MARIA DE
ÁGREDA – DO LIVRO : MÍSTICA CIDADE DE DEUS
(Continuação do artigo anterior)
Como,
havendo se propagado a linhagem humana, cresceram os clamores dos justos para a
vinda do Messias, e também cresceram os pecados, e nesta noite da lei antiga
enviou Deus ao mundo dois luzeiros que anunciassem a Lei da Graça.
A antiga serpente havia infectado com seu
hálito todo o orbe, e parecia gozar tranquilamente a posse dos mortais; e
quando eles, desviando-se da luz, da razão natural, e da antiga lei que
poderiam ter conhecido, em lugar de procurar a Divindade verdadeira fingiam
muitas falsas e cada qual fabricava deus a seu gosto, sem perceber que a
confusão de tantos deuses, mesmo para a perfeição, ordem e tranquilidade, era
repugnante. Quando com estes erros, se tinham tornado normais a malícia, a
ignorância, e o esquecimento do verdadeiro Deus e se desconhecia a mortal
enfermidade e letargia que o mundo estava a sofrer, sem que os míseros doentes
sequer abrissem a boca para suplicar o remédio; quando reinava a soberba, o
número dos néscios era sem número e a arrogância de Lúcifer pretendia tragar as
águas puras do Jordão; quando, com estas injúrias, Deus era mais ofendido e
menos obrigado pelos homens, e o atributo de Sua Justiça tinha tantas razões
para aniquilar toda a criação fazendo-a voltar ao nada; e naquela tão densa
noite da lei antiga, determinou dar sinais certos do dia da Graça, enviando
dois luzeiros claríssimos que anunciassem a claridade já próxima do Sol da
Justiça, Cristo nossa saúde. Foram eles São Joaquim e Ana preparados e criados
pela Divina Vontade, para que fossem feitos à medida de seu coração.
A felicíssima Santa Ana tinha a sua casa
em Belém, e era donzela castíssima, humilde e formosa e, desde a infância,
santa, distinta e cheia de virtudes. Recebeu também grandes e contínuas
ilustrações do Altíssimo, e sempre exercitava a vida interior com altíssima
contemplação sendo ao mesmo tempo muito ativa e trabalhadora, alcançando a
plenitude da perfeição das vidas ativa e contemplativa. Possuía conhecimento
infuso das Escrituras Divinas e profunda inteligência de seus ocultos
mistérios; e nas virtudes infusas, fé, esperança e caridade foi incomparável.
Preparada com estes dons, orava continuamente pela vinda do Messias e suas
preces foram tão agradáveis ao Senhor para apressá-la, que se pode dizer,
tinha-o ferido Seu Coração com um de seus cabelos, pois sem dúvida alguma para
apressar a vinda do Verbo, tiveram os merecimentos de Santa Ana altíssimo lugar
entre os santos do Antigo Testamento.
Ao mesmo tempo que Santa Ana fazia estas
petições ao Senhor, ordenou Sua providência que São Joaquim lhe dirigisse igual
oração. Unidas apresentaram-se estas preces no tribunal da Beatíssima Trindade,
onde foram deferidas. Em seguida, por disposição Divina, ficou determinado que
Joaquim e Ana tomariam estado de matrimônio e seriam pais da Mãe do mesmo Deus
humanado. … O Santo Arcanjo já estava a par deste mistério quando foi enviado
pelo Senhor nessa embaixada, apesar dos demais Anjos do Céu ainda não o conhecerem,
pois só a São Gabriel foi feita essa revelação ou iluminação direta por Deus.
Tampouco manifestou o anjo a Santa Ana, por enquanto, este grande mistério, mas
pediu-lhe atenção e disse: O Altíssimo te
abençoe e seja tua salvação. Sua Alteza ouviu tuas petições, e quer que
perseveres nelas e supliques a vinda do Salvador.
A São Joaquim apareceu e falou o Arcanjo,
não corporalmente como a Santa Ana, mas em sonhos, compreendendo o homem de
Deus que o Anjo lhe dizia o seguinte: Joaquim, bendito sejas pela Divina destra do
Altíssimo, persevera em teus desejos e vive com retidão e passos perfeitos. É
vontade do Senhor que recebas Ana por tua esposa, pessoa abençoada pelo Todo-Poderoso.
Guarda-a e estima-a como presente do Altíssimo, e dá graças a Sua Majestade por
tê-la confiado a ti.
Em virtude destas divinas embaixadas,
Joaquim logo pediu Ana por esposa, e o casamento realizou-se, obedecendo ambos
à Divina Providência. Nenhum deles, porém, manifestou ao outro o segredo do que
lhes havia sucedido, até depois de alguns anos, como direi em seu lugar.
Viveram os dois santos esposos em Nazareth, procedendo e caminhando segundo as
leis do Senhor; e com retidão e sinceridade agiam com grande perfeição, sem a
menor falta e tomaram-se muito agradáveis e aceites pelo Altíssimo. Todos os
anos dividiam suas rendas em três partes: a primeira ofereciam ao Templo de
Jerusalém para o culto do Senhor; a segunda distribuíam aos pobres, e com a
terceira sustentavam a sua vida e família decentemente; e Deus lhes aumentava os
bens temporais, porque os distribuíam com tanta largueza e caridade. Viviam
também, na mais completa paz e união sem a menor queixa ou quesilha alguma. A
humilíssima Ana era em tudo submissa à vontade de Joaquim; e o varão de Deus
com a imolação santa da mesma humildade, antecipava-se para conhecer a vontade
da Santa Ana, confiando a ela o seu coração e não ficando decepcionado. Estes
santos passaram casados vinte anos sem terem filhos, coisa que, naquela época e
povo, considerava-se grande infelicidade e desgraça. Por esse motivo, sofreram
muitos opróbrios e desprezos dos vizinhos e conhecidos, pois os que não tinham
filhos eram reputados por excluídos de participarem na vinda do Messias
esperado. … E ofereceram ao Senhor, por voto expresso, que se lhes desse
filhos, consagrariam ao seu serviço no templo, o fruto que recebessem de Sua
Bênção.
Havendo perseverado um ano inteiro nessas
fervorosas petições, desde que o Senhor assim lhe ordenara, aconteceu ir São
Joaquim, por Divina disposição, ao templo de Jerusalém oferecer orações e
sacrifícios pela vinda do Messias e pelo fruto que desejava. Chegando com
outros do seu povo para oferecer os costumeiros dons e oferendas na presença do
sumo sacerdote, outro inferior chamado Isacar, repreendeu asperamente o venerável
ancião Joaquim, por vir fazer ofertas com os demais, sendo infecundo. Conhecendo
a santa matrona ser essa a Divina vontade, como também a de seu esposo Joaquim,
com humilde submissão e confiança, na presença do Senhor, orou conforme lhe era
ordenado, e disse: … Quisera, Senhor, oferecer oblação agradável e aceitável a
vossos olhos, porém, a maior que posso, é minha alma com as potências e
sentidos que me destes e todo o meu ser. Se, olhando-me do Vosso real trono, me
concederdes descendência, desde já a consagro e ofereço para vos servir no
templo.
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