O MESTRE MOSTRA O CAMINHO.
A
paz esteja com todos vós, e a sabedoria sobre vós.
Escutai,
Foi-me perguntado um dia, faz muito tempo, até que ponto Deus é misericordioso
para com os pecadores. Quem fazia aquela pergunta era um pecador perdoado que
não conseguia persuadir-se do completo
perdão de Deus. E Eu, com algumas palavras, o tranqüilizei, e lhe garanti e lhe
prometi que para ele Eu teria sempre falado da misericórdia, para que o seu
coração arrependido, que dentro dele parecia o de um menino perdido que
chorava, se sentisse na certeza de estar já entre os que pertencem ao seu Pai
do Céu.
Deus
é Misericórdia, porque Deus é Amor. O servo de Deus deve ser misericordioso
para imitar Deus.
Deus
se serve da misericórdia como de um meio para atrair a Si os filhos desviados.
O preceito do amor é obrigatório para todos. Mas deve ser três vezes mais nos
servos de Deus.
Não
se conquista o Céu, se não se ama. Mas basta dizê-lo aos que crêem. Aos servos
de Deus Eu digo: “ Não se faz que os que crêem conquistem o Céu, se não se amam
com perfeição.”
E
vós, que sois? Vós que vos aglomerais aqui ao redor de Mim?
Em
vossa maior parte, sois criaturas que vos inclinais para a vida perfeita, para
a vida bendita, cansativa, luminosa do servo de Deus, do ministro de Cristo. E,
que deveres tendes nessa vida de servos e ministros? Um amor total a Deus, um
amor total ao próximo. A vossa meta: servir. Como? Restituindo a Deus aqueles
que o mundo, a carne e o demônio arrebentaram a Deus. De que modo? Com amor. O
amor que tem mil formas para manifestar-se, e um único fim: fazer amar.
Pensemos
em nosso belo Jordão. Como é imponente em Jericó. Mas, era ele assim na
nascente? Não. Era um fio de água, e assim teria ficado, se tivesse ficado
sempre só. Mas, eis que dos montes e colinas, de uma e outra margem do seu
vale, descem milhares e milhares de afluentes, uns deles solitários outros
formados por centenas de córregos, vão despejar-se em seu leito, que cresce,
cresce, cresce sempre mais, até se transformar no doce regato de prata azulada,
que se ria e brincava em sua meninice de rio, o largo, solene e plácido rio,
que enxerta uma fita azul celeste por entre suas ubertosas e esmeraldinas
margens.
Assim
é o amor. É um fio inicial para as crianças que estão começando o Caminho da
Vida, as quais mal sabem salvar-se do pecado grave, eis que das montanhas da
humanidade, escabrosas, áridas, soberbas e duras, surgem por um desejo de amor,
córregos e mais córregos desta virtude principal, e tudo serve para fazê-la
nascer e jorrar as dores e as alegrias, assim como nos montes servem para
formar os arroios, as neves geladas e o sol que as derrete. Tudo serve para
abrir-lhes o caminho: tanto a humildade, como o arrependimento. Tudo serve para
canalizá-las para o córrego inicial. Porque a alma, impelida para aquele
caminho, gosta das descidas para o aniquilamento do eu, aspirando reerguer-se,
atraída pelo Sol-Deus, depois de ter-se transformado em um rio poderoso, belo e
benfeitor.
Os
riachos que nutrem o rio embrionário do amor temeroso são, além das virtudes,
as obras que as virtudes ensinam a praticar. As obras que, justamente para
serem rios de amor, são obras de misericórdia. Vamos percorrê-las juntos.
Algumas já eram conhecidas de Israel, enquanto outras, Eu as torno conhecidas,
porque a minha Lei é perfeição de amor.
DAR
DE COMER A QUEM TEM FOME.
É
um dever de reconhecimento e de amor. Dever de imitação. Os filhos são
agradecidos ao pai pelo pão que ele lhes dá e, quando homens feito, eles imitam
ao darem o pão aos seus filhos e ao pai que já não pode trabalhar, por causa de
sua idade, e lhes dão o pão com o seu próprio trabalho, como uma amorosa
restituição, uma restituição devida dos bens adquiridos. O quarto preceito diz:
“ Honra a teu pai e á tua mãe.” É um modo de honrar os seus cabelos brancos o
que se faz para não deixá-los ir pedir a outros o pão por esmola.
Mas,
antes do quarto, diz-nos o primeiro preceito: “ Ama a Deus com todo o teu ser”,
e o segundo: “ Ama a teu próximo como a ti mesmo”. Amar a Deus por ser quem é,
e amá-lo no próximo, é perfeição.
Ama-se
ao próximo dando pão a quem tem fome, em lembrança das muitas vezes que Ele
matou a fome do homem por meio do milagre. Mas sem ficar olhando só para o maná
e as codornizes, olhemos para o milagre contínuo do grão que germina pela
bondade de Deus, que nos deu terra própria para a cultura, e controla os
ventos, chuvas, calor e estações, a fim de que a semente se vá transformando em
espiga, e a espiga em pão.
E
não foi um milagre da sua misericórdia o fato de ter o Senhor, com uma luz
sobrenatural, ensinando ao filho culpado que aquelas ervas altas e esguias, que
terminavam produzindo frutos de sementes douradas pelo quente cheiro do sol,
fechadas dentro da dura faixa de escamas espinhentas, eram um alimento que
haveria de ser colhido, descascado, transformado em farinha, amassado e assado.
Deus ensinou tudo isso. Foi Ele que ensinou com colhê-lo, limpá-lo, moê-lo,
amassá-lo e assá-lo. Ele pôs as pedras perto das espigas, a água perto das
pedras, acendeu com os reflexos da água e do sol o primeiro fogo sobre a terra
e, sobre o fogo, o vento levou alguns grãos que, ao se queimarem, exalaram um
odor agradável, a fim de que o homem compreendesse que, melhor do que quando
eles são tirados da espiga, como sabem fazer os passarinhos, ou só molhado com
água, depois de ter virado farinha, e ter sido transformado em uma massa
grudenta, muito melhor é quando o fogo o assa. Não pensais nisso, vós que hoje
comeis o pão gostoso, assado no forno de vossa casa, não pensais o quanto é bom
podermos ter chegado a esta perfeição no modo de assar, e quanto caminho teve
que ser percorrido pelo conhecimento humano, desde a primeira espiga, que foi
mastigada, como faz o cavalo, até chegarmos ao pão que hoje temos. Por quem
fomos ensinados? Pelo doador do pão. E assim aconteceu com todas as espécies de
alimento que o homem soube por meio de uma luz benfazeja, descobrir e separar,
dentre as plantas e animais com que o Criador cobriu a terra, paterno para o
filho culpado.
Portanto,
dar de comer a quem tem fome é uma oração de reconhecimento ao Senhor e Pai,
que mata a fome, e é bom imitar o Pai, do qual recebemos esta semelhança
gratuita, que é preciso aumentar sempre, com a imitação de suas ações.
DAR
DE BEBER A QUEM TEM SEDE.
Já
pensastes que aconteceria, se o Pai não fizesse mais chover as águas do céu?
Ou, então, se Ele dissesse: “ Pela vossa dureza para com quem está com sede, Eu
vou impedir as nuvens de descerem sobre a terra”, poderíamos nós protestar e
falar mal dele? A água, mais ainda do que o trigo, é de Deus. Porque o trigo é
cultivado pelo homem, mas só Deus é quem cultiva os campos das nuvens, que
descem em forma de chuva ou de orvalho, como névoa ou neve, nutrem os campos e
abastecem as cisternas, enchem os rios e os lagos, dão abrigo aos peixes, que
matam a fome dos homens e de outros animais. Portanto, podeis vós responder a
quem vos diz: “ Dá-me de beber”, dizendo-lhe: “Não. Esta água é minha, e eu não
te dou?”
Mentirosos!
Quem de vós já fez um só floco de neve, ou um só pingo de chuva? Quem já fez
evaporar um só dos diamantes do orvalho com o seu calor astral? Ninguém. É Deus
quem faz isso. E, se as águas descem do céu, e voltam a subir, somente Deus
regula esta parte da criação, assim como tudo mais.
Daí,
pois, a boa água fresca dos lençóis do subsolo, ou a água limpa do vosso poço,
ou a que encheu as vossas cisternas, dai-a a quem tem sede. São águas de Deus.
São para todos. Dai-as a quem tiver sede. Por uma tão pequena boa obra, que não
custa o vosso dinheiro, que não exige outro trabalho senão o de estender com a
mão um copo ou uma vasilha. Eu vo-lo digo, tereis uma recompensa no Céu. Porque
não é a água, mas é o ato de caridade que é grande, diante dos olhos e do
julgamento de Deus.
VESTIR
OS NUS.
Vêem-se
pelas estradas deste mundo pessoas em estado vergonhoso por uma nudez que nos
causa dó. São velhos abandonados, são inválidos por doenças ou por outras
desventuras, são prole numerosa, são feridos por acidentes que os privaram de
toda comodidade, são órfãos inocentes. Se Eu lançar um olhar por toda a
vastidão da terra, verei por toda parte pessoas nuas, ou cobertas com trapos,
que mal lhes salvam a decência, e não as protegem contra o frio. E essas
pessoas ficam olhando, com um olhar humilhado, para os ricos, que vão passando,
com um olhar humilhado, para os ricos, que vão passando com suas roupas macias
e com os pés calçados com sapatos delicados. Humilhados com a bondade dos bons
e com o ódio dos menos bons. Mas por que não os auxilias no aviltamento em que
se acham, tornando-os melhores, se já são bons, e destruindo-lhes o ódio, se
não são menos bons, com o vosso amor?
Não
digais: “O que eu tenho é só para mim.” Como acontece com o pão, sempre tendes
alguma coisa a mais do que o necessário, nas mesas e nos armários de quem não
está completamente abandonado. Entre estes que Me estão ouvindo, há mais de um
que sabe, de uma roupa que ele deixou de usar por estar muito batida, tirar uma
roupinha para um órfão ou algum menino pobrezinho e, de um lençol velho, fazer
faixas para algum inocente que não as tem, soube repartir, durante muitos anos,
o pão esmolado cansativamente com quem, por estar leproso, não podia ir
estender a mão ás soleiras dos ricos. E, em verdade, Eu vos digo que esses
misericordiosos não devem ser procurados entre os possuidores de bens, mas por
entre as fileiras humildes dos pobres que, por serem assim é que sabem quão
penosa é a pobreza.
Também
aqui, como para a água e o pão, pensai que a lã e o linho com que vos vestis
provêm dos animais e das plantas, que o Pai criou não somente para os ricos
entre os homens, mas para todos os homens. Porque Deus deu somente uma riqueza
ao homem: a da sua Graça, da Salvação, da inteligência. Mas não a riqueza suja
que é o ouro, que vós andastes enaltecendo, fazendo dele, que é um metal não
melhor do que os outros, muito menos útil que o ferro, com que se fazem as pás
e os arados, as grades e as foices, os escopros, os martelos, os serrotes, as
plainas, as santas ferramentas do santo trabalho, fazeis dele o nobre metal,
que vós elevastes a uma nobreza inútil, mentirosa, por uma instigação de
Satanás que, de filhos de Deus, vos tornou selvagens como feras. A riqueza
daquilo que é santo vos havia dado com que vós pudésseis tornar-vos sempre mais
santos! Mas não esta riqueza homicida, que tanto sangue e lágrimas derrama.
Daí,
pois, como vos foi dado. Daí em nome do Senhor, sem terdes medo de ficar nus.
Melhor seria morrer de frio, por sermos despojados em favor do mendigo, do que
fazer enregelar-se o coração, mesmo por baixo de vestes cômodas, pela falta de
caridade. O leve calor que sentimos pelo bem feito é mais doce do que aquele de
um manto da mais pura lã. E as carnes do pobre, agora por nós cobertas, falam a
Deus, e lhe dizem: “ Abençoa a quem nos vestiu.”
Se
matar a fome, a sede, vestir, tirando de si para dar aos outros são atos que
unem a santa temperança á santíssima caridade, e vós mesmos á bem-aventurada
justiça, pela qual se modifica com santidade, a sorte dos nossos irmãos
infelizes, dando daquilo que temos em quantidade, por permissão de Deus, a
favor de quem, ou por malvadez dos homens, ou por doenças, daquilo tiver ficado
privado, nesse caso albergar os peregrinos que une a caridade a confiança e aos
bons pensamentos do próximo a nosso respeito. Esta também é uma virtude,
sabeis? Uma virtude que derrota em quem a possui, além da caridade, a
honestidade. Porque quem é honesto, age bem e, visto que age bem tem o costume
de pensar que assim também ajam os outros, acontece então, que a confiança, a
simplicidade com que se acredita sempre que as palavras dos outros sejam
verdadeiras, mostram que aquele que as ouve é alguém que diz a verdade nas
grandes e nas pequenas coisas, não chegando por isso, a desconfiar do que os
outros dizem.
Por
que pensar, diante do peregrino que nos pede abrigo: “ E se ele for um ladrão
ou um assassino?” Será que estais tão apegados ás vossas riquezas, que temeis,
por causa delas, cada vez que chega até vós um estranho? Será que estais tão
apegados á vossa vida, que ficais arrepiados de medo, ao pensardes que podeis
dela ficar privados? E, então? Achais que Deus não vos pode defender dos
ladrões? Será?
Temeis
no passante um ladrão, e não tendes medo do hóspede tenebroso, que vos pode
roubar o que é insubstituível? Quantos dão hospedagem em seus corações ao
demônio? Eu poderia dizer-vos: todos dão hospedagem aos pecados capitais e, no
entanto, ninguém fica tremendo por isso. Será, então, só o bem da riqueza e da
existência que é precioso? Não será mais preciosa a eternidade, que vós deixais
que vos seja roubada e morta pelo pecado? Pobres, bem pobres essas almas
roubadas em seu tesouro, postas nas mãos de seus assassinos, como se fossem
coisa de pouco valor, ao passo que se fazem barricadas ao redor das casas,
põem-se ferrolhos nas portas, cães e cofres são usados para guardar e defender
muitas coisas que nós não iremos levar para a outra vida!
Por
que querer ver em cada peregrino um ladrão? Nós somos irmãos. A casa se abre
para os irmãos que estão de passagem. O peregrino não é do nosso sangue? Oh!
Sim! É do sangue de Adão e Eva. Não é nosso irmão? E, como não?
O
Pai é um só: Deus que nos deu uma alma igual, assim como os filhos de um mesmo
leito o pai dá um sangue igual. E um pobre? Procurai que não seja mais pobre do
que ele o vosso espírito privado da amizade do Senhor. A veste dele está
rasgada? Fazei que não esteja ainda mais rasgada a vossa alma, pelo pecado.
Estão enlameados ou empoeirados os pés dele? Fazei que mais do que a sandália
dele, suja pela longa viagem, e rota pelo muito andar, não esteja o vosso eu,
consumido pelos vícios. É feia a aparência dele? Fazei que não seja mais feia
ainda a vossa, aos olhos de Deus. É estranho o seu modo de falar? Fazei que não
tenhais vós a linguagem do coração incompreensível na cidade de Deus.
Vede
no peregrino um irmão. Todos nós somos peregrinos em caminho para o Céu, e
todos nós batemos ás portas que estão ao longo do caminho do que vai para o
Céu. Essas portas são os patriarcas e os justos, os anjos e os arcanjos, aos
quais nos recomendamos, para termos a ajuda e a proteção deles, a fim de
podermos chegar á nossa meta, sem que caiamos no escuro da noite, no rigor do
frio, presas das ciladas dos lobos e dos chacais, que são as paixões malvadas e
os demônios. Como queremos que os anjos e os santos nos demonstrem o seu amor
para hospedar-nos e dar-nos de novo o alento para continuarmos o caminho, assim
façamos nós para com os peregrinos deste mundo. E cada vez que abrirmos a casa
e os braços para saudarmos com doce nome de irmão a um desconhecido, pensando
em Deus que o conhece, Eu vos digo que tereis percorrido muitas milhas do
caminho que vai para os céus.
VISITAR
OS ENFERMOS.
Oh!
Como é verdade que, sendo todos peregrinos, todos são enfermos! E suas doenças
mais graves são as do espírito, que são invisíveis e as mais mortais. E, no
entanto, ele não tomam cuidado. Não lhes repugna a chaga moral. Não lhes causa
nojo o fedor do vício. Não lhes faz medo a loucura diabólica. Não lhe causa
horror a gangrena de alguém que é leproso em seu espírito. Não os faz fugir o
sepulcro cheio da podridão de um homem morto e putrefacto em seu espírito. Não
é anátema aproximar-se dessas impurezas. Como é pobre e restrito o pensamento
do homem!
Dizei-me:
que tem mais valor, o espírito ou a carne e o sangue?
Terá
o que é material o poder de corromper, por sua proximidade, o que é incorpóreo?
Não. Eu vos digo que não. O espírito tem um valor infinito, se comparado com a
carne e o sangue, isto sim. Mas a carne não tem maior poder do que o espírito.
O espírito pode ser corrompido, mas não por coisa materiais, e, sim pelas
espirituais. Se até alguém, que trata de leprosos não fica leproso em seu
espírito, mas pelo contrário, por causa da caridade, que ele praticou
heroicamente, chegando até a segregar-se nos vales da morte, por piedade para
com seu irmão, caem dele todas as manchas de pecado. Porque a caridade absolve
o pecado, e é a primeira das purificações.
Parti
sempre deste pensamento: “O que eu gostaria que me fosse feito, se eu estivesse
como está esse aí? E, como tu gostarias que te fosse feito, faze-o tu.
Agora
Israel ainda tem as suas antigas leis. Mas dia virá, e a sua aurora não está
mais muito longe, quando se venerará, como um símbolo de perfeita beleza a
imagem de Um no qual estará reproduzindo materialmente o homem das dores de
Isaías, e o torturado do Salmo de Davi, Aquele que, por se ter feito semelhante
a um leproso, tornar-se-á o Redentor do gênero humano, a ás suas chagas
acorrerão, como uns cervos que vão á fonte, todos os sedentos, os doentes, os
exaustos, os chorosos da terra, e Ele os dessedentará, os curará, e os
restaurará, os consolará em seus espíritos e em suas carnes, e o anseio, dos
melhores será o de se tornarem semelhantes a Ele, também cheios de feridas,
esvaídos em sangue, espancados, coroados de espinhos, crucificados por amor dos
homens, que precisam ser remidos, continuando assim a obra do Rei dos reis e
Redentor do mundo.
Vós,
que ainda sois Israel, mas já estais levantando as asas, a fim de voar para o
Reino dos Céus, começai desde agora esta concepção e avaliação nova das
enfermidades, e, bendizendo a Deus, que vos conserva sãos, inclinai-vos sobre
os que estão sofrendo e morrendo.
Um
dos meus apóstolos disse um dia: “ Não tenhas medo de tocar nos leprosos.
Nenhum mal se apegará a nós, por vontade de Deus.” Ele falou bem. Deus guarda
os seus servos. Mas, ainda que ficásseis contagiados, ao cuidardes dos
enfermos, seríeis colocados na lista dos mártires por amor, na outra vida.
VISITAR
OS ENCARCERADOS.
Credes
vós que nas galeras estão somente os criminosos? A justiça humana tem um olho
cego e o outro perturbado por distúrbios visuais, pelos quais vê camelos onde
há apenas nuvens, ou toma uma serpente por um ramo florido. Ela julga mal. E,
pior ainda, porque muitas vezes, quem a guia, cria de propósito nuvens de
fumaça, para que ela veja menos ainda. Mas, ainda que os encarcerados fossem
todos ladrões e homicidas, não é justo que nós façamos ladrões e homicidas,
tirando deles a esperança de perdão com o nosso desprezo.
Pobres
prisioneiros! Nem ousam levantar os olhos para Deus, pesados como estão pelos
delitos deles. Seus grilhões, em verdade, estão mais em seu espírito do que nos
pés. Mas, ai deles, se perdem a esperança em Deus! Ao delito contra o próximo
eles unem o do desespero do perdão. A galera é expiação, assim como o é a morte
no patíbulo. Mas não basta pagar a parte que é devida á sociedade humana pelo
delito cometido se necessário pagar também, e em primeiro lugar, a parte que
deve ser paga a Deus, para expiar e ter a vida eterna. E, quem é rebelde e
desesperado, expia somente o que deve á sociedade. Que ao condenado ou ao
prisioneiro chegue o amor dos irmãos. Será para ele uma luz nas trevas. Será
uma voz. Será uma mão que mostra o alto, enquanto a voz diz: “ Que o meu amor
te diga que Deus também te ama. Ele colocou em meu coração este amor por ti,
meu irmão desventurado”, e essa luz permite a Deus como Pai piedoso.
Que
a vossa caridade vá, com maior razão, consolar os mártires da injustiça humana.
Os que são inculpáveis de fato, ou os que uma força cruel levou a matar. Não
julgueis, porém, o que já foi julgado. Vós não sabeis porque o homem teve que
matar. Não sabeis que muitas vezes não é mais do que um morto aquele que mata,
ele é autômato, privado da razão, porque um assassinato sem sangue tirou-lhe o
juízo, por causa da velhacaria de alguma traição cruel. Deus o sabe. E basta.
Na outra vida se verão muitos das galeras, muitos que mataram e roubaram, no
Céu, e se verão muitos, que pareciam ter sido roubados ou mortos, no Inferno,
porque na verdade, os verdadeiros ladrões da paz dos outros, da honestidade, da
confiança, os verdadeiros assassinos terão sido aqueles que passaram por
vítimas. Vítimas, só porque foram feridos por último, mas depois de terem
ferido, sem que ninguém falasse nada, durante muitos anos. O homicídio e o
furto são pecados. Mas, entre o que mata e rouba, porque é levado a isso por
outros, e depois se arrepende, e o que induz outros ao pecado, e não se
arrepende disso, terá mais castigo aquele que leva outro ao pecado, e disso não
sente remorso.
Por
isso, não julgueis nunca, e sede compassivos com os encarcerados. Pensai sempre
que, se devessem ser punidos todos os homicídios e furtos do homem, poucos
homens e poucas mulheres não morreriam nas galeras ou nos patíbulos.
Aquelas
mães, que conceberam, e depois não querem dar á luz o seu fruto, com que nome é
que deverão ser chamadas? Oh! Não façamos jogos de palavras. Digamos
sinceramente a elas o seu nome: “Assassinas.”
Aqueles
homens que roubam reputações ou postos, como os chamaremos? Simplesmente
“ladrões.” Aqueles homens e mulheres que, sendo adúlteros ou atormentadores
familiares daqueles com quem convivem, e os levam ao homicídio ou ao suicídio,
e também aqueles sujeitos a eles, e, com o desespero, á violência, que nome é
que eles têm? É este: “Homicidas”. E, então? Ninguém foge? Vós estais vendo que
entre esses condenados, que escaparam da justiça, que enchem as casas e as
cidades, que esbarram em nós pelos caminhos, que dormem conosco nos albergues,
dividem a mesa conosco, e vive-se sem pensar nisso. E, no entanto, quem é sem
pecado?
Se
o dedo de Deus escrevesse na parede do quarto, onde se reúnem para o banquete,
os pensamentos do homem, na frente estariam as palavras acusadoras do que vós
fostes, do que sois e do que sereis, e poucas paredes trariam escrita com
letras luminosas a palavra “Inocente”. As outras paredes, com letras verdes
como a inveja, ou pretas como a traição, ou vermelhas como o delito, trariam
estes nomes: “Adúlteros”, “Assassinos”, “Ladrões”, “Homicidas”.
Sede
pois, misericordiosos, sem soberba, para com os irmãos menos afortunados, de um
modo humano, com os que estão na galera expiando o que vós não expiais, tendo
vós a mesma culpa que eles. Disso poderá tirar proveito a vossa humildade.
SEPULTAR
OS MORTOS.
A
contemplação da morte é uma escola de vida. Eu gostaria de poder levar-vos para
diante da morte e dizer: “ Aprendei a viver como santos, para não terdes outra
morte, senão esta: uma separação temporária do corpo e da alma, para depois
ressurgirdes triunfalmente para sempre, reunidos e felizes.”
Todos
nós nascemos nus. Todos morremos, tornando-nos despojos mortais, destinados á
corrupção. Reis ou mendigos, como todos nascemos, todos morremos. E, se o
fausto dos reis permite uma mais longa preservação do cadáver, a sorte da carne
que morreu é a de se desfazer. Até as próprias múmias, que são? Serão de carne?
Não. São matéria fossilizada por meio de resinas lignificadas. Ela não é mais
presa dos vermes, porque está vazia e queimada pelas essências, mas é presa de
carunchos, como qualquer madeira velha.
Mas
o pó volta ao pó, como disse Deus. E, no entanto, só porque esse pó enfaixou o
espírito e por ele foi vivificado, então, como coisa que tocou na glória de
Deus--- e assim é a alma do homem --- é preciso pensar que esse pó é
santificado, e não de modo diferente dos objetos que estiverem em contato com o
Tabernáculo. Pelo menos um momento houve em que a alma foi perfeita: o momento
em que o Criador a criou. E se depois a mancha a deturpou, tisnando-lhe a
perfeição, só por sua origem ela já comunica beleza á matéria e, por essa
beleza que vem de Deus, o corpo também fica embelezado e merece respeito. Nós
somos templos e, como tais, merecemos honra, como sempre são honrados os lugares
onde se deteve o Tabernáculo.
Daí,
pois, aos mortos a caridade de um repouso honrado, enquanto ele espera a
ressurreição, vendo nas admiráveis harmonias do corpo humano a mente e o dedo
de Deus, que o idealizou e modelou com perfeição, e venerando até nos despojos
mortais a obra do Senhor.
Mas
o homem não é só carne e sangue. É também alma e pensamento. Estes últimos
também sofrem e são misericordiosamente socorridos.
Há
ignorantes, que praticam o mal só porque não conhecem o bem. Quantos não sabem,
ou sabem mal as coisas de Deus e também as leis morais! Como estão
enfraquecidos pela fome, porque não há quem mate, e caem em marasmo, por falta
das verdades que os nutram. Ide vós instruí-los, pois para isso Eu vos reúno e
vos mando.
Daí
o pão do espírito á fome dos espíritos.
Instruir
os ignorantes corresponde, no campo espiritual, a matar a fome dos esfomeados
e, se um prêmio é dado pelo pão oferecido ao corpo enfraquecido, para que não
morra naquele dia, que prêmio não será dado, então, a quem mata a fome que um
espírito sente das verdades eternas, dando-lhe a vida eterna? Não sejais
avarentos com o que sabeis. Tudo vos foi dado sem despesas para vós, e sem
medida. Dai-o sem avareza, porque é coisa de Deus, como a água do céu, que é
dada, assim como nos foi dada.
Não
sejais avarentos nem soberbos daquilo que sabeis. Mas daí com humilde
generosidade. E daí o refrigério puro e benéfico da oração aos vivos e aos
mortos, que sentem sede de graças. Não se deve recusar água ás faces sedentas.
E, então, aos corações dos vivos angustiados e aos espíritos sofredores dos
mortos? Orações, orações fecundas por serem atos de amor, feitos com espírito
de sacrifício.
A
oração há de ser verdadeira, não mecânica, como o som de uma roda na estrada.
Será o som ou será a roda que faz o carro ir para a frente? É a roda que se
desgasta para levar o carro para a frente. A mesma coisa se diga da oração
vocal e mecânica e da oração ativa. A primeira é som, e nada mais. A segunda
age, enquanto se desgastam as forças e cresce o sofrimento, mas consegue o que
se deseja. Rezai mais com o sacrifício do que com os lábios, e dareis um
refrigério aos vivos e aos mortos, praticando a segunda obra de misericórdia
espiritual. O mundo será mais salvo pelas orações dos que sabem orar do que pelas
fragorosas, inúteis e mortíferas batalhas.
Muitas
pessoas do mundo sabem disso. Mas não sabem crer com firmeza. Como se
estivessem presas entre dois campos opostos. Elas ficam movendo-se de um lado
para outro, sem conseguirem dar um passo a frente e esgotam suas forças, sem
nenhum resultado. Estes são os duvidosos. São os que vivem dizendo: “mas”, ou
“se”, ou “depois”. São os que vivem fazendo perguntas: “ Depois vai ser
assim?”, “ E se não for?”, “Poderei eu?”, “ E se não conseguir?”, e assim por
diante. São como as trepadeiras que, se não acharem onde agarrar-se, não sobem,
ou que, mesmo se o encontrarem, vão se pendurando aqui e ali, mas não só ainda
precisam que se lhes dê uma escora, mas é preciso guiá-las ao longo da escora,
ao correr das horas, ao passar dos dias. Oh! Como elas fazem realmente que
exercitemos nossa paciência e caridade, mais do que o faz um menino retardado!
Mas,
em nome do Senhor, não as abandoneis. Daí de vós uma fé cheia de luz, uma
fortaleza ardorosa a estes prisioneiros de si mesmos e de sua nebulosa doença.
Guia-os para o sol e para o alto. Sede mestres e pais para esses duvidosos, não
tenhais com eles canseiras nem impaciências. Eles vos fazem cair os braços?
Tudo bem. Vós também Me fazeis cair os meus tantas vezes, e mais ainda, ao Pai,
que está nos Céus, que deve muitas vezes pensar que inutilmente sua Palavra
deve ter-se feito carne, até mesmo agora que Ele está ouvindo falar o Verbo de
Deus. Não querereis já ficar presumir que vós sois mais do que Deus, e mais do
que Eu!
Portanto,
abri os cárceres a estes prisioneiros dos “mas” e dos “se”. Soltai-os dos
grilhões dos “poderei”, “e se não consigo?” Procurai persuadi-los de que basta
fazer tudo na melhor maneira que puder e Deus fica contente. E, se estais vendo
que eles estão escorregando para longe da escora, não vades adiante, mas tornai
a erguê-los. Fazei como fazem as mamães, que não vão para diante, se o seu
pequenino cai, mas param, e o reerguem, o limpam, o consolam, e o seguram até
que lhe tenha passado o medo de um novo tombo. E elas fazem isso durante meses
e anos, se o pequenino ainda está com as pernas fracas.
VESTI
OS NUS NO ESPÍRITO, COM O PERDÃO A QUEM VOS OFENDE.
A
ofensa é uma falta de caridade. A falta de caridade nos esvazia de Deus. Por
isso, quem ofende se torna nu, e só o perdão do ofendido recoloca vestes na
nudez dele. Pois Deus as dá de novo. Para perdoar, Deus espera que o ofendido
haja perdoado. Perdoar tanto ao que foi ofendido pelo homem, como ao ofensor do
homem e de Deus. Porque podeis crer, ninguém há sem ofensas ao Senhor. Mas Deus
nos perdoa a nós, se nós perdoamos ao próximo, e perdoa ao próximo, se o
ofendido pelo seu próximo lhe perdoa. Ser-vos-á feito conforme fizerdes.
Perdoai,
pois, se quereis o perdão. E vos alegrareis no Céu pela caridade que tiverdes
praticado, como se um manto de estrelas tivesse sido posto sobre vossos ombros
santos.
SEDE
MISERICORDIOSOS COM OS QUE CHORAM.
São
os feridos da vida, os doentes do coração com os seus afetos.
Não
vos fecheis na vossa serenidade, como em um fortaleza. Sabei chorar com quem
chora, consolar os que estão aflitos, encher o vazio de quem pela morte ficou
sem um parente. Sede pais com os filhos, filhos com seus progenitores, irmãos
uns com os outros.
Amai.
Por que haveremos de amar só os que são felizes? Estes já têm a sua parte ao
sol. Amai os que choram. Para o mundo são eles os menos amáveis. Mas o mundo
não sabe qual o valor da lágrimas. Vós o sabeis. Amai, portanto, os que choram.
Amai-os se em seu choro estiverem resignados. Amai-os, e ainda, se em sua dor
estiverem revoltados. Não useis de censura, mas de doçura, ao quererdes
persuadi-los da verdade da dor e da própria dor. Podem eles, por entre o véu do
pranto, estar vendo deformado o rosto de Deus, reduzido á expressão de uma
prepotência vingativa. Não. Não vos escandalizeis. Não é mais do que uma
alucinação produzida pela febre da dor. Socorrei-os, até que a febre baixe. A
vossa fé serena seja como o gelo que se aplica em quem está delirando.
E,
quando a febre mais aguda baixa, e começa o abatimento e a alienação cheia de
surpresa de quem está voltando de um trauma, então como a crianças, a quem uma
doença impediu de se desenvolverem intelectualmente, voltai a falar-lhes de
Deus, como de uma coisa nova, com doçura e paciência...Oh! alguma bela
história, contada para entreter o eterno menino que é o homem! Depois
calai-vos. Não importais nada... A alma trabalha por si. Ajudai-a com carícias
e com a oração. E, quando ela diz: “ Então, não foi Deus?”, dizei-lhe: “Não.
Ele não te queria fazer mal, porque Ele te ama, até por quem já não te ama,
porque morreu, ou por outras causas.”
E,
quando a alma diz: “ Mas eu o acusei”, dizei-lhe: “ Ele já se esqueceu disso,
pois foi por causa da febre.” E quando ela diz: “ Então, eu quereria?”,
dizei-lhe: “Ei-lo! Está á porta do teu coração, só esperando que tu lhe abras.”
SUPORTAI
AS PESSOAS ABORRECIDAS.
Elas
entram para perturbar a pequena casa do nosso eu, assim como os peregrinos
entram para perturbar a casa em que moramos. Mas, assim como Eu já vos disse
que acolhais aqueles, assim vos digo que acolhais estes.
Vos
aborrecem? Mas, se vós não amais pelo incômodo que vos dão, elas, ,ais ou menos
bem, vos amam. Por este amor, acolhei-as. E, ainda que elas viessem indagando,
odiando, insultando, exercitai paciência e caridade. Podeis melhorá-las com
vossa falta de caridade. Podeis melhorá-las com a vossa paciência. Podeis
escandalizá-las com vossa falta de caridade. Que vos entristeça que elas pecam
por si mesmas, mas, que vos cause mais tristeza fazê-las pecar e vós mesmos
pecardes. Recebei-as em meu nome, caso não as podeis receber por vosso amor. E
Deus vos recompensará, vindo Ele depois, a retribuir a visita e a apagar a
lembrança desagradável com as suas carícias espirituais.
Finalmente,
procurai:
SEPULTAR
OS PECADORES, PARA PREPARAR A VOLTA À VIDA DA GRAÇA.
Sabeis
quando fazeis isso? Quando admoestais os mesmos com uma fraterna, paciente e
amorosa insistência. É como se vós sepultásseis pouco a pouco as feiuras do
corpo, antes de entregá-lo ao sepulcro para ficar à espera da ordem de Deus: “
Levanta-te, e vem a Mim.”
Não
purificamos os mortos, nós hebreus, por respeito ao corpo que haverá de
ressuscitar? Admoestar os pecadores é como que purificá-los em seus membros,
primeira operação para o sepultamento. O resto, a Graça do Senhor o fará.
Purificai-os com caridade, lágrimas e sacrifícios. Sede heróicos em arrebatar
uma alma da corrupção. Sede heróicos. Isto não ficará sem prêmio. Porque, se
vai ser dado um Prêmio por um copo de água dado a um sedento de corpo, que não
será dado a quem tira da sede infernal uma alma?
Tenho
dito.
Estas
são as obras de misericórdia corporais e espirituais que aumentam o amor. Ide e
praticai-as.
E
a paz de Deus e a minha esteja convosco agora e sempre.
(
O Evangelho como me foi Revelado – Maria Valtorta, Vol 4, pgs 333 a 347)
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