóstolos alcançam Jesus. “Tu as mandastes para frente?”
“Sim. De alguma casa poderão ver a
minha entrada.”
“De qual
casa?”, pergunta Judas de Keriot.
“Ora”
São... tantas já as casas amigas”, diz Filipe.
“Por que
não vão para a da Anália”, insiste Iscariotes.
Jesus
responde negativamente, e vai-se encaminhando para Betfagé, que fica pouco
longe. Ele já vai chegando perto, quando vêm voltando para trás os dois que
foram mandados buscar a jumenta e o jumentinho. E eles gritam: “Achamos tudo o
que disseste, e te trouxemos os animais. Mas o dono deles quis escová-los e
adorná-los com os melhores arreios, a fim de prestar-te uma honra. E os
discípulos, unidos aos que passaram a noite nas estradas de Betânia, a fim de
te prestarem honras e querem ter a honra de conduzi-los a Ti, e nós
consentimos. Pareceu-nos que o amor deles merecia um prêmio.”
“Fizeste bem. Então, vamos para a
frente.”
“São
muitos os discípulos?”, pergunta Bartolomeu.
“Oh! São
uma multidão. Não se consegue nem entrar pelas ruas de Betfagé. Por isso, Eu
disse a Isaque que leve o jumento, passando por Cleonte, queijeiro”, responde
Tomé.
“Fizeste bem. Vamos até o cume da
colina. E lá esperamos um pouco, à sombra daquelas árvores.” Eles vão para o lugar que Jesus lhes está mostrando.
“Mas
assim nos afastamos do caminho. Tu estás à altura de Betfagé, deixando-a para
trás!”, exclama Iscariotes.
“E, assim Eu quero fazer, quem é que me
pode proibir? Será que Eu já sou um prisioneiro, não me sendo permitido ir para
onde quero? E haverá pressa para que Eu o seja, e se teme que Eu possa escapar
da captura? E, se Eu julgasse justo afastar-me por lugares mais seguros, haverá
quem mo possa impedir?” Jesus dardeja com os seus
olhos sobre o traidor, que não abre a boca, e dá de ombros, como se dissesse:
“Faze o que te parecer.”
De fato,
eles passam por detrás da pequena cidade, eu diria por um subúrbio da
cidadezinha, porque do lado oeste estão pouco longe dela, fazendo já parte das
encostas do Monte das Oliveiras, que coroa Jerusalém do lado oriental. Lá
embaixo, entre os declives e a cidade, as águas do Cedron brilham ao sol de
abril. Jesus se assenta no meio daquele silêncio verde, e se concentra em seus
pensamentos. Depois ele se levanta, e vai até a borda do outeiro.
... De
uma colina perto de Jerusalém, Jesus olha para a cidade estendida a seus pés.
Esta não é uma colina muito alta. No máximo como pode ser a esplanada de São
Miniato do Monte, em Florença. Mas é o bastante para que o olho domine sobre a
extensão do terreno onde estão as casas e as ruas que sobem e descem pelas
pequenas elevações do terreno onde está
Jerusalém.
Mas esta colina é certamente muito mais alta, se tomarmos por base o nível mais
baixo da cidade, não tanto com o Calvário, mas por estar mais perto do muro do
que ele. Ela nasce propriamente quase de fora dos muros, e se ergue, com um
salto rápido, ao lado dele, enquanto que do outro lado, desce devagar para o
campo todo verde, que se estende para o leste. Pelo menos me parece ser o lado
do oriente, se eu estiver interpretando bem, pela luz solar.
Jesus e
os seus estão debaixo de um grupo de árvores, sentados à sombra delas. Estão
descansando do muito que caminharam. Depois Jesus se levanta, deixa aquele
espaço cheio de árvores onde estavam sentados, e se dirige para onde desejava
ir: para um lado do outeiro. Sua alta estatura se destaca nítida no meio do
vazio que o circunda. E ela fica parecendo ser ainda mais alta, estando Ele
assim de pé, e sozinho. Ele tem as mãos cruzadas sobre o peito, por cima do
manto azul, e está olhando sério, muito sério.
Os
apóstolos o estão observando. Mas o deixam tranquilo, não se movem nem falam.
Devem estar pensando que Ele veio sozinho para rezar. Mas Jesus não está
rezando. Depois de ter ficado olhando de lá para a cidade em todos os seus
bairros, em suas elevações, em suas particularidades, de vez em quando lança
demorados olhares sobre este ou aquele ponto e outras vezes com menor duração.
E Ele se põe a chorar, sem sacudir-se nem fazer barulho. Suas lágrimas enchem
as órbitas, depois escorrem, e vão descendo por sobre as faces, e caem, por
fim. São grandes lágrimas, silenciosas e muito tristes. São lágrimas como as de
quem sabe que deve chorar, sozinho, sem esperar o consolo nem a compreensão de
ninguém. Por uma dor, que não pode ser anulada, e que deve ser sofrida,
incondicionalmente.
O irmão
de João, por sua colocação, é o primeiro que vê aquele pranto e fala dele aos
outros. Eles olham um para o outro, surpresos.
“Nenhum
de nós lhe fez mal”, diz um deles. E um outro diz: “Não foi ninguém da multidão
que o insultou. Pois não havia no meio dela nenhum inimigo dele.”
“E,
então, por que Ele está chorando?”, pergunta o mais velho de todos. Pedro e
João se levantam, ao mesmo tempo, e se aproximam do Mestre. Pensam que a única
coisa que podem fazer seria fazê-lo ouvir que o amam, e perguntar-lhe o que
houve.
“Mestre,
Tu estás chorando?”, diz João, pousando sua cabeça loura sobre o ombro de Jesus
que é mais alto do que ele, da base do pescoço para cima.
E Pedro,
pondo-lhe a mão na cintura, e apertando-o, como se o abraçasse, puxa-o para si,
e lhe diz: “Que é que te faz sofrer. Jesus? Dize-o a nós, que te amamos.”
Jesus
apoia a face sobre a cabeça loura do João e abrindo os braços passa por sua
vez, o braço sobre o ombro do João. Ficam assim abraçados todos os três, em uma
postura de muito amor. Mas o pranto continua a gotejar. João o percebe descer
por entre seus cabelos, e torna a perguntar: “Por que estás chorando, Mestre
meu? Será que nós é que te fazemos sofrer?” Os outros apóstolos se reuniram ao
grupo amoroso, e com ansiedade esperam uma resposta.
“Não”, diz Jesus. “Não sois vós. Vós
sois meus amigos, e a amizade, quando é sincera, é um bálsamo e um sorriso, mas
nunca um pranto. Eu gostaria que vós permanecêsseis sempre meus amigos. E
principalmente agora, quando vamos entrar na corrupção que fermenta, que corrompe
a quem não tem a vontade decidida de permanecer honesto.”
“Para
onde vamos, Mestre? Não é para Jerusalém? A multidão já te saudou com alegria.
Queres desiludi-la? Será que vamos a Samaria ver algum milagre? E justamente
agora, que a Páscoa está perto?”
As
perguntas são feitas por muitos ao mesmo tempo. Jesus levanta as mãos para
impor silêncio e depois, com a mão direita, mostra a cidade. É um gesto largo
como o do semeador, que joga as sementes para a frente de si. Ele diz: “Ali
está a corrupção. Nós estamos entrando em Jerusalém. Estamos entrando. E somente o Altíssimo é que
sabe como Eu quereria santificá-la de novo a esta que já deveria ser a Cidade
Santa. Mas não poderei fazer nada mais para ela. Está corrompida, e corrompida
irá ficar. E os rios da santidade, que jorram do Templo vivo, ainda mais
jorrarão por alguns dias, até deixá-lo vazio de vida, não sendo eles
suficientes para redimi-la. Virá ao Santo a Samaria e o mundo pagão. Sobre os
templos mentirosos surgirão os templos do verdadeiro Deus. Os corações dos
gentios adorarão o Cristo. Mas este povo, esta cidade será sempre inimiga dele,
e o seu ódio ao maior dos pecados. Isto deve acontecer. Mas, ai daqueles que
vão ser instrumentos desse delito. Ai deles!”
Jesus olha fixamente para o Judas, que está quase à sua frente.
“Isto a
nós não acontecerá nunca. Nós somos os teus apóstolos e cremos em Ti, e estamos
dispostos a morrer por Ti.” Judas mente despudoradamente, e não abaixa o olhar,
ainda que sinta que o olhar de Jesus continua sobre ele... Os outros protestam
todos juntos. Jesus responde a todos, mas evita responder ao Judas diretamente.
“Queira o céu que vós sejais assim. Mas
ainda há muita fraqueza em vós... e a tentação poderia tornar-vos semelhantes
àqueles que me odeiam. Rezai muito, e velai muito sobre vós. Satanás sabe que
está para ser vencido, e quer vingar-se, afastando-vos de mim. Satanás está ao
redor de todos nós. Ao redor de mim, para impedir- me de fazer a vontade do Pai
e de cumprir a minha missão... E de vós para fazer de vós servos seus. Vigiai.
Do lado de dentro daqueles muros, Satanás pegará aquele que não souber ser
forte. Aquele para o qual a maldição terá sido o ter ele sido escolhido, porque
ele fez dessa escolha um plano humano. Eu vos escolhi para o Reino dos Céus, e
não para o do mundo. Lembrai-vos disso. E tu, cidade que queres a tua ruína, e
sobre a qual Eu choro, fica sabendo que o Cristo ora pela tua redenção. Oh! Se
pelo menos nesta hora que te resta souberes vir a quem seria a tua paz! Pelo
menos que compreendesses nesta hora o Amor que está passando no meio de ti, e
te despojasses do ódio que te torna cega e louca, cruel para contigo mesma, e
para com o teu bem! Mas dia virá em que te lembrarás desta hora! Já será tarde
demais, então, para chorares e te arrependeres. O Amor terá passado, e terá
desaparecido de tuas estradas, e só ficará o ódio, que foi o preferido por ti.
E o ódio se porá contra ti, e contra os teus filhos. Porque tem-se aquilo que
se quis e ódio se paga com ódio. E não será mais o ódio dos fortes contra o
desarmado. Mas ódio contra ódio e, por isso, guerra e morte. Cercada por
trincheiras e homens armados, já terás definhado, mesmo antes de seres
destruída, e verás caindo os teus filhos pelas armas e pela fome, e os que
sobreviverem serão levados como prisioneiros e escarnecidos, e, então, tu
pedirás misericórdia, mas não a encontrarás mais, porque te recusaste a
reconhecer a tua Salvação. Eu choro, meus amigos, porque Eu tenho um coração de
homem, e por isso as ruínas da Pátria me fazem chorar. Mas é justo que isso se
cumpra, pois a corrupção campeia do lado de dentro destes muros, e passa acima
de todos os limites, atraindo o castigo de Deus. Ai dos cidadãos que são causa
do mal da Pátria. Ai dos reitores, que são a causa principal disso. Ai daqueles
que deveriam ser santos, para levarem os outros a serem honestos, pois, ao
contrário disso, eles estão profanando a casa do seu ministério e a si mesmos!
Vinde. Minha ação nada mais valerá. Mas façamos que a Luz brilhe, ainda uma
vez, no meio das Trevas!”
E Jesus
vai descendo, acompanhado pelos seus. Vai, andando depressa pelo caminho, com
um rosto sério, e, eu diria, quase fechado. Ele nem fala mais. Entra em uma
casinha, aos pés da colina, e eu não vejo nada mais.
Diz
Jesus:
A cena narrada por Lucas parece
desconexa, quase sem lógica. Eu que me compadeço das desventuras de uma cidade
culpada, e não saberei compadecer-me dos costumes desta cidade? Não. Não os
conheço, e não me posso compadecer deles, pois que, pelo contrário, são esses
próprios costumes que geram as desventuras. E, ao vê-las, torna-se para mim
mais aguda a minha dor. A minha ira contra os profanadores do Templo é uma
lógica consequência da minha meditação sobre as próximas desventuras de
Jerusalém.
São sempre as profanações do culto de Deus,
da Lei de Deus, que provocam os castigos do Céu. Fazendo da Casa de Deus uma
espelunca de ladrões, aqueles sacerdotes indignos e aqueles crentes indignos,
pois o são somente de nome, atraiam sobre todo o povo maldição e morte. É
inútil dar este ou aquele nome ao mal que faz um povo sofrer. Procurai o nome
justo, que é este: “Punição por viverem como uns brutos”. Deus se retira, e o
Mal avança. Eis o fruto de uma vida nacional indigna do nome de cristã.
Como naqueles tempos, também agora,
neste fim de século, não tenho faltado com prodígios, que fazem estremecer e
reclamar... Mas, hoje como ontem, Eu não atraí sobre mim e sobre meus
instrumentos nada mais, do que escárnio, indiferença e ódio. Cada um em
particular e as nações recordem-se de que inutilmente choram quando, antes, não
quiseram conhecer sua salvação. Inutilmente me invocam, quando no tempo em que
Eu estava com eles, eles me perseguiram com uma guerra-sacrílega que, partindo
das consciências individuais, devotadas ao Mal, espalhou-se por toda a Nação.
As Pátrias não se salvam somente com as almas, mas também com uma forma de
vida, que atraia as proteções do Céu. Repousa pequeno João. E faze por onde
sejas sempre fiel e tua escolha. Vai em paz.
Que
cansaço. Não aguento mais...
Pg.
315-322
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591 – A TARDE NO GETSÊMANI. OS
APÓSTOLOS CHAMADOS À REALIDADE DEPOIS DA EBRIEDADE DO TRIUNFO
Jesus
Fala:
“Depois do triunfo desta manhã, bem
diferente está o vosso espírito. Que é que Eu devo dizer? Quem é que ficou
tranquilizado? Segundo a humanidade, ficou tranquilizado. Pois vós, quando
estáveis entrando na cidade, estáveis tremendo por causa de minhas palavras.
Parecia que cada um estava com medo, por si próprio, dos valentões que estão do
outro lado dos muros, sempre prontos a assaltá-lo, ou fazê-lo prisioneiro.
Em cada homem há um outro homem, que se
revela nas horas de perigo. Nele há também o herói que se revela nas horas de
maior perigo, sai para fora daquele homem manso, que todos sempre olhavam e
julgavam não valer nada, o herói que, na hora da luta, diz: “Eis-me aqui!”, e
que diz ao inimigo, ao prepotente: “Vem cá! Vem medir-te comigo”. E aí está o
santo que, enquanto todos fogem aterrorizados, diante da ferocidade dos que
querem fazer vítimas, lhes diz: “Levai-me como refém e como vítima. Eu pagarei
por todos.” E aí está o cínico que das infelicidades dos outros quer tirar um
proveito para si próprio, e ainda se ri sobre os corpos mortos das vítimas. Aí
está o traidor que tem uma coragem, que é própria dele: a de fazer o mal, o
traidor, que é como um amálgama do cínico com o velhaco, pois este é também uma
das categorias que gostam de se manifestar nas horas dolorosas. Porque cinicamente
ele tira proveito de uma desventura e, velhacamente, passa para o partido mais
forte, e ousa, contanto que daí leve vantagem, enfrentar o desprezo dos
inimigos e as maldições dos abandonados. E, enfim, aí está e é o tipo mais
comum, o do velhaco, que na hora séria, só é capaz de ficar se queixando por
ter-se dado a conhecer, como sendo de um partido, ou seguidor de um homem, e
que agora estão atingidos pela maldição, e tem que fugir... Esse velhaco não é
tão delinquente como o cínico, nem tão repugnante como o traidor. Mas ele
mostra a imperfeição de sua natureza espiritual. Vós... sois esses tais. Não
digais que não. Eu leio em vossas consciências.
Esta manhã, vós assim pensáveis,
falando um com o outro: Que é que nos acontecerá? Teremos que ser levados para
a morte nós também. E a parte mais baixa gemia: “E em muito alto grau.” Sim.
Ter-vos-ei enganado alguma vez? Desde as minhas primeiras palavras, Eu vos
falei de perseguição e morte. E, quando um de vós, por um excesso de admiração
quis me ver, e quis apresentar-me como um rei desta terra, sempre pobre, mesmo
sendo rei e restaurador do Reino de Israel, Eu logo corrigi aquele erro, e
disse: “Eu sou rei do espírito.” Eu ofereço privações, sacrifício e dores. Não
tenho outra coisa. Mas depois da minha e da vossa morte, na minha fé, Eu vos
darei um Reino eterno: o Reino dos Céus. Será que o que Eu vos disse foi coisa
diferente? Não. Vós dizeis que não.
E vós, então, me dizíeis também: “É só
isso que queremos. Contigo, como Tu, por Ti queremos viver e ser tratados, e
padecer. Pois, sim. Vós faláveis assim. E éreis bem sinceros. Mas era porque
somente raciocináveis como crianças, como umas crianças distraídas. Pensáveis
que para vós o seguir-me era fácil, e estáveis tão impregnados pela
sensualidade, que nem podíeis admitir que fosse verdade aquilo que Eu dizia.
Vós pensáveis assim: “Ele é o Filho de Deus. E diz isso para provar o nosso
amor. Mas Ele não poderá ser atacado pelo homem. Ele, que opera milagres, fará
mais um em seu favor!” E cada um acrescentava: “Eu não posso crer que Ele vai
ser traído, preso e morto.” Tão forte era aquela vossa fé humana no meu poder,
que chegáveis a não ter fé nas minhas palavras, a Fé verdadeira, espiritual,
santa e santificante.
“Ele que faz milagres, irá fazer também
um em favor de si próprio!” Era isso que dizíeis. Não um só, mas muitos desses
milagres Eu ainda farei. Contudo, dois deles serão tais, como a mente humana
nem pode pensar. Serão tais como somente os que acreditam no Senhor poderão
admitir. Todos os outros, nos séculos dos séculos, dirão: “É impossível!” E,
até depois da morte, Eu serei objeto de contradição para muitos.
Em uma amena manhã de primavera, Eu
anunciei do alto de um monte as diversas bem-aventuranças. Há ainda mais uma:
“Bem-aventurados aqueles que saberá crer, sem ver.” Eu já disse andando pela
Palestina: “Felizes aqueles que ouvem a palavra de Deus, e a observam.” E
ainda: “Felizes daqueles que fazem a vontade de Deus.”, e outra e mais outra Eu
disse, porque na Casa de meu Pai numerosas são as alegrias que estão esperando
os Santos. Mas também esta outra existe. Oh! Felizes daqueles que crerem sem
terem visto com os olhos corporais. Muitos santos haverá que, estando na terra,
já estarão vendo a Deus, o Deus escondido no Mistério de amor.
Mas vós, depois dos três anos que
estais comigo, ainda não chegastes a ter essa fé. E só credes naquilo que
vedes. Por isso, a partir desta manhã, depois do triunfo, dizei: “É aquilo que
nós dizíamos: Ele triunfa. E nós com Ele.” E, como passarinhos que mudam as
penas que foram arrancadas por algum malvado, vós vos pondes a voar, cheios de
alegria, seguros, livres daquele aperto que minhas palavras vos haviam posto no
coração. Ficareis mais aliviados, então, até no espírito? Não. E neste estais
ainda menos aliviados. Porque estais ainda mais despreparados para a hora que
está chegando. Vós bebestes os hosanas, como um vinho forte e agradável. E
ficais ébrio com ele. Será que um ébrio pode ser um forte? Basta a mãozinha de
um menino para fazê-lo cambalear e cair. Assim sois vós. E bastará a aparição
dos valentões para fazer-vos fugir como umas tímidas gazelas, ao verem aparecer
sobre uma das rochas do monte o focinho aguçado do chacal e, velozes como o
vento, elas se dispersam pelas solidões do deserto.
Oh! Tomai cuidado para que não morrais
de uma sede horrível sobre aquela areia ardente, que é o mundo sem Deus! Não
digais, não digais, ó meus amigos, o que diz Isaías, aludindo a esse vosso
estado de espírito falso e perigoso. Não digais: “Este homem só sabe falar de
conjuras, mas não é preciso ter-se medo, não é preciso ficar-se espantado. Não
devemos temer aquilo que Ele nos profetiza. Israel o ama. E isso nós o vimos.
Quantas vezes o tenro pé nu de um pequenino pisa nas ervas floridas do prado,
colhendo flores para levá-las à mamãe, e crê encontrar somente caules e flores
e, a fim de as levar para a mamãe, quando está quase pondo o calcanhar sobre a
cabeça de uma serpente, e leva uma mordida, e morre! As flores escondiam as
serpentes. Também esta manhã... Até nesta manhã! Eu sou o Condenado coroado de
rosas! Quanto duram as rosas? Que é que sobra depois que sua corola se
despetalou? Somente os espinhos.
Isaías o disse – serei para vós, e a
vós Eu digo que serei para o mundo santificação, mas também uma pedra de
tropeço, pedra de escândalo, um laço e uma ruína para Israel e para a Terra.
Santificarei aqueles que tiverem boa vontade e farei cair e ser reduzidos a
pedaços aqueles que tiverem má vontade. Os Anjos não dizem palavras de mentira,
nem palavras de pouca duração. Eles vêm de Deus, que é Verdade e é Eterno, e o
que dizem é verdade e palavra imutável. Eles disseram: “Paz aos homens de boa
vontade”, foi quando nascia, ó Terra, o teu Redentor. Mas, para se obter a paz
que vem de Deus, isto é, a santificação e a glória, é preciso ter “Boa
Vontade”. É inútil o meu nascimento, inútil a minha morte para aqueles que não
têm essa boa-vontade. O meu vagido e o meu estertor, o meu primeiro passo e o
último, a ferida da circuncisão e a da consumação terão sido em vão, se em vós,
se nos homens não houver a boa vontade de se redimir e se santificarem. Eu
vo-lo digo: muitíssimos tropeçarão em Mim, que estou posto como uma coluna de
sustentação, e não como armadilha para o homem, e cairão porque estão ébrios de
soberba, de luxúria, de avareza, e serão pegos na rede de seus pecados, e
presos, e entregues a Satanás. Ponde estas palavras em vossos corações e
selai-as para os futuros discípulos.
Vamos. A Pedra se levanta. Demos mais
um passo para a frente. Para subirmos ao monte. Ele deve estar esplendente, lá
no cume, porque ele é Sol, é Luz e é o Oriente. E o Sol já esplende sobre os
cumes. Deve ser sobre o Monte, por que o Templo verdadeiro deve ser visto por
todo o mundo. E por mim mesmo. Eu o edifico com a Pedra viva da minha Carne
imolada. Eu colo as partes dela com a cal feita de suor e sangue. E ficarei
sobre o meu trono, coberto com uma púrpura viva, coroado com uma coroa nova, e
aqueles que estão longe virão a mim, trabalharão no meu Templo, ao redor dele.
Eu sou a base e o cume. Mas ao redor se tornará sempre maior, e o tamanho da
casa aumentará. Eu mesmo é que trabalharei as minhas pedras, e formarei os meus
operários. Como Eu fui tratado pelo Pai e pelo homem e pelo ódio trabalhado a
cinzel, assim Eu também os trabalharei. E, então, em um só dia terá sido tirada
a iniquidade da Terra e sobre a pedra do Sacerdote para sempre se voltarão os
olhos, a fim de verem a Deus, e desembocarão as sete fontes, para vencerem o
fogo de Satanás. Satanás... Judas, vamos. E lembra-te de que o tempo urge, e
que na noite de quinta feira deve ser entregue o Cordeiro.”
Pg.
330-334
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592 – SEGUNDA-FEIRA SANTA. CONFORTO À
MÃE DE ANÁLIA E ENCONTRO COM O LEGIONÁRIO VITAL. A FIGUEIRA E A PARÁBOLA DOS
VINHATEIROS PÉRFIDOS. A AUTORIDADE DE JESUS E O BATISMO DE JOÃO
Diz
Jesus:
“Um homem comprou um terreno, e plantou
nele um vinhedo, construiu uma casa para os colonos, uma torre para os vigias,
adegas e lagares onde prensar as uvas e o entregou a alguns colonos, nos quais
ele tinha confiança. Depois viajou para longe. Quando chegou o tempo em que os
vinhedos já podiam estar dando frutos, tendo as videiras já crecido, o dono da
vinha mandou os seus servos aos colonos, a fim de receberem os lucros da
colheita. Mas os colonos cercaram aqueles servos, e uma parte deles foi
recebida com pauladas, outros foram feridos com pedradas que os machucaram
muito, e outros foram mortos. Os que ainda puderam voltar vivos à casa do
patrão lhe contaram o que havia sucedido. O patrão fez neles os curativos, e os
consolou. E depois mandou outros servos em número bem maior. E os colonos
trataram a estes como haviam tratado aos primeiros. Então, o dono da vinha
disse> “Mandae-lhes-ei o meu filho. Certamente eles haverão de honrar o meu
herdeiro. Mas os colonos, ao vê-lo e tendo ficado sabendo que ele era o
herdeiro, combinaram entre si uns com os outros, dizendo: “Vinde. Reunamo-nos,
e seremos muitos. Vamos lá para fora, para um lugar afastado, e o matemos. E a
herança dele ficará para nós. E recebendo-o com uma delicadeza fingida, o
rodearam, como se fosse para festejá-lo, e, depois de o beijarem, o amarraram e
lhe deram uma forte surra, levando-o depois no meio de mil motejos, ao lugar do
suplício, e lá o mataram. Agora dizei-me vós. Aquele pai e patrão, que um dia
percebe que seu filho não voltou, e descobre que aqueles seus servos-colonos,
aqueles aos quais ele havia dado uma terra fértil para que a cultivassem em seu
nome, recebendo por isso o tanto que fosse justo, e dando o tanto que era justa
ao seu patrão, e descobre que eles é que foram os assassinos de seu filho, que
é que fará.?
E Jesus
dardejando raios com seus íris de safira acesos como um sol, sobre os que
haviam chegado, mas especialmente sobre os grupos dos judeus mais influentes,
os fariseus e os escribas espalhados pelo meio da multidão. Ninguém diz nada.
“Falai, vós, então. Pelo menos vós, que
sois os rabis de Israel. Dizei uma palavra de justiça, que prepare o povo para
a justiça. Eu poderia dizer uma palavra não boa, de acordo com o vosso
pensamento. Dizei-a então, vós, para que o povo não seja levado ao erro.”
Constrangidos,
os escribas respondem assim: “Ele punirá aqueles celerados, fazendo-os perecer
de um modo atroz, e dará a vinha a outros colonos que honestamente a cultivem,
dando-lhe o produto da terra recebida por eles em consignação.”
“Vós falastes bem. Assim está escrito
na Sagrada Escritura: “A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra
angular. Esta é a obra feita pelo Senhor, e é uma coisa maravilhosa aos nossos
olhos.” Uma vez que isso está escrito, e que vós sabeis disso, e julgais ser
justo que seja atrozmente punidos aqueles colonos que mataram o filho herdeiro
do dono da vinha, e que ela seja consignada a outros colonos que honestamente a
cultivem, é por isso que Eu vos digo: “Ser-vos-á tirado o Reino de Deus, e será
dado a outros que nele produzam frutos. E quem cair contra esta pedra se
esfacelara, e aquele sobre quem a pedra cair, será esmagado.”
...Eles
se limitam a aproximar-se Dele, que agora recomeçou a caminhar para frente e
para trás, indo e voltando, escutando isto ou aquilo dos muitos peregrinos, que
se dirigiram para o amplo pátio, e dentre os quais muitos lhe pedem algum conselho
para casos de consciência, ou para circunstâncias familiares ou sociais,
esperando também poder dizer-lhe alguma coisa, depois de o terem ouvido fazendo
julgamento sobre algum caso complicado de herança, que produziu divisão e
rancor entre os diversos herdeiros, por causa de um filho de pai, que o teve
com uma das servas da casa, mas que foi adotado, e os filhos legítimos não o
querem com eles, nem como co-herdeiros. Na repartição das casas e dos terrenos,
querendo até nem nada ter em comum com o bastardo, e não sabem resolver, porque
o pai os fez jurar, antes de sua morte, que assim como ele tinha feito, ao
repartir o pão, ele deviam igualmente, repartir a herança com ele em medida
igual.
Jesus diz
àquele que o interroga em nome dos outros três irmãos: “Sacrificai
todos um pedaço de terreno, vendendo-o de tal modo que, o valor do dinheiro
atinja a um quinto da importância total, e daí ao filho ilegítimo dizendo-lhe:
“Aqui está a sua parte. Não ficas prejudicado no que é teu, nem se contrariou
ao desejo de nosso pai. Vai e Deus esteja contigo.” Fazei isso com testemunhas
que sejam justas, e ninguém poderá na terra, nem depois desta terra, levantar
vozes de reprovação e de escândalo. E tereis a paz entre vós, e em vós não
ficareis com o remorso de terdes desobedecido ao vosso pai, e não tendo entre
vós um que, mesmo sendo inocente, é para vós causa de perturbação, mais do que
um ladrão que tivesse sido posto entre vós.”
O homem
diz: “O bastardo, em verdade, roubou-nos a paz em nossa família, a saúde de nossa
mãe, que morreu de dor, é um lugar que não é dele.”
“Mas não é ele o culpado, homem! Mas,
sim, o homem que o gerou, para entregá-lo à dor e fazer-nos sofrer. Sede, pois,
justos para com o inocente, que já está pagando duramente por uma culpa que não
é dele. Não desejais o mal para o espírito de vosso pai. Deus já o julgou. Não
são necessários os raios de vossas maldições. Honrai a vosso pai sempre, ainda
que ele seja culpado, não por si mesmo, mas porque representou na Terra o vosso
Deus, tendo-vos criado por decreto de Deus e sendo o senhor de vossa casa, os
pais estão imediatamente depois de Deus. Lembra-te do Decálogo. E não peques.
Vai em paz.”
Os
sacerdotes se aproximam de Jesus, mas agora para interrogá-lo. “Nós te ouvimos.
Falaste conforme a justiça. Foi um conselho que, mais justo nem Salomão seria
capaz de dar. Mas agora, dize-nos a nós, Tu que operas prodígios e dás
sentenças, que só o sábio rei poderia dar, com que autoridade é que fazes estas
coisas? De onde te vem um tal poder?”
Jesus
olha fixamente para eles. Ele não está nem agressivo, nem com ar de desprezo,
mas como alguém bem autorizado. Ele diz: “Eu também tenho uma pergunta a
fazer-vos e, se me responderdes, Eu vos direi com que autoridade é que Eu, um
homem sem autoridade, sem encargos e pobre – porque isto é o que quereis dizer
– com que autoridade é que Eu faço estas coisas. Pois bem. Dizei-me, o batismo
de João, de onde é que vinha? Era do Céu ou dos homens a autoridade com que
João o administrava? Respondei-me. Com que autoridade é que João o administrava
como um rito purificador, a fim de preparar-vos para a vinda do Messias, se
João era ainda mais pobre e inculto do que Eu, sem exercer nenhum cargo, tendo
vivido no deserto desde sua meninice?”
Os
escribas e os sacerdotes se consultam uns aos outros. Os que estavam lá
presentes, de olhos arregalados e ouvidos bem abertos, prontos tanto para
protestar, como para aclamar, se os escribas quiserem desqualificar o Batista
ou defender o Mestre, ou se parecem ter ficado derrotados pela pergunta do Rabi
de Nazaré, divinamente sábio. E as pessoas se comprimem ao redor dele. É
impressionante o silêncio absoluto desta multidão, que está à espera da
resposta. É tão profundo o silêncio, que se podem ouvir a respiração e os
cochichos dos sacerdotes e escribas, que falam uns aos outros, quase sem usar
de palavras, e estão de olhos no povo e, enquanto isso, as pessoas do povo,
cujos sentimentos eles bem conhecem, estão prontas para explodir.
E
finalmente eles se decidem a responder. Eles se viram para o Cristo, que está
encostado a uma coluna, com os braços cruzados sobre o peito, e os está
perscrutando, sem perdê-los de vista, e aí eles dizem: “Mestre, nós não sabemos
com que autoridade João fazia aquilo, nem de onde é que vinha o seu batismo. Ninguém
pensou em perguntar ao Batista, enquanto ele estava vivo, nem ele
espontaneamente o disse.”
“Pois nem Eu vos direi com que
autoridade faço estas coisas.” E lhes vira as costas,
chamando para perto de si os doze, e abrindo ala por entre a multidão que o
aclama, e sai do Templo.
Quando já
estão lá fora, e tendo já passado pela Piscina Probática, e tendo saído por
aquele lado, o Bartolomeu lhe diz: “Tornaram-se muito prudentes os teus
adversários. Talvez eles estejam convertendo-se ao Senhor que te enviou, e
reconhecendo-te como o Messias santo.”
“É
verdade. Eles não discutiram nem sobre o teu pedido nem sobre a tua resposta”,
diz Mateus.
“Assim
seja. Seria belo Jerusalém converter-se ao Senhor seu Deus”, diz ainda
Bartolomeu.
“Não vos deixeis iludir. Esta porção de
Jerusalém não se converterá nunca. Eles não responderam de outro modo, porque
têm medo da multidão. Eu estava lendo os pensamentos deles, mesmo quando Eu
ouvia suas palavras submissas.”
“E o que
eles estavam dizendo?”, pergunta Pedro.
“Diziam isto – Eu desejo que vós
saibais, para conhecê-los a fundo e possais dar aos vindouros uma exata
descrição dos homens do meu tempo – eles me responderam, mas não por se terem
convertido ao Senhor. Mas porque entre si eles diziam assim: “Se nós respondermos:
“O batismo de João vinha do Céu, o Rabi nos responderá: “E, então, porque não
crestes naquilo que vinha do Céu e indicava a preparação para o tempo do
Messias.” E, se dissermos: “Vem dos homens”, então será a multidão que se
revoltará, dizendo: “E, então porque é que não credes naquilo que João, o nosso
profeta, falou sobre Jesus de Nazaré?” Sobre isso é que eles estavam
conversando, não por sua conversão a Deus, mas por um cálculo infame e para não
terem que confessar com suas bocas, que Eu sou o Cristo, e faço estas coisas
que faço, porque sou o Cordeiro de Deus, do qual falou o Precursor. E também Eu
não quis dizer com que autoridade é que faço estas coisas que faço, já muitas
vezes Eu o disse, pelo lado de dentro daqueles muros, e por toda a palestina, e
os meus prodígios falam ainda mais do que as minhas palavras. Deixarei que
falem os profetas e meu Pai, e os sinais do céu. Por que o tempo é chegado no
qual todas as coisas se realizarão. As que foram ditas pelos profetas. Porque o
tempo é chegado, no qual todos os sinais serão dados. Os sinais dados pelos
profetas, os sinais dados pelos símbolos de nossa História e aqueles de que Eu
falei: o sinal de Jonas, e não vos lembrais daquele dia em Quedes? E o sinal
que Gamaliel está esperando. Tu, Estêvão, tu, Hermes, e tu Barnabé, que
deixastes os vossos companheiros hoje para acompanhar-me, certamente muitas
vezes ouvistes o rabi falar daquele sinal. Pois bem. Logo será dado o sinal.”
E Jesus
se afasta, subindo para o meio dos olivais do monte, acompanhado pelos seus e
por muitos discípulos (dos setenta e dois), além de outros, como José Barnabé,
que o vem acompanhando para ouvi-lo falar ainda.
Pg.
348-351
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593 – SEGUNDA-FEIRA À NOITE NO
GETSÊMANI COM OS APÓSTOLOS
Já chegou
à tarde, e Jesus ainda está no olival. E lá está com os seus apóstolos. E
continua a falar.
“Mais um dia já passou. Agora vem a
noite, e depois vem amanhã. Em seguida vem um outro amanhã, e depois a Ceia
Pascal.”
“Onde a
faremos, Senhor mau? Neste ano estarão também as mulheres?”, pergunta Filipe.
“Mas nós
não tomamos nenhuma providência, e a cidade está cheia, além da medida. Parece
que neste ano todos os de Israel, até o prosélito mais distante, acorrerão, a
fim de participarem do rito”, diz Bartolomeu.
Jesus
olha para ele e, como se estivesse recitado um salmo, diz: “Reuni-vos,
apressai-vos, acorrei de todos os lugares para a minha vítima, que Eu imolo por
vós, para a grande Vítima imolada sobre os montes de Israel, a fim de comerdes
sua Carne e beberdes o seu Sangue.”
“Mas,
qual é a vítima? Qual é? Tu ficas parecendo alguém que ficou tomado por uma
ideia fixa. Tu só falas de morte... e nos fazes sofrer”, diz, com veemência Bartolomeu.
Jesus
ainda fica olhando para ele, deixando de olhar para Simão, que está inclinado
sobre Tiago de Alfeu e sobre Pedro, conversando com eles, e dizendo: “Como?
Tu ainda me perguntas? Tu não és mais um daqueles pequeninos que, para serem
ensinados, precisam receber a septiforme luz. Tu já está douto na Escritura,
antes que Eu te chamasse, por meio de Filipe, naquela manhã de primavera. Da
minha primavera. E tu ainda me perguntas qual é a vítima imolada sobre os
montes, à qual virão todos para se alimentarem? E me chamas de louco, com uma
ideia fixa, porque só falo de morte? Oh! Bartolomeu! Como o grito que dão as
escoltas, aqui estou Eu na vossa escuridão, que nunca se abriu a luz, e lancei
uma vez, duas vezes, três vezes o grito anunciador, mas vós nunca o quisestes
entender. Vós o sofrestes por um momento, e depois... Como umas crianças,
esquecestes logo as palavras sobre morte, voltastes festivos ao vosso trabalho,
certos de vós mesmos, e cheios da esperança de que as minhas e as vossas
palavras persuadissem sempre mais o mundo a seguir e amar seu Redentor.
Não! Só depois que esta terra tiver
pecado contra mim, e lembrai-vos que são palavras do Senhor ao seu Profeta, só
depois é que o povo, e não somente este, sozinho, mas o grande povo de Adão, começará
a gemer: “Vamos ao Senhor. Ele, que nos feriu, nos curará.” E dirá ao mundo dos
redimidos: “Daqui a dois dias, isto é, daqui a dois tempos de eternidade,
durante os quais nos terá deixado à mercê do inimigo que, com todas as armas
nos terá espancado e matado, como nós espancamos o Santo e o matamos, - e o
espancamos e matamos, porque sempre haverá Cains, que matarão, com a blasfêmia
e as más obras, ao Filho de Deus, o Redentor, disparando flechas mortais, não
sobre sua eterna e gloriosa Pessoa, mas sobre as almas deles por Ele
resgatadas, matando-as, e matando-O por isso a Ele, através de suas almas – só
depois desses tempos é que virá o terceiro dia, e ressuscitaremos em sua
presença, já no Reino de Cristo sobre a Terra, e viveremos diante dele no triunfo
do espírito.
Nós o conheceremos, aprenderemos a
conhecer o Senhor, para estarmos prontos a sustentar-me diante esse
conhecimento verdadeiro de Deus, a última batalha em que Lúcifer desafiará o
homem, antes que seja dado pelo Anjo o toque da sétima trompa, pela qual se
entoará o coro bem-aventurado dos Santos de Deus, tendo eles atingido o número
perfeito para sempre, nem o menor dos pequeninos, nem o mais velho dos anciãos
poderá jamais aumentar o seu número: “Terminou pobre reino da Terra. O mundo passou,
com todos os seus habitantes para a resenha do Juiz vitorioso. E os eleitos
estão agora nas mãos do Senhor nosso e do seu Cristo, e Ele é o nosso Rei para
sempre. Louvor ao Senhor Deus Onipotente, que era, que é e que será, porque Ele
assumiu o seu grande poder, e entrou na posse do seu Reino.”
Oh! Quem de vós será capaz de
lembrar-se das palavras desta profecia, que já ressoava nas palavras de Daniel,
ainda com um som velado, mas que agora e como um toque, vibra intensamente como
a trompa da voz do Sábio, diante de um mundo atônito e diante de vós, mais
atônitos ainda do que o mundo? A vinda do Rei – o mundo continuará gemendo com
suas feridas, e fechado no sepulcro, meio vivo e meio morto, fechado pelo seu
vício septiforme e por suas infinitas heresias, o agonizante espírito de um
mundo fechado, fazendo seus últimos esforços dentro do organismo, que morreu de
lepra por causa de todos os seus erros – a vinda do Rei está preparada, como a
da aurora, e virá a nós como as chuvas da primavera e do outono. A aurora é
precedida e preparada pela noite. Esta é a noite. Esta de agora. E, que é que
devo fazer-te Efraim? Que devo fazer-te, ó Judá?
Simão, Bartolomeu, Judas e primos, vós,
mais doutos quanto ao Livro, reconhecereis estas palavras? Não são de nenhum
espírito louco, mas de alguém que possui a Sabedoria é que eles vêm. Como um
rei que abre com segurança os seus cofres, porque ele sabe onde é que está a
pedra preciosa que ele está procurando, pois ele a pôs lá dentro, assim é que
Eu cito os profetas. Eu sou a palavra. Há séculos que Eu a falei através de
lábios humanos. Mas Eu a falarei através de lábios humanos, durante séculos.
Mas tudo o que foi dito de sobrenatural é palavra minha. Não poderia o homem,
ainda que fosse o mais douto e santo, subir, como uma águia com alma, além dos
limites deste mundo cego, para colher e dizer os mistérios eternos.
O futuro não está presente, a não ser
na Mente Divina. A estultice está naqueles que, não soerguidos pela Nossa
Vontade, pretendem fazer profecias e revelações. Deus logo os desmente e
golpeia, porque só Um é que pode dizer: Eu sou, e dizer: Eu vejo, ou dizer: Eu
sei. Mas, quando uma vontade que não se pode medir, que não se pode julgar, e
que a aceita de cabeça inclinada de quem diz: “Eis-me aqui, sem discussão”, e
diz também: “Vem, sobe, odeia, vê, repete”, então ela, mergulhada no eterno
presente do seu Deus, a alma chamada pelo Senhor para ser “voz”, ela vê e
treme, vê e chora, vê e jubila. Então, a alma chamada pelo Senhor para ser
“palavra”, ouve, e chegando ao êxtase ou ao suor agônico, diz as tremendas
palavras do Deus eterno. Porque cada palavra de Deus é tremenda, tendo provindo
daquele, cujo veredicto é imutável, cuja justiça é inexorável, e, sendo voltado
para os homens, entre os quais muitos são amor e bênção, e não serem fulminados
e condenados. Pois bem. Estas palavras ditas e não consideradas bem, são a
causa de tremendas culpas e de punição para aqueles que, tendo-as ouvido, as
rejeitam. E assim é.
E que é que Eu ainda devia fazer-vos, ó
Efraim, ó Judá, ó mundo, que Eu não a tenha feito? Eu vim por te amar. A minha
terra, e a minha palavra foi para ti uma espada que te mata, porque tu te
aborrece com ela? Oh! Mundo que matas o teu Salvador, pensando que está fazendo
uma coisa justa, pois a tal ponto estás satanizado, que nem compreendes mais
qual é o sacrifício que Deus exige, sacrifício do próprio pecado e não o de um
animal imolado, e consumido com a alma suja! Ora, afinal, que foi que Eu te
disse nestes três anos? Que foi que Eu preguei? Eu disse: “Procurai conhecer a
Deus em suas leis e em sua natureza.” E Eu me esgotei, como um vaso de argila
porosa, quando é colocado ao sol, ao espargir sobre vós o conhecimento vital da
Lei e de Deus. E tu continuaste a oferecer holocaustos, mas sem primeiro fazer
a única coisa necessária a imolação oferecida a Deus da tua má vontade!
Agora Deus eterno te diz, ó cidade do
pecado, ó povo infiel! E, na hora do juízo, contra ti será usado o chicote, que
não será usado em Roma e Atenas, que são uns obtusos, e não conhecem a palavra
e a Sabedoria, mas que, como umas crianças mal cuidadas pela sua nutriz, e
tendo ficado deixadas como uns animais em suas capacidades, passarem para os
braços santos da minha Igreja, a minha única e sublime esposa, da qual me serão
dados à luz inumeráveis filhos dignos de Cristo, tornar-se-ão adultas e
capazes, e me darão palácios reais e milícias, templos e santos que povoarão o
Céu como umas estrelas, e então, Deus eterno te diz: “ Não me agradas mais, e
não aceitarei nenhuma oferta de suas mãos.
Vossas ofertas serão semelhantes ao
esterco, e Eu as recusarei, jogando-as para trás sobre vossas faces, e nelas
elas ficarão grudadas. As vossas solenidades todas, todas são umas
exterioridades, e me causam repugnância. Eu cancelo o pacto com a estirpe de
Aarão, e o faço com os filhos de Levi. Aí está, este é o meu Levi, e com ele
para sempre Eu fiz um pacto de vida e de paz, e ele me foi fiel nos séculos dos
séculos, até ao sacrifício. Ele teve o santo temor do Pai, e tremeu pela sua
irritação de ofendido, ao som do meu Nome ofendido. A Lei da verdade esteve
sobre a sua boca, e sobre seus lábios não houve iniquidade, ele caminhou comigo
na paz e na equidade, e a muitos afastou do pecado. O tempo chegou no qual em
todos os lugares, e não somente sobre o único altar de Sião, sendo vós indignos
de oferecê-lo, será sacrificado e oferecida ao meu Nome a vítima pura,
imaculada, aceitável ao Senhor.”
“Estais reconhecendo estas eternas
palavras?”
“Nós as
estamos reconhecendo, ó Senhor nosso. E, podes crer, ficamos abatidos, como
quem tomou um solavanco. Mas, não é possível desviar o destino?”
“Chamas a isso destino, Bartolomeu?”
“Eu não
saberia dar outro nome.”
“Reparação. Este é o nome. Não se
ofende ao Senhor, sem que a ofensa seja reparada. E Deus Criador foi ofendido
pelo primeiro que foi criado. E, desde então, a ofensa foi sempre aumentando. E
não valeu a grande água do Dilúvio, nem o fogo que choveu sobre Sodoma e
Gomorra, para tornar santo o homem. Nem a água nem o fogo. A Terra é uma Sodoma
sem limites, onde passeia livre como um rei o Lúcifer. Que venha agora uma
trindade para lavá-la: o fogo do Amor, a água da dor e o Sangue da Vítima. Aí
está ó Terra, o meu dom. Eu vim para to dar. E agora, iria Eu fugir ao
cumprimento? Já é a Páscoa. Não se pode fugir.”
Pg.
352-355
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594 – TERÇA-FEIRA SANTA. LIÇÕES DA
FIGUEIRA SECA. O TRIBUTO A CÉSAR E A RESSURREIÇÃO DOS CORPOS
Estão
para entrar de novo na cidade, sempre pela mesma estrada afastada que eles
tomaram na manhã anterior, como se Jesus não quisesse ser rodeado pelo povo,
quando estivesse esperando, antes de estar no Templo do qual Ele logo vai-se
aproximando, ao entrar na cidade pela porta do Rebanho, que é perto da
Probática. Mas hoje muitos dos setenta e dois já o estão esperando do lado de
lá do Cedron, antes da ponte e que, não somente o estão vendo aparecer por
entre as oliveiras verde-cinzentas, com suas vestes purpúreas, mas vão indo ao
seu encontro.
Eles se
reúnem, e vão andando para a cidade. Pedro, que vai olhando para a frente e
para baixo, por causa do declive, sempre desconfiado de estar vendo algum mal
intencionado, vê, no meio do frescor das últimas ladeiras, um montão de folhas
murchas penduradas sobre as águas do Cedron. As folhas, enroladas e quase
secas, estão aqui e ali, parecendo estarem manchadas de ferrugem, como as de
uma planta que as chamas tivessem secado. De vez em quando a brisa faz que
alguma delas caia e mergulhe nas águas da torrente.
“Mas esta
é a figueira de ontem! A figueira que Tu amaldiçoaste”, grita Pedro, mostrando
com a mão a planta seca, e fala virado para trás, dirigindo-se ao Mestre.
Todos
correm para lá, menos Jesus, que vai para a frente com seu passo de costume. Os
apóstolos estão narrando aos discípulos o que aconteceu antes com a arvore que
eles estão vendo, e todos juntos comentam o caso, e ficam olhando assombrados
para Jesus.
Jesus,
então, vai para perto deles, sorri, ao observar aqueles rostos espantados e
amedrontados e diz: “E, por que não? Estais assim tão maravilhados, porque pela
minha palavra, tenha ficado seca uma figueira? Será que não me vistes
ressuscitar os mortos, curar os leprosos, dar a vista aos cegos, multiplicar os
pães, acalmar as tempestades, apagar o fogo? E ficais admirados de que uma
figueira fique seca?”
“Não é
pela figueira. É que ontem ela estava vegetando, quando amaldiçoaste, e agora
está seca. Olha, está quebradiça como a argila seca. Seus ramos não têm mais
medula. Olha, lá se vão como a poeira”, e Bartolomeu esfarinha por entre os
dedos uns ramos que com facilidade ele quebrou.
“Não tem mais medula. Assim tu
disseste. E sobrevém a morte, quando não há mais medula, e, isso seja para uma
planta, como para uma nação, como sucede em uma religião, que tem, uma dura
cortiça e uma folhagem inútil, uma exterioridade feroz e hipócrita. A medula
branca, interna, cheia de linfa, corresponde à santidade, a espiritualidade. A
cortiça dura e a folhagem inútil é a humanidade privada de vida espiritual e
justa. Ai daquelas religiões que se tornam humanas, porque os seus sacerdotes e
fiéis não têm mais o espírito vital. Ai daquelas nações, cujos chefes são
apenas ferocidades e um ressoante clamor, privado de ideias frutíferas! Ai dos
homens nos quais falta a vida do espírito!”
“Mas, se
Tu tivesses que dizer isso aos grandes de Israel, ainda que o teu falar seja
justo, mas não seria sábio. Não te deixes iludir, por terem eles até agora te
deixado falar. Tu mesmo o dizes, que não o fazes para a conversão do coração,
mas como uma medida que tomas. Fica sabendo, então, também Tu, estimar o valor
e as consequências das tuas palavras. Porque existe também a sabedoria do
mundo, além da sabedoria do espírito. E é preciso saber usar dela para nossa
vantagem. Porque, enfim por enquanto, estamos no mundo, e não ainda no Reino de
Deus”, diz Iscariotes sem azedume, mas em um tom doutrinal.
“O verdadeiro sábio é aquele que sabe
ver as coisas, sem que as sombras de sua própria sensualidade e as reflexões do
cálculo as alterem. Eu direi sempre a verdade do que vejo.”
“Mas,
afinal, esta figueira está morta porque estiveste a amaldiçoá-la, ou um...
caso... um sinal... como direi?”, pergunta Filipe.
“È tudo isso que disseste. Mas o que Eu
fiz, vós também poderíeis fazer, se chegásseis a ter a fé perfeita. Tende-a, no
Senhor Altíssimo. E, quando a tiverdes, em verdade, Eu vos digo que, se alguém
chegar a ter a confiança perfeita na força da oração e na bondade do Senhor,
poderá dizer a este monte: “Sai daqui, e joga-te ao mar”, e, se ao dizer isso,
não ficardes hesitando em vosso coração, mas crendo que tudo o que ele ordena
possa acontecer, tudo o que ele disse se verificará.”
“E
ficaremos parecendo uns magos, e seremos apedrejados, como está dito para os que
praticam a magia. Seria um milagre bem estulto, e para nosso prejuízo”, diz
Iscariotes, balançando a cabeça.
“Estulto
és tu, que não entendes a parábola!”, responde o outro Judas.
Jesus não
fala a Judas. Ele a todos: “Eu vos digo, e é uma velha lição a que Eu repito nesta
hora: seja qual for a coisa que pedirdes na oração, tende fé em obtê-la, e a
obtereis. Mas, se antes de orar, tiverdes alguma coisa contra alguém, perdoai
antes, e fazei as pazes, para terdes como amigo o vosso Pai, que está no Céu, e
que tanto, tanto vos perdoa e ajuda, da manhã até à tarde, e do pôr-do-sol até
a aurora.”
Eles
entram no Templo. Os soldado da Fortaleza Antônia os observam, ao passarem.
Eles vão adorar o Senhor, depois voltam para o pátio, onde os rabis estão
ensinando. Antes ainda que o povo acorra para Jesus e se aglomere ao redor
dele, já o acercam os saforins, os doutores de Israel e alguns herodianos, e,
com uma delicadeza fingida, depois de o terem saudado, lhe dizem: “Mestre, nós
sabemos que Tu és sábio e verdadeiro, e que ensinas o caminho de Deus, sem
levares em conta coisa nem pessoa alguma, a não ser que ela esteja fora da
verdade e da justiça, e pouco te incomodas com o juízo dos outros sobre Ti. Mas
somente te preocupas em conduzir os homens para o Bem. Dize-nos então, é lícito
pagar o tributo ao César, ou não é lícito fazê-lo? Que é que te parece?”
Jesus
olha para eles com um daqueles seus olhares de uma penetrante e solene
perspicácia, e responde: “Por que me tentais, hipócritas. Contudo, alguém entre vós
deve saber que Eu não fico enganado por honrarias fingidas. Mas mostrai-me uma
das moedas daquelas usadas para pagar o tributo.”
Eles lhe
mostram uma daquelas moedas.
Jesus a
observa de um lado e do outro, e, segurando-a apoiada na palma da mão esquerda,
bate sobre ela com o indicador da mão direita dizendo: “De
quem é esta imagem, e que é que diz esta inscrição?”
“A imagem
é de César, e a inscrição traz o nome dele. É o nome de Caio Tibério César, que
agora é o imperador de Roma.”
“Pois, então, dai a César o que é de
César, e a Deus o que é de Deus.” E lhe
vira as costas, depois de ter entregue o dinheiro a quem lho havia mostrado.
Jesus
escuta tudo o que os peregrinos lhe perguntam, e os conforta, os absolve e os
cura.
Enquanto
isso as horas passam. Ele sai do Templo, talvez para ir andar lá fora e tomar o
alimento que lhe levaram os servos de Lázaro, que disso estão encarregados.
Depois
Ele torna a entrar no Templo, pois já passa do meio-dia. Ele é incansável.
Graça e sabedoria saem de suas mãos postas sobre os enfermos, e de seus lábios
com cada um dos sábios conselhos que Ele dá as numerosas pessoas que dele se
aproximam e fazem seus pedidos. Parece que Ele, quer consolar a todos, curar a
todos, antes que não o possa fazer mais.
Já chegou
o pôr-do-sol e os apóstolos já cansados, foram sentar-se no chão sob os
pórticos, atordoados por aquele contínuo movimento nos pátios do Templo, ao
chegar a Páscoa, quando do incansável se aproximam os ricos com suas vestes
pomposas.
Mateus,
que está cochilando com um olho só, levanta-se e vai sacudir os outros. Ele
diz: “Estão indo para o Mestre uns saduceus. Não o deixemos sozinho, para que
não ofendam, nem procurem fazer-lhe mal, ou zombar dele também.”
Então
todos se levantam, vão até o Mestre e o rodeiam logo. Eu creio que há
represália naquilo de ir ao Templo ou voltar dele na hora sexta.
Os
saduceus, que saúdam a Jesus com inclinações até exageradas, lhe dizem:
“Mestre, Tu respondeste com tanta sabedoria aos herodianos, que ficamos com o
desejo de receber, como eles, nós também, um raio da tua luz. Escuta. Moisés
disse: “Se algum morrer sem deixar filhos, que o irmão dele despose a viúva,
para dar uma descendência ao irmão.” Pois bem. Havia entre nós sete irmãos. Se
o primeiro, tendo tomado por mulher uma virgem, sem deixar prole, deixou assim
a mulher para um seu irmão. Também este segundo morreu sem deixar prole, e
também o terceiro que a desposou, e assim por diante, até chegarem ao sétimo. A
mulher, depois de ter desposado todos os sete irmãos, morreu. Dize-nos, então,
na ressurreição dos corpos, se for verdade que os homens vão ressuscitar, se
for verdade que a alma sobreviverá ao corpo unindo-se a ele no último dia, e
formando com ele um todo, qual será dos sete irmãos que irá ficar com a mulher,
se todos os sete a possuíram na Terra?”
“Vós estais errados. Não sabeis
compreender nem as Escrituras, nem o poder de Deus. Muito diferente será desta
para a outra vida. E no Reino Eterno não existirão as necessidades da carne,
como neste mundo. Porque na verdade, depois do Juízo Final, a carne ressurgirá
e se unirá de novo à alma imortal, formando com ela um todo, vivo, e até melhor
do que está agora a minha e a vossa pessoa, mas não mais sujeita às leis, e
sobretudo aos estímulos e abusos que agora vigem.
Na ressurreição, os homens e as
mulheres não se tornarão esposos, nem esposas, mas serão semelhantes aos Anjos
de Deus no Céu, os quais não se cansam, mas vivem no amor perfeito, que é o
divino e espiritual. E, quanto á ressurreição dos mortos, não lestes vós como
Deus, do meio da sarça, falou a Moisés? Que foi que o Altíssimo lhe falou
naquela ocasião? “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, o Deus de Jacó.”
Ele não diz: “Eu fui”. Mas disse: “Eu sou.” Porque Abraão, Isaque e Jacó são.
Eles são imortais. Como todos os homens em sua parte imortal, enquanto durarem
os séculos, e depois, com a carne ressuscitada, por toda a eternidade. Eu sou
como o é Moisés, como o são os profetas e os justos, como infelizmente o é
Caim, e como são aqueles do dilúvio e os sodomitas, e todos aqueles que
morreram em pecado mortal. Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos.”
“Então,
Tu também morrerás. E depois estarás vivo?”
Eles o
estão tentando. Já estão cansados de o tratarem mansamente. E seu ódio é tanto,
que não podem mais conter-se.
“Eu sou o vivente, e a minha carne não
conhecerá a destruição. A Arca nos foi tirada, e a atual também nos será
tirada, como um símbolo. O Tabernáculo nos foi tirado e destruído. Mas o
verdadeiro Templo de Deus não poderá ser retirado, nem destruído. Quando os
seus adversários pensarem que o fizeram, então será a hora que ele se
estabelecerá na verdadeira Jerusalém, em toda a sua glória. Adeus!”
Jesus
me diz:
“Assim
como Eu te fiz assinalar a frase “ao meu cálice”, na visão da mãe de João e de
Tiago, que pedia um lugar para os seus filhos, assim Eu te digo que assinales
na visão de ontem este ponto: “Quem cair contra esta pedra, se esfacelerá.” Nas
traduções sempre se usou a palavra “sobre”. Eu disse contra, e não sobre. É uma
profecia contra os inimigos da minha Igreja. Aqueles que a combatem,
arrojando-se contra Ela ficará esfacelado, pois Ela é a Pedra angular. A
história da terra, desde há vinte séculos, confirma o que Eu estou dizendo. Os
perseguidores da Igreja se esfacelam, ao se jogarem contra a Pedra angular. E
também o tenham presente aqueles que, por serem da Igreja, se crêem salvos dos
castigos divinos, aquele sobre o qual cair o peso da condenação do Chefe e
Esposo desta minha Esposa, deste meu Corpo místico, aquele tal será esmagado.
E, indo de encontro a uma objeção dos
sempre existentes escribas e fariseus, que maltratam os meus servos, Eu digo:
Se nestas últimas visões aparecem frases que não estão nos Evangelhos, como
esta no fim da visão de hoje, e do lugar em que falo da figueira que secou, e
de outros ainda, lembren-se de que os evangelistas eram sempre daquele povo, e
viviam em tempos nos quais qualquer empurrão forte demais podia ter repercusões
violentas e nocivas aos neófilos.
Que eles releiam os Atos dos Apóstolos,
e verão que não era pacífica a fusão de tantos pensamentos diversos e que, se
uns aos outros se admiravam, reconhecendo uns nos outros os seus méritos, não
faltaram entre eles as discrepâncias, porque diferentes são os pensamentos dos
homens, e sempre imperfeitos. E, para evitar mais profundas fraturas entre um
pensamento e outro, iluminados pelo Espírito Santo, os Evangelistas omitiram de
propópsito em seus escritos, qualquer frase que tivesse despertado as exessivas
suscetibilidades dos hebreus e escandalizasse os gentios, que deviam crer que
os hebreus eram perfeitos, por formarem o núcleo do qual veio a Igreja, para
que não se afastassem dela, dizendo: “Eles são como nós.” Conhecer as
perseguições de Cristo, sim. Mas as doenças espirituais do povo de Israel ia
corrompido, especialmente nas classes mais altas. Isso não! Não ficaria bem. E
o mais que puderam, tomaram cuidado.
Observem como os Evangelistas se vão
tornando sempre mais explícitos, até chegarem ao límpido Evangelho do meu João.
Os outros foram escritos em épocas mais distantes da minha Ascensão ao meu Pai.
Somente o João é que revela inteiramente, até as manchas mais dolorosas do
próprio núcleo apostólico, chamando abertamente de ladrão ao Judas, e
referindo-se integralmente as baixezas dos judeus na fingida vontade de me
fazerem rei, as discussões no Templo, o abandono de muitos depois de ter falado
sobre o Pão do Céu, a incredilidade do Tomé. O último sobrevivente, que viveu
até ver já forte a Igreja e que levanta os véus que eles não tinham ousado
levantar.
Mas agora o Espírito de Deus quer que
sejam conhecidas estas palavras também. E por elas bendigam ao Senhor, porque
são muitas luzes e muitos guias para os justos do coração.
Pg.
357-363
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595 – TERÇA-FEIRA À NOITE NO GETSÊMANI
COM OS APÓSTOLOS
“Vós hoje ouvistes o que falam os
gentios e os judeus. E vistes como os primeiros se inclinavam para Mim, e como
os segundos por pouco me espancavam. Tum Pedro, pouco faltou para ires às vias
de fato, ao veres como de propósito me empurravam para cima dos cordeiros, dos
carneiros e dos bezerros, para me fazerem rolar no chão, por entre os
escrementos. Tu, Simão, ainda que tão prudente como és, abriste a boca para
insultar os membros do Sinédrio mais cheios de ódio, que rudemente me ofendiam
dizendo: “Afasta-te demônio”, enquanto passam os enviados de Deus. E tu Judas,
meu primo, e tu João meu predileto, tendes gritado e, agindo com rapidez, me
livrastes de ser atropelado, segurando o cavalo pelas rédeas, enquanto outro
colocando-se diante de Mim, recebeu o golpe da vara que, com um riso de
escárnio, estava dirigindo contra Mim. Sadoque veio para o meu lado com o seu
carro com grande velicidade e, de propósito sobre Mim. Eu vos agradeço pelo
vosso amor, que vos faz insurgir-vos contra os ofençores do Inerme. Mas
havereis de ver bem outras ofenças e atos cruéis. Quando esta lua estiver
sorrindo no céu, pela segunda vez depois desta tarde, as ofensas que, por enquanto
são só por palavras, ou por ameaças, quando são ofenças materiais, torna-se-ão
concretas, mais firmes do que as flores que agora estão sobre as árvores
frutíferas, e tanto mais se agrupam, quanto mais pressa elas têm de florir.
Vistes, e vos admirastes, uma figueira seca e todo um pomar sem flores. A
figueira é como Israel; negou alimento ao Filho do homem e morreu no seu
pecado. O pomar, como os gentios, espera a hora de que Eu falei hoje para
florescer e anular a última lembrança da ferocidade humana, com a doçura das
flores espalhadas sobre a cabeça e sob os pés do Vencedor.”
... “Hoje vós ouvistes falar, ó judeus
e gentios. Por isso não vos deve espantar o que Eu digo: “Da minha boca sempre
saiu a palavra da justiça. E ela não será revogada”, quando Eu disser, sempre
com Isaías falando aos gentios, que a Mim haverão de vir, depois que Eu tiver
sido levantado da terra: “Diante de Mim se dobrará todo joelho, por Mim e em
Mim jurará toda língua.” E assim não duvidareis depois que houverdes notado os
modos dos judeus, o que é fácil dizer-se sem medo de errar, que a Mim serão
conduzidos, envergonhados, todos os que agora se opõem a Mim.
Meu Pai não me fez seu servo somente
para fazer reviver as tribos de Jacó, para converter o que resta de Israel, os
restos, mas me deu a luz das nações a fim de que Eu seja o Salvador para todas
as partes da Terra. Por isso, nesses trinta e três anos, exilado do Céu e do
seio do Pai, para estar junto aos homens, tendo chegado à idade perfeita nestes
últimos três anos, depois de ter aquecido fortemente minha alma e minha mente
na forja do amor, e tê-la temperado com o gelo da penitência. Eu fiz da minha
boca como que uma espada cortante.
O Pai Santo, que é meu e vosso, até
agora me tem guardado sob a sombra de sua mão, porque ainda não era a hora da
Expiação. Agora Ele me deixa andar. A flexa escolhida, a flexa de sua flexa na
aljava, que depois de ter ferido para curar, ferido os homens para fazer uma
abertura nos corações, a fim de aceitarem a Palavra e a Luz de Deus, agora ela
vai rápida e certeira ferir a segunda Pessoa, a do Expiador, do obediente em
tudo, em lugar do Adão desobediente. E, como um guerreiro ferido, Eu caio,
dizendo em lugar de muitíssimos: “Foi em vão que Eu me afadiguei sem razão, sem
conseguir nada. Eu consumi as minhas forças à toa.”
Mas, não! Não, pelo Senhor Eterno, que
não faz nada sem um propósito! Vai para trás, Satanás, que me queres fazer
ceder ao desconsolo e me queres tentar, levando-me à desobediência! Para veres
o começo e o fim do meu ministério é que tu vieste, e continuas a vir. Pois
bem, eis que Eu me levanto, Eu vou medir-me contigo. Eu juro a Mim mesmo que te
vencerei. Não é orgulho dizer isso. É verdade. O Filho do Homem será em sua
carne vencido pelo homem, essa miserável verme que morde e envenena com a sua
lama podre. Mas o Filho de Deus, a Segunda Pessoa da indizível Trindade, não
será vencida por Satanás. Tu és o ódio, e és poderoso com teu odiar e em teu
tentar. Mas comigo haverá uma força que te afugenta, porque tu não a podes
atingir, e não a podes nem fitar. O Amor está comigo.
Eu sei qual é a desconhecida tortura
que me espera. É aquela que amanhã Eu vos direi, a fim de que saibais que nada
de tudo o que para Mim se fazia, que nada de tudo que em vossos corações se
planejava fosse por Mim desconhecido. Mas a outra tortura... Aquela que não é
com lanças e bastões, nem com escárnios e pauladas, é dadas ao Filho do Homem,
mas pelo próprio Deus, e que não será conhecida senão por poucos, por causa
daquilo que ela tem de atrocidade e também por menos, a fim de ser aceita como
possível. Mas naquela tortura na qual dois serão os principais torturadores:
Deus com sua ausência, e tu demônio com a tua presença, e a Vítima só terá
consigo o Amor. O Amor que vive na Vítima, a primeira força para sua
resistência a prova, e o amor ao confortador espiritual, que já está batendo
suas asas de ouro, pelo desejo de descer para enxugar om meus suores, e vai
recolhendo todas as lágrimas dos anjos no cálice celeste e nele dissolve o mel
dos nomes dos meus redimidos, e dos que têm amor, a fim de mitigar com aquela
bebida a grande sede do Torturado e sua amargura sem medida.
E tu serás vencido, demônio. Um dia,
saindo de um possesso, tu me disseste: “Espero ver-te, quando já fores um
molambo de carne sangrenta.” Mas agora eu te respondo: Não vencerás. O vencedor
serei Eu. A minha fadiga foi Santa, e a minha causa está com o meu Pai. Ele
defende o que foi feito por seu Filho, e não permitirá que se desvie o meu
espírito.
Pai, Eu te peço desde agora, Eu te peço
por aquela hora atroz: “Em tuas mãos Eu entrego meu espírito. João, não me
deixes... Vós, ide-vos. A paz do Senhor esteja onde Satanás não está hospedado.
Adeus.”
Pg.
363-365
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596 – QUARTA-FEIRA SANTA. O MAIOR DOS
MANDAMENTOS E O ÓBOLO DA VIÚVA. OS DISCURSOS SOBRE OS ESCRIBAS E FARISEUS,
SOBRE O NOVO TEMPLO, SOBRE OS ÚLTIMOS TEMPOS
Jesus
entra no Tenplo, que está mais cheio do que nos dias precedentes, e está hoje
todo vestido de branco, com sua veste de linho. Vai ser um dia de forte calor.
Ele
vai adorar no Átrio dos israelitas, acompanhado por um grande número de
pessoas, enquanto outras já ocuparam os melhores lugares, por baixo dos pórticos,
sendo a maior parte de gentios que, não podendo passar além do primeiro
pórtico, que fica além do pórtico dos Pagãos, aproveitaram aquela circunstância
de estarem os hebreus atráz de Cristo, para irem ocupar lugar nos pórticos.
Mas
um grupo bem numeroso de fariseus os acompanha. Eles são sempre arrogantes do
mesmo modo, e vão abrindo caminho, com prepotência, para se aproximarem de
Jesus, que está inclinado sobre um doente. Eles esperam que Jesus o cure, a fim
de mandarem para perto dele um escriba que lhe faça perguntas.
Na
verdade, entre eles tinha havido antes uma breve discussão, porque Joel,
cognominado o Alamot, queria ir ele mesmo fazer perguntas ao Mestre. Mas um
fariseu se opõe a isso, e os outros o apóiam dizendo: “Não. Nós ficamos sabendo
que tu és partidário do Rabi, ainda que o sejas secretamente. Deixa que vá o
Urias.”
“Urias
não”, diz um outro jovem escriba, que eu não conheço.
“Urias
é áspero demais para falar. Ele excitaria o povo. Vou eu.”
E
sem dar ouvidos aos protestos dos outros, vai para perto do Mestre, justamente
no momento em que Jesus se despede do doente, dizendo-lhe: “Estás
curado. A febre e a dor não voltarão nunca mais.”
“Mestre,
qual é o maior dos Mandamentos da Lei?”
Jesus
atráz do qual estava o escriba, se vira e olha para ele. Um breve sorriso
ilumina seu rosto, e depois Ele levanta a cabeça, pondo-se em seguida de cabeça
inclinada, visto que o escriba é de baixa estatura e, além disso está inclinado
em um gesto de saudação, e, percorrendo com o olhar toda aquela multidão, pára
sobre o grupo dos fariseus e doutores e descobre o rosto pálido de Joel, que
está escondido atrás de um obeso fariseu. O sorriso de Jesus se acentua. É como
uma luz que vai até o escriba honesto, e o acaricia. Depois abaixa de novo a
cabeça, olhando para o seu interlocutor, e lhe responde: “O
primeiro de todos os mandamentos é este: Escuta ó Israel, o Senhor nosso Deus é
o único Senhor. Tu amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a
tua alma, com todas as tuas forças. Este é o primeiro e supremo mandamento. E o
segundo é semelhante a ele: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Não há
mandamentos maiores do que esses. Eles compreendem toda a Lei e os Profetas.”
“Mestre,
Tu respondeste com sabedoria e verdade. Assim é Deus, é um só, e não há outro
fora Ele. Amá-lo com todo o coração, com toda a própria inteligência, com toda
alma e com todas as foras, e amar ao próximo como a si mesmo, vale muito mais
do que todos os holocaustos e sacrifícios. Muito eu penso quando fico meditando
sobre aquelas palavras de Davi: “A Ti não agradam os holocaustos, o sacrifício
a oferecer-se a Deus é um espírito compungido.”
“Tu não estás longe do Reino de Deus,
porque já compreendeste qual é o holocausto que é agradável a Deus.”
“Mas
qual é o holocausto mais perfeito de todos?” Pergunta em confidência e em voz
baixa o escriba, como se lhe estivesse transmitindo um segredo.
Jesus
fica radiante de amor, deixando cair esta pérola no coração desse homem, que se
deixa abrir para receber a doutrina, a doutrina do Reino de Deus, e diz
inclinando-se sobre ele: “O holocausto perfeito é amar como a nós mesmos aqueles que
nos perseguem, e não guardar rancores. Quem fizer assim possuirá a paz. Está
escrito: Os mansos possuirão a Terra e gozarão a abundância da paz. Em verdade
Eu te digo que aquele que sabe amar aos seus inimigos atinge a perfeição e
possui a Deus.”
O
escriba o saúda com deferência, e vai voltando para o seu grupo, que já o está
censurando em voz baixa, por ele ter louvado o Mestre, e cheios de ira lhe dizem:
“Que foi que lhe perguntaste em segredo? Será que tu também te deixaste seduzir
por Ele.”
“Eu
ouvi o Espírito de Deus falando sobre os seus lábios.”
“Tu
és estulto. Crês talvez que Ele seja o Cristo?”
“Eu
o creio.”
“Em
verdade daqui a pouco estaremos vendo vazias as nossas escolas dos nossos
escribas, e eles indo, como uns errantes, atrás daquele homem! Mas, em que
ponto é que viste ser Ele o Cristo?”
“Em
que ponto foi eu não sei. Só sei que eu percebo ser Ele.”
“Doido.”
Mas eles, irrequietos viram as costas.
Jesus
observou aquele diálogo e, quando os fariseus passam por sua frente, em um
grupo cerrado, porque eles estão inquietos, Ele os chama dizendo: “Ouvi-me!
Quero perguntar-vos uma coisa. Segundo vós, quem é que vos parece ser o Cristo?
Ele é filho de quem?”
“Será
o filho de Davi”, lhe respondem, destacando aquele “será”, porque eles querem
fazer que Ele compreenda que para eles Jesus não é o Cristo.
“E, então, como é que Davi, inspirado
por Deus, o chama de Senhor, quando diz: “O Senhor disse ao meu Senhor:
Assenta-se à minha direita, até que Eu tenha posto os teus inimigos como
escabelo de teus pés.” Sem pois, Davi chama o Cristo de Senhor, como é que o
Cristo pode ser filho dele?”
E
eles, não sabendo o que responder vão-se embora, remoendo aquele assunto, que
lhes parece um veneno.
...Jesus
pára de olhar na direção de outros, para observar uma pobre mocinha vestida de
marrom escuro, e que vai subindo muito acanhada os degraus, indo para o lado de
uma parede ma qual estão umas coisas parecidas com cabeças de leão ou de feras
semelhantes, de boca aberta. Muitos estão indo àquele lugar. Mas Jesus não lhes
dá importância. Agora Ele está indo pelo caminho da mocinha. Seus olhos a
acompanham com piedade e se enchem de doçura, quando a vê estendendo uma das
mãos para jogar alguma coisa na boca de pedra de um daqueles leões. E, quando a
senhorita, ao sair de lá, passa por perto dele, Ele é o primeiro a dizer-lhe: “A paz
esteja contigo mulher.” Ela
assustada levanta a cabeça, e fica embaraçada. “A paz esteja contigo”, repete-lhe Jesus. “Vai que
o Altíssimo te abençoa.” Aquela
pobrezinha fica extática, depois murmura uma saudação e se vai.
“Ela é feliz em sua infelicidade. Agora
está feliz, porque a bênção de Deus a acompanha. Ouvi, meus amigos, vós que
estais aqui perto. Estais vendo aquela mulher? Ela não deu mais do que duas
moedinhas, o que não dá para comprar nem a comidinha de um passarinho que estpa
na gaiola, e, contudo deu mais do que todos deram, desde a hora em que se abriu
o Templo de manhã cedo, quando puseram a sua oferta no Tesouro do Templo.
Ouvi. Já vi ricos em grande número que
lançaram naquelas bocas dos cofres importâncias suficientes para matar a fome
desta moça po um ano, e vestir a sua pobreza, que é decente, porque é limpa. Eu
já vi ricos que lançaram com prazer lá dentro somas que teriam podido matar a
fome dos pobres da cidade Santa por um ou mais dias e fazer que eles bendigam
ao Senhor. Mas em verdade, Eu vos digo que ninguém deu mais do que esta mulher.
O seu óbolo é caridade. Mas o outro não é. O dela é generosidade, o outro não
é. O dela é sacrifício, o outro não é. Hoje aquela mulher não irá comer, porque
não tem mais nada. Antes ela terá que trabalhar para receber um pagamento, a
fim de dar um pão à sua fome. Para sustentá-la não há riquezas, nem ela tem pai
que a sustentem. Ela é sozinha. Deus lhe tirou os pais, o marido e os filhos,
tirou-lhe os poucos bens que eles lhe haviam deixado, e, mais do que Deus, lho
haviam tirado os homens, aqueles homens que agora, com grandes gestos, como
estais vendo, continuam a jogar lá dentro o que lhes está sobrando e do qual
grande parte foi extorquida com usura das pobres mãos daqueles que são fracos e
passam fome. Atrás dela não há riquezas, nem estão vivos os seus pais para
ajudar.
Eles dizem que não há sangue nem afeto
que sejam superiores ao Templo, e assim ensinam a não amar o próximo. Eu vos
digo que acima do Templo está o Amor. A Lei de Deus é Amor e não ama quem não
tem piedade do próximo. O dinheiro supérfluo, o dinheiro elameado pela usura e
pelo ódio, pela dureza, pela hipocrisia, não canta louvor a Deus e não atrai
sobre o doador a bênção Celeste. Deus o repudia. Pode engordar este cofre, mas
não é ouro dado para o incenso, na lama que vos submerge, ó ministros que não
servis a Deus, mas ao vosso interesse. Mas este é um laço que vos estrangula, ó
doutores, que ensinais uma doutrina que é vossa, mas que é um veneno que vos
corrói aquele resto de almas que ainda tiverdes, ó fariseus, se é que ainda
tendes. Deus não quer os sobejos. Não sejais uns Cains. Deus não quer o que é
produzido pela crueldade. Deus não quer isso de levantar a voz em pranto e
dizer: “Eu devia matar a fome de um faminto, mas isso não me foi concedido,
porque queriam gloriar-se dentro de si mesmos. Eu devia ajudar um velho pai,
uma mãe que já está caducando e não me foi concedido, porque a ajuda não teria
sido conhecida pelo mundo, e eu devo tocar a minha trompa, a fim de que o mundo
saiba quem é o doador.”
Não. Um rabi ensine que tudo o que é
sobra seja dado a Deus e que é permitido negar ao pai e a mãe para dar a Deus.
O primeiro mandamento é: Ama a Deus com todo o teu coração, com toda a tua
alma, com toda a tua inteligência, com tuas forças. Por isso não é o supérfluo,
mas sim o que é nosso sangue que é preciso dar-lhe, desejando sofrer por Ele.
Sofer, não fazer sofrer. E se dar muito custa, porque despojar-se das riquezas
desagrada, é justamente porque é difícil que é preciso dar. Por justiça, porque
tudo o que se tem, é por vontade de Deus. Por amor, porque é prova de amor amar
o sacrifício para dar alegria a quem se ama. Sofrer para oferecer. Repito, não
fazer sofrer. Porque o segundo mandamento diz: Ama ao teu próximo como a ti
mesmo. E a Lei também diz que, depois de Deus, nossos pais são o próximo à quem
somos obrigados a honrar e ajudar.
Por isso em verdade Eu vos digo, que
aquela pobre mulher compreendeu a Lei melhor do que os sábios e é justificada
mais do que qualquer outro, e abençoada, porque em sua pobreza, deu a Deus
tudo, enquanto vós dais o que vos sobra, e o dais para crescer na estima dos
homens. Eu sei que me odiais, porque Eu falo assim. Uni o vosso ódio a Mim ao
desprezo pela pobrezinha que Eu elogio. Mas não fiqueis pensando que estais
fazendo destas duas pedras de duplo pedestal para a vossa soberba. Elas serão a
pedra de moinho que vos esmagará.
Vamos, deixemos que as víboras se
mordam, aumentando o seu veneno. Quem é bom, humilde e contrito, e quer
conhecer o verdadeiro rosto de Deus que me acompanhe.”
... Vinde e escutai bem. Ontem queríeis
saber muitas das coisas que agora vos irei dizer, e das quais ontem Eu falei
vagamente, quando estávamos descansando no horto de José. Ficai, pois bem
atentos, porque são grandes lições para todos, e especialmente para vós, meus
ministros e continuadores.
Ouvi. Sobre a cátedra de Moisés sentaram-se
ao mesmo tempo escribas e fariseus. Foram horas tristes aquelas para a Pátria.
Quando terminou o exílio de Babilônia e foi reconstruída a nação, pela
magnanimidade de Ciro, os governadores das nações sentiram a necessidade de
reconstruir também o culto e o conhecimento da Lei. Porque ai daquele povo que
não os toma por guia e apoio contra os mais poderosos inimigos de uma nação, e
que são a imoralidade dos cidadãos, a revolta contra os chefes, a desunião
entre as diversas classes de partidos, os pecados contra Deus e o próximo, a
irreligiosidade, todos os elementos desagradores por si msmos e pelos castigos
celestes que eles provocam.
Surgiram depois os escribas, ou
doutores da Lei para poderem ensinar ao povo que, como falava a língua
caldaica, herança de um duro exílio, não compreendia mais as Escrituras em
hebraico puro. Eles se levantaram para ajudar os sacerdotes, que eram poucos em
número para a tarefa de ensunar as multidões. Era um laicato douto e dedicado a
prestar honras ao Senhor, trazendo o conhecimento dele aos homens, e levando a
Ele os homens, e teve a sua razão de ser e também ele fez o bem. Porque,
recordai-o todos disso, até as coisas que, pela fraqueza humana depois vão
degenerando, como aconteceu com esta, que se corrompe com o passar dos séculos,
è sempre alguma coisa de bom e uma razão de ser, pelo menos no começo, e por
isso o Altíssimo permite que elas surjam e durem, até que a medida da
degeneração se encha e, então o Altíssimo as desfaz.
Veio depois outra seita dos fariseus,
que era uma transformação daquela dos assideus, que havia surgido para manter
com a mais rígida moral e a mais transigente obediência a Lei de Moisés e o
espírito de independência do nosso povo, quando o partido helenista, tendo-se
formado pelas pressões e seduções iniciadas no tempo de Antíoco Epifânio, e
logo transformada em perseguições contra os que não cediam as pressões do
astuto, que contava mais do que com as suas armas, com a desagregação da fé nos
corações e, para reinar em nossa Pátria procurava fazer-nos seus escravos.
Lembrai-vos também disto: temei mais as
falsas alianças e as carícias de um estrangeiro, do que as suas legiões. Porque
enquanto estiverdes fiéis às leis de Deus e da Pátria, vencereis, ainda que
estejais cercados por exércitos poderosos, pois estaríeis corrompidos pelo
veneno sutil a vós oferecido como se fosse um mel inebriante pelo estrangeiro,
que havia feito seus planos sobre como lidar convosco. Deus vos abandonará por
causa de vossos pecados, e sereis vencidos e subjulgados, mesmo que o vosso
falso aliado desista de batalha sangrenta contra o vosso exército. Ai de quem
não estives alerta como uma escolta de vigia para afastar as ciladas de um
astuto e falso vizinho, ou aliado, ou dominando um por um, desanimando o
coração deles, e o corrompendo com usos e costumes que nossos não são, que
santos não são, e que por isso nos tornam desagradáveis ao Senhor! Lembrai-vos
das consequências que houve para a nossa Pátria, por terem alguns dos seus
filhos adotado usos e costumes de estrangeiros a fim de agradar-lhes. Boa coisa
é a caridade para com todos, até para os povos que não são da nossa fé, que não
tem os nossos usos, que nos fizeram mal nos séculos passados. Mas o amor a
esses povos, que sempre são nossos próximos, não nos deve nunca fazer que
regeneremos a Lei de Deus e da Pátria, com vistas em qualquer vantagem obtida
assim sobre os vizinhos. Não. Os estrangeiros desprezam aqueles que chegam a
ser tão servis, até o ponto de repudiarem as coisas mais santas da Pátria. Não
há de ser renegando o pai e a mãe, a Deus e à Pátria que seremos respeitados e
livres.
Ainda bem que no tempo certo tivessem
surgido os fariseus para fazerem oposição ao transferimento lamacento de usos e
costumes estrangeiros. Eu repito: cada coisa que aparece e que dura tem sua
razão de ser. E é necessário respeitá-la por aquilo que ela fez, se não for por
aquilo que faz. Porque se ela é culpada, então os homens não podem insultá-la,
e muito menos atacá-la. Há quem sabe fazer isso: Deus e Aquele que Ele mandou,
e que tem o direito e o dever de abrir sua boca de de abrir os vossos olhos,
para que vós e eles saibais qual é o pensamento do Altíssimo e ajais com
justiça. Eu e nenhum outro. Eu, porque falo por mandato divino. Eu porque posso
falar, não tendo em Mim nenhum dos pecados que vos escandalizam quando os vedes
cometidos pelos escribas e fariseus, mas que, se puderdes os cometeis vós
também.
... Isto Eu vos disse para fazer-vos
recordar a razão de ser dos escribas e fariseus, e como e porque eles se
assentaram na cátedra de Moisés, e como e porque falam, e suas palavras não são
vazias. Fazei pois o que eles dizem, mas não os imiteis o que eles fazem.
Porque eles dizem que se deve fazer de um certo modo, mas depois eles não fazem
o que dizem que se deve fazer. Na verdade eles ensinam as leis de humanidade do
Pentateuco, mas depois põem grandes pesos, insuportáveis e desumanos nas costas
dos outros, mas, quanto a eles próprios, não movem um dedo para transportar
aqueles pesos, e nem mesmo para tocar neles.
A regra de vida deles é a de procurar
serem vistos, conhecidos e aplaudidos para receberem louvores. Mas eles vão
contra a Lei do Amor, porque gostam de dizer que eles são uns separados, e
desprezam aos que não são de sua seita, exigem para si o título de mestres, e que
seus discípulos lhes prestem culto que eles não prestam nem a Deus. Eles se
julgam uns deuses por sua sabedoria e poder, superiores a seus pais e suas
mães, querem estar no coração de seus discípulos e pretendem que sua doutrina
seja superior à de Deus, exigem que ela seja praticada ao pé da letra, ainda
que ela seja uma manipulação da verdadeira Lei, e tão inferior a esta como mais
não pode ser este monte em comparação com o Grande Hermon, que está acima de
toda a Palestina. Eles são uns pagãos, pois creem, como os pagãos, na
metempsicose e no fatalismo alguns deles, enquanto que os outros negam as
coisas que os primeiros admitem e, de fato, se não na prática o que o próprio
Deus nos deu como matéria de fé, dizendo-se eles o único Deus, e tendo como tais
o direito de serem obedecidos mais do que um mestre, que não seja divino.
E que, se agora Eu vos digo: Aqueles
que amam a seu pai e a sua mãe mais do que a Mim, não estão aptos para entrarem
no Reino de Deus. E isso não é para inculcar-vos um amor aos pais, aos quais
deveis respeito e ajuda, e nem vos é lícito negar um socorro a eles, dizendo:
“É o dinheiro do Templo”, ou negar-lhes a hospitalidade dizendo: “O peso que eu
já carrego não mo permite”, ou tira-lhe a vida, dizendo:”Eu vou matar-te,
porque tu amas o Mestre”, mas é para que tenhais um amor justo aos vossos pais,
isto é, um amor paciente e firme em sua mancidão, um amor tal que saiba sem
chegar ao ódio a um deles ou aos dois, a um ódio que ofende e faz sofrer, sem
querer acompanhar-vos pelo caminho da vida, sabendo distinguir entre a lei e o
egoísmo familiar que gera a briga na família. Amai os vossos pais,
obedecei-lhes em tudo o que é santo. Mas estai sempre prontos a morrer, não
matar, mas morrer, Eu quero dizer, se eles quiserem induzir-vos a trair a vocação
que Deus colocou em vós, a de serdes os cidadãos do Reino de Deus, que Eu vim
formar.
Não imiteis os escribas e fariseus que
estão separados uns dos outros, ainda que pareçam estar unidos. Vós discípulos
de Cristo, sede verdadeiramente unidos uns aos outros, os chefes afáveis para
com os seus súbditos, e os súbditos afáveis para com seus chefes, unidos no
amor e na finalidade que quereis atingir com a vossa união: conquistar o meu
Reino e ficar à minha direita no eterno Julgamento. Lembrai-vos de que um Reino
dividido já não é mais um reino e não pode subsistir. Sede, pois unidos entre
vós no amor para comigo e para com a minha doutrina. O tribunal do cristão,
assim é que vão ser chamados os meus súditos. E há de ser o amor e a união, a
igualdade entre vós nas vestes, a comunidade nas posses, a fraternidade dos
corações. Todos por um. Um por todos. Quem possui, dê humildemente. Quem não
possui, aceite humildemente e exponha as suas necessidades aos irmãos, sabendo
que eles o são. E os irmãos escutem amorosamente as necessidades dos irmãos,
sendo para eles verdadeiramente tais.
Lembrai-vos de que o vosso Mestre
muitas vezes teve fome, frio e mil outras necessidades e incômodos, e
humildemente as contou aos homens, Ele o Verbo de Deus. Lembrai-vos de que é
dado um prêmio a quem é misericordioso, ainda que seja somente por dar um pouco
d`água. Lembrai-vos de que dar é melhor do que receber. Lembrando-se destas
três coisas o pobre pode encontrar a força de pedir, sem sesentir humilhado,
pensando que Eu o fiz antes dele, e perdoar quando for repelido, pensando que
muitas vezes ao Filho do Homem foram negados o lugar e o alimento que são dados
ao cão que guarda o rebanho. E o rico tenha a generosidade de dar de suas
riquezas, pensando que a vil noeda, o odioso dinheiro sugerido por Satanás são
a causa de nove décimos das ruínas do mundo, mas que se forem dados por amor,
se transformam em uma jóia imortal e paradisíaca.
Sede vestidos com vossas virtudes. Que
elas sejam amplas, mas conhecidas apenas por Deus. Não façais como os fariseus
que põem as mais largas filactérias, as franjas mais longas e gostam dos
primeiros lugares nas Sinagogas e de serem saudados nas praças e de serem
chamados de rabis pelo povo. Um só é o vosso Mestre: o Cristo. Vós que no futuro
sereis os novos doutores, é a vós que Eu falo, meus apóstolos e discípulos,
lembrai-vos de que só Eu sou o vosso Mestre. E o serei também quando já não
estiver no meio de vós. Porque só a Sabedoria é que ensina. Portanto não vos
deixeis chamar de Mestres, porque vós sois discípulos. E não exijais nem deis o
nome de pai a ninguém sobre a Terra, porque só é o Pai de todos o vosso Pai que
está nos Céus. Que está verdade vos torne sábios, ao perceberes verdadeiramente
que sois todos irmãos uns dos outros, e os que dirigem, como os que são
dirigidos, e amai-vos como bons irmãos. E nenhum daqueles que irão dirigir se
faça chamar de guia, porque um só é o vosso guia comum: o Cristo.
Que o maior de vós seja o vosso servo.
Porque não é humilhar-se ser servo dos servos de Deus, mas isso é imitar a Mim,
que fui manso e humilde, sempre pronto para ter amor aos meus irmãos pela carne
de Adão, e ajudá-los com o poder que Eu tenho em Mim como Deus. Eu não humilhei
minha natureza divina servindo aos homens, porque o verdadeiro Rei é aquele que
sabe dominar não somente aos homens, mas também as paixóes do homem, e antes de
tudo a estulta soberba. Lembrai-vos de quem se humilha será exaltado e de quem
se exalta será humilhado.
A mulher da qual falou no segundo livro
do Gênesis o Senhor, a Virgem da qual se fala Isaías, a Mãe-virgem do Emanuel,
profetizou esta verdade do tempo novo quando cantou: “O Senhor derrubou os
poderosos e seus tronos, e elevou os humildes.” A Sabedoria de Deus falava
sobre os lábios daquela que era a Mãe da Graça e Trono da Sabedoria. E Eu
repito as palavras inspiradas que me louvaram unido ao Pai e ao Espírito Santo,
em nossas obras admiráveis quando, sem ofença para com a Virgem, Eu, o Homem me
ia formando em seu seio, sem deixar de ser Deus. Sirva isso de norma para
aqueles que querem dar a luz o Cristo em seus corações e vir para o Reino de
Cristo: Não estará Jesus como o Salvador, como o Cristo, o Senhor, e não haverá
Reino dos Céus para os que são soberbos, fornicadores e idólatras, adoradores
de si mesmos e de suas vontades.
Por isso, ai de vós escribas e fariseus
hipócritas, que credes poder fechar com as vossas sentenças impraticáveis – e
que realmente se fossem endoçadas por Deus, seriam uma fechadura inquebrável
para a maioria dos homens – que credes poder fechar o Reino dos Céus diante dos
homens, que elevam seu espírito para Ele, a fim de achar força em sua penosa
jornada terrena! Ai de vós que lá não entrais, e lá não quereis entrar, porque
não acolheis a Lei do Celeste Reino e não deixais entrar os outros que estão
diante daquela mesma porta da qual, intransigentes, fechais ainda mais as
fechaduras que não foi Deus que lá colocou.
Ai de vós excribas e fariseus
hipócritas, que devorais os bens das viúvas com o pretexto de fazer longas
orações. Por isso sofrereis um juízo severo!
Ai de vós escribas e fariseus
hipócritas, que andais por mar e por terra, consumindo bens que não são vossos,
a fim de fazerdes, ainda que um só prosélito, e, uma vez que o tenhais
conseguido, fazer dele um filho do Inferno duas vezes mais do que vós mesmos!
Ai de vós guias cegos que dizeis: “Se
alguém jurar pelo Templo, seu juramento não vale nada. Mas se ele jurar pelo
ouro do Templo, fica obrigado por seu juramento.” Estultos e cegos! E quem é
mais, o ouro ou o Templo que santifica o ouro? E vós ainda dizeis: “Se alguém
jurar pelo altar, seu juramento não tem valor. Mas se jurar pela oferta que
está sobre o altar, então é válido seu juramento, e ele fica obrigado por seu
juramento.” Ó cegos! Que é que é maior, a oferta ou o altar que santifica a
oferta? Quem jura então pelo altar, jura por ele e por todas as coisas que
estão sobre ele, e quem jura pelo Templo, jura por ele e por Aquele que nele
habita, e quem jura pelo Céu, jura pelo Trono de Deus e por Aquele que nele
está sentado.
Ai de vós escribas e fariseus
hipócritas, que pagais os dízimos da hortelã e da arruda, do anis e do cominho,
e depois vos descuidais de cumprir os preceitos mais graves da Lei: a justiça,
a misericórdia e a fidelidade. Estas são as virtudes que era necessário
praticar, sem desprezar as outras menores! Ó guias cegos, que filtrais vossas
bebidas por medo de vos contaminardes engolindo algum mosquitinho que se afoga,
e depois engolis um camelo, sem por isso vos julgardes impuros.
Ai de vós escribas e fariseus
hipócritas, que lavais o cálice e o prato por fora, mas por dentro estais
cheias de rapinas e imundicias. O fariseu cego lava primeiro por dentro do teu
cálice e o teu prato, de tal modo que a parte de fora também fique limpa.
Ai de vós excribas e fariseus
hipócritas, que voais como uma s corujas no escuro, pelas vossas obras de
pecado, e transsigis em andar de noite com os pagãos, os ladrões e os
traidores, e depois, pela manhã, tendo tirado os sinais de vossos negócios
noturnos, subis para o Templo vestidos de belas vestes.
Ai de vós, que ensinais as leis da
caridade e da justiça, contida no Levpitico e depois sois uns ávidos, ladrões,
falsos, caluniadores, opressores, injustos, vingativos, cheios de ódio, e
chegais até a abater a quem vos aborrece, ainda que seja do vosso sangue, e a
repudiar a virgem que se tornou vossa mulher, a repudiar os filhos tidos dela,
porque são uns infelizes, e a acusar de adultério a vossa mulher, porque ela
não vos agrada mais, ou porque tem uma doença inmunda, e quereis ficar livres
dela, vós, que sois uns imundos em vosso coração libidinoso, por mais que não
pareçais ser assim aos olhos das pessoas que não conhecem as vossas ações. Sois
semelhantes a uns sepulcros caiados, que por fora parecem bonitos, mas por
dentro estão cheios de ossos mortos e de podridão. Assim sois vós. Sim. Assim
sois. Por fora pareceis uns justos, mas por dentro estais cheios de hipocrisia
e de iniquidade.
Ai de vós escribas e fariseus
hipócritas, que ergueis suntuosos mausoléus para os profetas, e embelezais as
tumbas dos justos, dizendo: “Se nós tivéssemos vivido nos tempos de nossos
pais, não teríamos sido cúmplices e companheiros daqueles que derramaram o
sangue dos profetas.” E vós, afinal, encheis até em cima a medida dos vossos pais...
Ó serpentes, ó raça de víboras, como escapareis da condenação na Geena?
Por isso, eis que Eu, Palavra de Deus,
mandar-vos-ei profetas e sábios e escribas novos. E destes, uma parte vós
matareis, outa parte crucificareis, outra flagelareis em vossos tribunais, em
vossas Sinagogas, fora de vossos muros, e uma parte deles vós perseguireis de
cidade em cidade, enquanto não cair sobre todos vós o sangue do justo derramado
sobre a terra, desde o sangue do husto Abel até o de Zacarias, filho de
Baraquias, que vós matastes entre o átrio e o altar, porque por amor de vós,
ele vos havia lembrado o vosso pecado, para que dele vos arrependêsseis,
voltando para o Senhor. Assim é. Vós odiais aqueles que querem o vosso bem, e
que amorosamente vos convidam a andar pelos caminhos de Deus.
Em verdade Eu vos digo que tudo isso
está para acontecer: o delito e as consequências. Em verdade Eu vos digo que
tudo se cumprirá ainda nesta geração.
Oh! Jerusalém! Jerusalém que apedrejas
os que são enviados, e matas os teus profetas. Quantas vezes Eu quis reunir os
teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo de suas asas, e tu
não quiseste!
Agora, pois escuta, ó jerusalém. Agora,
pois, escutai todos vós que me odiais, e odiais o que vem de Deus. Agora
escutai-me, vós que me amais e que sereis arrastados no castigo reservado para
os perseguidores dos enviados por Deus. E escutai vós também que não sois deste
povo, mas que me escutais igualmente, escutai para que fiqueis sabendo quem é
que vos está falando, e que prediz sem necessidade de estudar o vôo, o canto
dos passarinhos, nem dos fenômenos celestes, nem das vísceras dos animais
sacrificados, nem da chama de fogo, nem da fumaça dos holocaustos! Porque todo
o futuro está presente para este que vos está falando. Esta vossa casa vos vai
ser deixada deserta. Eu vos digo, diz o Senhor, que não me vereis mais,
enquanto vós mesmos não disserdes: Bendito o que vem em nome do Senhor.”
... Matias, o
ex-pastor, aproxima-se de Jesus e lhe pergunta: “Senhor e Mestre meu, eu tenho
pensado muito com os companheiros, nas tuas palavras, até que o cansaço tomou
conta de nós, e nós dormimos, antes de termos podido resolver o problema que se
havia apresentado. E agora estamos mais ignorantes do que antes. Se é que
entendemos bem as pregações destes últimos dias. Tu predisseste que muitas
coisas mudarão, ainda que a Lei fique sem ser mudada, e que se deverá edificar
um novo Templo, com novos profetas, sábios e escribas, contra o qual se
levantarão batalhas, mas que não morrerá enquanto que este, se é que
compreendemos bem, parece destinado a morrer.”
“Está destinado a morrer. Lembra a
profecia de Daniel...”
“Mas nós
que somos pobres e poucos, como poderemos edificá-lo de novo, se os reis
tiveram que trabalhar muito para edificar este? E depois onde o edificaremos?
Certamente aqui não, porque tu dizes que este lugar virará um deserto, enquanto
esses não te bendigam como a um mandado por Deus.”
“Assim é.”
“Em teu
Reino não. Porque estamos convictos de que o teu Reino é espiritual. E, então, como
e onde o estabeleceremos? Ontem tu disseste que o verdadeiro Templo – e não é
aquele... e, não será aquele o verdadeiro Templo? Disseste que quando eles
pensarem que o terão destruído, aí é que ele se levantará triunfante aos olhos
de Jerusalém verdadeira. Onde está ela? Há muita confusão entre nós.”
“Assim é. Que os inimigos destruam o
verdadeiro Templo. Em três dias Eu o levantarei de novo, e ele não conhecerá
mais a cilada, subindo para onde o homem não lhe possa causar dano.
Quanto ao Reino de Deus, ele está em
vós, e por toda parte há homens que creem em Mim. Estão espalhados por
enquanto, mas eles se sucederão sobre a Terra, através dos séculos dos séculos.
Depois ele será eterno, unido, perfeito no Céu. Lá no Reino de Deus, será
edificado o novo Templo, isto é, lá onde estão os espíritos que aceitam a minha
doutrina, a Doutrina do Reino de Deus e que pratica os preceitos Dele. E, como
será edificado, se sois pobres e poucos? Oh! Na verdade não são necessários o
dinheiro e os poderes para edificar o edifício da nova moradia de Deus,
individual ou coletiva. O Reino de Deus está em vós. É a união de todos aqueles
que terão a Deus em si, a Deus que é a Graça. A Deus que é a Vida. A Deus que é
a Luz. A Deus que é a Caridade. E ele constituirá o grande Reino de Deus sobre
a Terra, a nova Jerusalém, que chegará a expandir-se por todos os confins do
mundo, e que, completa e perfeita, sem emendas, sem sombras, viverá eterna no
Céu.
Como fareis para edificar o Templo e a
cidade? Oh! Não sereis vós, mas será Deus que edificará esses lugares novos.
Vós teríeis somente que dar-lhe vossa boa vontade. Boa vontade é permanecer em
mim. Viver a minha doutrina é já a boa vontade. Estar unidos à boa vontade.
Unidos a mim, até formardes um só corpo, em cada uma de suas partes e
partículas, alimentado pela mesma seiva. Um único edifício, que está apoiado
sobre uma única base e conservado unido por uma mística coesão, mas assim como
sem a ajuda do Pai, que Eu vos ensinei a pedir, e que Eu pedirei para vós,
antes de morrer, vós não poderíeis estar na Caridade, na Verdade, na Vida, isto
é, ainda em mim, e comigo em Deus Pai, e em Deus Amor, porque nós somos uma
única Divindade, por isso Eu vos digo que tenhais a Deus em vós, para poderdes
ser o Templo que não conhecerá fim. Por vós mesmos não o podeis fazer. Se Deus
não edifica, e não pode edificar onde não pode mais ter a sua morada,
inutilmente os homens se agitam para edificar e reedificar.
O Templo novo, a minha Igreja, surgirá
somente quando o coração hospedar a Deus e Ele convosco, como umas pedras
vivas, edificará a sua Igreja.
“Mas, Tu
não disseste que o Simão de Jonas é o Chefe dela, a pedra sobre a qual se
edificará a Tua Igreja? E não nos fizeste compreender também que Tu és dessa
Igreja a pedra angular? Então, quem é o chefe dessa Igreja?”, interrompe
Iscariotes.
“Eu sou o Chefe Místico. E Pedro é o
Chefe visível. Porque Eu vou voltar ao Pai, deixando-vos a Vida, a Luz, a
Graça, pela minha Palavra, pelos meus sofrimentos, pelo Paráclito, que será
amigo daqueles que me forem fiéis. Eu formo uma única coisa com a minha Igreja,
meu corpo espiritual, do qual Eu sou a cabeça.
A cabeça contém o cérebro, a mente. A
mente é a sede do saber, o cérebro é que dirige os movimentos dos membros, por
meio de seus comandos imateriais, os quais são os mais válidos para fazer que
se movam os membros, do que qualquer outro estímulo. Observai um morto, no qual
o cérebro morreu. Terá ele algum movimento em seus membros? Observai alguém que
seja completamente estúpido. Não é verdade, que ele é tão inerte, que não saiba
ter nem aqueles movimentos mais rudimentares e instintivos, que até o mais
inferior dos animais, que até o verme que nós esmagamos, tem? Observai alguém
no qual a paralisia desfez o contato dos membros, de um ou mais membros do
cérebro. Terá ele ainda movimento naquela parte que não tem mais ligação vital
com a cabeça?
Mas, se a mente dirige com os seus
comandos espirituais, então os outros órgãos, como: os olhos, os ouvidos, a
língua, o nariz, a pele, que comunicam as sensações à mente, e são as outras
partes do corpo que executam e fazem executar aquilo que a mente, advertida
pelos órgãos materiais e visíveis, a respeito de tudo o que o intelecto
invisível ordena. Poderia Eu, sem dizer-vos: sentai-vos, conseguir que fiqueis sentados
neste lado do monte? Mesmo que Eu queira que vós permaneçais sentados, vós não
o sabeis, enquanto Eu não transmitir o meu pensamento em palavras, e, então, Eu
as digo usando para isso a língua e os lábios. Poderia Eu mesmo sentar-me, se
Eu ficasse somente pensando que estou sentindo o cansaço das pernas, se elas
não quisessem dobrar-se, e não me pusessem assim sentado? A mente tem
necessidade dos órgãos e dos membros para poder fazer e executar as operações
que o pensamento pensa.
Assim também é no corpo espiritual, que
é a minha Igreja: Eu serei o Intelecto, isto é, a cabeça, que é a sede do
intelecto, e Pedro com os seus colaboradores são os que observam as reações,
percebem as sensações, e as transmitem à mente, a fim de que ela ilumine, ponha
em ordem o que é preciso fazer para o bem de todo o corpo, para que ela possa
esclarecer e ordenar, sob minha direção, possam falar e guiar as outras partes
do corpo. A mão que afasta um objeto que pode ferir o corpo, ou afasta o que
está corrompido ou pode corromper, o pé que passa por cima de um obstáculo, sem
esbarrar nele, sem cair nem ferir-se, todas essas partes receberam da parte que
dirige a ordem de fazê-lo. O menino, e até o homem que se salvou de um inimigo,
ou que, faz qualquer coisa útil, como: procurar a instrução, as boas obras, o
casamento, uma boa companhia para um bom conselho recebido, ou para uma boa
palavra dita, é por aquele conselho, por aquela palavra que não prejudica ou
que faz o bem. Assim será na Igreja. O chefe e os chefes, guiados pelo Divino
Pensamento e iluminados pela Divina Lei, instruídos pela Palavra Eterna, darão
as ordens e os conselhos, e os membros os porão em prática, e obterão a saúde
espiritual e uma vantagem espiritual.
A minha Igreja já é assim, porque já
possui o seu Chefe sobrenatural Chefe Divino, e tem os seus membros, que são os
discípulos. Ela é ainda pequena, por enquanto, e como um germe que se forma,
perfeita unicamente no Chefe que a dirige, e imperfeita no resto, que ainda tem
necessidade de um toque de Deus para ficar perfeita e do tempo para crescer.
Mas, em verdade Eu vos digo que Ela já o é, e que é Santa, por Aquele que é seu
Chefe e pela boa vontade dos justos que a compõem. É Santa e invencível...
Contra ele se apresentará uma e mil vezes e com mil formas de batalha o
inferno, feito de demônios e de homens-demônios, mas não prevalecerão. O
edifício será firme.
Mas o edifício não é feito de uma só
pedra. Observai o Templo, lá, vasto, belo, ao sol que se põe. Talvez é feito de
uma só pedra? É um complexo de pedras, que formam um único e harmônico todo.
Ele se chama: o Templo. E isto quer dizer uma unidade. Mas essa unidade é feita
das muitas pedras que a compuseram e formaram. Inútil teria sido fazer os
fundamentos se eles não tivessem depois que sustentar as paredes e o teto, se
sobre eles não se tivesse que erguer as paredes para sustentarem o teto, se
antes não tivessem sido feitos, e em primeiro lugar, os fundamentos sólidos e
proporcionados para uma construção maciça e de grandes dimensões. Assim, com esta
dependência das artes uma da outra, é que surgirá também o Templo Novo. Pelos
séculos afora, vós o ireis edificando, apoiando-o sempre sobre os fundamentos
que Eu lhe dei, perfeitos, de acordo com seu tamanho. Vós edificareis sob a
direção de Deus, servindo-vos das coisas a serem usadas para levantá-lo:
espíritos que são a morada de Deus.
Deus estará nos vossos corações para
fazer deles umas pedras polidas e sem fendas, para um Templo novo. Será o seu
Reino estabelecido com as suas leis no vosso espírito. A não ser assim, vós
seríeis uns tijolos mal cozidos, uma madeira carunchada, umas pedras lascadas e
quebradiças, que não têm consistência, e que o construtor, se for experiente,
rejeita, ou então elas falham, não resistem a pressão, fazendo que uma parte
deslize, se o construtor, ou os construtores colocados ídolos de si mesmos, que
se pavoneiam em seus corações, sem vigiarem constantemente sobre a construção
que se vai levantando, e sobre os materiais usados nela. Esses construtores
ídolos, esses mestres de obras ídolos, esses guardas ídolos, são todos uns
ladrões. Ladrões da confiança de Deus e da estima dos homens, uns ladrões e uns
orgulhosos, que só se comprazem em terem um meio de vida, e um modo de terem um
monte de materiais, que eles não observam se são bons, ou já de qualidade
vencida, e que pode ser causa de uma ruína.
Vós, ó sacerdotes novos e escribas do
Templo novo, escutai. Ai de vós e de quem vier depois de vós, de quem se fizer
ídolo e não tomar cuidado, não supervisar a si mesmo e aos outros, os fiéis, a
fim de observar bem a boa qualidade das pedras e da madeira, sem confiar só nas
aparências, pois se não poderá causar ruínas, deixando que materiais já
deteriorados, ou até capazes de prejudicar a obra tenham sido deixados para
serem usados na construção do Templo, dando assim um escândalo e provocando a
ira divina. Ai de vós, se deixardes que se formem fendas e paredes inclinadas,
que estão para cair, porque não estão bem equilibradas nas bases, que são
sólidas e bem feitas. Não é de Deus o fundador da Igreja, mas de vós que viria
o tombamento da parede, e dele seríeis responsáveis, diante do Senhor e dos
homens.
Diligência, observação, discernimento,
prudência. A pedra, o tijolo, a viga fraca, que em uma parede interna poderiam
ser causa de tombamento, podem servir em partes de menor importância, na
construção e até a servir bem. É assim que deveis saber escolher. Com caridade
para não desgostar as partes fracas, mas com firmeza, para não desgostar a Deus
e arruinar o seu Edifício. E se achais que uma pedra em um ângulo mestre, não é
boa ou não está bem equilibrada, sede corajosos, ousados, e procurai saber como
tirá-la daquele lugar, e alinhá-la com o escopo de um santo zelo. Se ela grita
de dor, não faz mal. Ela vos abençoará durante os séculos, porque vós a tereis
salvado. Removei-a dali e empregai-a em outro trabalho. Não tenhais medo nem de
afastá-la completamente, se virdes que ela vai ser causa de estranheza e de
ruína, desdizendo do vosso trabalho. É melhor haver pouca pedra, do que muito
estorvo.
Não tenhais pressa. Deus nunca tem
pressa, mas tudo o que Ele cria é eterno, porque é bem calculado, antes de ser
feito. Se não é eterno, dura tanto como os séculos. Olhai para o Universo. Há
muitos séculos, há milhares de séculos, ele está como Deus o fez, em operações
sucessivas... Imitai o Senhor. Sede perfeitos como vosso Pai. Tende a sua Lei
em vós, o seu Reino em vós. E não falhareis, mas, se não fôsseis assim,
desabaria o edifício, ficando dele apenas a pedra angular, os fundamentos. A
mesma coisa acontecerá com aquele Templo. Em verdade, Eu vos digo que com
aquele ali vai ser assim, assim será com o vosso, se puserdes nele o que
pusestes neste, as vossas contribuições doentes de orgulho, de avidez, de
pecado, de luxúria. Como se desfez de repente pelo sopro do vento, aquele
pavilhão de nuvens, que parecia estar parado formando uma vista tão bonita
acima do cume daquele monte, mas parecendo o soprar de um vento de um castigo
sobrenatural para os homens, quando desabarem os edifícios, que de santos só
tem o nome.
Jesus se
cala pensativo. E quando começa a falar de novo, é para dar esta ordem: “Sentemo-nos
aqui, para repousarmos um pouco.”
Eles se
assentam sobre um declive do Monte das Oliveiras, que fica em frente do Templo,
agora beijado pelo Sol, que já vai-se pondo. Jesus olha fixamente para aquele
lugar, com tristeza. Os outros, exultam por verem aquela beleza, mas sobre
aquela exultação logo se estende um véu de aflição pela lembrança das palavras
do Mestre. Será que toda aquela beleza vai ter que acabar?
Pedro e
João falam um com o outro, e depois passam a sussurrar alguma coisa ao Tiago de
Alfeu e ao André, que estão perto deles, e eles concordam, fazendo um sinal com
a cabeça. Então, Pedro se vira para o Mestre e diz: “Vem aqui para o lado, e
explica-nos quando é que se cumprirá a tua profecia sobre a destruição do
Templo. Daniel fala nela, mas, se for como ele diz, e como Tu dizes, poucas
horas terá ainda o Templo. Mas nós não estamos vendo exércitos, nem
preparativos de guerra. Quando será, então, que isso acontecerá? Qual será o
sinal disso? Tu já vieste. E Ti dizes que estás para ires embora. No entanto se
sabe que isso não acontecerá, se não estiveres entre os homens. Então, Tu
voltarás? Quando é que será a tua volta? Explica-nos isso, para que fiquemos
sabendo.”
“Não há necessidade de que vamos para
outro lado. Estás vendo? Os discípulos mais fiéis ficaram, aqueles que a vós
doze ajudarão muito. Eles podem ouvir as palavras que Eu vos estou dizendo.
Vinde todos para cá!”, grita por fim, para reunir todos.
“Tomai cuidado para que ninguém vos
seduza no futuro. Eu sou o Cristo, e não haverá outros Cristos. Por isso,
quando muitos vierem dizer-vos: “Eu sou o Cristo”, e estiverem seduzindo a
muitos, não acrediteis em suas palavras, nem que elas sejam acompanhadas por
prodígios, mas estes podem ser reconhecidos como não bons, porque sempre
estarão unidos ao medo, à perturbação e à mentira. Os prodígios de Deus vós os
conheceis, eles dão uma santa paz, alegria e salvação, fé e conduzem a desejos
e obra santas.
Os outros, não. Por isso, refleti sobre
a forma e as consequências dos prodígios que podereis ver no futuro, por obra
dos falsos cristos e de todos aqueles que se vestirão com vestes de salvadores
dos povos, mas que serão umas feras, que os arruinarão.
Ouvireis também, e até vereis os que
falam de guerras, e rumores de guerra, e que vos dirão: “Estes são os sinais do
fim.” Mas não vos perturbeis, ainda não será o fim. É necessário que tudo isso
aconteça antes do fim, mas ainda não será o fim. Levantar-se-á um povo contra o
outro, nação contra nação, continente contra continente, e haverá pestilências,
carestia e terremotos em muitos lugares. Mas isso não será mais do que o
princípio das dores. Então vos lançarão no meio da tribulação, e vos matarão,
acusando-vos de serdes os culpados pelos sofrimentos deles e, esperando sair
deles, começarão a perseguir e a destruir os meus servos.
Os homens acusam sempre os inocentes de
serem eles a causa do seu mal, que os pecadores criam para si mesmos. Eles
acusam ao próprio Deus, que é perfeita inocência e a Bondade Suprema, de ser
Ele a causa do sofrimento deles, e assim também farão convosco, e vós sereis
odiados por causa do meu Nome. E será ainda Satanás que os está açulando. E
surgirão falsos profetas, que induzirão muitos ao erro. E ainda será Satanás o
verdadeiro autor de tantos males. E, com a multiplicação da iniquidade, se
esfriará a caridade de muitos. Mas quem tiver perseverado até o fim, será
salvo. Mas, é preciso que antes este Evangelho do Reino de Deus seja pregado em
todo o mundo, como um testemunho diante de todas as nações. Aí virá o fim.
Haverá uma volta de Israel ao Cristo, que o acolhe, e a pregação da minha
doutrina em todo mundo.
Depois virá um outro sinal. Um sinal do
fim do Templo e do fim do Mundo. Quando virdes a abominação da desolação
predita por Daniel – quem me ouve, procure entender bem, e quem lê o Profeta,
saiba ler por entre as palavras – então, quem estiver na Judéia, fuja para os
montes, e quem estiver no terraço não desça para ir apanhar o que estiver em
casa, e quem estiver em seu campo não volte à sua casa para apanhar o manto,
mas fuja sem olhar para trás, a fim de que não lhe aconteça não poder fazê-lo
mais, e ele nem mesmo se vire para olhar, quando fugir, a fim de não conservar
no coração o espetáculo horrendo, e enlouquecer por isso.
Ai das grávidas e daquelas que
estiverem amamentando naqueles dias! E ai delas se a fuga tiver que ser em dia
de sábado! Não seria bastante a fuga para quem quisesse salvar, sem pecar.
Rezai, pois, para que não aconteça no inverno e em dia de sábado, porque a
tribulação será grande, como nunca houve desde o princípio do mundo até essa
hora, nem haverá nunca mais outra semelhante, porque essa será a última. Se não
fossem abreviados aqueles dias em atenção aos eleitos, ninguém se salvaria,
porque os homens-satanases aliarão ao inferno para atormentar os homens.
E já estão, para corromper e arrastar
para fora do caminho, justo aqueles que se conservarem fiéis ao Senhor,
surgirão os que dirão assim: “O Cristo está lá, o Cristo está aqui. Está em tal
lugar. Ei-lo! É este!” Não creiais. Ninguém creia, porque surgirão falsos
Cristos e falsos profetas, que farão prodígios e portentos tais, que induzirão
ao erro, se isso lhes fosse possível, até aos eleitos, e ensinarão doutrinas em
aparência tão consoladoras e boas, que seduziriam até aos melhores, se com eles
não estivesse o Espírito de Deus, que os iluminará sobre a verdade ou sobre a
origem satânica de tais prodígios e doutrinas.
Eu vo-lo digo. Eu vo-lo prego, para que
vós possais acautelar-vos. Mas não tenhais medo de cair. Se estiverdes de pé,
firmes no Senhor, não sereis arrastados às tentações e a ruína. Lembrai-vos
disso que Eu vos disse: “Eu vos dei o poder de caminhar sobre as serpentes e
escorpiões e sobre o poder do inimigo, e nada vos fará mal, porque tudo vos
estará sujeito.” Eu vos faço lembrar também que para conseguirmos isso, deveis
ter Deus em vós, e deveis alegrar-vos, não porque dominais as potências do mal
e as coisas venenosas, mas porque o vosso nome está escrito no Céu.
Permanecei no Senhor e em sua verdade.
Por isso ainda Eu vos repito: Qualquer coisa que vos disserem de mim, não
creiais. Somente Eu é que disse a verdade. Somente Eu é que vos digo que o
Cristo virá, mas quando chegar o fim. Por isso, se vos disserem: “Ele está lá
no deserto”, não vades lá. Se vos disserem: “Ele está naquela casa”, não lhes
deis atenção. Porque o Filho do homem, em sua segunda vinda, será semelhante a
um relâmpago, que sai do nascente e chispa até o poente, em um tempo tão breve,
como o bater de uma pálpebra. E deslizará sobre o grande Corpo, que logo se
tornará um Cadáver, acompanhado de anjos luminosos, e por-se-á a julgar. No
lugar, seja onde for, em que estiver o corpo, lá se reunirão as águias. E logo
depois da tribulação daqueles últimos dias, da qual Eu já vos falei, Eu falo
agora do fim do tempo e do mundo e da ressurreição dos ossos, coisas essas de
que os profetas falam, o sol escurecerá, a lua não dará mais a sua luz, e as
estrelas do céu cairão, como bagos de uva que caem de um cacho maduro demais, e
que um vento tempestuoso sacode, e as potências do Céu tremerão.
E, então, no firmamento escuro
aparecerá fulgurante o sinal do Filho do homem, e chorarão todas as nações da
terra, e os homens verão o Filho do homem vindo sobre as nuvens do Céu, com
grande poder e glória. E Ele dará ordens aos seus anjos que ceifem e vindimem,
que separem o joio do trigo, que lancem as uvas na dorna, porque terá chegado o
tempo da grande colheita da semente de Adão, e não teremos mais necessidade de
conservar a esgalha nem a semente,
porque não haverá mais perturbação da raça humana sobre a terra morta. E dará
ordens aos seus amigos para que ao alto som das trompas, reúnam os eleitos dos
quatro cantos da terra, de uma extremidade à outra do céu, a fim de que estejam
ao lado do Divino Luiz, para julgarem com Ele os últimos viventes e os
ressuscitados.
Da figueira aprendei esta semelhança:
quando vedes que seus ramos ficam tenros, e soltam folhas, sabeis que o verão
já vem perto. Assim também, quando virdes todas essas coisas, ficai sabendo que
o Cristo está para chegar. Em verdade, Eu vos digo, não passará esta geração,
que não me quis, antes que tudo isso aconteça. A minha palavra não falha, o que
Eu digo acontecerá. O coração e o pensamento dos homens podem mudar, mas minha
palavra não muda. O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não
passarão. E, quanto ao dia e a hora exata, ninguém os conhece, nem mesmo os
anjos do Senhor, mas somente o Pai.
Como nos tempos de Noé, assim
acontecerá na vinda do Filho do homem. Nos tempos de antes do dilúvio, os
homens comiam, bebiam, se desposavam, se casavam, sem prestarem atenção ao
sinal no dia em que Noé entrou na arca, e abriram-se as cataratas dos céus, e o
dilúvio submergiu todos os seres vivos, e todas as coisas. Assim também será,
quando for a vinda do Filho do homem. Quando chegar a hora, dois homens estarão
perto um do outro no campo, e um será levado, enquanto o outro será deixado.
Duas mulheres estarão ocupadas em fazer girar o mó do moinho, e uma será
levada, e a outra deixada. Isto é o que farão os inimigos aqui na Pátria, e
mais ainda os anjos que irão separar o trigo do joio, e não terão tempo de se
prepararem para o julgamento pelo Cristo.
Vigiai, pois, porque não sabeis a que
hora virá o Senhor. Pensai de novo o seguinte: se o chefe da família soubesse a
que hora viria o ladrão, ele vigiaria e não deixaria que ele despojasse a sua
casa. Portanto, vigiai e orai, estai sempre preparados para a vinda, sem que os
vossos corações fiquem entorpecidos pelo abuso e a intemperança de todas as
espécies, e os vossos espíritos estejam distraídos e obtusos para as coisas do
Céu, por causa dos excessivos cuidados com as coisas da terra, e o laço da
morte vos apanhe de repente, quando estiverdes despreocupados. Porque,
lembrai-vos bem, todos tereis que morrer. Todos os homens, uma vez nascidos,
devem morrer, e nessa morte há uma particular vinda do Cristo e em seguida um
juízo, que será repetido com todos juntos no dia da vinda solene do Filho do
homem.
Que será então, que acontecerá ao servo
fiel e prudente, que foi posto pelo patrão a servir aos domésticos o alimento,
enquanto Ele estava ausente? Feliz será ele, se o seu patrão ao chegar de
repente, o encontrar fazendo o que deve, com diligência, com justiça e amor. Em
verdade Eu vos digo que Ele lhe dirá: “Vem, servo bom e fiel. Tu mereceste o
meu prêmio. Toma e administra todos os meus bens.” Contudo, se ele parecia, mas
não era bom e fiel, e seu interior era mau, assim como no exterior ele era
hipócrita, pois logo que o patrão havia partido, ele começou a dizer em seu
coração: “O patrão vai tardar a voltar! Vamos aproveitar este belo tempo!”, e
começar a bater em uns criados e a maltratar a outros, dando-lhes pouca comida
e pouco das outras coisas necessária, a fim de poder ter mais dinheiro para
poder gastá-lo em folganças, e com os bêbados, que é que irá acontecer?
Acontecerá que o patrão, ao chegar de repente, quando aquele servo ainda estava
pensando que o patrão estava longe, mas este, ao ver o mau procedimento do
servo, lhe tomará o dinheiro, e o tirará do cargo, e o expulsará, como é de
justiça. E assim, naquela situação ele ficará.
Assim acontece com o pecador
impenitente, que não pensa que a morte pode já estar perto, e também perto o
seu julgamento, e só procura gozar e abusar desse gozo, dizendo: “Depois eu me
arrependerei.” Em verdade, Eu vos digo que ele não terá tempo de fazer isso, e
será condenado a ficar no lugar onde há um tremendo horror, onde se ouvem
blasfêmias e se veem o pranto e a tortura, e de lá ele só sairá para o Juízo
Final, quando tornará a revestir-se de sua carne ressuscitada, para assim
apresentar-se completo ao Juízo Final, assim como foi completo que ele pecou no
tempo de sua vida terrena e com corpo e alma ele se apresentará ao Juiz Jesus,
que ele não quis aceitar como seu Salvador.
Todos estarão lá, acolhidos diante do
Filho do homem. Uma multidão incalculável de corpos restituídos, uns pela
terra, outros pelo mar, e recompostos todos, depois de terem virado cinza, há
muito tempo. E nos corpos estarão os espíritos. A cada carne que voltou ao seu
esqueleto corresponderá o seu espírito, aquele que a animou por algum tempo na
Terra. E estarão todos aprumados diante do Filho do homem, que estará esplendente
em sua divina Majestade, sentado no trono de sua glória e assistido pelos seus
anjos.
E ele separará os homens uns dos
outros, pondo de um lado os bons e do outro os maus, como um pastor que separa
as ovelhas pondo-as á direita, e os cabritos a esquerda. E dirá com voz afável
e com um semblante benigno aos que, pacíficos e formosos, com uma beleza
gloriosa no esplendor do corpo santo, olharão para ele, com todo o amor de seus
corações: Vinde ó benditos de meu Pai, tomai posse do reino preparado para vós,
desde o começo do mundo. Porque eu tive fome e me deste de comer, tive sede e
me deste de beber, fui um peregrino e me hospedaste, estive nu e me vestistes,
doente e me visitastes, estava prisioneiro e fostes levar-me conforto.
E os justos lhe perguntarão: Quando foi
Senhor que te vimos com fome e te demos de comer, te vimos com sede e te demos
de beber? Quando foi que te vimos peregrino, e te acolhemos, te vimos nu e te
vestimos, te vimos enfermo ou encarcerado, e te fomos visitar? E o Rei dos Reis
lhes dirá: Em verdade eu vos digo; quando fizestes uma daquelas coisas a um
daqueles menores entre os meus irmãos, foi a Mim que o fizestes.
E depois o Juiz se voltará para aqueles
que estiverem a sua esquerda, e lhes dirá, com um rosto sério e com uns olhares
que serão como umas flechas que fulminarão os réprobos, e em sua voz ressoará a
ira de Deus. Fora daqui! Longe de mim ó malditos! Ide para o fogo eterno,
preparado pelo furor de Deus para o demônio e para os anjos das trevas e para
aqueles que lhes deram ouvidos, quando eles falavam na libidinagem tríplice e
obscena. Eu tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me deste de
beber, estive nu e não me vestistes, fui peregrino e me repelistes, estive
doente e encarcerado, e não me visitastes. Porque vós só conheceis uma lei: A
do prazer do vosso eu.
E eles lhe dirão: quando foi que te
vimos com fome, com sede, nu, peregrino, enfermo ou encarcerado? Em verdade,
nós não te estamos reconhecendo. Não estávamos presentes, quando estivestes
sobre a Terra. E ele lhes responderá: É verdade. Vós não me conhecestes porque
não estáveis lá presentes, quando estivestes sobre a Terra. Mas vós conhecestes
a minha palavra e tivestes, no meio de vós, os esfaimados, os sedentos, os nus,
os doentes, os encarcerados. Por que é que não fizestes a eles o que talvez
teríeis feito a mim? Pois já foi dito que aqueles que me tiveram em seu meio
fossem misericordiosos para com o Filho do homem? Não sabeis que nos meus
irmãos estou eu? E que onde estiver sofrendo um desses meus menores irmãos, sou
eu que lá estou? E que o que tiverdes deixado de fazer a um desses meus menores
irmãos, foi a mim que deixastes de fazer? A Mim Primogênito dos homens?
Ide-vos e queimai-vos em vosso egoísmo.
Ide e que vos fascinem as trevas e o gelo, pois trevas e gelo é o que fostes,
mesmo conhecendo onde é que estava a Luz e o Fogo do Amor. E eles irão para o
suplício eterno, enquanto os justos entrarão na vida eterna. Estas são as
coisas futuras. Agora, ide-vos. E não vos separeis uns dos outros. Eu vou com
João e voltarei a vós lá pela metade da primeira vigília, para a ceia e para
irmos depois às nossas instruções.”
Pg.
392-403
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597 – QUARTA-FEIRA À NOITE NO GETSÊMANI
COM OS APÓSTOLOS
Diz
Jesus:
“Eu vos disse: Ficai atentos, vigiai e
orai, para que não sejais vencidos pelo sono. Mas estou vendo que vossos olhos
cansados querem fechar-se e que os vossos corpos, mesmo sem o quererdes, procuram
posições de descanso. Tendes razão, meus pobres amigos! O vosso Mestre muito
exigiu de vós nestes dias, e vós estais muito cansados. Mas, daqui a poucas
horas, vos sentireis contentes, por não terdes perdido nem um momento para
estardes longe de mim. Contentes estareis por não terdes recusado nada ao vosso
Jesus. Em resumo, é esta a última vez que Eu vos falo destas coisas tristes.
Amanhã Eu vos falarei do amor, e farei para vós um milagre todo de amor.
Preparai-vos com uma grande purificação para recebê-lo.
Oh! Quanto é mais consoante para Mim
mais falar de amor do que de castigo! Como é doce dizer: “Eu vos amo. Vinde.
Durante toda a minha vida, sonhei com esta hora!” Mas, até o falar em morte é
amor, o amor, quando a morte, para aqueles que vos amam é a suprema prova de
amor. É amor, porque preparar os amigos queridos para a desventura é uma
previdência afetiva, que deseja vê-los prontos, e não apavorados naquela hora.
É amor, porque confiar um segredo é uma prova de estima, que se tem para com
aqueles aos quais ele é confiado. Eu sei que vós atormentastes com perguntas ao
João, quando queríeis saber o que foi que Eu lhe disse, quando fiquei sozinho
com ele. E não acreditastes que não houve palavras entre nós. Mas assim foi.
Para mim bastou ter perto de mim uma criatura.”
“Então,
por que havia de ser ele, e não outro?”, pergunta Iscariotes e pergunta com uma
arrogância cheia de ira.
Até
Pedro, e com ele Tomé e Filipe dizem: “Sim. Por que a ele, e não aos outros?”
Jesus
responde a Iscariotes: “Terias gostado que fosse tu? E podes pretender isso?
Era aquela uma fresca e serena manhã do
mês de Adar... Eu era um desconhecido viandante que ia pela estrada de perto do
rio... Cansado, empoeirado, pálido por estar em jejum, com a barba descuidada,
as sandálias rotas, parecendo um mendigo pelos caminhos do mundo... Ele me
viu... E me reconheceu como sendo aquele sobre o qual havia descido a Pomba do
fogo eterno. Naquela minha primeira transfiguração, certamente um raio do meu
divino esplendor deve ter-se manifestado. Os olhos abertos pela Penitência do
Batista e os que foram conservados angelicais pela Pureza, viram o que os
outros não viram. E os olhos puros guardaram aquela visão nos tabernáculos de
seus corações, e a encerraram, como uma pérola em um escrínio.
Quando se levantaram, depois de terem
estado quase dois meses sobre o esfarrapado viandante, a alma dele me
reconheceu... E Eu era o seu amor. O seu primeiro e único amor. E o primeiro e
único amor nunca se esquece. A alma percebe quando ele chega, mesmo que ele se
tenha afastado, e o percebe chegar, vindo das distâncias mais longínquas, e
pula de alegria, desperta a mente, e esta desperta a carne, para que todos
participem do banquete da alegria de se encontrarem e de se amarem. E, com a
boca tremente, ele me disse: “Eu te saúdo, ó Cordeiro de Deus!”
Oh! A fé dos que são puros, como és
grande! Como superas todos os obstáculos! Ele não sabia o meu Nome. Quem era
Eu? De onde é que Eu vinha? Que é que Eu fazia? Era Eu pobre? Era sábio? Era
ignorante? Será que Ele faz saber tudo pela fé? Ele aumenta ou diminui por
saber? Ele acreditava em tudo o que havia dito o Precursor. Como uma estrela
que transmigra de uma para outra parte do céu, ele se havia separado do seu
céu, o Batista, e saído de sua constelação, e ido para o seu novo céu, o
Cristo, da constelação do Cordeiro. Ele não é a estrela maior, mas é a mais
bela constelação do amor.
São passados três anos, desde aquele
tempo. Estrelas e estrelinhas se uniram e depois se afastaram da minha
constelação. Umas se precipitaram e morreram, outras ficaram enfumaçadas por
pesados vapores. Mas permaneceu fixo, com sua luz pura, junto de sua Polar.
Deixai-me olhar sua luz. Duas serão as
luzes nas trevas do Cristo: Maria e João. Mas quase não poderei vê-las, por tão
grande que vai ser a dor. Deixai que Eu imprima em minha pupila estes quatro
íris, que são fímbrias de Céu, por entre cílios louros, para que Eu os leve
comigo para onde ninguém poderá ir, como uma lembrança de pureza. Todo o
pecado, todo sobre as costas do Homem. Oh! Oh! Os três náufragos que emergem do
naufrágio de uma humanidade no mar do Pecado.
Será, então, a hora em que Eu, o
rebento da estirpe de Davi, gemerei ao dar o antigo suspiro de Davi: “Meu Deus,
volta-te para mim. Por que me abandonaste? De Ti me afastam os gritos dos
delitos, que Eu assumi em lugar de todos... Eu sou um verme, e não mais um
homem, sou o opróbrio dos homens, o rebotalho da plebe.”
E ouvi Isaías: “Abandonei meu corpo aos
perseguidores, as minhas faces a quem me arrancava a barba e a quem me
ultrajava e me cobria de escarros.”
Ouvi de novo Davi: “Muitos novilhos me
rodearam, muitos touros me atacaram. Sobre Mim eles abriram suas bocas para me
devorarem, como uns leões, que despedaçam e rugem. Eu me vi dissolvido, como
água.”
E Isaías completa: “Eu mesmo tingi as
minhas vestes.” Oh! As minhas vestes, Eu mesmo as tinjo, não com o meu furor,
mas com a minha dor e o meu amor por vós. Como as duas pedras chatas da prensa,
eles me comprimem, e espremem o meu sangue. Não sou eu diferente do cacho prensado,
que entrou todo bonito na prensa, e depois vira uma papa espremida, sem suco e
sem beleza.
E o meu coração, eu falo como Davi:
“torna-se como a cera, e se derrete dentro do meu peito”. Oh! Coração perfeito
do filho do homem, que te tornaste agora? Está parecido com aquele que uma
longa vida de pândega faz que fique desfeito e sem vigor. Todo o meu vigor se
esgotou. Minha língua está pegada ao céu da boca, por causa da febre e da
agonia. E a morte me pega de surpresa, com sua cinza que asfixia e cega.
E, além disso, ela não tem piedade! Um
bando de cães me cerca e me morde. E sobre as feridas recebo outras mordidas. E
por cima das mordidas, recebo as bordoadas. Nenhuma parte de meu corpo fica sem
dor. Meus ossos rangem, deslocados por um alongamento criminoso. Não sei onde
apoiar o meu corpo...”
A horrorosa coroa é um círculo de fogo,
que penetra na cabeça. Estou pendurado pelas mãos e pelos pés transfixados. E
assim sou elevado, e apresento o meu corpo ao mundo, e todos podem contar os
meus ossos...”
“Cala-te!
Cala-te”, soluça João.
“Não
fales mais, que nos fazes entrar em agonia”, suplicam os primos.
André não
fala, mas pôs a cabeça entre os joelhos, e chora sem fazer barulho. Simão está
lívido. Pedro e Tiago de Zebedeu parecem estar sendo torturados. Filipe, Tomé,
Bartolomeu parecem três estátuas de pedra, com uma expressão de angústia.
Judas é
uma máscara macabra, demoníaca. Parece um condenado que finalmente compreendeu
o que fez. Com a boca aberta, depois de um urro que de dentro dele quer sair,
mas que continua fechado na garganta, ele, com os olhos dilatados e cheios de
pavor, como os de um louco, com as faces cor da terra, por baixo do véu
amorenado de uma barba rala, com os cabelos despenteados, porque sempre os
desarruma com a mão, suado e confundido, parece estar quase desfalecendo.
Mateus,
tendo levantado o olhar, a fim de procurar quem o ajude em seu tormento, vê o
que está acontecendo, e diz: “Judas, estás mal? Mestre, Judas está sofrendo!”
“Eu também”, diz Jesus. “Mas Eu sofro em paz. Tornai-vos espíritos, a fim de
poderdes suportar esta hora. Alguém que foi carne, não poderá vive-la sem
enlouquecer...
Fala ainda Davi, ao ver as torturas do
seu Cristo: “Ainda não estão contentes e olham para mim escarnecendo de mim e
repartindo entre si minhas vestes e tirando a sorte para ver quem vai ficar com
minha túnica. Eu é que sou o malfeitor. É o direito deles.”
Oh! Terra, olha o teu Cristo! Procura
saber reconhecê-lo, ainda que Ele esteja tão desfigurado. Escuta, lembra-te das
palavras de Isaías, e procura compreender o porquê, grande porquê. Ele ficou
assim, e o homem foi capaz de matá-lo, reduzindo a esse estado o Verbo do pai.
Ele não tem beleza, nem esplendor. Nós o vimos. Não era de belo aspecto. E não
o amamos. Foi desprezado como o último dos homens. Ele o Homem das dores,
acostumado a padecer, estava com o rosto escondido. Era vilipendiado, e nós não
fizemos conta alguma dele.” Sua beleza de Redentor era essa máscara de
torturado. Mas tu, ó Terra estulta, ainda preferias ver o seu rosto sereno!
“Verdadeiramente Ele tomou sobre si os
nossos males e levava as nossas dores. E nós olhávamos para Ele como para um
leproso, como para alguém amaldiçoado por Deus, para um desprezado. E, no
entanto, se ele foi coberto de feridas, assim o foi por causa de nossas
perversidades. Sobre Ele caiu o castigo, que estava reservado para nós, o
castigo que nos deveria pôr de novo em paz com Deus. Pelos sinais de suas
equimoses é que ainda fomos salvos. Nós éramos como umas ovelhas errantes. Cada
um de nós se havia desviado do caminho reto, e o Senhor pôs nas costas dele as
iniquidades de todos.”
Aquele e aqueles que pensam terem
ajudado a si mesmos e a Israel, tratem de desiludir-se. E também aqueles que
julgam terem sido mais fortes do que Deus. E também os que pensam que não terão
que prestar contas por esse pecado porque Eu me deixo matar de boa vontade. Eu
cumpro a minha santa tarefa, a da perfeita obediência ao Pai. Mas isso não
exclui a obediência deles a Satanás, nem que deixem de pôr em prática o seu
plano nefando.
Sim. O teu Redentor foi sacrificado
porque Ele o quis, ó terra. “Ele não abriu a boca para dizer alguma coisa,
pedindo para ser poupado, nem uma palavra de maldição contra os seus
assassinos. Como uma ovelhinha que se deixou conduzir até o matadouro para ser
morta, como um cordeirinho que é levado a quem o vai tosquiar.”
Depois da captura e da condenação, Ele
foi levantado. Ele não terá posteridade. Como uma planta, Ele será cortado da
terra dos vivos. Deus o feriu por causa do pecado do seu povo. “Não haverá na
Terra alguém de sua geração que se compadeça dele? Não terá filhos, esse que
foi cortado em sua vida na terra?”
Oh! Eu te respondo, ó profeta, sobre o
teu Cristo. Se o meu povo não tiver compaixão do que foi morto sem culpa, os
anjos, que são o povo celeste, se compadecerão dele. Se a virilidade dele não
terá filhos humanamente, porque sua natureza não podia encontrar união com
carne mortal, Ele bem que terá filhos, e filhos segundo um modo de gerar, que
não é o da carne e do sangue animal, mas do amor e do Sangue divino Ele terá
vida, uma geração do espírito, pela qual há de ter a tua prole.
E Eu ainda te explico, ó mundo que não
entendes o profeta, quem são os ímpios que foram levados à sepultura, e quem é
o rico em sua morte. Olha, ó mundo, olha se um só dos teus matadores, por acaso
teve paz e longa vida! Ele, o Vivente, brevemente irá deixar a morte. Mas, como
as folhas que o vento do outono ajunta, uma por uma, nos sulcos, depois de
tê-las arrancada com repetidas sacudidas, e todas forem ajuntadas na ignóbio
sepultura que para ele havia sido destinada, e um que pelo ouro viveu poderia,
se lícito fosse colocar o imundo onde esteve o Santo, para ser deixado onde
ainda estiver a umidade provinda das inumeráveis feridas da Vítima que foi
imolada sobre o Monte. Tendo sido acusado sem ter culpas, Deus faz por ele a
sua justiça. Pois nunca houve fraude em sua boca, nem iniquidade em seu
coração.
Consumido pelos sofrimentos. Mas da
consumação terminada de uma vida cortada em um sacrifício de expiação, aí é que
teve início a sua glória entre os membros da futura humanidade. Todos os
desejos e as santas vontades de Deus para com ele serão levados a efeito. Pelas
ânsias de sua alma, verá a glória do verdadeiro povo de Deus, e com isso ficará
feliz. A sua doutrina celeste, que Ele selará com seu sangue será a
justificação de muitos, que não estão entre os melhores, e dos pecadores tirará
a iniquidade. Por isso, haverá uma grande multidão, ó terra, e ao redor deste
Rei desconhecido, do qual os pérfidos zombaram, e que os melhores não
compreenderam. E Ele, então, dividirá com os seus os despojos dos vencidos.
Dividirá os despojos dos fortes, como único Juiz dos três reinos e do Reino.
Tudo Ele mereceu, porque tudo deu. Tudo
lhe será entregue, visto que Ele entregou sua vida à morte, e foi contado junto
com os malfeitores. Ele era sem pecado. Sem outro pecado, a não ser um perfeito
amor, uma infinita bondade. São duas culpas que o mundo não perdoa: um amor e
uma bondade que o levaram a tomar sobre Si os pecados de muitos, do mundo todo,
e a rezar pelos pecadores. Por todos os pecadores. Até por aqueles pelos quais
Ele foi condenado à morte.
Terminei. Não tenho nada mais a dizer.
Tudo está dito sobre o que Eu queria dizer-vos sobre as profecias messiânicas.
Do nascimento até à morte, Eu vo-las apresentei todas, a fim de que Me
conhecêsseis, e não ficásseis em dúvida. E não tivésseis desculpas para o vosso
pecado.
Agora, vamos rezar juntos. É esta a
última tarde em que podemos rezar juntos, todos unidos como os bagos no cacho
que os segura. Vinde. Vamos rezar. “Pai nosso que estás nos Céus, santificado
seja o teu Nome. Venha o teu Reino. Seja feita a tua vontade na Terra, como é
feita no Céu. Dá-nos hoje o pão nosso de cada dia. Perdoa-nos as nossas
dívidas, como nós as perdoamos aos nossos devedores. Não nos deixes cair em
tentação, mas livra-nos do mal. Amém.
Seja santificado o teu Nome. Pai, Eu o
santifiquei. Tem piedade do teu Rebento.
Venha o teu Reino. Para fundá-lo é que
Eu morro. Piedade de mim.
Seja feita a tua vontade. Socorre a
minha fraqueza. Tu, que criaste a carne do homem, e dela revestiste o teu
Verbo, para que Ele aqui embaixo te obedeça, como sempre te tenho obedecido no
Céu. Tem piedade do Filho do homem
Dá-nos o pão. Um pão para a alma. Um
pão, não desta terra. Não é para Mim que Eu o peço. E não tenho mais
necessidade, senão do teu conforto espiritual. Mas por ele, Eu como um Mendigo,
te estendo a mão. Daqui, a pouco ele será transfixada e fincada, e não poderá
mais fazer um gesto de amor. Mas agora ainda pode. Pai, concede-me que Eu possa
dar a eles o pão que cada dia fortifique a fraqueza dos pobres filhos de Adão.
Eles são fracos, ó Pai eles não têm força, porque não possuem o Pão, que é
força, o Pão dos anjos que espiritualiza o homem e o leva a ser divinizado em
Nós.
Perdoa-nos as nossas dívidas...
Jesus,
que até aqui falou de pé e rezou de braços abertos, agora se ajoelha, levanta
os braços e o rosto para o Céu, um rosto alvejado pela força feita, ao
suplicar, e pelo beijo da lua, acompanhado por um pranto silencioso.
Ao teu Filho perdoa, ó Pai, se em
alguma coisa Ele faltou para contigo. Diante de tua perfeição, posso até
parecer imperfeito, Eu, o teu Cristo, que a carne torna pesado. Aos homens...
não. O meu intelecto me assegura que tudo isso Eu fiz por eles. Mas Tu, perdoa
ao teu Jesus... Eu também perdoo. Quanto eu terei que perdoar! Quanto! Mas eu
perdoo. A estes aqui presentes, aos discípulos ausentes, aos surdos de coração,
aos inimigos, aos que escarnecem de mim, aos traidores, aos assassinos, aos deicidas.
Aí está. Perdoei a toda a Humanidade. Por mim, ó Pai, considere anuladas todas
as dívidas do homem para com o Homem. Eu morro para dar a todos o teu Reino, e
não quero que fique anotado para a condenação o pecado contra o Amor Encarnado.
Não? Tu dizes não? É a minha dor. Este “não” me infunde no coração o primeiro
trago do cálice atroz. Mas, o Pai, a quem sempre obedeci, Eu te digo: “Seja
feito como Tu queres.
Não nos deixes cair em tentação. Oh! Se
Tu queres, podes afastar de nós o demônio! Ele é a tentação que excita a carne,
mente, o coração. Ele é o Sedutor. Afasta-o, ó Pai. Que o teu arcanjo esteja a
nosso favor! Para afugentar aquele que, desde o nosso nascimento até a morte,
nos arma ciladas! Oh! Pai Santo, tem piedade dos teus filhos!
Livra-nos, livra-nos do mal Tu o podes
fazer. A nós que aqui ficamos chorando... É tão belo o Céu, e temos medo de
perdê-lo. Tu dizes: “O meu Santo não o pode perder”. Mas Eu quero que Tu vejas
em Mim o Homem, o Primogênito dos homens. Eu sou irmão deles. Eu rezo por eles
e com eles. Pai, piedade! Oh! Piedade!
Jesus se
inclina para o chão. Depois se ergue: “Vamos. Saudemo-nos nesta tarde.
Amanha pela tarde não nos será mais possível.
E os
beija, um por um, a começar por Pedro, depois Mateus, Simão, Tomé, Filipe, Bartolomeu,
Iscariotes, os dois primos, Tiago de Zebedeu, André e, por último, João, ao
qual depois Ele fica apoiado, enquanto vão saindo do Getsêmani.
Pg.405-411
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598 – QUINTA-FEIRA SANTA, PREPARATIVOS
DA CEIA PASCAL. AMANIFESTAÇÃO DO PAI E A HOMENAGEM AOS GENTIOS
“Escutai. Assim foi dito de Mim: “Um
rebento brotará da raiz de Jessé, e uma flor virã desta raiz, e sobre ele
repousará o Espírito Santo. Ele não julgará por aquilo que aparece aos olhos,
não condenará por aquilo que chega a seus ouvidos, mas julgará com justiça os
pobres, e tomará a defesa dos humildes. O rebento da raiz de Jessé, posto como
um sinal entre as nações, será invocado pelos povos, e o seu sepulcro será
glorioso. Ele, tendo levantado uma bandeira diante das nações, reunirá os
prófugos de Israel, os dispersos de Judá e os recolherá dos quatro cantos da
terra.”
De Mim está escrito: “Eis que o Senhor
Deus vem com poder, e o seu braço triunfará. Ele traz consigo a sua recompensa
e tem diante de seus olhos o seu trabalho.”
Está dito de Mim: “Eis o meu servo, com
o qual Eu estarei e com o qual aminha alma se compraz. Nele Eu difundi o meu
espírito. Ele levará a justiça entre as nações. Não fritará, não quebrará o
caniço rachado, não apagará a luz que está fumegando, e fará justiça de acordo
com a verdade. Sem ser nem triste nem turbulento, chegará a estabelecer sobre a
terra a justiça, e as ilhas estarão a espera de sua Lei.”
Está dito a respeito de Mim: “Eu, o
Senhor te chamei na justiça, te tomei pela mão, te preservei, te transformei na
união dos povos e luz das nações, para abrir os olhos aos cegos e tirar do
cárcere os prisioneiros, e dos calabouços, aqueles que jazem nas trevas.”
Está dito sobre Mim: “O Espírito do
Senhor está sobre Mim, porque o Senhor me ungiu para anunciar a boa nova aos
mansos, para curar os que têm o coração enfraquecido, para pregar a liberdade
aos escravos, a libertação aos prisioneiros, para pregar o Ano da Graça do
Senhor.”
Está dito de Mim: “Ele é forte,
apascentará o rebanho com a fortaleza do Senhor, como a majestade do Nome do
Senhor seu Deus. A Ele se converterão, porque, desde já, Ele será glorificado,
até aos confins do mundo.”
Está dito de Mim: “Eu mesmo irei a
procura de minhas ovelhinhas. Irei em busca das tresmalhadas, reconduzirei as
que foram tocadas, cuidarei das que tiverem fraturasm restaurarei as fracas,
vigiarei as volumosas e robustas e as apascentarei com justiça.”
Está dito: “Ele é o príncipe da paz, e
será a paz.”
Está dito: “Eis que vem o teu Rei, o
justo, o Salvador. Ele é pobre, cavalga um jumentinho. Ele anunciará a paz às
nações, o seu domínio será de um a outro mar, até aos extremos da terra.”
Está dito: “Setenta semanas foram
fixadas para o teu povo, para a tua cidade santa, a fim de que seja eliminada a
prevaricação, tenha fim o pecado, seja cancelada a iniquidade, venha a eterna
justiça, realizen-se as visões e profecias, e seja ungido o Santo dos Santos.
Depois de sete mais sessenta e duas, virá o Cristo. Depois de sessenta e duas
Ele será morto. Depois de uma semana, Ele confirmará o Testamento, mas ao meio
da semana virão aos vítimas e os sacrifícios, e haverá no Templo a abominação
da desolação, e durará até o fim dos séculos.”
Faltarão então as vítimas naqueles
dias? O altar não terá vítimas? Haverá a Grande Vítima. E eis como vê o
profeta: “Quem é este homem que vem com as vestes tingidas de vermelho? Ele é
belo em sua veste, e caminha com majestade, o que é o sinal do seu poder.”
Mas, como é que Ele se tingiu de
púrpura, e como é que a veste, se Ele é pobre? Eis o que diz o profeta:
“Abandonei o meu corpo aos que me batiam, as minhas faces aos que me arrancavam
a barba, e não afastei o rosto de quem me ultrajava. E a minha beleza e o meu
esplendor se esvairam, e os homens não me amaram mais. Os homnes me despresaram
e me consideraram o último deles!”
Eu o homem das dores, o meu rosto será
velado e maltratado, e olharão para Mim como para um leproso, enquanto por
todos eu serei ferido e morto. Eis a vítima. Não temas, Israel. Não temas. Não
está faltando o Cordeiro Pascal. Não temas ó Terra! Não temas. Eis aqui o
Salvador. Como ovelha será levado ao matadouro, porque Ele o quis, e não abriu a
boca para maldizer aos que o matam. Depois da condenação Ele será levantado e
consumado em seus padecimentos, com os membros deslocados, os ossos
descobertos, os pés e as mãos transfixados. Mas, depois das dores, com as quais
justificará a muitos, possuirá multidões, porque depois de entregar sua vida à
morte pela salvação do mundo, ressurgirá e governará a Terra, alimentará os
povoscom as àguas vistas por Ezequiel, àguas que saíam do verdadeiro Templo,
que também, mesmo tendo sido abatido, ressurge por sua própria força, com o
vinho, com o qual se tingiu de púrpura a cândida veste do Cordeiro sem mancha e
do Pão vindo do Céu.
Sedentos vinde as águas! Famintos,
nutrí-vos! Exaustos, bebei do meu vinho, e vós doentes! Vinde, vós que não
tendes dinheiro, vós que não tendes saúde. Vinde vós que estais nas trevas! E
vós que estais mortos, vinde! Eu sou Riqueza e saúde. Eu sou Luz e Vida. Vinde
vós que procurais o caminho! Vinde vós que procurais a verdade! Eu sou o
Caminho e a Verdade. Não temais por não poderdes consumar o Cordeiro, porque
faltam as vítimas verdadeiramente santas neste Templo profanado. Todos tereis
que comer do Cordeiro de Deusm que veio tirar os pecados do mundo, como disse
falando de Mim o último dos profetas do meu povo. Daquele povo ao qual Eu
pergunto: Povo meu, que foi que Eu te fiz? Em que foi que Eu te entristeci? Que
é que Eu podia te dar a a mais, e que Eu não o tenha dado? Eu instruí os vossos
intelectos, curei os teus doentes, fiz o bem aos teus pobres, matei a fome de
tuas multidões, te amei em teus filhos, perdoei, rezei por ti. Eu te amei até
ao sacrifício. E tu, que é que dás ao teu Senhor? Uma hora ainda te é dada, e é
a última, é meu povo, é minha cidade real e santa. Converte-te nesta hora ao
Senhor teu Deus.”
Pa.
415-418
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600 – A ÚLTIMA CEIA PASCAL
Começa o
sofrimento da quinta-feira santa.
Os
apóstolos, e agora são dez, entregam-se ao grande trabalho de preparar o
cenáculo, Judas, que foi ficar sobre a mesa, está observando se há azeite em
todos os globos do grande lampadário, que parece ser uma corola de fúcsia
dobrada, porque tem um caule rodeado por cinco luzes em umas ampolas que
parecem pétalas, e depois, em um segundo plano mais baixo, tem, por fim, os
pistilos da flor luminosa. Depois Ele desce, dando um pulo, e vai ajudar André
a dispor com arte os pratos na mesa sobre a qual está estendida uma magnífica
toalha. Eu ouço o André, que está dizendo: “Que lindo linho! ”
E
Iscariotes: “Um dos melhores de Lázaro. Marta o quis trazer por força.”
“E estes
cálices? E estas ânforas, então?”, observa Tomé, que pôs o vinho nas ânforas
preciosas, e as fica contemplando e se espelhando em suas saliências delicadas,
acariciando as asas delas, feitas a cinzel, com seus olhos de entendedor.
“Quem
saberá o valor disso, hein?”, pergunta Iscariotes.
“Foi
trabalhada a martelo. Meu pai ficaria louco por ela. A prata e o ouro em folha
se deixam dobrar com facilidade, quando são esquentados. Mas tratados assim...
Basta um momento para estragar tudo. Basta uma martelada mal dada. É preciso
usar, ao mesmo tempo, de força e de leveza ao bater. Estás vendo as asas? Foram
tiradas do bloco. Não foram soldadas. São coisas de ricos... Pensa só como todo
aquele trabalho com a lima e o que foi começado se perdeu. Não sei se me
entendes.”
“Eu? Se
entendo! Afinal é como alguém que faz uma escultura.”
“Isso
mesmo.”
Todos
ficam admirados. Depois voltam para o seu trabalho. Uns colocam as cadeiras em
seus lugares. E outros preparam as credências. Entram juntos Pedro e Simão.
“Oh!
Afinal, chegastes. Por onde foi que andastes agora? Depois de terdes vindo
ficar com o Mestre, fugistes de novo”, diz Iscariotes.
“Recebemos
mais uma incumbência antes da hora”, responde brevemente Simão.
“Estás
triste?”
“Eu creio
que com tudo o que temos ouvido por esses dias, as palavras sai daqueles lábios
que nunca mentem, temos bem motivos para o estarmos.”
“E, com
aquele mau cheiro de... Bem, cala a boca, Pedro”, diz por entre dentes o
próprio Pedro.
“Tu
também... Há dias que me vens parecendo estares doido. Estás com uma cara de
coelho selvagem, quando percebe que um chacal vem atrás dele! ”
“E tu
tens uma cara de fuinha. Também tu não estás muito bonito, há dias. Ficas olhando
de um modo... Estás com um olho torto. Que é que estás vendo, ou esperas ver?
Pareces estar seguro, ou queres mostrar que assim estás, mas o que parece mesmo
é que estás com medo”, replica-lhe Pedro.
“Oh! Que
medo! Mas certamente nem tu és um herói! ”
“Nenhum
de nós o é, Judas. Tu tens o nome do Macabeu, mas não o és. O meu significa
“Deus faz as graças”, mas eu te juro que sinto em mim o tremor de quem sabe que
leva consigo a desgraça, e sobretudo de quem está na desgraça de Deus. Simão do
Jonas, que foi batizado de novo com o nome de “a pedra” está agora mole como a
cera no fogo. Ele não conta mais com sua vontade. E eu nunca o vi com medo, nem
nas mais fortes tempestades! Mateus, Bartolomeu e Filipe parecem sonâmbulos.
Meu irmão e André só sabem ficar suspirando. Os dois primos nos quais a dor
pelo sangue se une com a dor pelo amor ao Mestre, olha só como eles estão
Parecem já terem ficado velhos. Tomé perdeu aquele ar de alegria. E Simão
parece ter voltado a ser aquele leproso extenuado, todo carcomido pela dor, eu
diria corroído, lívido, envilecido.”
“Sim. Ele
nos impressionou a todos nós com sua melancolia”, observa Iscariotes.
“Meu
primo Jesus, o meu e vosso Mestre e Senhor, está e não está melancólico. Se
queres com este nome dizer que Ele está triste pela demasiada dor que Israel
lhe está causando, e que nós não vemos, e por causa da outra dor oculta, que se
Ele vê, eu te digo: “Tens razão”. Mas se fazes uso daquela palavra para dizeres
que Ele está doido, eu to proíbo”, diz Tiago de Alfeu.
“E não é
loucura uma ideia fixa de melancolia? Eu também estudei essa matéria! Sei. Ele
já deu demais de Si. Agora está com a mente cansada.”
Isso é o
que quer dizer “fica com a mente cansada. Não é verdade'?”, pergunta o outro
primo Judas, aparentemente calmo.
“É isso
mesmo. Ele tinha visto bem o teu pai, justo de santa memória, com o qual tanto
te pareces, na justiça e sabedoria! Jesus é o triste destino de uma casa velha
demais e atacada pela senilidade psíquica, e sempre teve uma tendência para
essa doença. É suave a princípio, mas depois vai ficando sempre mais agressiva.
Tu viste como Ele atacou os fariseus e os escribas, os saduceus e os
herodianos. Ele tornou sua vida impossível, como um caminho que está coberto de
cascas de quartzo. E Ele mesmo foi quem as espalhou. Nós... o amamos tanto, que
nosso amor a Ele para nós serviu de véu. Mas aqueles que o amaram, não de modo
idolátrico, como o teu pai, o teu irmão José e Simão no começo, que viram o que
era certo... Nós devíamos abrir os olhos, diante do que Ele falava. Mas, ao
contrário, todos fomos seduzidos por aquele seu doce fascínio de doente. E
agora... Mas!
Judas
Tadeu, que é da altura de Iscariotes, está justamente na frente dele, e parece
que o está ouvindo em paz, tem um gesto violento e, com as costas da mão, lhe
dá uma violenta pancada, jogando Judas de costas sobre uma das cadeiras e, com
uma cólera que ele mal pôde conter na voz, dá um assobio, curvando-se sobre o
rosto do velhaco, que não reage, talvez por temer que Tadeu esteja ciente do
seu crime: “Isto é pela tua demência, é animal rastejador! E é somente porque
Ele está ali, e hoje é a tarde da Páscoa, é que eu não te esgano. Mas pensa,
pensa bem! Se lhe acontecer algum mal, e se Ele não estiver presente para deter
a minha força, ninguém te salvará. É como se tu já tivesses o cabresto no
pescoço, e serão estas minhas mãos honestas e fortes de operário galileu, e de
descendente do fundibulário do Golias, que te farão. Levanta-te, desmiolado e
libertino! E toma cuidado! ”
Judas se
levanta, lívido, sem oferecer nenhuma, reação. E o que me espanta é que ninguém
reagiu, diante daquele gesto de Tadeu. Pelo contrário... É claro que todos o
aprovaram.
Mal se
recompôs o ambiente, quando Jesus entra. Ele aparece à soleira da portinha, e
mal pode passar, põe o pé sobre o passadouro, que oferece tão pouco espaço,
sempre com o seu manso e triste sorriso, e diz, abrindo os braços: “A paz
esteja convosco.” Sua voz está cansada, como a
voz de quem está enfraquecido, tanto no físico, como no moral.
Ele vai
descendo. Acaricia por cima da cabeça loura João, que correu para perto dele.
Sorri, como se não soubesse de nada, ao seu primo Judas, e diz ao outro primo:
“Tua mãe te pede que sejas bom para com José. Ela perguntou por Mim, e por ti
às mulheres, há pouco. Não estou contente por não tê-lo saudado.”
“Tu o
farás amanhã.”
“Amanhã?
Mas eu terei sempre ocasião de vê-lo. Oh Pedro! Estaremos um pouco juntos,
finalmente. Desde ontem, me estás parecendo um fogo fátuo. EU te vejo, depois
não te vejo mais. Hoje, quase que eu posso dizer que te perdi de vista. E a ti
também, Simão.
“Os
nossos cabelos, mais brancos do que negros, te podem assegurar que não
estivemos ausentes por fome de carne”, diz, de cara fechada, Simão.
“Pois
que... em todas as idades se pode sentir aquela fome... Mas os velhos! São
piores do que os jovens.”, diz, ofensivo, Iscariotes. Simão olha para ele, e
está para responder. Mas também Jesus olha para ele, e diz:
“Estás com um dente doendo? Estás com a face direita inchada e vermelha.”
“Sim,
Estou mal. Mas não vale a pena pensar nisso.” Os outros não dizem nada, e o
assunto morre assim.”
“Fizestes tudo o que era para fazer?
Tu, Mateus? E tu, André? E tu, Judas, pensaste na oferta para o Templo?” Tanto os dois primeiros, como Iscariotes dizem: “Tudo foi
feito daquilo que nos foi mandado que se fizesse hoje. Fica tranquilo.”
“Eu
trouxe as primícias do Lázaro para Joana do Cusa. E para as crianças. E eles me
disseram: “Estavam melhores aquelas maçãs!” Elas tinham o sabor da fome, isto
sim! E eram as tuas maçãs”, diz, sorrindo e sonhando, João. Também Jesus sorri,
ao ter uma lembrança...
“Eu vi
Nicodemos e José”, diz Tomé.
“Tu os
viste? Falaste com eles?”, pergunta Iscariotes, com um interesse exagerado.
“Sim. E
que é que há de estranho? José é um bom cliente de meu pai.”
“Tu não o
havias falado antes... Eu fico espantado com isso” Judas procura remediar a má
impressão causada antes, de estar preocupado pelo encontro de José e de
Nicodemos com Tomé.
“Eu acho
estranho que eles não tenham vindo venerar-te. Nem eles, nem Cusa, nem
Manaém...”
“Paz! Paz! Mas, que é que tendes?
Estamos na tarde da Páscoa! Nunca tivemos assim um digno aparato para a
consumação do Cordeiro. Consumemos pois a Ceia em espírito de paz. Vejo que vos
perturbei muito com as minhas instruções destas últimas tardes. Mas, estais
vendo? Terminei. Agora não vos perturbarei mais. Não foi dito tudo o que se
refere a mim, Só foi dito o essencial, o resto... Vós o entendereis depois. E
vos será dito... Sim. Virá Aquele que vo-lo dirá. João, vai com Judas e algum
outro buscar os jarros para a purificação. Depois, assentemo-nos a mesa.” Jesus está de uma doçura inebriante. João com André, Judas
com Tiago, vão levando um grande jarro, põem água nele, oferecem a toalha a
Jesus e aos companheiros, que depois fazem o mesmo entre si. O jarro grande,
que é de metal, é colocado a um canto.
“E agora, cada um em seu lugar. Eu
aqui, e aqui (à direita) João,
e do outro lado Tiago. São eles os dois primeiros discípulos. Depois de João, a
minha Pedra forte, e depois o que é como o ar, o que não se deixa perceber, mas
sempre está presente e traz conforto, é André. Perto dele está o meu primo
Tiago. Tu não fiques sentido, meu doce irmão, se Eu dou o primeiro lugar aos
primeiros? Tu és o sobrinho do Justo, cujo espírito palpita e paira sobre mim
e, nesta tarde, mais do que nunca. Que tenhas a paz, é pai de minha fraqueza de
menininho, carvalho a cuja sombra se abrigaram a mãe e o Filho. Que tenhas a
paz! Depois vem Pedro, Simão. Simão, vem cá por um momento. Eu quero fitar em
teu rosto leal. Depois Eu te verei mal, porque outros cobrirão a tua honesta
face. Obrigado, Simão. Por tudo”, e o beija. Simão,
quando é deixado, vai para o seu lugar, levando, por um momento, as mãos ao
rosto, como num gesto de aflição.
“Na frente de Pedro, fica o meu
Bartolomeu. São duas honestidades e duas sabedorias, que se olham como no
espelho, uma à outra. Estão bem, os dois juntos. E, perto deles, tu, meu irmão.
Assim é que Eu te vejo... e me parece estar em Nazaré... quando alguma festa
nos reunia todos junto a uma mesa... Também em Caná... Tu te lembras? Estávamos
juntos. Uma festa. Uma festa de núpcias... o primeiro milagre... a água
transformada em vinho. Hoje também é uma festa... e hoje também haverá um
milagre... o vinho mudará de natureza... e será...” Jesus se imerge em seu pensamento. De cabeça inclinada, como
se estivesse isolado em seu mundo secreto. Os outros olham para Ele, e nada
dizem. Ele levanta a cabeça, e fixa o olhar no Judas Iscariotes, ao qual diz:
“Tu ficarás na minha frente.”
“Será que
me amas tanto assim? Mais do que ao Simão, para me quereres sempre à tua
frente?”
“Tanto assim. Tu o disseste.”
“Por que,
Mestre?”
“Porque tu és quem mais fez, mais do
que todos para esta hora.” Judas olha com um olhar muito
incerto, ora para o Mestre, ora para os companheiros. Para o primeiro com uma
certa compaixão irônica, e para os outros com um ar de triunfo.
“E perto de ti, de um lado Mateus e
Tomé do outro.”
“Então que fique Mateus à minha
esquerda, e Tomé à direita.”
“Como
quiseres, como quiseres”, diz Mateus. Para Mim, basta estar bem na frente do
meu Salvador.”
“Por último, Filipe. Eis, vedes? Quem
não está a meu lado num lugar de honra, tem a honra de estar à minha frente. Jesus, de pé diante do seu lugar, faz a mistura no grande
cálice colocado na frente dele todos têm cálices altos, mas Ele tem um muito
maior do que os que os outros têm. Deve ser o cálice ritual. É nele que Jesus
faz a mistura do vinho. Depois o levanta, o oferece e o coloca de novo sobre a
mesa. Depois todos juntos perguntam, cantando na música dos salmos: “Por que
esta cerimônia?” Esta é uma pergunta formal, compreende-se. Faz parte do rito.
E àquela
pergunta, Jesus, como o chefe da família, responde: “Este
dia nos lembra a nossa libertação do Egito. Bendito seja Javé, que criou o
fruto da vinha.” Ele bebe um pouco desse vinho
oferecido, passa o cálice para os outros. Depois oferece o pão, e o parte, o
distribui, e depois as ervas tocadas no molho avermelhado, que está em quatro
saladeiras. Terminada esta parte da refeição, eles cantam uns salmos, todos em
coro. Vem sendo trazido da credência para a mesa, e posto na frente de Jesus o
tabuleiro com o cordeiro assado. Pedro, que na primeira parte fez o papel de
quem pergunta, também aqui toma a palavra: “Para que este cordeiro assim?”
“Para recordação de quando Israel foi
salvo pelo cordeiro imolado. Não morreu nenhum primogênito, onde o sangue
brilhava nas ombreiras e arquitraves. E depois, enquanto o Egito chorava os seus
primogênitos machos, que haviam morrido, tanto no palácio real, como nos
tugúrios, os hebreus, capitaneados por Moisés, puseram-se a caminho da Terra da
libertação e da promessa. Com seus lados já cingidos, com as sandálias nos pés,
um bordão na mão, estava pronto o povo de Abraão para pôr-se em marcha,
cantando os hinos de alegria. Todos se põem de pé, e cantam: “Quando Israel
saiu do Egito, e a casa de Jacó do meio de um povo bárbaro, a Judéia tornou-se
o seu santuário.” etc.
Agora
Jesus está trinchando o cordeiro, misturando mais um cálice e passando aos
outros, depois de ter bebido dele, Depois eles ainda cantam: “Meninos, louvai o
Senhor, bendito seja o Nome do Eterno agora, e para sempre pelos séculos. Do
oriente ao poente deve ser louvado”, etc. Jesus distribui as partes, tomando
cuidado para que cada um fique bem servido, como faz um pai de família entre os
filhos que lhe são todos queridos. Ele por um lado se sente bem, mas por outro
está um pouco triste, quando diz: “Tenho ardentemente desejado comer esta
Páscoa convosco. Tem sido este o meu desejo dos desejos, desde quando, desde
que eu fui escolhido para ser o Salvador. Eu sabia que esta hora vem antes
daquela. E a alegria de dar-me colocava antecipadamente este consolo ao meu
sofrimento... Eu ardentemente tenho desejado comer convosco esta Páscoa, porque
nunca mais provarei do fruto da videira, enquanto não tiver chegado o Reino de
Deus. E, então, Eu me assentarei novamente com os eleitos no Banquete do
Cordeiro, para as núpcias dos Viventes com o Vivente. Mas a isso chegarão
somente àqueles que tiverem sido humildes e limpos de coração, como Eu sou.”
“Mestre,
há pouco tempo Tu disseste que quem não tem a honra do lugar tem a de estar à
tua frente. Como é, então, que podemos saber quem é o primeiro entre nós?”,
pergunta Bartolomeu.
“Todos, e ninguém. Certa vez nós
estávamos cansados... Enjoados com aquela aversão dos fariseus. Mas cansados
não estáveis para discutir entre vós quem é que era o maior... um menino chegou
correndo até perto de mim... era um meu pequeno amigo... E a inocência dele
veio temperar o meu desgosto por causa de muitas coisas, entre as quais estava
o vosso modo humano e teimoso de pensar. Onde é que estás agora, ó pequeno
Benjamim, que deste a sábia resposta, que do Céu veio para ti, porque, como
eras um anjo, era o Espírito que te falava. Naquela ocasião, Eu vos disse: “Se
alguém quer ser o primeiro, seja o último e o servo de todos. E Eu vos
apresentei o exemplo do menino sábio. E agora Eu vos digo: “Os reis das nações
as dominam. E os povos oprimidos, ainda que os odeiem, os aclamam, e os reis
são chamados “Benfeitores”, “Pais da Pátria”. Contudo o ódio deles vai-se
incubando por baixo daquele elogio mentiroso.” No entanto, entre vós não seja
assim. O maior seja como o menor, o chefe como aquele que serve aos outros. Na
verdade, quem é que é o maior? É o que está à mesa, ou o que serve? É o que
está à mesa. No entanto, Eu vos estou servindo. E daqui a pouco vos servirei,
vós e que tendes estado comigo nas provações. E Eu tenho para vós um lugar no
meu Reino e nele eu serei segundo, à vontade do Pai, a fim de que comais e
bebais à minha mesa eterna, e estejais assentados sobre tronos, julgando as
doze tribos de Israel. Ficai comigo nas minhas provas... Só isso é que vos dará
grandeza aos olhos do Pai.”
“E os
outros que forem chegando? Não terão lugar no Reino? Só nós é que teremos?”
“Oh! Quantos príncipes haverá na minha
Casa. Todos aqueles que tiverem perseverado até o fim, no martírio desta vida,
serão iguais a vós que comigo perseverastes em minhas provas. Eu me identifico
com os que creem em mim. A dor, que Eu abraço por vós e por todos os homens Eu
a dou como insígnia aos mais eleitos. Quem na dor me for fiel será um
bem-aventurado igual a vós, e meus diletos.”
“Nós
perseveramos até o fim.”
“Tu achas, Pedro? Pois Eu te digo que a
hora da prova ainda está por vir. Simão, Simão do Jonas, eis que Satanás pediu
para peneirar-vos como o trigo. Mas Eu rezei por Ti, a fim de que a tua fé não
vacile. Tu, quando te tiveres arrependido, confirma os teus irmãos.”
“Eu sei
que sou um pecador, mas fiel a Ti eu o serei até à morte. Não tenho esse
pecado. Nunca o terei.”
“Não sejas soberbo, meu Pedro, Esta
hora vai mudar muitas coisas, que antes eram de um modo, e que agora serão
diferentes. Quantas! Elas ocasionam e trazem consigo necessidades novas. Vós o
sabeis. Eu sempre vos disse, mesmo quando nós andávamos por lugares longínquos,
percorridos por bandidos: “Não temais. Nada vos acontecerá de mal, porque os
anjos do Senhor estão convosco. Não vos preocupeis com coisa alguma.”
Lembrai-vos de quando eu vos dizia: “Não vos preocupeis com o que tendes para
comer e com as vossas vestes. O Pai não sabe de que é que precisamos?” Eu vos
dizia também: “O homem é muito mais do que um pardal e do que a flor que hoje é
uma erva, e amanhã é feno. Pois bem. O Pai cuida até da flor e do passarinho.
Podes agora duvidar se Ele toma cuidado de nós? Eu vos dizia também: “Dai a
todo aquele que vos pede, e a quem vos ofende apresentai-lhe a outra face.” Eu
vos dizia: “Não tenhais bolsa nem bastão. “Porque o que eu ensinei foi amor e
confiança. Mas agora... Agora não é mais aquele tempo. Agora Eu vos digo:
“Faltou-vos alguma coisa até agora? Fostes ofendidos'?”
“Não,
Mestre. Mas só Tu é que foste ofendido.”
“Vede, pois, como minha palavra era
verdadeira. Mas agora os anjos estão todos chamados pelo Senhor deles. Agora é
hora dos demônios... Com suas asas de ouro, eles, os anjos do Senhor, cobrem
seus olhos, se enfaixam e se doem por não serem suas asas de uma cor aflitiva,
visto que a hora é de luto, de um luto cruel e sacrílego... Não há anjos sobre
a terra nesta tarde. Eles estão junto ao trono de Deus, para cobrirem com o seu
canto as blasfêmias do mundo deicida e o pranto do Inocente. E nós estamos
sozinhos. Eu e vós: sozinhos. E os demônios são os donos da hora. Por isso
agora tomaremos as aparências e as medidas dos pobres homens, que desconfiam e
não amam. Agora, quem tem uma bolsa, apanhe também um alforge, quem não tem
espada, venda o seu manto e compre uma. Porque isto também está dito sobre mim
nas Escrituras, e se deve cumprir: “Ele foi contado entre os malfeitores."
Em verdade, tudo o que diz respeito a mim tem o seu fim.”
Simão,
que se levantou e foi à caixa-banco onde havia colocado o seu rico manto - pois
nesta tarde estão todos com suas melhores vestes e por isso estão com punhais
tauxiados, mas muito curtos, que são mais umas facas do que uns punhais, em
suas ricas cinturas, mas Simão pega duas espadas, duas verdadeiras espadas
compridas, levemente encurvadas, e as leva a Jesus, dizendo: “Eu e Pedro
estamos armados nesta tarde. Estas, nós dois temos. Mas os outros sé têm um
punhal curto.” Jesus pega as espadas, e as observa, tira uma delas da bainha e
experimenta o gume com a unha. É uma vista estranha Ver aquela ferramenta feroz
nas mãos de Jesus.
“Quem foi
que vo-las deu?”, pergunta Iscariotes, enquanto Jesus observa e fica calado. E
atrás dele aparece Judas...
“Quem foi
que no-las deu? Eu te faço lembrar que meu pai era nobre e poderoso.”
“Mas, e
Pedro...”
“Pois
bem. Desde quando é que eu tenho que prestar contas dos presentes que eu quero
fazer aos meus amigos?” Jesus levanta a cabeça, depois de ter embainhado a
espada. E a entrega ao Zelotes.
“Está bem. As duas bastam. Tu fizeste
bem em trazê-las. Mas agora, antes de bebermos o terceiro cálice, espera um
momento. Eu vos disse que o maior é igual ao menor e que Eu estou com a veste
de um servo a serviço desta mesa, e vos procurarei servir bem. Até agora, eu
vos dei alimento. Este foi um serviço prestado a vosso corpo. Mas agora quero
prestar-vos um serviço ao vosso espírito. Esse não é um prato servido no rito
antigo. Mas o é no rito novo. Eu quis fazer-me batizar, antes de ser o
“Mestre”. E, para divulgar a palavra, bastava o batismo. Agora vai ser derramado
o sangue. Torna-se necessário um outro banho sobre vós que fostes purificados
pelo Batista em seu tempo e hoje também no Templo. Mas isso ainda não basta.
Vinde a mim para que Eu vos purifique. Vamos parar esta refeição. Há uma coisa
mais alta e necessária do que o alimento que é dado ao ventre, para que ele se
encha, mesmo que seja um alimento santo como este do rito pascal. E é um
espírito puro, pronto para receber o dom do céu, o que já desce, a fim de fazer
para Si um trono em vós, e dar-vos a vida. Dar a vida a quem estiver limpo.” Jesus põe-se de pé, faz que João se levante, para poder
sair mais facilmente de seu lugar, vai a um caixa-banco, tira uma veste
vermelha e a põe dobrada sobre o manto, que já está dobrado, põe na cintura uma
grande toalha, depois vai a uma outra bacia, ainda vazia e limpa, põe a água
nela e a transporta para o meio da sala, para perto da mesa, colocando-a sobre
um escabelo. Os apóstolos, estupefatos, ficam olhando para Ele.
“Não me perguntais o que Eu estou
fazendo?”
“Nós não
sabemos. Eu te digo que nós já nos purificamos”, responde Pedro.
“Eu te digo que isso não importa. A
minha purificação servirá para que quem já está puro fique ainda mais puro.”
Ele se
ajoelha. Descalça as sandálias dos pés de Iscariotes e de um por um dos outros,
e lhes lava os pés. É fácil fazê-lo, porque os leitos-cadeiras são feitos de
tal modo, que os pés fiquem do lado de fora. Judas está assombrado, e nada diz.
Somente quando Jesus, antes de calçar-lhe o pé esquerdo para levantar-se, e faz
o gesto de ir beijar-lhe o pé dentro da sandália, Judas puxa violentamente o
pé, e bate com a sola na boca divina. Ele o fez sem querer. Não foi uma pancada
forte. Mas me causa muita dor. Jesus sorri, e, ao apóstolo que lhe pergunta:
“Será que te machuquei? Foi sem querer, Perdoa”, Jesus lhe diz: “Não,
amigo. Fizeste isso sem malícia, e não faz mal.
Judas olha para Ele... É um olhar perturbado, de quem quer fugir...
Jesus
passa para Tomé, depois para Filipe, dá uma volta pelo lado estreito da mesa, e
vai ao seu primo Tiago. Lava-lhe o pé e o beija, no levantar-se à frente dele.
Passa em seguida ao André, que está vermelho de vergonha e fazendo esforço para
não chorar, e o lava e acaricia, como se ele fosse um menino. Depois é a vez de
Tiago de Zebedeu, que só sabe murmurar: “Oh! Mestre! Aniquilado, mas sublime
Mestre meu!”. João já desatou as sandálias e, enquanto Jesus está inclinado,
enxugando-lhe os pés, ele se inclina e o beija sobre os cabelos.
Mas
Pedro! Não é fácil persuadi-lo a aceitar aquele rito! “Tu, me lavares os pés?
Nem penses nisso! Enquanto eu estiver vivo não te permitirei. Eu sou um verme.
E Tu és Deus. Cada qual em seu lugar.”
“O que Eu estou fazendo, tu não o podes
compreender, por enquanto. Mas depois o compreenderás. Deixa me fazê-lo.”
“Tudo o
que quiseres, Mestre. Queres cortar-me o pescoço? Podes fazê-lo. Mas lavar-me
os pés, não o farás.”
“Oh! meu Simão! Não sabes tu que, se Eu
não te lavar os pés, não terás parte no meu Reino? Simão, Simão! Tu tens
necessidade desta água para a tua alma e para o grande caminho que tens ainda
que percorrer. Não queres ir comigo? Se Eu não te lavar, não irás para o meu
Reino.”
“Oh!
Senhor meu bendito! Lava-me todo: os pés, as mãos e a cabeça!”
“Quem tomou, como vós um banho, não tem
mais necessidade, senão a de lavar os pés, pois já está inteiramente puro, os
pés... O homem com seus pés anda por cima das sujeiras. E isso ainda seria
pouco, pois, como Eu vos disse, não é o entra e sai como alimento o que suja,
não é aquilo que pelo caminho suja os pés o que contamina as ações do homem e
os seus membros. Os pés do homem de intenções impuras o levam para as crápulas,
para as luxúrias, para os comércios ilícitos, para os delitos. Por isso eles
são, entre os membros do corpo os que tem uma grande parte para purificar...
junto com os olhos, com a boca... Oh! O homem! O homem! Outrora ele foi uma
criatura perfeita: o primeiro homem! Mas depois até tal ponto ele ficou,
corrompido pelo sedutor! Antes não havia em ti malícia, homem, não havia
pecado! Mas, e agora? És todo malícia e pecado, e não há em ti nenhuma parte
que não pecaste.” Jesus já lavou os pés de
Pedro, e os beija. Pedro chora, e toma em suas grossas mãos as mãos de Jesus,
as passa sobre seus olhos, e depois as beija. Também o Simão tirou as sandálias
e, sem dizer nada, se deixa lavar. Mas depois, quando Jesus vai passar pelo
Bartolomeu, Simão se ajoelha e lhe beija os pés, dizendo: “Purifica-me da lepra
do pecado, como me purificaste da lepra do corpo, a fim de que eu não seja
confundido, na hora do juízo, meu Salvador! ”
“Não tenhas medo, Simão. Tu irás para a
Cidade Celeste mais branco do que a neve dos Alpes.”
“E eu,
Senhor? Ao teu velho Bartolomeu, que é que dizes? Tu me viste sob a sombra da
figueira, e leste no meu coração. E agora, que é que estás vendo, e onde me
estás vendo? Encoraja a este pobre velho, que tem medo de não ter força, nem
tempo para chegar a ser como Tu queres que sejamos.” O Bartolomeu está muito
comovido.
“Também tu, não tenhas medo. Naquela
ocasião, Eu disse: “Aí está um verdadeiro israelita, no qual não há fraude.” E
agora Eu te digo: “Eis aí um verdadeiro cristão, digno do Cristo.” Onde é que
te vejo? Sobre um trono eterno, vestido de púrpura. E Eu estarei sempre
contigo.” Chegou a vez de Judas Tadeu, quando vê
Jesus a seus pés, não sabe conter-se: inclina a cabeça sobre o braço que está
apoiado na mesa, e chora.
“Não chores, meu querido irmão. Agora
és como alguém que precisa suportar a ruptura de um nervo, e te parece que não
a vais poder suportar. Mas a dor será breve. Depois... oh! Tu serás feliz,
porque me amas, tu. Tu te chamas Judas. E és como o nosso grande Judas, como um
gigante. Tu és aquele que protege. As tuas ações são as de um leão, de um
leãozinho que ruge. Tu tirarás da cova os ímpios, que diante de ti recuarão, e
ficarão aterrorizados os iníquos. Uma eterna união formará e tornará perfeito o
nosso parentesco no Céu.” E o beija também na fronte,
como fez com o outro primo.
“Eu sou
pecador, Mestre. A mim, não.”
“Tu eras pecador, Mateus. Agora és o
Apóstolo. Tu és uma minha “voz”. Eu te abençoo. Estes pés por quantos caminhos
passaram, para poderes ir sempre para a frente, para Deus. Tua alma os
esporeava, e eles iam deixando todos os caminhos, que não fossem o meu caminho.
Vai para a frente. Sabes onde é que termina a senda? No seio do Pai meu e teu.”
Jesus
terminou. Ele tira a toalha da cintura, e lava as mãos em água limpa. Torna a
vestir-se, volta para o seu lugar, e diz, enquanto vai-se assentando em sua
cadeira: “Agora
estais puros, mas não todos. Somente aqueles que tiveram vontade de estar
assim.”
Jesus
olha fixamente para Judas, que fica parecendo que não ouve, e está ocupado em
explicar ao companheiro Mateus como foi que seu pai se decidiu a mandá-lo para
Jerusalém. Uma explicação inútil, que só tem por único fim dar um pretexto a
Judas que, por mais ousado que seja, deve estar sentindo-se fora do seu lugar.
Jesus,
pela terceira vez, faz a mistura no cálice comum. Depois Ele bebe e faz que o
bebam. Em seguida, entoa um cântico, e os outros lhe fazem coro: “Eu me regozijo,
porque o Senhor ouve a voz de minha oração, porque volta os seus ouvidos para
mim. Eu o invocarei por toda a minha vida. Pois me haviam cercado as angústias
da morte. ” Um instante de espera.
Depois continua a cantar: “Eu tive fé, e por isso falei. Mas eu estava
profundamente humilhado. E por isso dizia naquele meu desvario: “Todo homem é
mentiroso.” E olha fixamente para o Judas. A voz do meu Jesus, que já está
cansada esta tarde, recomeça suave, quando Ele exclama: “É
preciosa na presença de Deus a morte dos seus santos” e “Tu despedaçaste as minhas correntes. A Ti eu sacrificarei
uma vítima de louvor, invocando o nome do Senhor”, etc. Depois de uma
breve pausa no canto, Ele recomeça: “Louvai todos ao Senhor, ó nações,
todos os povos, louvai-o. Porque realizou-se sobre nós a sua misericórdia, e a
verdade do Senhor dura para sempre.”
Uma outra
breve parada, e depois um longo hino: “Celebrai o Senhor, porque Ele é bom,
porque a sua misericórdia dura para sempre...” Judas de Keriot canta tão desafinado,
que por duas vezes Tomé lhe corrige o tom, com sua poderosa voz de barítono, e
fica olhando para ele fixamente os outros também ficam olhando para ele, porque
ele geralmente tem sido bem entoado, e até se gloria, não só de sua voz, mas
também dos outros seus dotes.
Mas,
nesta tarde! Em certas frases as palavras o perturbam a tal ponto, que ele
desafina, e assim também acontece, quando os olhares de Jesus sublinham certas
frases. Uma delas é esta: “É melhor confiar no Senhor do que no homem.” Outra
é: “Tendo esbarrado, eu estava cambaleando, e ia cair. Mas o Senhor me
amparou.” Uma outra é: “Eu não morrerei, mas viverei, e narrarei as obras do
Senhor.” E, finalmente, estas duas que agora vou dizer e que fazem que fique
sufocada a voz na garganta do Traidor: “A pedra rejeitada pelos construtores
tornou-se a pedra angular” e “Bendito o que vem em Nome do Senhor!” Tendo
terminado o Salmo, enquanto Jesus corta e oferece de novo postas do cordeiro,
Mateus pergunta a Judas de Keriot: “Estás te sentindo mal?”
“Não.
Deixa-me assim. Não te preocupes comigo.” Mateus encolhe os ombros. Mas João,
que ouviu, diz: “O Mestre também não se sente bem. Que é que tens, meu Jesus? A
tua voz está rouca. Está como a de um doente, ou como a de um que chorou
muito”, e o abraça, ficando com a cabeça sobre o peito de Jesus.
“Ele não
tem nada mais do que ter falado muito, e eu não fiz outra coisa senão o ter
caminhado muito, e apanhado alguma friagem”, diz, nervoso, Judas. E Jesus, sem
dar-lhe resposta, diz a João: “Tu já me conheces... e sabes o que me cansa...” O cordeiro já está quase consumido. Jesus, que comeu muito
pouco e bebeu somente um pouco de vinho em cada um dos cálices, mas que, em
compensação, tendo bebido muita água, como se estivesse com febre, passa de
novo a falar: “Eu
quero que vós compreendais o meu gesto de antes. Eu vos disse que o primeiro é
como o último, e que Eu vos darei um alimento, não material para o corpo. Mas
foi um alimento de humildade o que Eu vos dei. Para a vossa alma. Vós me
chamais Mestre e Senhor. E dizeis bem, porque Eu o sou. Se, pois, Eu vos lavei
os pés, deveis vós também fazer isso uns aos outros. Eu vos dei o exemplo, a
fim de que, como Eu fiz, vós o façais. Em verdade, Eu vos digo: o servo não é
mais do que o seu Senhor, nem o apóstolo é mais do que Aquele que o fez
Apóstolo. Procurai compreender estas coisas. Porque, se vós as compreenderdes,
e as puserdes em prática, sereis felizes. Mas não sereis todos felizes. Eu vos
conheço. Eu sei a quais foi que Eu escolhi. Não me refiro a todos. Mas Eu digo
o que é a Verdade. E, por outro lado, há de cumprir-se aquilo que foi escrito,
a respeito de mim: “Quem come o pão comigo levantou o seu calcanhar contra
mim.” Tudo Eu vos digo, antes que aconteça, a fim de que não fiqueis com
dúvidas quanto a mim. “Quando tudo tiver acontecido, vós crereis ainda mais que
Eu sou Eu. Quem me acolhe, acolhe Aquele que me mandou: o Pai Santo, que está
nos Céus, e que acolherá aqueles que Eu enviar, como acolherá a mim mesmo.
Porque Eu estou com o Pai, e vós estais comigo. Mas agora vamos chegar ao fim
deste rito.”
Ele põe
outra vez vinho no cálice comum e, antes de beber dele, fazer que os outros
bebam, Ele se levanta, e com Ele se levantam todos, e canta de novo um salmo
dos de antes: “Eu tive fé, e por isso falei...”, e depois outro que parece não
acabar mais. É belo... e parece ser eterno. Eu penso que ele se encontra, pelo
modo como começa, e pelo seu comprimento, no Salmo 118. E eles cantam assim: um
trecho todos cantam juntos. Depois, um de cada vez diz um dístico do salmo, e
os outros dizem outro r trecho, e assim por diante, até o fim. Eu creio que no
fim todos estão com sede!
Jesus se
assenta. Não vai pôr-se deitado. Fica sentado como os outros. E fala: “Agora
que o canto terminou, Eu celebro o rito novo. Eu vos prometi um milagre de
amor. E agora é hora de fazê-lo. Para isto é que Eu desejei esta Páscoa. De
agora em diante, esta Vai ser a Vítima que será consumida, em um perpétuo rito
de amor. Eu vos amei durante toda a vida nesta terra, meus diletos amigos. Eu
vos amei, desde toda a eternidade, filhos meus. E vos quero amar até o fim. Não
tendes nada maior do que isto. Mas ficaremos para sempre unidos, por meio do
milagre que agora Eu realizo.”
Jesus
toma nas mãos um pão inteiro e o põe sobre o cálice cheio. Abençoa oferece
tanto um como outro, depois parte o pão, toma na mão treze pedaços, dá, um por
um aos apóstolos dizendo: “Tomai e comei. Isto é o meu Corpo. Fazei isto em memória de
Mim, que vou-me embora.” Depois lhes passa o cálice,
dizendo: “Tomai
e bebei... Isto é o meu Sangue. Este é o cálice do novo pacto no Sangue e pelo
meu Sangue que será derramado por vós, para a remissão dos pecados, e para
dar-vos a vida. Fazei isto em memória de Mim, que me vou embora.”
Jesus
está muito triste. Todo sorriso, todo sinal de luz e de cor o abandonaram. Ele
já tem um rosto de agonizante. E os apóstolos o ficam olhando, angustiados.
Jesus se levanta, dizendo: “Não vos movais daqui. Eu volto logo.” Ele apanha o décimo terceiro pedacinho de pão, apanha o
cálice, e sai do Cenáculo.
“Ele vai
à Mãe”, sussurra João.
E Judas
Tadeu suspira: “Infeliz mulher! ”
Pedro
pergunta no mesmo instante: “Achas que ela esteja sabendo?”
“Ela sabe
tudo. Sempre tem sabido tudo.”
Todos
estão falando em voz muito baixa, como diante de um morto.
“Mas
acreditais mesmo que...”, pergunta Tomé, que ainda não quer crer.
“Tu
duvidas disso? Chegou a sua hora.”, responde Tiago de Zebedeu.
“Deus nos
dê a força de sermos fiéis”, diz Zelotes.
“Oh!
Eu...”, estava para falar Pedro. Mas João, que está atento, diz: “Silêncio. Ele
está aqui.” Jesus torna a entrar. Tem na mão o cálice vazio. Apenas no fundo há
uma sombra de vinho, e à luz do lampadário, parece mesmo ser sangue. Judas
Iscariotes, que está diante do cálice, olha para ele, como que fascinado, e
depois desvia dele o olhar. Jesus observou isso, e sente um calafrio que João,
que está apoiado ao peito dele, percebe “Mas fala! Tu estás estremecendo...”,
exclama ele.
“Não, não estou tremendo de febre. Eu
tudo vos disse, e tudo vos dei. Mais Eu não poderia dar-vos. Eu me dei a Mim
mesmo a vós.” Jesus conserva aquele seu gesto
gentil, com suas mãos, que antes Ele trazia juntas, mas agora se separam e se
alargam, enquanto sua cabeça se inclina e diz: “Perdoai, se não posso fazer
mais. Assim é. Tudo Eu vos disse, e tudo eu vos dei. E o repito. O novo rito
está estabelecido. Fazei isto em memória de Mim. Eu lavei os vossos pés para
ensinar-vos a serdes humildes e puros como o vosso Mestre. Porque em verdade eu
vos digo que, assim como é o Mestre, assim devem ser os discípulos. Lembrai-vos
disso. Mesmo quando estiverdes altamente colocados, lembrai-vos disso. Não há
discípulo que seja mais do que o Mestre. Como Eu vos lavei os pés, fazei-o
entre vós. Isto quer dizer: amai-vos como irmãos, ajudando-vos um ao outro,
respeitando-vos mutuamente, servindo cada um de exemplo para o outro. E sede
puros. Para serdes dignos de comer o Pão vivo descido do Céu, e terdes em vós,
e por Ele, a força de serdes meus discípulos neste mundo inimigo, que vos
odiará, por causa do meu Nome. Mas um de vós não é puro. Um de vós me trairá.
Por isto estou fortemente conturbado em meu espírito... A mão daquele que me
trai está comigo sobre esta mesa e nem o meu amor, nem o meu Corpo e o meu
Sangue, nem a minha palavra o corrigem nem o fazem arrepender-se. Eu o
perdoaria, e iria até à morte por ele também.”
Os
discípulos olham um para o outro, aterrorizados. Fazem perguntas uns aos
outros. Suspeitam um do outro. Pedro olha para Iscariotes, e aí despertam todas
as suas dúvidas. Judas Tadeu de repente fica de pé para, por sua vez, olhar,
por cima do corpo de Mateus. Mas Iscariotes está tão tranquilo, que, por sua
vez, olha para Mateus, como se suspeitasse dele. Depois ele olha para Jesus, e
sorri, perguntando: “Por acaso serei eu, Senhor?” Ele parece ser o mais firme
em sua honestidade e que ele fale assim somente para não deixar cair o assunto
da conversação. Jesus repete o seu gesto, dizendo: “Foste
tu mesmo que o disseste, Judas do Simão. E não Eu. Tu o dizes. Eu não falei o
teu nome. Por que é que te acusas? Pergunta ao teu conselheiro interior, à tua
consciência de homem, a consciência que Deus Pai te deu, para te conduzires
como homem, e escuta se ela te está acusando. E tu o ficaras sabendo, antes de
todos os outros. Mas se ela te garante que sim, porque é que ficas dizendo uma
palavra, e pensando num fato, que só ser dito por brincadeira, ou só pensar
nele já é uma maldição?
Jesus
fala com calma. Parece que Ele sustenta a tese proposta, como o pode fazer um
douto aos seus discípulos. O alvoroço é grande. Mas a calma de Jesus o aplaca.
Contudo, Pedro, que e o que mais suspeita de Judas - talvez Tadeu também o
seja, ainda que menos o pareça, desarmado como ele está, diante daquela desenvoltura
de Iscariotes - e ele puxa João pela manga, e, quando João, que está todo
abraçado com Jesus, se vira, por ter ouvido falar de traição, ele lhe diz em
voz baixa: “Pergunta a Ele quem é.”
João toma
sua posição anterior, e apenas levanta levemente a cabeça, como se fosse beijar
a Jesus, e, nessa posição, murmura ao ouvido dele: “Mestre, quem é?” E Jesus,
em voz muito baixa, dando-lhe um beijo por entre os cabelos, lhe diz: “É
aquele a quem Eu vou dar um pedaço de pão passado no molho.” E, tendo apanhado um pão ainda inteiro, e não o resto
daquele que foi usado para a Eucaristia, tira dele um bom pedaço, toca com ele
no molho deixado no tabuleiro, estende o braço por cima da mesa, e diz: “Toma,
Judas, Tu gostas disso.”
“Obrigado,
Mestre. Eu gosto, sim!”, e sem saber a razão pela qual lhe está sendo oferecido
aquele bocado, ele o come, enquanto João, horrorizado, até fecha os olhos para
não ver o feio riso de Iscariotes, enquanto, com seus fortes dentes, morde o
pão que o acusa.
“Bem. Agora que Eu te fiz feliz, vai”, diz Jesus a Judas. “Tudo aqui está feito.” (E Jesus destaca bem esta palavra). E o que
falta ainda fazer, vai fazê-lo logo em outro lugar, Judas de Simão.”
“Eu te
obedeço logo, Mestre. Depois eu te alcançarei no Getsemani. Vais para lá, não é
verdade? Como sempre?”
“Vou para lá... como sempre... sim.”
“Que é
que ele vai fazer?”, pergunta Pedro. “Ele vai sozinho?”
“Eu não
sou uma criança”, diz, zombeteiro, Judas, que já está pondo o seu manto.
“Deixa-o ir. Eu e ele sabemos o que é
para se fazer”, diz Jesus.
“Sim,
Mestre.” Pedro se cala. Talvez tenha ficado pensando ter pecado por sua
suspeita contra o companheiro. E, com a mão sobre a fronte, ele continua a
pensar. Jesus aperta João sobre o seu coração, e torna a sussurrar-lhe por
entre os cabelos: “Não digas nada a Pedro, por enquanto. Seria um escândalo
inútil.”
“Adeus,
Mestre. Adeus, amigos.”, saudou-os Judas.
“Adeus”,
diz Jesus.
E Pedro
diz: “Eu te saúdo, rapaz.”
João, com
a cabeça no colo de Jesus, é quem o ouve, e suspira. Há alguns minutos de
completo silêncio. Jesus está com a cabeça inclinada, acariciando
distraidamente os cabelos louros de João. Depois Ele volta a Si. Levanta a
cabeça, corre o olhar ao redor, e mostra um sorriso que conforta os discípulos.
Ele diz: “Vamos
deixar a mesa, e sentemos todos bem perto um do outro, como uns filhos ao redor
de seu pai”. Eles pegam os leitos-cadeiras, que
estavam atrás da mesa (os de Jesus, de João, de Tiago, de Pedro de Simão, do
André e do primo Tiago) e os levam para o outro lado. Jesus vai para o seu
lugar, sempre entre Tiago e João. Mas, quando vê que André vai sentar-se no
lugar deixado pelo Iscariotes, grita: “Não. aí não.” É um grito impulsivo, que sua grande prudência não
conseguiu impedir. Depois muda o modo de falar, e diz: “Não precisamos
de tanto espaço. Estando sentados, podemos estar assim. Isto basta. Eu vos
quero bem perto um do outro.”
Ora, a
respeito da mesa, estão colocadas assim: Ou seja, estão nesta forma I_I, com
Jesus ao centro, e tendo em frente à mesa, já vazia de comidas, e o lugar de
Judas.
Tiago de
Zebedeu chama Pedro: “Vem sentar-te aqui. Eu me assento sobre este pequeno
escabelo, aos pés de Jesus.”
“Que Deus
te abençoe, Tiago! Eu estava com tanta vontade de fazer isso!”, diz Pedro, e se
aproxima mais do seu Mestre, que fica assim, entre o aperto de João e o de
Pedro, ficando Tiago aos seus pés.
Jesus
sorri: “Estou
vendo que começa a produzir efeito a palavra que Eu disse antes os bons irmãos
se amam. E Eu até te digo, Tiago: “Que Deus te abençoe.” Também este teu gesto
não ficara esquecido pelo Eterno, e tu o acharás lá em cima.
Tudo Eu posso ter daquilo que Eu peço.
Vós já o vistes. Bastou um meu desejo, para que o Pai concedesse ao Filho poder
dar- se como alimento ao homem. Com o que aconteceu agora o Filho do homem foi
glorificado, porque é um testemunho de poder o milagre, e esse não e possível
realizar-se como que não são amigos de Deus. Quanto maior for o milagre, mais
firme e profunda se torna esta divina amizade. Este é um milagre que, pela sua
forma, duração e natureza, pelos extremos a que ele chega e os limites que ele
atinge, não pode haver outro maior. Eu vo-lo digo: é tão poderoso,
sobrenatural, inconcebível para o homem soberbo, que poucos o compreenderão
como deve ser compreendido, e muitos o negarão. E, que direi Eu, então?
Condenação para eles? Não. Eu direi: piedade!
Mas, quanto maior for o milagre, maior
é a glória que ao autor dele vem. E é o próprio Deus quem diz: “Aí está. Este
meu querido quis ter isto, e ele o teve, e Eu lho concedi, porque ele tem uma
grande graça diante dos meus olhos." E no caso presente Ele diz: “Recebe
uma graça sem limites, pois é sem limites o milagre por Ele operado. Igual à
glória, que se reverte sobre o autor do milagre da parte de Deus, é a glória
que desse autor reverte sobre o Pai. Porque toda glória sobrenatural, sendo
vinda de Deus, volta para sua nascente. E a glória de Deus, ainda que já seja
infinita, sempre aumenta e brilha pela glória dos seus santos. Por isso, Eu
digo: como foi glorificado o Filho do homem-, assim Deus foi glorificado pelo
Filho do homem. Eu glorifiquei a Deus em Mim mesmo. E, por sua vez, Deus
glorificará o seu Filho nele. E daqui a pouco o glorificará.
Alegra-te, Tu que estás de volta para a
tua Sede, é Essência espiritual da segunda Pessoa! Ó carne que tornas a subir,
depois de tanto tempo na lama. E não é somente o Paraíso de Adão, mas o excelso
Paraíso do Pai, que vai ser-te dado como morada. Porque, se foi dito que, pelo
assombro de uma obra de Deus, dada pela boca de um homem, o sol parou, que é
que haverá entre os astros, quando virem o prodígio da Carne do Homem, subindo
para ir sentar-se à direita do Pai, em sua perfeição de uma matéria
glorificada?
Meus filhinhos, ainda por um pouco de
tempo Eu estou convosco. E vós depois ficareis Me procurando, como os órfãos
que procuram seu pai que morreu. E chorando, andareis falando dele, e batereis
em vão no mudo sepulcro, e depois batereis nas portas azuis do Céus, com vossa
alma prostrada numa suplicante busca de amor e dizendo: “Onde está o nosso
Jesus? Nós o queremos. Sem Ele não há mais luz no mundo, nem alegria, nem amor,
ou no-lo entregais, ou, então deixai-nos entrar. Nós queremos estar onde Ele
está.” Mas vos não podeis, por enquanto, ir aonde Eu vou. Eu já o disse também
aos judeus: “Depois me procurareis, mas aonde Eu vou, vós não podeis ir!
"E o digo a vós também.
Pensai na Mãe. Nem Ela poderá ir aonde
Eu vou. E, no entanto, Eu deixei o Pai, para vir a Ela e fazer-me Jesus em seu
seio sem mancha. E assim da Inviolada é que Eu vim, no êxtase luminoso do meu
Natal e do seu amor, que se transformou em leite, foi que Eu me nutri. Eu fui
feito de pureza e de amor, porque Maria me nutriu com sua virgindade fecundada
pelo Amor perfeito, que vive no Céu. Por Ela é que Eu cresci, custando-lhe
fadigas e lágrimas... Contudo, eu exijo dela um heroísmo tal, como nunca houve
quem exercesse, e em comparação com o qual, o de Judite, e o de Jael são
heroísmos de umas pobres mulheres, que são contrastantes à sua rival. E, não
obstante isso, Eu a deixo, e vou para o lugar aonde Ela só irá daqui a muito
tempo. Não há de ser para Ela a ordem que agora Eu vos dou: “Santificai-vos ano
por ano, mês por mês, hora por hora, para poderdes vir a mim, quando chegar a
vossa hora.” Nela está toda graça e santidade. É a criatura que tudo teve e que
tudo deu. Nada lhe é necessário acrescentar, nem tirar. Ela é o Santíssimo
testemunho do que Deus pode fazer.
Mas para ficar certo de que em vós haja
capacidade de poderdes chegar até mim e de vos esquecerdes da dor pelo luto,
pela vossa separação do vosso Jesus, Eu vos dou um mandamento novo. E é que vos
ameis uns aos outros. Assim como Eu vos amei, igualmente amai-vos um ao outro.
Por aí é que se conhecerá se sois meus discípulos. Quando um pai tem muitos
filhos, por onde é que se conhece quais são eles? Não é somente pelo aspecto
físico, pois há homens que são em tudo parecidos com algum outro homem, com o
qual eles não têm nenhum relacionamento pelo sangue, nem de nação, mas é mais
pelo amor de todos à família, ao pai deles e entre si. E, mesmo que o pai
morra, a boa família não se desune, porque seu sangue é o mesmo, é sempre
aquele recebido da semente do pai e forma uniões que nem a morte desfaz porque
mais forte que a morte é o amor. Assim também, se vós me amardes de pois que Eu
vos tiver deixado, todos reconhecerão que vos sois meus filhos e que por isso
sois meus discípulos e irmãos entre vós e que tivestes um só pai.”
“Senhor
Jesus, mas para onde vais?” - pergunta Pedro.
“Eu vou para onde, por enquanto, não me
podes acompanhar. Mas mais tarde me acompanharás...”
“E por
que não agora? Eu te acompanhei sempre, desde aquele dia em que me disseste:
“Acompanha-me”. Eu deixei tudo, sem ficar com saudade... Agora, ires Tu sem o
teu pobre Simão, deixando-me privado de tua companhia, de Ti, que és o meu
Tudo, depois de por Ti eu ter deixado os meus poucos bens de antes, não é bom,
nem fica bonito da tua parte. Vais morrer? Está bem. Mas eu também vou. Iremos
juntos para o outro mundo. Mas antes eu te defenderei. Estou pronto a dar vida
por Ti.”
“Tu darás a vida por mim? Agora? Agora,
não. Em verdade, oh! Eu em verdade te digo: O galo ainda não terá cantado, e tu
já me terás renegado três vezes. Agora estamos ainda na primeira vigília.
Depois virá a segunda... e depois a terceira. Antes que ouçamos o cantar do
galo, tu, por três vezes já terás renegado ao teu Senhor.”
“É
impossível, Mestre. Eu creio em tudo o que dizes. Mas nisto, não. Eu estou
seguro de mim mesmo.”
“Agora, por enquanto, estás seguro, mas
é porque, por enquanto ainda me tens a mim. Tens a Deus contigo. Daqui a pouco,
o Deus Encarnado será preso, e não o tereis mais. E Satanás, depois de vos ter
já enganado - e até esta tua segurança já é uma astúcia de Satanás, como um
embaraço para vos enganar - vos amedrontará. Ele vos insinuará que “Deus não
existe. Mas eu, sim.” E, assim como, por mais obtusos que estiverdes pelo
espanto, ainda raciocinareis e compreendereis que, quando Satanás é o dono da
hora, o Bem morreu, e quem trabalha é o Mal, então abate-se no homem o seu
espírito, e só triunfa sua parte humana. Então, ficareis como uns guerreiros
sem chefe, perseguidos pelo inimigo e, com um desânimo de vencidos, curvareis
vossos pescoços diante do vencedor e, para não serdes mortos, renegareis o
herói que caiu.
“Mas Eu vos peço uma coisa... Que o
vosso coração não se perturbe. Crede em Deus. E crede também em mim. E creia na
minha misericórdia e na do Pai, tanto aquele que ficar como o que fugir. Tanto
o que se cala, como o que vai abrir a boca para dizer: “Eu não o conheço.”
Crede igualmente no meu perdão. E crede que, sejam quais forem no futuro as
vossas ações, elas vos darão um lugar igual no Céu.
Na Casa de meu Pai há muitas moradas.
Se assim não fosse, eu vo-lo teria dito. Porque Eu vou na vossa frente, a fim
de preparar um lugar para vós. Não é assim que os bons pais fazem, quando
precisam levar para outro lugar os seus filhos pequemos? Eles vão na frente,
preparam a casa, os móveis e o abastecimento. Depois é que voltam para levar
seus caros filhinhos. Assim fazem por amor. Para que nada falte aos pequeninos,
e eles não se sintam em necessidade no novo lugar. É assim que Eu também faço.
E pelo mesmo motivo. Agora Eu me vou. E, quando tiver preparado a cada um o seu
lugar na Jerusalém celeste, virei de novo, e vos tomarei comigo, para que
estejais comigo onde Eu estou, onde não haverá morte, nem luto, nem lágrimas,
nem gritos, nem fome, nem dor, nem trevas, nem calor, mas somente luz, paz,
felicidade e canto.
Oh! O canto dos Céus Altíssimos, quando
os doze eleitos estarão em seus tronos com os doze patriarcas da tribos de
Israel, e, no ardor do fogo do amor espiritual, eles cantarão, elevados sobre
mar da felicidade, o canto eterno, que terá como eternos arpejos o eterno
aleluia do exército angélico...
Eu quero que onde Eu estiver vos
estejais também. E vós sabeis para onde é que Eu vou, e conheceis o caminho
para lá.”
“Mas,
Senhor! Nós não sabemos nada. Tu não nos dizes para onde vais. Como e que nós
podemos saber o caminho que devemos tomar, a fim de irmos para Ti, e abreviar a
espera?”, pergunta Tomé.
“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida.
Vós já me ouvistes dizer e explicar isso muitas vezes, mas, na verdade, alguns,
que nem sabiam que existe um Deus, se encaminharam para a frente. Oh! Onde
estás tu, ó ovelha separada de Deus, e que Eu reconduzi ao aprisco? E tu,
renascida em tua alma, onde é que estás?”
“Quem é?
De quem estás falando? Será Maria de Lázaro? Ela está lá com a tua Mãe. Queres
que a chamemos? Ou será Joana? Esta com certeza está em seu palácio. Mas, se
queres, nós a iremos chamar...”
“Não... Não são estas. Eu estou
pensando naquela que só será revelada no Céu... e na Fotinai... Essas me
encontraram. E não deixaram nunca o meu caminho. A uma Eu indiquei o Pai como
Deus e Espírito como um levita nesta adoração individual. E à outra, que nem
mesmo sabia que existe um Espírito, Eu disse: “O meu nome é Salvador, e Eu
salvo aos que têm a boa vontade de serem salvos. Eu sou Aquele que procura os
perdidos, e que dá a Vida, a Verdade e a Pureza. Quem me procura, me acha.” E
os dois, encontraram a Deus... Eu vos abençoo, ó frágeis Evas, que vos
tornastes mais fortes do que Judite. Eu vou aonde vós estiverdes, Eu vou... Vós
me consolais. Sede benditas! ”
“Mostra-nos
o Pai, Senhor, e seremos como estas”, diz Filipe.
“Há tanto tempo que eu estou convosco,
e tu, Filipe, ainda não me conheceste? Quem me vê, vê o Pai. Por isso, como e
que podes dizer: “Mostra-nos o Pai”? Não consegues crer que Eu estou no Pai, e
que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo, não as digo por mim. Mas é
o Pai, que está em mim, que realiza todas as minhas obras. E vós não credes que
eu estou no Pai e que o Pai está em mim? O que Eu devo dizer e fazer, para
crerdes em mim? Mas se não credes nas palavras, crede pelo menos nas obras. Eu
vos digo, vos digo com verdade: quem crê em mim fará as obras que eu faço, e
fará até maiores, pois Eu vou para o Pai. E tudo o que pedirdes ao Pai em meu
Nome, Eu o farei para que o Pai seja glorificado em seu Filho. E farei tudo o
que me pedirdes em nome do meu Nome... O meu Nome é conhecido por aquilo que
ele realmente é, somente por mim, pelo Pai que me gerou, e pelo Espírito, que
procede do nosso amor. E por esse Nome tudo é possível. Quem pensa em meu Nome
com amor, me ama, e recebe. Mas, não basta amar-me, é preciso observar os meus
mandamentos para se ter o verdadeiro amor. São as obras que dão testemunho dos
sentimentos. E por esse amor Eu pedirei ao Pai, e Ele vos dará um outro
Consolador que fique para sempre convosco, é Um sobre o qual Satanás e o mundo
não podem influir, é o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, nem
pode ferir porque não o vê, nem o conhece. Zombará dele. Mas Ele é tão excelso,
que a zombaria não o poderá atingir, enquanto, que, piedosíssimo acima de toda
medida, estará sempre com quem o ama, mesmo que seja um pobre e fraco. Vós o
conhecereis, porque já mora convosco, e logo estará em vós.
Eu não vos deixarei órfãos. Eu já vos
disse: Voltarei a vós. Mas antes que seja a hora de vir a vós, e elevar-vos
para o meu Reino, Eu virei. A vós virei. Daqui a pouco o mundo não me verá
mais. Mas vós me estais vendo e me vereis. Porque Eu vivo, e vós também viveis.
Pois Eu viverei, e vós também vivereis. Naquele dia vos conhecereis que Eu
estou no meu Pai, e vós em mim, e Eu em vós. Porque quem aceita os meus
preceitos e os guarda, esse é que me ama, e quem me ama será i amado por meu
Pai e possuirá a Deus, porque Deus é caridade, e quem o ama tem a Deus em si. E
Eu o amarei porque nele verei a Deus, e me manifestarei a ele, fazendo-me
conhecer nos segredos do meu amor, da minha sabedoria, da minha Divindade
Encarnada. As vezes que voltarei ao meio dos filhos dos homens, ainda que eles
sejam fracos e até inimigos, serão meus. - mas eles serão somente fraquezas. E
Eu os fortificarei. Eu lhes direi: Levanta-te! Direi: Vem para fora! Direi:
Acompanha-me! Direi: Escuta! Direi: Escreve! E vós estareis entre eles.”
“Por que,
Senhor, Tu te manifestas a nós, e não ao mundo?”, pergunta o Judas Tadeu.
“Porque vos me amais e prestais atenção
em minhas palavras. Quem assim fizer, será amado pelo Pai, e Nós viremos a ele,
e faremos nele a nossa morada, mas quem não me ama não observa as minhas
palavras, mas age conforme os desejos da carne e do mundo. Agora ficai sabendo
que isso que Eu vos disse não é a palavra de Jesus Nazareno, mas é a palavra do
Pai, porque Eu sou o Verbo do Pai que me enviou. Eu vos disse estas coisas,
falando assim convosco, porque Eu mesmo quero preparar-vos para a posse
completa da Verdade e da Sabedoria. Mas ainda não podeis entender nem lembrar.
Quando, porém, vier o Consolador, o Espírito Santo que o Pai mandará em meu
Nome, então vós podereis entender, e Ele tudo vos ensinará, e vos fará
lembrar-vos de tudo o que Eu vos disse.
Eu vos deixo a minha paz, Eu não vo-la
dou como a dá o mundo. E nem mesmo como o mundo até agora vo-la tem dado. É a
saudação bendita do que é Bendito aos seus benditos. Mais profunda é a paz que
Eu agora vos dou. Neste adeus Eu vos comunico a Mim mesmo, o meu Espírito de
paz, assim como vos comuniquei o meu Corpo e o meu Sangue, para que em vós
fique uma força para a batalha que está iminente. Satanás e o mundo fazem
guerra ao vosso Jesus. Agora é a hora deles. Tende em vós a Paz, o meu espírito
que é espírito de paz, por que Eu sou o Rei da Paz. Tende-a para que não sejais
abandonados demais. Quem sofre com a paz de Deus em si, sofre, mas não blasfema
nem se desespera.
“Não choreis. Ouvistes bem o que Eu
disse: “Eu vou para o Pai, e depois voltarei. Se Me amásseis mais do que à
carne, vos alegraríeis porque Eu vou para o Pai, depois deste longo exílio...
Eu vou para Aquele, que é maior do que Eu, e que me ama. Eu vo-lo disse agora,
antes que isso aconteça, assim como eu vos falei de todos os sofrimentos do
Redentor, antes de Eu ir ao encontro deles, para que, quando tudo se cumprir,
vós creiais sempre mais em mim. Não vos perturbeis assim! Não vos atemorizeis
tanto assim. O vosso coração precisa de firmeza.”
Pouco mais Eu tenho ainda que
falar-vos... Mas Eu tenho ainda muitas coisas a dizer-vos. Tendo chegado ao fim
desta minha pregação, parece-me não ter ainda dito nada, e que muito, muito,
muito mesmo ainda fique por vos ser recomendado. E, tendo chegado ao fim desta
minha pregação, parece-me não ter ainda dito nada, e que muito, muito, muito
mesmo ainda reste por fazer. O vosso estado ainda aumenta esta minha
preocupação. Que direi, então? Direi que faltei com o meu dever? ou direi que
vos sois tão duros de coração, que de nada valeu o que Eu fiz? Deverei duvidar?
Não. Eu confio em Deus, e vos confio a Ele, pois sois meus diletos. Ele
completará a obra do seu Verbo. Eu não sou como um pai que morre, mas sem ter
outra luz, senão a humana. Eu espero em Deus.
E, mesmo percebendo em mim serem
urgentemente necessários todos os conselhos, dos quais vejo que precisais, e
percebendo que o tempo vai passando, vou tranquilamente ao encontro de minha
sorte. Eu sei que sobre as sementes que caíram em vós, está para cair um
orvalho que fará que todas germinem, e depois virá o Sol do Paráclito, e elas
se tornarão árvores robustas. Já está para chegar o príncipe deste mundo,
aquele com o qual Eu não tenho nada que fazer. E, se não fosse necessário para
a redenção, ele não teria podido nada contra mim. Mas isso acontece, a fim de
que o mundo conheça que Eu amo ao Pai, e O amo até à obediência quanto à morte,
e por isso faço o que me foi ordenado.
Já é hora de andarmos. Levantai-vos. E
ouvi as minhas últimas palavras. Eu sou a verdadeira videira. E o meu Pai é o
Cultivador dela. Todo ramo que não tiver fruto Ele o corta, e o que tiver fruto
ele o poda, para que tenha mais fruto ainda. Vós já estais purificados pela
minha palavra. Permanecei em mim, e Eu em vós, para continuardes a ser assim. O
ramo arrancado da videira não pode dar fruto. Assim vós sereis, se não
permanecerdes em mim. Eu sou a videira, e vós sois os ramos. Aquele que fica
unido a mim fica carregado com abundantes frutos. Mas, se um é arrancado,
torna-se um ramo seco, e é jogado no fogo, e se queima. Porque, sem união
comigo, vós nada podeis fazer. Permanecei, pois, em mim, e que as minhas
palavras fiquem em vós, e depois pedi tudo o que quiserdes e vos será
concedido. Meu Pai será sempre mais glorificado, quanto mais frutos
apresentardes, e vós sereis meus discípulos.
Como o Pai me amou, assim Eu vos amo.
Permanecei no meu amor que salva. Amando-me, vos sereis obedientes, e a
obediência aumenta o amor recíproco. E não digais que Eu fico me repetindo. Eu
sei qual é a vossa fraqueza. E quero que vos salveis. Eu vos digo estas coisas
para que a alegria que Eu os quis dar esteja em vós, e seja completa. Amai-vos,
amai-vos. Este é o meu mandamento novo. Amai-vos reciprocamente, mais do que o
tanto que cada um queira amar a si mesmo. Não há maior amor do que o de quem dá
a sua vida pelos seus amigos Vós sois meus amigos, e Eu dou a minha vida por
vós. Fazei o que Eu vos ensino e ordeno.
Eu não vos chamo mais meus servos.
Porque o servo não sabe que é que seu patrão está fazendo, ao passo que vós,
sim, sabeis o que Eu estou fazendo. Vós sabeis tudo sobre mim. Eu vos
manifestei não somente a mim mesmo, mas também ao Vai e ao Paráclito e tudo o
que Eu ouvi de Deus. Não fostes vos que vos escolhestes. Mas Eu vos separei, e
vos escolhi, para que vades por entre os povos e produzais frutos para vós e
para os corações dos evangelizados, e para que o vosso fruto permaneça, e o Pai
vos dê tudo aquilo que lhe pedirdes em meu Nome. Não digais assim: “E, então,
se Tu nos escolheste, por que é que escolheste também um traidor? Se Tu tudo
sabes, por que é que fizeste isso?” Vós não vos perguntais quem é esse homem.
Ele não é um homem. Mas é Satanás. Eu o chamei de amigo fiel, e permiti que o
dissesse. Mas Satanás. Se Satanás, o eterno imitador de Deus, não se tivesse
encarnado em um corpo mortal possuído por ele, não poderia ter escapado do meu
poder. Se Satanás não se tivesse encarnado nele, em um corpo mortal, esse homem
possuído por ele não poderia ter escapado do meu poder, do poder de Jesus. Eu
disse “possuído”. Não é muito pior. Ele se anulou em Satanás.”
“Por que
Tu, que expulsaste os demônios, não o livraste?”, pergunta Tiago do Alfeu.
“Tu assim perguntas por amor a ti, e
tendo medo de seres como ele? Não tenhas medo.”
“Então,
eu sou?”
“E eu?”
“E eu?”
“Calai-vos. Eu não digo o nome dele. Eu
uso de misericórdia, e vós fazei o mesmo.”
Mas,
porque não o venceste? Não podias?”
“Eu podia. Mas, para impedir que
Satanás se encarnasse para matar-me, Eu teria devido exterminar a raça do
homem, antes da Redenção. E assim a quem é que eu teria redimido?”
“Dize-o a
Mim, Senhor, dize-o!”, e Pedro está de joelhos, e começa a sacudir a Jesus
freneticamente, como se estivesse dominado por um delírio.” Sou eu? Sou eu?
Devo examinar-me? Não me parece. Mas Tu... Tu disseste que eu te renegarei...
Eu fico tremendo... Oh! Que horror! Se for eu! ...”
“Não, Simão do Jonas. Não és tu.”
“E, por
que e que me tiraste agora o nome de “Pedra”'? Então, tornei a virar Simão?
Estás vendo? Tu o dizes! Sou eu. Mas, como foi que eu pude? Dizei-o, dizei-o,
vós. Quando foi que eu pude tornar-me um traidor? Hein, é Simão? Hein, João...
Falai, vós!”
“Pedro, Pedro, Pedro! Eu te chamo
Simão, porque penso em nosso primeiro encontro, quando eras Simão. E, visto
teres sido sempre fiel, desde o primeiro momento, não és tu. Eu, que sou a
verdade, o digo.”
“Então,
quem é?”
“Ora, é Judas de Keriot. Ainda não
entendeste?”, grita Tadeu, que não consegue mais se
conter.
“Por que
não me disseste isso antes? Por que?” Grita também Pedro.
“Silêncio É Satanás. Não tem outro
nome. Aonde vais, Pedro?
“Vou
procurá-lo.” '
“Deixa logo aí esse manto e essa arma.
Ou será que eu tenho que te expulsar e amaldiçoar?”
“Não,
não! Oh! Senhor meu! Mas eu... Mas eu... Será que eu estou passando por um
delírio? Oh! Oh!”, e Pedro, lançado por terra, chora aos pés de Jesus.
“Eu vos dou o mandamento de amar-vos. E
de perdoar-vos. Entendestes? Se no mundo existe o ódio, entre vos exista o
amor. Para com todos. Quantos traidores encontrareis em vosso caminho! Mas não
os deveis odiar, nem pagar-lhes mal com mal. Se assim não for, o Pai vos
odiará. Antes de vós Eu fui odiado e fui traído. E, no entanto, vós o estais
vendo: Eu não odeio. O mundo não pode amar o que não é como ele. Por isso não
vos amará. Se fôsseis dele, ele vos amaria, mas vós não sois do mundo, pois Eu
vos tirei do meio do mundo. Foi por isso que Eu vos disse: o servo não é mais
do que o seu patrão. Se perseguiram a Mim, perseguirão a vós também. Se me
tiverem escutado, vos escutarão também. Mas tudo farão por causa do meu Nome,
porque eles não conhecem, nem querem conhecer Aquele que me enviou. Se Eu não
tivesse vindo, e não tivesse falado, eles não seriam culpados. Mas agora o
pecado deles é sem desculpa. Eles viram minhas obras, ouviram as minhas
palavras e assim mesmo me odiaram, e comigo também ao Pai. Porque eu e o Pai
somos uma só unidade, juntos com o Amor. Estava, porém, escrito: “Odiastes-me
sem razão. Mas, quando vier o Consolador, o Espírito da Verdade que do Pai
procede, será por Ele dado um testemunho de Mim, e vós também sereis
testemunhas de Mim, por que desde o princípio estivestes comigo.
Isto Eu vos digo para que, quando
chegar a hora, não fiqueis abatidos e escandalizados. Está para chegar o tempo
no qual vos expulsarão das sinagogas e em que quem vos matar ainda pensará
estar dando um culto a Deus, assim fazendo. Eles não conheceram nem ao Pai, nem
a Mim. E por isso eles serão escusados. Eu não vos disse estas coisas, assim
tão amplamente, antes da hora, porque vos, éreis como uns meninos que mal
acabaram de nascer. Mas agora a mãe vos deixa. E Eu me vou. Deveis acostumar-vos
com um outro alimento. E Eu quero que o conheçais.
Ninguém mais me pergunta: “Para onde
vais?” A tristeza faz que fiqueis mudos. Contudo, é bom também para vos que Eu
me vá. Senão, o Consolador não virá. Mas Eu vo-lo enviarei. E, quando Ele tiver
vindo, através da sabedoria e da palavra, as obras e o heroísmo, que infundirá
em vós. Ele convencera o mundo de seu pecado de deicídio e do julgamento feito
sobre minha santidade. E o mundo ficará claramente dividido em réprobos
inimigos de Deus e nos que acreditam... Estes serão uns mais e outros menos
santos, dependendo de sua vontade. Mas o julgamento do príncipe deste mundo e
de seus servos há de ser feito. Mais do que isso Eu não posso dizer-vos, porque
ainda não podeis entender. Mas Ele, o Divino Paráclito, vos dará a Verdade
inteira, porque não falará de Si mesmo. Mas dirá tudo aquilo que tiver ouvido
da Mente de Deus e vos anunciará o futuro. Ele tomará o que vem de mim, ou
seja, o que ainda é do Pai, e vo-lo dirá. Ainda por um pouco, nós nos vemos. Depois,
não me vereis mais. E, depois de passar um pouco, me tornareis a ver.
Vós estais murmurando entre vós e em
vossos corações. Ouvi uma parábola. É a última do vosso Mestre: Quando uma mãe
concebeu, e chegou a hora do parto, ela fica em grande aflição, sofrendo e
gemendo. Mas, quando o pequenino filho é dado à luz, ela o aperta sobre o seu
coração, e todo o seu sofrimento cessa e se transforma em alegria, porque veio
um homem ao mundo.
Assim sucede convosco. Chorareis, e o
mundo se rira de vós. Mas depois vossa tristeza se transformará em alegria. Uma
alegria que o mundo não conhecerá. Agora vós estais tristes. Mas, quando me
tornardes a ver, o vosso coração ficará cheio de um regozijo tal, que ninguém
será capaz de vo-lo arrebatar. Será uma alegria tão completa, que fará
desaparecer em vós toda necessidade de fazer perguntas, tanto sobre a mente,
como sobre o coração e a carne. Somente vos alimentareis pelo fato de me
verdes, e vos esquecereis de tudo mais. Mas justamente a partir de então
podereis pedir em meu Nome, e vos será dado pelo Pai, a fim de que tenhais
sempre mais alegria. Pedi, pedi e recebereis.
Vem chegando a hora em que Eu poderei
falar-vos abertamente do Pai. Será porque tereis sido fiéis na prova, e tudo
terá passado. Portanto, perfeito será o vosso amor, porque vos terá dado força
na prova. E o que vos estiver faltando Eu vo-lo acrescentarei, tirando-o do meu
grande tesouro, e dizendo: “Pai, tu o estás vendo. Eles me amaram, ao crerem
que Eu vim de Ti.” Tendo descido a este mundo, agora o deixo, e vou para o Pai,
e rezarei por vós.”
“Que bom!
Agora Tu te explicas. Agora sabemos o que queres dizer e que Tu tudo sabes, e
respondes sem que ninguém te pergunte. Verdadeiramente, Tu vens de Deus! ”
“Agora credes? Na última hora? Há três
anos que Eu vos venho falando! Mas é que em vós já está operando o Pão que é
Deus e o Vinho que é Sangue que não veio do homem, e vos dá o primeiro calafrio
da divinização. Vós vos tornareis deuses se perseverardes em meu amor e na
minha posse. Não como Satanás o disse a Adão e Eva, mas como Eu vos digo: o
verdadeiro fruto da árvore do Bem e da Vida. O mal é vencido em quem, se
alimenta com ele e a morte fica morta. Quem dele comer dele viverá para sempre
e se tornara deus”, no Reino de Deus. Vós sereis deuses, se permanecerdes em mim.
Contudo, eis que... mesmo tendo em vós este Pão se este Sangue, está chegando a
hora em que sereis espalhados, em que andareis indo por onde quiserdes, e me
deixareis sozinho... Mas Eu não estou sozinho. Eu tenho o Pai comigo. Pai, Pai!
Não me abandones. Tudo Eu vos disse. Para dar-vos a paz. A minha paz. Ainda
sereis oprimidos. Mas tende fé. Eu venci o mundo.”
Jesus se
levanta, abre os braços em cruz, e diz, com o rosto iluminado, a sublime oração
ao Pai. João no-la transmitiu integralmente. Os apóstolos choram, mais ou menos
visivelmente e com algum rumor. Em último lugar, cantam um hino.
Jesus os
abençoa. E depois lhes dá esta ordem: “Ponhamos nossos mantos agora, E vamos
para a frente. André, vai dizer ao chefe da casa que deixe tudo assim, pois
assim desejo. Amanha... vos dará prazer tornar a ver este lugar.” E Jesus olha para ele, e parece estar abençoando as
paredes, os móveis, tudo. Depois veste o seu manto, põe-se a caminho,
acompanhado pelos discípulos.
Ao lado
dele está João, no qual Ele se apoia.
“Não vais
saudar a Mãe?”, pergunta-lhe o filho de Zebedeu.
“Não Tudo já foi feito. Ide mais
devagar.”
Simão,
que acendeu uma tocha na lâmpada, ilumina o amplo corredor que vai até à porta.
Pedro abre com cuidado o portão e saem todos para a rua. Depois, fazendo uso de
uma aldrava, fecham o portão por fora. E se põem a caminho.
Diz
Jesus:
“Do episódio da Ceia, além da
consideração da caridade de um Deus que se faz alimento para os homens, põem-se
em evidência quatro ensinamentos principais:
Primeiro: a
necessidade para todos os filhos de Deus de obediência à Lei. A Lei dizia que
se devia pela Páscoa consumir o cordeiro, segundo o ritual dado pelo Altíssimo
a Moisés, e Eu, Filho verdadeiro do Deus Verdadeiro, não me julguei, por minha qualidade
divina, estar isento dessa Lei. Eu estava na Terra como um homem entre os
homens e Mestre dos homens. Por isso, Eu devia cumprir meu dever de homem para
com Deus, como e melhor do que os outros, os favores divinos, não eximem da
obediência nem do esforço de procurar uma santidade cada vez maior. Se
comparais a mais excelsa santidade com a perfeição divina, sempre a
encontrareis cheia de defeitos, e por isso obrigada a esforçar-se a si mesma
para eliminá-los e a procurar atingir um grau de perfeição, tanto quanto for
possível, semelhante ao de Deus.
Segundo: o
poder da oração de Maria. Eu era Deus feito carne. Uma carne que por ser sem
mancha, possuía a força espiritual para dominar a carne. Contudo, Eu não
recuso, mas, pelo contrário, até invoco a ajuda da Cheia de Graça, a qual,
mesmo naquela hora da expiação, teria encontrado, é verdade, o Céu fechado
dobre sua cabeça, mas não tanto, a ponto de Ela não conseguir arrebatar dele um
anjo, Ela, a Rainha dos Anjos, para o conforto de seu Filho. Oh! Isso não foi
para Ela, pobre Mãe! Pois também Ela teve que sentir o sabor amargo do abandono
do Pai, mas, por aquela sua dor, oferecida para a Redenção, Ela me conseguiu a
graça de poder passar pela angústia do Horto das Oliveiras e de levar a termo a
Paixão em todas suas multiformes asperezas, das quais cada uma estava destinada
a lavar uma forma e um meio de pecado.
Terceiro: O
domínio sobre nós mesmos e aceitando o sofrimento pela ofensa, que é a caridade
mais sublime de todas, e que sé pode ser praticada unicamente por aqueles que
fazem de sua vida a Lei da Caridade que Eu tanto havia apregoado.
E não só apregoado, mas praticado realmente
o que tenha sido para mim ter comigo a minha mesa o meu Traidor, o dever de
dar-me a Ele, de humilhar-me diante dele, de dividir com ele o cálice ritual, e
pôr os meus lábios onde ele havia posto os dele, e fazer que minha Mãe fizesse
o mesmo é coisa em que vós nem podeis pensar. Os vossos médicos discutiram, e
ainda discutem sobre o meu rápido fim, e acham que a origem disso estava em uma
lesão cardíaca, devida às pancadas recebidas na flagelação. Sim, é verdade que
também por isso o meu corpo ficou enfraquecido. Mas ele já estava assim desde a
Ceia. Ele foi sendo despedaçado pelo esforço que Eu fazia para ter ao meu lado
o Traidor. Foi assim que Eu comecei a morrer fisicamente. Tudo mais não foi
senão um aumento da agonia que já havia começado. Tudo o que Eu pude fazer Eu o
fiz, porque eu era alguém que tinha caridade. Até na hora em que Deus-Caridade
se afastava de mim, Eu soube ser caridade nos meus trinta e três anos não se
pode chegar a uma perfeição como a que se requer para perdoar e suportar nosso
ofensor, se não se tiver o hábito da caridade. Mas Eu o tinha e pude perdoar e
suportar esta obra-prima de Ofensor, que foi o Judas.
Quarto: o
Sacramento opera quanto mais alguém for digno de recebê-lo. Se ele for digno
disso com um constante vontade, que dobra a carne e faz que o espírito seja
superior e senhor dela, vencendo as concupiscências, acostumando o seu próprio
ser na prática das virtudes e esticando-lhe a corda como a de um arco, visando
à perfeição das virtudes, sobretudo da caridade.
Porque, quando alguém ama, procura
fazer que fique alegre o ser amado. João, que me amava como ninguém, e que era
puro, recebeu do Sacramento o mais alto grau de transformação. Começou desde
aquele momento a ser a águia para a qual é uma coisa familiar e fácil alcançar
as alturas do Céu de Deus e fitar o Sol eterno. Mas ai de quem recebe o
Sacramento sem estar digno de recebê-lo, mas tendo até aumentado sua humana
indignidade com as culpas mortais. Então o Sacramento se torna, não uma semente
de preservação, mas de corrupção e de morte. Morte do espírito e putrefação da
carne, pela qual ela “se arrebenta”, como diz o Pedro, falando da de Judas.
Ela não espalha sangue, esse liquido
sempre vital e belo em sua cor de púrpura, mas expõe o seu interior escurecido
por todas sensualidades, uma podridão que sai para fora da carne podre, como
quando sai da carniça de um animal imundo, como um objeto de náusea para os que
passam. A morte do profanador do Sacramento é sempre a morte de um desesperado
e por isso ele não conhece a plácida morte de quem está em graça, nem a morte
heroica da vítima que sofre profundamente, mas com seu olhar fixo no Céu, e a
alma tranquila na paz. A morte do desesperado é atroz, contorções e terrores, é
uma convulsão horrível da alma que, agarrada pela mão de Satanás, que a sufoca,
para separá-la da carne com o seu bafo nauseabundo.
Esta é a diferença entre quem passa para
a outra vida, depois de ter praticado nesta a caridade, a fé, a esperança,
todas as outras virtudes e a doutrina celeste, nutrido com o Pão dos Anjos, que
o acompanha com seus frutos, ou melhor, com a sua presença, na viagem extrema.
E quem morre, depois de ter levado uma vida de animal, tem uma morte de animal,
que não é confortado pela Graça e pelo Sacramento. A primeira é o fim sereno do
santo, para o qual se abre o Reino Eterno. A segunda é a espantosa queda do
condenado que percebe estar sendo precipitado na morte eterna, e fica
conhecendo, num instante, o que foi que ele quis perder, e que não tem mais
remédio. Para um a morte foi uma aquisição, e para o outro foi um despojamento.
Para um foi alegria. E para o outro, um terror.
Isto é o que podereis receber, conforme
for a vossa fé e o vosso amor, ou, então, a vossa falta de fé e zombaria dos
meus dons. E este é o ensinamento que recebemos nesta contemplação.”
Pg.
431-462
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