Maria
de Ágreda – do Livro: Mística Cidade de Deus
A
ordem da Criação de todas as coisas
(Continuação da publicação anterior)
Das
inteligências que me deu o Altíssimo da Escritura Sagrada, em confirmação do
capítulo precedente; São do oitavo dos Provérbios.
Remeteu-me para o capítulo 8 dos Provérbios, onde me
deu conhecimento deste mistério, como nesse capítulo se encerra, e primeiro
foi-me declarado o texto, tal como ele soa e que é o seguinte: “22 O
Senhor possuiu-me, como primícia das Suas obras, desde o princípio, antes que
criasse coisa alguma. 23 Desde a eternidade fui constituída, desde as origens,
antes que a terra fosse criada, 24 ainda não havia os abismos e eu já tinha
sido concebida; 25 ainda as fontes das águas não tinham assentado os montes
sobre as suas bases; antes de haver outeiros, eu já tinha nascido. 26 Ainda Ele
não tinha criado a terra, nem os campos nem o primeiro pó da terra. 27 Quando
Ele preparava os Céus, eu estava presente; 28 quando colocava uma abóbada sobre
a superfície do abismo, quando firmava as nuvens, lá no alto, quando
equilibrava as fontes do abismo, 29 quando fixava o seu termo ao mar, para que
as águas não ultrapassem os seus limites; quando assentou os fundamentos da
terra, 30 eu estava com Ele compondo todas as coisas, e eram meus prazeres
diários o deleitar-me continuamente diante d'Ele, brincando sobre o globo de
Sua terra, e achando as minhas delícias junto dos filhos dos homens". (Prov
8, 22-31).
Até aqui, a passagem dos Provérbios, cujo entendimento
me deu o Altíssimo. E primeiro entendi que fala das ideias ou decreto que teve
em Sua mente divina, antes de criar o mundo; e que, à letra, fala da pessoa do
Verbo humanado e de Sua Mãe Santíssima, e misticamente, dos santos Anjos e
Profetas; com efeito, antes de fazer decreto ou formar ideias para criar o
resto das criaturas materiais, teve-as e se decretou a humanidade santíssima de
Cristo e de Sua Mãe puríssima; e ambos
foram conjuntamente ordenados imediatamente depois de Deus e antes de todas as
outras criaturas. E foi a mais admirável ordenação que já se fez ou alguma vez
se fará: a primeira e a mais admirável imagem da mente de Deus, depois da
eterna geração, foi a de Cristo e logo a seguir a de Sua Mãe. (Provérbios
Capítulo 8 - Desde o princípio, antes que
criasse coisa alguma. Desde a eternidade fui constituída, desde as origens,
antes que a terra fosse criada. Ainda não havia os abismos e eu já havia sido
concebida.)
"Ainda Ele não tinha criado a terra nem os
campos nem o primeiro pó da terra”. Antes de formar outra terra, a segunda
- que por isso repete duas vezes a terra - que foi a do paraíso terreal, aonde
o primeiro homem foi levado, depois de ser criado da terra primeira do campo
Damasceno; antes desta segunda terra, onde pecou o homem, foi determinado criar
a humanidade do Verbo e a matéria de que se havia de formar, que era a Virgem;
com efeito, Deus de antemão A haveria de prevenir, para que não tivesse parte
no pecado, nem a ele estivesse sujeita.
De uma
dúvida que apresentei ao Senhor sobre a doutrina destes capítulos e a resposta
que obtive.
Mas quero também que os mortais reconheçam o Verbo
Incarnado como Sua cabeça e causa final da criação de todo o restante da
natureza humana, porque Ele foi, depois de Minha própria benignidade, o
principal motivo que tive para dar existência às criaturas; e assim, deve ser
reverenciado, não só porque redimiu a descendência humana, mas também por ter
sido a causa da Sua criação.
Como o
Altíssimo deu princípio às suas obras; e todas as coisas materiais criou para o
homem, e aos Anjos e homens para que fossem povo de quem o Verbo humanado fosse
cabeça.
E para que a ordem fosse também perfeitíssima, antes
de criar criaturas intelectuais e racionais, formou o Céu para os Anjos e
homens, e a Terra, onde primeiro os mortais iriam ser viadores. Da Terra, diz
Moisés que estava vazia e o mesmo não diz do Céu, porque neste criou os Anjos,
no instante em que diz Moisés: "Disse
Deus; faça-se a luz e a luz foi feita"; com efeito, não fala apenas da
luz material, mas também das luzes angélicas ou intelectuais. E criou Deus, com o céu empíreo da Terra,
juntamente, para formar no seu centro, o inferno; com efeito, no instante em
que foi criada, por divina disposição, ficaram no meio deste globo cavernas
muito profundas e amplas, capazes de constituir o inferno, Limbo e Purgatório;
e no inferno, ao mesmo tempo, foi criado fogo material e as demais coisas que
agora ali servem de pena aos condenados. Foram os Anjos criados no Céu empíreo
e em graça, para que com ela houvesse o merecimento do prêmio da glória; com
efeito, embora estivessem no lugar dela, não se lhes havia ainda mostrado a
divindade face a face e com claro conhecimento, até que, com a graça, o viessem
a merecer os que foram obedientes à vontade divina. E, deste modo, estes Anjos
santos, como aliás os apóstatas, permaneceram muito pouco tempo no primeiro
estado de viadores.
Resta saber o motivo que tiveram Lúcifer e seus
confederados no seu pecado (que é justamente o que agora tentarei investigar) e
pelo qual tomaram a decisão da Sua desobediência e queda. … E segundo o mau afeto
que então teve, Lúcifer caiu em desordenadíssimo amor próprio e nasceu-lhe o
ver-se com maiores dons e formosura de natureza e graças que os outros Anjos
inferiores. Neste conhecimento, deteve-se demasiado; e o agrado que sentiu de
si mesmo fê-lo retardar e esmorecer no agradecimento que devia a Deus, como
causa única de tudo quanto tinha recebido. E voltando a contemplar-se a si
mesmo, de novo sentiu um extraordinário agrado pela Sua formosura e graças,
atribuiu-as a si próprio e amou-as como suas; e este desordenado afeto próprio,
não só o fez erguer-se com aquilo que tinha recebido de bem superior virtude,
mas também o levou a invejar e cobiçar outros dons e excelências alheias que
não tinha. E porque não as pôde conseguir, concebeu um mortal ódio e indignação
contra Deus, que do nada o tinha criado, e contra todas as Suas criaturas; determinou a Divina Providência
manifestar-lhes, imediatamente depois da Sua criação, o fim para que os tinha
criado com natureza tão elevada e excelente. Em segundo lugar, lhes manifestou Deus que
iria criar uma natureza humana e criatura racionais inferiores, para que
amassem, temessem e reverenciassem a Deus, como seu Autor e bem eterno, e que
Ele Mesmo iria favorecer muito esta natureza; e que a segunda pessoa da própria
Santíssima Trindade Se iria humanizar e fazer-Se homem, elevando a natureza
humana à união hipostática e pessoa divina e que a esse suposto homem e Deus
teriam de reconhecer como chefe, não apenas enquanto Deus, mas simultaneamente
enquanto homem e teriam de O reverenciar e adorar; e que os próprios Anjos
teriam de ser Seus inferiores em dignidade e graças e Seus servos. E deu-lhes
entendimento da conveniência e equidade, justiça e razão que nisto havia,
porque a aceitação dos merecimentos previstos desse Homem e Deus lhes tinha
merecido a eles mesmos a graça que possuíam e a glória que iriam possuir; e que
para Sua própria glória tinham sido criados, tanto eles como todas as criaturas
o seriam, porque a todas iria ser superior; e todas as que fossem capazes de
conhecer e gozar de Deus, iriam ser povo e membros dessa cabeça, para
reconhecê-Lo e reverenciá-Lo. E logo os Santos Anjos receberam o mandato de se
submeter a tudo isto. Mas Lúcifer, com soberba e inveja, resistiu e incitou os
Anjos, seus sequazes, a que fizessem o mesmo, como de fato o fizeram,
seguindo-o a ele e desobedecendo ao divino mandato.
Mas sucedeu nisto um outro mistério: que quando se
lhes propôs a todos os Anjos que teriam de obedecer ao Verbo Humanado, se lhes
deu um outro preceito: que teriam de ter juntamente por superiora uma mulher,
em cujas entranhas tomaria carne humana este Unigênito do Pai; e que esta
mulher iria ser Sua Rainha e Rainha de todas as criaturas e que Ela Mesma Se
havia de assinalar e avantajar a todas, angélicas e humanas, nos dons de graça
e glória. Os bons Anjos, por obedecerem a este preceito do Senhor, aumentaram e
engrandeceram a Sua humildade e com ela o acolheram e louvaram o poder e
sacramentos do Altíssimo; mas Lúcifer e seus correligionários, com este
preceito e mistério, cresceram ainda mais em soberba e presunção; e com
desordenado furor mais se lhe tornou apetecível a excelência de ser chefe de
toda a descendência humana e ordens angélicas e que, se teria de ser mediante a
união hipostática, então, fosse com ele mesmo. E quanto ao ser inferior à Mãe
do Verbo Humanado e Senhora Nossa, resistiu-lhe com horrendas blasfêmias,
convertendo-se em ofensiva indignação contra o Autor de tão grandes maravilhas.
Realizou neste momento o Todo-Poderoso outro mistério
maravilhoso: tendo-lhes manifestado, por inteligência, a todos os Anjos, o
grande sacramento da união hipostática, mostrou-lhes a Virgem Santíssima por um
sinal ou espécie, a jeito das nossas visões imaginárias, segundo o nosso modo
de entender. E assim lhes deu a conhecer e representou a natureza humana pura
numa mulher perfeitíssima, em quem o braço poderoso do Altíssimo iria ser mais
admirável do que em todas as demais criaturas, porque nEla depositava as graças
e dons de Sua destra, em grau superior e eminente. Este sinal e visão da Rainha
do Céu e Mãe do Verbo humanado foi notória e manifesta a todos os Anjos, bons e
maus. Os bons, à Sua vista, ficaram extasiados de admiração e em cânticos de
louvor e, a partir de então, começaram a defender a honra de Deus Humanado e
Sua Mãe Santíssima, armados com este ardente zelo e com o escudo invencível
daquele sinal. E, pelo contrário, o dragão e seus aliados conceberam um
implacável furor e sanha contra Cristo e Sua Mãe Santíssima.
Com efeito, os Anjos eram estrelas e, se
perseverassem, luziriam depois com os demais Anjos e justos, como o Sol, em perpétuas
eternidades mas lançou-as sobre a Terra o castigo merecido, para sua desdita,
até ao centro dela, que é o inferno, onde carecerão eternamente de luz e de
alegria.
E foi admirável, esta batalha, porque se pelejava com
os entendimentos, e vontades. É difícil reduzir a palavras aquilo que se passou
em tão memorável batalha, por haver tanta distância entre os fracos raciocínios
materiais e a natureza e operações de tais e tantos espíritos angélicos. Mas os
maus não prevaleceram, porque a injustiça, mentira, ignorância e malícia não
podem prevalecer contra a equidade, verdade, luz e bondade; nem estas virtudes
podem ser vencidas pelos vícios; e por isto diz o evangelista que "não prevaleceram e não houve mais
lugar no Céu para eles". Com os pecados que cometeram estes ingratos
anjos, se tornaram indignos da eterna visão e companhia do Senhor e a Sua
memória apagou-se-lhes na mente, em que antes de cair estavam como que gravados
pelos dons de Graça que lhes tinha dado; e, como foram privados do direito que
tinham aos lugares que lhes estavam marcados, se tivessem obedecido, este mesmo
direito passou para os homens e para eles se destinaram, ficando tão limpos os
vestígios dos anjos apóstatas, que jamais haverá no Céu lugar para eles. O
Santo Príncipe Miguel expulsou Lúcifer do Céu com essa invencível palavra: "Quem como Deus?", que foi tão
eficaz, que conseguiu derrubar esse poderoso gigante e todos os seus exércitos
e lançá-lo, com sua horrível ignomínia, no inferior da Terra, começando, com
Sua infelicidade e castigo, a ter novos nomes de dragão, serpente, diabo e
Satanás, que o próprio Santo Arcanjo lhe pôs na batalha; e todos eles
testemunham a sua iniquidade e malícia. E privado, por esta mesma iniquidade e
malícia, da felicidade e honra que desmerecia, foi também privado dos nomes e
títulos honrosos e adquiriu os que declaram a Sua ignomínia; e a intenção
maldosa que propôs e ordenou a seus correligionários, que enganassem e pervertessem
a todos os que no mundo vivessem, manifesta bem a sua iniqüidade.
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