A CURA
“Zacarias,
vem.”
“Tu
eras leproso?”
“Eu
era, e comigo minha mulher e os meus dois filhos. A doença tomou conta da
mulher em primeiro lugar, e nós não percebemos isso logo. Os meninos pegaram a
lepra dormindo junto com a mãe, e eu ao aproximar-me de minha mulher. Todos
estavam leprosos! Quando perceberam isso, mandaram-nos para fora do povoado...
Teriam podido deixar-nos na casa. Ela era a última... na ponta da rua. Nós não
teríamos aborrecido a ninguém... Eu já tinha feito crescer a sebe alta, bem
alta, para que não pudéssemos ser vistos. Aquilo já era um sepulcro... mas era
a nossa casa... Eles nos mandaram embora. Fora! Fora! Nenhum povoado nos
queria. É justo. Pois nem o nosso nos tinha querido. Nós nos alojamos perto de
Jerusalém, em um sepulcro vazio. Lá estão muitos infelizes. Mas os meninos, com
o frio da caverna morreram. A doença, o frio e a fome bem depressa os
mataram... Eram dois filhos homens... eram muito bonitos, antes de contraírem a
doença. Morenos, como duas amoras de agosto, de cabelos cacheados, cheios de
vivacidade. Eles se viam transformados em dois esqueletos cobertos de chagas...
Não tinham mais cabelos, seus olhos estavam fechados pelas crostas, seus
pezinhos e suas mãos iam caindo como umas escamas brancas. Foram-se esfarelando
à frente de meus olhos os meus filhinhos!... Já não tinham mais nem aparência
humana, naquela manhã em que eles morreram, com poucas horas entre a morte de
um e do outro. Eu os sepultei, ouvindo os gritos da mãe, por baixo de uma
camada rasa de muitas pedras, como se fossem as carniças de dois animais...
Depois de alguns meses, morreu também a mãe, e eu fiquei sozinho... Eu só
estava esperando morrer, e não teria tido nem uma cova cavada pelas mãos dos
outros.
Eu
já estava quase cego, quando certo dia, passou por lá o Nazareno. Do meu
sepulcro eu gritei: “Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!” Um mendigo me
havia contado, um que não tinha tido medo de chegar a mim para levar-me o seu
pão, que ele tinha sido curado de sua cegueira, ao invocar o Nazareno com
aquelas palavras. E ele dizia: “Ele, não somente me deu a vista dos olhos, mas
também a da alma. Eu vi que Ele é o Filho de Deus, e vejo todas as pessoas como
ele manda. É por isso que eu não te evito, meu irmão, mas te trago pão e fé.
Vai ao Cristo. Para que haja mais um que o bendiga.”
Andar,
eu não podia. Meus pés, chagados até os ossos, não me deixavam caminhar... e
além disso... eu teria sido feito alvo de pedradas, se fosse visto por alguém.
Fiquei atento à passagem Dele. Por ali Ele passava muitas vezes, para ir a
Jerusalém. Um dia eu vi, como me era possível ver, uma poeirada no caminho e
uma multidão, e ouvi uns gritos. Eu fui me arrastando por cima da colina, onde
estavam as grutas sepulcrais, e, quando me pareceu que eu estava vendo uma
cabeça loura, que se mostrava descoberta no meio das outras cobertas por
mantas, aí eu gritei. Gritei com força. Com toda a voz que eu ainda tinha.
Gritei três vezes. Até que o meu grito chegou a Ele.
Ele
virou-se. E parou. Depois andou para a frente sozinho. Foi parar justamente no
ponto onde eu estava, e olhou para mim. Era bonito, bom, com aqueles dois
olhos, aquela voz e aquele sorriso!... Ele disse:
“Que queres que Eu te faça?”
“Quero
ficar limpo.”
“Crês
tu que Eu possa limpar-te? Por quê?, ele perguntou-me.
“Porque
Tu és o Filho de Deus.”
“Crês
nisto?”
“Eu
creio”, respondi. “Eu vejo o Altíssimo brilhando com sua glória sobre Tua
cabeça. Filho de Deus, tem piedade de mim!”
E
Ele então, estendeu uma mão, com um rosto que tinha o clarão de um fogo. Seus
olhos pareciam dois sóis azuis, e Ele disse: “Eu o quero. Fica limpo”, e me abençoou com o seu sorriso!... Ah! Que
sorriso! Eu percebi que uma força penetrava em mim. Parecia uma espada de fogo,
que me penetrava, procurando o coração, e que corria pelas veias. Meu coração,
que estava tão doente, tornou-se como ele era aos meus vinte anos, o sangue
estava gelado nas veias, ficou quente, e se pôs a circular velozmente. Não
senti mais dor, nem fraqueza, mas uma alegria, que alegria! Ele continuou a
olhar para mim e, com o seu sorriso, me tornava feliz. Depois Ele disse:
“Vai
mostrar-te aos sacerdotes. A tua fé te salvou.”
Foi
então que eu percebi que estava curado, e olhei para minhas mãos e minhas
pernas. Não havia mais chagas. Onde antes os ossos estavam descobertos, agora
já havia carne rosada e tenra. Fui correndo para um rio, a fim de olhar o meu
rosto. Também o rosto estava limpo! Eu estava limpo, depois de ter sido,
durante dez anos um ser asqueroso!... Ah! Por quê é que não passou antes? Nos
anos em que estava viva minha mulher e os meus filhinhos. Ele nos teria curado
a todos. Agora, estás vendo? Estou fazendo compras para minha casa... Mas estou
sozinho!...”
“Tu,
nunca mais o viste?”
“Não...
Mas eu sei que Ele está por estes lados, e vim para cá de propósito. Eu
gostaria de bendizê-lo de novo, e de ser abençoado para ter força em minha
solidão.”
Zaqueu
inclina a cabeça, e fica calado.
(de
Jesus à Valtorta, Vol. 6, pgs. 380 a 382.)
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