TERCEIRO SERMÃO DA
MONTANHA
“Por tudo o que vos disse ontem, não deveis ficar pensando
que Eu tenha vindo abolir a Lei. Não. Somente, visto que Eu sou Homem, e
compreendo as fraquezas do homem, o que Eu quis foi encorajar-vos a segui-la,
dirigindo os vossos olhares espirituais, não para o abismo escuro, mas para o
abismo luminoso. Porque, se o medo do castigo pode fazer alguém deter-se, três
em dez vezes, a certeza de um prêmio o faz arremessar-se para a frente sete em
dez vezes. Por onde se vê que a confiança faz mais do que o medo. E Eu quero
que tenhais uma confiança plena, firme, para que possais fazer não sete em dez
partes de bem, mas dez em dez, para conquistardes este prêmio santíssimo que é
o Céu.
Eu não mudo nem um i da Lei.
E quem foi que a deu, por entre raios no Sinai? O Altíssimo.
Quem é o Altíssimo? O Deus Uno e Trino.
E de onde foi que Ele a tirou? Do seu pensamento.
E, como foi que a deu? Com sua palavra.
Por que foi que a deu? Pelo seu Amor.
Vede, pois que a Trindade estava presente. E o Verbo,
obediente como sempre ao Pensamento e ao Amor, falou pelo Pensamento e pelo
Amor.
Poderia Eu desmentir-me a Mim mesmo? Não poderia. Mas Eu
posso, já que tudo posso, completar a Lei, torná-la divinamente completa, não
como fizeram ficar os homens que, durante os séculos, não a tornaram completa,
mas indecifrável, impossível de ser cumprida, sobretudo leis e preceitos,
preceitos e leis, tudo tirado do pensamento deles, conforme as vantagens deles,
e jogando todo esse entulho para apedrejar e sufocar, para soterrar e
esterilizar a Lei Santíssima, que foi dada por Deus. Poderá uma planta
sobreviver, se estiver sempre mergulhada em avalanchas, em escombros e
inundações? Não. A planta morre. A Lei está morta em muitos corações, sufocada
debaixo das avalanchas de exageradas superestruturas. Eu vim para tirá-las
todas e, tendo desenterrado a Lei, tendo ressuscitado a Lei, eis que agora Eu
faço dela não mais lei, mas Rainha.
As rainhas promulgam as leis. As leis são obras das rainhas,
mas não são mais do que as rainhas. Eu, ao contrário, faço da Lei a rainha: Eu
a completo, a corôo, colocando no seu ápice a grinalda dos conselhos
evangélicos. Primeiro era a ordem. Agora é mais que a ordem. Antes era o
necessário. Agora é mais do que o necessário. Agora ela é a perfeição. Quem a
desposa, assim como Eu vo-la dou, no mesmo instante se torna rei, porque
alcançou o que há de perfeito, porque não se tornou só obediente, mas heróico,
isto é, santo, sendo a santidade a soma das virtudes levadas até o ápice, o
ponto mais alto que possa ser atingido por uma criatura, heroicamente amadas e
servidas com um completo desapego de tudo o que é apetite ou reflexão humana,
seja lá o que for. Eu poderia dizer que o santo é aquele para o qual o amor e o
desejo servem de obstáculo para qualquer outra vista, que não seja Deus. Não
distraído por outras vistas inferiores, ele tem as pupilas do coração firmes no
Esplendor Santíssimo que é Deus, e no qual ele vê, pois que tudo é em Deus, a
agitação dos irmãos que, suplicantes, lhe estendem as mãos. E, sem afastar o
olhar de Deus, o santo se inclina para atender aos irmãos que lhe suplicam.
Contra a carne, contra as riquezas, contra as comodidades, ele ergue o seu
ideal: servir. Fica pobre o santo? Fica diminuído? Não. Ele chegou a possuir a sabedoria
e a riqueza verdadeiras. Por isso, possui tudo. E não sente cansaço, porque, se
é verdade que ele é um produtor contínuo, também é verdade que ele é nutrido
continuamente. Porque, se é verdade que ele compreende a dor do mundo, também é
verdade que ele se alimenta com a alegria do Céu. De Deus ele se nutre, em Deus
ele se alegra. Ele é a criatura que compreendeu o sentido da vida.
Como estais vendo, Eu não mudo, nem mutilo a Lei, como também
não a corrompo com as superposições de fermentantes teorias humanas. Mas Eu a
completo. Ela é o que é, e assim será até o último dia, sem que dela se mude
uma só palavra, ou se tire um só preceito. Ela está coroada pela perfeição.
Para ter-se a salvação, basta aceitá-la como foi dada. Para ter uma imediata união
com Deus, é preciso vivê-la, como Eu a aconselho. Mas, visto que os heróis são
uma exceção, Eu falarei para as almas comuns, para a massa de almas, para que
não se diga que, por querer a perfeição, Eu faço que fique desconhecido o
necessário. Mas, de tudo o que Eu digo, guardai bem isto: quem se permite
violar um só entre os menores destes mandamentos será considerado o menor no
Reino dos Céus. E aquele que levar outros a violá-los será considerado o menor
pelo que ele fez e por causa daqueles que ele tiver levado à violação. Ao passo
que aquele que, com sua vida e suas obras, ainda mais do que com as palavras,
tiver persuadido outros a obedecerem, este será grande no Reino dos Céus, e sua
grandeza irá aumentando por cada um daqueles que ele tiver levado a obedecer e
assim santificar-se.
Eu sei que o que estou para dizer-vos será desagradável para
muitos. Mas Eu não posso mentir, ainda que a verdade que Eu estou para dizer me
crie inimigos.
Em verdade, Eu vos digo que, se a vossa justiça não se criar
de novo, e não se separar completamente da pobre e injustamente chamada
justiça, que vos foi ensinada pelos escribas e fariseus; que pensam que são
justos quando aumentam as fórmulas, mas sem procurar uma mudança substancial em
seu espírito, não entrareis no Reino.
Guardai-vos dos falsos
profetas e dos ensinadores do erro. Eles vem a vós com veste de cordeiro, mas
são uns lobos ferozes. Vêm vestidos de santidade, mas são uns zombadores de
Deus, pois dizem que amam a verdade, mas se nutrem com a mentira. Observai-os
bem, antes de acompanhá-los.
O homem tem uma língua, e com ela pode falar, tem olhos, e
com eles olha, tem mãos, e com elas faz sinais. Mas ele tem uma outra coisa,
que dá testemunhos mais verdadeiros de quem ele é: são os seus atos. O que é
que quereis vós que seja um par de mãos juntas em oração, se com elas depois o
homem se entrega ao roubo e a fornicação? O que é que valem dois olhos que,
querendo passar por inspirados, viram-se para todos os lados, se, quando passou
da hora daquela comédia, eles sabem fixar-se, bem cobiçosos, sobre uma mulher,
ou sobre o inimigo, no primeiro caso para a luxúria, e no outro para o
homicídio? O que quereis que seja uma língua, que sabe assobiar uma mentirosa
canção de louvores, e seduzir com suas palavrinhas melosas, enquanto por detrás
de vós ela vos calunia, e é ainda capaz de jurar falso, contanto que vos possa
fazer passar por uma pessoa desprezível? Que é a língua, que faz longas orações
hipócritas, e depois sai dali rapidamente, para ir arrasar a boa fama do próximo,
ou seduzir a boa fé dele? Dá náusea. Dão náusea aqueles olhos e aquelas mãos
mentirosas. Mas os atos do homem, seus verdadeiros atos, isto é, o seu modo de
comportar-se em família, no comércio, no trato com o próximo e com os seus
criados, esses podem dar dele este testemunho: “Este é um servo de Deus”.
Porque as ações santas são o fruto de uma verdadeira religião.
Uma árvore boa não dá frutos maus, e uma árvore má não dá
frutos bons. Estas moitas de espinho, por acaso poderão dar-vos uvas saborosas?
E aqueles cardos, ainda mais espinhosos, poderão dar-vos um dia figos maduros e
tenros? Não, porque em verdade, poucas e ásperas frutinhas colhereis das
primeiras, e um fruto que não se pode comer é o que virá daquelas flores, pois
mesmo estando elas agora em flor, já estão cercadas de espinhos. O homem que
não é justo, poderá ele talvez incutir respeito com sua aparência, mas só com
ela. Também aquele pé de cardo parece feito de penas, parece um floco de finos
fios de prata, que o orvalho recobriu, fazendo que pareçam estar cheios de
diamantes. Mas, se, distraidamente, tocardes nele, vereis que não se trata de
nenhum floco, mas de um monte de espinhos, que ferem o homem, fazem mal ás
ovelhas e, por isso, os pastores os arrancam de seus pastos, e os jogam no fogo
que eles acendem de noite, a fim de que nem as sementes escapem. É uma medida
justa e previdente. Eu não vos digo: “Matai
os falsos profetas e os fiéis hipócritas.” Antes vos digo: “Deixai isso para
Deus.” Eu vos digo: “Estai atentos, afastai-vos deles para não vos envenenardes
com os seus sucos.”
Como Deus há de ser amado, Eu vo-lo disse ontem. Eu insisto
em dizer como é que há de ser amado o próximo.
Noutros tempos se dizia: “Amarás o teu amigo e odiarás o teu
inimigo.” Não. Não é assim. Isto era bom naqueles tempos em que o homem não
tinha o conforto do sorriso de Deus. Mas agora chegaram os tempos novos, nos
quais Deus ama tanto o homem, que lhe manda o seu Verbo para redimi-lo. Agora o
Verbo está falando, E é a Graça que já se está difundindo. Depois, o Verbo
consumará o sacrifício de paz e de redenção, e a Graça não só se difundirá, mas
será dada a todos os espíritos que crêem no Cristo. Por isso é preciso elevar à
perfeição o amor ao próximo, a tal ponto que já não se faça diferença entre o
amigo e o inimigo.
Estais sendo caluniados? Amai e perdoai. Recebestes agressões
ou pancadas? Amai e oferecei a outra face a quem vos esbofeteia, e pensai que é
melhor que a ira se desafogue em vós, que a sabeis suportar, do que em algum
outro, que iria vingar-se da afronta. Fostes roubados? Não fiqueis pensando: “Este
meu próximo é um cobiçoso”, mas pensai com caridade: “Este meu pobre irmão é um
necessitado”, e dói-lhe até a túnica, se já vos tirou a capa. Assim fareis que
fique impossível para ele cometer um duplo furto, pois não terá mais
necessidade de espoliar outro da túnica. Vós dizeis: “Mas poderia ser um vício,
e não uma necessidade.” Está bem, mas daí assim mesmo. Deus vos recompensará
por isso, e o que for injusto será castigado. Mas muitas vezes, e isso relembra
tudo o que Eu disse ontem sobre a mansidão, vendo-se tratado assim, o vício cai
do coração do pecador, e ele se redime, chegando até a reparar o seu furto com
a entrega do que roubou.
Sede generosos com aqueles que, mais honestos, em vez de
roubar-vos, vos pedem o que precisam. Se os ricos fossem realmente pobres de
espírito, como vos ensinei ontem, não haveria essas lamentáveis desigualdades
sociais, causas de tantas desventuras humanas e sobre-humanas. Pensai sempre: “Mas
se eu estivesse na necessidade, como é que eu receberia a recusa de uma ajuda?”
E agi de acordo com a resposta do vosso eu. Fazei aos outros o que gostaríeis
que vos fosse feito, e não façais aos outros o que não gostaríeis que vos fosse
feito.
Antiga é aquela palavra: “Olho por olho, dente por dente”,
palavra que não está nos dez mandamentos, mas que foi colocada depois, porque o
homem privado da Graça é uma fera tal, que só pode compreender a vingança. Mas
aquela palavra antiga está anulada por esta palavra nova: “Ama quem te odeia,
reza por quem te persegue, perdoa a quem te calunia, fala bem de quem fala mal
de ti, faze o bem a quem te prejudica, sê paciente com o briguento, condescendente
com quem te aborrece, ajuda de boa vontade a quem recorre a ti, e não uses de
usura com ele, não vivas criticando nem julgando os outros.” Vós não sabeis em
que condições são praticadas suas ações pelos homens. Em toda espécie de
socorro sede generosos, sede misericordiosos. Quanto mais derdes mais vos será
dado, e uma medida bem cheia e calcada será despejada por Deus no seio de quem
for generoso. Deus, não só vos dará conforme tiverdes dado, mas mais, muito
mais. Procurai amar e fazer-vos amar. As brigas acabam custando muito mais do
que entrar em entendimento amigável. E viver em amizade é como um mel, que
deixa por muito tempo o seu gosto na língua.
Amai! Amai! Amai amigos e inimigos, para serdes semelhantes
ao vosso Pai, que faz chover sobre os bons e sobre os maus, e faz descer a luz
do sol sobre justos e injustos, reservando-se o direito de dar sol e orvalhadas
eternas, e fogo e saraivadas infernais, no dia em que os bons vão ser separados
como espigas escolhidas, por entre os feixes da colheita. Não basta amar aos
que vos amam, e dos quais esperais uma retribuição. Isso não tem merecimento, é
uma alegria, a até os homens honestos por natureza o sabem fazer. Os próprios
publicanos e pagãos o fazem. Mas vós amais como Deus ama, amais por respeito a
Deus, que é o Criador também dos que são vossos inimigos, ou para vós pouco
amáveis. Eu quero em vós a perfeição do amor, e por isso Eu vos digo: “Sede
perfeitos, como perfeito é vosso Pai, que está nos Céus.”
Tão grande é o preceito do amor para com o próximo e do
aperfeiçoamento do amor para com o próximo, que Eu não vos digo mais como se
dizia: “Não matar”, porque aquele que mata será condenado pelos homens. Mas Eu
vos digo: “Não vos ireis”, porque um juízo mais alto que o dos homens, está
acima de vós, e leva em conta também as ações imateriais. Quem tiver insultado
o irmão, será condenado pelo Sinédrio. Mas quem o tiver tratado de doido, e
portanto o tiver prejudicado, será condenado por Deus. É inútil fazer ofertas
ao altar, se antes não se fez no interior do coração o sacrifício dos próprios
rancores, por causa de Deus, e não se cumpriu o rito santíssimo de saber
perdoar. Por isso, quando estiveres para fazer uma oferta a Deus, se tu te
lembrares de que tens uma falta contra teu irmão, ou de que ainda estás
guardando rancor por uma falta dele, deixa a tua oferta aí, diante do altar,
faze primeiro a imolação do teu amor próprio, reconcilia-te com teu irmão, e
depois vem para diante do altar, e agora, mas só agora é que o teu sacrifício
será santo. Um bom acordo é sempre o melhor que se pode fazer. O juízo dos
homens é sempre incerto, e quem, com teimosia, se aventura a crer nele, poderia
perder a causa, devendo pagar ao adversário até a última moeda, ou ir apodrecer
na cadeia.
Em tudo levantai o
olhar para Deus. Perguntai a vós mesmos: “Terei eu o direito de fazer o que
Deus não faz comigo?” Porque Deus não é tão inexorável e obstinado como vós
sois. Ai de vós, se Ele o fosse! Ninguém se salvaria. Que esta reflexão vos
leve a ter sentimentos de mansidão, de humildade, de piedade. E, então, não vos
faltará da parte de Deus, nesta vida e na outra, a recompensa.
(O Evangelho como me foi Revelado – Maria Valtorta- Pag. 89 a
95- vol 3)
Sem comentários:
Enviar um comentário