O CARPINTEIRO JESUS DE NAZARÉ
“Vem
ver o meu trabalho, e dize-me que tintas devo usar agora. São coisas ainda
humildes, porque eu sou um aprendiz muito inexperiente.”
“Vamos,
Simão...”, e Jesus deixa ali suas ferramentas, e sai com Simão.
Voltam
depois de algum tempo, e Jesus lhe mostra a escada da horta: “Passa a tinta
nela. O verniz torna também impermeável a madeira, e a conserva mais tempo,
além de torná-la mais bonita. É como a defesa e o embelezamento das virtudes do
coração humano. Ele pode ser grosseiro, rústico... Mas, como as virtudes o
vestem, ele se torna bonito, de uma aparência agradável. Vê como para se
conseguir uma cor de bonita aparência e um serviço bem apresentável, são
necessárias muitas precauções. Em primeiro lugar, apanha com muita atenção o
que é necessário para consegui-la, isto é, um recipiente que esteja bem limpo
de todo terriço ou do resto de tintas velhas, usar óleos bons e tintas boas,
misturar com paciência, manipular, fazer da mistura um líquido nem grosso nem
ralo demais. Não cansar-se de trabalhar, até que o mais miúdo dos grumos se
tenha dissolvido. Tendo feito isso, tomar de um pincel que não esteja perdendo
os pelos, nem os tenha excessivamente duros, nem macios demais, que esteja bem
limpo de qualquer outra tinta usada anteriormente e, antes de aplicar o verniz,
limpar a madeira de todas as asperezas, de velhos vernizes descascados, do
barro, e de tudo, com a mão firme para ir sempre em uma direção, estender com
paciência, com muita paciência, a tinta. Porque numa mesma tábua encontram-se
resistências diferentes. Em uma que tem nós, por exemplo, a tinta fica lisa, é
verdade, mas adere mal, como se a superfície da madeira naquele ponto a
estivesse rejeitando. E também vice-versa, sobre as partes macias da madeira a
tinta adere logo, mas as partes macias geralmente são poucos lisas, e então
podem formar-se vesículas, ou riscos... É nesse caso que se conserta, com mão
firme e uma força regulada e constante, ao estender-se a tinta. Depois há, nos
móveis velhos, as partes novas, como esta escadinha, por exemplo. E, para não
se dar que pensar que a pobre escadinha foi feita atabalhoadamente, ou que já
está muito velha, é preciso fazer que tanto o degrau novo, como os antigos
fiquem iguais... Eis aí. É assim!
Jesus,
inclinado aos pés da escada, fala e trabalha ao mesmo tempo...
Tomé,
que deixou os seus buris e foi para perto, a fim de ver, pergunta: “Por quê
começaste por baixo, em vez de por cima? Não era melhor fazer do modo oposto ao
que foi usado?”
“Pareceria
melhor, mas não é porque a parte de baixo é a mais estragada, e mais sujeita a
estragar-se, por estar apoiada na terra. Por isso ela deve levar mais mãos. Uma
primeira mão, depois uma segunda, e uma terceira, se for preciso... e, para não
se ficar parado, esperando que o de baixo enxugue, a fim de ficar pronto para
uma nova mão, passa-a primeiro no alto, e depois na parte do meio da escada.”
“Mas
fazendo assim, podemos sujar a roupa, e estragar o trabalho feito antes.”
“Com
habilidade, não nos sujamos, nem se estraga nada. Estás vendo? É assim que se
faz. Arrepanha-se a roupa, e fica-se afastado, não pelo medo de sujar-se, mas
para que se tire o que se pôs antes.”
E
Jesus, estendendo os braços, enverniza a parte do alto da escada. E continua a
falar: “Assim que se faz com as almas. Eu disse no começo que a tinta é como o
embelezamento das virtudes sobre os corações humanos. Embelezamento e
preservação da madeira contra os carunchos, as chuvas, o calor do Sol. Ai do
dono de casa que não cuida das coisas envernizadas, e deixa que se estraguem.
Quando se vê que a madeira vai perdendo o seu verniz, é preciso não perder
tempo, e pô-lo de novo. É preciso restaurar o verniz... Também as virtudes, que
receberam um primeiro impulso para a santidade, podem perecer ou desaparecer
completamente, se o dono da casa não vigiar, e a carne e o espírito, que
ficaram nus, entregues às intempéries e aos parasitas, isto é, as paixões e
dissipações, e podem ser por elas assaltados, perder as vestes que os tornam
belos, e acabar tornando-se bons somente para o fogo.
Por
isso seja em nós, ou naqueles que amamos como nossos discípulos, quando se
notam as rachaduras, o esmaecimento nas virtudes, postas em defesa do nosso eu,
é preciso tomar logo providências, por meio de um trabalho assíduo e paciente,
até o fim da vida, para que se possa adormecer, ou morrer com uma carne e um
espírito dignos da ressurreição gloriosa. E, para que as virtudes sejam
verdadeiras e boas, é preciso iniciá-las com a intenção pura, corajosa, que
tira todos os detritos, todo terriço, e trabalhar para não deixar imperfeições
na formação da virtude, e depois assumir um comportamento nem duro, nem
indulgente demais, porque tanto a intransigência como a excessiva indulgência
são nocivas. E o pincel, que é a vontade, esteja limpo das humanidades passadas
que poderiam listrar com cores diferentes a tinta espiritual, ao esfregá-la com
coisas materiais, e prepararem-se a si mesmos e aos outros, com atividades
oportunas, cansativas é verdade, mas necessárias para expurgar o velho eu de toda lepra antiga, a fim de conservá-lo
limpo para receber a virtude. Pois não se pode misturar o que é velho com o que
é novo.
Depois
disso, que se comece o trabalho: com ordem, com reflexão. Não ficar pulando
para lá e para cá, sem um motivo sério. Não ir numa hora para um rumo, e na
outra para outro, é verdade que nos cansaríamos menos. Mas o verniz ficaria
irregular. É assim que acontece com as almas desordenadas. Elas apresentam
pontos perfeitos, e depois, ao lado deles, há coisas torcidas e cores
diferentes... É preciso insistir sobre os pontos que resistem á tinta, sobre os
nós: as maranhas da matéria ou das paixões desregradas. Mortificados, sim, pela
virtude que, semelhante a uma plaina, os lixou com muito trabalho, mas eles
continuam como um nó que foi cortado, mas não destruído, e que continua a
oferecer resistência. E nos enganam as vezes, parecendo já bem revestidos de
virtudes, enquanto que esta não passa de um leve véu, que bem depressa cai.
Cuidado com os nós das concupiscências.
Fazei
que a virtude seja repetidamente exercitada neles, para que eles não tornem a
florescer, e deturpem o novo eu. E, sobre as partes moles, sobre as
concupiscências muito fáceis demais para receberem a tinta, mas para receber
como elas querem: com vesídulas e riscos. Nesse caso, lixar e tornar a lixar,
com a cola de peixe própria para lixar, lixar ainda mais para poder dar uma ou
mais mãos de verniz, para que estas partes fiquem lisas como um esmalte compacto.
E atentos para não sobrecarregar. Um excesso de pretensões nas virtudes o que
faz é que a criatura se rebele, fique agitada e se descontrole, logo ao
primeiro choque. Não. Nem tanto, nem tão pouco. Uma justa medida em sua própria
formação de criaturas feitas de carne e alma.
E
se, como na maior parte dos casos – pois o caso das Àureas são exceções e não
regras – há partes novas, misturadas com as antigas, e também as têm os
israelitas, que de Moisés passam para o Cristo, e os pagãos, com seu mosaico de
crenças, que não poderão ser canceladas de repente, pois aflorarão depois em nostalgias
e lembranças, pelo menos nas coisas mais puras, e nesse caso se requer ainda
mais vigilância e tacto, e insistência, até que o velho se tenha tornado
homogêneo ao novo, usando das coisas preexistentes para completar as novas
virtudes. Por exemplo, nos romanos há muito espírito patriótico e uma coragem
viril. São quase uns mitos essas duas coisas. Pois bem. Não queirais
destruí-las, mas inculcai um espírito novo ao espírito patriótico, isto é, o
espírito de tornar Roma também espiritualmente grande como centro do
Cristianismo, e fazer uso da virilidade romana para tornar fortes na fé aos que
são fortes na batalha. Um outro exemplo: Àurea. A repugnância por uma revelação
a leva a amar o que é puro e a odiar o que é impuro. Pois bem. Usai dessas duas
coisas para levá-la à perfeita pureza, odiando a corrupção, como se fosse
aquele romano brutal.
Estais
compreendendo? E dos costumes fazei meios de penetração. Não destruais
brutalmente, vós não teríeis imediatamente com que edificar. Mas substituí,
pouco a pouco, o que não deve continuar em um convertido, com caridade,
paciência e tenacidade. E, visto que a matéria, especialmente entre os pagãos, já
tem uma inclinação que os leva para isso, mesmo depois que eles se convertem,
ficarão eles, sempre apoiados no mundo pagão, pois estarão vivendo nele,
insisti muito para que se livrem da carnalidade. Atrás de sensualidade penetra
tudo mais. Vigiai a sensualidade exasperada dos pagãos e confessemo-lo – muito viva
também entre vós, e, quando virdes que o contacto com o mundo está trincando o
verniz preservativo, não continueis a pintar por cima dele, mas preocupai-vos
com a parte de baixo, e mantende o equilíbrio entre o espírito e a carne, o
alto e o baixo, Mas, começai sempre pela carne, pelo vício, material a fim de
preparar para receber o Hóspede que não mora em corpos impuros, nem com
espíritos que têm o fedor das corrupções carnais...
Estais
entendendo?
E
não tenhais medo de corromper-vos, tocando com vossas vestes as partes baixas
materiais, daqueles de cujo espírito cuidais. Com prudência, a fim de não
servirdes para a ruína, em vez de para a edificação. Vivei recolhidos no vosso
eu nutrido por Deus, enfaixados pela virtude, andai com delicadeza,
especialmente quando deveis ocupar-vos do sensibilíssimo eu espiritual dos
outros, e certamente conseguireis fazer, até dos seres mais desprezíveis, seres
dignos do Céu.”
(de
Jesus à Valtorta, Vol. 7, pgs. 16 a 20)
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