A
eleição dos doze apóstolos.
“E agora vamos despertar estes
outros meus filhos", diz Jesus, e vai descendo, pois a sua caverna esta
mais no alto, e vai entrando em uma por uma das grutas, e chamando pelos nomes
os doze adormecidos. Simão, Bartolomeu, Filipe, Tiago e André respondem,
imediatamente. Mateus, Pedro e Tomé tardam um pouco a responder, enquanto que
Judas Tadeu já vai indo ao encontro de Jesus, já bem desperto e pronto, logo
que o vê chegar a sua soleira. O outro primo, e com ele Iscariotes e João,
estão ainda dormindo pesadamente, a ponto de Jesus precisar sacudi-los em suas
camas de folhas, ate que acordem. João, o ultimo que foi chamado, esta dormindo
tão profundamente, que nem reconhece quem é que o esta chamando, e por entre as
névoas do sono, já meio interrompido, diz em voz baixa:
“Sim, mamãe. Eu já vou..."
Mas depois vira-se para o outro lado. Jesus
sorri, assenta-se sobre o tosco enxergão, feito com folhas apanhadas pelo
bosque, inclina-se e beija na face seu João, que só então abre os olhos, e fica
pasmado ao ver Jesus ali. Num instante, ele se assenta, e diz:
"Estas precisando de mim? Aqui
estou."
"Não. Eu te despertei, como a todos os
outros. Mas tu pensaste “ que Eu era a tua mãe. E, então, Eu te beijei, para
fazer como fazem as mamães." João,
seminu, com sua túnica curta, pois usou a túnica longa e a capa para servirem
de coberta, agarra-se ao pescoço de Jesus, e esconde sua cabeça entre o ombro e
a face dele, dizendo:
"Oh! Bem que Tu és mais do que a mamãe!
Deixei-a por causa de Ti. Mas a Ti eu não deixaria por causa dela. Ela me deu a
luz para este mundo. Mas, Tu me das á luz para o Céu. Eu sei! " "Que é que sabes mais do que os
outros?"
"Aquilo que o Senhor me
disse nesta caverna. Vê, eu nunca fui a Ti, e acho que os companheiros devem
ter dito que o que eu fazia era indiferença e soberba. Mas o que pensam eles,
não me importa. Sei que Tu sabes a Verdade. Eu não vinha a Jesus Cristo, o
Filho de Deus Encarnado, mas, sim, ao que Tu és no seio do Fogo, que é o Amor
Eterno da Trindade Santíssima, a sua Natureza, a sua Essência, a sua Verdadeira
Essência - oh! eu nem sei dizer tudo o que já pude compreender nesta sombria e
escura gruta, que para mim se tornou tão cheia de luzes, nesta fria caverna na
qual fui queimado por um logo que não se vê, mas que desceu até as profundezas
do meu ser, e as incendiou, como em um doce martírio, aqui neste antro
silencioso, mas que cantou para mim as verdades celestes — mas o que Tu és, a
segunda Pessoa do inefável mistério, que é Deus, no qual eu penetro, porque o
próprio Deus aspirou-me e eu o tive sempre comigo. E, todos os meus desejos,
todos os meus prantos, todos os meus pedidos, derramei-os sobre o teu seio
divino, o Verbo de Deus! E nunca houve palavra, entre as muitas que de Ti ouvi,
vasta, como aquela que me disseste aqui, Tu, Deus Filho, Tu, Deus como o Pai;
Tu, Deus como Espírito Santo; Tu, que és o centro da Trindade. Oh! talvez eu
esteja blasfemando! mas, assim me parece, porque, se não fosses o Amor do Pai e
o Amor ao Pai, então ficaria faltando o Amor, o Divino Amor, e a Divindade já
não seria trina, pois lhe faltaria o mais conveniente dos atributos de Deus: o
seu amor! Oh! Tenho tantas coisas aqui, mas que são como a água que borbulha
contra uma barragem, e não pode sair... parece-me estar para morrer tão
violento e sublime é o tumulto, que desceu-me ao coração desde que Te
compreendi... mas por nada do mundo quereria ficar livre dele... Faz-me morrer
deste amor, meu doce Jesus."
João sorri e chora, todo ofegante, inflamado
do seu amor, abandonado sobre o peito de Jesus, como se aquela chama o tivesse
fatigado, E Jesus o acaricia, ardendo de amor, por sua vez. João volta a si,
debaixo de uma onda de humildade, que o faz suplicar: “Não digas aos outros o
que eu Te disse. Certamente eles também terão sabido viver de Deus, como eu
vivi nestes dias. Mas, põe sobre o meu segredo a pedra do silêncio."
"Fica tranquilo, João. Ninguém ficara
sabendo de tuas núpcias com o Amor. Vai vestir-te, e vem cá. Devemos
partir." Jesus vai saindo pela
trilha na qual já estão os outros. Os rostos deles já estão com um aspecto mais
venerável, mais recolhido. Os mais velhos parecem uns patriarcas, os jovens tem
um ar de madureza, de jovens dignos de respeito, que a juventude antes
escondia. O Iscariotes olha para Jesus com um tímido sorriso, com um rosto
marcado pelo choro. Jesus, ao passar, o acaricia. Pedro... nada fala. E esta tão
estranho em sua pessoa, que só isso já causa mais admiração do que qualquer
outra mudança. Ele olha atentamente para Jesus, mas com uma dignidade nova, que
parece tornar mais ampla a sua fronte já um pouco calva, e seus olhos estão
mais severos, quando até então haviam sido um continuo lampejar de chistes.
Jesus o chama para perto de Si, e lá o conserva, enquanto espera João que,
finalmente, vem vindo com um rosto, que eu não sei dizer se está mais pálido ou
mais corado, mas certamente aceso por um fogo que não chega a mudar a cor, mas
que se manifesta presente. Todos olham para ele.
"Vem cá, João, perto aqui
de Mim. E tu também, André, e tu, Tiago de Zebedeu. Depois tu, Simão, e tu,
Bartolomeu, Filipe, vós, meus irmãos, e Mateus. Judas de Simão, aqui na minha
frente. Tomé, vem cá. Sentai-vos. Eu preciso falar-vos.” Eles se assentam,
tranquilos como meninos, todos um pouco absortos em seu mundo interior, e
também atentos a Jesus, como nunca o foram antes. Sabeis o que Eu vos fiz?
Todos vós o sabeis. Vossa alma já o disse à vossa razão. Mas a alma, que nestes
dias foi rainha, ensinou à nossa razão duas grandes virtudes: a humildade e o
silêncio, que é filho da humildade e da prudência, que são as filhas da
caridade." Há apenas oito dias, que teríeis vindo proclamar as vossas
bravuras e vossos conhecimentos, como uns bravos meninos, que querem assustar e
superar seu rival. Agora estais calados. Estais transformados de meninos em
adolescentes, e já sabeis que esta proclamação poderia mortificar o
companheiro, que talvez tivesse sido menos beneficiado por Deus, e não dizeis
nada. Além disso, sois ainda como umas meninas, que já não são impúberes.
Nasceu em vós o santo pudor pela metamorfose, que vos revelou o mistério
nupcial das almas com Deus. Estas cavernas, no primeiro dia vos pareciam frias,
hostis, repelentes... agora, vós as olhais como perfumadas e luminosas câmaras
nupciais. Nelas conhecestes a Deus. Antes, tínheis ouvido falar nele. Mas não o
conhecíeis na intimidade, que faz de dois um só. Entre vós há homens que há
muitos anos estão casados, outros que não tiveram mais que umas ilusórias
relações com mulheres, e alguns, por causas diferentes, se conservam castos.
Mas os castos sabem agora o que é o amor perfeito, assim como o sabem os
casados. Posso até dizer que ninguém sabe o que é o amor perfeito, a não ser o
que não conhece nenhum apetite carnal. Porque Deus se revela aos virgens em
toda a sua plenitude e pelo prazer de entregar-se a quem é puro, pois
reencontrando parte de Si, Puríssimo, na criatura limpa de toda luxúria, e para
compensá-la de tudo o que ela nega a si mesma por amor dele. Em verdade Eu vos
digo que, pelo amor que Eu vos tenho e pela Sabedoria que possuo, se não
tivesse o dever de realizar a obra do Pai, gostaria de reter-vos aqui, e ficar
convosco, isolados, tendo a certeza de que assim Eu faria de vós, e com todo o
cuidado, uns grandes santos, sem mais nenhum extravio, sem defecções, sem
quedas, frouxidões e regressos. Mas Eu não posso. Eu devo andar para a frente.
E vós deveis andar. O mundo nos espera. O mundo profanado e profanador, que tem
necessidade de mestres e de redentores. Eu vos quis fazer conhecer a Deus, para
que o amásseis bem mais do que o mundo que, com todos os seus afetos, não vale
um só sorriso de Deus. Eu quis que pudésseis meditar sobre o que é o mundo e
sobre o que é Deus, para fazer-vos desejar o melhor. Neste momento vós não
estais desejando outra coisa senão Deus. Oh! Se Eu pudesse fixar-vos nesta
hora, neste desejo! Mas o mundo nos está esperando. E nós iremos ao mundo que
espera. Pela santa Caridade que, como enviou-Me ao mundo, assim também vos
envia, por ordem minha, ao mundo. Mas Eu vos suplico! Como pérola no escrínio,
guardai fechado o tesouro destes dias em que vos conservasses, vos cuidastes,
vos erguestes, vos revestistes, vos desposastes com Deus no vosso coração e,
como as pedras do testemunho, erguidas pelos Patriarcas para lembrança das
alianças com Deus, conservai e guardai estas preciosas lembranças em vossos
corações.
A partir de hoje, já não sois mais os discípulos prediletos, mas os
apóstolos, os chefes da minha Igreja. De vós hão de vir nos séculos dos séculos
todas as hierarquias dela, e vós sereis chamados mestres, tendo como vosso
Mestre a Deus em seu tríplice poder, sabedoria e caridade. Eu não vos
escolhi por serdes os mais merecedores. Mas por um complexo de causas que não é
necessário que conheçais agora. Eu vos escolhi para ocupardes o lugar dos pastores,
que foram os meus discípulos, desde quando eu dava os meus primeiros vagidos.
Por que foi que Eu fiz assim? Porque era bom que assim se fizesse. Entre vós há
galileus e judeus, doutos e indoutos, ricos e pobres. Isto para o mundo, para
que não se diga que Eu preferi uma categoria só. E vós não gastareis para tudo
o que é preciso fazer. Nem agora, nem depois. Nem todos vós estareis lembrados
de um ponto do Livro. Dele Eu vos farei lembrar. No segundo livro dos
Paralipômenos, no capitulo 29, está narrado que Ezequias, rei de Judá, fez
purificar o Templo e, depois que ficou purificado, fez que se oferecesse um
sacrifício pelo pecado, pelo reino, pelo Santuário e por Judá, depois do que
tiveram inicio as ofertas de cada um. Mas, como os Sacerdotes não eram suficientes
para as imolações, foram chamados, para ajudar os levitas, que eram consagrados
com um rito mais breve que os sacerdotes. Isto é o que Eu farei. Vós sois sacerdotes,
preparados com muito cuidado por Mim, Pontífice Eterno. Mas não sois
suficientes para o trabalho, que sempre irá sendo mais vasto, da imolação de
cada um ao Senhor seu Deus. Por isso, Eu associo a vós os discípulos, que
permanecerão como tais, os que nos ficam esperando ao pé do monte, os que já
estão mais acima, os que estão espalhados pela terra de Israel e os que depois
estarão espalhados por todas as partes do mundo. A eles serão dadas tarefas
iguais, porque a missão é uma só, mas a classificação deles aos olhos do mundo
será diferente. Não será assim aos olhos de Deus, junto ao qual está a justiça,
de tal modo que um discípulo desconhecido, que os apóstolos e coirmãos nem
sabem que existe, mas que vive santamente levando Deus às almas, será maior do
que um grande apóstolo muito conhecido, mas que de apóstolo só tem o nome, pois
que ele desce de sua dignidade de apóstolo para se entregar a objetivos
humanos. Tarefa de apóstolos e de discípulos há de ser sempre a dos sacerdotes
e levitas de Ezequias: promover o culto, derrubar as idolatrias, purificar os
corações e os lugares, pregar o Senhor e sua palavra. Tarefa mais santa não há
sobre a Terra. Nem haverá dignidade mais alta do que a vossa. Mas por isso é
que Eu vos disse: "Ouvi-vos, examinai-vos". Ai do apóstolo que cai! Consigo ele arrasta muitos discípulos, e eles
arrastam um número ainda maior de fiéis,
e a ruína irá sempre crescendo, como uma avalancha que despenca, ou como um
circulo que vai-se estendendo pela superfície do lago, por causa de um
continuado atirar de pedras num mesmo ponto.
Sereis todos perfeitos? Não. O espírito de
hoje continuará? Não. O mundo jogará os seus tentáculos para destroçar as
vossas almas. Vitória do mundo por cinco partes, filho de Satanás por outras
três, servo indiferente para com Deus nas outras duas, é a de apagar a luz nos
corações dos santos. Defendei-vos de vós mesmos contra vós, contra o mundo,
contra a carne e o demônio. Mas sobretudo defendei-vos de vós mesmos. Ide à
defesa, ó filhos, contra a soberba, a sensualidade, o fingimento, a tibieza, a
modorra espiritual e a avareza! Quando o eu inferior fala, e começa a
choramingar, falando de pretensas crueldades de que esteja sendo vitima,
fazei-o calar, dizendo: "Por um momento de provação que eu te dou, estou
preparando para ti, e para sempre, um banquete com aquele êxtase que tivemos na
caverna do monte no fim da Lua de Shebat."
Vamos. Vamos ao encontro dos outros que, em
grande número, estão esperando a minha ida. Depois eu irei, por algumas poucas
horas, a Tiberíades, e vós, pregando sobre Mim, me ireis esperar ao pé do monte
que fica na estrada que vai de Tiberíades para o mar. Eu estarei lá e subirei
para pregar. Tomai bolsas e capas. A
parada terminou, e a eleição está feita."
( O Evangelho como me foi
revelado – Maria Valtorta, Vol 3 pgs 33,34,35,36,37,38,39)
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