A vida oculta de
Jesus é um grande mistério, muitos são os historiadores e pesquisadores que
gostariam de encontrar alguma passagem em algum manuscrito sobre esta época. Eu
li muitos livros e pesquiso bastante a respeito das profecias, e nunca
encontrei nem sequer uma menção desta época. Mas lendo o livro de Taylor
Caldwell, intitulado: Médico de homens e de Almas – A história de São Lucas, o
qual levou quarenta e seis anos para escrever, encontrei esta pequena e linda
passagem.
“Tive uma experiência estranha, embora quando eu a contar tu
possas nada ver de estranho nela, a não ser os pensamentos sentimentais de uma
mulher de vinte e quatro anos, que precisa encher sua vida solitária com
prodígios, imaginações e fantasias.
Jerusalém, como sabes, está cheia e rodeada de peregrinos,
que vêm de toda a Terra de Israel nos dias santificados. Os ricos podem
encontrar acomodações confortáveis nas hospedarias e nas tavernas ou nas casas
de amigos, quando comemoram o Ano-Novo em agradável companhia, em mesas
festivas e em tranqüila conversação. Mas os pobres procuraram as brechas que
possas encontrar na cidade abarrotada ou acampam fora das grandes muralhas, em
tendas ou cavernas. Frequentemente eu caminho entre os amontoados de centenas
de peregrinos que ficam para fora das portas, suas crianças que choram, seus
bandos de cabras, e ouvindo suas vozes marcadas pelos dialetos da Galiléia e de
Samaria, de Moab, Perea e Decápolis. Divertem-se no Ano-Novo e suas faces
morenas mostram-se piedosas e olham para o Templo com amor apaixonado,
observando a mais insignificante das Leis com muita gravidade. Dormem ao uivo
agudo dos chacais e sua comida é pobre, o vinho azedo. Ainda assim, são
felizes, e a alegria e as preces, nas vertentes empoeiradas das colinas para
além das muralhas, têm significado mais profundo e maior ressonância do que as
muralhas, têm significado mais profundo e maior ressonância do que as que
ouvimos nas casas grandes, circundadas de jardins, dentro da cidade.
Certa vez tu observastes, amargamente, que os pobres rezam
com maior paixão porque não têm prazeres, apenas Deus. Nisso eles são,
realmente, abençoados, pois se um homem não tem Deus, nada tem, e se tem Deus,
então tem tudo o mais com Ele em seu coração.
Ao crepúsculo do dia do Ano-Novo, os peregrinos amontoavam-se
nas ruas estreitas e tortuosas de Jerusalém, seus filhos nos braços ou a
segui-los de perto, e eram um rio quente e multicolorido, movendo-se sob nuvem
prateada de pó. Desci da minha liteira, num impulso, e acompanhei-os para além
das pedras, onde seus repastos frugais estavam servidos em toalhas estendidas
no chão. E a lua levantava-se sobre eles e abrilhantava suas fogueiras. Muitos
foram os convites que me fizeram, a fim de que me reunisse a uma família para
compartilhar do pão, do vinho ou de um pouco de carne, pois, como eu estava
humildemente trajada, pensavam que fosse uma jovem mulher sem família, ou que
me tivesse perdido entre as caravanas aglomeradas. Ouvi as canções deles, seu
riso, as vozes de seus filhos, que corriam e tinham fome, os gritos de seus
animais, suas orações. De repente, oprimiu-se uma solidão, uma nostalgia.
Fiquei de parte, junto de uma árvore retorcida, olhando para as fogueiras que
estalavam nas vertentes das colinas e
olhando seus reflexos naqueles rostos simples. Foi então que um jovem
aproximou-se de mim, vestido com um manto azul, rústico, os pés metidos em
sandálias presas com cordas ásperas.
Aquele rapazinho não poderia ter mais de dezoito ou dezenove
anos. Ficou a meu lado, solenemente alto, e sorriu-me. Instantaneamente,
parecemos ficar a sós e infinitamente solitários, juntos. Era como se um
círculo de silêncio nos rodeasse, e vozes e gritos diminuíram, fazendo-se como
que um sonho. Havia no rosto dele profunda sabedoria e delicadeza, ternura
imensa, como se compreendesse que eu não tinha ninguém e tivesse piedade de mim.
Trazia na mão um copo de barro, cheio de vinho que me ofereceu. Tomei-o e
bebi-o, tão simplesmente quanto ele o dera a mim. Imediatamente, meus olhos
encheram-se de lágrimas e os soluços sufocaram-me e eu desejei contar aquele
jovem todo o meu sofrimento, meu exílio e minha tristeza. Ele tomou o copo
vazio de minha mão, enquanto eu tentava controlar-me. Esperou até que eu me
visse mais segura, e depois me disse, na mais doce e mais forte das vozes: “Sara
bas Eleazar, eleva teu coração e seca tuas lágrimas, pois Deus está contigo e
tu não estás só.”
Fiquei atônita e muda. Como sabia ele meu nome e a tristeza
do meu espírito? Sorriu-me profundamente e uma fogueira próxima inflamou-se e
vi seus olhos azuis, que se pareciam a estrelas infinitas. Senti que ele tudo
sabia, não só a meu respeito mas a respeito de todo o mundo, e que nele havia
uma paz para além de qualquer imaginação, para além de todo o amor e esperança.
As lágrimas cegaram-me, e quando eu as enxuguei e meu coração
deixou de estremecer o jovem se fora. Cheguei a pensar que tinha sonhado
aquilo, mas o gosto do vinho estava em meus lábios. Súbita e horrível sensação
de perda se apoderou de mim e eu o procurei entre os peregrinos mas não tornei
a vê-lo. Não pude dormir naquela noite, mas, a cada vez que choro, um conforto
me vem, que não é conforto vindo de homem.
Chega. Mesmo a lembrança dele deixa-me sonhadora e dá-me uma
sensação de alegria. Seria um anjo, vestido humildemente, como eram os anjos
que Abraão abrigou em sua tenda? Gostaria de acreditar nisso, quase acredito
nisso. Agarro-me à lembrança do rosto dele.
Estou enviando esta carta para Atenas, para tua casa, onde
deves permanecer durante mais algumas semanas. Saúdo-te agora, meu querido
Lucano, com todo o amor do meu coração e do meu espírito, e penso em nosso
próximo encontro. E um destes dias, em tuas buscas de meu irmão Arieh, hás de
encontrá-lo. Agora ele tem nove anos, e tudo em mim diz-me que está vivo e que
um dia será restituído aos braços de sua irmã e de seu povo. Deus esteja
contigo.
(do Livro: Médico de
Homens e de Almas – A história de São Lucas – Taylor Caldwell – Editora Record –
Rio de Janeiro – 2014)
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