A notícia da morte de João Batista.
Ouvem-se
umas vozes gritando lá no horto. Pedem com ânsia: “ O Mestre! O Mestre! Quem
é?”
Responde
com uma voz cantante a dona da casa: “ Ele está no quarto de cima. Quem sois
vos? Doentes?”
Não.
Somos discípulos do João, e queremos falar com Jesus de Nazaré.
Jesus aparece á janela, e diz:
“ A paz esteja convosco... Oh! Sois vós? Vinde! Vinde!
São os três pastores João,
Matias e Simeão. Oh! Mestre!, dizem eles,
levantando as cabeças e mostrando uns rostos entristecidos. Nem mesmo a vista
de Jesus os tranqüiliza.
Jesus
sai do quarto, e vai até eles, no terraço. Manaém o acompanha. Encontram-se
justamente no ponto em que a pequena escada desemboca no terraço exposto ao
sol.
Os
três se ajoelham, beijando o chão. Depois o João diz por todos: E agora,
acolhe-nos, Senhor, porque nós somos a tua herança, e as lágrimas descem pelo
rosto do discípulo e dos companheiros.
Jesus
e Manaém deram juntos um grito: “ João?”
Foi
morto...
Aquela
palavra caiu como se fosse um enorme fragor, cobrindo todos os outros rumores
do mundo. E, no entanto, ela foi falada muito baixo. Mas ela petrifica quem a
diz e quem a ouve. E parece que a terra, para recolhê-la, e para horrorizar-se
com ela, suspenda todos os rumores que ela tinha, a tal ponto, que se faz um
espaço de tempo de silêncio e de profunda imobilidade nos animais, nas copas
das árvores e no ar. Fez também uma pausa o arrulhar dos pombos, obstrui-se a flauta
dos melros, tornou-se mudo o coral dos pássaros, e, como se tivessem sido
quebradas de repente suas pequeninas maquinas, as cigarras estridentes se calam
subitamente, enquanto que também o vento pára de soprar, quando ele estava
acariciando as folhas dos parreirais e fazia ouvir um frufru de seda, e cessa
até a chiadeira das peças de madeira seca que se atritavam nas máquinas.
Jesus
fica com uma palidez de marfim, enquanto seus olhos se dilatam, e se põem
vidrados pelas lágrimas. Ele abre os braços ao falar, a sua voz se faz ouvir
profunda, por causa do esforço feito para dizer com firmeza: “ Paz ao mártir da justiça e ao meu Precursor.” Depois ele junta os braços
e se recolhe em seu espírito, e certamente estará rezando, comunicando-se com o
Espírito de Deus e do Batista.
...Jesus
abre de novo a boca e os olhos. Seu rosto, seu olhar, sua túnica recuperaram a
majestade divina, que lhe é habitual. Só continua uma pesada tristeza, mas
temperada pela paz.
“
Vinde. Vós o contareis a Mim. Desde hoje já sois meus.”
E
os conduz ao quarto, fechando depois a porta e entreabrindo o toldo, para
regular a entrada da luz, a fim de poderem ter um recolhimento, pensando na dor
e na beleza da morte do Batista, e para separarem a perfeição de sua vida do
mundo corrompido.
“
Falai, diz Jesus.
...
Foi na tarde da festa. Era imprevisível o que aconteceu... Apenas duas horas
antes, Herodes se havia aconselhado com João, dando-lhe depois benignamente a
licença de poder ir-se. E, pouco antes que acontecesse... o homicídio, o martírio,
o delito, a glorificação, Herodes lhe havia mandado um servo levando frutas
geladas e vinhos raros ao prisioneiro. João havia distribuído entre nós aquelas
coisas... Ele nunca mudou a sua austeridade... Só nós é que estávamos lá,
porque, graças a Manaém, trabalhávamos no palácio como servos, nas cozinhas e
nas estrebarias. E esta era a oportunidade que nos permitia ver sempre nosso
João... Ficávamos na cozinha eu e João, enquanto Simeão vigiava os servos das
estrebarias, para que tratassem com cuidado as cavalgaduras dos hóspedes... O
palácio vivia cheio de grandes, de chefes militares e de senhores da Galiléia.
Herodes havia se fechado em seus aposentos, depois de uma violenta cena
acontecida pela manhã entre ela e Herodes...
Manaém
interrompe: “ Mas, quando é que foi para lá a hiena?”
Dois
dias antes. Inesperada... dizendo ao monarca que não podia viver longe dele,
nem estar ausente no dia de sua festa. Uma víbora e uma feiticeira, que, como
sempre, o tratava como um objeto de escárnio... Mas Herodes, pela manhã daquele
dia, se havia recusado, ainda que estivesse bêbado pelo vinho e pela luxúria, a
conceder á mulher o que ela estava pedindo em altos gritos... E ninguém podia
pensar que fosse a vida de João! Ela estava em seus aposentos, toda desdenhosa,
tinha recusado as iguarias reais, mandadas por Herodes em bandejas preciosas.
Ela só tinha retido uma bandeja preciosa, cheia de frutas, retribuindo ao
presente com uma ânfora de vinho drogado para Herodes... Drogado... Ah!
Drogado, o tanto necessário para que a natureza de Herodes, sempre bêbado e
viciado, o levasse ao delito! Pelos servos da mesa ficamos sabendo que, depois
da dança das atrizes da corte, ou antes da metade dela, havia irrompido no
salão do banquete Salomé, dançando. E as atrizes, diante da menina real, se
haviam retirado para perto das paredes. A dança era perfeita, segundo nos
disseram. Lasciva e perfeita. Era digna dos hóspedes... Herodes... Oh! Talvez
algum novo desejo de incesto lhe estivesse fermentando por dentro. Herodes, ao chegar
o fim daquela dança, cheio de entusiasmo, disse a Salomé: “ Dançaste bem! Eu
juro que mereces um prêmio. E eu juro que te darei; Eu juro que te darei
qualquer coisa, que quiseres pedir. Na presença de todos, eu juro. Pede, então,
o que quiseres.”
E
Salomé, fingindo estar perplexa, inocente e modesta, envolvendo-se em seus
véus, com ares de pudica, depois de tanta impudicícia, disse: “ Permite-me, ó
grande, refletir um momento. Vou retirar-me, depois virei, porque o teu favor
me deixou perturbada...”, e se retirou, indo conversar com sua mãe. Selma me
disse que ela entrou rindo e disse á sua mãe:” Minha mãe, tu venceste. Dá-me a
bandeja.” E Erodíades, com um grito de triunfo, mandou a escrava, que disse á
menina, a bandeja, antes retida, dizendo-lhe: “ Vai, e volta aqui com aquela
cabeça odiada, e eu te vestirei de pérolas e de ouro.” E Selma,
horripilando-se, obedeceu... Salomé tornou a entrar, dançando na sala, e,
dançando, foi prostrar-se aos pés do rei, dizendo: “ Eis aqui, sobre esta
bandeja, que mandaste á minha mãe, em sinal de que a amas e me amas, sobre ela
eu quero a cabeça de João. Depois dançarei ainda, se isso te agrada. Dançarei a
dança da vitória. Porque eu te venci. Eu te venci, ó rei! Venci a vida, e estou
feliz!”
Isso
foi o que ela disse, e que nos foi repetido por um copeiro amigo. E Herodes
ficou perturbado e obrigado por duas vontades, a de ser fiel á palavra dada e a
de ser justo. Mas, não soube ser justo, porque ele é um injusto. Fez sinal ao
carrasco, que estava atrás da cadeira do rei, e ele, tomando das mãos
levantadas de Salomé a bandeja, desceu do salão do banquete para os
compartimentos inferiores. Nós o vimos atravessar a corte, eu e João... e,
pouco depois, ouvimos o grito do Simeão: “ Assassinos!”, e em seguida, o vimos
passar com a cabeça na bandeja... João, o teu Precursor, estava morto...
Simeão,
podes dizer-me como foi que ele morreu?, pergunta depois de algum tempo, Jesus.
Sim.
Ele estava em oração... Ele me havia dito antes: “ Daqui a pouco, voltarão os
dois enviados, e quem não crê, crerá. Mas, enquanto isso, lembra-te de que, se
eu não estiver mais vivo, quando eles voltarem, pois eu sou como alguém que
está perto de morrer, eu ainda te digo, a fim de que digas a eles: “ Jesus de
Nazaré é o verdadeiro Messias.” Ele pensava sempre em Ti... O carrasco entrou.
Eu dei um grito forte. João levantou a cabeça, e o viu, depois, se pôs de pé e
disse: “ Não podes mais do que cortar-me a vida, Mas a verdade, que permanece,
é que não é lícito fazer o mal.” E estava para dizer-me uma coisa, quando o
carrasco rodou no ar a pesada espada, enquanto João ainda estava de pé, e a
cabeça caiu separada do busto, com um grande jorro de sangue, que avermelhou a
pele de cabra que ele vestia, e fez ficar cor de cera o seu rosto magro, no
qual continuaram vivos, abertos, acusadores aqueles olhos. Ela me rolou aos
pés... Depois que Herodíades bateu nela e a deformou, mandou que a cabeça fosse
jogada aos cães. Mas nós a recolhemos logo e, com um véu precioso, o envolvemos
junto com o corpo. Compusemos, de noite, o corpo, e o transportamos para fora
de Maqueronte. Nós fomos embalsamá-lo dentro de uma moita de acácias, que havia
lá perto, ao raiar do sol, com a ajuda de outros discípulos. Mas ainda ele foi
tomado de nós para outras deformações. Porque ela não pôde destruí-lo, nem pôde
perdoá-lo... E os seus escravos, por medo da morte, foram mais ferozes do que
uns chacais, ao tomarem de nós aquela cabeça. Se ti estivesses lá, Manaém...
Se
eu estivesse lá... Mas é a maldição dela aquela cabeça... Em nada fica diminuída
a glória do Precursor, ainda que seu corpo fique incompleto. Não é verdade,
Mestre?
É
verdade. Mesmo que os cães o tivessem destruído, não se teria mudado sua
glória.
Nem
ficou mudada a palavra dele, Mestre. Os seus olhos, ainda que maltratados e
transformados em uma grande ferida, ainda estão dizendo: “ Não te é lícito.”
Mas
nós o perdemos, diz Matias.
E
nós agora somos teus, porque assim ele disse, dizendo também que Tu já sabes.
Sim.
Há sete meses que já sois meus. Como foi que viestes?
A
pé, por etapas. Longo, difícil era o caminho, por cima de areias ardentes e
expostas ao sol, mas mais ardente era a nossa dor. Há quase vinte dias que
estamos caminhando.
Agora,
descansareis.
Manaém
pergunta: “ Dizei-me, Herodes não estranhou a minha ausência?
Sim.
Primeiro ficou inquieto, e furioso depois. Mas, quando passou o seu furor, ele
disse: “ É um juiz a menos.” Isto foi o que nos contou o copeiro nosso amigo.
Jesus
diz: “ Um juiz a menos! Ele tem Deus por juiz. E basta isso.
(
) Evangelho como me foi Revelado – Maria Valtorta, Vol 4, pgs 305 a 309)
Sem comentários:
Enviar um comentário