MARIA DE ÁGREDA – DO LIVRO: MÍSTICA CIDADE DE DEUS
A concepção
Imaculada de Maria Mãe de Deus pela virtude do poder divino.
Quando se casaram tinha Santa Ana vinte e
quatro anos e Joaquim quarenta e seis. Depois do matrimônio passaram vinte anos
sem ter filhos, e assim no tempo da concepção da filha, contava a mãe quarenta
e quatro anos, e o pai sessenta e seis. Ainda que essa concepção se realizou
pela ordem comum das demais, a virtude do Altíssimo lhe tirou a parte
imperfeita e desordenada. Deixou-lhe apenas o necessário para a natureza
administrar a devida matéria à formação do corpo mais perfeito que jamais
houve, nem poderá haver em pura criatura. Moderou Deus a natureza dos pais e a
Graça antecipou-a, para que no ato não houvesse culpa nem imperfeição, mas
virtude e merecimento. O modo foi o natural e comum, porém, controlado,
corrigido e aperfeiçoado com a força da Divina Graça, para esta produzir seu
efeito sem estorvo da natureza. … porque sem milagre não poderia conceber. A
concepção operada só pela ordem natural, não depende imediatamente de causas
sobrenaturais, mas somente dos pais. Nesta concepção, porém, ainda que o pai não
fosse naturalmente infecundo, pela idade e temperança, já estava com a natureza
corrigida e quase inativa. Por isto, foi pela Divina virtude animada, reparada
e prevenida de modo que pôde agir de Sua parte com toda perfeição e medida das
potências, e proporcionalmente à esterilidade da mãe, servindo-se da natureza
apenas o indispensável para que esta inefável filha tivesse pais naturais. Por esta parte pôde bem resultar sem pecado
esta concepção, tendo também a Divina Providência assim determinado. Que o plasmou com exato peso e medida, na
quantidade e qualidade dos quatro humores naturais: sanguíneo, melancólico, fleumático
e colérico. A proporção perfeitíssima desta compleição deveria ajudar, sem
impedimentos, as operações da alma tão santa como a que animaria esse corpo. Aquele milagroso corpo em formação no ventre
de Santa Ana, antes de ter alma não era capaz de dons espirituais, mas o era
para os dons naturais. Estes lhe foram concedidos por ordem e virtude
sobrenatural, com tais condições como convinham para o singular fim a que se
ordenava aquela formação, superior a qualquer ordem da natureza e Graça. Deste
modo, lhe foram dadas compleição e potências tão excelentes que a natureza, só
por si, jamais poderia formar outras semelhantes. A primeira concepção do corpo de Maria
Santíssima sucedeu num domingo, correspondente ao dia da criação dos Anjos, de
quem seria Rainha, Senhora, superior a todos. Para a formação e crescimento dos
demais corpos são necessários, segundo a ordem comum e natural, muitos dias
para se organizarem e receberem a última disposição para neles ser infundida a
alma racional. Dizem que para o sexo masculino se requerem quarenta e para o
feminino oitenta, mais ou menos, conforme o calor natural e organismo das mães.
Na formação corporal de Maria Santíssima, a virtude divina apressou o tempo
natural, e o que em oitenta dias, ou nos que naturalmente eram necessários, se
havia de fazer, foi mais perfeitamente organizado em sete. Durante eles foi
preparado aquele milagroso corpo, com devido crescimento, no seio de Santa Ana,
para receber a alma santíssima de Sua filha, Senhora e Rainha nossa. No sábado
seguinte a esta primeira concepção, fez-se a segunda, criando o Altíssimo a
alma de Sua Mãe e infundindo-a em Seu corpo. Surgiu no mundo a pura criatura
mais santa, perfeita e agradável a seus olhos, de quantas criou e criará até o
fim do mundo e por suas eternidades. Empregou o Senhor misteriosa atenção em
relacionar esta obra com a criação dos sete dias, referida no Gênesis (Gên 1,
1-31; 2, 1-3). Realizando aquele simbolismo, sem dúvida descansou, depois de
haver criado a suprema criatura, com a qual dava princípio à Encarnação do
Verbo e a Redenção do gênero humano. Para Deus e para as demais criaturas, este
dia foi festivo e de repouso. Por causa
deste mistério da concepção de Maria Santíssima, ordenou o Espírito Santo que
na santa Igreja o Sábado fosse consagrado à Virgem. Foi o dia em que lhe fez o
maior benefício, criando sua alma santíssima e unindo-a ao corpo, sem resultar
o pecado original nem efeito seu. O dia de Sua Conceição celebrado hoje na
Igreja, lembra não o da primeira conceição do corpo, mas o da segunda, a saber,
a infusão da alma. Desde esta Conceição até a Natividade, esteve nove meses exatos
no seio de Santa Ana. Nos sete dias antes da infusão da alma, esteve só a
matéria organizando-se e se dispondo pela virtude Divina. Deste modo, a criação
de Maria correspondeu à criação de todas as criaturas que formaram o mundo em
seu princípio e vem narrada por Moisés (Gn 1,1). O instante da criação e
infusão da alma de Maria Santíssima, foi aquele no qual a beatíssima Trindade,
com maior afeto de amor do que quando refere Moisés (Gn 1,26), disse aquelas
palavras: - Façamos Maria à nossa imagem e semelhança, Nossa verdadeira Filha e
Esposa, para Mãe do Unigênito da substância do Pai, assistem numerosos
cortesãos do antigo Céu e mil Anjos são destinados para fazer guarda ao tesouro
de um animado corpozinho, do tamanho de uma abelhinha. E assim foi dado a
entender Àquela que era criada para Mãe do mesmo Deus, ainda que por ora Ela o
ignorasse.
Como tudo isto era novo na Terra e dela
não poderia proceder, diz que desceu do Céu. Não obstante descender de Adão
pela ordem comum da natureza, não vem pelo caminho ordinário do pecado,
trilhado por todos os seus predecessores filhos daquele primeiro delinquente.
Somente para esta Senhora houve diferente decreto na Divina predestinação, e
abriu-se nova senda pela qual viesse ao mundo com seu Divino Filho. Na ordem da
Graça, Cristo e Maria não acompanharam nem foram acompanhados por qualquer
outro dos mortais. Deste modo, desceu nova do Céu, da mente e Vontade Divina.
Enquanto os demais filhos de Adão descendem da Terra, terrenos e maculados por
ela, esta Rainha de toda a criação vem do Céu, descendente somente de Deus pela
inocência e Graça. Costumamos dizer vir alguém da família ou solar do qual
nasceu, porque aí recebeu o ser natural. Considerada Sua qualidade de Mãe do
Verbo Eterno, o ser natural que Maria recebeu de Adão é apenas uma sombra,
comparada ao que recebeu do Eterno Pai para aquela dignidade, na Graça e
participação de Sua Divindade. Em Maria este ser da graça é o principal, e o da
natureza acessório e secundário. O Evangelista visou o principal que desceu do
Céu, e não o acessório que veio da Terra. Desceu ataviada e preparada por Deus
que lhe deu tudo quanto quis, e quis lhe dar tudo quanto pôde. Pôde dar tudo o
e não era ser Deus; o mais próximo de Sua Divindade; o mais distante do pecado;
o quanto uma pura criatura pudesse receber. Este adorno não teria sido completo
se algo lhe faltara, e esta falta existiria se em algum momento carecesse da inocência
e Graça. Sem isto nada seria suficiente para torná-La formosa, pois as jóias da
Graça cairiam sobre um rosto afeado, de natureza maculada pelo pecado, ou sobre
uma veste manchada e repugnante. Já é tempo que o entendimento humano se abra e
se expanda na honra de nossa grande Rainha. Quem pensar o contrário, baseado em
outra opinião, se retraia e não ouse despojá-la do adorno de Sua Imaculada
pureza no instante de Sua Divina Conceição.
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