AS TRÊS VIRTUDES DIVINAS.
A
paz esteja nesta casa e com quem nela mora, diz Jesus, ao entrar, levantando a
mão para abençoar e abaixando-a depois para acariciar um pequenino seminu, que
olha para Ele extasiado, de uma beleza encantadora, vestido com uma camisa sem
mangas, que desliza pelas costas gorduchas e está de pé sobre os pezinhos
descalços com um dedinho na boca e uma crosta de pão untado com óleo na outra
mãozinha.
É
Davi, o filho do meu irmão menor, explica Gamala, enquanto um outro dos
vinhateiros entra na casa mais próxima para dar o aviso, e depois sai dela para
entrar em outra e assim faz com todas as outras, de sorte que aparecem rostos
de todas as idades e depois desaparecem para tornarem a aparecer, logo que
puderam arrumar-se um pouco.
Sentado
á sombra de um telheiro saliente, coberto por uma gigantesca figueira, está um
velho com uma bengala nas mãos. Ele nem levanta a cabeça, como se nada mais lhe
interessasse.
É
nosso pai, explica Gamala. É um dos velhos da casa, porque também a mulher de
Jacó trouxe para cá seu pai, que tinha ficado sozinho e depois veio a mãe da
Lia, a mais nova das casadas.
Nosso
Pai é cego. Formou-se um véu sobre as pupilas dele. Com tanto sol nos campos!
Com tanto calor na terra! Pobre pai! Ele vive muito entristecido. Mas ele é
muito bom. Agora está esperando os netinhos, que são sua única alegria.
Jesus
se dirige ao velho: Deus te abençoe, pai.
Sejas
tu quem fores, que Deus te dê a mesma bênção, responde o velho, levantando a
cabeça na direção da voz.
É
triste a tua sorte, não é mesmo? Pergunta-lhe Jesus e faz sinal para que
ninguém diga quem é que está falando.
Ela
vem de Deus, depois de tanto bem que Ele me deu, durante minha longa vida. Como
eu recebi o bem de Deus, devo receber também a desventura de estar sem a vista.
Mas, afinal, ela não é eterna. Ela acabará no seio de Abraão.
Dizes
bem. Pior seria se fosse cega a alma.
Eu
sempre procurei conservá-la com a vista.
Deves
ser jovem, tu que estás falando, pois a tua voz o diz. Não serás como esses
jovens de agora, que são todos cegos, porque são sem religião, não é? Olha que
é uma grande desventura não crer nem cumprir o que Deus mandou. É um velho quem
te diz isso, rapaz. Se abandonares a Lei, estarás cego nesta terra e na outra
vida. Nunca mais verás a Deus. Porque chegará um dia em que o Messias Redentor
nos abrirá as portas de Deus. Eu já estou velho demais para ver chegar esse dia
sobre a terra. Mas eu o verei, lá do seio de Abraão. Por isso, eu não me queixo
de nada. Porque eu espero que, com estas minhas sombras eu hei de descontar o
que eu tiver feito que não agradou a Deus, e ter algum merecimento para a vida
eterna. Mas tu és jovem. Sê fiel, meu filho, de modo que possas ver o Messias.
Porque o tempo dele está perto. O Batista já o disse. Tu o verás. Mas, se
tiveres a alma cega, serás como aqueles de que nos fala Isaías. Terás olhos, e
não verás.
Tu
gostarias de vê-lo, pai? Pergunta Jesus, pousando-lhe uma das mãos pela cabeça
branca.
Eu
gostaria de vê-lo, sim. Mas eu prefiro ir-me embora sem vê-lo, antes que eu o
veja, mas temo que meus filhos não o reconheçam. Eu ainda tenho a fé antiga e
isso me basta. Eles... Oh! Este mundo de hoje...
Pai,
vê, pois o Messias, e que a tua tarde fique coroada de alegria, e Jesus faz
deslizar sua mão, dos cabelos brancos para baixo, descendo pela fronte até o
queixo barbudo do velho, como se estivesse fazendo-lhe uma carícia e, ao mesmo
tempo, se inclina para colocar-se á altura do seu rosto de ancião.
Oh!
Altíssimo Senhor! Mas eu estou vendo! Estou vendo... Quem és tu, com este rosto
desconhecido, mas que me parece tão familiar, como se eu já o tivesse visto?
Mas..Oh! Que tolo sou eu! Tu, que me restituíste a vista, és o Messias bendito!
Oh! Oh!
O
velho chora sobre as mãos de Jesus, que ele agarrou, cobrindo-as de beijos e de
lágrimas. Todos os parentes dele estão alvoroçados.
Jesus
solta uma das mãos e acaricia ainda o velho, dizendo: Sim, sou Eu. Vem, para
que, além de recuperar a vista, fiques conhecendo a minha palavra. E Jesus se
dirige para uma escada, que leva a um terraço sombreado por um frondoso
suporte, que o cobre todo. E todos o acompanham.
Eu
havia prometido aos meus discípulos falar sobre a esperança e que teria trazido
para a explicação uma parábola. A parábola é esta: este velho israelita. Quem a
dá é o Pai do Céu, como um tema, a fim de ensinar a todos vós a grande virtude
que, como os braços de um jugo, sustenta a Fé e a Caridade.
Doce
é este jugo. Patíbulo da humanidade, como braço que atravessa a cruz, trono da
salvação, como apoio da serpente, que dava saúde, quando foi elevada no
deserto. Patíbulo da humanidade. Ponte para a alma, de onde ela pode fazer a
decolagem de seu vôo para a Luz. E ela está colocada no meio, entre a
indispensável Fé e a perfeitíssima Caridade, porque, sem a Esperança não pode
haver Fé, sem Esperança, morre a Caridade.
Fé
pressupõe esperança firme. Como crer que se chega a Deus, se não se espera em
sua Bondade? Como manter-se nesta vida, se não se espera uma eternidade? Como
pode persistir na justiça, se não se anima a esperança de que toda nossa ação
esteja sendo vista por Deus, que nos dará por ela? Igualmente, como fazer viver
a Caridade, se não houver esperança em nós? A Esperança vem antes da Caridade e
a prepara. Porque um homem tem necessidade de esperar para poder amar. Os
desesperados já não amam mais. A escada é esta, feita com degraus e parapeito:
a Fé são os degraus, a Esperança o parapeito. No alto está a Caridade, para a
qual se sobe por meio de outras duas. O homem espera para crer. E crê para
amar.
Este
homem soube esperar. Ele nasceu. Foi um dos meninos de Israel, como todos os
outros. Cresceu recebendo os mesmos ensinamentos que os outros. Tornou-se filho
da Lei, como todos os outros. Tornou-se homem, esposo, pai, velho, sempre
esperando nas promessas feitas aos Patriarcas e repetidas pelos Profetas. Na
velhice, desceram sombras sobre suas pipilas, mas não sobre seu coração. Neste,
sempre ficou acesa a Esperança. Esperança de ver a Deus. De ver a Deus na outra
vida. E, na esperança desta vista eterna, uma outra, mais íntima e querida, a
de “ver o Messias”. E ele me disse, sem saber ainda quem era o jovem que lhe
falava: Se abandonares a Lei, ficarás cego na terra e no Céu. Não verás a Deus,
nem reconhecerás o Messias.
Ele
falou como sábio.
Muitíssimos
há agora em Israel que estão cegos. Eles não têm mais esperança, porque a matou
neles a rebelião contra a Lei, que é sempre rebelião, mesmo quando revestida de
paramentos sagrados, se não estiver com a aceitação integral da palavra de
Deus, Eu digo de Deus, e não dessas superestruturas que nela foram colocadas
pelo homem e que, por serem muitas, e todas humanas, acabam sendo desprezadas
por aqueles mesmos que as colocaram e são cumpridas maquinalmente,
forçadamente, cansadamente, de modo estéril pelos outros. Eles não têm mais
esperança. Tratam com irrisão as verdades eternas. Não têm, pois, nem mais Fé,
nem Caridade. O divino jugo de Deus dado ao homem para que fizesse dele um
motivo de obediência e merecimento, a celeste cruz que Deus deu ao homem para
ser um esconjuro contra as serpentes do Mal, a fim de que com ela conseguisse
saúde e vida, perdeu o seu braço transversal, o que segurava a chama cândida e
a chama vermelha: a Fé e a Caridade e, então as trevas desceram aos corações.
O
velho me disse: É uma grande desventura não crer e não cumprir o que Deus
mandou.
É
verdade. Eu o confirmo. E pior do que a cegueira material, que ainda pode ser
curada, para dar a um justo a alegria de tornar a ver o sol, os prados, os
frutos da terra, os rostos dos filhos e dos netos e, sobretudo o que era a esperança
de sua esperança: Ver o Messias do Senhor. Eu desejaria que uma virtude
semelhante estivesse viva na alma de todo Israel, e especialmente nas daqueles
que são os mais instruídos na Lei. Não basta ter estado no Templo, ou ter sido
do Templo. Não basta saber de cor as palavras do Livro. É necessário saber
fazer delas a nossa vida, por meio das três virtudes divinas.
Vós
tendes disso um exemplo: onde estas estão vivas, tudo é fácil, até uma vida de
desventura. Porque o jugo de Deus é sempre um jugo leve, que aperta somente
sobre a carne, sem abater o espírito.
Ide
em paz, vós que estais em casa de bons israelitas. Vai em paz velho pai. De que
Deus te ama, disso tens certeza. Fecha até o fim os teus dias, depositando a
tua sabedoria no coração dos pequeninos nascidos do teu sangue. Não posso
permanecer, mas minha bênção fica entre estas paredes com abundância de graças,
como abundantes são os cachos desta vinha.
(
O Evngelho como me foi Revelado – Maria Valtorta, Vol 4 pgs. 198,199,200,201)
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