“NO TERCEIRO DIA, UMA LUZ VINDA DOS CONFINS DO UNIVERSO, COMO UM METEORO, VAI DIRETO ATÉ O SEPULCRO, QUANDO UM ESTRONDO SACODE A TERRA, AFASTANDO A ENORME PEDRA QUE O SELAVA, E OS GUARDAS ROMANOS FICAM ATORDOADOS. A LUZ ENTÃO ENTRA NO CORPO INERTE DE JESUS, QUE EM SEGUIDA LEVANTA, TRANSPASSANDO OS PANOS DA MORTALHA COM SEU CORPO IMATERIAL FULGURANTE. RESSUSCITANDO DOS MORTOS COM UMA MATÉRIA INCORPÓREA DE INTENSA LUZ, CONHECIDA APENAS POR DEUS, DE UMA BELEZA INDESCRITÍVEL.”

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

O ENCONTRO DE JESUS COM AS ROMANAS NO JARDIM DE JOANA DE CUSA


O encontro de Jesus com as romanas no jardim de Joana de Cusa.

 19 de mato de 1945.
 Jesus, com a ajuda de um barqueiro, que o acolheu em seu barquinho, desembarca pela prancha do jardim de Cusa. Um Jardineiro já o viu e vai ao seu encontro para abrir-lhe a cancela, que barra aos estranhos o ingresso na propriedade ao lado do lago, - uma cancela alta e forte que, no entanto, fica escondida por uma sebe, muito viçosa e alta de toureiros e buxos, do lado externo, de onde se vai para o lago, e de rosas de todas as cores do lado interno para quem vai para a casa. As esplêndidas roseiras ornam com flores as copas bronzeadas dos toureiros e dos buxos, insinuam-se pelo meio das ramagens, atravessam e aparecem do outro lado, ou então, ultrapassam completamente a barreira verde, e fazem cair suas comas floridas para além da sebe. Só num ponto, na altura duma alameda, apresenta-se nua, e é ali que se abre para dar passagem a quem vem do lago e a quem para lá vai.
 "A paz para esta casa e para ti! Joana. Onde esta a tua patroa?" "Está lá com suas amigas. Vou já chamá-la. Há três dias que estão Te esperando, por medo de chegarem atrasadas." "Jesus sorri. O criado vai correndo chamar Joana Enquanto isso, Jesus vai caminhando lentamente para o lugar que lhe foi mostrado pelo criado, vai admirando o belíssimo jardim, poder-se-ia dizer o belíssimo roseiral, que Cusa mandou formar para sua mulher. São rosas de todas as cores, tamanhos e formas, plantadas nesta enseada bem resguardada do lago, e que já estão sorrindo, precoces e esplêndidas. Há também pés de outras flores. Mas estes ainda não floriram, e sua presença é pouco notada, diante da quantidade das roseiras.  Joana vem chegando. Ela nem pôs no chão um pequeno cesto com rosas até a metade, nem deixou a tesoura que ia levando para colhê-las, e assim vai correndo, com os braços estendidos, ágil e gentil em sua rica veste de lã leve de um cor-de-rosa muito claro, cujos frisos estão presos por um arranjo de broches e fivelas em filigrana de prata, sobre os quais brilham umas pálidas granadas. Por cima de seus cabelos negros e ondulados, um diadema em forma de mitra, também de prata e com granadas, está segurando um véu de linho muito ligeiro, também ele cor-de-rosa, que recai para trás deixando descobertas as pequenas Grelhas, das quais pendem pesados brincos parecidos com o diadema, e o rosto risonho, o pescoço delicado, sobre cuja raiz brilha um colar trabalhado com a mesma arte com que o foram todos os outros adornos preciosos. Ela deixa cair o seu cesto diante dos pés de Jesus, e se ajoelha, por entre as rosas espalhadas, para beijar-lhe a veste. "A paz esteja contigo, Joana. Eu vim." "E eu estou feliz. Elas também vieram. Oh! Agora me parece ter feito mal com isso. Como fareis para entender-vos? Elas são pagãs mesmo! "Joana está um pouco agitada. Jesus sorri, e põe-lhe a mão sobre a cabeça: "Não tenhas medo. Nós nos entenderemos muito bem. E tu agiste muito bem, "ao fazeres isto". O encontro produzirá muitas flores de bem, como o teu jardim produz de rosas. Apanha agora estas pobres rosas, que deixaste cair, e vamos ao encontro das tuas amigas." "Oh! Rosas, nós temos bastantes! Eu tratava delas para passar o tempo e, além disso, porque as minhas amigas são assim... assim... voluptuosas. Gostam das flores, como se fossem... não sei..." "Mas Eu também gosto de flores! Estás vendo como já encontramos um assunto para nos entendermos Eu e elas? Vamos! Vamos apanhar estas esplêndidas rosas...", e Jesus se inclina, para dar o exemplo. "Tu, não. Tu não, Senhor! Mas, se o queres mesmo... já está feito."  Vão caminhando até um quiosque, que é formado por um entrelaçamento multicor de roseiras. Da soleira dele, três romanas estão espreitando: Plautina, Valéria e Lídia. A primeira e a ultima estão perplexas, enquanto Valéria sai correndo para fora, e se inclina, dizendo: "Salve, ó Salvador da minha pequena Fausta!" "Paz e luz a ti e as tuas amigas."


 As amigas se inclinam sem dizerem nada. Plautina, já a conhecemos. Alta, imponente, com uns belos olhos negros, um pouco dominadores, por baixo de uma fronte lisa e muito alva, um nariz reto, perfeito, a boca um pouco saliente, mas bem feita, um queixo arredondado e distinto, que me faz lembrar de certas estátuas, muito belas, de imperatrizes romanas. Pesados anéis reluzem em suas belas mãos e grandes braceletes de ouro circundam seus braços, torneados como os das estátuas nas alturas dos pulsos e dos cotovelos, que expõem à luz um branco rosado, liso e perfeito, fora das mangas curtas e drapejadas. Lídia, por sua vez, é loura, mais delicada e mais nova. Sua beleza não é imponente como a de Plautina, mas tem toda a graça de uma juventude feminina ainda um pouco agreste. E, uma vez que estamos diante de um tema pagão, eu poderia dizer que, se Plautina parece a estátua de uma imperatriz, Lídia poderia ser uma Diana, ou uma ninfa de aspecto pudico e gentil. Valeria, agora que não está naquele desespero em que a vimos em Cesaréia, aparece em sua beleza de jovem mãe, em suas formas um pouco avolumadas, mas ainda bastante juvenis, com aqueles olhos tranquilos da mãe feliz por poder nutrir e ver crescer, com o seu leite, o seu filhinho. De cor róseo-acastanhada, ela tem um sorriso comedido, mas muito agradável. Tenho a impressão de que sejam damas de grau inferior ao de Plautina, pois até em seu modo de olhá-la, já a veneram com a uma rainha.  "Estáveis cuidando das flores? Continuai, continuai. Poderemos  ir falando, mesmo enquanto ides colhendo estas esplêndidas obras do Criador, que são as flores, e enquanto as dispondes com aquela habilidade em que Roma é mestra, ao preparar com elas esses vasos tão zelos em que se lhes prolonga a vida, que é tão breve... Se ficamos admirados, ao olharmos para este botão, que mal começa a abrir o sorriso de suas pétalas de um amarelo rosado, como poderíamos deixar de ficar tristes, ao vê-lo morrer? Mas, oh! como ficariam pasmados os judeus, se me ouvissem dizer isso! Contudo, é porque, até na natureza das flores, sentimos alguma coisa de vida. E ver o fim delas nos causa dó. Entretanto, a planta é mais sábia do que nós. Ela sabe que, de cada ferida de um dos seus talos cortados, nasce um novo broto, que produzirá uma nova rosa. E aí está o porque é que nossa mente deve recolher este ensinamento, e fazer do amor um pouco sensual pela flor, um estímulo para pensar em coisas mais altas. "Que coisas, Mestre?", pergunta Plautina, que o está escutando atentamente, seduzida pelo pensamento elegante do Mestre hebreu. "Estas. Que, assim como a planta não morre, enquanto a sua raiz está nutrida pelo solo, se não morre, quando morrem os seus talos. Sim a humanidade não morre, quando termina a vida terrena de um ser. Mas sempre ela solta novas flores. E, um pensamento ainda tais alto, e próprio para fazermos bendizer o Criador - enquanto na flor, desde que tenha morrido, já não mais revive, e isso para nós uma tristeza, o homem, por mais adormecido que esteja em seu último sono, não está morto, mas vivo, com uma vida ainda mais brilhante, recebendo, em sua parte melhor, a vida eterna e o esplendor do Criador que o formou.  Por isso, Valéria, se a tua menina tivesse morrido, não terias perdido as carícias dela. Sobre a tua alma teria sempre descido o beijo da tua filha, separada de ti, mas não esquecida do teu amor. Estás vendo como é doce ter uma fé na vida eterna? Onde está agora a tua pequenina?" "Naquele berço coberto. Eu não me separei dela nunca antes, porque o amor para com o marido e pela filha eram as duas metas de minha vida. Mas agora que sei o que é vê-la morrer, não a deixo nem por um instante." Jesus se dirige para uma cadeira sobre a qual está colocada uma coisa como um bercinho de madeira, todo coberto por uma rica colcha. Ele a descobre, e olha a pequenina adormecida, que o ar, que está soprando sobre ela um pouco mais vivo, acaba por despertar. Seus olhinhos se abrem espantados, e um sorriso de anjo faz descerrar-se a boquinha, enquanto as mãozinhas, antes fechadas, se abrem, desejosas de agarrar os cabelos ondulados de Jesus, e um chilrar de passarinho assinala a formação de um discurso no pensamento dela. Enfim, solta a grande e universal palavra: "Mamãe!" "Pega-a, pega-a", diz Jesus, que se afasta para deixar que Valéria possa inclinar-se sobre o berço. "Mas ela vai te aborrecer!... Eu vou chamar uma escrava e mandar que a leve pelo jardim." "Aborrecer? Oh! Não. As crianças nunca aborrecem. São sempre minhas amigas." "Tens filhos ou sobrinhos, Mestre?", pergunta Plautina, que está observando os sorrisos com que Jesus está provocando a pequenina para fazê-la sorrir. "Não tenho filhos nem sobrinhos. Mas amo as crianças, como amo as flores. Porque elas são puras e sem malícia. Eu até te peço, dá-me, ó mulher, a tua pequenina. Apertar contra o coração um pequeno anjo é tão doce para Mim." E Jesus se assenta com a pequenina, que fica olhando para Ele, e lhe vai despenteando a barba, e depois acha melhor fazer isso com as franjas do manto dele e com o cordão da túnica, aos quais ela dedica um longo e misterioso discurso. Plautina diz: "A nossa boa e sábia amiga, uma das poucas que não nos despreza, nem sente corromper-se em nossa companhia, ela deve ter-te dito que tínhamos o desejo de ver-te e ouvir-te para termos uma ideia do que realmente és. Porque Roma não crê em fábulas... Por que estás sorrindo, Mestre? "Depois Eu te direi. Continua." "Porque Roma não crê em fábulas, e quer julgar com ciência e consciência, antes de condenar ou exaltar. O teu povo tanto te exalta, como te calunia, na mesma medida. As tuas obras levariam a exaltar-te. Mas as palavras de muitos entre os hebreus levariam a tomar-te por nada menos do que um delinquente. As tuas palavras são solenes sábias, como as de um filósofo. Roma tem muito amor às doutrinas filosóficas e... devo dizê-lo, os nossos filósofos atuais não tem uma doutrina que satisfaça, mesmo porque o modo de vida deles não corresponde ao que eles ensinam." "Eles não podem ter um modo de vida que corresponda à sua doutrina. "Porque eles são pagãos, não é?" "Não. Porque são ateus." "Ateus? Eles tem os seus deuses." "Nem aqueles eles tem mais, mulher. Eu te faço lembrar dos antigos filósofos, os maiores. Eram pagãos, eles também, mas, não obstante isso, olha que elevação de vida houve entre eles! Estava misturada com o erro, porque o homem é levado a errar. Mas, quando eles viram diante dos maiores mistérios: a vida e a morte, quando estiveram colocados diante do dilema da Honestidade ou da Desonestidade, da Virtude ou do Vicio, do Heroísmo ou da Covardia, e pensaram que, se se inclinassem para o mal, isso seria um mal para a pátria e para os cidadãos, aí eles, com uma vontade de gigantes, jogaram para longe deles as garras dos maus pólipos e, livres e santos, souberam querer o Bem, a qualquer custo. Este Bem que outro não é, a não ser Deus."  "'Dizem que Tu és Deus. É verdade?"  "Eu sou o Filho do Deus Verdadeiro, feito carne, sem deixar de ser Deus." "Mas, que é Deus? Deve ser o maior dos mestres, se for como Tu." "Deus é muito mais do que um mestre. Não limiteis a ideia sublime da Divindade, até dar-lhe uma limitação de sabedoria." "A sabedoria é uma divindade. Nós temos Minerva. É a deusa do saber. " "Vós tendes também Vênus, deusa do prazer. Podereis admitir que um deus, isto é, um ser superior aos mortais, tenha elevado até à perfeição tudo o que há de mais feio entre os mortais? Podereis pensar que alguém, que é eterno, tenha para sempre as pequenas, mesquinhas e vis delicias dos que só têm uma hora de tempo? E que delas faça a meta de sua vida ? Não pensais que sujo há de ser esse céu, que vos chamais de Olimpo, e onde estão fermentando os sucos mais azedos da humanidade? Se olhais para o vosso céu, que é que vedes? Luxurias, delitos, ódios, guerras, furtos, bebedeiras, trapaças, vinganças. Quando quereis celebrar as festas de vossos deuses, que é que fazeis? Orgias. Qual o culto que prestais a eles? Onde está a verdadeira castidade das consagradas a festa? Sobre que código divino se apóiam, para julgar, os vossos pontífices? Que palavras podem ler no vôo dos pássaros ou no estrondo do trovão os vossos Augures? E as sangrentas vísceras dos animais sacrificados, que resposta podem dar aos vossos arúspices? Tu disseste: "Roma não crê em fábulas." E, então, por que é que crê que doze pobres homens, levando um porco ao redor dos campos, com uma ovelha e um touro e, tendo-os imolado, possam tornar propícia a Ceres, se vós tendes inúmeras divindades, uma odiando a outra, e acreditando vós nas vinganças delas? Não. Deus é uma coisa bem diferente. Ele e Eterno, é Único e Espiritual." "Mas Tu dizes que és Deus, e és carne." "Há ainda um altar sem deus, na pátria dos deuses. A sabedoria humana o dedicou ao Deus desconhecido. Porque os sábios, os verdadeiros filósofos, entreviram que havia alguma coisa, alem do cenário historiado, criado por aquelas eternas crianças que são os homens, cujos espíritos estão enfaixados pelas vendas do erro. Se agora estes sábios que intuíram haver algo além do cenário mentiroso, alguma coisa de verdadeiramente sublime e divino, que fez tudo que existe, e do qual vem tudo que há de bom no mundo, quiseram um altar para o Deus desconhecido, que eles pressentiam ser o Verdadeiro Deus, como podeis dar o nome de deuses aos que deuses não são, e dizer que sabeis o que na realidade não sabeis? Procurai, pois, saber o que é Deus, para poderdes conhecê-Lo e honrá-Lo. Deus é Aquele que do seu pensamento fez tudo do nada. Será que vos deixais persuadir e satisfazer só com a fábula das pedras que se transformaram em homens? Em verdade há homens mais duros e malvados do que a pedra, e há pedras que são mais úteis do que o homem. Mas, para ti, não é mais doce, Valéria, ao olhares para esta tua pequenina, e pensar assim: "É uma vontade viva de Deus, por Ele criada e formada, por Ele dotada de uma segunda vida que não morre, de modo que eu a terei ainda, a minha pequena Fausta, e por toda a eternidade, se eu crer no Deus Verdadeiro", em vez de dizer: "Estas carnes rosadas, estes cabelos mais finos do que fios de uma teia aranha, será que tudo isso vem de uma pedra?" Ou se haverá de dizer: "Eu sou em tudo semelhante à loba ou à fêmea do cavalo, e brutalmente me acasalo, brutalmente gero, brutalmente crio, e esta filha é fruto do meu instinto bruto, é um bruto como eu, e amanhã, quando ela morrer, quando eu também morrer, seremos duas carniças, que vão-se desfazendo com fedor, e que nunca mais se verão?"


Dize-me! O teu coração de mãe que é que acharia destas duas razões?" "Certamente que a segunda, não, Senhor! Se eu tivesse sabido que Fausta não era uma coisa que pudesse ser desfeita para sempre, a minha dor, em sua agonia, teria sido menos impiedosa. Porque eu teia dito: "Eu perdi uma pérola. Mas ela ainda existe. E eu a encontrarei de novo." "Tu o disseste. “Quando eu vim ao vosso encontro, a vossa amiga se disse que se admirava da vossa paixão pelas flores. E tinha medo de que isso pudesse Me desagradar. Mas Eu lhe garanti que não, e lhe disse: "Eu também gosto de flores e, por causa disso, vamos entender-nos muito bem." Mas quero levar-vos a amar as flores, como levo Valéria a amar a sua filha, da qual, estou certo de que ela vai cuidar com muito mais cuidado, agora que ela sabe que a filha tem uma alma, que é uma pequena parte de Deus, encerrada na carne que a mamãe lhe deu, uma pequena parte que não morre e que a mãe encontrará no céu, se crer no Verdadeiro Deus. Assim, também vós. Olhai esta rosa tão linda. A púrpura, que embeleza a veste do imperador é menos esplêndida do que uma destas pétalas, que não só é alegria para os olhos, por sua cor, mas também, para o lato, por sua maciez e do olfato, pelo seu perfume. E olhai esta também, e esta outra, e mais esta. A primeira parece sangue que jorrou de um coração, a segunda a neve que acabou de cair, a terceira é ouro pálido, a última perece ter sido feita com esta doce face infantil, que ai do colo está sorrindo para Mim. E, ainda: a primeira está rígida sobre o seu grosso pedúnculo quase sem espinhos, fortemente vermelho no meio da folhagem, como se tivesse sido borrifado de sangue; a segunda tem loucos ramos com espinhos e umas folhas opacas e pálidas ao longo do pedúnculo; a terceira é flexível como um junco e tem umas folhas pequenas e brilhantes, como se fossem de uma cera verde; e a última parece cercar o caminho contra qualquer assalto à sua rosada carola, lá tão coberta que está de espinhos. Parece uma lima com arestas pontiagudos. Pensai agora. Quem fez isto? Como? Quando? Onde? E este lugar, que é que era, na noite dos tempos? Não era nada. Era uma agitação informe de vários elementos. Alguém (Deus) disse: "Eu quero", e os elementos se separaram um do neutro, unindo-se por famílias. Outra vez soaram as palavras "Eu Altero'', e os elementos se coordenaram um com o outro, como a água por entre terras; ou um sobre o outro, como o ar e a luz sobre o planeta que estava criado. Ainda um "Eu quero", e apareceram as plantas. Depois vieram as estrelas, depois os animais e, finalmente o homem. E, para que o homem sentisse prazer, como com encantadores brinquedos dados ao seu predileto, Deus lhe deu as flores, os astros, e, finalmente lhe deu a alegria de procriar não aquilo que morre, mas aquilo que sobrevive à morte, pelo dom de Deus que é a alma. Estas rosas são outras tantas vontades do Pai. Seu infinito poder se manifesta em uma infinidade de belezas. '°Não me é fácil dizê-lo, porque o assunto vai chocar-se contra o bronze maciço das vossas crenças. Mas Eu espero que, como este é o nosso primeiro encontro, já nos tenhamos entendido um pouco. Que a vossa alma se debruce sobre tudo o que Eu vos disse. Tereis perguntas a fazer? Fazei-as. Estou aqui para esclarecê-las. A ignorância não é uma vergonha. Vergonha é persistir na ignorância, quando há alguém que possa esclarecer as dúvidas." E Jesus, como se fosse o mais experiente dos papais, sai do quiosque, segurando pela mão a pequenina, que já está dando seus primeiros passinhos, e que quer ir até um repuxo, que está esguichando ao sol. As mulheres ficam onde estão, conversando umas com as outras. Joana, indecisa entre dois desejos, está ainda na porta do quiosque. Finalmente, Lídia se decide, e atrás dela vão as outras, indo até Jesus, que lá está rindo, porque a menina quer pegar o pequeno arco íris que o sol está formando com a água, e não consegue pegar nada mais do que a luz. Mas ela insiste, com todo o seu pipilar de um pintinho, que vem saindo dos seus labiozinhos cor-de-rosa.
"Mestre... eu não compreendi porque é que disseste que os nossos mestres não podem ter formas de vida boas, visto que são ateus. Eles crêem no Olimpo. Mas crêem... " "Eles não têm nada mais que uma exterioridade em sua crença. Enquanto eles verdadeiramente creram, como os verdadeiros sábios creram naquele Desconhecido de que Eu te falei, naquele Deus que satisfazia as suas almas, mesmo sem ter nome, e mesmo sem perceberem o que estavam querendo, enquanto tiveram voltado o seu pensamento para este Ser, muito superior, muito superior aos pobres deuses cheios de humanidade, e de baixa humanidade de, que o paganismo criou, eles necessariamente, tiveram, um pouco, o reflexo de Deus. A alma é um espelho que reflete e um eco que responde. "Reflete o quê, Mestre?" "A Deus." "Eis uma grande palavra!" "É uma grande verdade." Valéria, que está seduzida pelo pensamento da imortalidade, pergunta: "Mestre, explica-me onde está a alma de minha menina. Eu beijarei o lugar como um sacrário e o adorarei, porque é um lugar de Deus." "A alma! É como esta luz que a tua Faustina está querendo segurar, mas não pode, porque ela é incorpórea. Mas ela existe. Eu, tu e tuas amigas a vemos. Igualmente a alma é visível em tudo aquilo que diferencia o homem do bruto. Quando a tua pequena te disser os seus primeiros pensamentos, pensa bem que aquela inteligência é a alma dela que se revela. Quando ela te amar, não com o instinto, mas com razão, pensa bem que aquele amor é a sua alma. Quando ela crescer, bela ao teu lado, não somente no corpo, mas na virtude, pensa bem que aquela beleza é a sua alma. E não adores a alma, mas a Deus que a criou, a Deus que de toda alma boa quer fazer para Si um trono." "Mas, onde fica essa coisa incorpórea e sublime: no coração? no cérebro? "Fica nesse todo que é o homem. Ela contém, e é contida. Quando ela vos deixa, sois cadáveres. Quando ela é morta, pelo delito do homem contra si mesmo, estais condenados, separados de Deus para sempre. " "Portanto, Tu admites que o filósofo que disse que somos "imortais" tinha razão, ainda que ele fosse pagão?" - pergunta Plautina. "Eu não o admito. Mas faço mais do que isso. Digo que isso é até um artigo de fé. A imortalidade da alma, isto é, a imortalidade da parte superior do homem é o mistério mais certo e mais consolador para quem crê. É ele que nos dá a certeza de onde é que viemos, de para onde vamos, de quem é que somos nós, e nos tira o amargor de todas as separações." Plautina fica pensando profundamente. Jesus a fica observando e se cala. Depois, pergunta: "E Tu, tens uma alma assim?" Jesus responde: "Com toda a certeza." "Mas, Tu és, ou não és Deus?" "Sou Deus. Eu já te disse. Mas agora assumi natureza de homem. E sabes por que motivo? Porque só com este meu sacrifício é que Eu podia resolver os problemas, que para a vossa razão são insuperáveis , depois de ter derrubado o erro, livrando o pensamento, podia livrar também a alma de uma escravidão que, por enquanto, não te posso explicar. Para isso encerrei a Sabedoria em um corpo, a Santidade em um corpo. Eu espalho a Sabedoria como uma semente sobre o terreno, e com o pé feri aos ventos, e a Santidade como que saindo de uma preciosa ânfora quebrada, escorrerá sobre o mundo, na hora da Graça, e santificará os homens. E, então o Deus Desconhecido ficará conhecido. "Mas Tu já és conhecido. Quem puser em dúvida o teu poder e a tua sabedoria, é mau ou mentiroso » "Conhecido, Eu sou. Mas estamos apenas na aurora. O meio-dia é que vai ser cheio do conhecimento de Mim." "Qual será o teu meio-dia? Um triunfo? Eu o verei?" "Na verdade, será um triunfo. E tu estarás lá. Porque em ti há náuseas daquilo que sabes, e apetite do que não sabes. Tua alma tem fome. " "É verdade. Tenho fome da verdade " "Eu sou a Verdade. " "Entrega-te, então a esta esfaimada " "Basta que venhas à minha mesa. A minha palavra é pão de verdade. " Mas, que dirão os nossos deuses, se os abandonamos? Não se vingarão de nós? - pergunta Lídia aterrorizada. "Mulher, já viste uma manhã nevoada? Os prados desaparecem, debaixo de um vapor que os esconde. Depois vem o sol, e o vapor se dissolve, e os prados aparecerá, e mais belos. Assim são os vossos deuses, uma névoa do pobre pensamento humano que, não conhecendo a Deus e tendo necessidade de crer, porque a fé é o estado permanente e necessário do homem, criou para si mesmo esse Olimpo, uma verdadeira fábula sem fundamento. Assim os vossos deuses, ao nascer do sol, à chegada do Deus Verdadeiro, se dissolverão em vossos corações, sem poderem fazer mal a ninguém. Porque eles não existem. "Vai ser preciso ouvir-te ainda... muito... Estamos completamente diante do desconhecido. O que Tu dizes é novo."

"Mas te repugna? Não podes aceitá-lo?" Plautina responde com firmeza. "Não. Agora me sinto mais orgulhosa do pouquinho que já sei, e que César não sabe nada, além do meu nome."  "E, então, persevera. Eu vos deixo com a minha paz." "Mas, como? Não ficas aqui, meu Senhor?" Joana está desolada. "Não fico. Tenho muito que fazer..." "Oh! Eu te queria falar do meu sofrimento!" Jesus se põe a caminho, depois das saudações das romanas, mas se vira e diz: "Vem até a barca. E me irás dizendo os teus problemas." Joana vai indo com Ele. E diz: "Cusa está querendo mandar-me por algum tempo para Jerusalém, e eu estou sofrendo por isso. Ele quer fazer isso, porque não quer que eu fique mais afastada, já que agora estou sã..." "Tu também estás criando em ti umas névoas inúteis! " Jesus já está com o pé sobre a barca. "Se pensasses que assim poderás hospedar-me e acompanhar-me com mais facilidade, irias ficar contente, e até dirias: "Foi a Bondade que pensou nisso". "Oh! é verdade, meu Senhor. Eu nem tinha pensado nisso." "Pensa, então! Obedece, como uma mulher de valor. A obediência te dará o prêmio de ter-me contigo na próxima Páscoa, e a honra de ajudar-me a evangelizar as tuas amigas. A paz esteja sempre contigo! "
 A barca se afasta, e tudo termina.


(de Jesus à Valtorta, O Evangelho como me foi Revelado, Vol. 3)

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