A ANGÚSTIA DE MARIA NO SEPULCRO
Dizer
o que eu sinto é inútil. Eu faria unicamente um exposição do meu sofrimento, e
por isso uma coisa sem valor, diante do sofrimento que eu estou vendo. Por
isso, eu o descrevo sem comentários sobre mim mesma.
Estou
assistindo o sepultamento de Nosso Senhor.
O
pequeno cortejo, depois de ter descido do Calvário, encontra cavado na base do
mesmo, no calvário do monte, o sepulcro de José de Arimatéia. Num ato de
piedade eles entram nele com o Corpo de Jesus.
Estou
vendo o sepulcro assim: é um espaço cavado no rochedo, que está perto de um
jardim todo em flor. Parece uma gruta natural, mas está cavado pela mão do
homem. Lá se encontra a câmara sepulcral propriamente dita com os seus lóculos
(feitos diferentes dos das catacumbas). Estes são como umas perfurações redondas,
que penetram na pedra como os buracos de uma colméia, só para se ter uma ideia.
Por enquanto, estão todos vazios. Vê-se o olho vazio de cada lóculo, como uma
mancha negra sobre o cinzento da pedra. Depois, antes da câmara sepulcral, há
uma antecâmara. No centro dela está a pequena mesa de pedra para a unção. Sobre
ela é posto o corpo de Jesus em seu lençol.
Entram
também João e Maria. Não entram outras pessoas, porque a câmara é pequena e, se
houvesse muitas pessoas, não poderiam nem mover-se bem. As outras mulheres
ficaram perto da porta, isto é, perto da abertura, porque não há porta
propriamente dita.
Os
dois portadores descobrem o corpo de Jesus.
Enquanto
eles preparam as faixas e os aromas em um canto da mesa, à luz de duas tochas,
Maria se inclina sobre o corpo de seu Filho, e chora. E de novo o enxuga com o
véu que ainda está nas costas de Jesus. É o único banho que toma o Corpo de
Jesus, esse das lágrimas de sua Mãe e, ainda que elas sejam muitas, não fazem
nada mais do que tirar superficialmente e em parte a poeira, o suor e o sangue
daquele Corpo torturado.
Maria
não se cansa de acariciar aqueles membros gelados. Com uma delicadeza ainda
maior do que se tocasse os de um recém nascido, Ela toma as pobres mãos
feridas, as aperta entre as suas, beija os dedos dela, depois as estende,
procura unir as bordas das feridas, como quem faz uns curativos, a fim de que
elas doam menos, aperta contra suas faces aquelas mãos que não podem mais
acariciar, e geme em sua dor atroz. Endireita e ajuda os pobres pés, que estão
muito abandonados e também mortalmente cansados, ao terem percorrido tantos
caminhos por nós. Mas eles se haviam afastado demais da cruz, especialmente o
esquerdo que está quase achatado, como se não tivesse sido usada a cavilha.
Depois
Ela volta ao corpo e o acaricia. Ele está tão frio e tão rígido que quando Ela,
mais uma vez, olha o rasgão feito pela lança, e que agora, depois de ter ficado
o corpo deixado de costas sobre a placa de pedra, está aberto como uma boca,
deixando que se veja melhor a cavidade torácica (a ponta do coração aparece
claramente entre o esterno e a arcada esquerda das costelas, e uns dois
centímetros acima dela está a incisão feita pela ponta da lança no pericárdio,
com o comprimento de um bom centímetro e meio, enquanto a parte externa do
tórax, do lado direito, é de pelo menos uns sete). Maria grita de novo, como no
Calvário. Fica parecendo que a lança a está transpassando, pelo tanto que Ela
se contorce em sua dor, levando as mãos ao seu coração, transpassado como o de
Jesus. Quantos beijos deu naquela ferida a pobre Mãe!
Depois
Ela volta a cabeça, que está virada, e a acerta em seu lugar, pois ela tinha
ficado levemente tombada para trás, e bem mais para a direita. A Mãe procura
fechar aquelas pálpebras, que teimam em ficar sempre abertas, e a boca que
ficou também aberta, meio contraída e um pouco torcida para a direita. Maria
penteia os cabelos, que ontem estavam tão bonitos e em ordem, mas que agora
viraram uma maranha, estão esgrouviados e grudados pelo sangue. Ela desenrola
as madeixas mais longas, torna-as mais macias, ao passá-las por entre os dedos,
e as enrola para restituir-lhes aquela forma dos belos cabelos do seu Jesus,
antes tão macios e anelados. E Maria geme, porque se lembra de quando Ele era
menino. E é esse o motivo principal de sua dor, a lembrança da infância de
Jesus, de seu amor por Ele, dos seus cuidados que tinham medo até do ar mais
forte para aquela criaturinha divina, e a comparação entre o modo como o
tratava naquele tempo com o trato que lhe deram agora os homens.
Os
lamentos dela me fazem sentir-me mal. E é o que Ela faz, quando gemendo diz:
“Que foi que te fizeram, meu Filho?”, não podendo vê-lo daquele jeito, nu,
rígido, sobre uma pedra. E Ela lhe pega o braço, passa-lhe seu braço por baixo
das costas dele, e, apertando-o contra o peito com a outra mão, como para
niná-lo, com aqueles mesmos movimentos que Ela fazia lá na gruta em que Ele
nasceu, tudo isso me faz chorar e sofrer, como se uma mão estivesse procurando
alguma coisa em meu coração.
(O
Evangelho como me foi Revelado – Maria Valtorta, vol. 10)
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