“NO TERCEIRO DIA, UMA LUZ VINDA DOS CONFINS DO UNIVERSO, COMO UM METEORO, VAI DIRETO ATÉ O SEPULCRO, QUANDO UM ESTRONDO SACODE A TERRA, AFASTANDO A ENORME PEDRA QUE O SELAVA, E OS GUARDAS ROMANOS FICAM ATORDOADOS. A LUZ ENTÃO ENTRA NO CORPO INERTE DE JESUS, QUE EM SEGUIDA LEVANTA, TRANSPASSANDO OS PANOS DA MORTALHA COM SEU CORPO IMATERIAL FULGURANTE. RESSUSCITANDO DOS MORTOS COM UMA MATÉRIA INCORPÓREA DE INTENSA LUZ, CONHECIDA APENAS POR DEUS, DE UMA BELEZA INDESCRITÍVEL.”

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

VIA SACRA COM AS REVELAÇÕES FEITAS POR JESUS A MARIA VALTORTA


Via Sacra com as revelações feitas por Jesus a Maria Valtorta


Para que não digam depois, quando estiverem diante de Deus no juízo final, que não sabiam, mas sim, que não quiseram ouvir as canções e lamentações do Verbo de Deus à seus instrumentos na terra. Que são os avisos e as recomendações vindas do Céu, para que nós pudéssemos nos defender das ciladas do Enganador. Porque quem é verdadeiramente de Deus, sabe quando é Deus quem fala.


     Muito embora as correspondentes passagens nos Evangelhos estejam referenciadas, optou-se por ilustrar cada Estação da Via Sacra com as revelações feitas por Jesus a Maria Valtorta, onde os detalhes da Paixão de Nosso Senhor favorecem a um profundo mergulho naqueles mistérios tão caros para nossa salvação.   

     (O texto abaixo reproduzido, bem como os demais, foram extraídos da obra de Maria Valtorta, dos livros “ O Evangelho como me foi Revelado.”)

 

     Acusado, condenado e morto. Traído, renegado e vendido. Abandonado até por Deus, porque sobre Mim estavam os delitos que Eu havia assumido. Mergulhado na lama de todos os vossos pecados, fui jogado à profundeza escura da dor, sem ver mais a luz do Céu, que correspondesse ao meu olhar de moribundo, nem a voz divina que respondesse à minha última invocação.

     Isaías nos diz qual a razão de tão grande dor: “Verdadeiramente Ele tomou sobre si os nossos males e suportou as nossas dores”.

     As nossas dores! Sim. Foi em lugar de vós que as suportei. Para aliviar as vossas, para amenizá-las, para anulá-las, se me tivésseis sido féis. Mas não quisestes sê-lo.  Mas, como é que não vistes Deus que brilhava na luz de sua infinita misericórdia, com aquela veste posta sobre sua santidade em vosso favor?

     Teria bastado um meu olhar para reduzir a cinzas tanto os juízes, como os carrascos. Mas Eu havia vindo voluntariamente para consumar o sacrifício, como um cordeiro, pois Eu era o Cordeiro de Deus, e continuo a sê-lo eternamente, e me deixei levar para ser despojado e morto, e para fazer de minha Carne a vossa Vida.

     Quando fui levantado na cruz, eu já estava acabado pelos sofrimentos sem nome, e tratado com todos os nomes. Eu comecei a morrer desde Belém, ao ver a luz da terra tão cheia de angústia e diferente para Mim, que era a Vida do Céu. Continuei a morrer na pobreza, no exílio, na fuga, no trabalho, na falta de ser compreendido, nas torturas, nas mentiras, nas blasfêmias. Estas coisas foram as que me foram dadas pelo homem a Mim que tinha vindo para uni-lo com Deus!

    Eu sou o Rei da dor, e virei falar-te da minha dor com a minha veste real. Acompanha-me, não obstante a tua agonia. Eu saberei, pois Eu sou Piedoso, pôr diante dos teus lábios, intoxicados pela minha dor, também o mel perfumado de contemplações mais serenas. Mas, por enquanto, deves ter preferência por estas de sangue, porque por estas tu tens a Vida, e com elas levarás outros à Vida. Beija a minha mão ensanguentada, e vigia, meditando sobre Mim Redentor. (p. 10-11)

  Estações da Via Sacra

Primeira Estação
  Jesus ora no Horto de Getsêmani, Monte das Oliveiras
Mt 26,36-46; Mc 14, 32-42; Lc 22,39-46; Jo 18,1

    Simão, chegou a hora de minha Paixão. E, para torná-la mais completa, o Pai me retira a luz aos poucos, à medida que ela se aproxima. Daqui a pouco só terei trevas e a contemplação do que são as trevas, isto é, de todos os pecados dos homens.Tu não sabes, vós não podeis entender. Ninguém, a não ser quem for chamado por Deus para alguma missão especial compreenderá esse sofrimento dentro do grande sofrimento que é a Paixão e, visto que o homem é material tanto no amar como no meditar, haverá quem chore e sofra pelas pancadas por Mim recebidas, pelas torturas do redentor, mas não medirá esta tortura espiritual que – acreditai-o, vós que me ouvis – será a mais atroz de todas... (p. 16-17)
     Ele faz uma longa e ardente oração, uma verdadeira conversação com o seu Pai. "Tu o sabes... Eu sou o teu Filho... Tudo, mas ajuda-me... A hora chegou...  Eu não sou mais desta terra.  Eu te peço tua piedade... Será que Eu os farei salvos?  Isto Eu quero: que do imundo os salves, da carne, do demônio... Peço pelo homem, que é tua criatura, e que quis transformar em barro até sua alma. Eu jogo na minha dor e no meu Sangue este barro, a fim de que os tornem a incorruptível essência  do espírito por Ti amado. Ele [o demônio] é o rei nesta tarde. Tanto no palácio real, como nas casas, por entre as milícias, no Templo... A cidade está cheia deles, e amanhã será um inferno..." (p. 23)
     É amargo demais este cálice! Afasta isto do teu Filho!  Mas, meu Pai, não dês ouvidos à minha voz, se ela pede o que for contrário à tua vontade. Não te lembres de que Eu sou teu Filho, mas somente teu servo. Não a minha vontade, mas a tua seja feita.
     Jesus fica assim por algum tempo.  É um farrapo de homem sobre o qual pesam todos os pecados do mundo, sobre o qual pesa toda a Justiça do Pai, sobre o qual descem a escuridão, e aquela tremenda, mais que tremenda,  tremendíssima coisa que é o abandono por Deus, enquanto Satanás nos tortura... É a asfixia da alma. Isto é o Inferno...
     Jesus geme, entre os estertores e suspiros próprios da agonia: "Nada!... Nada!... Fora! Faça-se a vontade do Pai. Ela! Só ela!..."  Eu só tenho um Senhor: Deus Santíssimo. Uma só Lei: a obediência. Um amor: a redenção.... Tenho por Mãe a Humanidade. E a amo até morrer por ela. A vida, Eu a entrego a quem ma deu, e ma pede, o Supremo Senhor de todos os viventes. A Divindade, Eu a afirmo, ao ser capaz desta expiação. A missão, Eu a cumpro com a minha morte. Não tenho mais nada, a não ser fazer  a vontade do Senhor, meu Deus.  Vai para trás, Satanás. Eu sou de Deus." (p. 26-27)
     Depois não fala mais nada, a não ser para dizer, com sua respiração entrecortada: "Deus! Deus! Deus!" E o chama a cada batida do coração, e parece que a cada batida, o sangue extravase.  Mas uma claridade mais viva se forma sobre sua cabeça, suspensa a mais ou menos um metro acima dele. Ele levanta a cabeça. A lua brilha sobre o seu pobre rosto, mas ainda brilha mais a luz angelical. E aparece toda a tremenda agonia no sangue que transpira pelos poros.  No rosto somente as lágrimas já fazem dois riscos bem visíveis, ao longo da máscara vermelha. (p. 27-28)

Segunda Estação
 Jesus, traído por Judas, é aprisionado
Mt 26,47-56; Mc 14,43-52; Lc 22,47-53; Jo 18,2-12

     Judas se aproxima, suportando o olhar de Jesus, que está com um daqueles olhares lampejantes dos seus melhores dias. E não abaixa o seu rosto. E Judas se aproxima de Jesus com um sorriso de hiena, e lhe dá um beijo na face direita.
     “Amigo, que vieste fazer? Com um beijo me trais?”
     “A quem procurais?”, pergunta Jesus, de modo calmo e solene.
     “A Jesus de Nazaré.”
     “Sou Eu. ”Sua voz foi como um trovão.
      E, como um feixe de espigas cortadas, todos caem no chão. Ficam de pé somente Judas, Jesus e os apóstolos.
     Mas, enquanto Jesus está falando, o Pedro se aproxima do homem que está espichando umas cordas para amarrar Jesus e dá um golpe desajeitado com a espada.  Assim o que ele fez foi quase lhe arrancar a orelha, que ficou pendurada com um grande gotejar de sangue.
     “Guardai vossas armas. Eu vos mando. Se Eu quisesse, teria os anjos do Pai para me defenderem. E tu, fica são. Primeiro na alma, se podes.” E, antes de estender as mãos para as cordas, toca no orelha, e a torna sã.
     Os apóstolos dão uns gritos desordenados.  E quem não grita, foge.
     E Jesus fica sozinho... Ele com os esbirros... E começa o caminho... (p. 29-31)

Terceira Estação
†  A condenação de Jesus perante o Sinédrio
Mt 26,57-68; Mc 14,53-65; Lc 22,54-55.63-71; Jo 18,13-14.19-24

     [Na casa de Anás – p. 44-45]
      De que me acusas?"
     "Por teres inventado uma doutrina nova."
     "Ó sacerdote! Israel já está cheio de novas doutrinas. Mas Eu, não. Eu tenho restabelecido a espezinhada fé de meu Pai, o Deus Eterno, e simplesmente voltei a ensinar as dez proposições do Decálogo, gastando todas as forças dos meus pulmões para fazer que elas entrassem nos corações que não as conheciam mais."
     "Que horror! Que blasfêmia! Não existe um Templo em Jerusalém? Seremos agora como os desterrados da Babilônia? Responde."
     "É isto mesmo que sois. E mais ainda. Aqui há um Templo. Sim. Um edifício. Deus não está nele. De lá Ele fugiu, diante da abominação que se pratica em sua Casa. Mas, por que é que me fazes tantas perguntas, se minha morte já é uma coisa decidida?"
     [À casa de Caifás – p. 46-49]
     [o rabino Gamaliel]  “Quem és tu? Dize-o a mim”. E Jesus docemente lhe responde: “Lê os Profetas e neles encontrarás resposta. O primeiro sinal está neles. O outro está para vir.”
     "Se eu falei bem, por que é que me bates? E, se Eu falei mal, por que é que não me dizes onde é que está o meu erro? Eu repito: Eu sou o Cristo, o Filho de Deus. Não posso mentir. O Sumo Sacerdote, o Eterno Sacerdote, sou Eu. Somente Eu é que trago o verdadeiro Racional, sobre o qual está escrito: Doutrina e Verdade. É a estas que Eu sou fiel. Até à morte, que é ignominiosa aos olhos do mundo, mas santa aos olhos de Deus e até à feliz Ressurreição. Eu sou Ungido Pontífice e sou Rei. E já estou para segurar o meu cetro, e com ele, como com uma peneira, Eu quero limpar a minha eira. Este Templo será destruído e ressurgirá, novo e santo. Porque este atual é corrompido, e Deus o entregou ao seu destino."
     "Blasfemador!", todos gritam em coro. "Seja réu de morte!"
     E, com gestos de desprezo e de escândalo, eles saem da sala, deixando Jesus à mercê dos esbirros e do populacho. Assim passam as horas.
     Jesus é levado de novo para o tribunal. E todos, em coro, lhe repetem a pergunta capciosa: "Em Nome do Deus verdadeiro, dize-nos: és tu o Cristo?"
     E, tendo recebido a mesma resposta de antes, eles o condenam à morte, e dão a ordem de conduzi-lo a Pilatos.

Quarta Estação
†  As negações do Apóstolo Pedro
Mt 26,69-75; Mc 14,66-72; Lc 22,54-62; Jo 18,15-18.25-26

     A aurora vem chegando com dificuldade e esverdeada. Foi dada uma ordem, que levem o prisioneiro para o Salão do Conselho, para um processo mais legal.
     É nesse momento que Pedro nega pela terceira vez conhecer o Cristo, quando este passa, já bem marcado pelos sofrimentos. E à luz esverdeada da aurora, sua lividez parece ainda maior, sobre o seu rosto de cor térrea, com os olhos mais fundos e vidrados, um Jesus desfigurado pelas dores que lhe causa o mundo. E, precisamente no momento em que aparece Jesus, não se ouve outra coisa, senão a voz rouca do Pedro, dizendo: "Eu juro, mulher, que não o conheço." Suas palavras são secas, cortantes, e foi a elas que o galo respondeu, também com palavras secas, cortantes, como que brincando com elas, como se o fizessem pensar em alguma coisa, e lha lançasse no rosto.
     Então Pedro sentiu um estremecimento. Girou sobre si mesmo, querendo fugir, mas foi logo dar de frente com Jesus, que está olhando para ele com uma grande compaixão, com uma dor tão amarga e intensa que me rasga o coração, como se, depois dela, tivesse que se dissolver, e para sempre, o meu Jesus. Pedro dá um soluço, e sai de lá, caindo em si, mas cambaleando como um ébrio. Ele foge atrás de dois servos que aparecem na estrada e desaparecem, descendo, pela estrada ainda meio escura. (p. 49-50)

Quinta Estação
†  Jesus entregue a Pilatos
Mt 27,11-26; Mc 15,2-15; Lc 23,1-5.13-25; Jo 18,28-40–19,1-16

     [De volta a Pilatos, depois de Jesus ter sido desprezado e tratado como um “doido” por Herodes]
     “Hebreus, escutai. Vós me trouxestes este homem como um incitador do povo. Diante de vós, eu o examinei, e não achei nele nenhum dos delitos de que o acusais.  Mas, para não desagradar-vos, tirando-vos este passatempo, vos darei em troca Barrabás. E a Ele mandarei dar quarenta varadas. E isso basta.” 
     "Não. Não. Barrabás, não. A Jesus, a morte. E uma morte horrenda! Livra Barrabás, e condena o Nazareno."
     "Mas, ouvi bem. Eu disse varadas. Não basta? Então, o farei flagelar. Isso é atroz, sabeis? Pode ser que morra durante o ato. Que foi que Ele fez de mal? Eu não acho nenhuma culpa nele. E o libertarei."
     "Crucifica-o! Crucifica-o! Mata-o!
     "Seja flagelado", ordena Pilatos a um centurião.
     "Quanto?"
     "Quanto te parecer. E assim esta tarefa termina. Eu já estou aborrecido. Vai".
     [Depois da flagelação e da coroação de espinhos]
     Jesus é levado de novo para o átrio. Está ainda com a coroa, a clâmide [manto dos antigos gregos] e o caniço.
      “Eis aqui o homem. O vosso rei. Ainda não basta?”
      Eles gritam, mostram os punhos, exigem morte...
     Jesus continua de pé. E eu lhes asseguro que Ele nunca mostrou a nobreza desta hora. Nem mesmo quando Ele fazia os mais estupendos milagres. A nobreza da dor. E, de tal modo divino, que bastaria para pôr-lhe o nome de Deus. Mas, para dizer esse Nome é preciso que se seja, pelo menos, homens. E Jerusalém hoje não tem homens, só tem demônios.
     Jesus passa o olhar sobre a multidão, procura e encontra, no meio dos rostos odientos, os rostos amigos.  Menos de vinte amigos, no meio de milhares de inimigos... E Ele inclina a cabeça entristecido pelo abandono. Uma lágrima cai... depois outra... e mais outra. A vista do seu pranto não gera piedade, mas ódio ainda mais feroz.
     Pilatos está andando sobre espinhos. Quereria e não quereria. Tem medo do castigo de Deus, tem medo do de Roma, e tem medo das vinganças dos judeus. Por um momento o que vence é o medo de Deus. E assim vai para a frente do átrio e troveja: “Ele não é culpado.”
     “Se dizes isso, és inimigo do César. Quem se torna réu é inimigo dele. Tu queres libertar o Nazareno. Nós vamos fazer que o César fique sabendo disso.”
     Pilatos se vê tomado pelo medo do homem.
     “Quereis vê-lo morto, então? Que o seja. Mas que o sangue deste justo não esteja em minhas mãos”. E, tendo feito que lhe levassem uma bacia lavou as mãos na presença do povo, que parece estar tomado por um frenesi, enquanto grita: “Sobre nós caia, sobre nós o sangue dele. Caia sobre nós e sobre nossos filhos. Nós não temos medo. Seja crucificado! Seja crucificado!”
     Pôncio Pilatos manda que se escreva : “Jesus Nazareno, Rei dos Judeus”.
     “Não, Assim não. Não escrevas rei dos judeus, mas que ele disse que seria rei dos judeus”, gritam muitos.
     “O que escrevi, está escrito”, diz com dureza Pilatos. “Que vá para a cruz. Soldado, vai. Prepara a cruz.” (p. 59-65)

Sexta Estação
†  A flagelação e a coroação de espinhos de Jesus. Ludíbrio.
Mt 27,24-25; Mc 15,15; Lc 23,22; Jo 19,1

      Eles estão armados com o flagelo feito com sete tiras de couro ligadas a um cabo e terminando em um pequeno martelo de chumbo. De modo ritmado, como se fosse um exercício, eles começam a bater. Um na frente, e o outro atrás, de tal modo que o tronco de Jesus fica dentro de uma roda de azorragues e flagelos.
      E eles se enfurecem especialmente contra o tórax e o abdome, mas não deixam de bater nas pernas e nos braços, e finalmente na cabeça, para que não fique nenhum espaço da pele sem dor. E não se ouve nenhum lamento... Se Ele não estivesse seguro pela corda, cairia. Mas Ele não cai, nem geme. Somente sua cabeça é que fica pendente, depois dos golpes e mais golpes recebidos no peito, como nos desmaios.
     "Cuidado! Pára aí! Para Ele ser morto, precisa ainda estar vivo", grita gracejando um soldado.
     "Espera. Os judeus querem um rei. Pois agora vamos dar-lhe. É aquele", diz um soldado,
      E ele sai correndo para fora, e vai a um pátio que fica mais atrás, e do qual volta com um feixe de ramos de pilriteiro selvagem. Na frente eles põem um cordão de espinhos triplicemente trançado. E atrás, onde as extremidades dos três ramos se cruzam, forma-se um verdadeiro nó de espinhos, que penetram na nuca.
      "Salve, ó Rei dos Judeus", e quase se arrebentam de tanto rir.

Sétima Estação
†  Jesus carrega a Cruz
Mt 27,31; Mc 15,20; Jo 19,16-17

     Já vão levando as cruzes. As dos dois ladrões são mais curtas. A de Jesus é muito maior. Eu acho que a peça vertical não tem menos de quatro metros. Eu vejo a cruz, quando ela já foi formada e vai sendo levada.  Eu estou vendo uma verdadeira cruz, já bem armada, e bem reforçada com pregos e parafusos com porcas. Antes de entregarem a cruz a Jesus, penduram-lhe ao pescoço a tabuinha com estes dizeres escritos: "Jesus Nazareno, Rei dos Judeus." E a corda que a prende se embaraça na coroa, que fica se movendo e arranhando por onde ainda não foi arranhado, e os espinhos vão penetrando em novos pontos, causando novas dores, e fazendo o sangue escorrer de novo. O povo se ri, com uma alegria cheia de sadismo, e o insulta, dizendo blasfêmias contra Ele.
     Agora estão prontos para sair. E Longino [o centurião que comandou a crucificação] dá ordens para se porem a caminhar. Na frente vai o Nazareno. Atrás dele os dois ladrões .”
      E logo se torna evidente que Jesus está com uma grande fraqueza.
     Os judeus se riem ao vê-lo como um embriagado, que vai cambaleando, e gritam, aos soldados: "Batei nele! Fazei-o cair. Que caia na poeira o blasfemador!" Mas os soldados só fazem o que lhes foi mandado, isto é, ordenam ao condenado que vá pelo meio da estrada, e caminhe.  Tem início a subida do Calvário. É um caminho nu, sem nem um fio de sombra, calçado com pedras soltas, que formam a subida.
     Ele vai contra uma pedra saliente e, enfraquecido como está, levanta o pé muito pouco, tropeça nela, e cai para o lado do joelho direito, conseguindo, porém, ir-se levantando, apoiando-se na mão esquerda. O populacho grita de alegria... Afinal, Ele se levanta. E continua a andar. Sempre mais inclinado e ofegante, congestionado, febril...
     O cartaz que vai balançando à sua frente lhe perturba a visão, e sua veste longa, agora que Ele vai inclinado, se arrasta pelo chão, e para a frente lhe torna difícil dar o passo. Ele torna a tropeçar, e cai sobre os dois joelhos, ferindo-se de novo onde já estava ferido, e a cruz escapa de suas mãos e cai, depois de ter-lhe dado uma forte pancada no dorso, obrigando-o a inclinar-se para levantá-la e a cansar-se para pô-la de novo no ombro. E, enquanto Ele faz isso, aparece claramente visível sobre o seu ombro direito a chaga feita pela cruz ao cair, e que reabriu as feridas feitas pelos flagelos, unindo-as todas em uma só.
     É nesse momento que torno a ver o grupinho dos pastores. Eles estão desolados, perturbados, com roupas rasgadas, e chamam para si, com a força dos seus olhos, os olhares de seu Mestre. E Ele vira a cabeça e os vê: e olha para eles, como se eles tivessem uns rostos de anjos. Parece que Ele mata a sua sede, e se sente fortalecido com o pranto deles, e sorri...
     Depois, em seguida, vem a dor da terceira queda, que é completa. Mas desta vez não foi por haver tropeços. É que Ele caiu por uma repentina falta de forças, uma síncope. Ele cai logo todo estendido, batendo o rosto sobre pedras soltas, e ficando na poeira, por debaixo da cruz que caiu em cima dele. Os soldados querem levantá-lo. Mas, como Ele parece estar morto, vão dizê-lo ao centurião. Mas, enquanto eles vão e vem, Jesus volta a si e, lentamente, com a ajuda de dois soldados, enquanto o outro ajuda o Condenado a pôr-se de pé, e Jesus volta ao seu lugar. Mas Jesus já está extenuado.
     "Fazei que Ele não morra, a não ser na cruz!", grita a multidão.
     "Se o fizerdes morrer antes, prestareis contas disso ao Procônsul, lembrai-vos disso. O réu deve chegar vivo ao suplício", dizem os chefes dos escribas aos soldados. (p. 95-100)


Oitava Estação
†  Jesus e Simão Cirineu
Mt 27,32; Mc 15,21; Lc 23,26

     Longino o está observando [o Cireneu]. Ele pensa que o homem lhe possa ser útil, e lhe ordena: "Homem, vem cá!" O Cireneu faz de quem não ouviu. Mas com Longino não se brinca.
      "Estás vendo aquele homem?", pergunta-lhe ele. E, ao dizer isso, vira-se para mostrar Jesus, e vê Maria, que está suplicando aos soldados que a deixem passar. Ele fica com dó dela, e grita: "Deixa passar a mulher." Depois ele torna a falar ao Cireneu: "Ele não pode mais andar com toda aquela carga. Tu és um homem forte. Toma a cruz dele, e leva-a para ele até lá em cima."
     Ele chega até perto de Jesus, justamente no momento em que Jesus está se virando para a Mãe, que só agora é que Ele pôde ver, vindo ao seu encontro, pois Ele ia andando tão inclinado, e com os olhos quase fechados, como se estivesse cego e grita: "Minha Mãe!'
     Esta é a primeira palavra dele, desde que Ele foi torturado, a fim de que possa exprimir o seu sofrimento. Porque naquele grito está a confissão de tudo e de cada uma das tremendas dores do seu espírito, de seu moral e de sua carne. É um grito dilacerado e dilacerante de um menino que está morrendo sozinho,  e que quer a mamãe, a mamãe, porque só o seu beijo amoroso pode acalmar o ardor de sua febre, e só a voz dela espanta os fantasmas, só o abraço dela torna a morte menos amedrontadora...
     Maria leva a mão ao seu coração, como se tivesse recebido uma punhalada, e sente uma leve vacilação. Mas Ela se reanima, apressa o passo enquanto vai com os braços estendidos na direção do seu Filho. Ela grita, dilacerada pela dor: "Meu Filho!"
     E o Cireneu tem esta compaixão... , e se apressa em levantar a cruz, fazendo isso com uma delicadeza de pai, a fim de não esbarrar na coroa nem ficar roçando nas feridas.  Agora, atrás de Jesus, está o Cireneu com a sua cruz. E Jesus, livre daquele peso, pode andar melhor. Ele está arquejando fortemente,  mas já está podendo caminhar melhor. (p. 105-107)

Nona Estação
†  O encontro de Jesus com as mulheres de Jerusalém
Lc 23,27-32

     Elas se aproximam de Jesus, chorando, e se ajoelham a seus pés, enquanto Ele, ofegante, pára,... e sabe até sorrir ainda para aquelas almas piedosas e para o homem que as escolta,  Jônatas. Mas a este os guardas não deixam passar. Somente as mulheres.
     Uma outra mulher, tendo perto de si uma menina que a serve, com um cofrezinho nos braços, abre o cofrezinho, tira de lá um pano de linho muito fino, como um lenço, e o oferece ao Redentor. E Ele o aceita. Mas visto que Ele não pode só com uma mão fazê-lo por Si mesmo, a piedosa mulher o ajuda, tomando cuidado para não esbarrar na coroa, que lhe vem caindo sobre o rosto. E Jesus aperta o linho fresco sobre sua pobre face, e lá o segura, como se nele encontrasse um grande conforto. Depois Ele lhe entrega o linho, e fala: "Obrigado. Mas... não choreis... por Mim... filhas de Jerusalém... mas pelos pecados... os vossos e os... da vossa cidade... Dá graças a Deus... Joana... por não teres... mais filhos... Vê... é piedade de Deus... não... não ter filhos para que sofram com isso. E vós... Mães... chorai sobre... os vossos filhos, porque esta hora não passará sem castigo... E que castigo... se assim fazem... com o Inocente... . As mães... de então... chorarão... porque... em verdade Eu vos digo... que será feliz... quem, então... cair... debaixo dos escombros... em primeiro lugar. Eu vos abençôo... Ide... para casa... rezai... por Mim. Adeus, Jônatas... Leva-as embora..." (p. 102-103)


Décima Estação
†  A crucificação de Jesus
Mt 27,33-44; Mc 15,22-32; Lc 23,33-38; Jo 19,16-24

     Quatro homens musculosos, que pelo aspecto me parecem judeus, e judeus dignos da cruz mais do que os condenados.  Estão vestidos com umas túnicas curtas e sem mangas, e vêm trazendo nas mãos os cravos, os martelos e as cordas que eles, dizendo chalaças, mostram aos três condenados. Enquanto isso, a multidão se agita em um delírio cruel.
     O centurião oferece a Jesus a ânfora, para que Ele beba uma mistura anestésica de vinho com mirra. E Jesus a rejeita. Mas os ladrões bebem bastante dela.
     É dada a ordem aos condenados para que se dispam. Os dois ladrões logo o fazem, sem nenhum pudor.
      Jesus vai-se despindo lentamente, por causa do espasmo que lhe causam as feridas, e os recusa. Talvez Ele pense em conservar as ceroulas curtas, com que Ele estava durante a flagelação. Mas, quando lhe foi dito que as tirasse também, Ele estende a mão, para pedir como esmola o trapo aos carrascos, a fim de proteger sua nudez.
     Mas Maria viu aquilo e foi tirando o seu longo e leve pano branco, que lhe cobre a cabeça e está por baixo do manto escuro sobre o qual Ela já derramou tantas lágrimas. E Ela o tira, sem deixar cair o manto, entrega-o a João para que o passe a Longino a fim de que o entregue ao seu Filho. O centurião pega o véu, sem criar dificuldades, e, quando vê que Jesus está para desnudar-se completamente, estando Ele virado, não para a multidão, mas para o lado onde não está o povo,  lhe estende o pano da Mãe. E Jesus o reconhece. E se envolve com ele, dando muitas voltas ao redor do abdome, e atando-o bem, para que não caia. E sobre aquele linho, que até agora só foi molhado pelo pranto, caem as primeiras gotas de sangue.
     Depois chegou a vez de Jesus. Ele se estende mansamente sobre o madeiro.  Ele se agacha e enfia a cabeça, por onde eles dizem que deve fazê-lo. Ele abre os braços, como eles lhe ordenam e estende as pernas como eles mandam.
     Dois carrascos se assentam sobre o peito dele, para segurá-lo quieto. Um terceiro lhe segura o braço direito segurando-o com uma mão sobre a primeira parte do antebraço, e com a outra, na parte dos dedos. O quarto, que já tem na mão o longo cravo aguçado na ponta, e terminando do outro lado em uma chapa redonda e chata, da espessura de uma moeda dos tempos passados. Olha se o buraco que já foi feito na madeira vai dar certo com o ponto da juntura raio ulnar do pulso. Tudo bem? Aí o carrasco apóia a ponta do cravo no pulso, e dá a primeira batida.
     Jesus estava com os olhos fechados, ao sentir aquela dor aguda, solta um grito e faz uma contração, arregala os olhos, que estão nadando em lágrimas.
     Maria responde ao grito do seu Filho torturado com um gemido segurando a cabeça entre as mãos. Jesus, para não torturá-la, não grita mais. Mas os golpes continuam, compassados, ásperos, de ferro contra ferro...
      A mão direita já está pregada. Passa-se para a esquerda. O buraco não está no rumo do carpo. Então, eles apanham uma corda, a amarram no pulso esquerdo e puxam, até que se desloque a articulação e se arranquem os tendões e os músculos, além de lacerar a pele, já cortada pela corda da captura. Também esta outra mão deve estar sofrendo, pois está esticada para o rumo oposto, e, ao redor do seu cravo, vai-se alargando o buraco. Por enquanto, ficam apenas no começo do metacarpo, isto é, entre o polegar e os outros dedos justamente no centro do metacarpo, junto ao pulso. Aqui o cravo entra mais facilmente, mas produzindo um maior espasmo . Mas Jesus não grita mais, tem somente um lamento rouco, atrás dos lábios fortemente fechados.
     Agora é a vez dos pés. A uns dois metros, ou mais, da ponta da cruz, há uma pequena cunha, que dá somente para um pé.
     Agora aqueles que estavam sentados no peito de Jesus se levantam, e vão colocar-se sobre os joelhos, visto que Jesus fez um movimento involuntário para encolher as pernas, ao ver brilhar ao sol um cravo muito comprido. Eles põem os seus pesos sobre os joelhos esfolados e fazem compressão sobre as pobres canelas contundidas, enquanto os outros dois executam a operação, muito difícil, de pregar um pé sobre o outro, procurando combinar as duas articulações dos tarsos sobrepostos.
     Por mais que eles fiquem olhando, e segurando com firmeza os pés, ao baterem o martelo sobre os dedos contra a cunha, o pé que fica por baixo muda de lugar por causa da vibração do cravo, e eles precisam quase arrancá-lo, porque ele, depois de ter entrado nas partes moles, já sem ponta por ter perfurado o pé direito, deve ter-se deslocado um pouco para o centro. E eles batem, batem, batem... Só se ouve o atroz rumor feito pelo martelo sobre a cabeça do cravo, pois todo o Calvário está com seus olhos e ouvidos atentos para apreciarem as ações e o rumor, e se divertirem com aquilo...
     Ao som áspero do ferro se une o lamento de uma pomba, à surdina: é o gemido rouco de Maria que, cada vez mais inclinada, a cada batida, como se o martelo estivesse ferindo a Mãe Mártir. E Ela tem razão de parecer estar perto de ser despedaçada por aquela tortura. A crucifixão é uma coisa tremenda.
     Agora a cruz está sendo arrastada para o buraco, e vai baqueando, sacudindo o pobre crucificado, pois o chão é muito acidentado. Por fim, é levantada a cruz, que por duas vezes escapou das mãos dos que a estavam levantando, tornando a cair, uma vez, de repente, e outra sobre o braço direito da mesma, causando um áspero tormento a Jesus, porque uma sacudida repentina move de lugar os membros feridos.
     Finalmente, a cruz é firmada no terreno, e não há outro tormento, se não o de ficar pendurado. Jesus está calado. A multidão não se cala mais. Mas até recomeça aquele vozerio infernal.
     Agora o alto do Gólgota tem o seu troféu e sua guarda de honra. No ponto mais alto está a cruz de Jesus. De um e do outro lado dela, estão as outras duas. (p. 110-115)

Décima Primeira Estação
  Jesus e o bom ladrão
Lc 23,39-42

     ... o ladrão da esquerda, lá de sua cruz continua a insultar. Parece que ele se tornou agora o maior colecionador de todas as blasfêmias dos outros.
     O outro ladrão, que está à direita, e tendo Maria quase a seus pés, olha para Ela quase mais do que para Cristo, há alguns momentos que vem murmurando: "É a Mãe", e diz ao companheiro: "Cala-te! Não temes a Deus, nem mesmo agora que estás sofrendo este castigo? Por que é que insultas a quem é bom? Ele está passando por um suplício maior do que o nosso. E nunca fez nada de mal."
     Mas o ladrão continua com suas imprecações.
     O outro ladrão, que está olhando, sempre com maior compaixão para com a Mãe, que está chorando, o censura, quando percebe que nos insultos Ela também é alvejada. "Cala-te. Lembra-te que nasceste de uma mulher.  As nossas mães morreram... Eu gostaria de poder pedir perdão a elas. Mas, será que poderei? A minha era uma santa... Eu a matei com a dor que lhe causava... Eu sou um pecador... Quem é que me perdoa? Ó Mãe, em nome do teu Filho moribundo, reza por mim."
     A Mãe levanta, por um momento, o seu rosto angustiado e olha para ele, para aquele infeliz que, por causa da lembrança da mãe, e da contemplação da mãe, está a caminho do arrependimento, e parece desejá-lo, com aquele seu olhar de arrependimento.
     Dimas chora bem alto. Isso excita ainda mais a zombaria da multidão e do seu companheiro. A multidão grita: "Bravo! Toma essa aí por tua mãe. Assim ela ficará com dois filhos delinqüentes!" E o outro insiste: "Ela te ama, e te ama, porque tu és uma cópia imperfeita do seu bem-amado."
     Jesus fala, então, pela primeira vez: "Meu Pai, perdoa-os porque eles não sabem o que estão fazendo!"
     Esta oração venceu todo o temor de Dimas. E ele ousa olhar para o Cristo e dizer: "Senhor, lembra-te de mim, quando estiveres no teu reino. Que eu sofra, é justo. Mas, dá-me misericórdia e paz, depois desta vida. Uma vez eu ouvi a tua palavra e, como um doido, eu a repeli. Mas agora eu me arrependo dos meus pecados, arrependo-me deles diante de Ti, ó Filho do Altíssimo. Eu creio que Tu vens de Deus. Eu creio no teu poder. Creio na tua misericórdia. Cristo, perdoa-me em nome de tua Mãe e do teu Pai Santíssimo."
     Jesus se vira para ele, olha-o com profunda piedade, e ainda tem um sorriso muito bonito em sua pobre boca torturada. E diz: "Eu te digo: hoje mesmo estarás comigo no Paraíso."
     O ladrão arrependido fica calmo e, não se lembrando mais das orações aprendidas quando menino, repete-as, como uma jaculatória: "Jesus de Nazaré, rei dos judeus, eu espero em Ti. Jesus de Nazaré, rei dos judeus, eu creio em tua Divindade."
     O outro continua blasfemando. (p. 118-121)


Décima Segunda Estação
† 
 Maria Santíssima e o Apóstolo João ao pé da Cruz de Jesus
Jo 19,25-27

     Longino, ao olhar, vê Maria, justamente abaixo da saliência do terreno, onde está o seu Filho, para o qual está virado o seu rosto angustiado. Ele chama um dos seus soldados, que estão jogando com dados, e lhe diz; "Se a mãe quiser subir com o filho que a acompanha, pode ir. E tu, escolta-a, e a ajuda."
     E Maria, com João, que Longino pensa ser filho dela, sobe pela escadinha cavada na rocha tufosa, ao que me parece, e passa para ver o seu Jesus. A multidão o que lhe oferece imediatamente são os mais vergonhosos insultos, fazendo-a participar de todas as blasfêmias dirigidas ao seu Filho. Mas Ela, com os lábios trementes e embranquecidos, procura somente confortá-Lo com um sorriso amargurado, sobre o qual se enxugam as lágrimas, que nenhuma força de vontade consegue deter em seus olhos. (p. 116)
     Jesus parece ir empalidecendo sinistramente. Ele murmura o nome que antes dizia apenas no fundo do seu coração: "Minha Mãe!", "Minha Mãe!" Ele o murmura em voz baixa, como num suspiro, como se estivesse já em um leve delírio que o impedisse de ocupar-se com tudo aquilo que sua vontade quisesse. E Maria, cada vez que isso acontece, faz o gesto irrefreável de estender os braços para socorrê-lo.
     E aquela gente cruel se ri dos espasmos de quem está morrendo.
     ... muitos começam a ficar impressionados com a luz que está envolvendo o mundo, e já alguns estão com medo.
     É sob esta luz crepuscular e medonha que Jesus dá Maria a João, e João a Maria. "Mulher, eis aí o teu filho. Filho, eis aí a tua Mãe."
     Maria está com o rosto ainda mais desfeito, depois destas palavras que são o testamento do seu Jesus, que não tem nada para dar a sua mãe, a não ser um homem, Ele que, por amor do Homem a priva do Homem Deus, nascido dela. Mas a pobre Mãe procura não chorar, a não ser em silêncio, porque não pode, não pode deixar de chorar... (p. 121-122)
     A escuridão se torna ainda mais completa.  Do meio daquela luz vem a voz lamentosa de Jesus: “Tenho sede!”
     Um soldado vai buscar um vaso no qual os verdugos puseram vinagre com fel, para que ele com o seu amargor aumente a saliva dos supliciados. Depois ele pega uma esponja, que está mergulhada no líquido, coloca-a na ponta de um caniço leve,  e levanta a esponja até o Moribundo. Jesus se vira com avidez para a esponja que lhe oferecem. Parece um menino faminto que procura o peito materno.
     Maria, que está vendo aquilo, e que certamente se põe a pensar, dá um gemido, ao apoiar-se em João, dizendo: "Ó seio meu, por que não produzes leite? Ó meu Deus, por que, por que é que assim nos abandonas? Faze um milagre para o meu Filho. Quem é que me ajuda a dessedentá-lo com o meu sangue, já que leite eu não tenho?..."
     E, cada vez mais enfraquecido, Ele vai voltando a emitir um lamento infantil, ouvindo-se a invocação: "Mamãe!" E a infeliz murmura: "Sim, meu Filho, eu estou aqui."
     É uma tristeza... E João chora sem preocupar-se. (p. 125-127)

Décima Terceira Estação
†  A morte de Jesus
Mt 27,45-56; Mc 15,33-41; Lc 23,44-49; Jo 19,28-30

Os sofrimentos são sempre mais fortes. O corpo tem os primeiros arqueamentos próprios da tetania, e todos os clamores da multidão os exasperam.
     Com grande dificuldade, apoiando-se mais uma vez sobre os pés torturados, encontrando para isso força em sua vontade, e somente nela, Jesus se ergue sobre a cruz. Ele grita em alta voz : "Eloi, Eloi, lamma sabactani" (foi assim que eu o ouvi falar). Ele deve perceber que está morrendo, absolutamente abandonado pelo Céu, só confessar com estas palavras o abandono do Pai.
     Repetem-se os ataques de dor, uma dor sem consolo, como a que já o havia atribulado no Getsêmani. Voltam as ondas dos pecados de todo o mundo a pesar sobre o pobre náufrago inocente e a submergi-lo em sua amargura. Volta especialmente a sensação que crucifica mais do que a cruz, mais desesperadora do que qualquer outra, de que Deus o abandonou e que a Ele não chega sua oração...
     A escuridão se torna ainda mais completa.  Do meio daquela luz vem a voz lamentosa de Jesus: "Tenho sede!" Jesus, que chupou com avidez aquela áspera e amarga bebida [o fel], vira a cabeça, envenenado pelo gosto dela. Ela deve ser como um líquido corrosivo sobre os lábios feridos e trincados.
     Silêncio. Depois, bem claras no meio da escuridão total, ouvem-se estas palavras: "Tudo está terminado!", e depois, com a respiração cada vez mais estertorosa, e com umas pausas de silêncio, entre um estertor e outro, cada vez mais prolongadas.
     As Marias estão chorando, com a cabeça sobre uma elevação do terreno. E ouve-se bem o choro delas, porque agora toda a multidão está calada de novo para assistir aos estertores do Moribundo.
     Ainda estão fazendo silêncio. Depois, pronunciada com uma grande doçura, e com uma ardente oração, ouve-se esta súplica: "Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito!"
     Continua o silêncio. Também os estertores estão diminuindo. Só há um curto sopro nos lábios e na garganta.
     Depois vem o último espasmo de Jesus. Uma convulsão atroz, que parece querer arrancar o corpo que está pregado com os três cravos no madeiro, vai subindo por três vezes, dos pés até a cabeça, depois dá um grito muito forte,  e fere o ar dando o "grande grito" do qual falam os Evangelhos, e que é a primeira parte da palavra "Mamãe... E nada mais..."
     A cabeça torna a cair sobre o peito, e o corpo para a frente, o frêmito cessa, cessa a respiração... Ele expirou...
     A terra responde ao grito do que foi matado com um estrondo pavoroso.  Os raios são a única luz descontínua que permite ser vista. E depois a terra estremece em um turbilhão de vento em ciclone. O terremoto e o vento se unem para darem um castigo apocalíptico aos blasfemadores. Longino vai pôr-se bem diante do crucificado, estuda bem o golpe, e depois o vibra. A longa lança penetra profundamente de baixo até em cima e da direita para a esquerda.
     Da ferida sai muita água e um fiozinho apenas de sangue, já começando a coagular-se.
     "Que coisas tremendas! Eu [Gamaliel – o rabino] estava no Templo. Este foi o sinal! O Templo desaprumado! O véu de púrpura e jacinto está todo rasgado e pendurado! O Santo dos santos está aberto! O anátema caiu sobre nós."  "Estas pedras tremerão às minhas últimas palavras! Ele o havia prometido!..."
     Ele [Gamaliel] se põe de joelhos, estende os braços, e chora: "Eras Tu! Eras Tu! Não podemos mais ter perdão. Nós tínhamos desejado o teu Sangue sobre nós. E isso brada ao Céu, e o Céu nos amaldiçoa... Oh! Mas Tu és a Misericórdia!... Eu te digo, eu, o aniquilado rabi de Judá: Venha o teu sangue sobre nós, por piedade..." E ele chora. "Neste meu velho pensamento, prisioneiro de umas fórmulas, penetra Tu, ó Libertador. Isaías o diz: ‘... Ele pagou pelos pecadores, e tomou sobre Si os pecados de muitos.’ Oh! Os meus também, ó Jesus de Nazaré..." (p. 120-134)

Décima Quarta Estação
†  Jesus deposto no sepulcro
Mt 27,55-61; Mc 15,40-47; Lc 23,49-56; Jo 19,38-42

     Os quatro carrascos quereriam também ocupar-se com Jesus, despregando-o da cruz. Mas José e Nicodemos não lhe permitem.
     Agora Ele está no colo da Mãe... E ela o chama... Chama com uma voz cheia de dor.
     Então, a socorrem, a confortam. Querem tomar dela o Morto divino, visto que Ela está gritando: "Onde, onde te colocarei, em que lugar que seja seguro e digno de Ti!" O José, todo inclinado, em uma inclinação reverente, com a mão aberta posta sobre o peito, diz: "Conforta-te, ó Mulher! O meu sepulcro está novo e digno de um grande. Eu o dôo à Ele.
     O pequeno cortejo, depois de ter descido do Calvário, encontra, cavado na base do mesmo, no calcário do monte, o sepulcro de José de Arimatéia. Num ato de piedade eles entram nele com o Corpo de Jesus.
     Entram também João e Maria. Não entram outras pessoas, porque a câmara é pequena.
     Os dois portadores descobrem o corpo de Jesus. Enquanto eles preparam as faixas e os aromas em um canto da mesa, à luz de duas tochas, Maria se inclina sobre o corpo de seu Filho, e chora. E de novo o enxuga com o véu que ainda está nas costas de Jesus. É o único banho que toma o Corpo de Jesus esse das lágrimas de sua Mãe.
     Os lamentos dela me fazem sentir-me mal.
     "Mas Tu te lembras, meu Filho, daquela sublime veste esplendorosa que tudo vestiu, enquanto o teu sorriso nascia para o mundo? Estás lembrado daquela luz beatífica que o Pai mandou dos Céus para envolver o mistério do teu nascimento, e para fazer-te achar menos repelente este mundo escuro, para Ti, que eras a Luz, e vinhas da Luz do Pai e do Espírito Paráclito. E agora?... Agora tudo escuro e frio... Que frio!...Quanto frio.  Mas eu te amarei por duas: por estes que amaram tão pouco, a ponto de te abandonarem na hora da tua dor. Eu te amarei por aqueles que te odiaram. Por todo o mundo eu te amarei, meu Filho."
     Os pastores adoraram o Salvador em seu sono de criança. Vós adorais o Salvador em seu sono de Triunfador sobre Satanás. Por isso, como os pastores, ide dizer ao mundo: "Glória a Deus! O pecado morreu! Satanás está vencido! Que haja paz na terra e no céu entre Deus e os homens!" Preparai os caminhos para a sua volta. Eu vos mando Eu, que a maternidade constituiu a Sacerdotisa do rito. Então, não vos lembrais? "A esta geração má e adúltera, que me pede um sinal, não lhe será dado outro, senão o sinal de Jonas... E assim o Filho do homem estará por três dias e três noites no coração da Terra." Não vos lembrais? "O Filho do homem está para ser entregue nas mãos dos homens, que o matarão, mas no terceiro dia ressurgirá." Não vos lembrais? "Destruí este Templo do Deus verdadeiro, e Eu, depois de três dias o reerguerei." O Templo era o Corpo dele, ó homens.
     “Pai, tem piedade dos que não têm fé! Dá-lhes, Pai Santo, dá-lhes por esta vítima sacrificada e por mim, vítima que se sacrifica ainda, dá-lhes a tua fé aos que não têm fé!"
     A Mãe se arruma. Ela infunde respeito. É verdadeiramente a sacerdotisa ao altar, a sacerdotisa no ato do ofertório: "Oferecemos estes teus dons, que a nós foram dados, como uma vítima pura, uma vítima santa, uma vítima sem mancha..."
     Depois Ela se vira: "Podeis fazer. Mas ele ressurgirá. É inútil que desconfieis do que eu digo, e fiqueis cegos diante da verdade, que Ele vos disse. É inútil que Satanás tente armar ciladas contra a minha fé. Para redimir o mundo falta ainda a tortura a ser dada ao meu coração por Satanás, que acabará sendo vencido. Eu estou passando agora por ela, e a ofereço pelos que vierem depois de mim. Adeus, meu Filho! Adeus... Santo... Bom... Amantíssimo! Amável... Beleza... Alegria.... Fonte de Salvação... Adeus... Aos teus olhos... Aos teus lábios... aos teus cabelos dourados... aos teus membros gelados... Ao teu coração traspassado... recebe o meu beijo... o meu beijo... Adeus... Adeus... Senhor! Tem piedade de mim!" (p. 136-146)

Décimo Quinto Mistério:

†  A Ressurreição
Mt 28,1-15; Mc 16,1-8; Lc 24,1-12; Jo 20,1-10

      Ele se mostra esplêndido em sua veste de uma substância imaterial, sobrenaturalmente belo e majestoso. Está tão diferente de tudo o que nossa mente possa esperar ver. Ele está tão bem arrumado, que nele não se vêem feridas nem sangue, mas somente uma luz fulgurante, que sai a jorros das cinco chagas e emana de todos os poros de sua epiderme.
     ... então, realmente é a Luz que tomou um corpo.
     Não é a pobre luz desta Terra, não é a pobre luz dos astros, não é a pobre luz do Sol. Mas é a Luz de Deus: todo o fulgor do Paraíso, que se reúne em um só Ser .
     Quando Ele se move de um lugar para outro, indo no rumo da saída, e os olhos podem ver para lá dos seus fulgores, eis que umas luminosidades belíssimas, mas parecidas a estrelas, sem comparação com o sol, aparecem-me uma de lá e outra de cá, prostradas em adoração ao seu Deus, que vai passando envolvido em sua luz.
    
     [Jesus Ressuscitado aparece à Mãe]
     Maria agora está prostrada com o rosto por terra.
     A janela fechada se abre, com um barulhento abalo dos pesados batentes, e, com o raio do sol, entra Jesus.
     Maria levantou a cabeça e vê seu Filho irradiando luz: Ele está belo, infinitamente mais belo do que antes de ter padecido, sorridente, vivo, luminoso mais do que o sol, vestido de um branco que parece uma luz tecida, e que vem andando para o lado dela.
     Ela se põe de joelhos e ajuntando as mãos cruzadas sobre o peito, diz com um soluço, que é de sorriso, e pranto: "Senhor, meu Deus!" E fica assim arrebatada, ao contemplá-lo com o rosto banhado em lágrimas, mas que ficou sereno, acalmado em seu sorriso e pelo êxtase.
     Mas Ele não quer vê-la assim, sendo Ela a sua Mãe, de joelhos, como uma serva. Por isso, a chama, estendendo-lhe as mãos, de cujas feridas saem raios que fazem ficar mais luminosa a sua Carne gloriosa, e lhe diz: "Minha Mãe" mas já não é mais a palavra aflita dos colóquios e das despedidas de antes da Paixão, nem são como aquela lamentação dilacerante do encontro sobre o Calvário e a da agonia. Mas um grito de triunfo, de libertação, de festa, de amor, de gratidão. E Ele se inclina sobre sua Mãe, e lhe põe as mãos por baixo dos cotovelos dobrados, e a põe de pé, aperta-a sobre o coração, e a beija.
     "Tudo está acabado, minha Mãe. Agora não tens mais que chorar por teu Filho. A prova terminou. A Redenção chegou. Minha Mãe, obrigado por me teres concebido, criado, ajudado na vida e na morte. Eu ouvi quando chegaram a Mim as tuas orações. Elas foram a minha força na dor, as minhas companheiras na minha viagem sobre a Terra e para lá da Terra. Elas me acompanharam na Cruz e no Limbo. Elas eram o incenso que ia à frente do Pontífice, que ia chamar os seus servos para levá-los ao Templo que não morre: ao meu Céu. “
     Agora Eu vou para o Pai com a minha veste humana. O Paraíso precisa ver o Vencedor em sua veste de Homem, com a qual Ele venceu o Pecado do Homem. Mas depois, Eu voltarei ainda. Eu devo confirmar na Fé os que não crêem ainda e que precisam crer para levarem os outros a crer.
     Depois Eu subirei ao Céu. Mas Eu não te deixarei sozinha, Minha Mãe. Estás vendo aquele véu? Eu, no meu aniquilamento, usei ainda do poder de fazer um milagre para Ti, a fim de dar-te algum conforto. Mas para Ti Eu vou fazer um outro milagre. Tu me terás no Sacramento, tão real, como quando Tu me levavas contigo. Nunca estarás sozinha. Nestes dias passados, Tu ainda estiveste. Mas, para minha Redenção, era necessária também esta dor. Muitas coisas andam continuamente juntas com a Redenção, porque muitas coisas de pecado serão continuamente criadas. Eu chamarei todos os meus servos para esta co-participação redentora. Tu és aquela que, sozinha, farás mais do que todos os santos juntos. Por isso é que era necessário também esse longo abandono.
     Mas agora não o é mais. Eu não estou separado do Pai. Tu não estarás, separada do Filho. E, tendo o Filho, tens a nossa Trindade. Como um Céu vivo, Tu levarás por sobre a Terra a Trindade entre os homens, e santificarás a Igreja, Tu, a Rainha do Sacerdócio, e Mãe dos Cristãos. Depois Eu virei para levar-te. E não serei mais Eu em Ti, mas Tu em Mim, no meu Reino, a fim de tornar mais belo o Paraíso. Agora Eu me vou, minha Mãe. Vou para fazer feliz a outra Maria [Madalena]. Depois subirei ao Pai. E de lá Eu virei aos que não crêem.
     Minha Mãe. Dá-me o teu beijo como benção. E que a minha Paz seja a tua companheira. Adeus.”
     E Jesus desaparece no sol, cujos raios descem a jorro do céu, nesta manhã serena. (p. 217-223)


(Fonte base- evangelismopresente.blogspot.com.br)

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