O TESTEMUNHO DE JOÃO SOBRE O TRAIDOR
Reflexão: Muitos, inclusive cristãos, acreditam que Judas não
era tão mau assim. Justificam a traição como um deslize de momento, uma
fraqueza normal que todo ser humano possui. Mas a realidade dos fatos é bem diferente,
como veremos a seguir.
Maria Valtorta por um
desejo de Deus viu e ouviu o seguinte relato:
Jesus levanta a cabeça ao olhar para elas, apoiando-a sobre o
muro alto, e João faz o mesmo, detendo-se a olhar lá para cima onde se pode até
ignorar a existência do mundo... Depois, Jesus diz: “E agora que aqui estamos,
purificados e entre as estrelas, vamos rezar.” Ele pôe-se de pé e João o imita;
é uma oração longa, silenciosa, profunda, toda da alma, com os braços abertos
em cruz, com o rosto levantado e virado para o Oriente, onde já se vem
anunciando o começo da claridade da lua. R depois o Pai-nosso, é dito pelos
dois, lentamente, não uma só, mas três vezes, e sempre com um aumento de
insistência nos pedidos, o que se pode notar claramente na voz deles. É uma
súplica, que separa a alma da carne, arremessando-a por sobre os caminhos do
infinito, de tão ardente que ela é.
Depois vem o silêncio. Assentam-se onde estavam antes,
enquanto a lua vai embranquecendo cada vez mais a terra adormecida.
Jesus passa um braço por sobre os ombros de João e o puxa
para Si, dizendo: “Dize-me agora o que achas que deves dizer-me. Quais são as
coisas que o meu João percebeu, com a ajuda da Luz espiritual, na alma
tenebrosa do companheiro?”
“Mestre... eu estou arrependido de ter-te dito aquilo.
Cometerei dois pecados?”
“Por que?”
“Porque te farei ficar triste, revelando-te até o que não
sabes, e... porque... Mestre, é pecado dizer o mal que vemos em um outro? Sim,
não é verdade? E, então, como é que eu vou poder dizer isso ofendendo a
caridade!...” João está angustiado.
Jesus acende uma luz na alma dele: “Escuta, João, para ti
qual é mais, o Mestre ou o discípulo?”
“O Mestre, Senhor. Tu és mais.”
“E que sou para ti?”
“O princípio e o fim. Tu és tudo.”
“E crês tu que sendo Eu tudo, saiba também o que vem a ser
tudo isso?”
“Sim, Senhor. É por isso que há em mim um grande contraste.
Porque eu penso que Tu sabes e sofres. E me lembro de que Tu me disseste um dia
que as vezes Tu és homem, somente homem, e por isso o Pai te faz conhecer o que
é ser um homem que se há de guiar conforme a razão. E penso também que Deus,
por piedade para contigo, poderia ocultar-te estas feias verdades...”
“Apega-te a este pensamento, João, e fala. Com confiança.
Confiar o que sabes a quem para ti é “tudo”, não é pecado. Porque o “tudo” não
se escandaliza, não murmura, não faltará com a caridade nem por pensamento,
para com o infeliz. Seria pecado se tu dissesses o que sabes a quem não pode
ser todo amor, aos companheiros, por exemplo, que começariam a fazer murmuração
e até atacariam sem misericórdia o culpado, fazendo mal a ele e a si mesmos.
Porque é preciso ter misericórdia, uma misericórdia sempre tanto maior quanto
mais tivermos à nossa frente uma pobre alma doente de todos os males. Um
médico, um piedoso enfermeiro ou até uma mãe, se o mal de um doente é pequeno
pouco se impressionam e pouco fazem para curá-lo. Mas, se o filho ou o homem
estiver muito doente, em perigo de vida, já com gangrena ou paralisia, então
como lutam, vencendo repugnâncias e canseiras, para curá-lo. Não é assim?”
“Assim é Mestre,” diz João, que já tomou sua posição
habitual, com o braço passado pelo pescoço do Mestre e a cabeça apoiada sobre o
ombro dele.
“Pois bem. Nem todos sabem compadecer-se das almas doentes.
Por isso, devemos ser prudentes, ao tornarmos conhecidos os males delas, para
que o mundo não as evite e não lhes faça mal com o seu desprezo. Um doente que
se vê escarnecido, se entristece e piora. Mas se, pelo contrário, ele é bem
cuidado e lhe incutem uma alegre esperança pode ficar bom, porque a alegria
confiante de quem o assiste penetra nele e ajuda o remédio a fazer efeito. Mas
tu sabes que Eu sou Misericórdia e não vou humilhar Judas. Fala, pois, sem
escrúpulos. Tu não és um espião. És um filho que conta ao pai, com amoroso
cuidado o mal que descobriu no irmão a fim de que o pai o cure. Vamos...”
João dá um forte suspiro, depois inclina ainda mais a cabeça,
deixando-a ir deslizando por sobre o peito de Jesus, e diz: “Como é penoso
falar de coisas podres!... Senhor!... Judas é um impuro... e me tenta para a
impureza. Que ele se escarneça de mim não me importa, mas o que me dói é que
ele venha a Ti com sujeira dos seus amores. Desde que ele voltou, já me tentou
muitas vezes. Quando acontece que ficamos sós... e ele procura por todos os
modos que isso aconteça – ele não fala de outras coisas a não ser de
mulheres... e com isso eu sinto desgosto, como o que teria, se fosse mergulhado
em matérias fétidas e ainda tentassem coloca-las em minha boca...”
“Mas, com isso ficas profundamente perturbado?”
“Perturbado, como? Minha alma freme. Minha razão grita contra
tais perturbações. Eu não quero ser corrompido.”
“E a tua carne, que faz?”
“Ela se arrepia toda.”
“Somente isso?”
“Somente, Mestre, e então fico chorando, porque me parece que
Judas não poderia fazer maior ofensa a quem se consagrou a Deus. Dize-me, isso
rompe a integridade de minha oferta?”
“Não. Não mais do que um punhado de lama jogado sobre uma
pedra de diamante. A lama não risca a pedra nem penetra nela. Basta um pouco de
água pura jogado sobre a pedra para que ela fique limpa. E fica mais bonita do
que antes.”
“Então, limpa-me.”
“A tua caridade e o teu anjo te limpam. Não fica nada de suo
sobre ti. Tu és um altar polido sobre o qual desse Deus. E, que mais faz
Judas?” A cabeça de João desliza mais para baixo.
“Que é?”
“Ele... Não é verdade que seja dinheiro dele aquele que ele
te dá para os pobres. É dinheiro dos pobres que ele rouba para si, para ser
louvado por uma generosidade que ele não tem. Tu o fizeste ficar furioso
quando, ao voltarmos do Tabor, lhe tiraste todo o dinheiro. Então ele me disse:
“Entre nós há espiões.” E eu lhe disse: “Espiões de que? Será que estás
roubando?” “Não!” “Respondeu-me ele, “Mas faço uso da previdência e faço duas
bolsas. Alguém contou isso ao Mestre e Ele me obrigou a entregar tudo, e Ele
ordenou com uma tal energia, que eu me vi obrigado a entregar tudo o que
tinha.”
Mas não é verdade Senhor, que ele o faça por previdência. Ele
o faz para ter dinheiro. Ele assim faz para ter a certeza de estar dizendo a
verdade.”
“Quase certeza! E esta dúvida sim, é que já é uma culpa leve.
Não podes acusa-lo de ser ladrão se disso não estiveres inteiramente certo. As
ações dos homens têm, ás vezes, uma feia aparência e são boas.”
“É verdade Mestre. Não o acusarei, nem mesmo por pensamento.
Mas, que ele tenha duas bolsas e aquela que ele diz ser dele e que ele te dá
seja a tua mesmo, fazendo assim para ser elogiado, isso é verdade. Isso eu não
faria. Acho que não é bom fazer assim.”
“Tens razão. Que mais tens a dizer?”
João levanta o rosto espantado, abre a boca para falar, mas
depois torna a fechá-la, e cai de joelhos, escondendo o rosto por entre a veste
de Jesus, que lhe põe a mão sobre os cabelos.
“Então, levanta-te! Poderias ter visto mal. Eu vou ajudar-te
a ver bem. Deves dizer-me também que tu pensas sobre prováveis causas dos
pecados de Judas.”
“Senhor, Judas se sente sem a força que quereria ter para
fazer milagres. Tu sabes como ele sempre ambicionou possuí-la... Tu te lembras
de Endor? Mas, ao contrário, é ele quem faz em menor número. Desde que ele
voltou, então, já não consegue mais nada...e, de noite ele se queixa disso até
quando está sonhando, como se isso fosse um incubo, e... Mestre, meu Mestre!”
“Vamos fala até o fim.”
“Ele roga pragas... e pratica a magia. Isto não é mentira,
nem é duvidoso. Eu vi. Ele me escolhe porque dormia profundamente. Agora, eu o
confesso, eu o vigio e o meu sono é menos profundo, porque, logo que ele se
move, eu o percebo... Talvez eu tenha feito mal. Eu fingi dormir para ver o que
ele estava fazendo. E por duas vezes eu o vi e ouvi fazer coisas feias. Eu não
entendo a magia. Mas o que ele fazia, era!”
“Só isso?”
“Não e sim. Em Tiberíades eu o acompanhei. Ele foi a uma
casa. Perguntei-lhe depois quem morava lá. Era um que praticava necromancia com
outros. E, depois que Judas saiu, já quase de manhã, pelas palavras que ele
disse eu pude compreender que eles se conhecem e que são muitos... e que não
são todos estrangeiros. Ele está pedindo ao demônio a força, que Tu não lhe dá.
É por isso que eu sacrifico a minha ao Pai para que a passe para ele e ele não
seja mais pecador.”
“Deverias dar-lhe a tua alma. Mas isso, nem o Pai nem Eu o
permitiríamos...”
“Há um longo silêncio. Depois Jesus, com uma voz cansada, diz:
“Vamos, João. Desçamos. Vamos descansar, enquanto esperamos a aurora.”
“Estás mais triste do que antes, Senhor! Eu fiz mal em
falar!”
“Não. Eu já o sabia. Mas pelo menos tu estás mais aliviado...
e isso é bom.”
“Senhor, devo evita-lo.”
“Não. Não tenhas medo. Satanás não faz mal aos Joãos. Ele os
aterroriza, mas não pode tirar-lhes a graça que Deus continuamente lhes
concede. Vem. Pela manhã Eu falarei e depois iremos para Péla. É preciso andar
depressa, porque o rio está cheio por causa das neves que se vão derretendo e
pelas chuvas dos dias anteriores. Logo virá a cheia que, muito mais do que a
lua arqueada, é sinal de chuvas abundantes.”
Eles descem e desaparecem no quarto que fica abaixo do
terraço.
(O Evangelho como me foi revelado- Maria Valtorta-Vol. 5,pgs.
412 à 416)
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