TERCEIRO
ANO DA VIDA PÚBLICA DE JESUS
O MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO
Um fariseu diz: “Não façais assim. Desse modo nunca saberemos
que é que Ele entende por reino, quais são as leis, que manifestações esse
reino terá.”
E, que quereis? Por acaso o antigo Reino de Israel foi de
repente perfeito como nos tempos de Davi e de Salomão? Não vos lembrais
daquelas incertezas e horas obscuras, antes do resplendor real do rei perfeito?
Para termos o primeiro rei, foi necessário antes formar o homem de Deus, que
ungisse, e, para isso, tirar a esterilidade de Ana de Elcana, e inspirar-lhe a
ideia de oferecer o fruto do seu seio. Medita no cântico como o Senhor... não
queirais multiplicar, gabando-vos, as palavras cheias de soberba... O Senhor
faz morrer e viver... Ele eleva o pobre... Ele torna seguros os passos de seus
santos, e os ímpios se calarão, porque o homem não é por sua força que é forte,
mas pela que lhe vem de Deus.” Oh! Lembrai-vos bem: “O Senhor julgará os
confins da Terra e dará o império ao seu rei, e exaltará o poder do seu Cristo.”
O Cristo das profecias, acaso não devia vir de Davi? E, então, todas as
promessas, desde o nascimento de Samuel em diante, não são promessas do Reino
de Cristo?
“Tu, Mestre, por acaso não és de Davi, nascido em Belém?”,
pergunta diretamente a Jesus para terminar.
“Tu o disseste”, responde Jesus em poucas palavras.
“Oh! Então, dá uma satisfação às nossas mentes. Tu estás
vendo que ficar calado não é boa coisa, porque faz crescerem as nuvens da
dúvida nos corações.”
“Não da dúvida. Mas da soberba, O que é ainda mais grave.”
“Como? Duvidar de Ti é menos grave do que ser soberbo?”
“Sim. Porque a soberba é a luxúria da mente. É o maior dos
pecados, sendo o mesmo pecado de Lúcifer. Deus tantas coisas perdoa, e sua Luz
resplende cheia de amor para iluminar as ignorâncias e afugentar as dúvidas.
Mas não perdoa a soberba, que zomba Dele, dizendo-se maior do que Ele.”
“Quem entre nós diz que Deus é menor do que nós? Nós não
blasfemamos...”, gritam muitos.
“Vós não o dizeis com os lábios. Mas o confirmais com os
vossos atos. Vós quereis dizer a Deus: “Não é possível que o Cristo seja um Galileu,
um homem do povo. Não é possível que seja esse homem aí.
Que é impossível para Deus?”
A voz de Jesus parece um trovão. Se antes Ele estava um pouco
reservado em sua aparência, apoiado a uma coluna, como um mendigo, agora Ele se
endireita, afasta-se da pilastra, ergue majestosamente a cabeça acima do
pescoço, e fita a multidão com seus olhos fulgurantes. Ele está ainda sobre o
degrau, mas é como se estivesse no alto de um trono, de tão régia que está a
sua aparência. As pessoas se afastam, como que amedrontadas, e ninguém responde
à última pergunta.
Depois um rabi,
baixinho e cheio de rugas, de uma aparência feia, como deve ser a de sua alma,
pergunta, dando antes uma risadinha sem graça e com a voz meio rouca: “A
luxúria se pratica entre duas pessoas. E a mente, com quem é que a pratica? A
mente não é corpórea. Como é, então que ela pode pecar por luxúria? Sendo ela
incorpórea, a que é que ela se une para pecar?”, e se ri, depois de ter
arrastado as palavras e continuado na risadinha.
“Com quem? Com
Satanás. A mente do soberbo comete fornicação com Satanás contra Deus e contra
o amor.”
“E Lúcifer, com
quem fornicou para tornar-se Satanás, se ainda não era Satanás?”
“Consigo mesmo.
Com o seu próprio pensamento inteligente e desordenado. Que é a luxúria, ó
escriba?”
“Mas... eu já te
disse! E quem é que não sabe o que é a luxúria? Todos nós já a experimentamos.”
“Tu não és um rabi
sábio, pois não sabes qual a essência verdadeira deste pecado universal, fruto
triplo do Mal. Assim como o Pai, o Filho e o Espírito Santo são a forma Trina
do Amor. A luxúria é uma desordem, ó escriba. A desordem guiada por uma
inteligência livre e consciente, que sabe que seu apetite é um mal, mas assim
mesmo quer saciá-lo. A luxúria é uma desordem e uma violência contra as leis
naturais, contra a justiça e o amor para com Deus, para conosco mesmos e para
com os nossos irmãos. Qualquer luxúria. Tanto a luxúria carnal, como a que
ambiciona as riquezas e poderes da Terra, como também a daqueles que querem
impedir ao Cristo de cumprir sua missão, porque eles vão atrás da excessiva
ambição, que treme de medo por saber que Eu vou castigá-la.”
Um grande sussurro se espalha pelo meio da multidão. Gamaliel, que ficou
sozinho sobre o seu tapete, levanta a cabeça e lança um olhar indagador sobre
Jesus.
“Mas, então,
quando virá o Reino de Deus? Tu não respondeste...”, volta a falar o fariseu de
antes.
“Quando o Cristo
estiver no trono que Israel lhe está preparando, mais alto do que qualquer
outro trono, mais alto até do que este Templo.”
“Mas onde é que
ele está sendo preparado, se nenhum sinal de preparação se vê? Será possível
mesmo, será verdade que Roma vá deixar que Israel ressurja? As águias terão
ficado cegas para não verem o que está sendo preparado?”
“O Reino de Deus
não vem com pompa. Só o olho de Deus é que vê como ele se vai formando, porque
o olho de Deus vê o interior dos homens. Por isso não andeis procurando onde é que
está esse Reino, e onde é que ele está sendo preparado. E não creiais em quem
diz: “Há uma conspiração em Batanéia, conjura-se nas cavernas do deserto de
Engati, conjura-se mas praias do mar.” O Reino está em vós, dentro de vós, no
vosso espírito que acolhe a Lei vinda dos Céus como Lei da verdadeira Pátria,
lei que, se for praticada, forma os cidadãos do Reino. Para isso, antes de Mim
veio o João, para preparar o caminho dos corações pelos quais haveria de
penetrar nelas a minha Doutrina. Com a penitência foram preparados os caminhos,
com o amor o Reino surgirá e cairá a escravidão do pecado, que interdiz aos
homens o Reino dos Céus.”
“ Mas realmente
este homem é grande. E vós dizeis que Ele é um carpinteiro?, diz em voz alta um
que estava escutando atentamente. E, os outros judeus pelas vestes que usavam,
e talvez subornados pelos inimigos de Jesus, olham um para o outro, surpresos,
e para os seus subordinadores, perguntando: “Mas, que foi que vós nos
insinuastes? Quem pode dizer que este homem desencaminha o povo?, e outros
também dizem: “Nós perguntamos a nós mesmos e a vós o seguinte: se é verdade
que nenhum de vós o instruiu, como é que Ele tem tão grande Sabedoria? Onde foi
que Ele a aprendeu, se não estudou com nenhum mestre”, e, virando-se para Jesus,
diz: “Dize-me uma coisa: Onde foi que aprendeste esta tua doutrina?”
Jesus levanta o
seu rosto inspirado e diz: “Em verdade, em verdade Eu vos digo que esta
doutrina não é minha, mas é daquele que me mandou ao meio de vós. Em verdade,
em verdade Eu vos digo que não foi nenhum mestre que me ensinou, nem Eu a
encontrei em nenhum livro, nem em nenhum rolo, nem em monumento de pedra. Em
verdade, em verdade Eu vos digo que Eu me preparei para esta hora ouvindo o
Vivente falar ao meu espírito. Agora chegou a hora de Eu dar ao povo de Deus a
Palavra vinda dos Céus. E Eu o faço, e o farei até o meu último suspiro, e
depois que Eu o tiver dado, as pedras que me ouvirem, e que não se amolecerem,
conhecerão um temor de Deus mais forte do que aquele que Moisés sentiu no Sinai
e no temor, transmitindo uma verdade ou amaldiçoando as palavras da minha
rejeitada doutrina, se gravarão nas pedras. E aquelas palavras não serão mais
destruídas. O sinal delas permanecerá. Como Luz para quem o acolher bem, pelo
menos naquele momento, com amor. E como trevas completas para quem, nem mesmo
naquela hora, compreender que foi a vontade de Deus que me mandou fundar o seu
Reino. No princípio da Criação foi dito: “Faça-se a luz”. E a luz apareceu
sobre o caos. No princípio de minha vida foi dito: “A boa vontade é a que faz a
vontade de Deus, e não a combate.” Agora quem faz a vontade de Deus e não a
combate, percebe que não me pode combater, porque percebe que a minha doutrina
vem de Deus e não de Mim mesmo. Por acaso, estarei procurando a minha glória?
Por acaso, digo que sou o Autor da Lei da graça e da era do perdão? Não. Eu não
tomo a glória que não é minha, mas dou glória à Glória de Deus. Autor de tudo o
que é bom. Mas minha glória é fazer o que o Pai quer que Eu faça, porque isso
lhe dá glória. Quem fala em seu favor para ser louvado, procura a sua própria
glória. Mas quem, podendo mesmo sem procurá-la receber glória dos homens pelo
que faz ou diz, e a rejeita, dizendo: “Não é minha, nem por Mim foi criada, mas
ela procede do Pai, como Eu dele procedo, está na verdade, e nele não há
injustiça, dando a cada um o que lhe pertence, sem nada reter daquilo que não é
seu. Eu existo, porque Ele quis.”
Jesus faz uma parada. Corre o olhar por sobre a multidão, investiga as
consciências. Ele as lê. E as pesa. Depois abre a boca outra vez: “Vós estais
calados. A metade de vós está admirada, e a outra metade está pensando como
podereis fazer-me calar. De quem são os dez Mandamentos? De onde é que eles
vêm? Quem foi que vô-los deu?”
“Moisés!”, grita a multidão.
“Não. Foi o Altíssimo. Moisés, servo de Deus, foi quem vô-los trouxe, Mas
eles são de Deus. Vós, que tendes as fórmulas, mas que não tendes fé, estais
dizendo em vossos corações: “A Deus nós não vemos. Nós não. Nem os hebreus aos
pés do Sinai.” Oh! Não vos bastam, para crerdes que Deus estava presente, nem
os fulgores que incendiavam o monte, enquanto Deus fulgurava, trovejando diante
da presença de Moisés. Não vos bastam nem mesmo os fulgores e terremotos, para
crerdes que Deus está acima de vós, escrevendo o Pacto eterno de salvação e de
condenação. Uma epifania nova e tremenda vós havereis de ver, e logo, do lado
de dentro destes muros. E os esconderijos sagrados sairão das trevas, porque
será iniciado o Reino da Luz, e o Santo dos Santos será exaltado à vista do
mundo, não mais velado pela tríplice cortina. E não crereis ainda. Que é,
então, que será preciso para cós fazer crer? Que os fulgores da Justiça caiam
sobre vossas carnes? Mas nesse tempo a Justiça estará aplacada. E descerão os
fulgores do Amor... E, no entanto, nem eles escreverão em vossos corações, em
todos os vossos corações a Verdade, mas suscitarão o Arrependimento, e depois o
Amor...”
Os olhos de Gamaliel agora estão fitando, com um rosto atento o rosto de
Jesus.
“Mas Moisés, vós sabeis que era um homem como os outros, e dele vos
deixaram a descrição os cronistas do seu tempo. Pois bem. Mesmo sabendo quem
ele era, de quem foi e como foi que recebeu a Lei, por acaso vós a observais?
Não. Nenhum de vós a observa.”
Ouve-se uma gritaria de protesto pelo meio da multidão.
Jesus impõe silêncio: “Estais dizendo que não é verdade> E que vós a
Observais? E, então, por que procurais matar-me? Não o proíbe o quinto
mandamento: “Não matar?” Vós não admitis que Eu seja o Cristo? Mas não podeis
negar que Eu seja homem. E, então, por que procurais matar-me?”
“Mas, Tu estás louco. És um endemoninhado! É um demônio que está falando
em Ti, e que faz delirar, e dizer mentiras! Nenhum de nós pensa em matar-te!
Quem é que quer matar-te?”, gritam justamente aqueles que o querem fazer.
“Quem? Vós. E estais procurando desculpas para fazê-lo. E me acusais de
culpas não verdadeiras. Vós me reprovais, e não é a primeira vez, porque Eu
curei um homem no sábado. E Moisés não diz que é preciso ter piedade até do
asno e do boi que caíram, pois aquilo representa um bem para o teu irmão? E Eu
não deveria ter piedade do corpo doente de um irmão para o qual a saúde
reconquistada é um bem material e um meio espiritual para bendizer a Deus e
amá-lo por sua bondade? E a circuncisão, que Moisés vos deu, por a terdes tido
desde os Patriarcas, não a fazeis vós também nos sábados? Se, ao circuncidar um
homem no sábado não fica violada a Lei mosaica do sábado, porque ela serve para
fazer de um filho homem um filho da Lei, por quê é que vos indignais comigo, se
no sábado Eu curei um homem todo, no corpo e no espírito, porque a letra, as
fórmulas, as aparências são coisas mortas, cenários pintados, mas não vida
verdadeira, enquanto que o espírito das palavras e aparências é que é vida real
e fonte de eternidade. Mas vós não compreendeis estas coisas, porque não as
quereis compreender. Vamos.”
E vira as costas para todos, indo em direção as sala, acompanhado e
rodeado pelos seus Apóstolos e discípulos, que olham para Ele com dó e com
indignação para com os inimigos.
E Ele, pálido, sorri para eles, dizendo: “Não fiqueis tristes. Vós sois
meus amigos. E fazeis bem em o serdes. Porque o meu tempo já vai chegando ao
fim. Logo vai chegar o tempo em que desejaríeis ver um destes dias do Filho do
Homem. Mas não podereis vê-lo. Então, vos servirá de consolo o poderdes
dizer-vos uns aos outros: “Nós o amamos e lhe fomos fiéis, enquanto esteve ente
nós.” E, para se rirem de vós e fazer que pareçais uns doidos, eles vos dirão: “O
Cristo voltou. Ele está aqui. Ele está ali.” Não acrediteis nessas palavras.
Não vades, não vos ponhais a seguir esses falsos escarnecedores. O Filho do
Homem, depois de ter ido, não voltará mais, senão em seu Dia. E, então, o seu
aparecimento será semelhante ao de um relâmpago que fulgura e brilha, de um
lado do céu até o outro, e tão velozmente, que vosso olhar nem pode
acompanhá-lo. Vós, e não somente vós, mas nenhum homem poderia seguir-me no meu
aparecimento final, a fim de recolher a todos os que existiram, que existem e
que existirão. Mas, antes que isso aconteça é necessário que o Filho do Homem
sofra muito. Sofra tudo. Toda a dor da Humanidade e além disso, seja rejeitado
por esta geração.”
“Mas, assim sendo, meu Senhor, Tu terás que sofrer todo o mal, com que
será capaz de golpear-te esta geração”, observa o pastor Matias.
“Não. Eu disse: “Toda a dor da Humanidade.” Ela existia antes desta
geração, e existirá, por gerações e gerações, depois desta. E sempre pecará. E
o Filho do Homem provará todo o amargor dos pecados passados, presente e
futuros, até o último pecado, em seu espírito, antes de ser o Redentor. E, alem
de sua glória, sofrerá também em seu espírito de Amor. Vós não podeis
compreender por enquanto. Vamos agora para aquela casa. Ela é minha amiga.”
E bate a uma porta, que se abre, deixando-o entrar, sem que o porteiro
mostre nenhum espanto por causa do número de pessoas que vão entrando atrás de
Jesus.
(de Jesus à Valtorta – O Evangelho como me foi Revelado, Vol. 7, pg. 409
a 414)
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