O PEDIDO DA MÃE DE
JUDAS
Maria Valtorta por um desejo de Deus viu e ouviu o seguinte
relato:
“Senhor, não virás comigo, comigo sozinha, à casa de uma mãe
infeliz? Isto é que eu desejo mais do que qualquer outra coisa”, diz Maria de
Simão, estando respeitosamente à frente de Jesus, enquanto, depois da refeição
do meio dia, os apóstolos se espalharam para tomar descanso, antes de retomarem
o caminho à tarde. Jesus, por sua vez, está a sombra das macieiras, cheias de
maçãzinhas verdes, a caminho de amadurecerem, e parece que Maria está voltando
a falar do que já estava falando antes.
“Sim, mulher. Eu também tenho o desejo de estar contigo,
sozinho nestas últimas horas, como naquelas primeiras, quando estive aqui.
Vamos”. E tornam a entrar na casa, Jesus para apanhar seu manto, e Maria o véu
e o manto.
...”Não me agrada fazer-te caminhar com este calor. Porque
depois... nem poderemos mais. E eu sempre desejei isto, mas sem ter nunca tido
a coragem de to pedir. Há pouco, Tu me disseste: “Maria, para mostrar-te que te
amo, como se fosses minha Mãe, eu te digo: pede-me o que desejas, e eu te
contentarei”, e foi aí que eu criei coragem. Senhor, sabes para onde estamos
indo?”
“Não, mulher.”
“Estamos indo a casa daquela que devia se a esposa do
Judas... Devia. Mas não o é, nem será nunca, porque Judas abandonou a menina,
que morreu de dor, e a mãe tem rancor de mim e do meu filho. Ela nos maldiz
sempre... Judas é tão... é tão, é tão fraco diante do mal, que só de bênçãos
tem necessidade!... Eu gostaria que Tu falasses com ela... Tu a podes
persuadir... dizer-lhe que foi até uma graça que não tenha havido casamento...
dizer-lhe que eu não tenho culpa nisso... dizer-lhe que morra sem rancor. Pois
a mulher vai morrendo lentamente, e com esse nó em sua alma. Eu quereria que
entre nós houvesse paz... porque com isso tenho sofrido muito, com vergonha do
que aconteceu, e com muita tristeza vejo desfeita uma amizade, que me acompanha
desde quando eu vim para cá, já casada. Afinal, Tu sabes, Senhor...”
“Sim, não te aflijas. Justo é o teu pedido, e Eu vou cumprir
o encargo, que é bom.”
...”Ana está aqui, desde a morte de sua filha. Está em suas
propriedades. Antes, morava em Keriot. Mas, enquanto lá viveu, e nos
encontrávamos, as suas reprovações me dilaceravam o coração.”
Entram por um caminho, pouco antes de chegarem ao povoado, e
chegam a uma casa baixa, no meio dos campos.
“Eis! Meu coração treme, agora que aqui estou... Ela não vai
querer me ver... me expulsará... ficará inquieta, e o seu pobre coração sofrerá
ainda mais... Mestre...”
“Sim. Eu vou. Tu, fica aqui, até que Eu te chame. E, reza
para ajudar-me.”
E Jesus vai a frente sozinho, e chega até à porta escancarada
da casa, aonde entra com sua doce saudação.
Aparece uma mulher: “Que queres? Quem és?”
“Venho dar um alívio à tua patroa. Leva-me a ela.”
“Um médico? Não adianta! Não há mais esperança. O coração
dela está morrendo.”
“Existe também a alma para se curar. Eu sou o Rabi.”
“Não serves, nem mesmo sendo tu o Rabi. Ela está inquieta
contra o Eterno e não quer ouvir pregações. Deixa-a assim.”
“É porque para tal estado é que Eu vim. Deixa-me passar, e
ela será menos infeliz em seus últimos dias.”
A mulher encolhe os ombros, e diz: “Entra!”
Um corredor meio escuro e fresco, e algumas portas. No fundo,
a última está semi-aberta, e lá de dentro saem umas lamentações. A mulher vai
até ela, e entra dizendo: “Minha patroa, aí está um Rabi que quer te falar.”
“Para que? Para dizer-me que estou amaldiçoada? Que não terei
paz nem na outra vida?”, diz arquejante e inquieta a doente.
“Não, para dizer-te que a tua paz será completa, e feliz
serás como a tua Joana para sempre”, diz Jesus, aparecendo sobre a soleira.
A doente, amarela, inchada, arquejante sobre sua caminha,
apoiada a muitas almofadas, olha para Ele e diz: “Oh! Que palavras! É a
primeira vez que um rabi não me censura... Que esperança!... A minha Joana...
comigo... na felicidade... não haverá mais dor... a dor causada por um
maldito...não impedido por aquela que o gerou... e que me traiu... depois de me
ter lisonjeado... Infeliz da minha filha...”, e arqueja sempre mais forte.
“Estás vendo? Tu a fazes passar mal. Eu sabia disso. Vai para
fora.”
“Não. Vai para fora tu. Deixa-me só com ela.”
A mulher sai sacudindo a cabeça.
Jesus se aproxima lentamente da cama dela. Enxuga com
delicadeza o suor da enferma, que estava procurando fazê-lo com suas mãos incrivelmente
inchadas, e a abana com um leque de palmeira. Dá-lhe de beber, tendo visto que
ela procura um refrigerante entre as bebidas que estão sobre a mesinha. Ele
parece um filho ao lado da mãe enferma. Depois, Ele se assenta de modo
delicado, mas firmemente decidido a cumprir a sua missão.
A mulher o observa, e vai-se acalmando e, com um sorriso
sofredor, diz: “És belo, e és bom. Quem és Tu, ó Rabi? Tens a delicadeza de
minha filha dileta, ao me dares este conforto.”
“Eu sou Jesus de Nazaré.”
“Tu? Tu?... Em minha casa? Porque?”
“Porque Eu te amo. Tenho uma Mãe Eu também, e em cada mãe
vejo a minha, e, nas lágrimas das mães, vejo as da minha dileta ao dar-me
conforto.”
“Porque? A tua mãe chora? Porque? Ter-lhe-á morrido algum
outro filho?”
“Estou vivo... por enquanto. Eu sou o seu Unigênito, e ainda
chora desde já, porque sabe que devo morrer.”
“Oh! Oh! Infeliz! Saber antes que um filho deve morrer! Mas,
como é que ela sabe disso? Tu estás são. Estás forte. És bom. Eu tive ilusões,
até que ela morreu, e estava tão doente! Mas, como é que pode tua mãe sabes que
Tu deves morrer?”
“Porque Eu sou o Filho do homem, predito pelos Profetas. Sou
o Homem das dores visto por Isaías, o Messias cantado por Davi, o Redentor,
mulher. E a morte me espera, horrenda... e minha mãe assistirá a ela... e minha
mãe sabe, desde que Eu nasci, que o seu coração será aberto, como o Meu, pela
dor... Não chores. Com a minha morte, abrirei as portas do Paraíso para a tua
Joana...”
“Também para mim! Também para mim!”
“Sim. A seu tempo. Mas antes deves aprender a amar e a
perdoar... Senão, não poderás entrar no Céu, com a Joana e comigo...”
A mulher chora com ansiedade. E geme, dizendo: “Amar... Amar,
quando os homens nos ensinam a odiar... quando Deus nos desamou, deixando de
ter piedade, é difícil... Como amar, quando os homens nos torturam, e feriram
as amigas, e Deus nos abandonou?”
“Não!. Não abandonou. Eu estou aqui para fazer-te promessas
celestes. Para teres a certeza de que tal dor terminará em alegria, contanto
que tu queiras. Ana, escuta-me... Tu choras por um casamento anulado, e fazes
disso a causa de todas as tuas dores, e acusas de assassino um homem por causa
disso, e de cúmplice a infeliz mãe dele. Escuta, Ana. Não passarão mais do que
poucos meses, e tu verás que foi uma graça do Céu que a Joana não tenha sido
mulher do Judas...”
“Não digas o nome dele”, grita a mulher.
“Eu o digo. E para dizer-te que deves das graças ao Senhor, e
lhe darás essas graças dentro de poucos meses.”
“Eu estarei morta em breve...”
“Não. Estarás viva, e te lembrarás de Mim, e compreenderás
que existem dores maiores do que a tua.”
“Maiores? Não é possível!”
“Que tamanho achas que pode ter a dor da minha Mãe, que me
verá morrer na cruz?” Jesus se levantou. Está impressionante. “E qual achas que
pode ser o tamanho da dor da mãe do filho que vai trair Jesus Cristo, o Filho
de Deus? Pensa, mulher, nessa Mãe. Tu, e toda Keriot, e as campinas, e o além
delas se compadecem de ti em tua dor! Disso tu tens podido gloriar-te, como de
uma coroa de mártir. Mas, e aquela mãe! Como Caim, sem ser Caim, mas sendo
Abel, a vítima do seu filho traidor, matador de Deus, sacrílego, maldito, ela
não poderá suportar olhar o homem, porque todos os olhares serão para ela como
uma pedra de apedrejamento, e na voz de cada homem, em cada palavra, lhe
parecerá estar ouvindo uma maldição, um impropério, e não encontrará refúgio
sobre a terra nunca, até à sua morte, enquanto Deus, que é justo não tomar
consigo a Mártir, fazendo-a esquecer-se de ser ela a mãe do matador de Deus, e lhe
der a posse de Deus... Não é maior a dor desta mãe?”
“Oh! Uma dor sem medida!”
“Tu estás vendo... Sê boa, Ana. Reconhece que Deus foi bom em
seu modo de agir.”
“Mas, minha filha morreu. Judas fez que ela morresse, para ir
procurar um dote maior... e a mãe dele o aprovou.”
“Não. Isto não. Eu te digo que não, Eu que vejo os corações.
Judas é meu Apóstolo, mas Eu o digo, agiu mal, e será punido por isso. Mas a
mãe dele é inocente. Ela te ama, e quereria que tu a amasses. Ana, vós sois
duas mães infelizes. Mas tu ainda podes gloriar-te da tua menina morta,
inocente, pura, que o mundo celebra com honra. Maria do Simão não pode
gloriar-se de seu filho. As suas ações são censuradas pelos homens.”
“Isso é verdade. Mas se tivesse casado com a Joana, não seria
censurado.”
“Mas, dali a pouco terias visto a Joana morrer de dor, porque
Judas morrerá de morte violenta.”
“Que dizes? Oh! Infeliz da Maria! Quando? Como? Onde?”
“Daqui a pouco. E de uma maneira horrível... Ana, Ana! Tu és
boa!. Tu és mãe! Tu sabes o que é a dor de uma mãe! Ana, volta a ser amiga da
Maria! Que a dor vos uma, como antes vos deve ter unido a alegria. Deixa-me
partir contente, por saber que ela terá uma amiga só, pelo menos uma...”
“Senhor, amar Maria... Queres dizer que eu a perdoe? É muito
penoso... Parece-me estar sepultando de novo a minha filha... que eu mesma a
estou matando...”
“Esses pensamentos vem das Trevas! Não dês ouvidos a eles.
Escuta-me a Mim, que sou a Luz do mundo. A Luz que te diz que foi menos amarga
a sorte da Joana, morrendo virgem, do que morrendo como viúva do Judas. Podes
crer-me, Ana. E pensa que, mais do que tu, quem é infeliz é Maria do Simão.”
A mulher pensa, repensa, luta, chora e diz: “Mas eu a
amaldiçoei, a ela e ao fruto de suas vísceras! Eu pequei...”
“E Eu te absolvo do pecado. E, quanto mais a amares, mais
absolvida serás no Céu.”
“Mas, se eu for amiga dela... terei que encontrar-me com
Judas. E eu não posso, Senhor, fazer isso!”
“Tu não te encontrarás mais com ele. Eu não voltarei mais a
Keriot, e Judas também não. Já nos despedimos das pessoas da cidade.”
“Oh! Tu o disseste.”
“Que não voltarei aqui mais. Judas disse que não poderá mais
vir aqui até a assunção. Mas ele pensa que me vai ver subir a um trono. Ao
contrário, porém, o que me espera é a morte na cruz. Mas tu não dirás isto.
Nunca! Que a mãe não saiba disso, enquanto não estiver tudo consumado. Tu o
disseste: “Infeliz! Saber com antecedência que o filho deve morrer. Mas, se os
sofrimentos de minha Mãe, também por causa disso, já vão aumentar os
merecimentos do meu Sacrifício, para Maria do Simão, por piedade para com ela,
é bom o silêncio. Tu não falarás.”
“Não, Senhor. Eu o juro em nome de minha Joana.”
“Eu quero uma outra promessa! Santa! Tu és boa. Já me estás
amando.”
“Sim. Muito. Estou em paz, desde que chegaste aqui.”
“Quando a Maria do Simão não tiver mais filho, e o mundo
começar a cobri-la de escárnio, tu, só tu lhe abrirás a tua casa e o teu
coração. Tu me prometes? Em nome de Deus e de Joana, Ela teria feito assim,
porque Maria era sempre para ela a mãe do sempre amado”, insiste Jesus.
“Sim”, e se põe a chorar.
“Deus te abençoe, ó mulher, e te dê paz e saúde... “Vem,
vamos ao encontro de Maria, para dar-lhe o beijo da paz...”
“Mas, Senhor. Eu não posso caminhar. Estou com as pernas
inchadas e entorpecidas. Estás vendo? Estou aqui vestida assim, mas não sou
mais do que um tronco.”
“Tu estavas assim. Vem”, e lhe estende a mão, convidando-a.
A mulher, com seus olhos fixos no dele, move as pernas do
lugar e as põe para fora da cama, pousa os pés descalços no chão, levanta-se,
caminha... Parece estar fascinada. Ainda nem se deu conta de que houve uma
cura... E vai saindo, sempre levada pela mão de Jesus, ao longo do corredor
meio escuro. E vai indo para a saída. Já está quase chegando lá, quando
encontra aquela empregada de antes, a qual dá um grito de um alegre espanto.
Acorrem outros empregados, com medo de que aquilo seja um sinal da morte, pois
estão vendo a patroa, pouco antes moribunda e com rancor contra Maria do Simão,
indo agora andando, com os braços estendidos, tendo-se separado de Jesus, indo
para a envilecida Maria, e chamando-a sobre o coração, e as duas chorando...
E ao voltar para sua casa, depois da saudação de paz, a Maria
do Simão agradece ao seu Senhor, e pergunta: “Quando virás para fazeres outro
bem assim?”
“Nunca mais ó mulher. Eu já o disse aos habitantes da cidade.
Mas o meu coração estará sempre contigo. Lembra-te, lembra-te sempre de que Eu
sei que és boa e que Deus te ama por isso. Lembra-te disso sempre. Até mesmo
quando as horas forem terríveis. Não deixes que te domine o pensamento de que
Deus te julgue culpada. Aos olhos dele, tua alma está e estará sempre ornada
pelas pérolas do teu sofrimento, Maria do Simão, mãe de Judas. Eu quero te
abençoar, Eu quero te abraçar e beijar, para que o teu beijo materno, sincero,
fiel, me sirva de compensação por todos os outros... e para que o meu beijo te
compense por todas as dores. Vem, mão de Judas. E obrigado, obrigado por tudo o
que me deste de amor e de honra”, e a abraça e beija na fronte como faz com
Maria de Alfeu.
“Nós nos veremos ainda! Eu irei à Pascoa!”
“Não. Não vás. Isto Eu te suplico. Queres fazer-me feliz? Não
vás. Mulheres na próxima Páscoa, não.”
“Mas, por que?”
“Porque...irá haver um tremendo alvoroço em Jerusalém, na
próxima Páscoa. Não é lugar para mulheres! Ao contrário... Maria, Eu darei
ordens ao teu parente que vá ficar contigo. Ficai juntos. Precisarás disso,
porque ... o Judas, de agora em diante, não poderá mais ajudar-te, nem vir...”
“Farei como Tu dizes... Então nunca mais verei o teu rosto,
no qual está refletida a paz do Céu? Quanta paz derramaste dos teus olhos em meu
coração cheio de dor!...” Maria chora.
“Não chores. A vida é breve. Depois me verás para sempre no
meu Reino.”
“Então, Tu achas que a tua humilde serva entre nele?”
“á estou vendo o teu lugar, na formatura das mártires e das
corredentoras. Não tenhas medo, Maria. O Senhor será a tua eterna recompensa.
Vamos, a tarde está chegando, e já é hora de nos pormos a caminho.”
Voltam pela estrada por onde vieram, por entre os campos e os
pomares, até chegarem à casa, onde os apóstolos estão esperando.
Jesus abrevia as despedidas, abençoa, põe-se à frente dos
seus... E lá se vai... Maria chora de joelhos...
(O Evangelho como me foi Revelado – Maria Valtorta, Vol. 6, pg.
232 a 239)
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