NEM TODO AQUELE QUE DIZ
SENHOR, SENHOR...
Uma outra doce visão de Jesus e duas crianças. Eu digo assim,
porque estou vendo Jesus por um caminho estreito, situado entre dois campos que
há pouco devem ter sido semeados, pois a terra está ainda fofa e escura, como
quando faz pouco tempo que recebeu as sementes, mas ela procura ficar firme
para acariciar os dois pequeninos, um menino, que não tem mais do que quatro
anos, e uma menina que terá oito ou nove Devem ser umas crianças muito pobres,
pois estão vestidas com umas roupinhas desbotadas e esfarrapadas, e tem uns
rostinhos tristes e definhados pelos sofrimentos.
Jesus não pergunta nada. Ele somente olha fixamente para
eles, enquanto os acaricia. Depois, se apressa em ir para uma casa, que fica no
fim do caminho. É uma casa de campo, mas bem situada, com uma escada externa,
que sobe do chão para o terraço, no qual há uma latada de videira, que agora
está despida de cachos e de folhas. Somente uma ou outra folha á amarelada,
está pendente e sendo balançada pelo vento úmido de um triste dia de outono. No
parapeito da casa uns pombos estão arrulhando e esperando a chuva que o céu
cinzento e todo nublado está prometendo.
Jesus acompanhado pelos seus, empurra a cancela vermelha, que
está no muro de pedras soltas, ao redor da casa, e entra pelo pátio, nós
diríamos pelo terreiro onde está o poço e, a um canto, também está o forno.
Acho que este deve ser aquele pequeno quarto de paredes enegrecidas pela
fumaça, que até agora mesmo dele está saindo, e que o vento está fazendo descer
para o chão.
Tendo ouvido o barulho dos passos, uma mulher aparece à porta
da casa, e vendo Jesus o saúda com alegria, e vai correndo avisar aos da casa.
E eis que um homem já velhinho e gordo, se apresenta à porta
e se apressa a ir à Jesus.
“Que grande honra e alegria, Mestre, poder ver-te”, ele o
saúda.
Jesus também diz a sua saudação: “ A paz esteja contigo”, e
acrescenta: “A tarde está chegando, e a chuva já vem perto. Eu te peço abrigo e
um pão para Mim e para os meus discípulos.”
“Entra, Mestre. A minha casa é tua. O servo á está para
desenformar o pão. Fico muito feliz em poder oferece-lo com o queijo do leite
de minhas ovelhas e com os frutos de meus terrenos. Entra, entra, que o vento
está úmido e frio...”, e muito atencioso, segura aberta a porta, e se inclina,
quando Jesus vai passando. Mas depois, de repente, muda de tom, para dirigir-se
a alguém que ele está vendo, e lhe diz cheio de ira: “Ainda estás aqui? Vai-te
embora. Aqui não há nada para ti. Vai-te! Entendeste? Aqui não há lugar para
vagabundos...”. E resmunga por entre os dentes: “e talvez até ladrões como tu.”
Uma vozinha chorosa responde: “Tem piedade, senhor. Um pão,
pelo menos para o meu irmãozinho. Nós estamos com fome...”
Jesus que tinha entrado na ampla cozinha, muito vistosa, por
causa da grande lareira, que serve também de fogão para alumiá-la, vai até a
entrada. Á mudou o seu rosto. Severo e triste agora, ele pergunta não ao
hospedeiro, mas em geral, parecendo estar falando à eira silenciosa, ou à
figueira despojada de folhas, ou ao poço escuro: “Quem é que está com fome?”
“Eu Senhor. Eu e o meu irmão. Um pão somente, e n´s iremos
embora.”
Jesus está do lado de fora, na eira, que vai ficando mais
sombria, por causa do crepúsculo e de uma chuva que está para cair. “Vem cá”,
diz Ele.
“Tenho medo, Senhor.”
“Vem, te digo. Não tenhas medo de Mim.”
Da parte de trás da casa, aponta a pobre menina. A pequena e
miserável túnica com que ela está vestida, vem agarrado o seu irmãozinho. Eles
vem vindo cheio de medo. Lançam um olhar tímido para Jesus, outro olhar
espavorido para o dono da casa, que está olhando para eles de soslaio, e
dizendo: “São uns vagabundos, Mestre. E ladrões. Há pouco eu encontrei este
esgaravatando perto do lagar. Certamente queria roubar. Ninguém sabe de onde
eles vem. Não são deste lugar.”
Jesus lhe presta atenção. Por assim dizer. Olha com um olhar
muito fixo para a menina, que está com um rosto macilento e com as trancinhas
despenteadas, com dois rabichos por detrás das orelhas, amarrados sobre a nuca
com uma tirinha de trapo. Mas o rosto de Jesus não está severo ao olhar para a
menina. Ele está triste, mas sorri para encorajá-la. “É verdade que querias
roubar? Dize a verdade.”
“Não, Senhor. Eu tinha pedido um pouco de pão, porque estou
com fome. Mas não me deram. Então, eu vi uma crosta de pão untado com óleo lá
no chão, perto do lagar. E fui apanhá-la. Eu estou com fome, Senhor. Ontem me
foi dado somente um pão, e eu o guardei para Matias... Por que não nos
colocaram juntos com a mamãe no sepulcro?” A menina chora desconsoladamente, e
o irmãozinho faz como ela.
“Não chores.” Jesus a consola acariciando-a, e puxando-a para
si. Responde-me, de onde és?”
“Da planície de Esdrelon.”
“E vieste até aqui?”
“Sim, Senhor.”
“Faz muito tempo que morreu a tua mãe? E pai, tu não tens?”
“Meu pai foi morto pelo sol, no tempo da colheita, e a mamãe
na lua passada... ela e o menino que ia nascer morreram...” E o choro aumentou.
“Não tens nenhum parente?”
“Nós viemos de muito longe! Não éramos pobres... Depois o pai
precisou pôr-se a serviço de outros. Agora ele está morto, e minha mãe com
ele.”
“Quem era o patrão dele?”
“O fariseu Ismael.”
“O fariseu Ismael!... (não se pode reproduzir o modo como
Jesus repetiu esse nome). Vieste por tua vontade, ou foi ele que te mandou?”
“Ele me mandou, Senhor. Ele disse: “Que vão para a estrada os
cães esfaimados.”
“E tu Jacó, porque não deste pão a estas crianças? Um pão, um
pouco de leite e um punhado de feno para se deitarem nele, nessa canseira em
que estão?”
“Mas...Mestre... o pão que eu tenho é a conta para mim... o
leite é pouco... e tê-los em casa... esses aí são como animais vadios. Se
fizermos cara boa para eles, eles não se vão embora...”
“Então, estão te faltando lugar e alimento para estes dois
infelizes? Podes dizer isso sem mentir, Jacó? A colheita grande, o vinho em
quantidade, o óleo em abundância, as frutas que tornam famosa a tua propriedade
este ano, para que foi que tudo isso veio? Tu ainda te lembras? No ano passado,
a chuva de pedras havia arruinado os teus bens, e tu estavas pensativo,
pensando em tua vida... Eu vim, e te pedi um pão... Tu me havias ouvido falar e
me tinhas permanecido fiel...e, em teu sofrimento, me abriste o coração e a
casa, e me deste um pão e um abrigo. E Eu, ao sair, o que Eu te disse, na manhã
seguinte? Jacó, tu compreendeste a Verdade. Sê sempre misericordioso, e acharás
misericórdia. Pelo pão que deste ao Filho do homem, estes campos te darão
riquezas de cereais e, carregados, como se sobre eles estivessem os grãos da
areia do mar, assim serão os teus olivais, carregados de azeitonas. E ficarão
inclinadas até o chão, pelo peso das maças as tuas macieiras. Tudo isso tu
tiveste, e és o mais rico desta região, neste ano. E tu estás negando um pão a
duas crianças!”
“Mas tu eras o Rabi.”
“Justamente porque Eu o era, é que Eu podia fazer das pedras
pães. Mas estes não. Eu te digo: verás um novo milagre, e te virá um castigo,
um grande castigo. Mas, então, batendo no peito dize: “Eu mereci.”
Jesus volta-se para as crianças. “Não choreis. Ide àquela
planta e colhei.”
“Senhor mas ela não tem nada.”
“Vai.”
A menina vai e volta com umas maças vermelhas e bonitas, que
ela recolheu em suas vestes.
“Comei, e vinde comigo.” E diz aos Apóstolos: “Vamos levar
estes dois pequeninos à Joana de Cusa. Ela sabe lembrar-se dos benefícios
recebidos, e é misericordiosa, por amor a quem foi misericordioso. Vamos.”
O homem espantado e humilhado, tenta fazer-se perdoar: “Já é
noite, Mestre, a chuva pode cair enquanto vais pelo caminho. Entra de novo em
minha casa. A serva á vai desenformar o pão... Ela te dará também a estes...”
“Não é preciso. Tu o darias não por amor, mas por medo do
castigo prometido.”
“Não é então este (e mostra as maças apanhadas na árvore, que
antes estava nua, e que os esfaimados comem avidamente), não é, então este o
milagre?”
“Não.” Jesus está muito severo.
“Oh! Senhor, Senhor, tem piedade de mim. Á compreendi. Tu me
queres punir nas colheitas! Tem piedade, Senhor!”
“Nem todos aqueles que me chamam Senhor me terão, porque não
é na palavra, e sim no ato, que se dá testemunho de amor e respeito. Terá
piedade quem a tiver tido.”
“Eu te amo Senhor.”
“Não é verdade. Ama-me quem ama, porque assim Eu ensinei. Tu
não amas senão a ti mesmo. Quando me amares como Eu ensinei, o Senhor voltará.
Agora me vou. A minha parada é para fazer o bem, para consolar os aflitos e
enxugar as lágrimas dos órfãos. Como uma galinha estende as asas sobre os seus
pintinhos indefesos, assim Eu estendo o meu poder sobre aqueles que sofrem e
que estão sendo atormentados. Vinde crianças. Logo tereis casa e pão. Adeus,
Jacó.”
E não contente só por ir, faz ainda que alguém tome nos
braços a menina cansada. É André que a pega e a envolve em seu manto. E Jesus
pega o menino e vão indo pelo caminhozinho já no escuro, com as suas cargas,
que eles vão levando por piedade e que não choram mais.
Pedro diz: “Mestre! Grande felicidade foi para estes, que Tu
tenhas chegado. Mas para Jacó!... Que lhe farás, Mestre?”
“Justiça. Ele conhecerá, não a fome, porque está com seus
celeiros cheios para muito tempo ainda. Mas a restrição, pois não darão
sementes os grãos semeados, e as macieiras e as oliveiras ficarão cobertas só
de folhas. Estes inocentes, não de Mim, mas do Pai, receberão pão e casa.
Porque meu Pai é Pai também dos órfãos. É Ele que dá ninho e comida aos
passarinhos dos bosques. Eles podem dizer, e todos os miseráveis com eles, os
miseráveis que sabem permanecer como “folhos inocentes e amorosos” que em sua
pequena mão foi posto por Deus o alimento, e que com sua guia paterna Ele os
conduz para uma casa hospitaleira.
A visão cessa assim, e eu fico numa grande paz.
Diz Jesus:
“Esta é mesmo para ti, ó alma que choras, olhando para as
cruzes do passado e as nuvens do futuro. O Pai terá sempre pão para pôr na tua
mão e ninho para recolher sua pomba chorosa.
Para todos é o ensinamento de que Eu sei ser o Senhor com
justiça. Mas não se me engana, nem se me adula, com uma saudação mentirosa.
Aquele que fecha o coração para o irmão, fecha o coração para
Deus, e Deus para ele.
É o primeiro dos mandamentos, ó homem: Amor e amor. Quem não
ama mente ao dizer-se cristão. É inútil a frequência aos sacramentos e aos
ritos, inútil é a oração, se falta a caridade. Tornam-se fórmulas e até
sacrilégios. Como podes ir ao Pão eterno e matar com ele vossa fome, quando
negastes pão ao faminto? Será mais precioso o vosso pão do que o meu? Será mais
santo? Hipócritas! Eu não uso de uma medida, ao entregar-me à vossa miséria, e
vós, que sois miséria, não tendes piedade das misérias que são – aos olhos de
Deus -, não odiosas, como as vossas. Porque aquelas são desventuras, e as
vossas são pecado. Muitas e muitas vezes me dizeis: “Senhor, Senhor”, a fim de
me tornardes benigno para com os vossos interesses. Mas, não dizeis por amor ao
próximo. Vós não fazeis nada em nome do Senhor pelo próximo.
Olhai na coletividade e na individualidade, o que vos deu a
vossa religião mentirosa e vossa verdadeira falta de caridade: O abandono de
Deus. E o Senhor voltará, quando souberdes amar como Eu ensinei. Mas para vós,
pequeno rebanho dos que sofrem sendo bons, Eu digo: “Nunca sois órfãos. Nunca
sois abandonados.” Antes deveria não existir Deus, do que faltar com a
Providência para com os seus filhos.
Estendei a mão: o Pai vos dá tudo como “pai”, isto é, com um
amor que não avilta. Enxugai vossas lágrimas. Eu vos tomo e vos levo, porque
tenho piedade de vossa fraqueza. O mais amado das criaturas é o homem, Quereis
duvidar se o Pai será mais piedoso para com um passarinho, do que para com o
homem? Ele será mais para o homem fiel, Ele, que é longânime também para com o
pecador, e lhe dá tempo e modo de ir a Ele? Oh! Se o homem compreendesse quem é
Deus!
Vai em paz, Maria. Tu me és querida como os dois orfãozinhos
que viste, e mais ainda.
Vai em paz.
Eu estou contigo.
Fonte: (O Evangelho como me foi Revelado – Maria Valtorta –
Vol.5, pg. 21/22/23/24/25/26).
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