“NO TERCEIRO DIA, UMA LUZ VINDA DOS CONFINS DO UNIVERSO, COMO UM METEORO, VAI DIRETO ATÉ O SEPULCRO, QUANDO UM ESTRONDO SACODE A TERRA, AFASTANDO A ENORME PEDRA QUE O SELAVA, E OS GUARDAS ROMANOS FICAM ATORDOADOS. A LUZ ENTÃO ENTRA NO CORPO INERTE DE JESUS, QUE EM SEGUIDA LEVANTA, TRANSPASSANDO OS PANOS DA MORTALHA COM SEU CORPO IMATERIAL FULGURANTE. RESSUSCITANDO DOS MORTOS COM UMA MATÉRIA INCORPÓREA DE INTENSA LUZ, CONHECIDA APENAS POR DEUS, DE UMA BELEZA INDESCRITÍVEL.”

quinta-feira, 19 de maio de 2016

O JUÍZO PARTICULAR


O juízo particular

Diz Deus:

Os pecadores não podem desculpar-se. Continuamente são por mim convidados ao conhecimento da Verdade. Não se corrigindo enquanto podem fazê-lo, uma segunda repreensão os condenará. Ela acontece no último instante da vida, quando meu Filho chamar: "Surgite mortui, venite ad judicium" (Levantai-vos, ó mortos, vinde para o julgamento)! Tu que morreste para a graça e morto chegas ao fim da vida terrena, levanta-te, aproxima-te do supremo Juiz. Aproxima-te com tua maldade, com teus julgamentos falsos, com a lâmpada da fé apagada. No santo batismo, ela foi-te entregue acesa; tu a apagaste com o sopro do orgulho e da vaidade do coração, usados como velas enfunadas às ventanias contrárias à salvação. O amor da fama soprava teu amor-próprio (egoísmo) e tu corrias alegre pelo rio dos prazeres mundanos; seguias a frágil carne, as incitações do demônio, as tentações. Tua vontade era um pano retesado e o diabo te conduziu pela estrada do mal, junto com ele, para a eterna condenação.
Filha muito querida, esta segunda repreensão se dá no fim da vida, quando não há mais remédio. Ao chegar o instante da morte, o homem sente remorso. Já afirmei que ele é um verme cego por causa do egoísmo. No instante final, quando a pessoa compreende que não pode fugir das minhas mãos, esse verme recupera a visão e atormenta interiormente a pessoa, fazendo ver que por própria culpa chegou a tão triste situação. Se o pecador se deixar iluminar e se arrepender - não por medo dos castigos infernais, mas por ter ofendido a suma e eterna bondade - ainda será perdoado. Mas se ultrapassar o momento da morte nas trevas, no remorso, sem esperança no sangue ou, então, lamentando-se apenas pela infelicidade em que se acha - e não por ter me ofendido - irá para a perdição. Sobrevirá, pois, a repreensão pela injustiça e falso julgamento.
Em primeiro lugar, a repreensão da injustiça e do julgamento falso em geral, praticados no conjunto de suas ações; depois, em particular, do último instante, quando o pecador considera seu pecado maior que minha misericórdia. Este (Mt 12,32) é o pecado que não será perdoado, nem aqui nem no além. O desprezo voluntário da minha misericórdia constitui pecado mais grave que todos os anteriores. Neste sentido, o desespero de Judas desagradou-me e foi mais grave que a sua traição. Também para meu Filho! É por causa deste (último) julgamento falso que o pecador sofre a repreensão, ou seja, porque acha que sua falta é maior que meu perdão. Este é o motivo da punição, indo sofrer eternamente com os demônios.
A repreensão da injustiça acontece porque os pecadores sentem mais tristeza pelos próprios danos que por me terem ofendido. São injustos, no sentido de que não atribuem a mim o que me pertence e a si o que é deles. A mim deveriam oferecer o amor, a tristeza e contrição dos pecados cometidos. Mas agem no sentido oposto, só demonstrando autocompaixão e angústia pelo castigo que lhe merecem seus pecados. Como vês, são injustos. E por tal motivo são punidos por uma e por outra coisa.. Já que desprezaram meu perdão, com justiça mando-os ao castigo (Mt 25,41), juntamente com a escrava sensualidade e o tirano demônio, a quem na sensualidade serviam. Já que solidariamente me ofenderam, juntos serão punidos e atormentados. Os próprios demônios, encarregados por mim de cumprir a sentença de justiça, atormentá-los-ão.

Filha, a tua linguagem é incapaz de descrever os sofrimentos destes infelizes. Sendo três os seus vícios principais - egoísmo, medo de perder a boa fama e orgulho - aos quais se acrescentam a injustiça, a maldade e vergonhosos pecados, no inferno os pecadores padecem quatro tormentos principais.

Primeiro tormento é a ausência da minha visão. Um sofrimento tão grande que os condenados, se fosse possível, prefeririam sofrer o fogo vendo-me, que ficar fora dele sem me ver.
Segundo tormento, como consequência, é o remorso que corrói interiormente o pecador privado de mim, longe da conversação dos anjos, a conviver com os demônios.
Aliás, a visão do diabo constitui o terceiro tormento. Ao vê-lo, duplica-se o sofrer. No céu, os bem-aventurados exultam com minha visão e sentem rejuvenescer o prêmio recebido pelas fadigas amorosamente suportadas (no mundo); da mesma forma, mas em sentido contrário, os infelizes danados vêem crescer seus padecimentos ao verem os demônios. Nestes, eles se conhecem melhor, entendendo que por sua própria culpa mereceram o castigo. Assim o remorso os martiriza e jamais cessará porque o diabo é visto no próprio ser; tão horrível é a sua fealdade, que a mente humana não consegue imaginar. Se ainda o recordas, já te mostrei o demônio uma vez assim como ele é; foi por um átimo de tempo. Quando retornaste aos sentidos, preferias caminhar por uma estrada de fogo até o juízo final que tornar a vê-lo. No entanto, apesar do que viste, ignoras sua fealdade. Especialmente porque, segundo a justiça divina, ele é visto mais ou menos horrível pelos condenados, segundo a gravidade das culpas.
Quarto tormento é o fogo. Um fogo que arde sem consumir, sem destruir o ser humano. É algo de imaterial, que não destrói a alma incorpórea. Na minha justiça permito que tal fogo queime, que faça padecer, aflija; mas não destrua. É ardente e fere de modo crudelíssimo em muitas maneiras, conforme a diversidade das culpas. A uns mais, a outros menos, segundo a gravidade dos pecados.
Destes quatro tormentos derivam os demais: o frio, o calor, o ranger de dentes (Mt 22,13). Como vês, repreendo os pecadores nesta vida por seus julgamentos falsos e injustiças; se não se corrigem, faço-lhes uma segunda repreensão na hora da morte; pela ausência de esperança e arrependimento, sobrevem-lhes a morte eterna em indizível infelicidade.
Falta-me discorrer sobre a terceira repreensão: o juízo final. Já falei das duas primeiras repreensões; passo a tratar do julgamento geral, quando a alma do condenado sentirá renovar-se o seu tormento, e mesmo aumentar, com a recuperação do corpo. Será um padecimento intolerável, acompanhado de muita confusão e vergonha. Quero que entendas quanto se enganam os pecadores (neste mundo).
Por ocasião do juízo final, o Verbo encarnado virá com divina majestade repreender o mundo. Não mais se apresentará pobrezinho, na forma como nasceu da Virgem numa estrebaria, entre animais, para morrer depois no meio de ladrões. Naquela ocasião, ocultei nele o meu poder e permiti que suportasse penas e dores como homem. A natureza divina se unira à humana e foi enquanto homem que sofreu para reparar vossas culpas. No juízo final, não será assim, pois virá com poder a fim de julgar. As criaturas humanas estremecerão e ele a cada um dará a sentença conforme o merecimento. Tua língua não consegue exprimir o que sucederá aos condenados. Para os bons, Jesus será motivo de temor santo e alegria imensa.
Em si mesmo, meu Filho não terá diferenças, pois sendo Deus é imutável. Ele é uma só coisa comigo. Pela glória da ressurreição, até sua natureza humana não padece mudanças. Mas os condenados não o verão assim. Olhá-lo-ão com vista obscurecida e horrível, como lhes é próprio. O olho doentio, mesmo diante do sol, somente vê escuridão, ao passo que o olho sadio vê apenas luz. Não que o sol, em sua luz, transforme-se diante do cego ou daquele que possui bons olhos. O defeito está na cegueira. O mesmo acontece com os condenados. Verão o ressuscitado em escuridão, na confusão, no ódio. Repito: não por imperfeição da majestade divina, que virá julgar o mundo, mas por causa da própria cegueira.
Grande é o ódio dos condenados, pois já não amam o bem. Blasfemam continuamente contra mim! Queres saber porque já não podem desejar o bem? É porque, no fim desta vida, vincula-se o livre arbítrio. Com o cessar do tempo, já não se merece mais. Quem termina esta existência no pecado mortal, por direito divino fica para sempre apegado ao ódio, obstinado no mal, a roer-se interiormente. Seus sofrimentos irão aumentando sempre, especialmente por causa das demais pessoas que por sua causa irão para a condenação.
Tendes a respeito disto o exemplo do rico epulário (Lc 16,27), que suplicava a Lázaro para que fosse até seus irmãos, no mundo, a fim de adverti-los sobre os futuros castigos. Ele não agia assim por amor e compaixão deles. Não tinha mais a virtude da caridade, nem poderia desejar-lhes o bem, seja querendo honrar-me ou salvar os irmãos. Já te disse (14.3.3) que os condenados ao inferno não podem fazer o bem; eles só blasfemam contra mim, uma vez que suas vidas acabaram no ódio a todo bem. Por que então o rico epulário fala daquela maneira? Porque fora o mais velho dos irmãos e dera-lhes maus exemplos durante a vida; pessoalmente era causa de condenação eterna para eles. Se viessem para sua companhia, teria seus próprios sofrimentos aumentados.


(do Livro O Diálogo – Santa Catarina de Sena)

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