FILHOS DO TROVÃO
14
de novembro de 1945.
Jesus
caminha por uma região muito montanhosa. Não são montes altos, mas é um
contínuo subir e descer por colinas e um fluir de torrentes, alegres nesta
estação fresca, e agradáveis, límpidas como o céu, ainda novinhas, como as
primeiras folhinhas, que sempre vão-se tornando mais numerosas sobre os ramos.
Mas, por mais que a estação seja bela e alegre, a ponto de aliviar-nos o coração,
não parece que Jesus esteja muito aliviado em seu espírito, e menos ainda do
que Ele, os Apóstolos. Eles vão indo muito silenciosos, pelo fundo de um vale.
Só os pastores e os rebanhos é o que se apresenta a seus olhos. Jesus, porém,
nem parece vê-los. Um suspiro desconsolado de Tiago de Zebedeu e suas palavras
imprevistas, nascidas de um pensamento aflitivo, é o que chama a atenção de
Jesus...
Tiago
diz: “Derrotas... e mais derrotas! Parecemos uns amaldiçoados...” Jesus lhe põe
a mão sobre o ombro:
“Não sabes que esta é a sorte dos
melhores?”
“É,
eu sei disso, desde que estou contigo! Mas, de vez em quando, seria bom termos
alguma coisa diferente, e antes nós a tínhamos, para animar de novo os corações
e a fé...”
“Estás duvidando de Mim, Tiago?” Grande é a
dor que há nas palavras trêmulas do Mestre. “Naaão!...” O “não” dele, na,
verdade, não tem muita firmeza. “Mas, que estás duvidando, estás. De que é,
então, que estás duvidando? Já não me amas como antes? Ao veres que fui
expulso, ou feito objeto de zombaria, ou somente perdido por estes confins da
Fenícia, foi isso que enfraqueceu o teu amor?” Há um pranto cheio de temor na
palavras de Jesus, ainda que não haja soluços nem lágrimas. É a própria alma
dele que está chorando.
“Isto
não, Senhor meu. Pelo contrário, o meu amor por Ti está crescendo mais, quando
Te vejo incompreendido, não querido, abatido, aflito. E, para não ver-te assim,
para poder mudar o coração dos homens, eu estaria pronto a dar a minha vida em
sacrifício. Tu deves crer em mim. Não me fiques triturando o coração, já tão
aflito, com essa dúvida de pensar que eu não te amo. Porque senão... Senão, eu
sairei do sério. Voltarei atrás, e vou tirar vingança de quem te está fazendo
sofrer, para provar-te que te amo, para tirar de Ti esta dúvida, e, se eu for
preso ou morto, pouco me importará. Para mim bastará o ter-te dado uma prova de
amor.”
“Oh!
Filho do trovão! Para que tanta impetuosidade? Queres, então, ser um raio
exterminador?” Jesus sorri do ardor e dos propósitos de Tiago.
“Isto
já é um fruto destes meus propósitos. Que dizes, João? Deveremos por em prática
o meu pensamento para consolar o Mestre abatido por tantas rejeições?”
“Oh!
Sim. Vamos nós. Vamos voltar a falar. E, se o insultarem ainda como um rei de
palavras, rei de ludíbrio, rei sem dinheiro, rei louco, batamos duro, para que
desconfiem que o rei tem também um exército de fiéis, e que estes não estão
dispostos a ser escarnecidos. A violência é útil em certos casos. Vamos, meu
irmão!”
Jesus se põe entre os dois, segura-lhes os
braços para retê-los e diz: “Ora, escutai só o que estão dizendo! E Eu que já
preguei durante tanto tempo! Oh! Surpresa das surpresas. Até João, a minha
pomba, se me tornou um gavião. Olhai bem para ele, todos vós, e vede como está
feio, perturbado, desgrenhado e com as feições desfiguradas pelo ódio. Oh! Que
vergonha! E ainda ficais admirados, se os fenícios ficam indiferentes, se os
hebreus estão irados, se os romanos me ordenam que saia, quando vós, os
primeiros, ainda não compreendestes nada, depois destes dois anos que estais
comigo, agora que vos transformais em fel, pelo ódio que trazeis no coração,
quando pondes para fora de vossos corações a minha doutrina de amor e de
perdão, e a expulsais como uma coisa sem valor, e acolheis, como vossa boa
aliada, a violência! Oh! Pai Santo! Isto, sim, que é uma derrota! Em vez de
serdes como outros tantos gaviões, que afiam os bicos e as garras, não seria
melhor que fosseis anjos, orando ao Pai, para Ele dar um conforto ao seu Filho?
Quando foi que já se viu um temporal produzir o bem, com os seus raios e suas
saraivadas?
Pois bem. Como lembrança
deste vosso pecado contra a Caridade, como lembrança de quando Eu vi aparecer
em vosso rosto o animal-homem, em lugar do homem-anjo, que Eu quero ver sempre
em vós, Eu vos darei um sobrenome: “os filhos do trovão”.
Jesus
está meio sério, enquanto está falando aos dois inflamados filhos de Zebedeu.
Mas sua censura cessa, diante do arrependimento deles e, com um rosto iluminado
pelo amor, Ele os aperta contra seu coração, dizendo: “E nunca mais fiqueis
feios assim. E obrigado, pelo vosso amor.” “E também pelo vosso, meus amigos,”,
diz ainda Jesus, virando-se para André, Mateus e os dois primos. “Vinde cá,
para que Eu vos abrace também. Mas vós não sabeis que, se não houvesse outra
coisa, a não ser a alegria de fazer a vontade de meu Pai e de ter o vosso amor,
Eu seria sempre feliz, ainda que o mundo todo me esbofeteasse? Estou triste,
mas não é por mim, pelas minhas derrotas, como vós as chamais, mas por compaixão
para com as almas, que rejeitam a Vida. Aí está. Agora estamos todos contentes,
não é verdade, ó grandes meninos que vós sois? Eia, então. Ide aqueles pastores, que estão tirando o
leite de suas ovelhas, e pedi-lhes um pouco de leite, em nome de Deus.” “Não
tenhais medo”, acrescenta Ele, ao ver o olhar desanimado dos apóstolos.
“Obedecei com fé. Recebereis leite, e não pauladas, ainda mesmo que o homem
seja um fenício.”
(De
Jesus à Valtorta – O Evangelho como me foi Revelado)
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