A FÉ DE ABRAÃO RECOMPENSADA
O homem, já bastante
velho, vem para a frente. Está comovido. Gostaria de falar, falar, mas, na
emoção em que está, não se lembra de nenhuma daquelas palavras que ele havia
preparado. Ele se curva para ajoelhar-se, apoiando-se em seu bastão, mas Jesus
o impede de fazê-lo, e o abraça primeiro, dizendo: “Paz ao velho e justo filho
de Deus!”, e ele, cada vez mais comovido, só sabe responder: “Louvado seja
Deus! Meus olhos viram o Prometido. E, que é mais que eu devo pedir a Deus?”, e,
levantando os braços, numa postura hierática, entoa o salmo 34 de Davi:
“Esperei ansiosamente o Senhor, e Ele para mim voltou.” Mas não o recita todo.
Só diz nos pontos que se referem ao acontecimento: “Ele ouviu o meu grito, e me
tirou do abismo da miséria e da lama do pântano... Ele pôs em minha boca um
cântico novo. Feliz do homem que pôs sua esperança no Senhor. Muitas coisas
maravilhosas Tu fizeste, ó Senhor meu Deus, e não há quem te iguale em teus
desígnios. Eu quereria enunciá-los, falar sobre eles, mas sua multiplicidade
está além de todos os números. Tu não quiseste sacrifícios nem oblações, mas me
abriste os ouvidos...( E se comove sempre mais) Está dito que devo fazer a tua
vontade... A Lei está no meio do meu coração. Eu anunciei a tua justiça à
grande assembléia. Eis que eu não conservei fechados os meus lábios, Tu o
sabes, ó Senhor. Não conservei escondida dentro de mim a tua justiça, proclamei
a tua verdade e a salvação que vem de Ti...
Mas Tu, ó Senhor,
não afastes de mim a tua compaixão. Desgraças sem número, ( e chora em um choro
solto, e vai dizendo as palavras com uma voz de quem já fosse mais velho e
trêmula, por causa do pranto) vieram sobre mim...
Eu sou um mendigo e
um necessitado, mas o Senhor toma cuidado de mim. Tu és a minha ajuda, o meu
protetor, ó meu Deus, não tardes!” Este é o salmo, meu Senhor, e eu acrescento
palavras minhas: “Dize-me: “Vem”, e eu te direi o que diz o salmo: “Eis que eu
vou.”
E ele se cala,
chorando, com toda aquela fé que se vê em seus olhos, ofuscados pelos anos.
As pessoas explicam:
“A filha dele morreu, deixando-lhe netinhos pequenos. A mulher ficou cega e
hebetada, por causa dos muitos sofrimentos, e do único filho homem ela nem tem
notícia. Ele sumiu assim de um dia para outro...”
Jesus põe a mão
sobre o ombro do velho, e lhe diz: “Os sofrimentos do justo têm a rapidez de
uma andorinha, em comparação com a duração do prêmio eterno. Mas devolveremos à
tua Sarai seus olhos de outros tempos, e a mente dos seus vinte anos, a fim de
que conforte a tua velhice.”
“Ela se chama
Colomba”, lembra alguém do povo.
“Para ele, ela é a
sua princesa. Mas agora ouvi a parábola que Eu vos apresento...”
“Mas, antes, não
libertarás das trevas os olhos e a mente de minha mulher, para que ela também
possa saborear o que é a Sabedoria?”, pergunta ansioso o velho sinagogo.
“Podes tu crer que
Deus tudo pode, e que de um outro mundo é que vem o seu poder?”
“Sim, ó Senhor. Eu
me lembro de uma tarde de muitos anos atrás. Naquele tempo eu estava feliz, e
acreditava também na alegria. Porque assim é. O homem, enquanto está feliz,
pode até esquecer-se de Deus. Eu cria em Deus também naquele tempo de alegria,
na qual minha mulher era jovem e sadia, e me estava criando a Elisa, jovem
bonita como uma palmeira, já prometida em casamento, e a Elisa a igualava em
beleza, e a superava em robustez, o que é a alegria de um homem... Eu tinha ido
com o menino às fontes, perto dos vinhedos, que são de Colomba, deixando a
mulher e a filha nos teares em que estava sendo tecido o enxoval de casamento...
Mas talvez eu te esteja aborrecendo? O infeliz sonha com a alegria passada,
recordando-se dela... mas ela aos outros não interessa.”
“Fala, fala.”
“Eu tinha ido com o
menino as fontes. Se Tu vieste pela estrada do ocidente, sabes onde elas estão.
As fontes estavam no limite do bendito lugar. Olhando, podia ver-se, lá
adiante, o deserto, a estrada branquicenta com suas pedras romanas que, então,
estavam ainda bem visíveis sobre as areis de Judá... Depois... sumia até aquele
sinal! E não é nada perder-se um sinal na areia! Mas é um mal que ele tenha
sumido, pois era o sinal de Deus, mandado para mostrar-te aos espíritos de
Israel. A muitíssimos espíritos!
O meu filho homem
disse: “Pai! Olha! Uma grande caravana com cavalos, camelos, com servos e
senhores, ao redor de Engadi. Talvez estejam vindo ás fontes, antes que chegue
a tarde... levantei os olhos dos sarmentos, que eu estava escolhendo, cansados
depois de uma grande vindima, e vi... Os homens tinham mesmo vindo ás fontes.
Eles apearam, e me viram, e me perguntaram se podiam acampar-se naquele lugar
por uma noite.
“Engadi tem
hospedarias, e está perto daqui”, responde-lhes eu.
“Não, nós vamos
ficar acordados, a fim de estarmos prontos para fugir, porque Herodes nos está
procurando. Daqui os guardas verão a estrada toda, e será fácil fugir de quem
nos está procurando.”
“Qual foi a falta
que cometestes?”, perguntei eu, espantado, e pronto a mostrar-lhes as cavernas
de nossos montes, como a um costume sagrado para com os perseguidos. E
acrescentei: “Vós sois estrangeiros e de lugares diferentes... Eu não sei como
é que tereis podido cometer faltas contra Herodes...”
“Nós fomos adorar o
Messias, que nasceu em Belém de Judá, e até Ele guiou-nos a estrela do Senhor.
Herodes o está procurando para dar-lhe a morte. Talvez nós também encontremos a
morte, nos desertos, indo por algum caminho longo e desconhecido, mas não
denunciaremos o Santo, que desceu dos Céus.”
O Messias! O sonho
de todo verdadeiro israelita! O meu sonho! E Ele já estava no mundo. E estava
em Belém de Judá, como havia sido predito! Eu pedi, tendo sobre o coração o meu
menino, notícias e mais notícias, dizendo: “Escuta, Eliseu! Procura lembrar-te,
tu certamente o verás!” Eu já estava com cinqüenta anos, e não esperava mais
vê-lo... nem esperava viver tanto para poder vê-lo, já homem feito... Eliseu já
não o pode mais adorar...”
O velho chora
novamente. Mas continua, e diz: “Os três Sábios falaram com paciente doçura, e
te descreveram em tua santidade infantil, falaram da Mãe e do pai... Eu teria
passado a noite com eles, mas Eliseu estava dormindo em meus braços. Saudei os
três Sábios, prometendo-lhes calar-me para não dar ocasião a possíveis delações
contra eles. Mas a Colomba, no quarto nupcial, eu narrei tudo, e isso foi o sol
em nossas futuras desventuras. Depois ficou-se sabendo do morticídio..., e, por
muitos anos sem saber se Tu te tinhas salvado. Mas agora o sei. Contudo,
somente eu, porque Elisa morreu, Eliseu não está mais aqui, e Colomba não pode
entender a feliz notícia... Mas a fé no poder de Deus, já viva, tornou-se
perfeita, desde aquela longinqua tarde, na qual três homens de raças diferentes
deram testemunho do poder de Deus, com a união que havia entre eles, pela voz
dos astros e das almas, indo pelo caminho de Deus, para adorarem o seu Verbo.”
“E a tua fé será
premiada. Agora escutai.
Que é a fé? É
parecida com uma dura semente de palmeira, que as vezes é minúscula, formada
por uma breve frase: “Deus existe”, e alimentada por uma afirmação: “Eu o vi”.
Assim como foi a fé de Abraão em Mim pelas palavras dos três sábios do Oriente.
Assim como foi a fé de nosso povo, desde os mais antigos patriarcas,
transmitidas por uns aos outros, de Adão aos pósteros, de Adão pecador, mas que
teve suas palavras acreditadas quando disse: “Deus existe, e nós aqui estamos,
porque Ele nos criou. E eu o conheci.” Assim como foi aquela fé, cada vez mais
perfeita, porque cada vez mais revelada, que veio mais tarde, e que é a nossa
herança, que brilha nas manifestações divinas, nas aparições angélicas, nas
luzes do espírito. São sementes sempre pequeninas, em comparação com o
infinito. Pequeninas sementes. Mas elas, lançando raízes, abrindo a camada dura
da animalidade cheia de dúvidas e com suas tendências, triunfando das ervas
nocivas das paixões, sobre o mofo do aviltamento, sobre a traça dos vícios,
sobre tudo, ergue-se nos corações, cresce, joga-se em direção ao sol, ao céu, e
vai subindo, subindo... até ver-se livre das restrições da carne, e se une a
Deus, em seu conhecimento perfeito, em sua posse completa, que está para lá da
vida e da morte, na verdadeira Vida.
Quem possui a fé,
possui o caminho da Vida. Quem sabe crer não erra. Vê, reconhece, serve ao
Senhor, e tem a salvação eterna. Para ele o Decálogo é uma coisa vital, e cada
um dos seus mandamentos é uma pedra preciosa, com a qual se vai enfeitando sua
futura coroa. Para ele é salvação a promessa do Redentor. Já havia morrido o
homem de fé, antes que Eu estivesse nesta Terra? Não importa. Sua fé o iguala
aos que agora estão perto de Mim pelo amor e pela fé. Os justos que morreram
logo se encherão de júbilo, porque a fé deles continua na esperança do prêmio.
Eu me irei embora, depois de ter cumprido a vontade do meu Pai, e direi:
“Vinde!” E todos os que morreram com fé, subirão comigo para o Reino do Senhor.
Imitai na fé as
palmeiras das vossas terras, nascidas de pequeninas sementes, e tão fortes na
vontade de crescer, e de crescer assim tão eretas, já esquecidas do solo, mas
enamoradas pelo sol, pelos astros, pelo céu. Tende fé em Mim. Sabei crer
naquilo que muito poucos em Israel crêem, e Eu vos prometo a posse do Reino
celeste, pelo perdão da culpa original, e pela justa recompensa a todos os que
praticam a minha doutrina, que é a dulcíssima perfeição do Decálogo de Deus.
Eu ficarei entre vós
hoje e amanhã, que é o sábado sagrado, e partirei ao romper do dia depois do
sábado. Quem estiver aflito venha a Mim! Quem tem dúvidas venha a Mim! Quem
quer a Vida, venha a Mim! Venha sem temor, porque Eu sou a Misericórdia e o
Amor.”
E Jesus faz um amplo
gesto de bênção para despedir-se de seus ouvintes, a fim de que eles possam ir
tomar sua refeição da tarde e o repouso, e já vai tomar o seu caminho, quando
uma velhinha, que até agora estava escondida no canto de uma pequena rua, vem
abrindo a multidão, que ainda está querendo ficar com o Mestre, e, por entre a
gritaria da mesma multidão assombrada, vai ajoelhar-se aos pés de Jesus,
dizendo em alta voz: “Bendito sejas Tu. E o Altíssimo que te enviou! E as
vísceras que te geraram e que são mais do que vísceras de uma mulher, já que te
puderam trazer.”
Um grito de homem se
une ao dela: “Colomba! Oh! Tu estás vendo! Tu estás entendendo. Tu estás
falando e reconhecendo com sabedoria o Senhor! Oh! Deus dos meus pais! Deus de
Abraão, de Isaque e de Jacó! Deus dos Profetas. Deus de João, o Profeta! Deus!
Meu Deus! Filho do Pai! Rei como o Pai! Salvador, em obediência ao Pai. Deus
como Pai, e meu Deus, Deus do teu servo! Que Tu sejas bendito, amado seguido e
adorado para sempre!”
E o velho sinagogo
cai de joelhos, ao lado da sua velhinha, e, abraçando-a com o braço esquerdo,
apertando-a ao coração, inclina-se e a faz inclinar-se para beijarem os pés do
Salvador, enquanto uma gritaria de alegria de todas as pessoas faz vibrar os
troncos das árvores, de tão forte que ela é, e espantar os pombos, que já
estavam pousados em seus ninhos, e que levantam vôo, dão uma volta por cima de
Engadi, como se estivessem querendo espalhar por todos os lugares a boa nova
que é estar o Salvador do lado de dentro de seus muros.
(O Evangelho como me
foi Revelado – Maria Valtorta- Vol. 6, pg.208 a 212)
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