“NO TERCEIRO DIA, UMA LUZ VINDA DOS CONFINS DO UNIVERSO, COMO UM METEORO, VAI DIRETO ATÉ O SEPULCRO, QUANDO UM ESTRONDO SACODE A TERRA, AFASTANDO A ENORME PEDRA QUE O SELAVA, E OS GUARDAS ROMANOS FICAM ATORDOADOS. A LUZ ENTÃO ENTRA NO CORPO INERTE DE JESUS, QUE EM SEGUIDA LEVANTA, TRANSPASSANDO OS PANOS DA MORTALHA COM SEU CORPO IMATERIAL FULGURANTE. RESSUSCITANDO DOS MORTOS COM UMA MATÉRIA INCORPÓREA DE INTENSA LUZ, CONHECIDA APENAS POR DEUS, DE UMA BELEZA INDESCRITÍVEL.”

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

A RESSURREIÇÃO DE CRISTO.


 A RESSURREIÇÃO DE CRISTO.


2 de Abril de 1945.

Enquanto isso, as mulheres, tendo saído da casa, vão caminhando a beira do muro, como umas sombras na sombra. Durante algum tempo, elas ficam caladas, todas agasalhadas e amedrontadas, no meio de tanto silêncio e solidão. Mas depois, vendo que estão em segurança, pela calma completa que há na cidade, elas se reúnem em grupos, e tomam coragem de falar.
“Será que as portas já estão abertas?”, pergunta a Susana.
“Com certeza. Olha lá o primeiro hortelão, que já vem entrando com as verduras. Ele já vai indo para a feira”, responde Salomé.
“Será que não nos dirão nada?”, pergunta ainda Susana.
“Quem?”, pergunta Madalena.
“Os soldados, junto à Porta Judiciária. Por lá... são poucos os que entram, e menos ainda os que saem... Nós iríamos criar suspeitas”
“Mas. .. Para não darmos na vista de algum mal intencionado, por que não sairmos logo por alguma outra porta, e depois irmos beirando os muros?...”
“Faríamos assim ficar mais comprido o caminho.”
“Mas ficaremos mais seguras. Vamos pela Porta da Água...”
“Ohl Salomé! Se eu fosse tu, escolheria a Porta Oriental! Mais longo seria o caminho por onde quereríeis ir. É preciso andar depressa e voltar logo.” Madalena é que fala de modo tão breve.
“Então, por outro caminho, que não seja aquele que passa pela Judiciária.”
“Sé boa... assim pedem todas.”
“Está bem. Então, uma vez que quereis assim, vamos passar por Joana. Ela quer que lho
façamos saber antes. Poderíamos ir sem fazer isso, se tivéssemos ido direta-mente a ela. mas, como vós quereis ficar fazendo um giro mais longo, vamos, pois, passar por ela. ..”
“Oh! Sim. Também os guardas já foram mandados para lá... Ela é conhecida e temida...” 
“Eu diria que deveríamos passar também pelo José de Arimatéia. Ele é o dono do lugar.”
“Isto mesmo. Vamos formar um cortejo agora mesmo, a fim de não dar na vista! Oh! Que irmã medrosa que eu tenho! É melhor assim, não é Marta? Façamos assim: Eu, vou na frente e vou olhando. vós vireis atrás com a Joana. Eu me colocarei no meio da estrada, se houver algum perigo, e me estareis vendo. E nos voltaremos atrás. Mas eu vos garanto que os guardas, diante disso, e eu nisso pensei, (e ela mostra uma bolsa cheia de moedas) eles nos deixarão fazer o que quisermos.”
“Nós o diremos a Joana. Tens razão.”
“Então, ide, e eu já vou indo.”
“Tu vais sozinha, Maria? Eu vou contigo”, diz Marta, temendo por sua irmã.
Não. Tu, com Maria de Alfeu, ide a Joana. Susana te esperará junto à porta, do lado de fora dos muros. Depois vireis pela estrada mestra, todas juntas. Adeus.”
E Maria Madalena breca quaisquer outros possíveis comentários, saindo apressadamente de lá com sua bolsa e suas moedas no seio. Ela vai tão depressa pela estrada mestra, que parece ir voando, e a viagem se torna mais alegre, ao róseo despertar do dia. Passa pela Porta Judiciária, para chegar mais depressa ninguém a segura... As outras a ficam olhando, enquanto ela vai. Depois viram as costas a encruzilhada, onde estavam, e tomam outro caminho, caminho estreito e escuro, que mais adiante se bifurca, nas proximidades de Sisto, onde se abre em outro mais largo, no qual há belas casas. Separam-se também Salomé e Susana, indo pela rua, enquanto Marta e Maria de Alfeu batem no portão de ferro, e se deixam ver pela janelinha que o porteiro entreabre.
Elas entram e vão para a casa de Joana que, tendo-se levantado e vestido o vestido roxo muito escuro, que a torna ainda mais pálida, está preparando bem os óleos, junto com a nutriz e uma servente. 
“Então, viestes? Deus vos recompense por isso. Se não tivésseis vindo, eu teria ido... Para achar algum conforto... Pois muitas coisas ficaram perturbadas, depois daquele dia tremendo. E, para não sentir-me sozinha, preciso ir contra aquela Pedra bater, e dizer: “Mestre, eu sou a pobre Joana... Não me deixes sozinha, Tu também...” A Joana chora, sem fazer barulho, mas com grande desolação, enquanto Ester, a nutriz, está fazendo muitos sinais indecifráveis atrás das costas da patroa, enquanto ela está pondo o manto.
“Eu vou, Ester.”
“Deus te ajude.”
Elas saem do palácio, e vão para o campo.
É nesse momento que acontece um breve, mas forte terremoto, que novamente enche de pânico os habitantes de Jerusalém, que ainda estão aterrorizados pelos acontecimentos da Sexta feira. As três mulheres voltam sobre seus passos, precipitadamente, e, no amplo vestíbulo, entre as servas e os servos, que gritam e invocam o Senhor, estão com medo de novos tremores...
...Madalena, pelo contrário, está justamente no ponto em que começa o atalho, que vai para o horto de Arimatéia, quando a atinge o estrondo forte, mas harmonioso, desse sinal vindo do Céu, enquanto no ocidente ainda está resistindo uma estrela persistente, que torna louro o ar que até agora estava esverdeado, e se acende uma grande luz, como se fosse um globo incandescente, mui to luminoso, cujos raios cortam em ziguezague o ar parado.

Maria Madalena é quase atingida por ele, e cai no chão. Ela se inclina por um momento, e murmura: “Meu Senhor! ”, e depois torna a ir colocar-se de pé, como uma coluna depois da passagem do vento, e ainda fora de si, corre para a horta. Lá ela entra rapidamente, como um passarinho perseguido, que está procurando o seu ninho dentro do sepulcro, na rocha. Mas, por mais veloz que ele vã, não pode chegar lá, pois o meteoro do céu faz o trabalho de uma alavanca, e, ao mesmo tempo, de uma chama sobre o selo de cal colocado como reforço na pesada laje, e nem mesmo quando, com um fragor final, a porta de pedra cai, produzindo um estremeção, provocando um golpe que se une ao do terremoto, que na verdade foi breve, mas de uma violência tal, a ponto de deixar como mortos os guardas aterrorizados.
Maria, que acabou de chegar, vê os inúteis carcereiros do Triunfador, jogados no chão, como se fossem um feixe de espigas cortadas. Maria Madalena ainda não reconhece que o terremoto coincidiu com a Ressurreição. Mas, vendo aquele espetáculo, crê que seja o castigo de Deus sobre os profanadores do sepulcro de Jesus, e cai de joelhos, dizendo: “Aí de mim. Eles o roubaram.” Ela esta verdadeiramente desolada, e chora como uma menina, que tivesse vindo, certa de encontrar seu pai que ela procurava, e que encontra sua morada vazia.
Depois ela se levanta e sai correndo para procurar Pedro e João. E, como ela só pensa em avisar os dois, nem se lembra de ir ao encontro das companheiras, ou de parar na estrada, mas, Veloz como uma gazela, torna a passar por onde já passou, vai para lá da Porta Judiciária, e voa para as estradas que são um pouco mais transitadas, esbarra no portão da casa hospitaleira, bate nele e rebate, furiosamente.
A dona da casa lhe abre. “Onde está João e Pedro?”, pergunta aflita Maria Madalena.
“Estão lá”, diz a dona, mostrando o Cenáculo.
Maria de Magdala entra, e logo depois de entrar, diante dos dois espantados, diz, em sua voz contida, e baixa, por piedade da Mãe, e, mais aflita do que se tivesse urrado, diz: “Levaram embora do Sepulcro o Senhor. Quem saberá onde o puseram” e, pela primeira vez, ela cambaleia, vacila e, para não cair, agarra-se ao que puder.
“Mas, como? Que foi que disseste?”, perguntam os dois.
E ela, ansiosa: “Eu fui para a frente, afim de comprar os guardas... para que nos deixassem agir. Eles estão lá como mortos... O sepulcro esta aberto, a pedra esta derrubada... Por quem? Quem terá sido? Oh” Vinde ”Corramos... ”
Pedro e João tratam logo de agir. Maria os acompanha a cada passo. Depois volta. Agarra a dona da casa, a agita fortemente, com violência em seu amor previdente e lhe diz, assobiando-lhe no rosto: “Toma todo o cuidado para que ninguém passe pelo quarto dela ( e mostra a porta do quarto de Maria) Lembra-te de eu sou a tua patroa. obedece e fica calada.”
Depois a deixa estupefata, e vã ao encontro dos apóstolos que, dando grandes passes, estão indo para o sepulcro.
...Susana e Salomé, enquanto isso, tendo deixado as companheiras, e correm junto aos muros, quando são apanhadas pelo terremoto. Espavoridas, elas vão refugiar-se debaixo de uma árvore, e lá ficam, na dúvida se vão ao Sepulcro ou se escapam junto a Joana. Mas o amor vence o medo e vão ao Sepulcro.
Entram ainda amedrontadas no horto e vêem os guardas adormecidos... vêem uma grande luz sair do Sepulcro aberto. Então aumenta o seu medo, e se torna completo, quando elas, segurando-se umas às outras pelas mãos, para criarem coragem mutuamente, já chegaram na soleira e, no escuro da gruta sepulcral, enxergam um vulto luminoso e muito bonito, que lhes sorri docemente, e as saúda lá do lugar: ele está apoiado à direita da pedra da unção, que desaparece com sua cor cinzenta. estando por detrás daquele grande resplendor incandescente. Elas dobram logo os joelhos, aturdidas pelo susto.
Mas um anjo docemente lhes fala:
 “Não tenhais medo de mim. Eu sou o anjo da divina Dor. E vim para sentir-me feliz pelo fim dela. Não existe mais a dor de Cristo, nem o aviltamento dele na morte. Pois, Jesus de Nazaré, que vos estais procurando, já ressuscitou. Não está mais aqui. Esta vazio o lugar onde o haviam posto. Alegrai-vos comigo. Ide, e dizei ao Pedro e aos discípulos que Ele ressuscitou, e já foi, à vossa frente, para a Galiléia. Lá vós o vereis ainda, por pouco tempo, como Ele disse.”
As mulheres caem com os rostos por terra, e, quando os erguem, fogem, como se estivessem sendo acossadas por algum castigo. Elas estão aterrorizadas, e murmuram: “Agora morreremos, pois vimos o Anjo do Senhor! ”

Elas se acalmam um pouco, ao chegarem ao campo aberto, e trocam pareceres umas com as outras. Que iremos fazer? Se dissermos o que foi que vimos, ninguém vai acreditar. Se dissermos que estamos chegando agora de lá, poderemos ser acusadas pelos judeus de termos matado os guardas. Não. Mas não digais nada disso aos amigos, nem aos inimigos...
Espantadas, emudecidas, elas voltam para suas casas, mas por outro caminho. Elas entram na cidade, e se refugiam no Cenáculo. Nem mesmo pedem para verem Maria... E lá pensam que tudo o que viram nada mais é do que um engano do Demônio. Humildes como são, elas julgam que não pode ser verdade que a elas tenha sido concedida a graça de ver o enviado de Deus. E que foi o Satanás quem quis amedrontá-las e afastá-las de lá.
Elas choram, e rezam, como duas meninas amedrontadas por um íncubo...
... O terceiro grupo, que é o de Joana, de Maria de Alfeu e de Marta, visto que nada está acontecendo de novo, resolve ir para frente, para o lugar em que, com certeza, suas companheiras as estão esperando. Saem pelas estradas, onde já há muita gente amedrontada, comentando o novo terremoto, e o unem aos fatos da Sexta feira, e começam a ver até coisas que não existem.
“É melhor que estejam todos espavoridos! Talvez o estejam também os guardas, e não serão eles exceções”, diz Maria de Alfeu. E lá se vão elas depressa para os muros.
Mas, enquanto elas vão indo para lá, já chegaram à horta Pedro e João, acompanhados por Madalena. E João, mais ligeiro, chega em primeiro lugar, ao Sepulcro. Os guardas já não estão mais lá. Nem também o anjo.
João se ajoelha, temeroso e magoado sobre a soleira da porta, bem aberta para prestar-lhe sua veneração e descobrir algum indício, pelas coisas que ele vai vendo. Mas ele não vê nada mais, a não ser, amontoados sobre o lençol, os panos.
“Não está mesmo, Simão! Maria viu bem. Vem cá, entra e olha.”
Pedro, com a respiração cansada pela grande corrida que fez, entra no Sepulcro. Ele tinha dito pelo caminho: “Eu não terei coragem de aproximar-me daquele lugar.” Mas agora ele não pensa noutra coisa, a não ser em descobrir onde é que pode estar o Mestre. E ele o chama, como se o Mestre pudesse estar escondido em algum canto escuro.
A escuridão, nesta hora da manhã, está ainda bem grande no fundo do sepulcro, o qual só é iluminado através de uma pequena abertura no alto da porta à qual estão agora fazendo sombra João e Madalena... Pedro faz esforço para enxergar, e procura, com o anteparo das mãos, poder ver melhor. Ele toca na mesa da unção, ela treme, e ele percebe que esta vazio...
“Ele não está aqui, João. Oh! Vem cá, tu também. Eu tenho chorado tanto, que quase nem posso ver, com esta luz tão fraca.”
João põe-se de pé e. entra. E, enquanto ele faz isso, Pedro descobre o Sudário, colocado em um canto, bem dobrado, e o Lençol enrolado com cuidado.
Eles o roubaram. Os guardas aqui estavam, não por causa de nós, mas para fazerem alguma coisa... E nós os deixamos fazer. Ao irmos embora, nós permitimos isso...”
“Oh! Onde o terão colocado?”
“Pedro, Pedro! Agora... está tudo acabado!”
Os dois discípulos saem de lá aniquilados.
“Vamos, mulher. Tu o dirás ã Mãe..."
“Eu não me vou embora daqui. Aqui eu vou ficar... Alguém ira... Oh! Eu não vou. Aqui ainda há alguma coisa dele. Bem que tinha razão a Mãe. Respirar o ar onde Ele esteve e o único consolo que nos resta.”
“O único consolo... Agora tu também podes “ver que seria uma loucura ficar esperando... ”, diz Pedro. Maria nem responde. Ela se abaixa até o chão, justa-mente perto da porta, e chora, enquanto os outros vão-se indo embora, pouco a pouco.
Depois, ela levanta a cabeça, olha lá para dentro, e, por entre suas lágrimas, vê dois anjos à cabeceira e aos pés a pedra da unção. Está tão estonteada a pobre da Maria, ao travar sua feroz batalha entre a esperança que morre e a fé que não quer morrer, que ela olha para eles, como que hebetada, sem dar nem sinal de admiração. Outra coisa ela não tem, a não ser lágrimas, ela, a mulher forte, que a tudo tem resistido, como uma heroína.
“Por que estás chorando mulher?”, pergunta-lhe um daqueles dois jovens, pois o aspecto deles é de uns adolescentes muito belos.
“Porque levaram embora o meu Senhor, e eu não sei onde o colocaram.”
Maria não tem medo de conversar com eles, nem lhes pergunta: “Quem sois?” Nada. Nada mais a espanta. Por tudo o que pode espantar uma criatura, ela já passou. Agora ela não passa de uma coisa destruída, que sofre, já sem forças e sem defesa.
O jovenzinho angelical olha para o seu companheiro e sorri. E o outro também. E, em um cintilar de alegria angélica, os dois olham para fora, para o pomar, que está todo florido, com milhões de corolas que se abriram, ao primeiro raio do Sol sobre as macieiras plantadas no pomar.
Maria se volta para ver os que a estão olhando. E vê um homem muito bonito que está olhando para ela com piedade, e que lhe pergunta:
Mulher, por que é que estás chorando? A quem é que procuras?”
 É verdade que é um Jesus ofuscado pela sua piedade para com uma criatura que as demasiadas emoções fizeram definhar e que poderia até morrer por alguma alegria inesperada, mas fico perguntando a mim mesma como é que ela não é capaz de reconhecê-lo.
E Maria, por entre soluços, diz: “Levaram o meu Senhor Jesus! Eu tinha vindo para embalsamá-lo, esperar que Ele surgisse... Procurei ajuntar toda a minha coragem, a minha esperança e a minha fé, ao redor do meu amor... e agora não o encontro mais. Eu cheguei até a pôr todo o meu amor a serviço da fé, da esperança, da coragem para defendê-lo dos homens... Mas foi tudo inútil. Os homens roubaram o meu Amor, e com ele me tiraram tudo... ô meu Senhor, se foste tu que o levaste embora, dize-me onde o puseste. E eu irei buscá-lo. E não direi nada a ninguém... Será um segredo entre mim e ti. Olha: eu sou a filha do Teófilo, a irmã de Lázaro, mas estou de joelhos diante de ti, suplicando-te como uma escrava. Queres vender-me o Corpo dele? Eu o comprarei. Quanto queres? Eu sou rica. Posso dar-te tanto de ouro e pedras preciosas, tanto quanto for o peso dele. Mas entrega-o a mim. Eu não te denunciarei. Queres bater-me? Podes fazê-lo. Até o derramamento de sangue, se quiseres. Se tu o odeias, tira uma desforra em mim. Mas entrega-o a mim. Oh! Não me faças pobre por tão pouco, ó meu Senhor. Tem piedade de uma pobre mulher! Não o queres fazer para mim? Então faze-o pela Mãe dele. Dize-me! Dize-me onde é que esta o meu Senhor Jesus. Eu sou forte. E o tomarei em meus braços, e o levarei a salvo, como se fosse um menino. Senhor... Senhor... tu estás vendo... há três dias que estamos castigados pela ira de Deus por tudo aquilo que foi feito ao Filho de Deus... Não acrescentes a Profanação ao Delito...”
“Maria!” Jesus cintila, ao chamá-la. Ele se revela em seu fulgor triunfante.
“Raboni!” O grito de Maria é realmente “o grande grito", que fecha o ciclo da morte. Com o primeiro, as trevas do ódio enfaixaram a vítima com bandagens fúnebres, e com o segundo as luzes do amor aumentaram o seu esplendor.
E Maria se levanta, ao dar aquele grito, que ecoa por toda a horta, corre aos pés de Jesus, e quereria beijá-los. Jesus a afasta, tocando nela somente com as pontas dos dedos, na fronte, e diz: “Não me toques! Eu ainda não subi para o meu Pai com esta veste. Vai aos meus irmãos e amigos, e dize lhes que Eu vou subir ao meu e vosso Pai, ao meu e vosso Deus. E depois irei a eles.”
 E Jesus desaparece, absorvido por uma luz intolerável.
Maria beija o chão onde Ele estava, e vai correndo para casa. Ela entra como um foguete, pois o portão está entreaberto, para dar passagem ao patrão, que está saindo para ir à fonte. Ele abre a porta do quarto de Maria, e ela se abandona sobre o coração dela, gritando: “Ressuscitou! Ele ressuscitou! ”, e ela chora, de tão feliz.
Enquanto isso, vêm chegando Pedro e João, e do Cenáculo chegam espavoridas a Salomé e a Susana e ouvem o que ela está contando, eis que vem entrando da estrada Maria do Alfeu com Marta e Joana que, com uma respiração alterada dizem que “elas também estiveram lá, e que viram dois anjos que se diziam, um o Guarda do Homem-Deus e o outro o Anjo de sua Dor, e que eles lhes deram a ordem de dizer aos discípulos que Ele havia ressuscitado.” E, visto que Pedro sacode a cabeça, elas insistem, dizendo: “Sim Eles disseram: “Por que procurais o Vivente entre os mortos? Ele não está aqui. Ressuscitou, como Ele disse, quando ainda estava na Galiléia. Não estais lembrados? Ele disse assim:
“O Filho do Homem deve ser entregue nas mãos dos pecadores e ser crucificado. Mas no terceiro dia ressuscitará.”
Pedro sacode a cabeça, dizendo: “Houve muitas coisas demais estes dias... Não tereis ficado perturbados?” Maria Madalena levanta a cabeça do peito de Maria, e diz: Eu o vi. E lhe falei. Ele me disse que vai subir para junto do Pai, e que depois volta. Como Ele estava belo.”, e ela chora como nunca chorou, agora que ela não precisa mais de torturar-se com a força que tem que fazer contra aquela dúvida, que surgia de todos os lados. Mas Pedro e também João continuam cheios de dúvidas. Eles olham-se um ao outro, mas seus olhos estão dizendo: “Imaginação de mulheres! ”
Até Susana e Salomé põem-se agora a falar. Mas há uma mesma e inevitável diversidade nos particulares a respeito dos guardas, que antes eram dados como mortos, e depois não o estão mais, ou sobre os anjos, pois agora é um, e depois são dois. ou sobre os apóstolos, aos quais eles não se mostraram, ou das duas versões, uma que Jesus vai vir aqui, e outra que Ele vai, na frente dos seus, para a Galiléia, e tudo isso faz que a dúvida, e também a persuasão dos apóstolos cresçam cada vez mais. Maria, a Mãe bem-aventurada, se cala e vai pôr-se do lado de Madalena... Eu não compreendo o mistério deste silêncio materno.
Maria de Alfeu diz a Salomé: “Vamos, nós duas, voltar até lá. Vamos ver se estão todas embriagadas...” E elas correm para fora. As outras ficam, são pacificamente escarnecidas pelos dois apóstolos, perto de Maria, que está calada, absorta em um pensamento, que todos interpretam a seu modo, e ninguém compreende que é um êxtase.
Voltam as duas mulheres já idosas, e dizem: “É verdade! É verdade! Nós o vimos. E Ele nos disse perto da horta do Barnabé:
 “A paz esteja convosco. Não temais. Ide dizer aos meus irmãos que Eu ressuscitei, e que eles vão por estes dias para a Galiléia. Lá ainda estaremos juntos.”
Foi assim que Ela falou. E Maria tem razão. E é necessário dizer isso aos de Betânia, ao José, ao Nicodemos, aos discípulos mais fiéis, aos pastores, ide, há muito que fazer... Oh! Ele ressuscitou!...”, e choram todas aquelas piedosas mulheres.
“Vós estais loucas, ó mulheres. A dor vos fez ficar perturbadas. Para vós, a luz pareceu um anjo. O vento pareceu uma voz. O Sol pareceu o Cristo. Eu não vos critico. Eu compreendo, mas eu não posso crer além daquilo que eu vi no sepulcro aberto e vazio, e os guardas que fugiram com o cadáver roubado.”
“Mas, se os próprios guardas dizem que Ele ressuscitou! Se a cidade está toda alvoroçada e os Príncipes dos Sacerdotes estão cheios de raiva porque os guardas falaram, quando iam fugindo aterrorizados! E agora querem dizer o contrário, e são pagos para dizerem isso. Mas já se sabe. E, se os judeus não crêem na Ressurreição, não querem crer, há muitos outros que creem...
“Hum! As mulheres!...” Pedro levanta os ombros e faz como quem quer ir-se embora.
Então a Mãe, que tem sempre sobre o seu coração Madalena que chora, como um salgueiro debaixo de um aguaceiro, para sua grande alegria, e que a beija sobre os cabelos louros, levanta seu rosto desfigurado, e diz somente uma breve frase: “Ele está realmente ressuscitado. Eu o tive entre meus braços, e lhe beijei as Chagas.” Depois Ela se curva sobre os cabelos da apaixonada. E diz: “Sim, a alegria é ainda mais forte do que a dor. Mas não mais do que um grãozinho de areia, em comparação com aquilo que vai ser o teu oceano de alegria eterna. Feliz és Tu, que acima da razão, fizeste falar o Espírito.”
Pedro não tem mais coragem de negar... e, com um daqueles avanços do antigo Pedro, que agora retorna, diz, e grita, como se dos outros é que estivesse vindo aquele atraso, e não dele: “Mas, então, assim é, é necessário fazer que os outros o saibam. Aos dispersos pelo campo... é preciso procurá-los... fazer que... Vamos, movei-vos! Se ele tivesse que ir mesmo... pelo menos que venha ao nosso encontro”, e Pedro não percebe estar dando a entender que ainda não crê cegamente em sua Ressurreição.

( O Evangelho como me foi revelado -  Maria Valtorta, das paginas 223 a 232.)





Considerações sobre a Ressurreição.

 21 de Fevereiro de 1944.

Diz Jesus:

“As orações ardentes de Maria anteciparam por algum tempo a minha Ressurreição. Eu havia dito: “O Filho do Homem está para ser morto, mas no terceiro dia ressurgirá”, Eu havia morrido às três da tarde de Sexta feira. Quer calculeis os dias, dizendo os seus nomes, quer os calculeis por horas, não era a aurora do domingo a que devia me ver ressurgir. Como horas, eram somente trinta e oito, em vez das setenta e duas, as em que o meu corpo permaneceu sem vida. Como dias, devia pelo menos chegar a tarde deste terceiro dia para se poder dizer que Eu havia ficado três dias na tumba.
Mas Maria antecipou o milagre. Foi como quando, com sua oração, Ela abriu os Céus, com a antecipação de cerca de um ano sobre a época prefixada, para dar ao mundo a sua salvação, assim agora Ele obteve a antecipação de algumas horas, para dar um conforto ao seu coração, que estava morrendo. E Eu, ao primeiro alvorecer do terceiro dia, desci como o sol e, com o meu fulgor, desfiz os selos humanos, tão inúteis diante do poder de um Deus, de minha força Eu fiz uma alavanca, para fazer revirar a pedra, que inutilmente estava sendo velada, com meu aparecimento fiz um fulgor, que aterrorizou os três vezes inúteis guardas, lá postos para vigiarem uma morte que era vida, e que nenhuma força humana podia impedir que assim o fosse.
Bem mais poderoso do que a vossa corrente elétrica, o meu Espírito entrou, como uma espada de Fogo divino, a esquentar os frios despojos do meu cadáver, e ao novo Adão o Espírito de Deus bafejou-lhe a vida, dizendo a Si mesmo: “Torna a viver. Assim Eu quero.”
Eu, que havia ressuscitado dos mortos, quando Eu não era mais do que o Filho do Homem, a Vítima designada para arcar com as culpas do mundo, Eu não devia poder ressuscitar a mim mesmo, mas agora que Eu era o Filho de Deus, o Primeiro o Último, o Vivente eterno, Aquele que tem em suas mãos a chaves da vida da morte? Foi aí que o meu cadáver percebeu que a Vida ia voltando para ele.
Olha: assim como o homem que desperta, depois de um sono que sobreveio a um grande cansaço, Eu tenho uma respiração, ainda profunda. E ainda nem posso abrir os olhos. o sangue começa a circular de novo nas veias, com pouca velocidade, por enquanto, e de novo leva o pensa-mento à mente. Mas Eu estou vindo de muito longe! Olha só: como um homem ferido que um poder milagroso curou. O sangue está voltando às veias, enche de novo o coração, aquece os membros, as feridas se vão cicatrizando, e a força volta. Mas Eu estava muito ferido! Estais vendo como as forças vão voltando. Eu despertei. Voltei à Vida. Estive morto. Agora estou vivo! Agora Eu surjo. Sacudo os linhos da morte, jogo fora os vasos dos ungüentos, Já não tenho mais necessidade deles, a fim de aparecer como a Beleza eterna, a eterna Integridade.
Eu vou revestir-me de novo com uma veste que não é desta Terra, e que tecida por Aquele que é o meu Pai, e que tece a seda dos lírios virginais. Eu estou revestido de esplendor. Eu me orno agora com as minhas chagas, que não soltam mais sangue, mas soltam da prisão a luz. Aquela luz, que será a alegria de minha Mãe e dos bem-aventurados, e um terror insuportável para a vista dos malditos e dos demônios, nesta terra e no último dia.
O anjo de minha vida de homem e o anjo da minha vida de dor estão prostrados diante de Mim, e adoram minha Glória. Aqui estão os meus dois anjos. Um deles se sente feliz, por estar vendo Aquele que ele guardava e que agora não tem mais necessidade da defesa angélica. o outro, que viu as minhas lágrimas, para poder ver depois o meu sorriso, que viu a minha batalha, para poder ver a minha vitória, que viu a minha dor, para poder ver a minha alegria.
Eu estou saindo da horta que está cheia de botões de flores e de orvalho. As macieiras estão abrindo suas corolas para fazerem um arco de flores sobre a minha cabeça de Rei, e as ervas formam um tapete de pedras preciosas e de corolas para o meu Pé, que volta a pisar na Terra redimida, depois de ter sido levantado acima dela, para redimi-la. E os primeiros raios do sol me saúdam, e também o vento suave de abril e a leve nuvem que passa, junto com os passarinhos que estão por entre as ramagens. Eu sou o Deus deles. Eles me adoram.
Passo por entre os guardas desfalecidos, símbolos das almas em culpa mortal, que não percebem a passagem de Deus. 
É a Páscoa, Maria. Esta é a passagem do Anjo de Deus! A sua passagem da morte para a vida. Sua passagem para darem vida aos que crêem em meu Nome. A Páscoa, a paz que passa pelo mundo. A paz, não mais velada pela condição de homem. Mas livre, completa em sua eficiência divina que voltou.
E Eu vou à minha Mãe. É bem justo que Eu vá a Ela. Isto foi justo também para com os meus anjos. Mas bem mais justo o é para com aquela que, além de ser minha guarda e conforto, ainda foi para Mim quem me deu vida. Antes de voltar ao Pai com a minha veste de homem glorificada, Eu vou à minha Mãe. Eu, no meu fulgor da minha veste paradisíaca e das minhas jóias vivas. Ela pode tocar em Mim, Ela as pode beijar, porque Ela é a Pura, a Bela, a Amada, a Bendita, a Santa de Deus.
O Novo Adão vai à Nova Eva. O mal entrou no mundo pela mulher, e pela Mulher foi vencido. O Fruto da mulher desintoxicou os homens da baba de Lúcifer. Agora, se eles quiserem, podem ser salvos. Ele salvou a mulher, que ficou tão frágil depois da ferida mortal.
E, depois de ter ido à Pura, à qual, por direito de Santidade e Maternidade, é justo que se dirija o Filho Deus, Eu me apresento à mulher redimida, ao tronco de nossa raça, à representante de todas as criaturas femininas que Eu vim livrar das mordidas da luxúria. Para que diga a elas que se aproximem de Mim, a fim de ficarem sãs, e que tenham fé em Mim, e creiam na minha misericórdia, que compreende e perdoa, e que, para vencerem a Satanás, que tenta a concupiscência delas, que elas olhem para minha Carne, ornada com cinco feridas.
Eu não me faço tocar por Ela. Ela não é a Pura que, sem contaminá-lo, pode tocar no Filho, que está de volta para o Pai. Muito ela tem que purificar-se por sua penitência. Mas o seu amor bem que merece esse prêmio. Ela soube ressurgir, por sua vontade, do sepulcro do seu vicio, estrangular a Satanás, que a possuía, desafiar o mundo por amor ao seu Salvador, e foi aí que ela aprendeu a despojar-se de tudo que não fosse amor, aprendeu a não ser mais do que um amor, que só existe por seu Deus. E Deus a chama: “Maria” Escuta como ela lhe responde: “Raboni.” Nesse grito está o seu coração.
E a Ela, que o mereceu, Eu a encarrego de ser a mensageira da Ressurreição. E, uma vez mais, ela será um pouco escarnecida, como se estivesse desvairada. Mas ela não se importa com o que dela os homens pensam. Maria de Magdala é agora a Maria de Jesus, como lhe chamam os homens. Ela me viu ressuscitado, e isso lhe dá uma alegria tal, que modera qualquer outro sentimento.
Estás vendo como Eu amo até a quem foi culpado, mas que quis sair da culpa? Nem a João Eu me mostrei em primeiro lugar. Mas, sim, à Madalena. João já tinha recebido de Mim o grau de Filho. E ele o podia receber, porque ele era puro, e podia ser um filho, não só espiritual, mas também quando dava ou recebia, em suas necessidades, aqueles cuidados que nascem da carne, prestando-os à Pura de Deus e dela os recebendo em suas necessidades e os cuidados com que tratamos a nossa carne, tudo isso ela dava ou recebia como a Pura de Deus. Madalena, a que ressuscitou para a Graça, foi a que teve, por primeira, a visão da Graça ressuscitada.
Quando me amais, a ponto de vencer tudo por Mim, Eu vos seguro pela cabeça e pelo coração adoentado, entre minhas mãos traspassadas, e sopro em vosso rosto o meu poder. E Eu vos salvo, vos salvo, Ó filhos que Eu amo. Vós, já tornados belos, sãos, livres, ó filhos que Eu amo. Vós vos tornais os filhos queridos do Senhor. Eu faço de vós os portadores da minha Bondade por entre os pobres homens, aqueles a quem dais testemunho da minha Bondade para com eles, a fim de que eles fiquem persuadidos dela e de Mim.
Tende, tende fé em Mim. Tende amor. Não tenhais medo. Que Vos faça confiantes no Coração de vosso Deus tudo o que Eu padeci para salvar-vos.
E tu, pequeno João, sorri agora, depois do pranto! O teu Jesus não sofre mais. Não há mais sangue, nem feridas. Mas sim luz e mais luz. Alegria e mais alegria. A minha luz e a minha alegria estejam em ti, até que chegue a hora do Céu.”


( O Evangelho como me foi revelado -  Maria Valtorta, paginas 232 a 236.)

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