A RESSURREIÇÃO
Na
horta há um profundo silêncio e um brilho da orvalhada. Sobre ela, o céu vai-se
tornando da cor de uma safira cada vez mais clara, depois de ter deixado o seu
azul escuro bordado pelas estrelas que, durante a noite inteira, ficaram
vigiando o mundo. A aurora empurra do Oriente para o Ocidente estas partes
ainda escuras, do modo como fazem as ondas, durante o tempo de uma Mara alta,
que parece ir sempre mais adiante, cobrindo a praia escura, e substituindo o
cinzento da areia e dos escolhos pelo azul da água do mar.
Algumas
estrelinhas não querem morrer ainda, e ficam olhando cada vez mais fracas, por
baixo da onda de luz branca esverdeada da aurora, de uma cor leitosa esfumada
de cinzento, como o dos ramos das oliveiras sonolentas, que fazem uma coroa ao
redor daquela colina pouco distante.
Depois ela vai para o fundo, submersa pela onda da aurora, como um ponto da
terra, que a água submerge. E fica uma delas de menos... Depois é outra que
fica de menos, e outra, e outra mais, o céu perde assim os seus rebanhos de
estrelas, e somente lá ao longe, no extremo ocidente, há três, depois duas,
depois só uma, que são as que restaram pata ficar olhando aquele prodígio que
acontece cada dia e que é o surgir da aurora.
E
eis que, senão quando, um fio cor de rosa traça uma linha sobre a seda cor de
turquesa do céu oriental, e um suspiro do vento passa por cima das copas das árvores
e por sobre as ervas, como que dizendo: “Despertai! O dia ressurgiu.” Mas, mal
ele desperta, os ramos e as ervas estremecem por baixo dos seus diamantes de
orvalho, e levam um leve esbarro, dado pelas gotas que caem. Os passarinhos
ainda não despertaram por entre os ramos frondosos de um cipreste muito alto,
que parece por entre os ramos frondosos de um cipreste muito alto, que parece
dominar, como um senhor sem seu reino, mas não no enredado entrelaçamento de
uma sebe de loureiros, que fazem um anteparo contra o vento do Norte.
Os
guardas já enjoados, com muito frio e cheios de sono, estão guardando, em
diferentes horários o Sepulcro, cuja porta de pedra foi reforçada em sua
beirada com uma grossa camada de argamassa de cal, como se fosse um contraforte
sobre a brancura opaca, do qual aparecem rosas de cera vermelha, diretamente
firmadas na argamassa fresca, com o selo do Templo.
Os
guardas devem ter acendido um pequeno fogo durante a noite, porque ainda se vê
a cinza e alguns tições mal queimados no chão. E eles devem ter jogado e
comido, pois ainda se vêem restos de comida e pequenos ossos limpos, que
certamente foram usados para algum jogo, como o nosso dominó, ou o jogo de que
os meninos gostam, o dos dados, que eles jogaram sobre um velho tabuleiro
riscado no chão da estrada. Depois eles se cansaram e deixaram tudo como
estava, para irem procurar algum canto mais ou menos cômodo para dormirem ou
para vigiarem.
No
céu, como está agora do lado do Oriente, formou-se uma faixa toda rosada, que
pouco a pouco vai crescendo no céu sereno aonde por enquanto não chegou nenhum raio
do sol. E eis que aparece, vindo de profundezas desconhecidas, um meteoro, um
meteoro muito brilhante, que vem descendo, como uma bola de fogo de um
esplendor insuportável, acompanhada por uma faixa rutilante, que talvez não
seja outra senão a lembrança do seu fulgor em nossa retina. Ela vem descendo,
em grande velocidade, para a Terra, espalhando uma luz tão intensa
fantasmagórica e amedrontadora em sua beleza, que a faixa rosada desaparece em
sua beleza, superada por sua incandescência branca.
Os
guardas levantam a cabeça, espantados, também porque junto com aquela luz,
ouve-se um estrondo muito forte, mas cheio de harmonia, solene, que enche por
si mesmo todo o mundo. Ele vem das profundezas do Paraíso. É o Aleluia, o Glória
dos anjos que acompanha o Espírito do Cristo, que volta em sua carne gloriosa.
O
meteoro desce sobre o inútil fechamento do sepulcro, o desfaz, o enterra, e
fulmina de terror e com fragor os guardas lá colocados, como carcereiros do
Dono do Universo, produzindo, com aquela sua nova volta sobre a Terra, um novo
terremoto, como o havia produzido ao sair da terra, este espírito do Senhor.
Ele entra no sepulcro escuro, que fica todo
claro por aquela luz indescritível, e, enquanto ela continua no ar, imóvel, o
Espírito se infunde de novo no Corpo imóvel, que está sob as bandagens
fúnebres.
Tudo
isso se faz, não em um minuto, mas numa fração de minuto, tanto o aparecimento,
como a descida, a penetração e o desaparecimento da Luz de Deus, tudo muito
rápido.
E
o “quero” do Espírito Divino dito à sua fria carne não produziu nenhum som. Ele
foi dito pela essência à matéria imóvel. Mas nenhuma palavra foi percebida por
ouvido humano. A Carne recebe a ordem, e obedece a Ele com uma profunda
respiração. Durante um minuto, nada mais apareceu.
Por
baixo do Sudário e do Lençol, a Carne gloriosa se recompõe em uma beleza
divina, desperta do sono da morte, e volta do “nada” em que estava, e torna a
viver, depois de ter estado morta. Certamente o coração desperta, e dá a
primeira batida, empurra para dentro das veias o sangue gelado que ainda
existe, e, de repente cria dele a medida total para as artérias esvaziadas nos
pulmões imóveis, no cérebro escurecido, e faz voltar o calor, a saúde, a força
e o pensamento.
Mais
um instante, e eis que se faz um movimento repentino por baixo do pesado
Lençol. É tão repentino o movimento, que, do momento em que Ele move as mãos
cruzadas até o momento em que Ele, imponente, aparece em pé, é um instante. Ele
se mostra em sua veste de uma substância imaterial, sobrenaturalmente belo e
majestoso, com uma gravidade que o muda e eleva, e até deixando-o, e nossos
olhos mal teriam tempo de fitá-lo para contar seus passos de um ponto para
outro.
Agora,
o admira. Está tão diferente de tudo o que nossa mente possa esperar ver. Ele
está tão bem arrumado, que nele não se
vêem feridas nem sangue, mas somente uma luz fulgurante, que sai a jorros das
cinco chagas e emana de todos os poros de sua epiderme.
Quando
Ele dá o primeiro passo -- e nesse movimento os raios escapam das mãos e dos
pés, e forma-se sobre Ele uma auréola em forma de lâminas luminosas, desde a
cabeça coroada com uma grinalda, feita com as inúmeras pequenas feridas da
coroa, mas que não soltam mais sangue, apenas um fulgor, até na orla do hábito,
quando Ele, abrindo os braços que estavam cruzados sobre o peito, descobre a
área de uma luminosidade vivíssima, que provém da veste, acendendo-a como um
sol, à altura do coração -- então, realmente é a Luz que tomou um corpo.
Não
é a pobre luz desta Terra, não é a pobre luz dos astros, não é a pobre luz do
sol. Mas é a Luz de Deus: todo o fulgor do Paraíso, que se reúne em um só Ser,
e lhe doa os seus azuis, os candores angelicais como veste e colorido, o super-eminente
ardor da Santíssima Trindade que anula, com seu poder ardente, todo o fogo do
Paraíso, absorvendo-o em Si, para gerá-lo de novo em cada um dos momentos do
Templo eterno, Coração do Céu, que atrai e espalha o seu sangue, as inumeráveis
gotas do seu sangue incorpóreo: os bem-aventurados, os Anjos, tudo o que há no
Paraíso: o amor de Deus, tudo isso é a luz que existe, que forma o Cristo ressuscitado.
Quando
Ele se move de um lugar para outro, indo no rumo da saída, e os olhos podem ver
para lá dos seus fulgores, eis que umas luminosidades belíssimas, mais
parecidas a estrelas, sem comparação com o sol, aparece-me uma de lá outra de cá, prostradas em adoração ao seu
Deus, que vai passando envolvido em sua Luz, tornando a todos felizes com o seu
sorriso, e, quando sai, abandonando aquela gruta fúnebre, e tornando a pisar na
terra, que desperta cheia de alegria, e brilha, toda ela, em suas orvalhadas,
sobre as cores das ervas e dos roseirais, nas inúmeras corolas do mel, que se
abrem, por um prodígio, ao primeiro raio do sol que as beija, o Sol eterno pelo
meio delas vai passando.
Os
guardas estão fora de si... As forças, corrompidas do homem não vêem a Deus,
enquanto que as flores do universo – as flores, as ervas, os pássaros, admiram
e veneram o Poderoso que passa num nimbo de luz própria e em um nimbo de luz
solar.
O
seu sorriso, o olhar que pousa sobre as flores, as ramagens, que se erguem para
o céu sereno, aumentam em tudo sua beleza. As mais macias e esfumadas flores de
um sedoso roseiral, são milhões de pétalas que formam uma espuma florida sobre
a cabeça do Vencedor. E os mais vívidos são os diamantes das orvalhadas, e mais
azul é o céu, como os seus olhos pungentes; e festivo está o sol, que pincela
com traços de alegria uma nuvenzinha transportada por um vento leve, que vem
beijar o seu Rei com fragrâncias raptadas dos jardins e com carícias de pétalas
sedosas.
Jesus
levanta a mão e abençoa, e depois, enquanto mais forte estão cantando os
passarinhos e o vento traz perfumes, desaparece de minha vista, deixando-me
numa alegria, que cancela até a mais leve lembrança de tristezas e sofrimentos
e dúvidas sobre o dia de amanhã.
(
O Evangelho como me foi Revelado – Maria Valtorta, Vol 10, pgs 217 a 220)
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