“NO TERCEIRO DIA, UMA LUZ VINDA DOS CONFINS DO UNIVERSO, COMO UM METEORO, VAI DIRETO ATÉ O SEPULCRO, QUANDO UM ESTRONDO SACODE A TERRA, AFASTANDO A ENORME PEDRA QUE O SELAVA, E OS GUARDAS ROMANOS FICAM ATORDOADOS. A LUZ ENTÃO ENTRA NO CORPO INERTE DE JESUS, QUE EM SEGUIDA LEVANTA, TRANSPASSANDO OS PANOS DA MORTALHA COM SEU CORPO IMATERIAL FULGURANTE. RESSUSCITANDO DOS MORTOS COM UMA MATÉRIA INCORPÓREA DE INTENSA LUZ, CONHECIDA APENAS POR DEUS, DE UMA BELEZA INDESCRITÍVEL.”

sexta-feira, 8 de julho de 2016

JESUS E O ANJO NEGRO


NOSSA SEMHORA FALA DE JESUS


São Lucas pergunta:

--- Senhora, teu filho sempre soube quem Ele era? Desde sua infância?
Maria meditou, depois inclinou a cabeça:
--- Acredito que sim. Sei que sim. Mesmo em Seu berço, que José meu marido fez tão amorosamente com suas próprias mãos, Ele parecia estar sempre meditando. Foi o mais doce dos bebês. Jamais chorava, nem mesmo quando tinha fome. Parecia conhecer-nos desde o dia em que nasceu. As vezes, à noite, eu erguia uma lâmpada sobre Ele, para ter certeza de que tudo estava bem, e de que Ele dormia. Abria então Seus olhos queridos e sorria, tranqüilizando-me.
Foi um menino forte e vigoroso, obediente, mas muitas vezes silencioso. Divertia-se com os brinquedos que José fazia para Ele e brincava como as outras crianças brincam. Mas, no meio de seus brinquedos, ficava de súbito imóvel como se pensasse ou refletisse. Era isso que aborrecia as outras crianças, isto, e Seu súbito afastar-se delas para ficar sozinho.
Não falamos com Ele sobre Seu nascimento e Sua missão. Havia como que um entendimento entre nós todos. Certa vez, Ele me encontrou chorando, pois eu compreendia, vagamente, Sei fado inexorável, segundo as profecias e segundo o que o velho Simeão me dissera no Templo. Sou mãe, Lucano. Meu Filho era mais querido para mim do que a própria vida, e às vezes meu coração quase de despedaçava quando eu ousava pensar se a humanidade seria digna Dele. Quando Ele me viu chorando, e então tinha dez anos de idade, veio ter comigo, abraçou-me e apertou-me contra seu peito de menino, calado e consolador. Não me fez perguntas. Enxugou delicadamente meus olhos, e eu não consegui aplacar a força dos meus soluços. Finalmente, Ele disse: “Não deves chorar, minha Mãe, pois eu estou sempre contigo.”
Maria calou-se e, embora sorrisse, havia lágrimas em seus olhos. Suas mãos tranqüilas começaram a tremer.
--- Quando Ele  me deixou, depois que João o batizou, e retirou-se para o deserto durante quarenta dias, foi como se para mim toda a luz tivesse desaparecido da vida, pois compreendi que já não O tinha mais, que dali por diante Ele pertencia a Deus e ao mundo. José morrera. Segui meu Filho através do país muito frequentemente, e Ele se preocupava comigo, que já não era jovem. Às vezes, quando o povo o rodeava, ouvindo-O, eu ficava à margem da turba, não desejando perturbá-Lo com a minha presença. Mas Seus olhos sempre me encontravam e, às vezes tornavam-se tristes. Houve sempre, entre nós, o maior amor e devotamento. E compreensão. Muitas vezes, quando Ele estava longe, aparecia-me em sonhos, cheio de ternura e consolo. Sabia que eu era uma mulher, e mãe, e que sofria por Ele, e que sempre pensava Nele como fruto do meu próprio ventre e o querido de meu coração, acima de tudo.
Fechou os olhos, em dor profunda, e Lucano sentiu que ela pensava na crucificação, pois seu rosto empalideceu e tornou-se rígido. Depois de um momento recomeçou a falar, em voz baixa.
--- Houve uma noite estranha, de que me recordo, quando Ele tinha quatorze anos. Durante todo o dia trabalhava na oficina, pois era um carpinteiro maravilhoso, deixou a casa e subiu para a colina que ficava atrás de nossa habitação. Não avia ninguém por ali, pois era a hora da refeição noturna. Eu jamais vira o céu tão vermelho como estava então, como se o firmamento se incendiasse. Mesmo as montanhas flamejavam, como pedras reluzentes, Não sei por que O segui. Fiquei de pé, abaixo Dele, na pequena passagem de pedra, e levantei os olhos para onde Ele estava. Meu Filho vestia uma roupa branca, que eu fiara e costurara para Ele, e parecia uma estátua de pé, contra a paisagem fulgurante. Não se movia, era como se esperasse. Tão grande e inspiradora de respeitoso temor era a cena, tão flamejante de fogo fosco, que fechei os olhos por um momento. Quando os abri de novo, Ele não estava sozinho.
Um grande anjo escuro, alto e majestoso, estava em pé diante Dele, e eu senti que aquele anjo era só maldade, embora tivesse um rosto sombriamente belo. Parecia estar vestido ao mesmo tempo em flama e noite, e suas asas poderosos refletiam o crepúsculo, como basalto esculpido.
Ele e meu Filho contemplavam-se mutuamente, em silêncio, e meu coração estremeceu de terror, ao vê-los assim se defrontando. Falaram? Não sei. Embora tudo estivesse silencioso, não ouvi uma só palavra. Meu Filho era muito jovem, mas alto e ereto, e não mostrava receio diante do terrível anjo de rosto belo, que era sarcástico e cheio de orgulho.
Então, enquanto eu os observava, o anjo abaixou-se e levantou nas mãos um punhado de terra, mostrando-o a meu Filho, e então ouvi um riso leve e escarnecedor. Como compreendi, não sei, mas ele estava mostrando a Jesus a inutilidade do mundo. Atirou a terra e pisou sobre ela, e foi então que ouvi o leve cascatear de trovão, que parecia vir do próprio anjo.
Então, Jesus também abaixou-se, levantou alguma terra em Suas mãos, e segurou-a ternamente, esfregando-a entre Seus dedos. Era terra seca e sem verdura, mas, quando Ele a segurou, ela subitamente floresceu num ramalhete de espessas folhas verdes de onde surgiram minúsculos lírios, que se curvavam. Pude sentir-lhes a fragrância que o vento trazia.
O anjo olhou para as flores, recuou e cobriu o rosto com as mãos. Então, com um grito tremendo, desapareceu, e meu Filho ficou sozinho.
Corri, descendo o caminho da colina, para a minha casa, e logo depois voltava, Olhou muito para mim, depois abraçou-me, e beijou-me na face. Agarrei a Ele. Nada dissemos. Sentamo-nos e fizemos a nossa refeição.


(do Livro: Médico de Homens e de Almas – A história de São Lucas – Taylor Caldwell – Editora Record – Rio de Janeiro – 2014-pgs. 696 a 698)

Sem comentários:

Enviar um comentário