O encontro de Jesus com as romanas no jardim
de Joana de Cusa.
19 de mato de 1945.
Jesus, com a ajuda de
um barqueiro, que o acolheu em seu barquinho, desembarca pela prancha do jardim
de Cusa. Um Jardineiro já o viu e vai ao seu encontro para abrir-lhe a cancela,
que barra aos estranhos o ingresso na propriedade ao lado do lago, - uma
cancela alta e forte que, no entanto, fica escondida por uma sebe, muito viçosa
e alta de toureiros e buxos, do lado externo, de onde se vai para o lago, e de
rosas de todas as cores do lado interno para quem vai para a casa. As
esplêndidas roseiras ornam com flores as copas bronzeadas dos toureiros e dos
buxos, insinuam-se pelo meio das ramagens, atravessam e aparecem do outro lado,
ou então, ultrapassam completamente a barreira verde, e fazem cair suas comas
floridas para além da sebe. Só num ponto, na altura duma alameda, apresenta-se
nua, e é ali que se abre para dar passagem a quem vem do lago e a quem para lá
vai.
"A paz para esta
casa e para ti! Joana. Onde esta a tua patroa?" "Está lá com suas
amigas. Vou já chamá-la. Há três dias que estão Te esperando, por medo de
chegarem atrasadas." "Jesus sorri. O criado vai correndo chamar Joana
Enquanto isso, Jesus vai caminhando lentamente para o lugar que lhe foi
mostrado pelo criado, vai admirando o belíssimo jardim, poder-se-ia dizer o
belíssimo roseiral, que Cusa mandou formar para sua mulher. São rosas de todas
as cores, tamanhos e formas, plantadas nesta enseada bem resguardada do lago, e
que já estão sorrindo, precoces e esplêndidas. Há também pés de outras flores.
Mas estes ainda não floriram, e sua presença é pouco notada, diante da
quantidade das roseiras. Joana vem
chegando. Ela nem pôs no chão um pequeno cesto com rosas até a metade, nem
deixou a tesoura que ia levando para colhê-las, e assim vai correndo, com os
braços estendidos, ágil e gentil em sua rica veste de lã leve de um cor-de-rosa
muito claro, cujos frisos estão presos por um arranjo de broches e fivelas em
filigrana de prata, sobre os quais brilham umas pálidas granadas. Por cima de
seus cabelos negros e ondulados, um diadema em forma de mitra, também de prata
e com granadas, está segurando um véu de linho muito ligeiro, também ele
cor-de-rosa, que recai para trás deixando descobertas as pequenas Grelhas, das
quais pendem pesados brincos parecidos com o diadema, e o rosto risonho, o
pescoço delicado, sobre cuja raiz brilha um colar trabalhado com a mesma arte
com que o foram todos os outros adornos preciosos. Ela deixa cair o seu cesto
diante dos pés de Jesus, e se ajoelha, por entre as rosas espalhadas, para
beijar-lhe a veste. "A paz esteja contigo, Joana. Eu vim." "E eu
estou feliz. Elas também vieram. Oh! Agora me parece ter feito mal com isso.
Como fareis para entender-vos? Elas são pagãs mesmo! "Joana está um pouco
agitada. Jesus sorri, e põe-lhe a mão sobre a cabeça: "Não tenhas medo.
Nós nos entenderemos muito bem. E tu agiste muito bem, "ao fazeres
isto". O encontro produzirá muitas flores de bem, como o teu jardim produz
de rosas. Apanha agora estas pobres rosas, que deixaste cair, e vamos ao
encontro das tuas amigas." "Oh! Rosas, nós temos bastantes! Eu
tratava delas para passar o tempo e, além disso, porque as minhas amigas são
assim... assim... voluptuosas. Gostam das flores, como se fossem... não
sei..." "Mas Eu também gosto de flores! Estás vendo como já
encontramos um assunto para nos entendermos Eu e elas? Vamos! Vamos apanhar
estas esplêndidas rosas...", e Jesus se inclina, para dar o exemplo.
"Tu, não. Tu não, Senhor! Mas, se o queres mesmo... já está feito." Vão caminhando até um quiosque, que é formado
por um entrelaçamento multicor de roseiras. Da soleira dele, três romanas estão
espreitando: Plautina, Valéria e Lídia. A primeira e a ultima estão perplexas,
enquanto Valéria sai correndo para fora, e se inclina, dizendo: "Salve, ó
Salvador da minha pequena Fausta!" "Paz e luz a ti e as tuas
amigas."
As amigas se inclinam sem dizerem nada. Plautina, já a
conhecemos. Alta, imponente, com uns belos olhos negros, um pouco dominadores,
por baixo de uma fronte lisa e muito alva, um nariz reto, perfeito, a boca um
pouco saliente, mas bem feita, um queixo arredondado e distinto, que me faz
lembrar de certas estátuas, muito belas, de imperatrizes romanas. Pesados anéis
reluzem em suas belas mãos e grandes braceletes de ouro circundam seus braços,
torneados como os das estátuas nas alturas dos pulsos e dos cotovelos, que
expõem à luz um branco rosado, liso e perfeito, fora das mangas curtas e
drapejadas. Lídia, por sua vez, é loura, mais delicada e mais nova. Sua beleza
não é imponente como a de Plautina, mas tem toda a graça de uma juventude
feminina ainda um pouco agreste. E, uma vez que estamos diante de um tema
pagão, eu poderia dizer que, se Plautina parece a estátua de uma imperatriz,
Lídia poderia ser uma Diana, ou uma ninfa de aspecto pudico e gentil. Valeria,
agora que não está naquele desespero em que a vimos em Cesaréia, aparece em sua
beleza de jovem mãe, em suas formas um pouco avolumadas, mas ainda bastante
juvenis, com aqueles olhos tranquilos da mãe feliz por poder nutrir e ver
crescer, com o seu leite, o seu filhinho. De cor róseo-acastanhada, ela tem um
sorriso comedido, mas muito agradável. Tenho a impressão de que sejam damas de
grau inferior ao de Plautina, pois até em seu modo de olhá-la, já a veneram com
a uma rainha. "Estáveis cuidando
das flores? Continuai, continuai. Poderemos ir falando, mesmo enquanto ides colhendo estas
esplêndidas obras do Criador, que são as flores, e enquanto as dispondes com
aquela habilidade em que Roma é mestra, ao preparar com elas esses vasos tão
zelos em que se lhes prolonga a vida, que é tão breve... Se ficamos admirados,
ao olharmos para este botão, que mal começa a abrir o sorriso de suas pétalas
de um amarelo rosado, como poderíamos deixar de ficar tristes, ao vê-lo morrer?
Mas, oh! como ficariam pasmados os judeus, se me ouvissem dizer isso! Contudo,
é porque, até na natureza das flores, sentimos alguma coisa de vida. E ver o
fim delas nos causa dó. Entretanto, a planta é mais sábia do que nós. Ela sabe
que, de cada ferida de um dos seus talos cortados, nasce um novo broto, que
produzirá uma nova rosa. E aí está o porque é que nossa mente deve recolher
este ensinamento, e fazer do amor um pouco sensual pela flor, um estímulo para
pensar em coisas mais altas. "Que coisas, Mestre?", pergunta
Plautina, que o está escutando atentamente, seduzida pelo pensamento elegante
do Mestre hebreu. "Estas. Que, assim como a planta não morre, enquanto a
sua raiz está nutrida pelo solo, se não morre, quando morrem os seus talos. Sim
a humanidade não morre, quando termina a vida terrena de um ser. Mas sempre ela
solta novas flores. E, um pensamento ainda tais alto, e próprio para fazermos
bendizer o Criador - enquanto na flor, desde que tenha morrido, já não mais
revive, e isso para nós uma tristeza, o homem, por mais adormecido que esteja
em seu último sono, não está morto, mas vivo, com uma vida ainda mais
brilhante, recebendo, em sua parte melhor, a vida eterna e o esplendor do
Criador que o formou. Por isso, Valéria,
se a tua menina tivesse morrido, não terias perdido as carícias dela. Sobre a
tua alma teria sempre descido o beijo da tua filha, separada de ti, mas não
esquecida do teu amor. Estás vendo como é doce ter uma fé na vida eterna? Onde
está agora a tua pequenina?" "Naquele berço coberto. Eu não me
separei dela nunca antes, porque o amor para com o marido e pela filha eram as
duas metas de minha vida. Mas agora que sei o que é vê-la morrer, não a deixo
nem por um instante." Jesus se dirige para uma cadeira sobre a qual está
colocada uma coisa como um bercinho de madeira, todo coberto por uma rica
colcha. Ele a descobre, e olha a pequenina adormecida, que o ar, que está
soprando sobre ela um pouco mais vivo, acaba por despertar. Seus olhinhos se
abrem espantados, e um sorriso de anjo faz descerrar-se a boquinha, enquanto as
mãozinhas, antes fechadas, se abrem, desejosas de agarrar os cabelos ondulados
de Jesus, e um chilrar de passarinho assinala a formação de um discurso no
pensamento dela. Enfim, solta a grande e universal palavra: "Mamãe!"
"Pega-a, pega-a", diz Jesus, que se afasta para deixar que Valéria
possa inclinar-se sobre o berço. "Mas ela vai te aborrecer!... Eu vou
chamar uma escrava e mandar que a leve pelo jardim." "Aborrecer? Oh!
Não. As crianças nunca aborrecem. São sempre minhas amigas." "Tens
filhos ou sobrinhos, Mestre?", pergunta Plautina, que está observando os
sorrisos com que Jesus está provocando a pequenina para fazê-la sorrir.
"Não tenho filhos nem sobrinhos. Mas amo as crianças, como amo as flores.
Porque elas são puras e sem malícia. Eu até te peço, dá-me, ó mulher, a tua
pequenina. Apertar contra o coração um pequeno anjo é tão doce para Mim."
E Jesus se assenta com a pequenina, que fica olhando para Ele, e lhe vai
despenteando a barba, e depois acha melhor fazer isso com as franjas do manto
dele e com o cordão da túnica, aos quais ela dedica um longo e misterioso
discurso. Plautina diz: "A nossa boa e sábia amiga, uma das poucas que não
nos despreza, nem sente corromper-se em nossa companhia, ela deve ter-te dito
que tínhamos o desejo de ver-te e ouvir-te para termos uma ideia do que
realmente és. Porque Roma não crê em fábulas... Por que estás sorrindo, Mestre?
"Depois Eu te direi. Continua." "Porque Roma não crê em fábulas,
e quer julgar com ciência e consciência, antes de condenar ou exaltar. O teu
povo tanto te exalta, como te calunia, na mesma medida. As tuas obras levariam
a exaltar-te. Mas as palavras de muitos entre os hebreus levariam a tomar-te
por nada menos do que um delinquente. As tuas palavras são solenes sábias, como
as de um filósofo. Roma tem muito amor às doutrinas filosóficas e... devo dizê-lo,
os nossos filósofos atuais não tem uma doutrina que satisfaça, mesmo porque o
modo de vida deles não corresponde ao que eles ensinam." "Eles não
podem ter um modo de vida que corresponda à sua doutrina. "Porque eles são
pagãos, não é?" "Não. Porque são ateus." "Ateus? Eles tem
os seus deuses." "Nem aqueles eles tem mais, mulher. Eu te faço
lembrar dos antigos filósofos, os maiores. Eram pagãos, eles também, mas, não
obstante isso, olha que elevação de vida houve entre eles! Estava misturada com
o erro, porque o homem é levado a errar. Mas, quando eles viram diante dos
maiores mistérios: a vida e a morte, quando estiveram colocados diante do
dilema da Honestidade ou da Desonestidade, da Virtude ou do Vicio, do Heroísmo
ou da Covardia, e pensaram que, se se inclinassem para o mal, isso seria um mal
para a pátria e para os cidadãos, aí eles, com uma vontade de gigantes, jogaram
para longe deles as garras dos maus pólipos e, livres e santos, souberam querer
o Bem, a qualquer custo. Este Bem que outro não é, a não ser Deus." "'Dizem que Tu és Deus. É verdade?" "Eu sou o Filho do Deus Verdadeiro, feito
carne, sem deixar de ser Deus." "Mas, que é Deus? Deve ser o maior
dos mestres, se for como Tu." "Deus é muito mais do que um mestre.
Não limiteis a ideia sublime da Divindade, até dar-lhe uma limitação de
sabedoria." "A sabedoria é uma divindade. Nós temos Minerva. É a
deusa do saber. " "Vós tendes também Vênus, deusa do prazer. Podereis
admitir que um deus, isto é, um ser superior aos mortais, tenha elevado até à
perfeição tudo o que há de mais feio entre os mortais? Podereis pensar que
alguém, que é eterno, tenha para sempre as pequenas, mesquinhas e vis delicias dos
que só têm uma hora de tempo? E que delas faça a meta de sua vida ? Não pensais
que sujo há de ser esse céu, que vos chamais de Olimpo, e onde estão
fermentando os sucos mais azedos da humanidade? Se olhais para o vosso céu, que
é que vedes? Luxurias, delitos, ódios, guerras, furtos, bebedeiras, trapaças,
vinganças. Quando quereis celebrar as festas de vossos deuses, que é que
fazeis? Orgias. Qual o culto que prestais a eles? Onde está a verdadeira
castidade das consagradas a festa? Sobre que código divino se apóiam, para
julgar, os vossos pontífices? Que palavras podem ler no vôo dos pássaros ou no
estrondo do trovão os vossos Augures? E as sangrentas vísceras dos animais
sacrificados, que resposta podem dar aos vossos arúspices? Tu disseste:
"Roma não crê em fábulas." E, então, por que é que crê que doze
pobres homens, levando um porco ao redor dos campos, com uma ovelha e um touro
e, tendo-os imolado, possam tornar propícia a Ceres, se vós tendes inúmeras
divindades, uma odiando a outra, e acreditando vós nas vinganças delas? Não.
Deus é uma coisa bem diferente. Ele e Eterno, é Único e Espiritual."
"Mas Tu dizes que és Deus, e és carne." "Há ainda um altar sem
deus, na pátria dos deuses. A sabedoria humana o dedicou ao Deus desconhecido.
Porque os sábios, os verdadeiros filósofos, entreviram que havia alguma coisa,
alem do cenário historiado, criado por aquelas eternas crianças que são os
homens, cujos espíritos estão enfaixados pelas vendas do erro. Se agora estes
sábios que intuíram haver algo além do cenário mentiroso, alguma coisa de
verdadeiramente sublime e divino, que fez tudo que existe, e do qual vem tudo
que há de bom no mundo, quiseram um altar para o Deus desconhecido, que eles
pressentiam ser o Verdadeiro Deus, como podeis dar o nome de deuses aos que
deuses não são, e dizer que sabeis o que na realidade não sabeis? Procurai,
pois, saber o que é Deus, para poderdes conhecê-Lo e honrá-Lo. Deus é Aquele
que do seu pensamento fez tudo do nada. Será que vos deixais persuadir e
satisfazer só com a fábula das pedras que se transformaram em homens? Em
verdade há homens mais duros e malvados do que a pedra, e há pedras que são
mais úteis do que o homem. Mas, para ti, não é mais doce, Valéria, ao olhares
para esta tua pequenina, e pensar assim: "É
uma vontade viva de Deus, por Ele criada e formada, por Ele dotada de uma
segunda vida que não morre, de modo que eu a terei ainda, a minha pequena
Fausta, e por toda a eternidade, se eu crer no Deus Verdadeiro", em
vez de dizer: "Estas carnes
rosadas, estes cabelos mais finos do que fios de uma teia aranha, será que tudo
isso vem de uma pedra?" Ou se haverá de dizer: "Eu sou em tudo
semelhante à loba ou à fêmea do cavalo, e brutalmente me acasalo, brutalmente
gero, brutalmente crio, e esta filha é fruto do meu instinto bruto, é um bruto
como eu, e amanhã, quando ela morrer, quando eu também morrer, seremos duas
carniças, que vão-se desfazendo com fedor, e que nunca mais se verão?"
Dize-me!
O teu coração de mãe que é que acharia destas duas razões?"
"Certamente que a segunda, não, Senhor! Se eu tivesse sabido que Fausta
não era uma coisa que pudesse ser desfeita para sempre, a minha dor, em sua
agonia, teria sido menos impiedosa. Porque eu teia dito: "Eu perdi uma
pérola. Mas ela ainda existe. E eu a encontrarei de novo." "Tu o
disseste. “Quando eu vim ao vosso encontro, a vossa amiga se disse que se
admirava da vossa paixão pelas flores. E tinha medo de que isso pudesse Me
desagradar. Mas Eu lhe garanti que não, e lhe disse: "Eu também gosto de
flores e, por causa disso, vamos entender-nos muito bem." Mas quero
levar-vos a amar as flores, como levo Valéria a amar a sua filha, da qual,
estou certo de que ela vai cuidar com muito mais cuidado, agora que ela sabe
que a filha tem uma alma, que é uma pequena parte de Deus, encerrada na carne
que a mamãe lhe deu, uma pequena parte que não morre e que a mãe encontrará no
céu, se crer no Verdadeiro Deus. Assim, também vós. Olhai esta rosa tão linda. A púrpura, que embeleza a veste do
imperador é menos esplêndida do que uma destas pétalas, que não só é alegria
para os olhos, por sua cor, mas também, para o lato, por sua maciez e do
olfato, pelo seu perfume. E olhai esta também, e esta outra, e mais esta. A
primeira parece sangue que jorrou de um coração, a segunda a neve que acabou de
cair, a terceira é ouro pálido, a última perece ter sido feita com esta doce
face infantil, que ai do colo está sorrindo para Mim. E, ainda: a primeira está
rígida sobre o seu grosso pedúnculo quase sem espinhos, fortemente vermelho no
meio da folhagem, como se tivesse sido borrifado de sangue; a segunda tem
loucos ramos com espinhos e umas folhas opacas e pálidas ao longo do pedúnculo;
a terceira é flexível como um junco e tem umas folhas pequenas e brilhantes,
como se fossem de uma cera verde; e a última parece cercar o caminho contra
qualquer assalto à sua rosada carola, lá tão coberta que está de espinhos.
Parece uma lima com arestas pontiagudos. Pensai agora. Quem fez isto? Como?
Quando? Onde? E este lugar, que é que era, na noite dos tempos? Não era nada.
Era uma agitação informe de vários elementos. Alguém (Deus) disse: "Eu
quero", e os elementos se separaram um do neutro, unindo-se por famílias.
Outra vez soaram as palavras "Eu Altero'', e os elementos se coordenaram
um com o outro, como a água por entre terras; ou um sobre o outro, como o ar e
a luz sobre o planeta que estava criado. Ainda um "Eu quero", e
apareceram as plantas. Depois vieram as estrelas, depois os animais e,
finalmente o homem. E, para que o homem sentisse prazer, como com encantadores
brinquedos dados ao seu predileto, Deus lhe deu as flores, os astros, e,
finalmente lhe deu a alegria de procriar não aquilo que morre, mas aquilo que
sobrevive à morte, pelo dom de Deus que é a alma. Estas rosas são outras tantas
vontades do Pai. Seu infinito poder se manifesta em uma infinidade de belezas.
'°Não me é fácil dizê-lo, porque o assunto vai chocar-se contra o bronze maciço
das vossas crenças. Mas Eu espero que, como este é o nosso primeiro encontro,
já nos tenhamos entendido um pouco. Que a vossa alma se debruce sobre tudo o
que Eu vos disse. Tereis perguntas a fazer? Fazei-as. Estou aqui para
esclarecê-las. A ignorância não é uma
vergonha. Vergonha é persistir na ignorância, quando há alguém que possa
esclarecer as dúvidas." E Jesus, como se fosse o mais experiente dos
papais, sai do quiosque, segurando pela mão a pequenina, que já está dando seus
primeiros passinhos, e que quer ir até um repuxo, que está esguichando ao sol.
As mulheres ficam onde estão, conversando umas com as outras. Joana, indecisa
entre dois desejos, está ainda na porta do quiosque. Finalmente, Lídia se
decide, e atrás dela vão as outras, indo até Jesus, que lá está rindo, porque a
menina quer pegar o pequeno arco íris que o sol está formando com a água, e não
consegue pegar nada mais do que a luz. Mas ela insiste, com todo o seu pipilar
de um pintinho, que vem saindo dos seus labiozinhos cor-de-rosa.
"Mestre... eu não compreendi porque é que disseste que
os nossos mestres não podem ter formas de vida boas, visto que são ateus. Eles
crêem no Olimpo. Mas crêem... " "Eles não têm nada mais que uma
exterioridade em sua crença. Enquanto eles verdadeiramente creram, como os
verdadeiros sábios creram naquele Desconhecido de que Eu te falei, naquele Deus
que satisfazia as suas almas, mesmo sem ter nome, e mesmo sem perceberem o que
estavam querendo, enquanto tiveram voltado o seu pensamento para este Ser,
muito superior, muito superior aos pobres deuses cheios de humanidade, e de
baixa humanidade de, que o paganismo criou, eles necessariamente, tiveram, um
pouco, o reflexo de Deus. A alma é um
espelho que reflete e um eco que responde. "Reflete o quê, Mestre?"
"A Deus." "Eis uma grande palavra!" "É uma grande
verdade." Valéria, que está seduzida pelo pensamento da imortalidade,
pergunta: "Mestre, explica-me onde está a alma de minha menina. Eu
beijarei o lugar como um sacrário e o adorarei, porque é um lugar de
Deus." "A alma! É como esta luz que a tua Faustina está querendo
segurar, mas não pode, porque ela é incorpórea. Mas ela existe. Eu, tu e tuas
amigas a vemos. Igualmente a alma é visível em tudo aquilo que diferencia o
homem do bruto. Quando a tua pequena te disser os seus primeiros pensamentos,
pensa bem que aquela inteligência é a alma dela que se revela. Quando ela te
amar, não com o instinto, mas com razão, pensa bem que aquele amor é a sua
alma. Quando ela crescer, bela ao teu lado, não somente no corpo, mas na
virtude, pensa bem que aquela beleza é a sua alma. E não adores a alma, mas a
Deus que a criou, a Deus que de toda alma boa quer fazer para Si um
trono." "Mas, onde fica essa coisa incorpórea e sublime: no coração?
no cérebro? "Fica nesse todo que é o homem. Ela contém, e é contida.
Quando ela vos deixa, sois cadáveres. Quando ela é morta, pelo delito do homem
contra si mesmo, estais condenados, separados de Deus para sempre. " "Portanto,
Tu admites que o filósofo que disse que somos "imortais" tinha razão,
ainda que ele fosse pagão?" - pergunta Plautina. "Eu não o admito.
Mas faço mais do que isso. Digo que isso é até um artigo de fé. A imortalidade
da alma, isto é, a imortalidade da parte superior do homem é o mistério mais
certo e mais consolador para quem crê. É ele que nos dá a certeza de onde é que
viemos, de para onde vamos, de quem é que somos nós, e nos tira o amargor de
todas as separações." Plautina fica pensando profundamente. Jesus a fica
observando e se cala. Depois, pergunta: "E Tu, tens uma alma assim?"
Jesus responde: "Com toda a certeza." "Mas, Tu és, ou não és
Deus?" "Sou Deus. Eu já te disse. Mas agora assumi natureza de homem.
E sabes por que motivo? Porque só com este meu sacrifício é que Eu podia
resolver os problemas, que para a vossa razão são insuperáveis , depois de ter
derrubado o erro, livrando o pensamento, podia livrar também a alma de uma
escravidão que, por enquanto, não te posso explicar. Para isso encerrei a
Sabedoria em um corpo, a Santidade em um corpo. Eu espalho a Sabedoria como uma
semente sobre o terreno, e com o pé feri aos ventos, e a Santidade como que
saindo de uma preciosa ânfora quebrada, escorrerá sobre o mundo, na hora da
Graça, e santificará os homens. E, então o Deus Desconhecido ficará conhecido.
"Mas Tu já és conhecido. Quem puser em dúvida o teu poder e a tua
sabedoria, é mau ou mentiroso » "Conhecido, Eu sou. Mas estamos apenas na
aurora. O meio-dia é que vai ser cheio do conhecimento de Mim." "Qual
será o teu meio-dia? Um triunfo? Eu o verei?" "Na verdade, será um
triunfo. E tu estarás lá. Porque em ti há náuseas daquilo que sabes, e apetite
do que não sabes. Tua alma tem fome. " "É verdade. Tenho fome da
verdade " "Eu sou a Verdade. " "Entrega-te, então a esta
esfaimada " "Basta que venhas à minha mesa. A minha palavra é pão de
verdade. " Mas, que dirão os nossos deuses, se os abandonamos? Não se
vingarão de nós? - pergunta Lídia aterrorizada. "Mulher, já viste uma
manhã nevoada? Os prados desaparecem, debaixo de um vapor que os esconde.
Depois vem o sol, e o vapor se dissolve, e os prados aparecerá, e mais belos.
Assim são os vossos deuses, uma névoa do pobre pensamento humano que, não
conhecendo a Deus e tendo necessidade de crer, porque a fé é o estado
permanente e necessário do homem, criou para si mesmo esse Olimpo, uma
verdadeira fábula sem fundamento. Assim os vossos deuses, ao nascer do sol, à
chegada do Deus Verdadeiro, se dissolverão em vossos corações, sem poderem
fazer mal a ninguém. Porque eles não existem. "Vai ser preciso ouvir-te
ainda... muito... Estamos completamente diante do desconhecido. O que Tu dizes
é novo."
"Mas te repugna? Não podes aceitá-lo?" Plautina
responde com firmeza. "Não. Agora me sinto mais orgulhosa do pouquinho que
já sei, e que César não sabe nada, além do meu nome." "E, então, persevera. Eu vos deixo com a
minha paz." "Mas, como? Não ficas aqui, meu Senhor?" Joana está
desolada. "Não fico. Tenho muito que fazer..." "Oh! Eu te queria
falar do meu sofrimento!" Jesus se põe a caminho, depois das saudações das
romanas, mas se vira e diz: "Vem até a barca. E me irás dizendo os teus
problemas." Joana vai indo com Ele. E diz: "Cusa está querendo
mandar-me por algum tempo para Jerusalém, e eu estou sofrendo por isso. Ele
quer fazer isso, porque não quer que eu fique mais afastada, já que agora estou
sã..." "Tu também estás criando em ti umas névoas inúteis! "
Jesus já está com o pé sobre a barca. "Se pensasses que assim poderás
hospedar-me e acompanhar-me com mais facilidade, irias ficar contente, e até
dirias: "Foi a Bondade que pensou nisso". "Oh! é verdade, meu
Senhor. Eu nem tinha pensado nisso." "Pensa, então! Obedece, como uma
mulher de valor. A obediência te dará o prêmio de ter-me contigo na próxima
Páscoa, e a honra de ajudar-me a evangelizar as tuas amigas. A paz esteja
sempre contigo! "
A barca se afasta, e
tudo termina.
(de Jesus à Valtorta, O Evangelho como me foi Revelado, Vol.
3)
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