“NO TERCEIRO DIA, UMA LUZ VINDA DOS CONFINS DO UNIVERSO, COMO UM METEORO, VAI DIRETO ATÉ O SEPULCRO, QUANDO UM ESTRONDO SACODE A TERRA, AFASTANDO A ENORME PEDRA QUE O SELAVA, E OS GUARDAS ROMANOS FICAM ATORDOADOS. A LUZ ENTÃO ENTRA NO CORPO INERTE DE JESUS, QUE EM SEGUIDA LEVANTA, TRANSPASSANDO OS PANOS DA MORTALHA COM SEU CORPO IMATERIAL FULGURANTE. RESSUSCITANDO DOS MORTOS COM UMA MATÉRIA INCORPÓREA DE INTENSA LUZ, CONHECIDA APENAS POR DEUS, DE UMA BELEZA INDESCRITÍVEL.”

domingo, 3 de julho de 2016

UMA LINDA PASSAGEM DA VIDA OCULTA DE JESUS


A vida oculta de Jesus é um grande mistério, muitos são os historiadores e pesquisadores que gostariam de encontrar alguma passagem em algum manuscrito sobre esta época. Eu li muitos livros e pesquiso bastante a respeito das profecias, e nunca encontrei nem sequer uma menção desta época. Mas lendo o livro de Taylor Caldwell, intitulado: Médico de homens e de Almas – A história de São Lucas, o qual levou quarenta e seis anos para escrever, encontrei esta pequena e linda passagem.


“Tive uma experiência estranha, embora quando eu a contar tu possas nada ver de estranho nela, a não ser os pensamentos sentimentais de uma mulher de vinte e quatro anos, que precisa encher sua vida solitária com prodígios, imaginações e fantasias.
Jerusalém, como sabes, está cheia e rodeada de peregrinos, que vêm de toda a Terra de Israel nos dias santificados. Os ricos podem encontrar acomodações confortáveis nas hospedarias e nas tavernas ou nas casas de amigos, quando comemoram o Ano-Novo em agradável companhia, em mesas festivas e em tranqüila conversação. Mas os pobres procuraram as brechas que possas encontrar na cidade abarrotada ou acampam fora das grandes muralhas, em tendas ou cavernas. Frequentemente eu caminho entre os amontoados de centenas de peregrinos que ficam para fora das portas, suas crianças que choram, seus bandos de cabras, e ouvindo suas vozes marcadas pelos dialetos da Galiléia e de Samaria, de Moab, Perea e Decápolis. Divertem-se no Ano-Novo e suas faces morenas mostram-se piedosas e olham para o Templo com amor apaixonado, observando a mais insignificante das Leis com muita gravidade. Dormem ao uivo agudo dos chacais e sua comida é pobre, o vinho azedo. Ainda assim, são felizes, e a alegria e as preces, nas vertentes empoeiradas das colinas para além das muralhas, têm significado mais profundo e maior ressonância do que as muralhas, têm significado mais profundo e maior ressonância do que as que ouvimos nas casas grandes, circundadas de jardins, dentro da cidade.
Certa vez tu observastes, amargamente, que os pobres rezam com maior paixão porque não têm prazeres, apenas Deus. Nisso eles são, realmente, abençoados, pois se um homem não tem Deus, nada tem, e se tem Deus, então tem tudo o mais com Ele em seu coração.
Ao crepúsculo do dia do Ano-Novo, os peregrinos amontoavam-se nas ruas estreitas e tortuosas de Jerusalém, seus filhos nos braços ou a segui-los de perto, e eram um rio quente e multicolorido, movendo-se sob nuvem prateada de pó. Desci da minha liteira, num impulso, e acompanhei-os para além das pedras, onde seus repastos frugais estavam servidos em toalhas estendidas no chão. E a lua levantava-se sobre eles e abrilhantava suas fogueiras. Muitos foram os convites que me fizeram, a fim de que me reunisse a uma família para compartilhar do pão, do vinho ou de um pouco de carne, pois, como eu estava humildemente trajada, pensavam que fosse uma jovem mulher sem família, ou que me tivesse perdido entre as caravanas aglomeradas. Ouvi as canções deles, seu riso, as vozes de seus filhos, que corriam e tinham fome, os gritos de seus animais, suas orações. De repente, oprimiu-se uma solidão, uma nostalgia. Fiquei de parte, junto de uma árvore retorcida, olhando para as fogueiras que estalavam nas vertentes  das colinas e olhando seus reflexos naqueles rostos simples. Foi então que um jovem aproximou-se de mim, vestido com um manto azul, rústico, os pés metidos em sandálias presas com cordas ásperas.
Aquele rapazinho não poderia ter mais de dezoito ou dezenove anos. Ficou a meu lado, solenemente alto, e sorriu-me. Instantaneamente, parecemos ficar a sós e infinitamente solitários, juntos. Era como se um círculo de silêncio nos rodeasse, e vozes e gritos diminuíram, fazendo-se como que um sonho. Havia no rosto dele profunda sabedoria e delicadeza, ternura imensa, como se compreendesse que eu não tinha ninguém e tivesse piedade de mim. Trazia na mão um copo de barro, cheio de vinho que me ofereceu. Tomei-o e bebi-o, tão simplesmente quanto ele o dera a mim. Imediatamente, meus olhos encheram-se de lágrimas e os soluços sufocaram-me e eu desejei contar aquele jovem todo o meu sofrimento, meu exílio e minha tristeza. Ele tomou o copo vazio de minha mão, enquanto eu tentava controlar-me. Esperou até que eu me visse mais segura, e depois me disse, na mais doce e mais forte das vozes: “Sara bas Eleazar, eleva teu coração e seca tuas lágrimas, pois Deus está contigo e tu não estás só.”
Fiquei atônita e muda. Como sabia ele meu nome e a tristeza do meu espírito? Sorriu-me profundamente e uma fogueira próxima inflamou-se e vi seus olhos azuis, que se pareciam a estrelas infinitas. Senti que ele tudo sabia, não só a meu respeito mas a respeito de todo o mundo, e que nele havia uma paz para além de qualquer imaginação, para além de todo o amor e esperança.
As lágrimas cegaram-me, e quando eu as enxuguei e meu coração deixou de estremecer o jovem se fora. Cheguei a pensar que tinha sonhado aquilo, mas o gosto do vinho estava em meus lábios. Súbita e horrível sensação de perda se apoderou de mim e eu o procurei entre os peregrinos mas não tornei a vê-lo. Não pude dormir naquela noite, mas, a cada vez que choro, um conforto me vem, que não é conforto vindo de homem.
Chega. Mesmo a lembrança dele deixa-me sonhadora e dá-me uma sensação de alegria. Seria um anjo, vestido humildemente, como eram os anjos que Abraão abrigou em sua tenda? Gostaria de acreditar nisso, quase acredito nisso. Agarro-me à lembrança do rosto dele.
Estou enviando esta carta para Atenas, para tua casa, onde deves permanecer durante mais algumas semanas. Saúdo-te agora, meu querido Lucano, com todo o amor do meu coração e do meu espírito, e penso em nosso próximo encontro. E um destes dias, em tuas buscas de meu irmão Arieh, hás de encontrá-lo. Agora ele tem nove anos, e tudo em mim diz-me que está vivo e que um dia será restituído aos braços de sua irmã e de seu povo. Deus esteja contigo.


(do Livro: Médico de Homens e de Almas – A história de São Lucas – Taylor Caldwell – Editora Record – Rio de Janeiro – 2014)

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