MARIA DE ÁGREDA
– DO LIVRO: MÍSTICA CIDADE DE DEUS
(Continuação do artigo posterior)
Em que se
finaliza a explicação do Cap. 12 do Apocalipse.
Durante toda a primeira semana de que o Gênesis faz
menção, em que Deus Se ocupou da criação do mundo e suas criaturas, Lúcifer e
os demônios ocuparam-se em se unir o mais possível para inventar maldades
contra o Verbo que Se devia humanizar e contra a Mulher de que Ele devia
nascer. O primeiro dia, que corresponde ao Domingo, foram criados os Anjos e
foram-lhes dadas leis e preceitos a que deviam obedecer; e os maus
desobedeceram e trespassaram os mandatos do Senhor; e por Divina Providência e
disposição sucederam todas as coisas que acima foram ditas, até ao segundo dia
de manhã, correspondente a Segunda-feira, em que Lúcifer e seu exército foram
expulsos e lançados no inferno.
A este espaço de tempo corresponderam esses intervalos
dos Anjos: da Sua criação, das suas obras, batalha e queda ou glorificação. No
momento em que Lúcifer e sua gente chegaram ao inferno, fizeram um concílio,
reunindo-se todos nele, que durou até ao dia que corresponde a quinta-feira de
manhã; e nestes momentos pôs Lúcifer em ação toda a sua sabedoria e diabólica
malícia no sentido de combinar com os demônios e dirigir como mais ofenderiam a
Deus e se vingariam do castigo que lhes tinha sido dado; e aquilo que em suma
resolveram foi que a maior vingança e agravo contra Deus, como conheciam que
Deus devia amar tão ternamente os homens, seria impedir os efeitos desse amor,
enganando, persuadindo e, tanto quanto lhes fosse possível, forçando os mesmos
homens, de forma a que perdessem a amizade e graça de Deus e Lhe fossem
ingratos e rebeldes à Sua vontade.
"Nisto, dizia Lúcifer: temos de trabalhar,
servindo-nos de todas as nossas forças, cuidado e ciência; submeteremos as
criaturas humanas à nossa lei e vontade, para as destruir; … (seguiu-se aqui a
descrição de todas as manhas que o demônio iria usar para condenar a
humanidade.) … sepultá-los-ei neste fogo eterno e nos lugares de maiores tormentos
aqueles que mais se ligarem a mim. Este será o meu reino e o prêmio que darei a
meus servos. Não há língua humana que possa explicar a malícia e furor deste
primeiro conciliábulo que Lúcifer fez no inferno contra a descendência humana,
que ainda não existia, senão porque teria de existir. Ali se inventaram todos
os vícios e pecados do mundo, dali saíram a mentira, as seitas e erros, e toda
a iniquidade teve ali a sua origem, naquele caos e reunião abominável; e a seu
príncipe servem todos quantos procedem com maldade.
Na criação
de todas as coisas o Senhor teve presentes Cristo Senhor nosso e Sua Mãe
Santíssima e elegeu e favoreceu o seu povo, formulando estes Mistérios.
Olhava o Altíssimo para Seu Filho Unigênito humanado e
para Sua Mãe Santíssima, como modelos que tinha formado com a grandeza de Sua
Sabedoria e Poder, para que Lhe servissem como que de originais, pelos quais ia
copiando toda a descendência humana; e para que, assimilando-a a estas duas
imagens de Sua Divindade, todos os demais saíssem também, mediante estes dois
modelos, semelhantes a Deus. Criou também as coisas materiais necessárias à
vida humana, mas com tal Sabedoria, que também algumas delas servissem de
símbolos que representassem, de algum modo, os dois objetos que Ele
principalmente contemplava: Cristo e Maria. No sexto dia da criação, formou e
criou Adão como tendo uns trinta e três anos, a mesma idade que Cristo havia de
ter, no momento da Sua morte; e tão parecido a Sua humanidade santíssima, que
no corpo com dificuldade se diferenciavam, e na alma também o assimilou à Sua;
e de Adão formou Eva, tão semelhante a Nossa Senhora, que A imitava em todas as
Suas feições e pessoa. Contemplava o Senhor com sumo agrado e benevolência
estes dois retratos dos originais que havia de criar a seu tempo; e por eles
lhes lançou muitas bênçãos, como para entreter-Se com eles e seus descendentes,
enquanto chegava o dia em que havia de formar Cristo e Maria. Logo a invejada serpente se despertou contra
eles, com quem estava á espera da Sua criação, embora Lúcifer não pudesse ver a
formação de Adão e Eva como viu todas as outras coisas no instante em que foram
criadas, porque o Senhor não lhe quis revelar a obra da criação do homem nem
tão pouco a formação de Eva da costela; tudo isto lho ocultou Sua Majestade por
algum tempo, até que estivessem os dois juntos. Mas quando o demônio viu a
compostura admirável da natureza humana, acima de todas as demais criaturas, a
formosura das almas e mesmo dos corpos de Adão e Eva, e conheceu o paternal
amor com que o Senhor os olhava e como os fazia donos e senhores de toda a
criação e lhes dava esperanças de vida eterna, foi então que mais se enfureceu
e cresceu o ódio deste dragão e não há língua que possa exprimir a alteração
com que se revoltou aquele animal feroz, pondo em ação a sua inveja, de forma a
tirar-lhes a vida; e, tal como um leão, ele mesmo o faria, se não conhecesse
que o impedia uma força muito superior; mas imaginava e projetava a forma de os
derrubar da graça do Altíssimo e de os virar contra Ele. E aqui mesmo se enganou Lúcifer; com efeito,
o Senhor, misteriosamente, dado que desde o início lhe havia manifestado que o
Verbo iria fazer-Se homem, no seio de Maria Santíssima, e não lhe declarando
onde e quando, acabou por lhe ocultar a criação de Adão e a formação de Eva,
para que logo começasse a sentir essa ignorância do mistério e tempo da
Incarnação. E como sua ira e desvelo estavam particularmente preparados contra
Cristo e Maria, suspeitou que Adão tinha saído de Eva e que ela seria a Mãe e
ele era o Verbo humanado. E o impedia, a fim de que os não ofendesse ou
prejudicasse na vida. Mas como por outro lado conheceu logo os preceitos que o
próprio Deus lhes deu (estes não se lhe ocultaram, porque ouviu as conversas
que Adão e Eva tinham sobre o assunto), ia lentamente saindo da dúvida e foi
escutando ou espiando os encontros dos dois primeiros pais e saudando as suas
inclinações naturais, começando logo, como faminto leão, a rodeá-los e tentar
entrar neles, pelas inclinações que conhecia em cada um deles. Mas, até que se
desenganou de todo, vacilava sempre entre o ódio a Cristo e Maria e o temor de
por Eles ser vencido; e temia ainda mais a confusão de que o vencesse a Rainha
do Céu, por ser pura criatura e não Deus. E não atacou primeiro o homem mas sim
a mulher, porque a viu de natureza mais delicada e débil, e mesmo porque contra
ela ia com mais certeza de que não seria Cristo; e porque contra ela tinha uma
grande indignação, desde o sinal que tinha visto no Céu e a ameaça que o
próprio Deus lhe tinha feito com essa mulher. Tudo isto o arrastou e virou
primeiro contra Eva e não contra Adão. E atirou-lhe com muitos pensamentos ou
fortes e desordenadas imaginações, antes de se lhe manifestar, para a ver algo
perturbada e disposta ou prevenida.
Quando Lúcifer viu a queda dos dois e que a formosura
interior da graça e justiça original se tinha convertido na fealdade do pecado,
foi incrível o alvoroço e triunfo que mostrou aos seus demônios.
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