TERCEIRO
ANO DA VIDA PÚBLICA DE JESUS
UM DIA DE MUITOS MILAGRES
“Jesus,
escuta. Há uma mulher pedindo uma graça. Ela é estéril...”
“Não
perturbes o Mestre por causa dela, mulher. As vísceras dela estão mortas”, diz
um que não sabe que está falando com a Mãe de Deus. E depois, confuso pelo
erro, pois já o informaram, procura ficar menor e desaparecer, enquanto Jesus
responde a ele e a suplicante, ao mesmo tempo, dizendo: “Eu sou a vida. Mulher,
que te seja feito o que estás pedindo”, e pousa, por um instante a mão sobre a
cabeça de Sela.
“Jesus,
Filho de Davi, tem piedade de mim!”, grita aquele cego de antes, que pouco a
pouco foi chegando para perto da multidão, e ao lado dela vai dando os seus
gritos de invocação.
Jesus
que estava com a cabeça inclinada para ouvir as palavras suplicantes de Sela,
torna a levantar o rosto e olha para o ponto de onde, entrecortada como a voz
de alguém que está para afundar-se, chega até ele a voz do cego.
“Que
queres que Eu te faça?”, grita Jesus.
“Que eu
veja. Estou na escuridão...”
“Eu sou
a Luz. Eu quero!”
“Ah! Eu
vejo. Estou vendo! Estou vendo de novo. Deixai-me passar. Que eu possa beijar
os pés do meu Senhor.”
“Mestre
Tu curaste todos aqui. Mas há um leproso em uma cabana, lá no bosque. Ele nos
fica sempre pedindo que te levemos a ele...”
“Vamos!
A caminho.” Deixai-me ir. Não vos machuqueis. Eu estou aqui para todos...
Vamos, abri alas! Não atropeleis as mulheres e as crianças. Eu não estou indo
embora. Fico por aqui amanhã e depois estarei nesta região por cinco dias.
Podereis acompanhar-me, se o quiserdes...”
....”Eis-nos
chegados. Paremos aqui, para não nos contaminarmos. Estamos perto da tumba do
que está vivo, e esta é a hora em que ele vem àquele maciço para retirar as
ofertas. Ele era rico sabes? Nós nos lembramos dele. Era bom também. Mas agora
é um santo. Quanto mais o feriu a dor, tanto mais ele se tornou justo. Não
sabemos como foi... Isso é contado pelos peregrinos que ele hospedou. Eles iam
para Jerusalém, como diziam. Pareciam sãos, mas certamente eram leprosos. O
fato é que, depois de sua passagem, antes a mulher, depois os servos, depois os
filhos, e por fim ele, pegaram a lepra. Todos. Em primeiro lugar, e pelas mãos,
aqueles que haviam lavado os pés e as vestes dos peregrinos, e por isso dizemos
que eles devem ter sido a causa de tudo. Dos meninos três morreram cedo, muito
cedo. Depois a mulher, e mais pelo sofrimento, do que pela doença... Ele...
Quando o sacerdote declarou que todos estavam leprosos, comprou para si esta
parte do monte, com seus já inúteis haveres, e para que ai se colocassem
provisões para si mesmo e para os seus, incluindo os sevos as enxadas e
picaretas... e começou a cavar os seus túmulos, e, um por um, os foi colocando
todos: os filhos pequenos, depois a mulher, os servos... E ficou somente ele,
sozinho e pobre, pois tudo com o tempo vai se acabando, e já lá se vão quinze
anos... E tudo sem um lamento. Ele era douto. Repetia de cor as escrituras. Ele
as repete falando com as estrelas, as ervas, as árvores, aos passarinhos, e as
repetia a nós que podemos aprender tantas coisas dele, e consola as nossas
dores... ele, compreendes? Ele é que consola as nossas dores. Vêm pessoas de
Hipo e de Gamala, de Guerguesa e de Afeca para ouvi-lo. Quando ele soube do
milagre dos dois endemoninhados... Oh!, ele começou a pregar a fé em Ti.
Senhor, se os homens te saudaram com o nome de Messias, se as mulheres te
saudaram como vencedor e rei, se os nossos meninos sabem o teu Nome e que Tu és
o Santo de Israel, é devido ao pobre leproso”, narra por todos o velho de idade
avançada, que foi o primeiro a falar de João.
“Tu o
curarás?”, perguntam muitos.
“E vós o
pedis? Eu, que tenho piedade dos pecadores, que não terei para com um justo?
Mas, não é ele que está vindo? Lá pelo meio daquelas moitas...”
“Certamente
que é ele. Mas que vista tens, Senhor! Nós apenas ouvimos o barulho, mas nada
vemos...”
Mas o
barulho parou. Tudo é silêncio e expectativa...
Jesus
está bem exposto à luz, sozinho, mas pouco a frente, porque chegou até perto do
penhasco, onde foram colocadas as provisões. Os outros, à meia sombra de
algumas árvores, desaparecem, confundindo-se com os troncos e as moitas da
charneca. Até os meninos se calam, ou porque estão dormindo nos braços de suas
mães, oi porque estão com medo do silêncio, dos sepulcros, das estranhas
sombras que a lua forma das plantas e dos penhascos.
Mas o
leproso deve estar vendo. Está vendo a alta e imponente estatura do Senhor,
todo vestido de branco, expondo à brancura do luar. Tudo muito bonito. Os
olhares cansados do leproso certamente se cruzam com os olhares resplandecentes
de Jesus. Que linguagem estará saindo daquelas pupilas divinas, grandes e
fulgentes como umas estrelas? O que sai da boca que se entreabre em um sorriso
de amor? Que é que sai do coração, sobretudo do coração de Cristo? Mistério. Um
dos muitos mistérios entre Deus e as almas em seus relacionamentos espirituais.
Certamente
o leproso compreende, porque ele grita: “Eis o Cordeiro de Deus! Eis Aquele que
veio para salvar toda a dor do mundo! Jesus, Mestre, Bendito, nosso Rei e nosso
Salvador, tem piedade de mim!
“Que
queres? Como podes crer no Desconhecido para ti e ver nele o Esperado? Quem Eu
sou para ti? O Desconhecido.”
“Não. Tu
és o Filho do Deus vivo. Como eu o sei e o vejo? Isso eu não sei. Mas aqui
dentro de mim, uma voz gritou: “Eis o Esperado! Ele veio premiar a tua fé”.
Desconhecido? Sim. Ninguém já viu o rosto de Deus. Por isso és o Desconhecido”,
em tua aparência. Mas o Conhecido és Tu pela tua Natureza, pela tua Realeza.
Jesus, Filho do Pai, o Verbo Encarnado, e Deus como o Pai. Eis ai quem Tu és, e
eu te saúdo e peço, crendo em Ti.”
“E, se
Eu nada pudesse fazer por ti,e tua fé ficasse desiludida?”
“Eu
diria que isso era a Vontade do Altíssimo, e continuaria a crer e a amar,
esperando sempre no Senhor.”
Jesus se
volta para a multidão que, suspensa, está escutando o diálogo, e diz: “Em
verdade, em verdade Eu vos digo que este homem tem a fé que remove montanhas,
Em verdade, em verdade Eu vos digo que a verdadeira caridade, a fé, a esperança
se provam na dor, mais do que na alegria, visto que o excesso de alegria às
vezes, é ruína para o espírito ainda mal formado. Fácil é crer e ser bons,
quando a vida não é mais do que um tranqüilo, senão gozoso decorrer de dias
iguais. Mas aquele que sabe persistir na fé, na esperança e na caridade, mesmo
quando as doenças, as mortes, as desventuras o fazem ficar sozinho, abandonado,
evitado por todos, e que só sabe dizer: “Que seja feito o que o Altíssimo julga
que é útil para mim”, em verdade este homem não só merece a ajuda de Deus, mas,
Eu vo-lo digo, no Reino dos Céus está preparado o seu lugar, e ele não
conhecerá permanência no lugar da purificação, porque a sua justiça já anulou
todas as dívidas de sua vida passada. Vai em paz, que Deus está contigo.”
E se
volta, ao dizer isso, e, com esse seu gesto, quando já está bem perto, bem
visível, dá esta ordem: “Eu quero! Que tu fiques limpo!”, e parece que a luz da
lua o limpa e o lave com seus raios de prata, tirando dele as pústulas, as
úlceras, os nódulos e as crostas da horrenda doença. O corpo se recompõe e
readquire todas as formas de um corpo são.
É um
velho respeitável, ascético em sua magreza, aquele que tendo sido levado ao
conhecimento do milagre pelos gritos de Hosana da multidão, inclina-se para
beijar o chão, sem poder tocar em Jesus, nem em nenhum outro homem, antes do
tempo prescrito pela Lei.
“Levanta-te.
Vão trazer-te uma veste limpa, para que possas ir apresentar-te ao sacerdote.
Mas procura andar sempre com a limpeza do teu espírito, diante do teu Deus.
Adeus, homem. A paz esteja contigo!”
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