Maria
de Ágreda – do Livro: Mística Cidade de Deus
A
ordem da Criação de todas as coisas
Distribuem-se
por instantes os divinos decretos, declarando o que em cada um determinou Deus
acerca da Sua comunicação ad extra.
O primeiro instante é aquele em que conheceu Deus os
Seus divinos atributos e perfeições, com a propensão e inefável inclinação para
comunicar-Se fora de Si; e este foi o primeiro conhecimento de ser Deus
comunicativo ad extra, contemplando Sua Alteza a condição de Suas infinitas
perfeições, a virtude e eficácia que em si tinham para realizar magníficas
obras. Viu que tão suma bondade, era convenientíssimo, na Sua equidade, e como
devido e forçoso, comunicar-Se, para operar segundo a Sua inclinação comunicativa
e exercer Sua liberalidade e misericórdia, distribuindo fora de Si, com
magnificência, a plenitude de Seus infinitos tesouros, encerrados na divindade.
O segundo instante foi outorgar e decretar esta
comunicação da Divindade com a razão e motivos de que fosse para maior glória
ad extra e exaltação de Sua Majestade com a manifestação da Sua grandeza. E
esta Sua exaltação própria olhou-a Deus, neste instante, como verdadeiro fim de
comunicar-Se e dar-Se a conhecer, com a liberalidade de derramar Seus atributos
e usar de Sua omnipotência, para ser conhecido, louvado e glorificado.
O terceiro instante foi conhecer e determinar a ordem
e disposição ou o modo desta comunicação, da forma que se conseguisse o mais
glorioso fim de realizar tão árdua determinação: a ordem que deveria
haver nos objetos e o modo e diferença de lhes comunicar a divindade e
atributos, de forma que essa espécie de movimento do Senhor tivesse honesta
razão e proporcionados objetos e que entre eles existisse a mais formosa e
admirável disposição, harmonia e subordinação. Neste instante se determinou, em
primeiro lugar, que o Verbo Divino tomasse carne e Se fizesse visível, e se
decretou a perfeição e compostura da humanidade santíssima de Cristo nosso
Senhor e ficou construída na mente divina; e, em segundo lugar, para os demais,
à Sua imitação, idealizando a mente divina a harmonia da natureza humana, com
seu adorno e compostura de corpo orgânico e alma para ele, com suas potências
ou capacidades de conhecer e gozar do seu Criador, discernindo entre o bem o
mal, com vontade livre, para amar o próprio Senhor.
E esta união hipostática (coexistência das 2 naturezas
em Jesus - divina e humana) da segunda pessoa da Santíssima Trindade com a
natureza humana, entendi que era como que forçoso fosse a primeira obra e objeto
onde primeiro se manifestasse o entendimento e Vontade Divina ad extra por
altíssimas razões que não poderei explicar. … E por estas e outras razões que
não posso explicar, só no Verbo humanado se pôde satisfazer ou corresponder à
dignidade das obras de Deus; com Ele, havia formosíssima ordem, na natureza, e
sem Ele não a teria havido.
O quarto instante foi decretar os dons e graças que se
deveriam dar à humanidade de Cristo Senhor nosso, unida à divindade. Aqui, deu
o Altíssimo largas à Sua liberal omnipotência e atributos, para enriquecer
aquela humanidade santíssima e alma de Cristo com a abundância de dons e
graças, na plenitude e grau possível.
A este mesmo instante, como consequência e em segundo
lugar, pertence o decreto e predestinação da Mãe do Verbo humanado; de fato,
aqui, entendi que foi ordenada esta criatura, antes que houvesse outro decreto
de criar qualquer outra. E assim, foi primeiro que todas concebida na mente
divina, tal como pertencia e convinha à dignidade, excelência e dons da
humanidade de Seu Filho Santíssimo; e para Ela se encaminhou logo,
imediatamente, com Ele, todo o ímpeto do rio da divindade e Seus atributos,
tanto quanto era capaz de recebê-lo uma pura criatura e como convinha à
dignidade de Mãe.
Na inteligência que tive de tão altos mistérios e
decretos, confesso que me arrebatou a admiração, levando-me para fora de mim
própria; e conhecendo esta santíssima e puríssima criatura, formada e criada na
mente divina desde ab initio e antes de todos os séculos, com verdadeiro
alvoroço e júbilo de espírito enalteço o Todo-Poderoso pelo admirável e
misterioso decreto que teve de criar-nos tão pura, grande, mística e divina
criatura, mais para ser admirada com o louvor de todas as demais do que para
ser descrita por qualquer que fosse.
Muito se conhece, mas ignora-se muito mais ainda,
porque este livro selado não foi aberto. Fico verdadeiramente suspensa, no
conhecimento deste sacrário de Deus e reconheço o seu Autor como bem mais
admirável na Sua formação do que em tudo o mais que foi criado, bem inferior a
esta Senhora; embora a diversidade de criaturas manifeste com admiração o poder
de seu Criador, só nesta Rainha de todas elas se encerram e contêm mais
tesouros do que em todas juntas, e a variedade e preço de Suas riquezas
engrandecem o Autor sobre todas as criaturas juntas.
Neste instante, a nosso entender, foi prometido ao
Verbo, como por um contrato, a santidade, perfeição e dons de graça e glória
que iria ter Aquela que havia de ser Sua Mãe; e a proteção, amparo e defesa que
se iria ter com esta verdadeira cidade de Deus, em quem contemplou Sua
Majestade as graças e merecimentos que por si mesma iria adquirir esta Senhora
e os frutos que iria granjear para Seu povo com o amor e reconhecimento que daria
a Sua Majestade.
Neste mesmo instante, e como em terceiro e último
lugar, determinou Deus criar lugar e morada onde habitassem e vivessem o Verbo
humanado e Sua Mãe; e, em primeiro lugar, para eles e só por eles criou o Céu e
a Terra com seus astros e elementos e o que neles se contém; e a segunda
intenção e decreto foi para que os membros de que viesse a ser cabeça e
vassalos de quem fosse rei; com providência real se dispôs e previu de antemão
tudo quanto era necessário e conveniente.
E passo ao quinto instante, embora já tenha descoberto
o que procurava. Neste quinto instante, foi determinada a criação da natureza
angélica que, por ser mais excelente e de acordo, pelo seu ser espiritual, com
a divindade, foi primeiro prevista e decretada a Sua criação e disposição
admirável em nove coros e três hierarquias.
A este instante pertence a predestinação dos bons e
condenação dos maus Anjos; nele viu e conheceu Deus, com Sua infinita ciência,
todas as obras de uns e de outros, na Sua devida ordem, para predestinar com
Sua livre vontade e liberal misericórdia os que Lhe iriam obedecer e
reverenciar e para condenar com Sua justiça os que se iriam levantar contra Sua
Majestade, em soberba e desobediência, por seu desordenado amor próprio. E ao
mesmo instante pertence a determinação de criar o Céu empíreo, onde se
manifestasse a Sua glória e nela premiasse os bons, e a terra e tudo o mais
para as outras criaturas, e no centro ou mais profundo dela, o inferno, para
castigo dos Anjos maus.
No sexto instante, foi determinado criar povo e uma
verdadeira multidão de homens para Cristo, já antes predeterminado na mente e
vontade divina, e a cuja imagem e semelhança se decretou a formação do homem,
para que o Verbo humanado tivesse irmãos semelhantes e inferiores e povo de Sua
mesma natureza, de quem fosse cabeça. Neste instante se decretou a ordem da
criação de toda a descendência humana, que começasse de um só homem e de uma só
mulher e deles se propagasse até à Virgem e Seu Filho, pela ordem que foi
concebido.
Muito breve e balbuciante sou neste capítulo, porque
se poderiam ter feito com ele muitos livros; mas calo porque não sei falar e
sou mulher ignorante e porque a minha intenção foi apenas declarar como a
Virgem Mãe foi idealizada e prevista ante saecula, na Mente Divina.
Sem comentários:
Enviar um comentário