“NO TERCEIRO DIA, UMA LUZ VINDA DOS CONFINS DO UNIVERSO, COMO UM METEORO, VAI DIRETO ATÉ O SEPULCRO, QUANDO UM ESTRONDO SACODE A TERRA, AFASTANDO A ENORME PEDRA QUE O SELAVA, E OS GUARDAS ROMANOS FICAM ATORDOADOS. A LUZ ENTÃO ENTRA NO CORPO INERTE DE JESUS, QUE EM SEGUIDA LEVANTA, TRANSPASSANDO OS PANOS DA MORTALHA COM SEU CORPO IMATERIAL FULGURANTE. RESSUSCITANDO DOS MORTOS COM UMA MATÉRIA INCORPÓREA DE INTENSA LUZ, CONHECIDA APENAS POR DEUS, DE UMA BELEZA INDESCRITÍVEL.”

terça-feira, 1 de setembro de 2015

APARIÇÃO AOS APÓSTOLOS NO CENÁCULO


APARIÇÃO AOS APÓSTOLOS NO CENÁCULO


...O quarto se ilumina intensamente, como se fosse um relâmpago ofuscante. Os apóstolos tapam os rostos, com medo de ter sido um raio. Mas eles não ouvem nenhum rumor, e levantam as cabeças.
Jesus está no meio do quarto, perto da mesa. E abre os braços, dizendo: “A paz esteja convosco.”
Ninguém responde nada. Uns estão mais pálidos, outros mais vermelhos, e todos o fitam com medo e submissão. Eles estão fascinados e, ao mesmo tempo querendo fugir.
Jesus dá um passo para a frente, aumentando o seu sorriso.
“Mas, não temais assim! Sou Eu. Por que ficais assim tão perturbados? Será que não me desejáveis? Eu não vos mandei dizer que Eu teria vindo? Eu não vô-lo tinha dito, desde a tarde da Páscoa?”
Ninguém tem coragem de abrir a boca. O Pedro está chorando. João está sorrindo, enquanto os dois primos, com os olhos brilhantes, e um movimento de palavras sem som sobre os lábios, parecem duas estátuas representando os seus desejos.
É porque em vossos corações tendes pensamentos tão em contraste, entre a dúvida e a fé, entre o amor e o temor> É porque ainda quereis ser carne, e não espírito, e, só com um coração assim, quereis ver, compreender, julgar e agir? Por baixo do fogo da dor, não se queimou completamente o velho “eu”, e não surgiu um novo “eu” de uma vida nova?  Eu sou Jesus. O vosso Jesus, que ressurgiu, como havia dito. Olhai. Tu que não viste as feridas, e vós que não conheceis quais foram as torturas pelas quais passei. Porque tudo o que vós sabeis é bem diferente do conhecimento exato que João tem dos fatos. Vem tu em primeiro lugar. Tu já estás completamente limpo. Tão limpo, que podes tocar em Mim sem temor. O amor, a obediência, a fidelidade já te haviam limpado. O meu Sangue, pelo qual foste todo orvalhado, quando me desceste do patíbulo, terminou a tua purificação. Olha. São verdadeiras mãos e verdadeiras feridas. Observa os meus pés. Estás vendo como o sinal é de um cravo? Sim. Os espectros não têm corpo. Eu tenho uma verdadeira carne sobre um verdadeiro esqueleto. Pousa a mão sobre a cabeça de João, que teve a coragem de ficar perto dele, e dize “Estás percebendo? Ela é quente e pesada.” E lhe sopra o rosto: “E isto é respiração.”
Oh! Meu Senhor! João murmura em voz baixa.
Sim. Sou o vosso Senhor. João, não fiques chorando de temor e de desejo. Vem a Mim. Eu sou sempre aquele que te ama. Vamos sentar-nos à mesa, como sempre. Não tendes nada de comer? Se o tendes, dai-me.
André e Mateus fazendo gestos como um sonâmbulo, tiram das credencias o pão e os peixes e uma bandeja que está com um favo meio roído em um canto.
Jesus oferece o alimento, come dele, e dá a cada um, um pouco de tudo o que Ele come. Depois olha para eles. Com muita bondade. Mas Ele está tão cheio de majestade, que diante dele, eles ficam paralisados.
Quem ousa falar por primeiro é Tiago, irmão de João. Ele diz: “Por que é que nos ficas olhando assim?”
Porque quero conhecer-vos.
Ainda não nos conheces?
Assim como vós ainda não me conheceis. Se me conhecêsseis, saberíeis quem Eu sou, e como vos amo, e acharíeis palavras para Me falardes dos vossos tormentos. Vós estais calados. Estais como diante de um estranho muito poderoso e a quem vós temeis. Há pouco, vós estáveis falando entre vós mesmos, e dizendo: “Eu vou dizer-lhe isto.” Combinais entre vós em me dizer: “Volta, Senhor, para que eu te possa dizer isto...”, e não dizeis ao Meu Espírito o que não quereis dizer mas silenciar. E agora que Eu vim, vós ficais calados? Será que Eu estou tão mudado, que nem mais vos pareço ser Eu? Ou será que vós é que estais mudados, que nem me tendes mais amor?
João, sentado perto do seu Jesus, faz como habitualmente, o gesto de pousar-lhe a cabeça sobre o peito, enquanto murmura: “ Eu te amo meu Deus.” Mas ele se contém de fazer aquele gesto, em respeito à fulguração que emana do Filho de Deus. Pois de Jesus parece sair uma luz, ainda que Ele seja de uma carne igual à nossa.
Mas Jesus o faz aproximar-se do seu coração, e, então João abre o dique de seu pranto bendito. E isto valeu como um sinal para que os outros façam o mesmo.
Pedro, que estava no segundo lugar, depois de João, desliza por entre a mesa e a cadeira, e chora, gritando: “Perdão! Perdão! Tira-me deste inferno, no qual eu estou, há tantas horas. Dize-me que viste o meu erro, que não foi o que se esperava. Não do meu espírito. Mas da carne que dominou meu coração. Dize-me que viste o meu arrependimento... Ele durará até à morte. Mas dize-me tu que assim como a Jesus, eu não te devo temer... e eu, e eu procurarei agir bem, de tal modo que possa ser perdoado até por Deus... e morrer... tendo só que passar por um longo purgatório.
Vem cá, Simão do Jonas.
Eu tenho medo.
Vem cá. Não sejas covarde outra vez.
Eu não sou digno de ficar ao teu lado.
Vem cá. Que foi que te disse a Mãe? “Senão olhas para Ele neste Sudário, não terás coragem de olhar para Ele nunca mais.”Ó homem estulto! Aquele rosto não te estava dizendo, com aquele seu olhar doloroso, que Eu te entendia e te perdoava? Contudo, Eu lhe dei aquela tela para teu conforto, como guia, como sinal de absolvição, de bênção... Mas, que foi que Satanás vos fez, para tornar-vos tão cegos? Agora Eu te digo: se não olhas para Mim, agora que por cima de minha Glória, Eu ainda conservo estendido um véu, para nivelar-me com vossa fraqueza, não poderás nunca mais aproximar-te sem medo do teu Senhor. E, que te acontecerá então? Tu pecaste por presunção. E agora quererás tornar a pecar por obstinação? Vem, Eu te estou dizendo.
Pedro se arrasta sobre os joelhos, por entre a mesa e as cadeiras, com as mãos sobre os olhos chorosos. Jesus o faz parar, quando ele chega aos seus pés, pondo sua mão na cabeça dele. Pedro, com um choro ainda mais forte, pega aquela mão, e a beija, por entre um verdadeiro soluçar sem freio. Mas só sabe dizer: “Perdão! Perdão!
Jesus se livra das mãos dele, e, fazendo de sua própria mão uma alavanca, colocada por debaixo do queixo do apóstolo, o obriga a levantar a cabeça, fita-o nos olhos avermelhados, tostados e torturados pelo sofrimento, com os seus olhos fúlgidos e serenos. Fica parecendo que lhe queria perfurar a alma. Depois diz: “Vamos. Tira-me esse opróbrio que já foi Judas. Beija-me onde ele me beijou. Lava com o teu beijo o sinal da traição.
Pedro levanta a cabeça, enquanto Jesus se inclina ainda mais, e passa o seu rosto roçando no dele... Depois é Pedro que inclina a cabeça sobre os joelhos de Jesus, e fica assim... como um velho menino que fez alguma “arte” infantil, mas da qual quer ser perdoado.
Os outros, agora que estão vendo a bondade do seu Jesus, estão achando aquilo meio perigoso, e se aproximam dele o mais que podem. Em primeiro lugar vêm os primos... Eles quereriam dizer muitas coisas, mas não conseguem dizer nada. Jesus os acaricia e encoraja com o seu sorriso.
Vem depois Mateus, junto com André. E Mateus diz: “Está como em Cafarnaum..” E o André: “Eu, eu.. eu te amo.”
Depois é Bartolomeu, que diz entre os gemidos: “Eu não fui sábio. Mas fui um estulto. Este é que é sábio”, e mostra Zelotes, para o qual Jesus está sorrindo.
Tiago do Zebedeu se aproxima, e diz a João: “Fala tu com Ele.” E Jesus se vira e diz: “Há quatro tardes que já disseste isso, e desde aquele dia Eu tive compaixão de ti.
Por último vem Filipe, todo inclinado. Mas Jesus manda que ele levante a cabeça, e diz: “Para pregar o Cristo, é preciso ter uma coragem ainda maior.”
Agora já todos ao redor de Jesus. Mas eles vão-se encorajando pouco a pouco. Tornam a encontrar o que haviam perdido, ou temiam haver perdido para sempre. Refloresce agora a confiança, a tranqüilidade e, por mais que Jesus esteja majestoso, a ponto de conservar os seus apóstolos em um novo respeito, eles, afinal encontram coragem para falar.
E é o primo Tiago que suspira, dizendo: “Por que nos fizeste isso, Senhor? Tu sabias que nós não somos nada, e que tudo vem de Deus. Por que não nos deste a força para podermos estar a teu lado?”
Jesus olha para ele e sorri.
Agora tudo já aconteceu. E nada mais Tu tens que sofrer. Mas não exijas mais de mim por essa obediência. A cada hora eu ia envelhecendo mais um lustro, e os teus sofrimentos, que o amor e Satanás igualmente aumentavam em minha imaginação, para cinco vezes mais aquelas coisas que já não existiam. E assim acabaram mesmo com todas as minhas forças. Delas não sobrou mais nada, para eu continuar a obedecer, conservando ainda, como alguém que se afoga por ter as mãos quebradas, a minha força, unida à vontade, como uns dentes que se agarram a uma mesa para não se perderem. Oh! Não exijas mais isso do teu leproso.
Jesus olha para Simão, o Zelotes e sorri.
Senhor, Tu bem sabes o que queria dizer o meu coração. Mas depois eu não tive mais coração... foi como se tivessem arrancado os verdugos que te prenderam... e o que sobrou para mim foi um buraco, pelo qual escapava qualquer outro pensamento que eu tivesse tido!... Por que permitiste aquilo, Senhor? , pergunta André.
Eu... tu falas de coração?... Mas eu vos asseguro que eu me senti como alguém a quem falta o uso da razão. Como alguém que levou uma pancada de clava na nuca. Quando, em plena noite eu me encontrei em Jericó.. Oh! Deus! Deus!... Mas será que um homem pode perder-se assim? Eu creio que a possessão é uma coisa assim. Agora eu compreendo o que é essa coisa horrível! E o Filipe arregala ainda os olhos, ao lembrar-se do que sofreu.
Tem razão Felipe. Eu ia atrás dele, e o observava. Eu já estou velho, e não sou pobre de sabedoria. Eu já não sabia nada de tudo o que eu sabia antes, até aquela hora. Eu olhava para o Lázaro, tão atormentado, mas tão firme, e dizia a mim mesmo: “Mas como pode ser que ele saiba ainda encontrar uma razão, e eu nada mais?, diz Bartolomeu.
Eu também estava olhando para Lázaro. Mas, visto que eu só sei o que Tu explicaste, eu já não me apoiava em meu saber. Mas eu dizia: “Se, pelo menos no coração eu fosse igual a ele!” Mas, ao contrário, eu só sentia dor, uma dor contínua. Lázaro tinha dor, mas também tinha paz. Por que é que ele tinha tão grande paz?
Jesus olha para cada um por sua vez, primeiro para Filipe, depois para Bartolomeu, depois para Tiago de Zebedeu. Depois sorri, e se cala.
Judas diz: “Eu esperava chegar a ver o que certamente Lázaro estava vendo. Por isso, eu ficava sempre perto dele... O rasto dele... era como um espelho. Pouco antes do terremoto da Sexta-feira, ele estava como alguém que morre esmagado. Mas depois, de repente ele se tornou majestoso em sua dor. Deveis estar lembrados daquilo que ele me disse: “O dever cumprido produz paz.” Nós todos ficamos pensando que aquelas palavras fossem uma reprovação para nós, ou uma aprovação para ele mesmo. Mas agora eu penso que ele se referisse a Ti. Era um farol para nós em nossas trevas, Lázaro. Quantas coisas boas lhe deste, Senhor!
Jesus sorri, e se cala.
Sim. A vida. E talvez com ela tenhas dado uma alma diferente. Porque afinal, em que é que ele é diferente de nós? Contudo, ele não é mais um homem. É alguma coisa mais do que o homem e, tendo sido aquele que foi no passado, teria devido ser ainda mais perfeito do que nós no espírito. Mas ele se formou, e nós... Senhor, o meu amor tem sido vazio, como certas espigas. Eu só produzi sabugo, diz o André.
E Mateus toma a palavra: “ Eu não posso pedir nada. Porque já recebi muito com a minha conversão. No entanto, eu gostaria de ter o que teve Lázaro teve. Uma alma dada por Ti. Porque eu penso também como o André.”
Também Madalena e Marta foram uns faróis. Talvez seja pela raça. Vós não as vistes. Uma era piedade e silêncio. E a outra! Oh! Se nós estamos todos juntos, como que formando um feixe, ao redor da Bendita, é porque a Maria de Magdala nos incentivou, com as chamas do seu corajoso amor. Sim. Eu falei na raça. Mas eu devia ter dito: é o amor. Elas nos superaram no amor. Por isso é que elas foram quem foram, diz João.
Jesus sorri e se cala.
Mas eles receberam um grande prêmio.
A eles Tu apareceste.
A todos os três.
Mas a Maria logo depois de tua Mãe.
Está claro como entre os apóstolos havia uma saudade daquelas aparições de privilégio.
Maria, já há muitas horas, que sabe que ressuscitaste. E nós, só agora é que te estamos podendo ver...
Para eles não há mais dúvidas. Mas, para nós, eis que somente agora é que estamos percebendo que nada acabou. Por que assim fazes com eles Senhor, se ainda nos amas e não nos repudias? , pergunta o Judas do Alfeu.
É verdade. Por que tratar assim às mulheres, e especialmente à Maria. Tu até tocaste na fronte dela, e ela diz que lhe parece estar sempre com uma grinalda eterna. E a nós, os teus apóstolos, nada.
Jesus não sorri mais. Seu rosto não está perturbado, mas seu sorriso cessou. Ele olha sério para Pedro, que falou por último tornando-se a encher-se de coragem, à medida que o medo e o tempo vão passando, e diz: Eu tinha apóstolos. Eu os amava com todo o meu coração. Eu os havia escolhido, e, como uma mãe, havia tomado cuidado para que eles crescessem durante a minha vida. Eu não tinha segredos para eles. Eu lhes dizia tudo, tudo lhes explicava, tudo perdoava. Mas suas fraquezas humanas, suas ousadias, suas teimosias... tudo. E Eu tinha também discípulos. Uns ricos e outros pobres. Tinha mulheres de um passado sem brilho ou de uma constituição débil. Mas meus prediletos eram os apóstolos.
E assim chegou a minha hora. Um deles me traiu e me entregou aos verdugos. Três deles ficaram dormindo, enquanto Eu suava sangue. Todos menos dois, fugiram por vileza. Um me renegou por medo, ainda que estivesse vendo o exemplo do outro, jovem e fiel. E, como se isso não bastasse, entre os doze Eu tive um suicida desesperado, e um duvidou tanto do meu perdão, que não acreditava facilmente, ou pelas palavras de sua mãe, na misericórdia divina. Assim, se Eu tivesse olhado para a minha fileira, com olhos humanos, eu teria devido dizer: “Menos João, fiel por seu amor, e o Simão, fiel na obediência, Eu não tenho mais apóstolos. Isto Eu teria devido dizer. Enquanto estava sofrendo no recinto do Tempo, no Pretório, pelas ruas da cidade e até já sobre a Cruz.
Algumas mulheres me acompanhavam. Uma delas, a mais culpada no passado, foi, como disse João, a chama que soldou as fibras arrebentadas dos corações. Essa mulher é Maria de Magdala. Tu me renegaste, e fugiste, enquanto que ela desafiou a morte para estar perto de Mim. Insultada, ela descobriu o rosto, pronta para receber a cusparada e as bofetadas, pensando em ser assim semelhante, a seu Rei crucificado. No fundo dos corações ela era escarnecida por sua fé firme na minha Ressurreição, e soube continuar a crer. Torturada, foi assim que continuou a agir. Desolada, nesta manhã ela disse: “ De tudo eu me despojo, mas dai-me o meu Mestre.”
Podes fazer ainda a ousada pergunta: “Por que dar-se a ela?”
Eu tinha uns discípulos pobres, eram pastores. Pouco eu me aproximei deles, e, no entanto, como souberam eles proclamar sua fidelidade!
Eu tinha discípulas tímidas, como o são as mulheres hebréias. Contudo, elas souberam deixar suas casas e vir para o meio do mar de um povo que blasfemava contra Mim, e elas o faziam para me darem aquele socorro que os apóstolos me haviam negado.
Eu tinha umas pagãs que me admiravam, como a um “filósofo”. Pois para elas Eu o era. Mas souberam descer até aos costumes hebreus aquelas poderosas romanas, a fim de me dizerem, naquelas horas de abandono por parte de um mundo de ingratos: “ Nós somos tuas amigas.”
Eu tinha o rosto cheio de cuspiduras e de sangue. Lágrimas e suor gotejavam sobre as feridas. Sujeira e poeira o cobriam como uma crosta. De quem era a mão que me limpou? Foi a tua? Ou a tua? Ou a tua? Não foi nenhuma das vossas mãos. Este homem estava perto da Mãe. Ele é que reunia as ovelhas espalhadas. E, se espalhadas estavam as minhas ovelhas, como é que elas podiam socorrer-me? Tu escondias o teu rosto, por medo do desprezo do mundo, enquanto o teu Mestre ia indo coberto pelo desprezo de todo o mundo, sendo Ele inocente.
Eu tinha sede. Sim. Leva em conta também isso. Eu estava morrendo de sede. A febre e a dor se haviam apoderado de Mim. Já havia saído sangue de Mim no Getsêmani, pela dor de ser traído e abandonado, negado, açoitado, submergido por culpas infinitas e pelo rigor de Deus.
E também no Pretório correu sangue... Quem foi que quis dar-me uma gota d”água para a minha garganta que ardia de sede? Terá sido uma mão de Israel? Não. Foi a piedade de um pagão. Aquela mesma mão que, por um decreto eterno, me abriu o peito para mostrar que o Coração já tinha uma ferida mortal, e era aquela que a falta de amor, que a vileza, a traição me haviam feito. Foi um pagão. E Eu vos faço lembrar: “ Eu tive sede, e me deste de beber.” Em todo Israel não houve um que me desse um conforto, ou pela impossibilidade de fazê-lo, como a Mãe e as mulheres fiéis, ou, pela má vontade de fazê-lo. E um pagão foi quem teve para com o desconhecido a piedade que meu povo me negou. Ele encontrou no Céu aquele sorvo que ele me deu.
Em verdade, Eu vos digo que, se Eu recusei todo o conforto, porque quando, não convém abrandar a sorte, e Eu não quis rechaçar o que o pagão me oferecia, porque naquilo Eu provei o mel de todo amor com que me brindarão os gentios, em recompensa pela amargura que Israel me fez beber. Ele não me tirou a sede. Mas o desconforto, sim. Por isso, Eu tomei aquele sorvo, sem saber o que era. Para atrair a Mim aquele que já estava inclinado para o Bem. Que ele seja abençoado pelo Pai por sua piedade.
Vós, não falais mais? Por que é que não perguntais também porque é que Eu agi assim? Não tendes coragem de perguntar isso? Então eu vô-lo irei dizer. Tudo Eu vos direi sobre o porque desta hora. Quem é que sois vós? Não sois os meus continuadores? Sim. Vós o sois, apesar da vossa perturbação. Que é que deveis fazer? Converter o mundo para Cristo. Converter? Isto é o que há de mais delicado e difícil, meus amigos. Os desprezos, as aversões, os orgulhos, os zelos exagerados, tudo isso são coisas que tornam impossível o bom êxito.
Mas como nada e ninguém vos teria persuadido a usar da bondade, da condescendência, da caridade para com aqueles que estão nas trevas, então foi necessário, compreendeis? Foi necessário que vós tivésseis, uma vez por todas, esmagado o vosso orgulho de hebreus, de homens, de apóstolos, para dardes lugar somente à verdadeira sabedoria do vosso ministério, isto é, à mansidão, à paciência, à piedade, ao amor sem fanfarrices nem aversões.
Vós estais vendo como todos vos venceram na fé e no agir, entre aqueles que vós olháveis com desprezo, ou com uma compaixão orgulhosa. Todos. Até a pecadora de outros tempos. Até Lázaro, impregnado de uma cultura profana, foi o primeiro que, em meu Nome, perdoou e guiou. E as mulheres pagãs. E enfraquecida mulher do Cusa. Enfraquecida? Mas, na verdade, ela galha de todos vós. Ela é a primeira mártir da minha fé. E os soldados de Roma. E os pastores. E o herodiano Manaém. E até Gamaliel, o rabino. Não te fiques estremecendo, João. Pensas tu que o meu espírito ainda estivesse nas trevas? Todos vós pensáveis assim. E isso aconteceu convosco para que amanhã, lembrando-vos do vosso erro, não fecheis o coração para os que se aproximarem da Cruz.
Eu vo-lo digo. E Eu já sei que, ainda que Eu o tenha dito, vós não o fareis, a não ser quando a Força do Senhor vos dobrar, como uma varinha, à minha vontade, que é a de ter cristãos por toda a Terra. Eu venci a Morte. Mas ela é menos dura do que o velho hebraísmo. Mas Eu vos dobrarei.
Tu Pedro, em vez de ficares envilecido e chorando... tu que deves ser a Pedra da minha Igreja, grava esta amarga verdade no coração. A mirra é usada para preservar da corrupção. Então, impregna-te de mirra. E, quando quiseres fechar o coração e a Igreja a alguma pessoa de outra fé, lembra-te de que não Israel, não foi Israel que me defendeu e quis ter piedade. Lembra-te de que não tu, mas uma pecadora é que soube ficar ao pé da Cruz, e mereceu ver-me por primeira. E, para não seres digno de censura, sê imitador do teu Deus. Abre o coração e a Igreja dizendo: “Eu, o pobre Pedro, não posso desprezar, porque se eu desprezar, serei desprezado por Deus, e o meu erro se tornará vivo aos olhos dele.”
Ai de ti, se Eu não te tivesse despedaçado assim. Não serias um pastor, mas terias virado um lobo.
Jesus se levanta. Ele está muito majestoso.
Meus filhos. Agora Eu falarei, durante o tempo em que Eu estiver entre vós. Mas, enquanto isso, Eu vos absolvo e perdôo. Depois da prova, que foi aviltante e cruel, mas que também foi salutar e necessária, venha a vós a paz do perdão. E, com essa paz no coração, tornai-vos meus amigos fiéis e fortes. O Pai me mandou a este mundo. E Eu vos mando pelo mundo, a fim de continuardes a minha evangelização. Misérias de toda sorte virão sobre vós, pedindo alívio. Sede bons, pensando em vossa miséria, quando ficastes sem o vosso Jesus. Sede iluminados. Nas trevas não se pode ver. Sede limpos, para ensinardes a limpeza. Sede amor, para poderdes amar. Mas enquanto Ele não chega, a fim de preparar-vos para este ministério, Eu vos comunico o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, estarão perdoados. E a quem os retiverdes, ficarão retidos. A vossa experiência vos faça justos, para julgardes. O Espírito Santo vos faça santos, para santificardes. A vontade sincera de corrigir-se de vossas faltas vos torne heróicos para a vida que vos espera. Tudo o que está por dizer, Eu vo-lo direi, quando aquele que está ausente tiver chegado. Rezai em Nome dele. Permanecei em minha paz, e sem nenhuma ansiedade ou dúvida sobre o meu amor a vós.
E Jesus desaparece, como havia entrado, deixando entre João e Pedro um lugar vazio. E Ele desaparece no meio de um vivo clarão, que os faz fechar os olhos, de tão forte que ele é. E, quando os olhos ofuscados se abrem, eles verificam somente que a paz de Jesus ficou entre eles, como uma chama que queima e que cura, que consome as amarguras do passado, e as transforma em um único desejo de servir.


( O Evangelho como me foi Revelado – Maria Valtorta, Vol. 10, pgs. 264 a 273)

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