A REPREENSÃO DE JESUS A JUDAS ISCARIODES PEGO ROUBANDO.
Não!, diz Judas, retrucando.
Tens medo que João ouça? Tens
medo que ele finalmente fique sabendo quem és Tu, que tens este medo, Tu que te
fazes de herói! Sim, que o tens. E tens medo de mim. Sim, que o tens. Tens
medo! Por isso não me soubeste maldizer. Por isso, finges que me tens amor, mas
é para adular-me. Para segurar-me quieto. Pois tu sabes que eu sou uma força.
Sim, Tu sabes que eu sou uma força. A força que te odeia e te vencerá. Eu
prometi seguir-te até a morte, oferecendo-te tudo, e tudo eu te ofereci, e
estarei perto de Ti á Tua hora e á minha hora. Magnífico é esse rei que não
sabe amaldiçoar e expulsar! Rei-nuvem! Rei ídolo! Rei estulto. Mentiroso!
Traidor do Teu próprio destino. Tu sempre me desprezaste, desde o nosso
primeiro encontro. Não correspondeste comigo. Tu te julgavas um sábio. És um
hebetado. Eu te ensinava o bom caminho. Mas Tu... Tu és o puro! És a criatura
que é homem, mas que é Deus. E desprezas os conselhos do Inteligente... Tu
erraste desde o primeiro momento, e ainda erras, Tu... Tu és... Ah!
O rio de palavras cessa de
repente, e, depois dele, vem um silêncio lúgubre depois de tanto clamor, e uma
lúgubre imobilidade, depois de tantos gestos. Porque enquanto eu estava
escrevendo, sem poder dizer o que estava acontecendo, Judas, parecendo sim,
parecendo muito com um cão feroz, que late, ao encontrar a caça, e que dela se
aproxima, pronto para dar o bote, foi-se aproximando cada vez mais de Jesus,
com um rosto que não se podia olhar, com as mãos em forma de garras, os cotovelos bem apertados
junto ao corpo, como se fosse saltar sobre Jesus, o qual não dá sinal de nenhum
medo, e se move, virando até as costas para o outro, que poderia agarrá-lo e
segurá-lo pelo pescoço, mas não o faz, porque vai antes abrir a porta e, olhar
pelo corredor se João foi-se embora, ou não. O corredor está vazio e meio
escuro, tendo João fechado a porta, que vai para a horta, depois que saiu de
lá. Jesus, então, torna a fechar a porta com o ferrolho e se encosta nela,
esperando, sem fazer nenhum gesto e sem dizer nenhuma palavra, que a tempestade
se acalme.
Eu não sou competente. Mas
creio não estar errada, se disser que pela boca de Judas, quem falou foi o
próprio Satanás, e que este é um momento de possessão evidente do apóstolo
pervertido por Satanás, e que ele já está para cometer o Delito, já condenado
por sua própria vontade. Até o modo como cessa o rio de palavras, deixando fora
de si o apóstolo, faz-me lembrar de outras cenas de possessão, vistas nos três
anos de vida pública de Jesus.
Jesus, encostado na porta,
todo de branco sobre a madeira escura, não faz nenhum gesto. Somente os seus
olhos poderosos, cheios de dor e de fervor, é que estão, olhando para o
apóstolo. Se se pudesse dizer que os olhos rezam, eu diria que os olhos de
Jesus estão rezando, enquanto ele olha para o desgraçado. Porque não e somente
um poder dominador o que sai daqueles olhos tão aflitos, mas é também o fervor
da oração. Depois, lá pelo fim da falação de Judas, Jesus abre os braços, que
estavam estendidos ao longo do corpo, mas não os abre, nem para tocar no Judas,
nem para fazer gestos da direção dele, nem para elevá-los para o céu. Ele os abre
horizontalmente, tomando a posição em que estão no Crucifixo, sobre a madeira
escura e a parede avermelhada. É aí que da boca de Judas saem devagar as
últimas palavras e sai aquele “ah!”, que interrompe o discurso.
Jesus fica como está, com os
braços abertos, e olhando para o apóstolo, sempre com aquele olhar de dor e de
oração. E Judas, como alguém que acabou de sair de um delírio, passa a mão
sobre o rosto suado... Depois fica pensando e procurando lembrar-se de tudo,
cai por terra, não sei se chorando, como se lhe houvessem faltado as forças.
Jesus abaixa o olhar e os
braços e, com uma voz baixa, mas clara, diz:
E então? Eu te odeio?Eu
poderia atacar-te com o pé, achatar-te chamando-te de “verme”, poderia
amaldiçoar-te, assim como te livrei da força que te fazia delirar. Tu pensavas
que era uma fraqueza a minha impossibilidade de amaldiçoar-te. Oh! Não era
fraqueza. É que Eu sou o Salvador. E o Salvador não pode amaldiçoar. Ele pode
salvar. E quer salvar... Tu disseste: “Eu sou a força. A força que te odeia, e
que te vencerá?”
Mas Eu é que sou a força, e
até sou a única força. Mas a minha força não é ódio. É amor. E amor não odeia e
não amaldiçoa nunca. A força poderia até vencer as batalhas singulares, como
entre Mim e ti, entre Mim e Satanás que está em ti, e acabar com o teu patrão
para sempre como Eu fiz agora, transformando-me no sinal que salva, no Tau, que
Lúcifer não pode ver. Ela poderia até vencer estas batalhas singulares, como
vencerá a última, ainda longínqua para quem conta por séculos, mas próxima para
quem mede o tempo com a medida da eternidade.
Mas, que adiantaria violar as
regras perfeitas do meu Pai? Seria justiça? Nisso haveria algum mérito? Não.
Não seria justiça, nem nisso haveria mérito. Não haveria justiça para com os
outros homens culpados, aos quais não é tirada a liberdade de o serem e os
quais poderiam no dia final perguntar-me e reprovar-me quanto ao porque da
condenação e a parcialidade para contigo sozinho. Serão dez, cem mil aqueles,
ou setenta vezes dez mil ou cem mil que farão os teus mesmos pecados e se
endemoninharão por sua própria vontade, e serão ofensores de Deus, torturadores
da mãe e do pai, assassinos, ladrões, mentirosos, adúlteros, luxuriosos,
sacrílegos, e no fim deicidas, matando materialmente o Cristo, num dia próximo,
e matando-o espiritualmente em seus corações nos tempos futuros. E todos
poderiam dizer-me, quando Eu vier separar os cordeiros dos cabritos, a abençoar
os primeiros e a amaldiçoar os segundos, a amaldiçoar, porque, então, não
haverá mais redenção, mas só salvação ou condenação, a tornar a amaldiçoá-los,
depois de já tê-los amaldiçoado singularmente na primeira morte e no juízo
particular. Porque o homem, e tu o sabes, pois me ouviste dizê-lo centenas de
vezes que o homem pode salvar-se, enquanto dura a vida, enquanto estiver vivo,
até os seus últimos suspiros. Basta um instante, a milésima parte de um minuto
para que tudo isso seja dito entre a alma e Deus que seja pedido o perdão, e
obtida a absolvição... Todos, como Eu dizia, poderiam dizer-me, todos esses
condenados: “ Por que é que a nós não nos ligastes ao Bem, como fizeste com
Judas? E eles teriam razão.
Porque todo homem nasce com as
mesmas coisas naturais e sobrenaturais: um corpo e uma alma. E, enquanto o
corpo, sendo gerado pelos homens, pode ser mais ou menos robusto e são, desde o
nascimento, a alma, criada por Deus, é para todos igualmente dotada das mesmas
propriedades, dos mesmos dons por Deus. Entre as almas do João, falo do
Batista, e a tua, não havia diferença, quando elas foram infundidas na carne. E
contudo Eu te digo que, mesmo que a graça não a tivesse pré-santificado, para
que o Arauto de Cristo fosse sem mancha, como conviria que o fossem todos
aqueles que me anunciam, pelo menos no que diz respeito aos pecados atuais, a
alma deles teria sido, se teria tornado bem diferente da tua. Ou melhor a tua
se teria tornado diferente da dele. Porque ele teria conservado sua alma no
frescor dos que não tem culpa, e a teria até mais ornada de justiça, de acordo
com a vontade de Deus, que vos deseja todos justos e fazendo que cresçam os
dons gratuitos, recebidos com uma perfeição cada vez mais heróica. Tu, ao
contrário, devastaste e destruíste a tua alma e os dons a ela dados por Deus.
Que é que fizeste de tua liberdade de arbítrio? E de tua inteligência? Terás
conservado em teu espírito a liberdade que ele tinha? Tens usado a inteligência
de tua mente com inteligência? Não. Tu, tu que não queres obedecer a Mim, não
digo a Mim-homem, mas nem mesmo a Mim-Deus, pois tu obedeceste a Satanás. Tu usaste
a inteligência de tua mente a liberdade do teu espírito para compreender as
Trevas. Porque assim quiseste. Diante de ti foram postos o Bem e o Mal. Depois
foi colocado diante de ti somente o Bem. Eu. O teu Eterno Criador, que tem
acompanhado o desenvolvimento de tua alma, pois que o Eterno Pensamento nada
deixa de conhecer de tudo o que se movem desde quando o tempo existe, e pôs
diante de ti o Bem, somente o Bem, porque Ele sabe que tu és mais fraco do que
uma alga da fossa.
Tu me gritaste, dizendo que eu
te odeio. Mas, sendo Ru um só com o Pai e o Amor, Um só aqui como no Céu, -
porque se em Mim há duas naturezas, e o Cristo por sua natureza humana,
enquanto a vitória não o livrar de suas limitações humanas, está agora em
Efraim, e não pode estar em outro lugar neste instante. Como Deus, o Verbo de
Deus, Eu estou no Céu e na Terra, estando sempre onipresente e onipotente a
minha Divindade – sendo Eu agora um só com o Pai e o Espírito Santo, a acusação
a Mim feita, e tu, foi a Deus Uno e Trino que a fizeste... Aquele Deus Pai, que
te criou por amor, Aquele Deus Espírito, que te falou tantas vezes, a fim de
dar-te desejos bons. É por amor. A este Deus Uno e Trino, que tanto de amou,
que te trouxe para o meu caminho, tornando-te cego para as coisas do mundo, a
fim de dar-te tempo para me veres, a fim de um modo de Me ouvires. E tu... E
tu... Depois de me teres visto e ouvido, depois de teres livremente vindo ao
Bem, ouvindo, com tua inteligência que aquele era o único caminho para a
verdadeira glória, rejeitaste o Bem e livremente te entregaste ao Mal. Mas, se
tu, com o teu livre arbítrio, quiseste isso, se sempre mais rudemente tens
repelido a minha mão, que se te oferecia, para trazer-te para fora do
sorvedouro, se tu sempre mais te foste afastando do porto, para te afundares no
furioso mar das paixões, do Mal, podes dizer a Mim, Aquele do qual Eu procedo,
Aquele que me formou homem para procurar a tua salvação, podes tu dizer que te
temos odiado?
Tu me tens censurado por ter
querido o teu mal. Também o menino mau reprova o médico e sua mãe, pelos
remédios amargos que o fazem beber e pelas coisas que ele deseja, e eles lhe
negam para o seu bem. Até este ponto Satanás tornou-te cego e doido, papa que
tu não entendas mais a verdadeira natureza, das medidas que Eu tenho tomado
para contigo, e para que tu possas chegar a dizer: “ Será uma aversão, um
desejo de arruinar-te, isso é que é o providente cuidado do teu Mestre, do teu
Salvador, do teu amigo para curar-te? Eu te procurei ter sempre perto de Mim...
Tirei de tuas mãos o dinheiro... Mas, tu não sabes, não percebes que ele é como
certas beberagens mágicas, que despertam em quem as tomou uma sede insaciável,
e colocam dentro do sangue um ardor, um furor cujo fim é a morte? Tu, estou
lendo o teu pensamento, me censuras, pensando assim: “ E, então, porque é que
durante tanto tempo, me deixaste ser o administrador do dinheiro?” Por que
assim foi? Porque, se Eu te tivesse proibido, antes de tocar nas moedas, tu já
te terias vendido antes e terias roubado antes. Mas te vendeste assim mesmo,
porque pouco podias roubar... Mas Eu devia procurar impedir que isso
acontecesse, sem violentar a tua liberdade. O ouro é tua ruína. Pelo ouro tu te
tornaste um luxurioso e um traidor...
Eis! Tu acreditaste nas
palavras de Samuel! Eu não sou... Diz Judas.
Jesus que vinha se tornando
cada vez mais claro em suas palavras, e contudo sem assumir tons violentos, nem
ameaçar com castigo, de repente dá um grito, e uma ordem, que eu diria cheia de
furor. Ele dardeja seus olhares sobre o rosto de Judas, que se levantou para
dizer aquela palavra, e lhe impõe um “cala boca”, que mais se parece com o
estampido de um raio.
Judas se agacha sobre os
calcanhares, e não abre mais a boca. Faz-se um silêncio no qual Jesus, com um
visível esforço, recompõe sua humanidade, em uma compostura, e sob um domínio
tão poderoso, que só isso já dá testemunho do que nele há de Divino. Recomeça a
falar, com sua voz de costume, calorosa, doce, quando não é severa, é
persuasiva, conquistadora. Só os demônios é que resistem aquela voz.
Eu não preciso de que me fale
Samuel, nem ninguém para ficar sabendo de tuas ações. Tu dizes que não entendes
mais as minhas palavras. Pobre infeliz! Não entendes mais nem a ti mesmo. Não
entendes mais nem o bem, nem o mal. Satanás ao qual seguiste em todas as
tentações que ele te apresentava, te fez de bobo. Mas já houve um tempo em que
tu me entendias. E acreditavas que Eu sou quem Sou! E esta lembrança não se
extinguiu em ti. E, como é que podes crer que o Filho de Deus, que Deus tenha
necessidade das palavras de um homem para conhecer os pensamentos e as ações de
um outro homem? Tu ainda não estás tão pervertido, a ponto de não creres que Eu
seja Deus, e nisto está a tua maior culpa. Porque, que tu me creias ser Deus,
isso fica demonstrado pelo medo que tens de minha ira. Tu percebes que não
estás lutando contra um homem, mas contra o próprio Deus, e tremes. Tremes,
porque como Caim, tu não podes ver e pensar em um Deus diferente, que não seja
um vingador de si mesmo e dos inocentes. Tu tens medo de que aconteça como
aconteceu a Coré, Datã e Abiron e aos sequazes deles. E, assim mesmo, tu,
sabendo quem Eu sou, lutas ainda contra Mim. Eu deveria dizer-te: “ Maldito!”
Mas Eu não seria mais o Salvador.
Tu quererias que eu te
expulsasse. Tu fazes de tudo, e ainda o dizes, para chegar a isso. Esta razão
não justifica as tuas ações. Porque para separar-se de Mim, não é preciso
pecar. E tu o podes fazer Eu te digo. Eu o venho dizendo desde Nobe, quando
voltaste a Mim, em uma linda manhã, todo sujo com tuas mentiras e libidinagens,
como se tivesse saído do Inferno, para ires cair na lama dos porcos ou na cama
das macacas libidinosas, e Eu tive que fazer um esforço contra Mim mesmo para
não te repelir com a ponta da sandália, como um farrapo nojento e, para vencer
a náusea que me incomodava, não somente em meu espírito, mas até em minhas
vísceras. Eu sempre te disse isto. Mesmo antes de aceitar-te. Mesmo antes de
vir para cá. Portanto, foi para ti mesmo, para ti somente, que Eu fiz aquele
sermão. Mas tu sempre quiseste ficar... Para tua ruína. Tu! A minha maior dor!
Mas já pensas, e o dizes, ó
herético chefe de muitos que virão, que Eu sou superior á dor. Não. Somente ao
pecado Eu sou superior. Somente a ignorância é que Eu sou superior. Ao pecado, porque
sou Deus. E a ignorância, porque não pode haver ignorância na alma que não é
lesada pela Culpa Original. Mas Eu te falo como Homem, como o Homem, como o
Adão redentor que veio reparar a culpa do Adão pecador, a fim de mostrar como
teria ficado o homem, se tivesse permanecido como foi criado: inocente. Entre
os dons de Deus dados a Adão, por ventura não estava uma inteligência sem
enganos e uma ciência muito grande, visto que a união com Deus infundia no
filho abençoado as luzes do Pai Onipotente. Eu, o novo Adão, estou acima do
pecado por minha própria vontade.
Um dia, em tempo que já vai
longe, um homem decaído a tal ponto, que era inútil pôr diante de seus olhos as
pérolas preciosíssimas das virtudes de Cristo. Não terias compreendido o valor
delas... e as teria trocado por... umas pedras, pois tão grande era o tamanho
delas! Também no deserto Eu te respondi repetindo as palavras que Eu te havia
dito naquela tarde, indo para o Getsêmani.
Se tivesse sido João, ou Simão
o Zelotes que me repetisse aquele pedido, Eu teria respondido de uma outra
maneira, porque João é um puro, e não o teria feito com a malícia com que tu
fazias, pois tu estavas cheio de malícia... E porque Simão é um velho sábio, e,
mesmo sem deixar de conhecer a vida, como a ignora João, ele chegou aquela
sabedoria que sabe contemplar cada episódio sem receber dele alguma perturbação
em seu eu. Mas ele não chegaram jamais á tentação de perguntarem se Eu nunca
havia cedido ás tentações comuns, aquela tentação. Porque na pureza intemerata
do primeiro não há lembrança de luxúria, e, na mente meditativa do segundo há
muita luz para ver a pureza que resplende um Mim.
Tu me perguntaste, e Eu te
respondi. Como Eu podia. Com aquela prudência que não deve nunca separar-se da
sinceridade, tanto uma como outra, santas aos olhos de Deus. Aquela prudência
que é como o tríplice véu, estendido entre o Santo e o povo, estendido para
guardar o segredo do Rei e aquela prudência que regula as palavras de acordo
com aquele que escuta, com sua capacidade intelectual para entender, com sua
pureza espiritual e com vossa justiça. Porque certas verdades, ditas aos sujos,
tornam-se motivo de risos, e não de veneração.
Não sei se te lembras de todas
aquelas palavras. Eu me lembro delas. E as repito aqui, nesta hora em que Eu e
tu estamos ambos á beira do Abismo. Porque... mas não é preciso dizer isso. Eu
falei no deserto em resposta aos porquê aos quais minha primeira explicação não
havia satisfeito: “ O Mestre nunca se sentiu superior ao homem para ser “ O
Messias”. Pelo contrário, sabendo que era o Homem, quis sê-lo em tudo, menos no
pecado. Para sermos mestres, precisamos ter sido alunos. Em tudo sábia, como
Deus. A minha inteligência Divina podia fazer-me, compreender até as lutas do
homem, para poder entender com os recursos de sua inteligência. Mas, algum dia,
meu pobre amigo teria podido me dizer: “ Tu não sabes o que quer dizer ser
homem e ter os sentidos e as paixões.” E teria sido este um reparo justo. Eu
vim aqui para preparar-me, não somente para a minha missão, mas também para a
tentação de Satanás. Porque o homem não teria podido ter domínio sobre Mim.
Satanás veio, quando cessou a minha união solitária com Deus, e Eu percebi que
era o Homem, com uma verdadeira carne, sujeita ás fraquezas da carne: a fome, o
cansaço, a sede, o frio. Eu percebi o que é a matéria com as suas exigências, o
moral com as suas paixões. E, se por minha vontade dominei em seu nascimento
todas as paixões não boas, deixei que crescessem as paixões santas.
Lembras-te destas palavras? E Eu
disse também na primeira vez a ti, a ti somente: “ A vida é um dom santo e por
isso deve ser amada santamente. A vida é um meio para se atingir um fim, que é
a eternidade.”
Eu disse: “ Demos, então á
vida o que lhe serve para ela durar e para ajudar o espírito em sua conquista:
continência da carne em seus apetites, continência da mente em seus desejos,
continência do coração em todas as paixões que tem um sabor humano e um arrojo
sem limites para adquirir as paixões que são do Céu: o amor a Deus e ao próximo,
a vontade de servir a Deus e ao próximo, a obediência á voz de Deus, o heroísmo
no bem e na virtude.”
E foi, então, que me disseste
que Eu podia fazer isso, porque Eu era Santo, mas que tu não podias, porque
eras um homem jovem e cheio de vitalidade. Como se o ser jovem e vigoroso fosse
uma desculpa para entregar-se ao vício, como se somente os velhos e os doentes
uns pela idade e outros pela fraqueza, impotentes para aquilo que desejavas, ardendo como estás de luxúria,
estivessem livres da tentação, da sensualidade! Nesse caso, Eu teria podido
replicar-te em muitas coisas. Mas tu não estás em condições de entendê-las. Nem
mesmo agora o estás, mas pelo menos agora não podes sorrir com aquele teu
sorriso de incredulidade, se Eu te disser que o homem sadio pode ser casto, se
por si mesmo ele não der acolhida ás seduções do demônio e da sensualidade.
Castidade é um afeto
espiritual, é um movimento que repercute sobre a carne, e a invade toda, a
eleva, a perfuma e a preserva. Quem está saturado de castidade não tem lugar
para outros sentimentos não bons. Nele não entra a corrupção. Não há lugar nele
para ela. E, além disso, a corrupção não entra vindo de fora. Ela não é um
movimento de penetração do exterior para o interior. Mas é um movimento que, do
interior do coração, do pensamento, sai para penetrar e invadir o invólucro que
é a carne. Por isso é que Eu disse que é do coração que saem as corrupções.
Todo adultério, toda luxúria, todo pecado sensual não é que tenham origem no
exterior. Mas vêm das artimanhas do pensamento que, estando corrompido, veste
com uma aparência pruriginosa tudo o que vê. Todos os homens têm olhos para
verem. Mas, como é que acontece, então, que a mulher que deixa indiferentes dez
homens, que olham para ela como para uma criatura semelhante a eles, e a vêem
como uma bela obra da natureza, mas sem por isso sentirem que se levantam
dentro deles estímulos e fantasmas obscenos, como é que ela perturba ao
undécimo homem, e o leva até a concupiscências indignas? É porque aquele undécimo
homem já corrompeu o seu coração e seu pensamento e, onde os dez viram uma
irmã, ele só vê a fêmea.
E, mesmo sem dizer-te isso, o
que Eu te disse é que Eu vim, não para os anjos, mas para os homens. Eu vim
para restituir aos homens a sua realeza de filhos de Deus, ensinando-os a
viverem como deuses. Deus é sem luxúria ó Judas. Mas Eu vos quis mostrar que o
homem também pode viver sem luxúria. Eu vos quis mostrar que se pode viver como
Eu ensino. Para mostrar-vos isso, Eu tive que tomar uma carne verdadeira, para
poder sofrer as tentações do homem e dizer ao homem, depois de o ter instruído:
“ Fazei como Eu.”
E tu me perguntas-te se Eu
pequei ao ser tentado. Tu te lembras? Eu te respondi, pois Eu estava vendo que
não podias entender que Eu tivesse sido tentado sem ter caído parecendo-te ser
uma coisa inconveniente a tentação para o Verbo, e impossível o não pecar o
homem, e Eu te respondi que todos podem ser tentados, mas que pecadores são
somente aqueles que o querem ser. O teu espanto foi grande, e ficaste tão
incrédulo, que insististe: “ Pecaste alguma vez?” Naquele tempo ainda podias
ser incrédulo. Nós nos conhecíamos, havia pouco tempo. A Palestina está cheia
de rabis, cuja doutrina é o contrário da vida que eles levam. Mas agora tu
sabes que Eu não pequei, que Eu não peco. Tu sabes que a tentação, por forte
que seja, torna o homem são, viril, um vivente entre os homens, rodeado por
eles e por Satanás, mas não me perturba até o ponto de Eu pecar. Mas, ao
contrário, toda tentação, ainda que tentar repeli-la aumenta a virulência dela,
porque o demônio a fazia ficar sempre mais forte, para vencer-me, sendo para
Mim uma vitória maior. E isso não somente quanto á luxúria, um turbilhão que me
havia rodeado, sem poder abalar nem arranhar a minha vontade.
Não há pecado lá onde não há
consentimento na tentação, Judas. Mas já há pecado lá onde, mesmo sem consumar
o ato, se acolhe e se fica contemplando a tentação. Será um pecado venial, mas
já está a caminho do pecado mortal, que ele prepara em vós. Porque acolher a tentação
e demorar-se no pensamento, acompanhar mentalmente as fases de um pecado é
enfraquecer-nos anos mesmos. Satanás sabe disso, e por isso lança diversas
chamas, sempre esperando que uma delas penetre e trabalhe dentro de vós. Depois
já seria fácil procurar que o tentado se transforme em culpado.
Tu naquele tempo não
compreendeste. Não podias entender. Agora podes. Agora és menos merecedor do
que naquele tempo, porque já compreendes, e, no entanto, Eu te repito aquelas
palavras que te foram ditas, porque tu, e não Eu, és quem a tentação repelia
não dá descanso... Ela não te dá descanso... Ela não te dá descanso, porque, tu
não a repeles totalmente. Não completas o ato, mas guardas o pensamento dele.
Hoje é assim, e amanhã... Amanhã tu cais no verdadeiro pecado. Por isso é que
Eu te ensinei a pedir a ajuda do Pai contra a tentação. Eu, o Filho de Deus,
Eu, o já vencedor de Satanás, pedi ajuda ao Pai, porque sou humilde. Tu, não.
Tu não pediste a Deus a salvação, a preservação. Tu és soberbo. E por isso vais
te precipitando no abismo.
Lembras-te de tudo isso? E
podes agora compreender o que vem a ser para Mim verdadeiro Homem, com todas as
reações do homem, o que é estar te vendo assim: luxurioso, mentiroso, ladrão,
traidor e homicida? Sabes que esforço me impões para tolerar-te perto de mim?
Sabes que cansaço me dás para dominar-me como nesta hora, para cumprir até o
fim a minha missão quanto a ti? Um outro homem qualquer já te teria pegado pelo
pescoço, ao ver que és um ladrão a arrombar e a apanhar moedas, sabendo que tu
és o traidor, e mais do que um traidor... Eis que Eu te falei. Ainda te falei
com piedade. Olha. Agora não é verão, mas pela janela vem entrando a brisa
fresca da tarde. E, no entanto, Eu estou suando como se tivesse ficado cansado
pelo mais rude dos trabalhos. Mas não
fazes idéia do que isso me custa? Nem do que és? Queres que Eu te expulse? Não.
Nunca. Quando alguém está se afogando, será um assassino quem assim o vir, e o
deixar afogar-se. Tu estás entre duas forças, que te puxam.
Eu e Satanás.
Mas, se Eu te deixar, ficará
só com ele. E como te salvarás? Tu porém, me deixarás. Com o teu espírito, tu
já me deixaste. Pois bem. Eu ainda detenho junto a Mim a crisálida de Judas. O
teu corpo, já privado da vontade de me amar, esse teu corpo que para o bem é
inerte. Eu o detenho, enquanto tu não exigires também este nada, que são os
teus despojos, para uni-los ao teu espírito, a fim de poderes pecar com todo o
teu ser.
Judas!... Não me dizes nada, ó
Judas? Não tens nem uma palavra para o teu mestre? Não tens algum pedido a
fazer-me? Eu não exijo que tu digas: “ Perdão!” Eu já te perdoei muitas vezes
sem resultado. Eu sei que esta palavra é apenas um som sobre os teus lábios.
Não é um gesto de um espírito contrito. Eu quereria um gesto do teu coração.
Será que já estás tão morto, que nem sentes mais um desejo? Fala! Tens medo de
Mim> Oh! Se o tivesses! Pelo menos isso!
Mas não me temes. Se tu me
temesses, Eu te daria as palavras que Eu te disse naquele dia longínquo no qual
falávamos das tentações e dos pecados: “ Eu te digo que, depois do Delito dos
delitos, se o culpado dele corresse aos pés de Deus com verdadeiro
arrependimento e, chorando lhe pedisse o perdão, oferecendo-se para a expiação
com confiança, sem desesperar, Deus o perdoaria, e, por meio da expiação, o
culpado ainda salvaria o seu espírito.”
Judas! Mas se tu não me temes,
Eu te amo ainda. E a este meu amor infinito não tens nenhum pedido a fazer
agora?
Não. Ou, pelo menos, uma só
coisa. Que proíbas João de falar. Como queres que eu dê uma reparação, se eu
serei o opróbrio entre vós? E diz isso com orgulho.
E Jesus lhe responde: “ E é
assim que falas? João não falará. Mas tu, pelo menos Eu to peço, procura agir
de tal modo, que nada transpareça da tua ruína. Recolhe aquelas moedas, e coloca-as
na bolsa de Joana. Eu procurarei fechar o cofre com o ferro que usaste para
abri-lo.”
( Evangelho como me foi
Revelado – Maria Valtorta, Vol 9, pgs
121,122,123,124,125,126,127,128,129,130,131)
Meses depois
deste ocorrido Judas trai Jesus por trinta moedas, dadas pelo Sinédrio. As
palavras do próprio Jesus a respeito de Judas Iscariodes, também reveladas á
Valtorta, diz que, se não existisse o Inferno, teria que criar um somente para
Judas Iscariodes.
A paz de Jesus.
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