Como nós vimos no artigo anterior, Jesus
perdoa imediatamente o descrente Tomé, assim que leu o seu coração arrependido,
como também os outros apóstolos por O terem abandonado durante sua
crucificação. No texto a seguir veremos o julgamento de uma mulher, que ao
reconhecer os apóstolos, os julga com os olhos humanos, usando de muita
sinceridade, porém com muita severidade. Que sirva de reflexão para todos nós.
O JULGAMENTO COM OLHOS HUMANOS
...“Vamos
voltar para trás...”, propõe Mateus.
“Ou,
então vamos parar aqui na pequena ponte,” diz Bartolomeu.
Eles
param. Mas Tiago do Zebedeu e o outro Tiago, o André e o Tomé voltam para trás
e, pensativos, ficam olhando para o chão e para as coisas. O André,
empalidecendo, mostra com o dedo a parede de uma casa, onde aparece, sobre a
brancura da cal, uma mancha rubro escura, e diz: “É sangue! Será talvez sangue
do Mestre? Estaria já perdendo sangue aqui? Oh! Dizei-me!”
“E
que queres que nós te digamos, se nenhum de nós o acompanhou”, diz
desconsolado, Tiago do Alfeu.
“Mas,
meu irmão, e sobretudo João, o acompanharam.”
“Não
logo. Não tão logo. Disse-me João que o acompanharam da casa do Malaquias.
Daqui não havia nenhum. Ninguém de nós...” diz Tiago do Zebedeu.
Eles
estão olhando a grande mancha escura sobre o muro branco, a pouca distância do
chão, e o Tomé observa: “Nem a chuva foi capaz de lavá-la. Nem a saraiva que
caiu tão forte por estes dias conseguiu fazê-la despegar-se daquele muro...”
“Vamos
perguntar aos daquela casa. Talvez eles saibam...” aconselha Mateus, que já os
alcançou.
“Acho
que não é bom. Sabes por quê? Eles poderiam ser inimigos do Cristo e...”,
responde Tomé.
“E
nós continuamos a ser uns covardes...”, termina Tiago do Alfeu, dando um grande
suspiro. Pouco a pouco todos se foram aproximando daquele muro e o estão
olhando.
Vai
passando por lá uma mulher, uma retardatária, que vem voltando da fonte com os
cântaros pingando água fresca. Ela põe os cântaros no chão, e os interroga:
“Estais
vendo aquela mancha no muro? Sois vós discípulos do Mestre? Vós me pareceis
sê-lo por serdes magros no rosto, e também porque eu não vos vi indo atrás do
Senhor, quando Ele passou por aqui, preso e sendo conduzido para a morte. Isso
me põe na incerteza porque um discípulo que segue o Mestre nas horas boas, e se
julga honrado de ser discípulo dele, e tem sempre olhares severos para aqueles
que não estão com Ele, prontos a deixar tudo e acompanhar o Mestre, pois devem
também nas horas más ir atrás Dele. Deveria pelo menos fazer isso. Mas eu não
os vi. Não. Não vos vi. E, se eu não vos vi, isso é sinal de que eu, uma mulher
de Sidon, estive atrás daquele que não foi acompanhado pelos seus discípulos
israelitas. Mas eu recebi um beneficio Dele. Vós... Será que a vós Ele nunca
havia feito um benefício? Isso me causa estranheza, pois Ele fazia benefícios
até aos gentios e samaritanos, aos pecadores e até aos ladrões, dando-lhes a
vida eterna, quando não podia mais dar-lhe a vida da carne. Será que Ele não vos
amava? Isso era sinal de que vós éreis piores do que as áspides e das hienas
imundas, ainda que na verdade eu creio que Ele amasse até as víboras e os
chacais, não por serem o que eram, mas porque foram criados por seu Pai. Eles
são sangue. Sim. São sangue. Também é sangue uma mulher da beira do grande mar.
Antigamente aquelas terras eram dos filisteus, por isso os habitantes de lá
ainda são um pouco desprezados pelos hebreus. No entanto, ela soube defender o
Mestre até que o marido bateu nela com tanta força, que depois de tê-la
espancado, quebrou-lhe a cabeça, e o cérebro e o sangue saíram para fora e borrifaram
a parede da casa no lugar onde agora os órfãos estão chorando. Mas ela havia
recebido um benefício. O Mestre havia curado o seu marido, que estava doente de
uma doença horrível. E por isso ela amava o Mestre. E o amou até chegar a
morrer por ele. E ela foi, antes Dele para o seio de Abraão, como dizeis vós.
Também Anália foi antes Dele, e sabia morrer assim também ela, se a morte não a
tivesse levado antes. E também uma mãe, mais acima, lavou com sangue, o sangue
do ventre aberto pelo filho brutal, a fim de defender o Mestre. E uma velha
morreu de dor, ao ver passar ferido e espancado Aquele que havia feito voltar a
vista ao seu filho. E um velho mendigo morreu, porque ele colocou o seu corpo
em defesa, e recebeu na cabeça a pedrada, que estava destinada à cabeça do vosso
Senhor. Pois não é verdade que o reconhecíeis como vosso Senhor? Os valentes de
um rei morrem ao redor dele. Mas de vós nenhum morreu, vós estáveis sempre
longe daqueles que o espancavam, Ah! Não. Houve um que morreu. Ele se matou.
Mas não por sentir alguma dor. Também não foi para defender o Mestre.
Primeiramente ele o vendeu, e depois o mostrou qual era, por meio de um beijo,
e, em seguida se matou. Ele não tinha mais nada que fazer. Não tinha mais por
onde crescer em maldade. Nisto ele já estava formado, estava perfeito, como o
Belzebu. O mundo o teria apedrejado, para tirá-lo desta terra. Oh! Eu creio que
esta piedosa que morreu, para impedir que o Mártir levasse pancadas, eu creio
que a velha Ana que morreu pela dor de vê-lo daquele modo, e o velho mendigo, e
a mãe do Samuel e a virgem que morreu, e eu que não sei subir ao Templo, pois
tenho pena dos cordeiros e das pombas que são imoladas, eu creio que teríamos
tido a coragem de apedrejá-lo, e não teríamos tremido, ao vê-lo ferido pelas
nossas pedradas. Ele o sabia, e poupou ao mundo o trabalho de matá-lo, e
poupou-nos a nós o termos que fazer-nos carrascos para vingar o Inocente.”
Ela
olha para eles com desprezo. E o seu desprezo vai ficando cada vez mais
evidente, à medida que ela vai falando. Seus olhos, grandes e negros, estão
duros como o olho de uma ave de rapina, quando está olhando um grupo que não
sabe ou não pode reagir. E ela assobia por entre os dentes sua última palavra: “bastardos!”,
e recolhendo as suas ânforas, ela vai-se embora, contente por ter podido cuspir
todo o seu desprezo para com os discípulos que abandonaram o Mestre.
Eles
estão aniquilados. Estão com as cabeças inclinadas, os braços pendentes e
desfibrados. A verdade os esmaga. E eles ficam meditando sobre as conseqüências
de sua vileza. E continuam calados.
Nem
ousam olhar-se um ao outro. Até João e o Zelotes, os dois que são inocentes
desta culpa, estão agora como os outros, talvez pela dor de terem visto tão
humilhados os companheiros, e pela impossibilidade de curar aquela ferida que
lhes fez aquela mulher com suas palavras sinceras.
A
estrada já está na penumbra. A lua, nos seus últimos dias, levanta-se tarde, e
por isso o crepúsculo escurece depressa. O silêncio é absoluto. Não há nenhum
rumor, nem se ouve nenhuma voz humana.
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