“NO TERCEIRO DIA, UMA LUZ VINDA DOS CONFINS DO UNIVERSO, COMO UM METEORO, VAI DIRETO ATÉ O SEPULCRO, QUANDO UM ESTRONDO SACODE A TERRA, AFASTANDO A ENORME PEDRA QUE O SELAVA, E OS GUARDAS ROMANOS FICAM ATORDOADOS. A LUZ ENTÃO ENTRA NO CORPO INERTE DE JESUS, QUE EM SEGUIDA LEVANTA, TRANSPASSANDO OS PANOS DA MORTALHA COM SEU CORPO IMATERIAL FULGURANTE. RESSUSCITANDO DOS MORTOS COM UMA MATÉRIA INCORPÓREA DE INTENSA LUZ, CONHECIDA APENAS POR DEUS, DE UMA BELEZA INDESCRITÍVEL.”

domingo, 19 de julho de 2015

O NASCIMENTO DE MARIA SANTÍSSIMA.


 O NASCIMENTO DE MARIA SANTÍSSIMA.


 26 de agosto de 1944.

Vejo Ana sair no pomar. Apóia-se ao braço provavelmente de una parente, porque se assemelha a ela. Está muito volumosa e parece afadigada talvez pelo afã, parecido com o que eu sinto agora. Embora o pomar esteja na sombra, o ar ali está quente, pesado. Um ar que se poderia cortar como uma massa mole e quente, de tão denso, sob um impiedoso céu de um azul embaçado pela poeira suspensa nos espaços. Faz tempo que deve ter havido estiagem, porque a terra, onde não é irrigada, está literalmente reduzida a uma poeira finíssima, quase branca. De um branco levemente tendente a um rosa escuro, mais para o marrom ao pé das plantas ou ao longo dos breves canteiros, onde banhadas crescem fileiras de hortaliças, em torno aos roseirais, aos jasmineiros, outras flores, que estão ao lado de uma parreira bonita cortando pela metade o jardim, até ao início dos campos, despojados de gramináceas. Também a relva do prado, assinalando o fim da propriedade, está chamuscada e rala. Só ás margens dela, onde há uma cerca de espinheiro-alvar selvagem, marcado pelos rubis dos pequenos frutos, a grama é mais verde e espessa. Ali estão as ovelhinhas com um pequeno pastor, à procura de pasto e de sombra. Joaquim está ao redor das fileiras e das oliveiras. Com ele há dois homens que o ajudam. Mesmo ancião, Joaquim é ágil e trabalha com gosto. Estão abrindo pequenos cercados nos limites de um campo, para dar água às plantas sequiosas. A água abre um caminho borbulhando entre a relva e a terra abrasada, e se estende em anéis, que por um momento parecem de um cristal amarelado e depois são só anéis escuros de terra úmida, em torno aos sarmentos e as oliveiras sobrecarregadas. Ana lentamente vai na direção de Joaquim que quando a vê se apressa a encontrá-la andando pela parreira sombreada, sob a qual abelhas de ouro zumbem ávidas do açúcar dos grãos de uva branca.
 Chegastes até aqui?  A casa está quente como um forno. - E tu sofres.
 - O único sofrimento é desta minha última hora de grávida. O sofrimento de todos, homens e animais. Não te acalores demais, Joaquim. A água, que esperamos faz tempo e que de três dias para cá parecia bem próxima, ainda não veio, e o campo queima. É bom para nós que temos a nascente próxima e é muito rica de águas. Abri os canais. Um pouco de refrigério para as plantas, que têm as folhas murchas e cobertas de poeira. Mas é suficiente só para mantê-las vivas. Se chovesse!...
- Joaquim, com a ânsia de todos os agricultores, perscruta o céu, enquanto Ana, cansada, se abana com um leque que parece feito com uma folha seca de palma, entrelaçada com fios multicolores que a tornara rígida. A parente diz: - Lá, além do grande Hermon, surgem nuvens velozes. Vento do norte. Refrescará e talvez trará água. - São três dias que se levanta e depois cai com o surgir da lua. Será ainda assim. - Joaquim está desanimado. - Voltemos para casa. Aqui também não se respira, e depois penso que seja bom voltarmos... - diz Ana, que parece ainda mais olivácea por causa de uma palidez que lhe veio sobre o rosto. Sofres?  Não. Mas sinto aquela grande paz que senti no Templo quando me foi dada a graça e que senti ainda quando soube que seria mãe. É como um êxtase. Um doce sono do corpo, enquanto o espírito jubila e se aplaca em uma paz sem comparação humana. Eu te amei, Joaquim, e quando entrei na tua casa e disse a mim mesma: “Sou esposa de um justo”, tive paz, e assim todas as vezes que o teu amor providencial cuidou da tua Ana. Mas esta paz é diferente. Veja, eu creio que é uma paz como aquela que devia invadir, como óleo que se expande e suaviza o espírito de Jacó, nosso pai, depois do seu sonho de anjos; e, melhor ainda, semelhante à paz jubilosa dos Tobias depois que Rafael se manifestou a eles. Se me abandono a apreciá-la, ela sempre cresce mais. É como se eu subisse pelos espaços azuis do céu... e, não sei por que, desde que eu tenho em mim esta alegria pacífica, eu tenho um cântico no coração, aquele do velho Tobias. Parece-me que tenha sido escrito para esta hora... para esta alegria... para a terra de Israel que a recebe... para a Jerusalém pecadora e agora perdoada... mas, não rides dos delírios de uma mãe, quando digo: “Agradece o Senhor pelos teus bens e glorifica o Deus dos séculos, a fim de que reedifiques em ti o seu Tabernáculo”, eu penso que aquele que reedificará em Jerusalém o Tabernáculo do Deus verdadeiro será este que está para nascer; penso ainda que não mais do que a Cidade santa, mas pela minha criança seja profetizado o destino quando o cântico diz: “Tu brilharás com uma luz esplêndida, todos os povos da terra se prostrarão a ti, as nações virão a ti trazendo presentes, em ti adorarão o Senhor e julgarão santa a tua terra, porque dentro de ti invocarão o Grande Nome. Tu serás feliz nos teus filhos, porque todos serão abençoados e se reunirão ao lado do Senhor. Bem aventurados aqueles que te amam e regozijam tua paz!...”; e a primeira a regozijar sou eu, a sua mãe bem-aventurada...”. Ana empalidece e se inflama como algo trazido pela luz lunar a um grande fogo e vice-versa, ao dizer estas palavras. Doces lágrimas descem sobre suas faces e ela nem as percebe, sorrindo de alegria. E assim vai em direção à casa, entre o esposo e a parente, que a escutam e calam-se comovidos. Apressam-se porque as nuvens, impelidas por um vento forte galopam e crescem pelo céu, e a planície torna-se escura e estremece por um aviso de temporal. Quando alcançam à soleira da casa, um primeiro relâmpago lívido sulca o céu e o barulho do primeiro trovão parece o rufar de um enorme tambor que se mistura ao harpejo dos primeiros pingos sobre as folhas secas. Entram todos e Ana se retira, enquanto Joaquim, alcançado pelos criados, fala, da porta, desta longa espera pela água, que é uma bênção para a terra sedenta. Mas a alegria se transforma em temor, porque vem um temporal violentíssimo com raios e nuvens carregadas de granizo. - Se a nuvem rompe, a uva e as oliveiras serão esmagadas como pela moenda. Pobres de nós! Joaquim tem uma outra ansiedade: pela esposa para a qual chegou a hora de dar à luz o seu filho. A parente o tranqüiliza que Ana não sofre absolutamente nada. Mas ele está ansioso; cada vez que a parente ou outras mulheres, entre as quais a mãe de Alfeu, saem do quarto de Ana para depois voltarem com água quente e bacias e linhos enxutos junto ao fogo da lareira central numa cozinha ampla, Joaquim pergunta algo, não se acalmando com as respostas. Também a ausência de gritos de Ana o preocupa. Diz: - Eu sou homem e nunca vi um parto. Mas lembro-me de ter ouvido dizer que a ausência de dores é fatal... Vem a noite, antecipada pela fúria tempestuosa que é violentíssima. Água torrencial, vento, raios, ali tem de tudo, menos o granizo, que foi cair em outra parte.  Um dos criados percebe a violência e diz: - Parece que satanás saiu do inferno com seus demônios. Olha que nuvens negras! Sente que cheiro de enxôfre no ar, assobios, sibilos, vozes de lamento e maldição. Se é ele, está furioso esta noite! O outro criado ri e diz: - Fugiu-lhe uma grande presa, ou Miguel o espancou com uma nova faísca de Deus, e ele ficou com o chifre e o rabo cortado e queimado”.
 Passa correndo uma mulher e grita: - Joaquim! Está para nascer! E foi tudo rápido e feliz! - e desaparece com uma pequena ânfora entre as mãos. O temporal pára de improviso depois de um último raio tão violento que arremessa contra as paredes os três homens; e na frente da casa, no chão do horto-jardim, fica como lembrança um buraco preto e fumegante. Ao mesmo tempo um gemido vem de lá da porta de Ana, gemido que parece o lamento de uma rolinha que pela primeira vez não pia, mas arrulha. Um enorme arco-íris estende a sua listra em semicírculo sobre toda a amplidão do céu. Surge, ou pelo menos parece surgir, do cume do Hermon que beijado por uma lama de sol, parece de alabastro de um branco rosado delicadíssimo. Este arco- íris levanta-se até o mais claro céu de setembro, e, atravessando por espaços limpos de toda impureza, sobrevoa as colinas da Galiléia e a planície que aparece, entre duas árvores de figo, ao sul e depois ainda um outro monte, indo pousar a sua ponta final no extremo horizonte, lá onde uma áspera cadeia de montanhas fecha qualquer outro panorama. - Nunca vi isso! - Olhai, olhai! - Parece que toda a terra de Israel esteja ligada em um círculo, mas olhai, ali já há uma estrela, enquanto que o sol ainda não desapareceu. Que estrela! Brilha como um enorme diamante!... - A lua é toda plena, enquanto que ainda faltam três dias para a lua cheia. Mas olhai como resplandece! As mulheres chegam repentinamente, alegres com um embrulhozinho rosado entre tecidos alvos. É Maria, a mãe! Uma Maria pequenina que poderia dormir entre o círculo de braços de um menino, uma Maria comprida tanto quanto um braço, uma cabecinha de marfim tingido de um rosa tênue, com a boquinha de carmim, que já não chora mais, mas faz o instintivo ato de sugar, tão pequena que não se sabe como fará para pegar um mamilo, um narizinho diminuto entre duas pequenas faces arredondadas e ao tocá-lo abrem-se os olhinhos, dois pedacinhos do céu, dois pontinhos inocentes e azuis que olham, mas não vêem, entre cílios delicados, de um loiro tão intenso que é quase róseo. Também os cabelinhos sobre a cabecinha arredondada são a cor loiro-rosado de algumas qualidades de mel quase branco. No lugar de orelhas, duas conchinhas rosadas e transparentes, perfeitas. E por mãozinhas... o que são aquelas duas coisinhas que agitam-se no ar e depois vão à boca? Fechadas como agora, dois botões de rosa musgo que separam o verde das sépalas e lhes estende a seda de um tênue rosa; abertas como agora, duas pequenas jóias de marfim de alabastro ligeiramente rosado, com cinco romãs pálidas no lugar das unhazinhas. Como farão aquelas mãozinhas para enxugar tanto choro? E os pezinhos? Onde estão? Por enquanto são só um espernear escondido entre os linhos. Mas eis que a parente senta-se e a descobre... Oh! Os pezinhos! Compridos uns quatro centímetros, têm por planta, uma concha coralina, como dorso uma concha de um branco neve com veiazinhas azuis, têm por dedinhos as obras-primas de escultura liliputiana, são também coroados por pequenos fragmentos de pálida romã. Mas como se encontrarão sandalinhas tão pequenas para poder estar naqueles pezinhos, quando tais pezinhos de boneca derem os primeiros passos? E como estes mesmos pezinhos farão tão áspero caminho e sustentarão tanta dor, debaixo de uma cruz? Mas agora isto não se sabe, e se ri e sorri do seu debater-se e espernear, das perninhas bonitas torneadas, das coxas pequenas que fazem covinhas e dobrinhas de tanto que são gorduchas, da barriguinha, uma taça emborcada do pequeno tórax perfeito sob cuja seda cândida se vê o movimento da respiração que certamente se ouve. O pai feliz escuta seu peitinho agora, e o beija ao ouvir bater um coraçãozinho... Um coraçãozinho que é o mais bonito que a terra teve nos séculos dos séculos, o único coração humano imaculado. E as costas? Eis que a viram, e se vê a forma dos rins e depois os ombros gorduchos e a nuca rosada tão forte que a cabecinha se ergue sobre o arco das pequenas vértebras, parecendo a cabecinha de um pássaro que perscruta ao redor o mundo novo e tem um gritinho de protesto por ser assim mostrada, ela, a pura e casta, aos olhos de tantos, ela que homem nenhum a verá nua, a toda virgem, a santa e imaculada. Cobri, cobri este botão de flor-de-lis que nunca se abrirá sobre a terra e que dará, ainda mais bonita que ela, a sua flor, sempre permanecendo botão. Só nos Céus o Lírio do Trino Senhor abrirá todas as suas pétalas. Porque no céu não há poeira de culpa que possa involuntariamente profanar aquele candor. Porque lá em cima deve ser acolhido, à vista de todo o Empíreo, o Deus Trinitário que agora ocultado em um coração sem mácula, entre poucos anos estará nela: Pai, Filho, Esposo. Eis ali de novo entre os linhos e entre os braços do pai terreno, com quem ela se assemelha. Não agora. Agora é um esboço de homem. Eu digo que se lhe assemelhará quando mulher. Da mãe não tem nada. Do pai, a cor da pele, dos olhos e certamente dos cabelos que, se agora são brancos, na juventude eram certamente loiros como o dizem as sobrancelhas. Do pai, as feições, feitas mais perfeitas e gentis por ser ela mulher, a mulher. Do pai o sorriso, o olhar, o modo de mexer-se e a estatura. Pensando em Jesus, como o vejo, acho que Ana deu a sua estatura ao Neto e a cor marfim mais carregada da pele. Enquanto que Maria não tem aquela imponência de Ana, um palmo mais alta e flexível, mas tem a gentileza do pai. As mulheres também falam do temporal e do prodígio da lua, da estrela, do imenso arco-íris, enquanto junto ao Joaquim entram onde está a mãe feliz e lhe entregam a criancinha. Ana sorri a um pensamento: - É a Estrela - diz. - O seu sinal está no céu. Maria, arco de paz! Maria, minha estrela! Maria, lua pura! Maria, nossa pérola! - Chama-se Maria? - Sim. Maria, estrela, pérola, luz e paz... - Mas também quer dizer amargura... Não temes trazer-lhe desventura? - Deus está com ela. Já era Dele antes de ser. Ele a conduzirá pelos seus caminhos e toda amargura se transformará em um paradisíaco mel. Agora sejas da tua mãe... ainda por um pouco, antes de seres toda de Deus... E a visão termina sobre o primeiro sono de Ana mãe e de Maria criança.


( O Evangelho como me foi Revelado – Maria Valtorta, vol 1)


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