“NO TERCEIRO DIA, UMA LUZ VINDA DOS CONFINS DO UNIVERSO, COMO UM METEORO, VAI DIRETO ATÉ O SEPULCRO, QUANDO UM ESTRONDO SACODE A TERRA, AFASTANDO A ENORME PEDRA QUE O SELAVA, E OS GUARDAS ROMANOS FICAM ATORDOADOS. A LUZ ENTÃO ENTRA NO CORPO INERTE DE JESUS, QUE EM SEGUIDA LEVANTA, TRANSPASSANDO OS PANOS DA MORTALHA COM SEU CORPO IMATERIAL FULGURANTE. RESSUSCITANDO DOS MORTOS COM UMA MATÉRIA INCORPÓREA DE INTENSA LUZ, CONHECIDA APENAS POR DEUS, DE UMA BELEZA INDESCRITÍVEL.”

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

O PENSAMENTO DE DEUS SAI PELA BOCA DOS PROFETAS


O ESPÍRITO SANTO FALA

Perto de uma curva, aparecem alguns escribas, que vêm se aproximando: “A paz esteja contigo, Mestre. Nós ficamos esperando aqui para... venerar-te.”
“Não. Para certificar-vos de que Eu não cometo fraude. Fizestes bem. Persuadi-vos de que Eu não tive meios para ver a mulher, e nenhum daqueles que estão com ela, vós, tu e tu, estáveis de guarda na casa do Zaqueu, e vistes que nenhum de nós tinha saído. Vós chegastes antes de Mim à estrada, e vistes que nenhum de nós foi para a frente. Vós tendes a intenção de impor-me certas cláusulas, quando ao encontro com aquela mulher, e Eu vos digo que as aceito, antes mesmo que a façais...”
“Mas... se não sabes quais são..”
“Não é verdade que as quereis fazer?”
“É verdade.”
“Assim como Eu sei dessa vossa intenção, que só vós conheceis, assim também Eu sei o que me ireis dizer. E Eu vos digo que aceito o que quereis propor-me, porque servirá para dar glória à verdade. Falai.”
“Sabes como estão as coisas?”
“Sei que a mulher é por vos julgada endemoninhada, e que por isso nenhum exorcista pode expulsar dela o demônio. Mas Eu sei que ela não profere palavras de demônio. Assim dizem aqueles que a ouviram falar.”
“Podes jurar que não a viste nunca?”
“O justo não jura nunca, porque sabe que tem o direito de ser acreditado, quanto ao que diz. Eu vos digo que nunca a vi, e que nunca passei pela terra dela, e todos daquela terra podem confirmar isso.”
“E no entanto, ela persiste em dizer que conhece o teu rosto e a tua voz.”
“Foi-me dito que ela profere palavras inspiradas.”
“Também o demônio fala de Deus.”
“Mas com erros misturados de propósito, para desviar os homens para pensamentos de erro.”
“Pois bem. Nós quereríamos que Tu nos deixasses fazer a mulher passar por uma prova.”
“De que modo?”
“Tu não a conheces mesmo?”
“Eu vos digo que não.”
“Está bem. Nós mandaremos á frente alguém que vá gritando: “Eis o Senhor”, e nós ficaremos olhando se ela saúda o que vai com ele, como se fosses Tu.”
“É uma pobre prova. Contudo, Eu aceito. Escolhei vós, entre os que me acompanham, quais são os que serão mandados à frente. E Eu vos acompanharei com os outros. Mas, se a mulher falar, vós a deveis deixar falar, a fim de que Eu julgue as palavras dela.”
“É justo. O pacto está feito, e o manteremos fielmente.”
“Mestre, não somos todos teus adversários. Alguns entre nós estão em posição de expectativa... e com sincera vontade de ver a verdade, para te seguirem”, diz um escriba.
“É verdade. E esses serão muito amados por Deus.”
Os escribas examinam os apóstolos e estranham a ausência de muitos, especialmente a do Iscariotes, e depois escolhem Judas Tadeu e João. Além disso, tomam consigo o ladrão convertido, que está pálido e magro e com os cabelos avermelhados. Afinal, eles tomam consigo os que pela idade e pela fisionomia têm certos pontos em que se parecem com o Mestre.
“Nós iremos à frente com estes homens. Tu, fica aqui com os nossos companheiros e com os teus, e, um pouco depois acompanha-nos.”
E assim fazem.
Já estão à vista os bosques que margeiam o rio. Um sol de inverno já no acaso, doura as pontas das árvores e espalha uma luz amarela e bem clara sobre as pessoas que se abrigaram junto às árvores.
“Eis aqui! Aqui está o Messias. Levantai-vos! Vinde ao seu encontro!”, gritam os escribas, que foram à frente, desviando-se para uma trilha, que termina em um gigantesco carvalho de grossas raízes meio descobertas, parecendo umas cadeiras para os que se abrigam ao redor de seu tronco.
O grupo de pessoas, que lá estão ao redor da árvore, se vira, se levanta, abre ala, encaminhando-se para ir ao encontro dos que vem chegando. E, junto ao tronco ficam somente três escribas. João de Éfeso, um homem e uma mulher já de idade, e mais uma mulher está sentada sobre uma raiz saliente, encostada no tronco, com a cabeça inclinada sobre os joelhos que estão apertados por entre os braços que a cingem, coberta de alto a baixo por um véu de um roxo tão carregado, que parece preto. Ela parece alheia a tudo. Nem dá sinal de ouvir a gritaria.
Um escriba toca no ombro dela: “Está aqui o Mestre, Sabéia. Levanta-te e saúda-o.”
A mulher nem responde, nem se move.
Os três escribas olham um para o outro e sorriem, irônicos, fazendo a outros que vão a frente, o sinal de que entenderam. Mas, como os que estavam esperando, não tendo visto Jesus, ficaram silenciosos, eles gritam mais forte ainda, eles e seus companheiros, para que a mulher não perceba o engano.
“Mulher”, diz um escriba à velha mãe, que está com a filha, “pelo menos saúda o Mestre, e dize à tua filha que também o faça.” A mulher se prostra, junto com seu marido, diante de Tadeu, de João e do ladrão arrependido, e depois, levantando-se, diz à filha: “Sabéia, o Senhor está aqui, vem venerá-lo.”
A jovem não se move.
O sorriso irônico dos escribas se acentua, e um deles, magro e narigudo, diz com uma voz anasalada e arrastada: “Não esperavas esta prova, não é mesmo? E o teu coração está tremendo. Escuta, porque a tua fama de profetisa está em perigo, e não brinques com a sorte... Parece que isto basta para mostrar que és mentirosa.”
A mulher levanta de repente a cabeça. Joga para trás o véu, e olha com os olhos bem abertos, dizendo: “ Eu não minto ó escriba. E não tenho medo, porque estou com a verdade. Onde está o Senhor?”
“Como? Dizes que o conheces, e não o estás vendo? Ele está diante de ti.”
“Nenhum destes é o Senhor. Por isso eu não me movia. Não é nenhum destes.”
“Nenhum destes? Como? Aquele Galileu louro não é o Senhor?”
“Eu não o conheço, mas sei que é louro e de olhos azuis. Não é o Senhor.”
“Então é aquele alto e sério. Cuidado, que se trata de um rei. E certamente é Ele.”
“Não é o Senhor. E entre estes não está o Senhor”, e a mulher torna a baixar a cabeça por entre os joelhos, como antes.
Passa algum tempo. Depois, eis Jesus que vem vindo. Os escribas impuseram silêncio àquelas poucas pessoas. Por isso, a chegada de Jesus não foi saudada por nenhum Hosana.
Jesus vem vindo à frente, caminhando lentamente, silenciosamente... A erva viçosa abafa todo o barulho dos passos. Enquanto isso, a velha enxuga suas lágrimas com o véu, e um escriba a ofende, dizendo: “Vossa filha é doida e mentirosa”, e, enquanto o pai suspira, e até censura a filha, Jesus chega ao fim da trilha e pára.
A jovem, que não pode ouvir nada, que não pode ver nada, põe-se de pé, tira o véu, descobre assim completamente a cabeça e estende os braços, dando um forte grito: “Ei-lo que vem a mim o meu Senhor! Este é o Messias, ó homens. Eu vejo sobre Ele a luz de Deus, que no-lo mostra, e lhe presto honra!”, e se joga no chão, mas ficando em seu lugar, a uns dois metros de Jesus, com o rosto no chão, por entre a grama, e ela grita: “ Eu te saúdo, ó Rei dos Povos, ó Admirável, ó Príncipe da Paz, Pai do século sem fim, Chefe do novo povo de Deus!”, e fica prostrada, por baixo do amplo manto escuro, de um roxo quase preto, como o véu. Mas, no momento em que ela se pôs de pé junto ao tronco negro, - e depois de ter tirado o véu, ficou com os braços estendidos para a frente, como se fosse uma estátua...
... Ei-la levantando-se e mostrando suas mãos longas, meio amorenadas, muito bonitas, unidas aos braços por uns pulsos delicados. Ei-la de novo de pé junto ao muro escuro. Ela está agora olhando para o Mestre, e sacode a cabeça porque alguns escribas estão dizendo: “Estás enganada, Sabéia. Ele não é o Messias, mas é aquele que viste por primeiro, sem que o reconhecesses.” Ela sacode a cabeça, e continua firme, séria, e não tira os olhos do Senhor. Depois, seu rosto se transfigura, em uma expressão que eu não sei dizer se é de uma viva alegria, ou de uma sonolência extática. Mas tem de uma e de outra coisa, pois parece empalidecer, como quem está perto de desmaiar, enquanto toda a sua vida se concentra nos olhos, que se tornam luminosos, com uma luz de alegria, de triunfo, de amor...
Não sei. Estarão rindo aqueles olhos? Não. Eles não riem, como também não ri aquela boca séria. No entanto, há uma luz de alegria neles, e cada vez mais aqueles olhos vão adquirindo um grau de intensidade impressionante.
Jesus olha para ela com seu olhar manso, um pouco triste. “Estás vendo como é uma doida?”, sussurra-lhe um escriba. Jesus não responde uma palavra. Sua mão esquerda está pendente ao longo do lado, a direita a segurar o manto sobre o peito, e fica olhando sem nada dizer. E a mulher abre a boca e  estende os braços, como antes. Parece uma enorme borboleta, de suas asas roxas, e de corpo cor de marfim velho. E um novo grito sai de seus lábios: “Ó Adonai, Tu és grande! Somente Tu és grande, Adonai! Grande és Tu no Céu e na Terra, no tempo e nos séculos dos séculos, e além do tempo, desde sempre e para sempre. Ó Senhor, Filho do Senhor. Debaixo dos teus pés estão os teus inimigos, e mantém firme o teu poder no amor daqueles que te amam.”
Sua voz vai-se tornando sempre mais firme e forte, enquanto os olhos se afastam do rosto de Jesus, e se voltam para um ponto distante, olhando por cima das cabeças dos que estão perto dela e que ela, estando de pé, encostada ao tronco de carvalho, que está sobre uma elevação do solo, domina sem dificuldade, como se fosse um barranco de pequena altura.

Depois de uma pausa, ela continua: “O trono de meu Senhor está ornado com as doze pedras das doze tribos dos justos. Na grande pérola, que é o trono, o branco e precioso trono resplandecente do Santíssimo Cordeiro, estão encastoados topázios com ametistas, esmeraldas com safiras, rubis e sardônicas, ágatas e crisólitos, e berilos, ônix, jaspes, opalas. Os que crêem? Os que esperam, os que amam, os que se arrependem, os que vivem e morrem na justiça, os que sofrem, os que deixam o erro pela verdade, os que eram duros de coração, mas se tornaram mansos em seu Nome, os inocentes, os arrependidos, os que de despojam de todas as coisas, para ficarem ágeis e seguir o Senhor, as virgens de espírito resplandecente, com uma luz parecida com uma aurora do Céu de Deus... Glória ao Senhor! Glória a Adonai! Glória ao Rei sentado em seu Trono!”
Sua voz é como um som agudo. As pessoa se sentem sacudidas por um tremor. E a mulher parece estar realmente vendo o que diz, como se a nuvem dourada, que lá se vai navegando por um céu sereno, que ela parece estar acompanhando, com seu olhar arrebatado, fosse para ela uma lente, para ver as glórias celestes.
Ela repousa, como se estivesse cansada, mas sem mudar de posição. Somente o seu rosto fica transfigurado pela palidez da pele e o brilho dos olhos. Depois ela continua a falar, abaixando o seu olhar sobre Jesus, que a está escutando atentamente, no meio de um grupo de escribas, que sacodem a cabeça, irônicos e zombeteiros, e de apóstolos e seguidores que estão pálidos, por uma sagrada emoção. Ela começa de novo a falar, em voz clara, mas menos alta: “ Eu estou vendo. Eu vejo o Homem o que se esconde no Homem. Santo é o Homem, mas o meu joelho se dobre diante do santo dos santos, encerrado no Homem.”
Sua voz se torna forte, imperiosa como uma ordem: “Olha o teu Rei, ó povo de Deus! Procura conhecer o seu Rosto! A Beleza de Deus está diante de ti. A Sabedoria de Deus veio usar de uma boca para te instruir. Não são mais os profetas, ó povo de Israel, que te falam do Inominável. Ele mesmo. Ele que conhece o mistério que é Deus e que te fala de Deus. Ele que conhece o Pensamento de Deus, e que te aproxima do seu seio, ó povo ainda pequeno, depois de tantos séculos, e te nutre com o leite da Sabedoria de Deus para tornar-te adulto em Deus. Para fazer isso, Ele se encarnou em um seio. No seio de uma mulher de Israel, grande mais aos olhos de Deus e dos homens, do que qualquer outra mulher. Ela roubou o coração de Deus com um só de seus suspiros de pomba. A beleza do seu espírito seduziu ao Altíssimo, e Ele dela fez o seu trono. Maria de Aarão pecou, porque nela estava o pecado. Débora julgou o que se devia fazer, mas não trabalhou com suas mãos. Jael foi forte, mas sujou-se com sangue. Judite era justa, e temia o Senhor, e Deus esteve em suas palavras, e lhe permitiu o ato, para que Israel fosse salvo, mas, por amor à Pátria usou de uma astúcia homicida. Mas a mulher que o gerou supera essas mulheres, porque Ela é a serva perfeita de Deus, e o serve sem pecar. Toda pura, inocente e bela, Ele é o belo Astro de Deus, desde o seu surgir, até o seu ocaso. Toda bela, resplendente e pura, para ser Estrela e Lua. Luz para os homens encontrarem o Senhor. Ela não vai à frente, nem atrás da Arca Santa, como não vai à frente Aarão, pois a Arca é Ela mesma. Sobre a onda escura da terra, coberta pelo dilúvio das culpas, Ela desliza e salva, porque quem nela entra encontra o Senhor. Pomba sem mancha, ela sai e leva consigo a oliveira da paz aos homens, porque Ele é p Azeitona formosa. Ela se cala e em seu silêncio está falando e trabalhando mais do que Débora, do que Jael e do que Judite, e não aconselhas batalhas, não incita a matanças, não derrama outro sangue, a não ser o mais escolhido, aquele com o qual fez o seu Filho. Mãe infeliz! Mãe sublime... Temia Judite ao Senhor, mas de um homem tinha sido sua flor. Ela deu ao Altíssimo sua flor intacta, e o Fogo de Deus desceu no cálice do lírio suave, e um seio de mulher foi capaz de conter e transportar o Poder, a Sabedoria e o Amor de Deus. Glória à Mulher! Cantai, ó mulheres de Israel, os louvores dela.”
A mulher se cala, como se tivesse esgotado sua voz. De fato, eu não sei como é que ela faz para sustentar aquele timbre tão forte. Os escribas dizem: “Está doida! Está doida! Faze que ela se cale, ou está doida ou possessa. Ordena ao espírito que se apoderou dela se vá embora.”
“Não posso. Nela há somente o Espírito de Deus, e Deus não se expulsa a Si mesmo.”
“Não o fazes porque ela te louva, e isso lisonjeia o teu orgulho.”
“Escriba, pensa no que sabes de Mim, e verás que Eu não conheço orgulho.”
“E, no entanto, só um demônio pode falar nela, para exaltar assim uma mulher!... A Mulher! E, que é que vale em Israel e para Israel essa mulher? Que é senão o pecado aos olhos de Deus? A seduzida e a sedutora! Se não fosse pela fé, difícil seria pensar-se que existe alma na mulher. Pois é proibido a ela aproximar-se do Santo, por causa de sua impureza. E esta mulher diz que Deus desceu nela!...”, diz um outro escriba, escandalizado, e os seus companheiros concordam com ele.
Jesus então diz, sem olhar ninguém no rosto, e parecendo que está falando a Si mesmo: “A mulher esmagará a cabeça da serpente... A virgem conceberá e dará à luz um Filho, que será chamado Emanuel... Um rebento brotará da raiz de Jessé, uma flor nascerá dessa raiz e sobre Ela repousará o Espírito do Senhor.” Essa Mulher é a minha Mãe, escriba. Em honra do teu saber, lembra-te das palavras do Livro, e procura compreende-las.”
Os escribas não sabem o que responder. Aquelas palavras já foram lidas mil vezes por eles, e julgadas verdadeiras. Poderão negar isso agora? Então, eles se calaram.
Alguém dá ordens para que se acendam as fogueiras, porque o frio está forte por perto das margens, por onde está passando agora o vento da tarde. Os outros obedecem, e labaredas sobre os galhos secos logo se levantam, formando uma coroa ao redor do grupo, que se ajuntou.
A luz movediça do fogo parece estar despertando a mulher, que estava emudecida e com os olhos fechados, como que recolhida em si mesma. Ela reabre os olhos, e acorda. Olha de novo para Jesus, e grita de novo: “Adonai Adonai, Tu és grande! Cantemos ao Divino um cântico novo! Shalém! Shalém! Malquich! Paz! Paz! O Rei, ao qual nada resiste...”
De repente, a mulher se cala. Olha ao redor pela primeira vez desde que começou a falar, olhando para aqueles que rodeiam a Jesus, e fita bem os escribas, como se os estivesse vendo pela primeira vez, e, sem nenhum motivo aparente, Formam-se lágrimas em seus grandes olhos, seu rosto fica triste e sem esplendor. Agora, ela fala lentamente, e com uma voz profunda, como quem está falando de coisa dolorosas: “Não. Há alguém que resiste. Escuta, ó povo. Desde que começou a minha dor, ó povo de Betleque, tu me tens ouvido falar. Depois de anos de silêncio e de dor, eu ouvi, e disse o que ouvi. Agora já não estou mais entre os verdes bosques de Beltleque, como a virgem viúva que acha no Senhor sua única paz. Eu não tenho em torno de mim somente os meus concidadãos para lhes dizer: Temamos o Senhor, porque chegou a hora de estarmos prontos para o seu chamado. Embelezemos a veste do nosso coração para não sermos indignos de sua presença entre nós. Cinjamo-nos de fortaleza, porque a hora do Cristo é hora de prova. Purifiquemo-nos como vítimas para o altar, a fim de que possamos ser escolhidos Poe Aquele que no-lo ensina. Quem é bom, faça-se melhor. Quem é soberbo, torne-se humilde. Quem sofre de luxúria, livre-se da carne, a fim de que possa acompanhar o Cordeiro. O avarento se transforme em benfeitor, pois Deus nos faz o bem por seu Messias, e cada um pratique a justiça, para poder pertencer ao povo do Bendito que vem. Agora eu estou falando diante dele, e diante de quem crê nele e também diante de quem não crê, e zomba do Santo, e daqueles que falam e crêem em seu Nome e nele. Mas eu não tenho medo. Vós dizeis que eu sou doida, vós, dizeis que quem fala em mim PE um demônio. Eu sei que poderíeis fazer-me apedrejar como blasfemadora. Sei que isto que eu vos direi vos parecerá um insulto e blasfêmia e me odiareis. Mas eu não tenho medo. Sou a última, talvez das vozes que falam dele antes de sua manifestação, e terei talvez a sorte de muitas outras vozes, mas não tenho medo. Muito longo é o exílio, no frio e na solidão da terra, para quem pensa em ir para o Seio de Abraão, ao Reino de Deus, que o Cristo abre para nós, mais santo do que o seio de Abraão. Sabéia do Carmelo, da estirpe de Aarão não teme a morte, Mas teme o Senhor. E fala quando Ele a faz falar, para não desobedecer a sua vontade. E diz a verdade, porque fala de Deus, com as palavras que Deus lhe dá. Eu não temo a morte. Mesmo que me chamásseis de demônio, e me apedrejásseis como blasfemadora, mesmo que o pai, a mãe e os meus irmãos por essa desonra morrerem, eu não tremerei de medo, nem de dó. Eu sei que o demônio não está em mim, porque em mim está calada toda concupiscência, e toda Betleque sabe disso. Eu sei que as pedras não poderão fazer outra coisa, além de colocarem uma parada mais breve do que um respiro em meu canto, e, depois, mais ampla na liberdade do Além-terra. Eu sei que a dor daqueles que são do meu sangue, Deus a confortará, e que ela será breve, enquanto que eterna será depois a sua alegria de parentes mártires, por causa de uma mártir. Não temo a vossa morte, mas sim a que me viria, se eu não lhe obedecesse. Eu falo. E falo aquilo que me foi dito, ó povo escuta e escutai vós ó escribas de Israel.”
Levanta de novo a voz amargurada, e diz: “O antigo povo de Deus não pode cantar o cântico novo, porque não ama ao seu Salvador. Cantarão o cântico novo os que forem salvos de todas as nações, os do povo do Cristo Senhor, e não aqueles que odeiam o meu Verbo. Que horror ( ela dá realmente um grito que faz estremecer). A voz produz luz, e que a luz produza vista. Que horror! Que é que estou vendo?”
O grito é quase como um uivo. Ela se contorce, como se estivesse fincada, diante de algum espetáculo tremendo, que lhe torturasse o coração, ele estivesse tentando acabar com aquilo, fugindo dali. Seu manto caiu-lhe dos ombros, e ela fica com sua veste branca, ao lado de um grande tronco preto. No meio da luz, que vai diminuindo lentamente no reflexo verde do bosque e ao avermelhado e oscilante movimento das chamas, seu rosto toma um ar fortemente trágico. Formam-se sombras sob os olhos, ao redor das narinas e sob os lábios. Parece um rosto escavado pela dor. Ela toca suas mãos, repetindo em voz mais baixa: “Eu estou vendo! Estou vendo!”, e, bebendo suas lágrimas ela continua: “Estou vendo os delitos deste meu povo. E sou impotente para fazê-los cessar. Eu vejo os corações dos meus compatriotas, e não os posso mudar. Que horror! Que horror! Satanás deixou os seus lugares e veio fazer sua morada nos corações destes.”
“Faze-a calar!”, mandam os escribas a Jesus.
“Vós prometestes deixá-la falar”, respondeu Jesus.
E a mulher continua: “Eu volto à terra, ao barro, ó Israel, que ainda sabes amar ao Senhor, Cobre-te de cinzas, veste e cilício. Por ti mesma e por eles! Jerusalém! Salva-te, Jerusalém! Eu vejo uma cidade tumultuada, pedindo um delito. Eu ouço, estou ouvindo o urro dos que estão invocando com ódio um sangue sobre eles. Eu vejo que estão levantando a vítima na Páscoa de sangue, vejo escorrendo aquele sangue, ouço aquele sangue gritar mais do que o sangue de Abel, enquanto se abrem os céus, a terra se sacode, e o sol escurece. E aquele sangue não grita vingança, mas pede piedade para com o seu povo assassino, piedade para nós! Jerusalém, converte-te. Aquele sangue! Aquele sangue, um rio. Um rio que lava o mundo, curando-o de todos os males, cancelando todas as culpas. Mas para nós, para nós de Israel, aquele sangue é um fogo, para nós ele é um escopo que escreve sobre os filhos de Jacó o nome dos deicidas e a maldição de Deus. Jerusalém! Tem piedade de ti mesma e de nós...”
Mas faze-a calar-se, nós te ordenamos!”, gritam os escribas, enquanto a mulher soluça, cobrindo seu rosto.
“Eu não posso impor à Verdade que se cale.”
“A Verdade! A Verdade! É uma doida que está delirando. Que Mestre és Tu, se tomas por verdade as palavras de uma mulher que delira?” “E, que Messias és, se não sabes nem fazer calar uma mulher?” “E, que profeta és, se não sabes pôr em fuga o demônio? No entanto em outras ocasiões o fizeste!” “Ele o fez, sim. Mas agora não lhe convém. É um plano bem engenhado para aterrorizar as multidões!”
“E teria Eu escolhido logo esta hora, este lugar e este punhado de homens para fazê-lo, quando Eu podia fazê-lo em Jericó, quando Eu tive cinco e mais de cinco mil pessoas que me seguiram e me rodearam muitas vezes quando o recinto do Templo ficou pequeno para acolher todos aqueles que me queriam ouvir? E, por acaso, pode o demônio dizer palavras de Sabedoria? Quem de vós, em consciência, pode dizer que algum erro escapou de seus lábios? Não é verdade que saem, ressoando de seus lábios, com voz de mulher, as terríveis palavras dos profetas? Não estais ouvindo a voz de Deus através da criatura, a voz que procura ser acolhida para o vosso bem? Mas esta mulher, que para Mim é desconhecida, que favor estará esperando por suas palavras? Que é que receberá por elas, senão o vosso desprezo, as vossas ameaças, e talvez a vossa vingança? Não. Eu não lhe imponho silêncio! Pelo contrário, para que estes poucos a ouçam, e vós também a ouçais, e possais arrepender-vos, Eu lhe ordeno: “Fala! Fala! Eu te mando em nome do Senhor!”
...Fala, Eu te ordeno. Não ficarão sem fruto as tuas dolorosas palavras Sabéia, da estirpe de Aarão, fala!”

A mulher obedece. Mas ela fala baixo, a tal ponto que todos vão mais para perto dela, a fim de ouvi-la melhor. Ela parece estar falando a si mesma, olhando para o rio que passa, rente à sua direita, com os últimos reflexos de suas águas naquele dia. E ela parece estar conversando com o rio: “Ó Jordão, rio sagrado de nossos pais, que tens a onda azul e encrespada, como um bisso precioso, e por ela refletes as claras estrelas e a cândida lua, e acaricias os salgueiros de tuas margens, que és um rio de paz e, contudo conheces tantas dores. Ó Jordão, que nas horas de tempestade, sobre as ondas inchadas e agitadas, transportas as areias de milhares de torrentes com as suas rapinas, e às vezes até troncos de tenros arbustos, sobre os quais está um ninho, e sem teres dó do casal de passarinhos, que o vão acompanhando, piando de dor, vendo o seu ninho destruído pela tua rapina. Assim verás, ó Sagrado Jordão, atingido pela ira divina, arrancado das casas e do altar, e indo para a ruína para perecer na maior das mortes, o povo que não quis o Messias. Salva-te meu povo! Crê no teu Senhor! Segue o teu Messias! Reconhece-o pelo que Ele é. Não é rei de povos e milícias. É Rei das almas, das tuas almas e de todas as almas Ele é. Desceu para recolher as almas justas, e subirá de novo para conduzi-las ao Reino eterno. Ó vós, que estais preocupados com o futuro da Pátria, uni-vos ao Salvador. Que não morra completamente a semente de Abraão! Fugi dos falsos profetas, das bocas mentirosas, dos corações rapinantes que querem arrancar-vos dos braços da Salvação. Sai das trevas que vêm crescendo ao redor de vós. Escutai a voz de Deus. No decreto de Deus, os grandes que vós hoje temeis, já são pó. Mas um só é o Vivente. Os lugares nos quais eles reinam, e dos quais eles vos oprimem, já são ruínas. Um só é o que dura, Jerusalém! Onde estão os orgulhosos filhos de Sião, de que te gabas? Onde estão os rabis e sacerdotes, com os quais te ornas e dos quais tanto admiras? Olha para eles! Estão oprimidos com grilhões, vão para o exílio, passando pelo meio dos escombros dos teus palácios, pelo meio do fedor dos mortos pela espada e pela fome. Sobre ti está o furor de Deus, ó Jerusalém, que rejeitas o teu Messias, e o golpeias no rosto e no coração. E, ti toda beleza está destruída. Toda esperança para ti está morta. Profanados estão o Templo e o altar...” “... foram-lhes arrancados os éfodes. Não valem mais nada...””... porque eles não reinam mais. Agora há um outro, o Pontífice eterno, e ele é Santo e colocado por Deus. Rei e Sacerdote eterno, por Aquele que faz suas as ofensas feitas ao Cristo, e delas toma as vinganças. Um outro Pontífice, o verdadeiro, o Santo, Ungido por Deus e pelo seu Sacrifício, no lugar daqueles sobre cuja fronte a tiara é até um desdouro, pois ela cobre pensamentos de horror!
Ele veio para trazer-te a paz. E tu fizeste guerra. Saúde, e escarneceste dele. Amor, e tu o odiaste. Milagre, e tu o chamaste de demônio. Suas mãos curaram os teus doentes, e tu as traspassaste. Ele te trazia a luz, e tu cobriste de cuspo e sujeira o rosto dele. Ele te trazia a vida, e tu lhe deste a morte. Israel, chora o teu pecado, e não maldigas o Senhor, enquanto vais indo para o teu exílio, que não terá fim como aqueles de outros tempos. Percorrerás a terra toda, Israel, mas como um povo vencido e maldito, perseguido pela voz de Deus, e com as mesmas palavras que Ele disse a Caim. E aqui não poderás voltar a construir um ninho firme, a não ser quando reconheceres com os outros povos que este é Jesus, o Cristo, o Senhor, Filho do Senhor.”
...Põe os pés no chão, ó povo que ainda sabes amar. Cobre-te de cinzas, veste-te com o cilício. O furor de Deus está suspenso sobre nós, como uma nuvem carregada de granizo e de relâmpagos por cima de um campo amaldiçoado.”
...Paz, paz, ó Rei de justiça e de Paz, ó Adonai, grande e poderoso, ao qual nem mesmo o Pai resiste! Impetra paz para nós, pelo teu Nome, ó Jesus, Salvador e Messias, Redentor e Rei, e Deus três vezes Santo.”
...”Então, Tu não queres curar a mulher, nem condená-la?”
“Não.”
“E achas que ela é profetisa?”
“Inspirada, sim.”
“Tu és um demônio com ela. Vamos. Não nos convém perder mais tempo com demônios”, diz Sadoque, dando um empurrão de carregador em Jesus, para afastá-lo de sua frente.
Muitos o acompanham. Alguns ficam. Entre estes está aquele que eles chamaram de Joel Alamot.
“E vós, não os acompanhais?”, pergunta Jesus, mostrando os que lá se vão.
“Não Mestre. Nós vamos embora, porque já é noite. Mas queremos dizer-te que cremos no teu julgamento. Deus tudo pode, é verdade. E, para nós que caímos em muitas culpas, Ele pode suscitar espíritos, que nos chamem de novo à justiça”, diz um de idade bem avançada.
“Disseste bem. E esta tua humildade é mais aos olhos de Deus do que o teu saber.”
“Então, lembra-te de mim, quando estiveres no teu Reino.”
“Sim, Jacó.”
“Como é que sabes o meu nome?”
Jesus sorri sem responder.
“Mestre, lembra-te de nós também”, dizem os outros três. E o último a falar, Joel Alamot, diz também: “E bendizemos o Senhor que nos deu esta hora.”
“Bendigamos o Senhor!”, responde Jesus.


( de Jesus à Valtorta, Vol. 8)

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