TERCEIRO
ANO DA VIDA PÚBLICA DE JESUS
JESUS, REI DOS ESPÍRITOS
“Eu
sabia que era para isso que me queríeis aqui. E sabia da inutilidade dos passos
que estáveis dando. Cusa pode dizer o que falei a ele em Tiberiquéia. Eu vim
para mostrar-vos que não tenho medo de nenhuma cilada, porque ainda não chegou
a hora. E não a temerei, quando a hora da cilada já estiver sobre Mim, porque
foi para isso que Eu vim. E vim para persuadir-vos. Vós, não todos, mas muitos
dentre vós, estão de boa fé. E Eu devo corrigir o erro, no qual de boa fé
caístes. Estais vendo? Eu não vos censuro. Não censuro a ninguém, nem mesmo
àqueles que, por serem meus discípulos fiéis, deveriam saber com justiça e
regular suas próprias paixões com justiça. Não te estou censurando a ti, ó
justo Timoneu. Mas Eu te digo que, no fundo, em vez do teu amor que Me quer
honrar, é ainda o teu “eu” que se agita e sonha com tempos melhores, nos quais
possas ver feridos aqueles que te feriram. Eu não censuro a ti, Manaém, ainda
que mostres ter te esquecido da Sabedoria e do exemplo, todos espirituais, que
recebestes de Mim e do Batista, antes de Mim. Mas Eu te digo que também em ti
existe uma raiz de humanidade, que se levanta depois do incêndio do amor por
Mim. Eu não te censuro, Eleazar, homem tão justo com a velha que te foi
deixada, sempre justo, mas que agora não és justo. E não te censuro a ti, ó
Cusa, ainda que o devesse fazer, porque em ti, mais do que em todos aqueles que
me quereis por rei, e, sua boa fé, está vivo o teu “eu”. Rei, sim, tu me
queres. Não há cilada em tuas palavras. Tu não vens para pegar-me em falta, nem
para denunciar-me ao Sinédrio, ao Rei, a Roma. Mas, mais do que o amor, tu
achas que tudo é amor, mas não é; mais do que pelo amor, tu trabalhas para
vingar-te das ofensas que o Paço Real te houver feito. Eu sou teu convidado.
Deveria silenciar sobre a verdade dos teus sentimentos. Mas Eu sou a Verdade em
tudo, em todas as coisas. E falo. Para o teu bem. A mesma coisa digo a ti,
Joaquim de Bozram e de ti, escriba João. E de ti também, e de ti, e de ti.”
E vai
mostrando este, aquele, aquele outro, sem rancor, mas com tristeza... e depois
continua. “Eu não vos censuro. Porque não sois vós que quereis isso,
espontaneamente. É a insídia, é o Adversário que trabalha, e vós... Vós sois,
sem o saberdes, uns súculos em suas mãos. Até o amor, o vosso amor, ó Timoneu,
ó Manaém, ó Joaquim, ó vós que realmente me amais, até da vossa veneração ó vós
que em Mim julgais ter encontrado o Rabi perfeito, até disso, ele, o Maldito,
se serve para fazer o mal. Mas Eu vos digo, como aos que não pensam como vós,
mas têm suas vistas voltadas para o que desce sempre mais para baixo, até
chegarem às traições e delitos, e gostariam que Eu aceitasse ser rei, Eu lhes
digo: Não. O meu Reino não é deste mundo. Vinde a Mim para que Eu instaure o
meu Reino em vós, e não para outra coisa. E agora deixai-me ir.”
Ao se
retirar da sala, Jesus encontra João Apóstolo.
...”Que
foi que te fizeram, meu Senhor? Eles te insultaram? E te bateram?”
“Não.
Eles me queriam fazer rei. Um pobre rei, João. E muitos queriam fazer isso de
boa fé, por um verdadeiro amor, com uma intenção boa... Mas os outros... para
poderem denunciar-me e prender-me.”
“Quem
são estes tais?”
“Não o
perguntes.”
“E os
outros.”
“Não
perguntes nem o nome destes. Não deves odiar, nem criticar... eu os perdôo.”
“Mestre,
havia também discípulos?”
“Não,
João. E nenhum Apóstolo.”
“É
verdade Senhor?”
“É
verdade, João.”
“Ah!
Graças a Deus por isso. Mas, por quê ainda estás chorando, Senhor? Eu estou
contigo. Eu te amo por todos. Também Pedro. André, e os outros... Quando viram
que eu me joguei no lago, disseram que eu estava doido, e o meu irmão dizia que
eu queria morrer nos redemoinhos.
Depois é
que me compreenderam, e me gritaram: “Deus esteja contigo. Vi, vai...” Nós te
amamos. Mas nenhum como eu, um pobre rapaz.”
“Sim.
Nenhum como tu. Estás com frio, João? Vem cá sob o meu manto...”
“Não,
aos teus pés, assim... Mestre meu! Por que será que todos não te amam, como
este jovem, que eu sou?”
Jesus o
puxa sobre seu coração, sentando-se ao lado dele. “É porque eles não têm o teu
coração de jovem.”
“Eles te
queriam fazer rei? Mas não compreenderam ainda que o teu Reino não é desta
terra.”
“Não
compreenderam.”
“Sem
falar os nomes, conta como foi, Senhor.”
“Mas tu
não irás dizer que fui eu quem te disse?”
“Se
assim o queres, eu não o direi.”
“Tu não dirás, a não ser quando os homens
quiserem mostrar-me como um daqueles caudilhos populares. Um dia isto vai
acontecer. E tu estarás lá. E dirás: “Ele não foi rei da terra, porque não
quis. Porque o seu Reino não era deste mundo. Ele era o Filho de Deus, o Verbo
encarnado, e não podia aceitar o que era terreno. Ele quis vir ao mundo e
revestir-se com uma carne, para redimir as carnes, as almas e o mundo, mas não
se submeteu às pompas do mundo e aos estímulos para o pecado, e nada de carnal
ou mundano houve nele. A Luz não se deixou enfaixar pelas Trevas, o Infinito
não se apegou as coisas finitas, mas sim às criaturas limitadas pela carne e
pelo pecado e fez delas criaturas que lhe fossem iguais, levando os que
tivessem fé nele à realeza verdadeira, e instaurando o seu Reino nos corações,
antes de instaurá-lo nos Céus, onde ele será completo e eterno, estando com
todos os que foram salvos”. Isto é o que dirás, João, aos que quiserem dizer
que Eu sou todo homem, ou que Eu sou todo espírito, e a quem negar que Eu tenha
sofrido tentação... e dor... e que eles, os homens, foram redimidos também pelo
meu pranto...”
“Sim,
Senhor. Como sofres, Jesus!”
“Como Eu
redimo! Mas tu me consolas no sofrimento. Ao raiar da aurora partiremos
daqui... E encontraremos uma barca. Tu acreditas, se Eu te disser que poderemos
navegar sem remos?”
“Eu
acreditaria, mesmo se Tu dissesses que poderíamos navegar sem barca.”
Os dois
ficam abraçados, envolvidos no úmido manto de Jesus, e João, sentindo-se
aquecido, acaba adormecendo, cansado como estava, como um menino nos braços de
sua mãe.
(de
Jesus à Valtorta – O Evangelho como me foi revelado, Vol. 7, pg. 249,250,255 e
256)
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