JESUS E O MENDIGO OGLA
Jesus
continua indo para a frente, a fim de ir tomar uma refeição em alguma pequena
praça de segunda classe, já na periferia da cidade, que está toda ensombreada
pelo entrelaçamento dos ramos de árvores de várias espécies. Tenho a impressão
de que seja aqui uma parte do morro que, há pouco tempo teria sido incluída
dentro dos limites da cidade, e que por isso conserva ainda aquela lembrança do
seu estado nativo.
O
primeiro a aproximar-se de Jesus, que está comendo pão com azeitonas, é um
pobre homem andrajoso. Ele lhe pede um pouco de pão. E Jesus lhe dá o seu,
junto com todas as azeitonas que tem na mão.
“E
Tu? Estamos sem dinheiro, e Tu sabes disso?, observa Pedro.
“Deixamos
tudo com o Ananias.”
“Não
importa. Eu não estou com fome. Com sede, sim...”
O
mendigo diz: “Aqui atrás há um poço. Mas, porque me deste o pão todo? Podias
ter-me dado a metade dele... Se não tiveres nojo de recebê-lo de volta...”
“Come,
come. Eu posso ficar sem ele. Mas, para que não fiques pensando que Eu tenha
nojo de ti, dá-me com as tuas mãos, somente um pedaço. E Eu o comerei para ser
teu amigo...”
O
homem, com um rosto triste e sombrio, procura mostrar um sorriso mais pasmado,
e diz: “Oh! É esta a primeira vez, desde que eu me tornei o pobre Ogla, que
alguém me diz querer ser meu amigo!”, e dá o pedaço de pão a Jesus. E lhe
pergunta: “Quem és Tu? Como te chamas?
“Sou
Jesus de Nazaré, o Rabi da Galiléia.”
“Ah!
Já ouvi outros falarem de Ti... Mas... não és Tu o Messias?”
“Eu
o sou.”
“E
Tu, Messias, és tão bom assim com os mendigos? O tetrarca faz que seus servos
batam em nós, se nos vir andando pelo caminho...”
“Eu
sou o Salvador. Não bato, mas amo.”
O
homem olha para Ele com um olhar parado. Depois começa a chorar.
“Por
que estás chorando?”
“Porque
eu quereria ser salvo... Não estás mais com sede, Senhor? Eu Te levaria ao
poço, e lá te falaria...”
Jesus
percebe que o homem lhe quer confidenciar alguma coisa, e se levanta, dizendo:
“Vamos.”
“Eu
também vou!”, deixa escapar Pedro.
“Não.
Eu volto logo por outro lado... É preciso que se tenha amor a quem se
arrepende.”
Vai
com o homem para trás de uma casa, depois da qual se estende a campina.
“Ali
está o poço... Bebe, e depois me escuta.”
“Não
homem. Desabafa-te antes comigo da tua ansiedade e depois Eu beberei. E talvez
ficarei tendo uma fonte até mais doce do que a água da terra, para matar a
minha sede.”
“Que
fonte é, Mestre?”
“O
teu arrependimento. Vamos lá para debaixo daquelas árvores. Aqui as mulheres
nos ficam observando. Vem”, e lhe põe a mão sobre o ombro, e o faz andar para a
frente, para debaixo de umas viçosas oliveiras.
“Como
sabes que eu sou culpado, e que estou arrependido?”
“Oh!
Podes falar. E não fiques com medo de Mim.”
“Senhor,
nós éramos sete irmãos, filhos de um mesmo pai, mas eu tinha nascido da mulher
que meu pai havia desposado quando ele ficou viúvo. E eu era odiado pelos
outros seis. Meu pai, ao morrer, fez a partilha dos bens entre todos, com uma
medida igual. Mas, depois que ele morreu, os seis corromperam os juízes,
tiraram-me todos os bens e me expulsaram, a mim e à minha mãe, fazendo
acusações infames contra nós. Minha mãe morreu, quando eu estava com dezesseis
anos... e morreu de tanto sofrer. E, desde aquele tempo, não tive mais ninguém
que me amasse...”, e chora com muito sentimento.
Depois
ele se controla, e continua: “Os seis, ricos então e felizes, prosperaram com o
que era meu também, e eu ia morrendo de fome porque havia ficado doente, ao ver
que dar assistência a minha mãe consumida... Mas Deus os feriu um por um. Eu os
amaldiçoei tanto, e tanto os odiei, que as minhas pragas caíram sobre eles...
Estava eu fazendo mal? Com certeza. Eu sei disso. E o estava sabendo. Mas, como
poderia eu deixar de odiá-los e de amaldiçoá-los? O último deles, que na
realidade era o terceiro nascido, resistia a todas as maldições, e até vivia na
prosperidade, com os bens dos outro cinco, e dos quais se havia apropriado
legitimamente para os três menores, que morreram sem mulher, pois a mulher do
primogênito morreu sem deixar filhos, mas fraudulentamente quanto ao segundo, a
cuja mulher e aos filhos ele havia, por meio de enganos e empréstimos, tomado
grande parte do que era do pai. E, quando ele, por acaso, se encontrava comigo
em alguma das feiras e que eu ia como servo de um homem rico, para vender
alguma mercadoria, ele me insultava e me dava bordoadas... Certa tarde eu me
encontrei com ele... Ele estava sozinho. Estava sozinho e um pouco embriagado
pelo vinho. E eu já estava embriagado por recordações e pelo ódio. Fazia dez
anos que minha mãe havia morrido. E ele me insultou, ao insultar a falecida...
Ele a chamou de “cadela imunda”, e me chamou de “filho da hiena”... Senhor, se
ele não tivesse tocado em minha mãe... eu o teria tolerado. Mas ele a
insultou... Eu o peguei pelo pescoço. E lutamos. Eu queria somente dar-lhe uma
surra... Mas ele escorregou no chão, e o chão estava coberto de uma erva
escorregadia, e em declive... Abaixo daquele ponto havia um despenhadeiro e uma
torrente... E ele rolou, embriagado como estava, e caiu lá embaixo. E, depois
de tantos anos, ainda o procuram... Mas ele ficou certamente sepultado por
entre as grandes pedras e as areias de alguma das torrentes que vêm do Líbano.
Ele não voltou mais a Cesaréia de Panéades. E eu saí de onde estava já sem paz...
Ah! A maldição de Caim! Medo de viver... e medo de morrer... Diziam que Tu vias
por dentro o coração do homem. Mas, são tão maus os rabinos de Israel! Não
sabem o que é ter piedade. Tu, que és o Rabi dos Rabis, eras o meu terror... E,
ao ver-me diante de Ti, eu procurava fugir. Contudo, eu quereria ser
perdoado...” E chora agachado no chão.
Jesus
olha para ele, e murmura: “Vamos pegar e por sobre Mim também estes pecados!
Meu filho! Escuta: Eu sou a Piedade, não o terror. Também por ti é que Eu vim.
Não te envergonhes por causa de Mim... Eu sou o Redentor. Queres ser perdoado
de quê?
“Do
meu delito. Queres saber qual? Matei o meu irmão.”
“Tu
disseste: “Eu queria somente dar-lhe uma surra”, porque naquele momento estavas
ofendido e irado. Mas, quando tinhas ódio e maldiçoavas não a um, mas os seis
irmãos, não estavas sendo ofendido, nem irado. Tu o fazias como quem respira.
Era uma coisa espontânea. O ódio e a maldição, e a alegria por vê-los
castigados era o teu pão espiritual, não é verdade?”
“Sim,
Senhor. Durante dez anos esse foi o meu pão.”
“Pois
bem, na realidade, o maior delito tu o começaste, desde o momento em que
odiaste e amaldiçoaste. És homicida de teus irmãos seis vezes.”
“Mas,
Senhor, eles me haviam arruinado e odiado... E minha mãe morreu de fome...”
“Queres
dizer que tinhas razão ao tirares vingança?”
“Sim,
Quero dizer isso.”
“Não
tens razão. Deus é que devia punir. Tu devias amar. E Deus teria te abençoado
na Terra e no Céu.”
“E,
então? Ele não me abençoará nunca mais?”
“O
arrependimento traz consigo de volta a bênção. Mas, que dor, que aflição procuraste
para ti mesmo. Muito mais do que as que te davam os teus irmãos, foram as que
deste a ti mesmo com o teu ódio.”
“É
verdade! É verdade! É um horror que já vem durando vinte e seis anos. Oh!
Perdoa-me em nome de Deus. Tu estás vendo como eu sinto em mim a dor pela
culpa! Eu nada peço para a minha vida. Eu sou mendigo e doente. Mas assim eu
quero ficar, para sofrer e expiar. Dá-me, pois a paz de Deus! Tenho feito
sacrifícios no templo, sofrendo até fome, para ajuntar algum dinheiro para o
holocausto. Mas eu não podia falar em meu delito, e não sei se terá sido aceito
o sacrifício.”
“Foi
nulo. Ainda que cada dia tivesses oferecido um, que te adiantaria isso, se o
imolavas com mentira? Rito supersticioso e inútil é o que não é precedido por
uma sincera confissão da culpa. Uma culpa se ajuntava a outra e, por isso era
mais do que inútil. Era uma oferta sacrílega. O que tu dizias ao sacerdote?”
“Eu
dizia: “Pequei por ignorância, fazendo coisas proibidas pelo Senhor, e quero
fazer expiação por elas. Eu pensava: “Eu sei em que foi que eu pequei, e Deus
também o sabe. Mas a um homem eu não posso falar com clareza. Deus, que tudo
vê, sabe que eu estou pensando é no meu pecado.”
“Estas
são restrições mentais, umas escapatórias indignas. O Altíssimo odeia tais
coisas. Quando se peca, procura-se fazer expiação. Não faças mais assim.”
“Não,
Senhor. E estarei perdoado? Ou deverei ir confessar todas as coisas uma por
uma? Ou pagar com a vida, a vida que eu tirei? A mim me basta morrer com o
perdão de Deus.”
“Estas
vivo para expiar. Não poderias dar de novo o marido a viúva, nem o pai aos
filhos... Antes de matar, antes de deixar que o ódio se torne dono de nós,
teria sido preciso pensar! Mas, levanta-te, e caminha pelo novo caminho. Ao
ires andando, encontrarás os meus discípulos, Os montes da Judéia, se fores de
Tecué até Belém, certamente estão sendo percorridos Poe eles. Dize-lhes que
Jesus te mandou, e diz que, antes do Pentecostes, Ele subirá de novo para
Jerusalém, passando por Betsur e Beter. Procura Elias, José, Levi, Matias,
João, Benjamim, Daniel, Isaque. Será que te lembrarás destes nomes? Dirige-se a
eles em particular. E agora vamos.”
“E
Tu, não bebes?”
“Eu
bebi o teu pranto. Uma alma que volta para Deus! Nada existe mais remunerador
para Mim.”
“Então,
eu estou perdoado? Pois Tu disseste “Volta para Deus...”
“Sim,
Estás perdoado. E não odeies mais.”
O
homem se inclina de novo, pois se havia posto de pé, e beija os pés de Jesus.
(De
Jesus à Valtorta, Vol. 6, pgs.188 a 192)
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