A ceia na casa de Simão, o fariseu, e o perdão a Maria de Magdala.
21 de janeiro de 1944.
... Não está presente mulher nenhuma. Todos estão
conversando, e o dono da casa, de vez em quando, se vira, com afetada
condescendência e com evidente clignação, para Jesus. Está claro que ele quer
se mostrar a todos os presentes que ele está prestando a Jesus uma grande
honra, ao tê-lo convidado a vir á sua rica casa, convidando a Ele, que é um
pobre profeta, julgado até por alguns um pouco exaltado... Vejo que Jesus lhe
responde com cortesia, pacatamente. Ele sorri, com aquele seu leve sorriso, a
quem o interroga, sorri com um sorriso luminoso a quem lhe fala, ou que somente
fica olhando para Ele, como João. Vejo
que se levanta o rico toldo, que cobre o vão da porta, e que entra uma mulher
ainda jovem, muito bonita, ricamente vestida e cuidadosamente penteada. Sua cabeleira, loura
e abundante, faz-lhe na cabeça um fino ornato de cachos entrelaçados com arte.
Parece trazer na cabeça um elmo de ouro todo em relevos, pois a cabeleira
brilha, e é farta. Tem uma veste que, se eu a comparasse com a que sempre vemos
na Virgem Maria, diria que é muito excêntrica e complicada. Fivelas nos ombros,
jóias para segurar os frisados no alto do peito, pequenas correntes de ouro
para contornar o próprio peito, cintura com broches de ouro e pedras preciosas.
Uma veste procaz, que põe em relevo as linhas de um corpo muito bem feito. Na
cabeça, ela tem um véu tão fino, que não cobre nada. Tudo para pôr em destaque
a sua afetação, e basta. Nos pés tem umas sandálias muito ricas, com fivelas de
ouro, feitas com pele vermelha e com laços trançados nos tornozelos. Todos,
menos Jesus, se viram, olhando para ela. João a observa por um instante, depois
se volta para Jesus. Os outros fixam nela os olhos, com aparentes e malignos desejos.
Mas a mulher não olha para eles, por nenhum motivo, nem se incomoda com o
murmúrio que ela despertou com sua entrada, nem pelo piscar de olhos de todos
os presentes, menos de Jesus e de seu discípulo. Jesus aparenta não estar
percebendo nada. E continua a falar, terminando a conversação que havia
começado com o dono da casa. A mulher vai para o lado de Jesus, e se ajoelha
perto dos pés do Mestre. Ela põe no chão um pequeno vaso, em forma de ânfora
muito bojuda, tira o véu da cabeça, corta a ponta do alfinete precioso que o
conservava preso aos cabelos, tira dos dedos os anéis, e coloca tudo sobre o
sofá-cama, perto dos pés de Jesus, depois toma entre as suas duas mãos os pés,
primeiro o direito, depois o esquerdo, tira deles as sandálias e as coloca no
chão, em seguida beija, no meio de uma grande explosão de pranto, aqueles pés,
e os apóia contra a sua fronte e os acaricia, enquanto suas lágrimas caem como
uma chuva, que brilha á luz do lampadário e rega a pele daqueles pés adoráveis.
Jesus volta lentamente a cabeça, e seu
olhar azul escuro vai pousar, por um instante, naquela cabeça inclinada. É um
olhar que absolve. Depois, torna a olhar para o centro. Deixa-a livre em seu
desabafo. Mas os outros, não. Eles estão zombando dela, piscando os olhos e ridicularizando-a.
E o fariseu põe-se, então, sentado, por um momento, para poder ver melhor, e
está com um olhar cheio de desejos e, ao mesmo tempo, aborrecido, irônico.
Cheio de desejos da mulher. Esse sentimento dele é evidente. E aborrecido ele está,
porque ela entrou lá, tomando tanta liberdade, que até poderia fazer os outros
pensarem que aquela mulher é... alguma hóspede que frequenta sempre a sua casa.
E é um olhar irônico, quando dirigido a Jesus... Mas a mulher não percebe nada.
Ela continua a chorar muito, mas sem gritar. São grandes lágrimas, e um ou
outro soluço. Depois, ela se despenteia, tirando os grampos de ouro, que
prendiam o complicado penteado, vai pôr também esses grampos perto dos anéis e
do alfinete. As madeixas de ouro rolam pelas costas abaixo. Ela as segura com
as duas mãos, leva-as para cima de seu peito, e as passa sobre os pés molhados
de Jesus, até vê-los enxutos. Em seguida, mergulha os dedos no pequeno vaso,
tira dele uma pomada amarelo escura e muito cheirosa. É um perfume entre o do
lírio e o da angélica, e que se espalha por toda a sala. A mulher continua a
mergulhar os dedos no pequeno vaso e, sem ter mãos a medir, vai passando e
espalmando a pomada, beijando os pés e acariciando-os. Jesus, de vez em quando
olha para ela com grande e amorosa piedade. João que se virou, espantado,
quando ouviu aquele pranto, não sabe mais apartar seus olhares do grupo, de
Jesus e da mulher. Olha, alternativamente, para um e para a outra. O rosto do
fariseu se torna cada vez mais carrancudo. Ouço aqui as conhecidas palavras do Evangelho
e as ouço acompanhadas por um tom e um olhar, que fazem ao velho irado abaixar
a cabeça. Ouço as palavras de absolvição à mulher, que lá se vai, deixando aos
pés de Jesus as suas jóias. Ela enrolou o véu ao redor da cabeça, colocando
nele do melhor modo que pôde, sua cabeleira despenteada. Jesus, ao dizer-lhe:
“Vai em paz”, põe-lhe a mão sobre a cabeça inclinada, por um instante. Mas com
um gesto de grande bondade.
Agora Jesus me diz:
“O que fez inclinar a cabeça ao fariseu e aos seus
companheiros, e que não está relatado no Evangelho, são as palavras que o meu
espírito, através do meu olhar, dardejaram e cravaram naquela alma árida e
cobiçosa. Eu respondi muito mais do que tudo o que foi dito, porque nada para
Mim estava escondido dos pensamentos dos homens. E ele me compreendeu na
linguagem do que Eu não disse, que era ainda mais carregada de reprovação, do
que pudessem ter sido as minhas palavras. Eu lhe disse: “Não. Não fiques fazendo insinuações más para justificares a ti mesmo,
diante de ti mesmo. Eu não tenho a tua libidinagem. Esta mulher não veio a mim
por uma atração de sensualidade. Eu não sou como tu, nem como os teus
semelhantes. Ela vem a Mim, porque o meu olhar e a minha palavra, que por acaso
ela ouviu, iluminaram sua alma, na qual a luxúria havia criado a treva. E vem,
porque quer vencer a sensualidade, compreende, pobre criatura, que sozinha
nunca o conseguirá. Em Mim ela ama o espírito, nada mais do que o espírito, que
ela percebe ser sobrenaturalmente bom. Depois de tantos males, que recebeu
de vós todos, que desfrutastes de suas fraquezas com os vossos vícios,
dando-lhe em troca, depois, as chicotadas do vosso desprezo, ela vem a Mim,
porque percebe que encontrou o Bem, a Alegria, a Paz, inutilmente procuradas em
meio as pompas do mundo. Cura-te desta tua lepra da alma, ó fariseu hipócrita,
saiba olhar as coisas com justiça. Depõe a soberba da mente e a luxúria da
carne. Estas são lepras bem mais fétidas do que as de vossa pessoa. Desta última
o meu toque vos pode curar, porque para isso me invocais, mas da lepra do
espírito não, porque desta vós não quereis ficar curado porque vos agrada. Esta
mulher o quer. E eis que eu a purifico, eis que Eu a livro das correntes da sua
escravidão. A pecadora morreu. Ela está lá, naqueles ornatos que ela tem
vergonha de me oferecer, para que eu os santifique usando-os para as minhas
necessidades e as dos meus discípulos, para os pobres, que Eu socorro com o que
sobra dos outros, porque Eu, o Senhor do Universo, não possuo nada, agora que
Eu sou o Salvador do homem. Ela está lá, naquele perfume derramado a meus pés,
aviltado como os seus cabelos, colocados sobre aquela parte do meu corpo, que
tu descuidou de refrescar com a água do teu poço, depois de Eu ter feito uma
grande caminhada para vir trazer luz também a ti. A pecadora morreu. E renasceu
Maria, tornada bela como menina pudica pela sua viva dor e pelo seu reto amor.
Se lavou em seu pranto. Em verdade Eu te digo, ó fariseu, que, entre este que
me ama em sua juventude pura e esta que me ama em sua sincera conversão, com um
coração que renasceu para a Graça, Eu não faço diferença, e ao Puro como á
arrependida Eu os encarrego de compreenderem o meu pensamento, como nenhuma
outra pessoa, e de prestarem ao meu corpo as últimas honras e a primeira
saudação (não conto aquela particular de minha Mãe), quando Eu tiver
ressuscitado”
Eis o que Eu queria dizer com o meu olhar ao fariseu. Mas a ti Eu faço observar uma outra coisa:
para tua alegria e para alegria de muitos. Também em Betânia Maria repete
aquele gesto que assinalou a aurora de sua redenção. Há gestos pessoais que se
repetem, e denunciam uma pessoa como sendo parte de seu estilo próprio. Gestos
inconfundíveis. Mas, como era justo, em Betânia seu gesto foi menos aviltado e
mais confidencial, em sua respeitosa adoração. Muito caminhou Maria desde
aquela aurora de sua redenção. Muito. O amor a arrebatou como vento rápido para
o alto e para a frente. O amor a fez arder como um incêndio destruindo nela a
carne impura e fazendo que dominasse nela um espírito purificado. E Maria,
diferente em sua renovada dignidade de mulher como diferente em suas vestes,
agora simples como as de minha Mãe, em sua maneira de arranjar-se, no olhar, em
sua compostura, na palavra agora nova, contem um novo modo de honrar-me com o
mesmo gesto. Ela pega o último de seus vasos de perfume, conservado para Mim, e
o espalha em meus pés, sem pranto, mas com um olhar que o amor e a segurança de
estar perdoada e libertada faz feliz, e sobre minha cabeça. Maria agora pode
bem ungir-me e tocar em minha cabeça.
O
arrependimento e o amor a purificaram com o fogo dos serafins, e ela é um
serafim. Dize isto a ti mesma, minha
pequena “voz”, dize-o às almas. Vai, dize-o ás almas que não ousam vir a Mim,
porque se sentem culpadas. Muito, muito, muito é perdoado a quem muito ama. A
quem muito me ama. Vos não sabeis, ó pobres almas, como o Salvador vos ama! Não
tenhais medo de Mim. Vinde. Com confiança. Com coragem. Eu vos abro o coração e
os braços. Recordai-o sempre: “Eu não
faço diferença entre aquele que me ama com sua pureza íntegra e aquele que me
ama na sincera contrição de um coração renascido pela Graça.”
Eu sou o Salvador.
Recordai-o sempre.
Vai em paz. Eu te abençôo.”
(O Evangelho como me foi Revelado – Maria Valtorta)
Lucas 7: 36-50
A pecadora que ungiu os pés de Jesus
36 E rogou-lhe um dos fariseus
que comesse com ele; e, entrando em casa do fariseu, assentou-se à mesa. 37 E eis que uma mulher
da cidade, uma pecadora, sabendo que ele estava à mesa em casa do fariseu,
levou um vaso de alabastro com unguento. 38 E, estando por
detrás, aos seus pés, chorando, começou a regar-lhe os pés com lágrimas, e
enxugava-lhos com os cabelos da sua cabeça e beijava-lhe os pés, e ungia-lhos
com o unguento. 39 Quando issoviu o fariseu que o
tinha convidado, falava consigo, dizendo: Se este fora profeta, bem saberia
quem e qual é a mulher que lhe
tocou, pois é uma pecadora. 40 E, respondendo, Jesus
disse-lhe: Simão, uma coisa tenho a dizer-te. E ele disse: Dize-a,
Mestre. 41 Um certo credor tinha
dois devedores; um devia-lhe quinhentos dinheiros,
e outro, cinquenta. 42 E, não tendo eles com
que pagar, perdoou-lhes a ambos. Dize, pois: qual deles o amará mais? 43 E Simão, respondendo,
disse: Tenho para mim que é aquele a quem mais perdoou. E ele lhe disse: Julgaste bem. 44 E, voltando-se para a
mulher, disse a Simão: Vês tu esta mulher? Entrei em tua
casa, e não me deste água para os pés; mas esta regou-me os pés com lágrimas e
mos enxugou com os seus cabelos. 45 Não me deste ósculo,
mas esta, desde que entrou, não tem cessado de me beijar os pés. 46 Não me ungiste a
cabeça com óleo, mas esta ungiu-me os pés com unguento. 47 Por isso, te digo que
os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque
muito amou; mas aquele a quem pouco é perdoado pouco ama. 48 E disse a ela: Os teus pecados te são perdoados. 49 E os que estavam à
mesa começaram a dizer entre si: Quem
é este, que até perdoa pecados? 50 E disse à mulher: A tua fé te salvou;
vai-te em paz.
Sem comentários:
Enviar um comentário