O ESPÍRITO SANTO FALA
Perto
de uma curva, aparecem alguns escribas, que vêm se aproximando: “A paz esteja
contigo, Mestre. Nós ficamos esperando aqui para... venerar-te.”
“Não.
Para certificar-vos de que Eu não cometo fraude. Fizestes bem. Persuadi-vos de
que Eu não tive meios para ver a mulher, e nenhum daqueles que estão com ela,
vós, tu e tu, estáveis de guarda na casa do Zaqueu, e vistes que nenhum de nós
tinha saído. Vós chegastes antes de Mim à estrada, e vistes que nenhum de nós
foi para a frente. Vós tendes a intenção de impor-me certas cláusulas, quando
ao encontro com aquela mulher, e Eu vos digo que as aceito, antes mesmo que a
façais...”
“Mas...
se não sabes quais são..”
“Não
é verdade que as quereis fazer?”
“É
verdade.”
“Assim
como Eu sei dessa vossa intenção, que só vós conheceis, assim também Eu sei o
que me ireis dizer. E Eu vos digo que aceito o que quereis propor-me, porque
servirá para dar glória à verdade. Falai.”
“Sabes
como estão as coisas?”
“Sei
que a mulher é por vos julgada endemoninhada, e que por isso nenhum exorcista
pode expulsar dela o demônio. Mas Eu sei que ela não profere palavras de
demônio. Assim dizem aqueles que a ouviram falar.”
“Podes
jurar que não a viste nunca?”
“O
justo não jura nunca, porque sabe que tem o direito de ser acreditado, quanto
ao que diz. Eu vos digo que nunca a vi, e que nunca passei pela terra dela, e
todos daquela terra podem confirmar isso.”
“E
no entanto, ela persiste em dizer que conhece o teu rosto e a tua voz.”
“Foi-me
dito que ela profere palavras inspiradas.”
“Também
o demônio fala de Deus.”
“Mas
com erros misturados de propósito, para desviar os homens para pensamentos de
erro.”
“Pois
bem. Nós quereríamos que Tu nos deixasses fazer a mulher passar por uma prova.”
“De
que modo?”
“Tu
não a conheces mesmo?”
“Eu
vos digo que não.”
“Está
bem. Nós mandaremos á frente alguém que vá gritando: “Eis o Senhor”, e nós
ficaremos olhando se ela saúda o que vai com ele, como se fosses Tu.”
“É
uma pobre prova. Contudo, Eu aceito. Escolhei vós, entre os que me acompanham,
quais são os que serão mandados à frente. E Eu vos acompanharei com os outros.
Mas, se a mulher falar, vós a deveis deixar falar, a fim de que Eu julgue as
palavras dela.”
“É
justo. O pacto está feito, e o manteremos fielmente.”
“Mestre,
não somos todos teus adversários. Alguns entre nós estão em posição de
expectativa... e com sincera vontade de ver a verdade, para te seguirem”, diz
um escriba.
“É
verdade. E esses serão muito amados por Deus.”
Os
escribas examinam os apóstolos e estranham a ausência de muitos, especialmente
a do Iscariotes, e depois escolhem Judas Tadeu e João. Além disso, tomam
consigo o ladrão convertido, que está pálido e magro e com os cabelos
avermelhados. Afinal, eles tomam consigo os que pela idade e pela fisionomia
têm certos pontos em que se parecem com o Mestre.
“Nós
iremos à frente com estes homens. Tu, fica aqui com os nossos companheiros e
com os teus, e, um pouco depois acompanha-nos.”
E
assim fazem.
Já
estão à vista os bosques que margeiam o rio. Um sol de inverno já no acaso,
doura as pontas das árvores e espalha uma luz amarela e bem clara sobre as
pessoas que se abrigaram junto às árvores.
“Eis
aqui! Aqui está o Messias. Levantai-vos! Vinde ao seu encontro!”, gritam os
escribas, que foram à frente, desviando-se para uma trilha, que termina em um gigantesco
carvalho de grossas raízes meio descobertas, parecendo umas cadeiras para os
que se abrigam ao redor de seu tronco.
O
grupo de pessoas, que lá estão ao redor da árvore, se vira, se levanta, abre
ala, encaminhando-se para ir ao encontro dos que vem chegando. E, junto ao tronco
ficam somente três escribas. João de Éfeso, um homem e uma mulher já de idade,
e mais uma mulher está sentada sobre uma raiz saliente, encostada no tronco,
com a cabeça inclinada sobre os joelhos que estão apertados por entre os braços
que a cingem, coberta de alto a baixo por um véu de um roxo tão carregado, que
parece preto. Ela parece alheia a tudo. Nem dá sinal de ouvir a gritaria.
Um
escriba toca no ombro dela: “Está aqui o Mestre, Sabéia. Levanta-te e saúda-o.”
A
mulher nem responde, nem se move.
Os
três escribas olham um para o outro e sorriem, irônicos, fazendo a outros que
vão a frente, o sinal de que entenderam. Mas, como os que estavam esperando,
não tendo visto Jesus, ficaram silenciosos, eles gritam mais forte ainda, eles
e seus companheiros, para que a mulher não perceba o engano.
“Mulher”,
diz um escriba à velha mãe, que está com a filha, “pelo menos saúda o Mestre, e
dize à tua filha que também o faça.” A mulher se prostra, junto com seu marido,
diante de Tadeu, de João e do ladrão arrependido, e depois, levantando-se, diz
à filha: “Sabéia, o Senhor está aqui, vem venerá-lo.”
A
jovem não se move.
O
sorriso irônico dos escribas se acentua, e um deles, magro e narigudo, diz com
uma voz anasalada e arrastada: “Não esperavas esta prova, não é mesmo? E o teu
coração está tremendo. Escuta, porque a tua fama de profetisa está em perigo, e
não brinques com a sorte... Parece que isto basta para mostrar que és
mentirosa.”
A
mulher levanta de repente a cabeça. Joga para trás o véu, e olha com os olhos
bem abertos, dizendo: “ Eu não
minto ó escriba. E não tenho medo, porque estou com a verdade. Onde está o
Senhor?”
“Como?
Dizes que o conheces, e não o estás vendo? Ele está diante de ti.”
“Nenhum destes é o Senhor. Por isso eu não me movia. Não é nenhum
destes.”
“Nenhum
destes? Como? Aquele Galileu louro não é o Senhor?”
“Eu não o conheço, mas sei que é louro e de olhos azuis. Não é o
Senhor.”
“Então
é aquele alto e sério. Cuidado, que se trata de um rei. E certamente é Ele.”
“Não é o Senhor. E entre estes não está o Senhor”, e a mulher torna a baixar a cabeça por entre os
joelhos, como antes.
Passa
algum tempo. Depois, eis Jesus que vem vindo. Os escribas impuseram silêncio
àquelas poucas pessoas. Por isso, a chegada de Jesus não foi saudada por nenhum
Hosana.
Jesus
vem vindo à frente, caminhando lentamente, silenciosamente... A erva viçosa
abafa todo o barulho dos passos. Enquanto isso, a velha enxuga suas lágrimas
com o véu, e um escriba a ofende, dizendo: “Vossa filha é doida e mentirosa”,
e, enquanto o pai suspira, e até censura a filha, Jesus chega ao fim da trilha
e pára.
A
jovem, que não pode ouvir nada, que não pode ver nada, põe-se de pé, tira o
véu, descobre assim completamente a cabeça e estende os braços, dando um forte
grito: “Ei-lo que
vem a mim o meu Senhor! Este é o Messias, ó homens. Eu vejo sobre Ele a luz de
Deus, que no-lo mostra, e lhe presto honra!”, e se joga no chão, mas ficando em seu lugar, a uns dois metros de
Jesus, com o rosto no chão, por entre a grama, e ela grita: “ Eu te saúdo, ó Rei dos Povos, ó
Admirável, ó Príncipe da Paz, Pai do século sem fim, Chefe do novo povo de
Deus!”, e fica prostrada, por baixo do
amplo manto escuro, de um roxo quase preto, como o véu. Mas, no momento em que
ela se pôs de pé junto ao tronco negro, - e depois de ter tirado o véu, ficou
com os braços estendidos para a frente, como se fosse uma estátua...
...
Ei-la levantando-se e mostrando suas mãos longas, meio amorenadas, muito
bonitas, unidas aos braços por uns pulsos delicados. Ei-la de novo de pé junto
ao muro escuro. Ela está agora olhando para o Mestre, e sacode a cabeça porque
alguns escribas estão dizendo: “Estás enganada, Sabéia. Ele não é o Messias,
mas é aquele que viste por primeiro, sem que o reconhecesses.” Ela sacode a
cabeça, e continua firme, séria, e não tira os olhos do Senhor. Depois, seu
rosto se transfigura, em uma expressão que eu não sei dizer se é de uma viva
alegria, ou de uma sonolência extática. Mas tem de uma e de outra coisa, pois
parece empalidecer, como quem está perto de desmaiar, enquanto toda a sua vida
se concentra nos olhos, que se tornam luminosos, com uma luz de alegria, de
triunfo, de amor...
Não
sei. Estarão rindo aqueles olhos? Não. Eles não riem, como também não ri aquela
boca séria. No entanto, há uma luz de alegria neles, e cada vez mais aqueles
olhos vão adquirindo um grau de intensidade impressionante.
Jesus
olha para ela com seu olhar manso, um pouco triste. “Estás vendo como é uma
doida?”, sussurra-lhe um escriba. Jesus não responde uma palavra. Sua mão
esquerda está pendente ao longo do lado, a direita a segurar o manto sobre o
peito, e fica olhando sem nada dizer. E a mulher abre a boca e estende os braços, como antes. Parece uma
enorme borboleta, de suas asas roxas, e de corpo cor de marfim velho. E um novo
grito sai de seus lábios: “Ó
Adonai, Tu és grande! Somente Tu és grande, Adonai! Grande és Tu no Céu e na
Terra, no tempo e nos séculos dos séculos, e além do tempo, desde sempre e para
sempre. Ó Senhor, Filho do Senhor. Debaixo dos teus pés estão os teus inimigos,
e mantém firme o teu poder no amor daqueles que te amam.”
Sua
voz vai-se tornando sempre mais firme e forte, enquanto os olhos se afastam do
rosto de Jesus, e se voltam para um ponto distante, olhando por cima das cabeças
dos que estão perto dela e que ela, estando de pé, encostada ao tronco de
carvalho, que está sobre uma elevação do solo, domina sem dificuldade, como se
fosse um barranco de pequena altura.
Depois
de uma pausa, ela continua: “O
trono de meu Senhor está ornado com as doze pedras das doze tribos dos justos.
Na grande pérola, que é o trono, o branco e precioso trono resplandecente do
Santíssimo Cordeiro, estão encastoados topázios com ametistas, esmeraldas com
safiras, rubis e sardônicas, ágatas e crisólitos, e berilos, ônix, jaspes,
opalas. Os que crêem? Os que esperam, os que amam, os que se arrependem, os que
vivem e morrem na justiça, os que sofrem, os que deixam o erro pela verdade, os
que eram duros de coração, mas se tornaram mansos em seu Nome, os inocentes, os
arrependidos, os que de despojam de todas as coisas, para ficarem ágeis e
seguir o Senhor, as virgens de espírito resplandecente, com uma luz parecida
com uma aurora do Céu de Deus... Glória ao Senhor! Glória a Adonai! Glória ao
Rei sentado em seu Trono!”
Sua
voz é como um som agudo. As pessoa se sentem sacudidas por um tremor. E a
mulher parece estar realmente vendo o que diz, como se a nuvem dourada, que lá
se vai navegando por um céu sereno, que ela parece estar acompanhando, com seu
olhar arrebatado, fosse para ela uma lente, para ver as glórias celestes.
Ela
repousa, como se estivesse cansada, mas sem mudar de posição. Somente o seu
rosto fica transfigurado pela palidez da pele e o brilho dos olhos. Depois ela
continua a falar, abaixando o seu olhar sobre Jesus, que a está escutando
atentamente, no meio de um grupo de escribas, que sacodem a cabeça, irônicos e
zombeteiros, e de apóstolos e seguidores que estão pálidos, por uma sagrada
emoção. Ela começa de novo a falar, em voz clara, mas menos alta: “ Eu estou
vendo. Eu vejo o Homem o que se esconde no Homem. Santo é o Homem, mas o meu
joelho se dobre diante do santo dos santos, encerrado no Homem.”
Sua
voz se torna forte, imperiosa como uma ordem: “Olha o teu Rei, ó povo de Deus! Procura conhecer
o seu Rosto! A Beleza de Deus está diante de ti. A Sabedoria de Deus veio usar
de uma boca para te instruir. Não são mais os profetas, ó povo de Israel, que
te falam do Inominável. Ele mesmo. Ele que conhece o mistério que é Deus e que
te fala de Deus. Ele que conhece o Pensamento de Deus, e que te aproxima do seu
seio, ó povo ainda pequeno, depois de tantos séculos, e te nutre com o leite da
Sabedoria de Deus para tornar-te adulto em Deus. Para fazer isso, Ele se
encarnou em um seio. No seio de uma mulher de Israel, grande mais aos olhos de
Deus e dos homens, do que qualquer outra mulher. Ela roubou o coração de Deus
com um só de seus suspiros de pomba. A beleza do seu espírito seduziu ao
Altíssimo, e Ele dela fez o seu trono. Maria de Aarão pecou, porque nela estava
o pecado. Débora julgou o que se devia fazer, mas não trabalhou com suas mãos.
Jael foi forte, mas sujou-se com sangue. Judite era justa, e temia o Senhor, e
Deus esteve em suas palavras, e lhe permitiu o ato, para que Israel fosse salvo,
mas, por amor à Pátria usou de uma astúcia homicida. Mas a mulher que o gerou
supera essas mulheres, porque Ela é a serva perfeita de Deus, e o serve sem
pecar. Toda pura, inocente e bela, Ele é o belo Astro de Deus, desde o seu
surgir, até o seu ocaso. Toda bela, resplendente e pura, para ser Estrela e
Lua. Luz para os homens encontrarem o Senhor. Ela não vai à frente, nem atrás
da Arca Santa, como não vai à frente Aarão, pois a Arca é Ela mesma. Sobre a
onda escura da terra, coberta pelo dilúvio das culpas, Ela desliza e salva,
porque quem nela entra encontra o Senhor. Pomba sem mancha, ela sai e leva
consigo a oliveira da paz aos homens, porque Ele é p Azeitona formosa. Ela se
cala e em seu silêncio está falando e trabalhando mais do que Débora, do que
Jael e do que Judite, e não aconselhas batalhas, não incita a matanças, não
derrama outro sangue, a não ser o mais escolhido, aquele com o qual fez o seu
Filho. Mãe infeliz! Mãe sublime... Temia Judite ao Senhor, mas de um homem
tinha sido sua flor. Ela deu ao Altíssimo sua flor intacta, e o Fogo de Deus
desceu no cálice do lírio suave, e um seio de mulher foi capaz de conter e
transportar o Poder, a Sabedoria e o Amor de Deus. Glória à Mulher! Cantai, ó
mulheres de Israel, os louvores dela.”
A
mulher se cala, como se tivesse esgotado sua voz. De fato, eu não sei como é
que ela faz para sustentar aquele timbre tão forte. Os escribas dizem: “Está
doida! Está doida! Faze que ela se cale, ou está doida ou possessa. Ordena ao
espírito que se apoderou dela se vá embora.”
“Não
posso. Nela há somente o Espírito de Deus, e Deus não se expulsa a Si mesmo.”
“Não
o fazes porque ela te louva, e isso lisonjeia o teu orgulho.”
“Escriba,
pensa no que sabes de Mim, e verás que Eu não conheço orgulho.”
“E,
no entanto, só um demônio pode falar nela, para exaltar assim uma mulher!... A
Mulher! E, que é que vale em Israel e para Israel essa mulher? Que é senão o
pecado aos olhos de Deus? A seduzida e a sedutora! Se não fosse pela fé,
difícil seria pensar-se que existe alma na mulher. Pois é proibido a ela
aproximar-se do Santo, por causa de sua impureza. E esta mulher diz que Deus
desceu nela!...”, diz um outro escriba, escandalizado, e os seus companheiros
concordam com ele.
Jesus
então diz, sem olhar ninguém no rosto, e parecendo que está falando a Si mesmo:
“A mulher esmagará a cabeça da serpente... A virgem conceberá e dará à luz um
Filho, que será chamado Emanuel... Um rebento brotará da raiz de Jessé, uma
flor nascerá dessa raiz e sobre Ela repousará o Espírito do Senhor.” Essa
Mulher é a minha Mãe, escriba. Em honra do teu saber, lembra-te das palavras do
Livro, e procura compreende-las.”
Os
escribas não sabem o que responder. Aquelas palavras já foram lidas mil vezes
por eles, e julgadas verdadeiras. Poderão negar isso agora? Então, eles se
calaram.
Alguém
dá ordens para que se acendam as fogueiras, porque o frio está forte por perto
das margens, por onde está passando agora o vento da tarde. Os outros obedecem,
e labaredas sobre os galhos secos logo se levantam, formando uma coroa ao redor
do grupo, que se ajuntou.
A
luz movediça do fogo parece estar despertando a mulher, que estava emudecida e
com os olhos fechados, como que recolhida em si mesma. Ela reabre os olhos, e
acorda. Olha de novo para Jesus, e grita de novo: “Adonai Adonai, Tu és grande!
Cantemos ao Divino um cântico novo! Shalém! Shalém! Malquich! Paz! Paz! O Rei,
ao qual nada resiste...”
De
repente, a mulher se cala. Olha ao redor pela primeira vez desde que começou a
falar, olhando para aqueles que rodeiam a Jesus, e fita bem os escribas, como
se os estivesse vendo pela primeira vez, e, sem nenhum motivo aparente, Formam-se
lágrimas em seus grandes olhos, seu rosto fica triste e sem esplendor. Agora,
ela fala lentamente, e com uma voz profunda, como quem está falando de coisa
dolorosas: “Não. Há
alguém que resiste. Escuta, ó povo. Desde que começou a minha dor, ó povo de
Betleque, tu me tens ouvido falar. Depois de anos de silêncio e de dor, eu
ouvi, e disse o que ouvi. Agora já não estou mais entre os verdes bosques de
Beltleque, como a virgem viúva que acha no Senhor sua única paz. Eu não tenho
em torno de mim somente os meus concidadãos para lhes dizer: Temamos o Senhor,
porque chegou a hora de estarmos prontos para o seu chamado. Embelezemos a
veste do nosso coração para não sermos indignos de sua presença entre nós.
Cinjamo-nos de fortaleza, porque a hora do Cristo é hora de prova.
Purifiquemo-nos como vítimas para o altar, a fim de que possamos ser escolhidos
Poe Aquele que no-lo ensina. Quem é bom, faça-se melhor. Quem é soberbo,
torne-se humilde. Quem sofre de luxúria, livre-se da carne, a fim de que possa
acompanhar o Cordeiro. O avarento se transforme em benfeitor, pois Deus nos faz
o bem por seu Messias, e cada um pratique a justiça, para poder pertencer ao
povo do Bendito que vem. Agora eu estou falando diante dele, e diante de quem
crê nele e também diante de quem não crê, e zomba do Santo, e daqueles que
falam e crêem em seu Nome e nele. Mas eu não tenho medo. Vós dizeis que eu sou
doida, vós, dizeis que quem fala em mim PE um demônio. Eu sei que poderíeis
fazer-me apedrejar como blasfemadora. Sei que isto que eu vos direi vos parecerá
um insulto e blasfêmia e me odiareis. Mas eu não tenho medo. Sou a última,
talvez das vozes que falam dele antes de sua manifestação, e terei talvez a
sorte de muitas outras vozes, mas não tenho medo. Muito longo é o exílio, no
frio e na solidão da terra, para quem pensa em ir para o Seio de Abraão, ao
Reino de Deus, que o Cristo abre para nós, mais santo do que o seio de Abraão.
Sabéia do Carmelo, da estirpe de Aarão não teme a morte, Mas teme o Senhor. E
fala quando Ele a faz falar, para não desobedecer a sua vontade. E diz a
verdade, porque fala de Deus, com as palavras que Deus lhe dá. Eu não temo a
morte. Mesmo que me chamásseis de demônio, e me apedrejásseis como
blasfemadora, mesmo que o pai, a mãe e os meus irmãos por essa desonra
morrerem, eu não tremerei de medo, nem de dó. Eu sei que o demônio não está em
mim, porque em mim está calada toda concupiscência, e toda Betleque sabe disso.
Eu sei que as pedras não poderão fazer outra coisa, além de colocarem uma
parada mais breve do que um respiro em meu canto, e, depois, mais ampla na
liberdade do Além-terra. Eu sei que a dor daqueles que são do meu sangue, Deus
a confortará, e que ela será breve, enquanto que eterna será depois a sua
alegria de parentes mártires, por causa de uma mártir. Não temo a vossa morte,
mas sim a que me viria, se eu não lhe obedecesse. Eu falo. E falo aquilo que me
foi dito, ó povo escuta e escutai vós ó escribas de Israel.”
Levanta
de novo a voz amargurada, e diz: “O antigo povo de Deus não pode cantar o cântico novo, porque não
ama ao seu Salvador. Cantarão o cântico novo os que forem salvos de todas as
nações, os do povo do Cristo Senhor, e não aqueles que odeiam o meu Verbo. Que
horror ( ela dá realmente um grito que
faz estremecer). A voz produz luz, e que a luz produza vista. Que horror! Que é que estou
vendo?”
O
grito é quase como um uivo. Ela se contorce, como se estivesse fincada, diante
de algum espetáculo tremendo, que lhe torturasse o coração, ele estivesse
tentando acabar com aquilo, fugindo dali. Seu manto caiu-lhe dos ombros, e ela
fica com sua veste branca, ao lado de um grande tronco preto. No meio da luz,
que vai diminuindo lentamente no reflexo verde do bosque e ao avermelhado e
oscilante movimento das chamas, seu rosto toma um ar fortemente trágico. Formam-se
sombras sob os olhos, ao redor das narinas e sob os lábios. Parece um rosto
escavado pela dor. Ela toca suas mãos, repetindo em voz mais baixa: “Eu estou vendo! Estou vendo!”, e, bebendo suas lágrimas ela continua: “Estou vendo os delitos deste meu
povo. E sou impotente para fazê-los cessar. Eu vejo os corações dos meus
compatriotas, e não os posso mudar. Que horror! Que horror! Satanás deixou os
seus lugares e veio fazer sua morada nos corações destes.”
“Faze-a
calar!”, mandam os escribas a Jesus.
“Vós
prometestes deixá-la falar”, respondeu Jesus.
E
a mulher continua: “Eu volto à
terra, ao barro, ó Israel, que ainda sabes amar ao Senhor, Cobre-te de cinzas,
veste e cilício. Por ti mesma e por eles! Jerusalém! Salva-te, Jerusalém! Eu
vejo uma cidade tumultuada, pedindo um delito. Eu ouço, estou ouvindo o urro
dos que estão invocando com ódio um sangue sobre eles. Eu vejo que estão
levantando a vítima na Páscoa de sangue, vejo escorrendo aquele sangue, ouço
aquele sangue gritar mais do que o sangue de Abel, enquanto se abrem os céus, a
terra se sacode, e o sol escurece. E aquele sangue não grita vingança, mas pede
piedade para com o seu povo assassino, piedade para nós! Jerusalém,
converte-te. Aquele sangue! Aquele sangue, um rio. Um rio que lava o mundo,
curando-o de todos os males, cancelando todas as culpas. Mas para nós, para nós
de Israel, aquele sangue é um fogo, para nós ele é um escopo que escreve sobre
os filhos de Jacó o nome dos deicidas e a maldição de Deus. Jerusalém! Tem
piedade de ti mesma e de nós...”
Mas
faze-a calar-se, nós te ordenamos!”, gritam os escribas, enquanto a mulher
soluça, cobrindo seu rosto.
“Eu
não posso impor à Verdade que se cale.”
“A
Verdade! A Verdade! É uma doida que está delirando. Que Mestre és Tu, se tomas
por verdade as palavras de uma mulher que delira?” “E, que Messias és, se não
sabes nem fazer calar uma mulher?” “E, que profeta és, se não sabes pôr em fuga
o demônio? No entanto em outras ocasiões o fizeste!” “Ele o fez, sim. Mas agora
não lhe convém. É um plano bem engenhado para aterrorizar as multidões!”
“E
teria Eu escolhido logo esta hora, este lugar e este punhado de homens para
fazê-lo, quando Eu podia fazê-lo em Jericó, quando Eu tive cinco e mais de
cinco mil pessoas que me seguiram e me rodearam muitas vezes quando o recinto
do Templo ficou pequeno para acolher todos aqueles que me queriam ouvir? E, por
acaso, pode o demônio dizer palavras de Sabedoria? Quem de vós, em consciência,
pode dizer que algum erro escapou de seus lábios? Não é verdade que saem,
ressoando de seus lábios, com voz de mulher, as terríveis palavras dos
profetas? Não estais ouvindo a voz de Deus através da criatura, a voz que
procura ser acolhida para o vosso bem? Mas esta mulher, que para Mim é
desconhecida, que favor estará esperando por suas palavras? Que é que receberá
por elas, senão o vosso desprezo, as vossas ameaças, e talvez a vossa vingança?
Não. Eu não lhe imponho silêncio! Pelo contrário, para que estes poucos a
ouçam, e vós também a ouçais, e possais arrepender-vos, Eu lhe ordeno: “Fala!
Fala! Eu te mando em nome do Senhor!”
...Fala,
Eu te ordeno. Não ficarão sem fruto as tuas dolorosas palavras Sabéia, da
estirpe de Aarão, fala!”
A
mulher obedece. Mas ela fala baixo, a tal ponto que todos vão mais para perto
dela, a fim de ouvi-la melhor. Ela parece estar falando a si mesma, olhando
para o rio que passa, rente à sua direita, com os últimos reflexos de suas
águas naquele dia. E ela parece estar conversando com o rio: “Ó Jordão, rio sagrado de nossos
pais, que tens a onda azul e encrespada, como um bisso precioso, e por ela
refletes as claras estrelas e a cândida lua, e acaricias os salgueiros de tuas
margens, que és um rio de paz e, contudo conheces tantas dores. Ó Jordão, que
nas horas de tempestade, sobre as ondas inchadas e agitadas, transportas as
areias de milhares de torrentes com as suas rapinas, e às vezes até troncos de
tenros arbustos, sobre os quais está um ninho, e sem teres dó do casal de
passarinhos, que o vão acompanhando, piando de dor, vendo o seu ninho destruído
pela tua rapina. Assim verás, ó Sagrado Jordão, atingido pela ira divina,
arrancado das casas e do altar, e indo para a ruína para perecer na maior das
mortes, o povo que não quis o Messias. Salva-te meu povo! Crê no teu Senhor!
Segue o teu Messias! Reconhece-o pelo que Ele é. Não é rei de povos e milícias.
É Rei das almas, das tuas almas e de todas as almas Ele é. Desceu para recolher
as almas justas, e subirá de novo para conduzi-las ao Reino eterno. Ó vós, que
estais preocupados com o futuro da Pátria, uni-vos ao Salvador. Que não morra
completamente a semente de Abraão! Fugi dos falsos profetas, das bocas
mentirosas, dos corações rapinantes que querem arrancar-vos dos braços da
Salvação. Sai das trevas que vêm crescendo ao redor de vós. Escutai a voz de
Deus. No decreto de Deus, os grandes que vós hoje temeis, já são pó. Mas um só
é o Vivente. Os lugares nos quais eles reinam, e dos quais eles vos oprimem, já
são ruínas. Um só é o que dura, Jerusalém! Onde estão os orgulhosos filhos de
Sião, de que te gabas? Onde estão os rabis e sacerdotes, com os quais te ornas
e dos quais tanto admiras? Olha para eles! Estão oprimidos com grilhões, vão
para o exílio, passando pelo meio dos escombros dos teus palácios, pelo meio do
fedor dos mortos pela espada e pela fome. Sobre ti está o furor de Deus, ó
Jerusalém, que rejeitas o teu Messias, e o golpeias no rosto e no coração. E,
ti toda beleza está destruída. Toda esperança para ti está morta. Profanados
estão o Templo e o altar...” “... foram-lhes arrancados os éfodes. Não valem
mais nada...””... porque eles não reinam mais. Agora há um outro, o Pontífice
eterno, e ele é Santo e colocado por Deus. Rei e Sacerdote eterno, por Aquele
que faz suas as ofensas feitas ao Cristo, e delas toma as vinganças. Um outro
Pontífice, o verdadeiro, o Santo, Ungido por Deus e pelo seu Sacrifício, no
lugar daqueles sobre cuja fronte a tiara é até um desdouro, pois ela cobre
pensamentos de horror!
Ele veio para trazer-te a paz. E tu fizeste guerra. Saúde, e
escarneceste dele. Amor, e tu o odiaste. Milagre, e tu o chamaste de demônio.
Suas mãos curaram os teus doentes, e tu as traspassaste. Ele te trazia a luz, e
tu cobriste de cuspo e sujeira o rosto dele. Ele te trazia a vida, e tu lhe
deste a morte. Israel, chora o teu pecado, e não maldigas o Senhor, enquanto
vais indo para o teu exílio, que não terá fim como aqueles de outros tempos.
Percorrerás a terra toda, Israel, mas como um povo vencido e maldito,
perseguido pela voz de Deus, e com as mesmas palavras que Ele disse a Caim. E
aqui não poderás voltar a construir um ninho firme, a não ser quando
reconheceres com os outros povos que este é Jesus, o Cristo, o Senhor, Filho do
Senhor.”
...Põe os pés no chão, ó povo que ainda sabes amar. Cobre-te de
cinzas, veste-te com o cilício. O furor de Deus está suspenso sobre nós, como
uma nuvem carregada de granizo e de relâmpagos por cima de um campo
amaldiçoado.”
...Paz, paz, ó Rei de justiça e de Paz, ó Adonai, grande e
poderoso, ao qual nem mesmo o Pai resiste! Impetra paz para nós, pelo teu Nome,
ó Jesus, Salvador e Messias, Redentor e Rei, e Deus três vezes Santo.”
...”Então,
Tu não queres curar a mulher, nem condená-la?”
“Não.”
“E
achas que ela é profetisa?”
“Inspirada,
sim.”
“Tu
és um demônio com ela. Vamos. Não nos convém perder mais tempo com demônios”,
diz Sadoque, dando um empurrão de carregador em Jesus, para afastá-lo de sua
frente.
Muitos
o acompanham. Alguns ficam. Entre estes está aquele que eles chamaram de Joel
Alamot.
“E
vós, não os acompanhais?”, pergunta Jesus, mostrando os que lá se vão.
“Não
Mestre. Nós vamos embora, porque já é noite. Mas queremos dizer-te que cremos
no teu julgamento. Deus tudo pode, é verdade. E, para nós que caímos em muitas
culpas, Ele pode suscitar espíritos, que nos chamem de novo à justiça”, diz um
de idade bem avançada.
“Disseste
bem. E esta tua humildade é mais aos olhos de Deus do que o teu saber.”
“Então,
lembra-te de mim, quando estiveres no teu Reino.”
“Sim,
Jacó.”
“Como
é que sabes o meu nome?”
Jesus
sorri sem responder.
“Mestre,
lembra-te de nós também”, dizem os outros três. E o último a falar, Joel
Alamot, diz também: “E bendizemos o Senhor que nos deu esta hora.”
“Bendigamos
o Senhor!”, responde Jesus.
(
de Jesus à Valtorta, Vol. 8)
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