NOSSA SEMHORA FALA DE
JESUS
São Lucas pergunta:
--- Senhora, teu filho sempre soube quem Ele era? Desde sua
infância?
Maria meditou, depois inclinou a cabeça:
--- Acredito que sim. Sei que sim. Mesmo em Seu berço, que
José meu marido fez tão amorosamente com suas próprias mãos, Ele parecia estar
sempre meditando. Foi o mais doce dos bebês. Jamais chorava, nem mesmo quando
tinha fome. Parecia conhecer-nos desde o dia em que nasceu. As vezes, à noite,
eu erguia uma lâmpada sobre Ele, para ter certeza de que tudo estava bem, e de
que Ele dormia. Abria então Seus olhos queridos e sorria, tranqüilizando-me.
Foi um menino forte e vigoroso, obediente, mas muitas vezes
silencioso. Divertia-se com os brinquedos que José fazia para Ele e brincava
como as outras crianças brincam. Mas, no meio de seus brinquedos, ficava de
súbito imóvel como se pensasse ou refletisse. Era isso que aborrecia as outras
crianças, isto, e Seu súbito afastar-se delas para ficar sozinho.
Não falamos com Ele sobre Seu nascimento e Sua missão. Havia
como que um entendimento entre nós todos. Certa vez, Ele me encontrou chorando,
pois eu compreendia, vagamente, Sei fado inexorável, segundo as profecias e
segundo o que o velho Simeão me dissera no Templo. Sou mãe, Lucano. Meu Filho
era mais querido para mim do que a própria vida, e às vezes meu coração quase
de despedaçava quando eu ousava pensar se a humanidade seria digna Dele. Quando
Ele me viu chorando, e então tinha dez anos de idade, veio ter comigo,
abraçou-me e apertou-me contra seu peito de menino, calado e consolador. Não me
fez perguntas. Enxugou delicadamente meus olhos, e eu não consegui aplacar a
força dos meus soluços. Finalmente, Ele disse: “Não deves chorar, minha Mãe,
pois eu estou sempre contigo.”
Maria calou-se e, embora sorrisse, havia lágrimas em seus
olhos. Suas mãos tranqüilas começaram a tremer.
--- Quando Ele me
deixou, depois que João o batizou, e retirou-se para o deserto durante quarenta
dias, foi como se para mim toda a luz tivesse desaparecido da vida, pois
compreendi que já não O tinha mais, que dali por diante Ele pertencia a Deus e
ao mundo. José morrera. Segui meu Filho através do país muito frequentemente, e
Ele se preocupava comigo, que já não era jovem. Às vezes, quando o povo o
rodeava, ouvindo-O, eu ficava à margem da turba, não desejando perturbá-Lo com
a minha presença. Mas Seus olhos sempre me encontravam e, às vezes tornavam-se
tristes. Houve sempre, entre nós, o maior amor e devotamento. E compreensão.
Muitas vezes, quando Ele estava longe, aparecia-me em sonhos, cheio de ternura
e consolo. Sabia que eu era uma mulher, e mãe, e que sofria por Ele, e que
sempre pensava Nele como fruto do meu próprio ventre e o querido de meu
coração, acima de tudo.
Fechou os olhos, em dor profunda, e Lucano sentiu que ela
pensava na crucificação, pois seu rosto empalideceu e tornou-se rígido. Depois
de um momento recomeçou a falar, em voz baixa.
--- Houve uma noite estranha, de que me recordo, quando Ele
tinha quatorze anos. Durante todo o dia trabalhava na oficina, pois era um
carpinteiro maravilhoso, deixou a casa e subiu para a colina que ficava atrás
de nossa habitação. Não avia ninguém por ali, pois era a hora da refeição
noturna. Eu jamais vira o céu tão vermelho como estava então, como se o
firmamento se incendiasse. Mesmo as montanhas flamejavam, como pedras
reluzentes, Não sei por que O segui. Fiquei de pé, abaixo Dele, na pequena
passagem de pedra, e levantei os olhos para onde Ele estava. Meu Filho vestia
uma roupa branca, que eu fiara e costurara para Ele, e parecia uma estátua de
pé, contra a paisagem fulgurante. Não se movia, era como se esperasse. Tão
grande e inspiradora de respeitoso temor era a cena, tão flamejante de fogo
fosco, que fechei os olhos por um momento. Quando os abri de novo, Ele não
estava sozinho.
Um grande anjo escuro, alto e majestoso, estava em pé diante
Dele, e eu senti que aquele anjo era só maldade, embora tivesse um rosto
sombriamente belo. Parecia estar vestido ao mesmo tempo em flama e noite, e
suas asas poderosos refletiam o crepúsculo, como basalto esculpido.
Ele e meu Filho contemplavam-se mutuamente, em silêncio, e
meu coração estremeceu de terror, ao vê-los assim se defrontando. Falaram? Não
sei. Embora tudo estivesse silencioso, não ouvi uma só palavra. Meu Filho era
muito jovem, mas alto e ereto, e não mostrava receio diante do terrível anjo de
rosto belo, que era sarcástico e cheio de orgulho.
Então, enquanto eu os observava, o anjo abaixou-se e levantou
nas mãos um punhado de terra, mostrando-o a meu Filho, e então ouvi um riso
leve e escarnecedor. Como compreendi, não sei, mas ele estava mostrando a Jesus
a inutilidade do mundo. Atirou a terra e pisou sobre ela, e foi então que ouvi
o leve cascatear de trovão, que parecia vir do próprio anjo.
Então, Jesus também abaixou-se, levantou alguma terra em Suas
mãos, e segurou-a ternamente, esfregando-a entre Seus dedos. Era terra seca e
sem verdura, mas, quando Ele a segurou, ela subitamente floresceu num ramalhete
de espessas folhas verdes de onde surgiram minúsculos lírios, que se curvavam.
Pude sentir-lhes a fragrância que o vento trazia.
O anjo olhou para as flores, recuou e cobriu o rosto com as
mãos. Então, com um grito tremendo, desapareceu, e meu Filho ficou sozinho.
Corri, descendo o caminho da colina, para a minha casa, e
logo depois voltava, Olhou muito para mim, depois abraçou-me, e beijou-me na
face. Agarrei a Ele. Nada dissemos. Sentamo-nos e fizemos a nossa refeição.
(do Livro: Médico de
Homens e de Almas – A história de São Lucas – Taylor Caldwell – Editora Record
– Rio de Janeiro – 2014-pgs. 696 a 698)
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