A RESSURREIÇÃO DE CRISTO.
2 de Abril de 1945.
Enquanto isso, as mulheres, tendo saído da casa, vão caminhando a beira
do muro, como umas sombras na sombra. Durante algum tempo, elas ficam caladas,
todas agasalhadas e amedrontadas, no meio de tanto silêncio e solidão. Mas
depois, vendo que estão em segurança, pela calma completa que há na cidade,
elas se reúnem em grupos, e tomam coragem de falar.
“Será que as portas já estão abertas?”, pergunta a Susana.
“Com certeza. Olha lá o primeiro hortelão, que já vem entrando com as
verduras. Ele já vai indo para a feira”, responde Salomé.
“Será que não nos dirão nada?”, pergunta ainda Susana.
“Quem?”, pergunta Madalena.
“Os soldados, junto à Porta Judiciária. Por lá... são poucos os
que entram, e menos ainda os que saem... Nós iríamos criar suspeitas”
“Mas. .. Para não darmos na vista de algum mal intencionado, por que não
sairmos logo por alguma outra porta, e depois irmos beirando os muros?...”
“Faríamos assim ficar mais comprido o caminho.”
“Mas ficaremos mais seguras. Vamos pela Porta da Água...”
“Ohl Salomé! Se eu fosse tu, escolheria a Porta Oriental! Mais longo
seria o caminho por onde quereríeis ir. É preciso andar depressa e voltar
logo.” Madalena é que fala de modo tão breve.
“Então, por outro caminho, que não seja aquele que passa pela
Judiciária.”
“Sé boa... assim pedem todas.”
“Está bem. Então, uma vez que quereis assim, vamos passar por Joana. Ela
quer que lho
façamos saber antes. Poderíamos ir sem fazer isso, se tivéssemos ido
direta-mente a ela. mas, como vós quereis ficar fazendo um giro mais longo,
vamos, pois, passar por ela. ..”
“Oh! Sim. Também os guardas já foram mandados para lá... Ela
é conhecida e temida...”
“Eu diria que deveríamos passar também pelo José de Arimatéia. Ele é o
dono do lugar.”
“Isto mesmo. Vamos formar um cortejo agora mesmo, a fim de não dar na
vista! Oh! Que irmã medrosa que eu tenho! É melhor assim, não é Marta? Façamos
assim: Eu, vou na frente e vou olhando. vós vireis atrás com a Joana. Eu me
colocarei no meio da estrada, se houver algum perigo, e me estareis vendo. E
nos voltaremos atrás. Mas eu vos garanto que os guardas, diante disso, e eu
nisso pensei, (e ela mostra uma bolsa cheia de moedas) eles nos deixarão fazer
o que quisermos.”
“Nós o diremos a Joana. Tens razão.”
“Então, ide, e eu já vou indo.”
“Tu vais sozinha, Maria? Eu vou contigo”, diz Marta, temendo por sua
irmã.
Não. Tu, com Maria de Alfeu, ide a Joana. Susana te esperará junto à
porta, do lado de fora dos muros. Depois vireis pela estrada mestra, todas
juntas. Adeus.”
E Maria Madalena breca quaisquer outros possíveis comentários, saindo
apressadamente de lá com sua bolsa e suas moedas no seio. Ela vai tão depressa
pela estrada mestra, que parece ir voando, e a viagem se torna mais alegre, ao
róseo despertar do dia. Passa pela Porta Judiciária, para chegar mais depressa
ninguém a segura... As outras a ficam olhando, enquanto ela vai. Depois viram
as costas a encruzilhada, onde estavam, e tomam outro caminho, caminho estreito
e escuro, que mais adiante se bifurca, nas proximidades de Sisto, onde se abre
em outro mais largo, no qual há belas casas. Separam-se também Salomé e Susana,
indo pela rua, enquanto Marta e Maria de Alfeu batem no portão de ferro, e se
deixam ver pela janelinha que o porteiro entreabre.
Elas entram e vão para a casa de Joana que, tendo-se levantado e vestido
o vestido roxo muito escuro, que a torna ainda mais pálida, está preparando bem
os óleos, junto com a nutriz e uma servente.
“Então, viestes? Deus vos recompense por isso. Se não tivésseis vindo,
eu teria ido... Para achar algum conforto... Pois muitas coisas ficaram
perturbadas, depois daquele dia tremendo. E, para não sentir-me sozinha,
preciso ir contra aquela Pedra bater, e dizer: “Mestre, eu sou a pobre Joana...
Não me deixes sozinha, Tu também...” A Joana chora, sem fazer barulho, mas com
grande desolação, enquanto Ester, a nutriz, está fazendo muitos sinais
indecifráveis atrás das costas da patroa, enquanto ela está pondo o manto.
“Eu vou, Ester.”
“Deus te ajude.”
Elas saem do palácio, e vão para o campo.
É nesse momento que acontece um breve, mas forte terremoto, que
novamente enche de pânico os habitantes de Jerusalém, que ainda estão
aterrorizados pelos acontecimentos da Sexta feira. As três mulheres voltam
sobre seus passos, precipitadamente, e, no amplo vestíbulo, entre as servas e
os servos, que gritam e invocam o Senhor, estão com medo de novos tremores...
...Madalena, pelo contrário, está justamente no ponto em que começa o
atalho, que vai para o horto de Arimatéia, quando a atinge o estrondo forte, mas
harmonioso, desse sinal vindo do Céu, enquanto no ocidente ainda está
resistindo uma estrela persistente, que torna louro o ar que até agora estava
esverdeado, e se acende uma grande luz, como se fosse um globo incandescente,
mui to luminoso, cujos raios cortam em ziguezague o ar parado.
Maria Madalena é quase atingida por ele, e cai no chão. Ela se inclina
por um momento, e murmura: “Meu Senhor! ”, e depois torna a ir colocar-se de
pé, como uma coluna depois da passagem do vento, e ainda fora de si, corre para
a horta. Lá ela entra rapidamente, como um passarinho perseguido, que está
procurando o seu ninho dentro do sepulcro, na rocha. Mas, por mais veloz que ele
vã, não pode chegar lá, pois o meteoro do céu faz o trabalho de uma alavanca,
e, ao mesmo tempo, de uma chama sobre o selo de cal colocado como reforço na
pesada laje, e nem mesmo quando, com um fragor final, a porta de pedra cai,
produzindo um estremeção, provocando um golpe que se une ao do terremoto, que
na verdade foi breve, mas de uma violência tal, a ponto de deixar como mortos
os guardas aterrorizados.
Maria, que acabou de chegar, vê os inúteis carcereiros do Triunfador,
jogados no chão, como se fossem um feixe de espigas cortadas. Maria Madalena
ainda não reconhece que o terremoto coincidiu com a Ressurreição. Mas, vendo
aquele espetáculo, crê que seja o castigo de Deus sobre os profanadores do
sepulcro de Jesus, e cai de joelhos, dizendo: “Aí de mim. Eles o roubaram.” Ela
esta verdadeiramente desolada, e chora como uma menina, que tivesse vindo,
certa de encontrar seu pai que ela procurava, e que encontra sua morada vazia.
Depois ela se levanta e sai correndo para procurar Pedro e João. E, como
ela só pensa em avisar os dois, nem se lembra de ir ao encontro das
companheiras, ou de parar na estrada, mas, Veloz como uma gazela, torna a
passar por onde já passou, vai para lá da Porta Judiciária, e voa para as
estradas que são um pouco mais transitadas, esbarra no portão da casa hospitaleira,
bate nele e rebate, furiosamente.
A dona da casa lhe abre. “Onde está João e Pedro?”, pergunta aflita
Maria Madalena.
“Estão lá”, diz a dona, mostrando o Cenáculo.
Maria de Magdala entra, e logo depois de entrar, diante dos dois
espantados, diz, em sua voz contida, e baixa, por piedade da Mãe, e, mais aflita
do que se tivesse urrado, diz: “Levaram embora do Sepulcro o Senhor. Quem
saberá onde o puseram” e, pela primeira vez, ela cambaleia, vacila e, para não
cair, agarra-se ao que puder.
“Mas, como? Que foi que disseste?”, perguntam os dois.
E ela, ansiosa: “Eu fui para a frente, afim de comprar os guardas...
para que nos deixassem agir. Eles estão lá como mortos... O sepulcro esta
aberto, a pedra esta derrubada... Por quem? Quem terá sido? Oh” Vinde
”Corramos... ”
Pedro e João tratam logo de agir. Maria os acompanha a cada passo.
Depois volta. Agarra a dona da casa, a agita fortemente, com violência em seu
amor previdente e lhe diz, assobiando-lhe no rosto: “Toma todo o cuidado para
que ninguém passe pelo quarto dela ( e mostra a porta do quarto de Maria) Lembra-te
de eu sou a tua patroa. obedece e fica calada.”
Depois a deixa estupefata, e vã ao encontro dos apóstolos que, dando
grandes passes, estão indo para o sepulcro.
...Susana e Salomé, enquanto isso, tendo deixado as companheiras, e
correm junto aos muros, quando são apanhadas pelo terremoto. Espavoridas, elas
vão refugiar-se debaixo de uma árvore, e lá ficam, na dúvida se vão ao Sepulcro
ou se escapam junto a Joana. Mas o amor vence o medo e vão ao Sepulcro.
Entram ainda amedrontadas no horto e vêem os guardas adormecidos... vêem
uma grande luz sair do Sepulcro aberto. Então aumenta o seu medo, e se torna
completo, quando elas, segurando-se umas às outras pelas mãos, para criarem
coragem mutuamente, já chegaram na soleira e, no escuro da gruta sepulcral,
enxergam um vulto luminoso e muito bonito, que lhes sorri docemente, e as saúda
lá do lugar: ele está apoiado à direita da pedra da unção, que desaparece com
sua cor cinzenta. estando por detrás daquele grande resplendor incandescente.
Elas dobram logo os joelhos, aturdidas pelo susto.
Mas um anjo docemente lhes fala:
“Não tenhais medo de mim. Eu sou o anjo da divina Dor. E vim para sentir-me feliz pelo fim dela. Não
existe mais a dor de Cristo, nem o aviltamento dele na morte. Pois, Jesus de
Nazaré, que vos estais procurando, já ressuscitou. Não está mais aqui. Esta
vazio o lugar onde o haviam posto. Alegrai-vos comigo. Ide, e dizei ao Pedro e
aos discípulos que Ele ressuscitou, e já foi, à vossa frente, para a Galiléia.
Lá vós o vereis ainda, por pouco tempo, como Ele disse.”
As mulheres caem com os rostos por terra, e, quando os erguem, fogem,
como se estivessem sendo acossadas por algum castigo. Elas estão aterrorizadas,
e murmuram: “Agora morreremos, pois vimos o Anjo do Senhor! ”
Elas se acalmam um pouco, ao chegarem ao campo aberto, e trocam
pareceres umas com as outras. Que iremos fazer? Se dissermos o que foi que
vimos, ninguém vai acreditar. Se dissermos que estamos chegando agora de lá,
poderemos ser acusadas pelos judeus de termos matado os guardas. Não. Mas não
digais nada disso aos amigos, nem aos inimigos...
Espantadas, emudecidas, elas voltam para suas casas, mas por outro
caminho. Elas entram na cidade, e se refugiam no Cenáculo. Nem mesmo pedem para
verem Maria... E lá pensam que tudo o que viram nada mais é do que um engano do
Demônio. Humildes como são, elas julgam que não pode ser verdade que a elas
tenha sido concedida a graça de ver o enviado de Deus. E que foi o Satanás quem
quis amedrontá-las e afastá-las de lá.
Elas choram, e rezam, como duas meninas amedrontadas por um íncubo...
... O terceiro grupo, que é o de Joana, de Maria de Alfeu e de Marta,
visto que nada está acontecendo de novo, resolve ir para frente, para o lugar
em que, com certeza, suas companheiras as estão esperando. Saem pelas estradas,
onde já há muita gente amedrontada, comentando o novo terremoto, e o unem aos
fatos da Sexta feira, e começam a ver até coisas que não existem.
“É melhor que estejam todos espavoridos! Talvez o estejam também os
guardas, e não serão eles exceções”, diz Maria de Alfeu. E lá se vão elas
depressa para os muros.
Mas, enquanto elas vão indo para lá, já chegaram à horta Pedro e João,
acompanhados por Madalena. E João, mais ligeiro, chega em primeiro lugar, ao
Sepulcro. Os guardas já não estão mais lá. Nem também o anjo.
João se ajoelha, temeroso e magoado sobre a soleira da porta, bem aberta
para prestar-lhe sua veneração e descobrir algum indício, pelas coisas que ele
vai vendo. Mas ele não vê nada mais, a não ser, amontoados sobre o lençol, os
panos.
“Não está mesmo, Simão! Maria viu bem. Vem cá, entra e olha.”
Pedro, com a respiração cansada pela grande corrida que fez, entra no
Sepulcro. Ele tinha dito pelo caminho: “Eu não terei coragem de aproximar-me
daquele lugar.” Mas agora ele não pensa noutra coisa, a não ser em descobrir
onde é que pode estar o Mestre. E ele o chama, como se o Mestre pudesse estar
escondido em algum canto escuro.
A escuridão, nesta hora da manhã, está ainda bem grande no fundo do
sepulcro, o qual só é iluminado através de uma pequena abertura no alto da
porta à qual estão agora fazendo sombra João e Madalena... Pedro faz esforço
para enxergar, e procura, com o anteparo das mãos, poder ver melhor. Ele toca
na mesa da unção, ela treme, e ele percebe que esta vazio...
“Ele não está aqui, João. Oh! Vem cá, tu também. Eu tenho chorado tanto,
que quase nem posso ver, com esta luz tão fraca.”
João põe-se de pé e. entra. E, enquanto ele faz isso, Pedro descobre o
Sudário, colocado em um canto, bem dobrado, e o Lençol enrolado com cuidado.
Eles o roubaram. Os guardas aqui estavam, não por causa de nós, mas para
fazerem alguma coisa... E nós os deixamos fazer. Ao irmos embora, nós
permitimos isso...”
“Oh! Onde o terão colocado?”
“Pedro, Pedro! Agora... está tudo acabado!”
Os dois discípulos saem de lá aniquilados.
“Vamos, mulher. Tu o dirás ã Mãe..."
“Eu não me vou embora daqui. Aqui eu vou ficar... Alguém ira... Oh! Eu
não vou. Aqui ainda há alguma coisa dele. Bem que tinha razão a Mãe. Respirar o
ar onde Ele esteve e o único consolo que nos resta.”
“O único consolo... Agora tu também podes “ver que seria
uma loucura ficar esperando... ”, diz Pedro. Maria nem responde. Ela se
abaixa até o chão, justa-mente perto da porta, e chora, enquanto os outros
vão-se indo embora, pouco a pouco.
Depois, ela levanta a cabeça, olha lá para dentro, e, por entre suas
lágrimas, vê dois anjos à cabeceira e aos pés a pedra da unção. Está tão
estonteada a pobre da Maria, ao travar sua feroz batalha entre a esperança que
morre e a fé que não quer morrer, que ela olha para eles, como que hebetada,
sem dar nem sinal de admiração. Outra coisa ela não tem, a não ser lágrimas,
ela, a mulher forte, que a tudo tem resistido, como uma heroína.
“Por que estás chorando
mulher?”, pergunta-lhe um
daqueles dois jovens, pois o aspecto deles é de uns adolescentes muito belos.
“Porque levaram embora o meu Senhor, e eu não sei onde o colocaram.”
Maria não tem medo de conversar com eles, nem lhes pergunta: “Quem
sois?” Nada. Nada mais a espanta. Por tudo o que pode espantar uma criatura,
ela já passou. Agora ela não passa de uma coisa destruída, que sofre, já sem
forças e sem defesa.
O jovenzinho angelical olha para o seu companheiro e sorri. E o outro
também. E, em um cintilar de alegria angélica, os dois olham para fora, para o
pomar, que está todo florido, com milhões de corolas que se abriram, ao
primeiro raio do Sol sobre as macieiras plantadas no pomar.
Maria se volta para ver os que a estão olhando. E vê um homem muito
bonito que está olhando para ela com piedade, e que lhe pergunta:
“Mulher, por que é que estás
chorando? A quem é que procuras?”
É verdade que é um Jesus ofuscado
pela sua piedade para com uma criatura que as demasiadas emoções fizeram
definhar e que poderia até morrer por alguma alegria inesperada, mas fico
perguntando a mim mesma como é que ela não é capaz de reconhecê-lo.
E Maria, por entre soluços, diz: “Levaram o meu Senhor Jesus! Eu tinha
vindo para embalsamá-lo, esperar que Ele surgisse... Procurei ajuntar toda a
minha coragem, a minha esperança e a minha fé, ao redor do meu amor... e agora
não o encontro mais. Eu cheguei até a pôr todo o meu amor a serviço da fé, da
esperança, da coragem para defendê-lo dos homens... Mas foi tudo inútil. Os
homens roubaram o meu Amor, e com ele me tiraram tudo... ô meu Senhor, se foste
tu que o levaste embora, dize-me onde o puseste. E eu irei buscá-lo. E não
direi nada a ninguém... Será um segredo entre mim e ti. Olha: eu sou a filha do
Teófilo, a irmã de Lázaro, mas estou de joelhos diante de ti, suplicando-te como
uma escrava. Queres vender-me o Corpo dele? Eu o comprarei. Quanto queres? Eu
sou rica. Posso dar-te tanto de ouro e pedras preciosas, tanto quanto for o
peso dele. Mas entrega-o a mim. Eu não te denunciarei. Queres bater-me? Podes
fazê-lo. Até o derramamento de sangue, se quiseres. Se tu o odeias, tira uma
desforra em mim. Mas entrega-o a mim. Oh! Não me faças pobre por tão pouco, ó
meu Senhor. Tem piedade de uma pobre mulher! Não o queres fazer para mim? Então
faze-o pela Mãe dele. Dize-me! Dize-me onde é que esta o meu Senhor Jesus. Eu
sou forte. E o tomarei em meus braços, e o levarei a salvo, como se fosse um
menino. Senhor... Senhor... tu estás vendo... há três dias que estamos
castigados pela ira de Deus por tudo aquilo que foi feito ao Filho de Deus...
Não acrescentes a Profanação ao Delito...”
“Maria!” Jesus cintila, ao chamá-la. Ele se revela
em seu fulgor triunfante.
“Raboni!” O grito de Maria é realmente “o grande grito", que fecha
o ciclo da morte. Com o primeiro, as trevas do ódio enfaixaram a vítima com
bandagens fúnebres, e com o segundo as luzes do amor aumentaram o seu
esplendor.
E Maria se levanta, ao dar aquele grito, que ecoa por toda a horta,
corre aos pés de Jesus, e quereria beijá-los. Jesus a afasta, tocando nela
somente com as pontas dos dedos, na fronte, e diz: “Não me toques! Eu ainda não subi para o meu Pai com esta veste. Vai aos
meus irmãos e amigos, e dize lhes
que Eu vou subir ao meu e vosso Pai, ao meu e vosso Deus. E depois irei a
eles.”
E Jesus desaparece, absorvido por
uma luz intolerável.
Maria beija o chão onde Ele estava, e vai correndo para casa. Ela entra
como um foguete, pois o portão está entreaberto, para dar passagem ao patrão,
que está saindo para ir à fonte. Ele abre a porta do quarto de Maria, e ela se
abandona sobre o coração dela, gritando: “Ressuscitou! Ele ressuscitou! ”, e
ela chora, de tão feliz.
Enquanto isso, vêm chegando Pedro e João, e do Cenáculo chegam
espavoridas a Salomé e a Susana e ouvem o que ela está contando, eis que vem
entrando da estrada Maria do Alfeu com Marta e Joana que, com uma respiração
alterada dizem que “elas também estiveram lá, e que viram dois anjos que se
diziam, um o Guarda do Homem-Deus e o outro o Anjo de sua Dor, e que eles lhes
deram a ordem de dizer aos discípulos que Ele havia ressuscitado.” E, visto que
Pedro sacode a cabeça, elas insistem, dizendo: “Sim Eles disseram: “Por que procurais o Vivente entre os mortos? Ele não está aqui.
Ressuscitou, como Ele disse, quando ainda estava na Galiléia. Não estais
lembrados? Ele disse assim:
“O Filho do Homem deve ser
entregue nas mãos dos pecadores e ser crucificado. Mas no terceiro dia
ressuscitará.”
Pedro sacode a cabeça, dizendo: “Houve muitas coisas demais estes
dias... Não tereis ficado perturbados?” Maria Madalena levanta a cabeça do
peito de Maria, e diz: Eu o vi. E lhe falei. Ele me disse que vai subir para
junto do Pai, e que depois volta. Como Ele estava belo.”, e ela chora como
nunca chorou, agora que ela não precisa mais de torturar-se com a força que tem
que fazer contra aquela dúvida, que surgia de todos os lados. Mas Pedro e
também João continuam cheios de dúvidas. Eles olham-se um ao outro, mas seus
olhos estão dizendo: “Imaginação de mulheres! ”
Até Susana e Salomé põem-se agora a falar. Mas há uma mesma e inevitável
diversidade nos particulares a respeito dos guardas, que antes eram dados como
mortos, e depois não o estão mais, ou sobre os anjos, pois agora é um, e depois
são dois. ou sobre os apóstolos, aos quais eles não se mostraram, ou das duas
versões, uma que Jesus vai vir aqui, e outra que Ele vai, na frente dos seus,
para a Galiléia, e tudo isso faz que a dúvida, e também a persuasão dos
apóstolos cresçam cada vez mais. Maria, a Mãe bem-aventurada, se cala e vai
pôr-se do lado de Madalena... Eu não compreendo o mistério deste silêncio
materno.
Maria de Alfeu diz a Salomé: “Vamos, nós duas, voltar até lá. Vamos ver
se estão todas embriagadas...” E elas correm para fora. As outras ficam, são
pacificamente escarnecidas pelos dois apóstolos, perto de Maria, que está
calada, absorta em um pensamento, que todos interpretam a seu modo, e ninguém
compreende que é um êxtase.
Voltam as duas mulheres já idosas, e dizem: “É verdade! É verdade! Nós o
vimos. E Ele nos disse perto da horta do Barnabé:
“A paz esteja convosco. Não temais. Ide dizer aos meus irmãos que Eu ressuscitei, e que eles vão
por estes dias para a Galiléia. Lá ainda estaremos juntos.”
Foi assim que Ela falou. E Maria tem razão. E é necessário dizer isso
aos de Betânia, ao José, ao Nicodemos, aos discípulos mais fiéis, aos pastores,
ide, há muito que fazer... Oh! Ele ressuscitou!...”, e choram todas aquelas
piedosas mulheres.
“Vós estais loucas, ó mulheres. A dor vos fez ficar perturbadas. Para
vós, a luz pareceu um anjo. O vento pareceu uma voz. O Sol pareceu o Cristo. Eu
não vos critico. Eu compreendo, mas eu não posso crer além daquilo que eu vi no
sepulcro aberto e vazio, e os guardas que fugiram com o cadáver roubado.”
“Mas, se os próprios guardas dizem que Ele ressuscitou! Se a cidade está
toda alvoroçada e os Príncipes dos Sacerdotes estão cheios de raiva porque os
guardas falaram, quando iam fugindo aterrorizados! E agora querem dizer o
contrário, e são pagos para dizerem isso. Mas já se sabe. E, se os judeus não
crêem na Ressurreição, não querem crer, há muitos outros que creem...
“Hum! As mulheres!...” Pedro levanta os ombros e faz como quem quer
ir-se embora.
Então a Mãe, que tem sempre sobre o seu coração Madalena que chora, como
um salgueiro debaixo de um aguaceiro, para sua grande alegria, e que a beija
sobre os cabelos louros, levanta seu rosto desfigurado, e diz somente uma breve
frase: “Ele está realmente ressuscitado. Eu o tive entre meus braços,
e lhe beijei as Chagas.” Depois Ela se curva sobre os cabelos da
apaixonada. E diz: “Sim, a alegria é ainda mais forte do que a dor. Mas não
mais do que um grãozinho de areia, em comparação com aquilo que vai ser o teu
oceano de alegria eterna. Feliz és Tu, que acima da razão, fizeste falar o
Espírito.”
Pedro não tem mais coragem de negar... e, com um daqueles avanços do
antigo Pedro, que agora retorna, diz, e grita, como se dos outros é que
estivesse vindo aquele atraso, e não dele: “Mas, então, assim é, é necessário
fazer que os outros o saibam. Aos dispersos pelo campo... é preciso procurá-los...
fazer que... Vamos, movei-vos! Se ele tivesse que ir mesmo... pelo menos que
venha ao nosso encontro”, e Pedro não percebe estar dando a entender que ainda
não crê cegamente em sua Ressurreição.
( O Evangelho como me foi revelado - Maria Valtorta, das
paginas 223 a 232.)
Considerações sobre a Ressurreição.
21 de Fevereiro de 1944.
Diz Jesus:
“As orações ardentes de Maria anteciparam por algum tempo a minha
Ressurreição. Eu havia dito: “O Filho do Homem está para ser morto, mas no
terceiro dia ressurgirá”, Eu havia morrido às três da tarde de Sexta feira.
Quer calculeis os dias, dizendo os seus nomes, quer os calculeis por horas, não
era a aurora do domingo a que devia me ver ressurgir. Como horas, eram somente
trinta e oito, em vez das setenta e duas, as em que o meu corpo permaneceu sem
vida. Como dias, devia pelo menos chegar a tarde deste terceiro dia para se
poder dizer que Eu havia ficado três dias na tumba.
Mas Maria antecipou o milagre. Foi como quando, com sua oração, Ela
abriu os Céus, com a antecipação de cerca de um ano sobre a época prefixada,
para dar ao mundo a sua salvação, assim agora Ele obteve a antecipação de
algumas horas, para dar um conforto ao seu coração, que estava morrendo. E Eu,
ao primeiro alvorecer do terceiro dia, desci como o sol e, com o meu fulgor,
desfiz os selos humanos, tão inúteis diante do poder de um Deus, de minha força
Eu fiz uma alavanca, para fazer revirar a pedra, que inutilmente estava sendo
velada, com meu aparecimento fiz um fulgor, que aterrorizou os três vezes
inúteis guardas, lá postos para vigiarem uma morte que era vida, e que nenhuma
força humana podia impedir que assim o fosse.
Bem mais poderoso do que a vossa corrente elétrica, o meu Espírito
entrou, como uma espada de Fogo divino, a esquentar os frios despojos do meu
cadáver, e ao novo Adão o Espírito de Deus bafejou-lhe a vida, dizendo a Si
mesmo: “Torna a viver. Assim Eu quero.”
Eu, que havia ressuscitado dos mortos, quando Eu não era mais do que o
Filho do Homem, a Vítima designada para arcar com as culpas do mundo, Eu não
devia poder ressuscitar a mim mesmo, mas agora que Eu era o Filho de Deus, o
Primeiro o Último, o Vivente eterno, Aquele que tem em suas mãos a chaves da
vida da morte? Foi aí que o meu cadáver percebeu que a Vida ia voltando para
ele.
Olha: assim como o homem que desperta, depois de um sono que sobreveio a
um grande cansaço, Eu tenho uma respiração, ainda profunda. E ainda nem posso
abrir os olhos. o sangue começa a circular de novo nas veias, com pouca
velocidade, por enquanto, e de novo leva o pensa-mento à mente. Mas Eu estou
vindo de muito longe! Olha só: como um homem ferido que um poder milagroso
curou. O sangue está voltando às veias, enche de novo o coração, aquece os
membros, as feridas se vão cicatrizando, e a força volta. Mas Eu estava muito
ferido! Estais vendo como as forças vão voltando. Eu despertei. Voltei à Vida.
Estive morto. Agora estou vivo! Agora Eu surjo. Sacudo os linhos da morte, jogo
fora os vasos dos ungüentos, Já não tenho mais necessidade deles, a fim de
aparecer como a Beleza eterna, a eterna Integridade.
Eu vou revestir-me de novo com uma veste que não é desta Terra, e que
tecida por Aquele que é o meu Pai, e que tece a seda dos lírios virginais. Eu
estou revestido de esplendor. Eu me orno agora com as minhas chagas, que não
soltam mais sangue, mas soltam da prisão a luz. Aquela luz, que será a alegria
de minha Mãe e dos bem-aventurados, e um terror insuportável para a vista dos
malditos e dos demônios, nesta terra e no último dia.
O anjo de minha vida de homem e o anjo da minha vida de dor estão
prostrados diante de Mim, e adoram minha Glória. Aqui estão os meus dois anjos.
Um deles se sente feliz, por estar vendo Aquele que ele guardava e que agora
não tem mais necessidade da defesa angélica. o outro, que viu as minhas
lágrimas, para poder ver depois o meu sorriso, que viu a minha batalha, para
poder ver a minha vitória, que viu a minha dor, para poder ver a minha alegria.
Eu estou saindo da horta que está cheia de botões de flores e de
orvalho. As macieiras estão abrindo suas corolas para fazerem um arco de flores
sobre a minha cabeça de Rei, e as ervas formam um tapete de pedras preciosas e
de corolas para o meu Pé, que volta a pisar na Terra redimida, depois de ter
sido levantado acima dela, para redimi-la. E os primeiros raios do sol me
saúdam, e também o vento suave de abril e a leve nuvem que passa, junto com os
passarinhos que estão por entre as ramagens. Eu sou o Deus deles. Eles me
adoram.
Passo por entre os guardas desfalecidos, símbolos das almas em culpa
mortal, que não percebem a passagem de Deus.
É a Páscoa, Maria. Esta é a passagem do Anjo de Deus! A sua passagem da
morte para a vida. Sua passagem para darem vida aos que crêem em meu Nome. A
Páscoa, a paz que passa pelo mundo. A paz, não mais velada pela condição de
homem. Mas livre, completa em sua eficiência divina que voltou.
E Eu vou à minha Mãe. É bem justo que Eu vá a Ela. Isto foi justo também
para com os meus anjos. Mas bem mais justo o é para com aquela que, além de ser
minha guarda e conforto, ainda foi para Mim quem me deu vida. Antes de voltar
ao Pai com a minha veste de homem glorificada, Eu vou à minha Mãe. Eu, no meu
fulgor da minha veste paradisíaca e das minhas jóias vivas. Ela pode tocar em
Mim, Ela as pode beijar, porque Ela é a Pura, a Bela, a Amada, a Bendita, a
Santa de Deus.
O Novo Adão vai à Nova Eva. O mal entrou no mundo pela mulher, e pela
Mulher foi vencido. O Fruto da mulher desintoxicou os homens da baba de
Lúcifer. Agora, se eles quiserem, podem ser salvos. Ele salvou a mulher, que
ficou tão frágil depois da ferida mortal.
E, depois de ter ido à Pura, à qual, por direito de Santidade e
Maternidade, é justo que se dirija o Filho Deus, Eu me apresento à mulher
redimida, ao tronco de nossa raça, à representante de todas as criaturas
femininas que Eu vim livrar das mordidas da luxúria. Para que diga a elas que
se aproximem de Mim, a fim de ficarem sãs, e que tenham fé em Mim, e creiam na
minha misericórdia, que compreende e perdoa, e que, para vencerem a Satanás,
que tenta a concupiscência delas, que elas olhem para minha Carne, ornada com
cinco feridas.
Eu não me faço tocar por Ela. Ela não é a Pura que, sem contaminá-lo,
pode tocar no Filho, que está de volta para o Pai. Muito ela tem que
purificar-se por sua penitência. Mas o seu amor bem que merece esse prêmio. Ela
soube ressurgir, por sua vontade, do sepulcro do seu vicio, estrangular a
Satanás, que a possuía, desafiar o mundo por amor ao seu Salvador, e foi aí que
ela aprendeu a despojar-se de tudo que não fosse amor, aprendeu a não ser mais
do que um amor, que só existe por seu Deus. E Deus a chama: “Maria” Escuta como
ela lhe responde: “Raboni.” Nesse grito está o seu coração.
E a Ela, que o mereceu, Eu a encarrego de ser a mensageira da
Ressurreição. E, uma vez mais, ela será um pouco escarnecida, como se estivesse
desvairada. Mas ela não se importa com o que dela os homens pensam. Maria de
Magdala é agora a Maria de Jesus, como lhe chamam os homens. Ela me viu
ressuscitado, e isso lhe dá uma alegria tal, que modera qualquer outro
sentimento.
Estás vendo como Eu amo até a quem foi culpado, mas que quis sair da
culpa? Nem a João Eu me mostrei em primeiro lugar. Mas, sim, à Madalena. João
já tinha recebido de Mim o grau de Filho. E ele o podia receber, porque ele era
puro, e podia ser um filho, não só espiritual, mas também quando dava ou
recebia, em suas necessidades, aqueles cuidados que nascem da carne,
prestando-os à Pura de Deus e dela os recebendo em suas necessidades e os
cuidados com que tratamos a nossa carne, tudo isso ela dava ou recebia como a
Pura de Deus. Madalena, a que ressuscitou para a Graça, foi a que teve, por
primeira, a visão da Graça ressuscitada.
Quando me amais, a ponto de vencer tudo por Mim, Eu vos seguro pela
cabeça e pelo coração adoentado, entre minhas mãos traspassadas, e sopro em
vosso rosto o meu poder. E Eu vos salvo, vos salvo, Ó filhos que Eu amo. Vós,
já tornados belos, sãos, livres, ó filhos que Eu amo. Vós vos tornais os filhos
queridos do Senhor. Eu faço de vós os portadores da minha Bondade por entre os
pobres homens, aqueles a quem dais testemunho da minha Bondade para com eles, a
fim de que eles fiquem persuadidos dela e de Mim.
Tende, tende fé em Mim. Tende amor. Não tenhais medo. Que Vos faça
confiantes no Coração de vosso Deus tudo o que Eu padeci para salvar-vos.
E tu, pequeno João, sorri agora, depois do pranto! O teu Jesus não sofre
mais. Não há mais sangue, nem feridas. Mas sim luz e mais luz. Alegria e mais
alegria. A minha luz e a minha alegria estejam em ti, até que chegue a hora do
Céu.”
( O Evangelho como me foi revelado - Maria Valtorta, paginas
232 a 236.)
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