A ÚLTIMA
TENTATIVA PARA SALVAR JUDAS
(O Evangelho como me foi revelado – Maria
Valtorta – Vol 9 Pg. 237 a 243)
Quando estão longe da cerca, a tal ponto que
ninguém que estivesse no jardim de Lázaro pudesse ouvir nem uma palavra, Jesus
diz:
“Ouviste o que disse aquele servo? Ele é um
camponês. Já é muito se ele já sabe ler alguma palavra... E no entanto as
palavras dele teriam podido estar sobre os meus lábios, sem que o meu modo de
falar de Mestre parecesse tolo. Ele percebe que é necessário velar para que os
inimigos do espírito não desgastem o espírito... Eu... por causa deles é que te
conservo perto de Mim, e tu me odeias por causa disso. Eu te ofereço o meio de
te salvares, e ainda o podes fazer, e tu me odeias. Eu de digo mais uma vez:
vai-te embora, Judas. Vai para longe. Não entres em Jerusalém. Tu estás doente.
Não é mentira dizer que tu estás muito doente, e que não podes participar da
Páscoa. Terás a Páscoa suplementar. É permitido pela Lei fazer a Páscoa
suplementar, quando uma doença ou outro motivo grave impedem que se faça a
Páscoa solene. Eu pedirei a Lázaro – ele é um amigo prudente, e nada perguntará
– que te leve hoje mesmo para o outro lado do Jordão.”
“Não. Eu já te disse muitas vezes que me
expulses. E Tu não quiseste. E agora sou eu que não quero.”
“Não queres? Não queres salvar-te? Não tens
piedade de ti mesmo? Nem de tua mãe?”
“Deverias dizer-me: “Não tens piedade de
Mim?”, serias mais sincero.”
“Judas, meu infeliz amigo, por Mim Eu não te
peço. Por ti é que te peço. Olha só! Estamos aqui sozinhos. Tu sabes quem Eu
sou. Eu sei quem tu és. É este o último momento de graça que ainda nos é
concedido para evitar a tua ruína... Oh! Não fiques rindo assim satanicamente,
meu amigo. Não te rias de Mim, como se Eu fosse louco, porque Eu falei “em tua ruína”, e não na minha. A
minha não é uma ruína. Mas, a tua sim. Nós estamos sós. Eu e tu, e acima de nós
esta Deus... Deus ainda não te odeia, Deus que está assistindo a esta luta
suprema entre o Bem e o Mal, que disputam a tua alma. Acima de nós está o
Empíreo, que brevemente se encherá de santos. Já estes estão exultantes, lá
onde estão, no lugar em que nos esperam, porque já percebem que a alegria se
aproxima... Judas, entre eles está o teu pai...”
“Ele era um pecador. Não está lá.”
“Era um pecador, mas não foi condenado. Por
isso a alegria se aproxima, também para ele. Por que é que tu lhe queres dar
uma dor, em sua alegria?”
“Não. Está livre da dor. Está morto.”
“Não!. Ele sofre de te ver culpável. Não
queiras que Eu... não queiras que Eu diga esta palavra!”
“Quero sim. Quero sim. Dize-a! Eu a digo a
mim mesmo, há meses. Eu condenado já estou. Nada mais se pode mudar.”
“Tudo se pode, Judas. Eu estou chorando. Não
queres que as últimas lágrimas do Homem te façam gemer? Judas, Eu de peço.
Pensa bem, meu amigo, a este meu pedido se une o pedido do Céu todo, e tu, e
tu... Será que me deixarás pedir em vão? Pensa bem quem é que está diante de ti
pedindo: o Messias de Israel, o Filho do Pai... Judas, escuta-me!... Pára,
enquanto ainda o podes fazer!”
“Não!”
Jesus cobre o rosto com as mãos, e se deixa
cair á beira do prado. Ele chora em silêncio. Mas chora muito. Suas costas
tremem, com os soluços profundos...
Judas olha para Ele que está a seus
pés,aniquilado, chorando, e preocupado em salvá-lo... e sente um momento de dó.
E diz, deixando de lado aquele tom duro de verdadeiro demônio, como ele estava
antes: “Não posso ir... Eu dei a minha palavra...”
Jesus levanta o rosto, com grande aflição, e
o interrompe: “A quem? A quem? A uns
pobres homens! É com esses, com esses é que te preocupas em parecer ficar sem
honra diante deles? E a Mim não te entregaste, há três anos? E ainda ficas
pensando nos comentários de um punhado de malfeitores, em vez de pensares no
julgamento de Deus? Mas que é que devo fazer ó Pai, para ver renascer nele a
vontade de não pecar?” Jesus abaixa novamente a cabeça com um coração
dilacerado,,, Ele está até parecendo o Jesus sofredor do Getsêmani.
Judas fica com dó dele, e diz: “Eu fico. Para
não sofreres assim. Eu fico... Ajuda-me a ficar! Defende-me!”
“Sempre! Sempre que tu queiras. Vem. Não
existe culpa de que Eu não me compadeça e não perdoe. Dize: “Eu quero”. E Eu te
terei redimido... “Jesus o tomou entre os braços, pondo-se de pé.
Mas, se o pranto de Jesus cai sobre os
cabelos do Judas, a boca do Judas continua fechada. Ele não diz a palavra
exigida. Nem mesmo diz: “Perdão”, quando Jesus lhe sussurra por entre os
cabelos: “Olha bem se Eu te amo. Eu teria devido reprovar-te! Mas Eu te beijo.
E assim Eu teria o direito de dizer-te: “Pede perdão ao teu Deus”, e Eu te peço
somente que tenhas desejo do perdão. Estás muito doente. Não se pode pedir
muito a quem está muito doente. A todos os pecadores que vieram a Mim, de todos
Eu exigi o absoluto arrependimento para poder perdoá-los. De ti, meu amigo, Eu
exijo somente a vontade de que te arrependas, e depois... Eu farei o resto.”
Judas fica calado...
Jesus o deixa ir, mas diz: “Fica aqui, pelo
menos até o dia depois do sábado.”
“Eu ficarei... Voltemos para casa. Eles devem
estar notando a nossa ausência. Talvez as mulheres te estejam esperando. Elas
são melhores do que eu, e não deves deixá-las por causa de mim.”
“Não te lembras da parábola da ovelhinha
tresmalhada? Tu és aquela ovelha... Elas, as discípulas, são as ovelhas boas,
fechadas no ovil. Elas não correm perigos, ainda que Eu fique procurando a tua
alma, durante um dia inteiro, para trazê-la de volta ao ovil...”
“Mas, sim! Isto mesmo! Eu estou de volta ao
ovil. Vou fechar-me na biblioteca de Lázaro, para ler. Não quero ser
perturbado. Não quero ver, nem saber de nada. Assim... não ficareis sempre
suspeitando de mim. E se alguma coisa do que acontecer for contada ao Sinédrio,
eu terei que ir procurar as serpentes entre os teus prediletos. Adeus! Eu vou
entrar pela cancela principal. Não tenhas medo. Eu não fujo. Podes vir
verificá-lo, quando quiseres”, e tendo-lhe virado as costas, sai de lá, dando
grandes passos.
Jesus, todo de branco, com sua veste de
linho, se destaca bem a beira do prado verde-avermelhado. Ele levanta os braços
para o céu sereno com um rosto muito aflito e, elevando sua alma ao Pai, geme,
dizendo: “Oh! Pai meu! E poderias talvez
acusar-me por ter deixado de fazer alguma coisa para salvá-lo? Tu sabes que é
pela alma dele, e não pela minha vida que Eu luto, a fim de impedir o delito
dele... Pai! Meu Pai. Eu te suplico, apressa a hora das trevas, a hora do
Sacrifício, porque é uma coisa atroz demais para Mim esse viver junto com o
amigo que não quer ser redimido. É a maior das dores!” E Jesus se assenta sobre
o trevo alto e macio, muito bonito, inclina a cabeça sobre os joelhos, que
estão elevados e apertados pelos braços, e chora...
Jesus para de chorar. Levanta a cabeça, e
fica escutando... um rumor de rodas e de chocalhos, que vem da estrada mestra,
e depois cessa o barulho das rodas, mas o dos chocalhos, não.
Jesus diz: “Vamos as discípulas... Elas é que
são fiéis... Pai meu seja feita a tua vontade! Eu te ofereço o sacrifício deste
meu desejo de Salvador e de Amigo. Está escrito! Ele quis. É verdade. Deixa,
porém, ó Pai meu, que Eu continue a minha obra por ele, até que tudo tenha
acabado. E, desde agora, Eu te digo: Pai, quando Eu rezar pelos pecadores,
vítimas frágeis de toda ação direta, ó Pai, recebe o meu sofrimento e minha
força junto com ele, em favor da alma de Judas. Eu só te peço o que a justiça
não pode conceder. Mas de Ti é que vieram a Misericórdia e o Amor, e Tu amas a
estes que de Ti vieram, e que são uma só coisa contigo, Deus Uno e Trino, Santo
e Bendito. Eu me darei a Mim mesmo aos meus diletos em alimento e bebida. Ó
Pai, o meu Sangue e a minha Carne deverão ser, então, condenação para um deles?
Ó Pai, ajuda-me! Um germe de arrependimento naquele coração! Pai, porque te
afastas? Já te afastas de teu Verbo, que pede? Pai, chegou a hora. Eu sei. Seja
feita a Tua vontade bendita! Mas deixa a teu Filho, ao teu Cristo, no qual,
pelo teu inescrutável desígnio, a vidência certa do futuro – e Eu nem te digo
que isso é uma crueldade, mas uma piedade tua para comigo – deixa em Mim a
esperança de salvá-lo ainda. Oh! Pai meu! Eu o sei, Eu o soube desde que
existo. Eu o soube desde quando, não só como Verbo, mas como Homem – Eu vim
aqui à Terra. Eu o soube, desde quando encontrei o homem no Templo... Sempre Eu
soube... Mas agora. Oh! Está me parecendo quão grande é a Tua piedade,
Santíssimo Pai! Parece-me que não seja mais do que um sonho horrendo, provocado
pelo comportamento dele, mas que não seja o último... o irremediável, mas que
Eu possa ainda, sempre, ou que infinito é o meu sofrer, e infinito será o
Sacrifício, e valha, ainda que seja para ele, alguma coisa... Ah! Eu estou
delirando... É o homem que quer esperar isso! Que fujam as névoas ligeiras que, por um momento, não deixavam ver o abismo,
já aberto para agarrar aquele que, prefere as Trevas à Luz... Foi de piedade o
teu gesto de mo esconder. Foi de piedade o teu gesto de o mostrar-me, agora que
Tu me reconfortaste. Sim, Pai. Até isso! Tudo! E Eu serei misericórdia até o
fim, porque assim é o meu ser.”
Jesus reza ainda, em silêncio, de braços
abertos em cruz, e seu rosto torturado se acalma sempre mais e vai tomando a
aparência de uma paz majestosa. E torna-se quase luminoso, pela alegria de uma
luz interior, ainda que não se veja o seu sorriso em seus lábios fechados. É a
alegria de seu espírito em comunhão com o Pai, que se revela para fora dos véus
da carne e cancela os sinais que a dor escavou e pintou sobre o rosto
emagrecido e espiritualizado, que cada vez mais vai-se manifestando no Mestre,
quanto mais Ele se adiantou em suportar a dor, a caminho do Sacrifício. Já não
é mais um rosto da terra, o rosto de Cristo nestes seus últimos tempos mortais,
e nenhum artista será capaz de dar-nos aquele rosto do Homem-Deus lavrado com
uma beleza sobrenatural pelo amor e pela dor, perfeitos e completos.
Jesus está de novo na porta da cinta, entra,
fecha-a com o ferrrolho e se dirige para casa. O servo de antes o vê, e corre
para ir tomar-lhe a grossa chave que Jesus tem nas mãos.
Ele vai para a frente. E se encontra com
Lázaro: “Mestre, as mulheres chegaram. Eu as fiz entrar na sala branca, porque
na biblioteca está Judas lendo e sofrendo.”
“Eu sei. Obrigado pelas mulheres. São
muitas?”
“Joana, Nique, Elisa e Valéria com Plautina e
uma outra amiga delas ou liberta, não sei, chamada Marcela, e uma velha que diz
que te conhece: chama-se Ana de Meron, e depois Anália e com ela uma outra
jovenzinha chamada Sara. Estão com as condiscípulas, e Tua Mãe e as irmãs.”
“E estas vozes de crianças?”
“Ana trouxe os filhos do filho. Joana, também
os seus, e Valéria a dela. Eu as levei todas para o pátio interno.”
(O EVANGELHO
COMO ME FOI REVELADO – MARIA VALTORTA)
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